No Ano do Tigre, a China pode se tornar um país de alta renda, por The Economist.

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A pergunta que especialistas se fazem agora é: será que o país realmente escapou da armadilha da renda média?

The Economist, O Estado de S. Paulo – 06/02/2022.

A China é assombrada pelo fantasma da “armadilha da renda média”, o conceito de que as economias emergentes crescem rapidamente para sair da pobreza, mas acabam presas em um nível anterior ao da riqueza. “Durante os próximos cinco anos, devemos ter um cuidado especial para evitar cair na armadilha da renda média”, disse Li Keqiang, o primeiro-ministro da China em 2016. Lou Jiwei, então ministro das Finanças do país, certa vez disse que as chances de a China ficar presa eram de 50%.

A armadilha foi identificada por Homi Kharas e Indermit Gill, dois economistas, em 2006, quando ambos trabalhavam no Banco Mundial. Ela leva a uma pergunta óbvia: o que conta como renda média e o que caracterizaria superá-la? Kharas e Gill adotaram as classificações de renda do banco onde trabalhavam, que foram determinadas em 1989, quando ele estabeleceu a separação entre os países de alta renda dos demais. A divisão tinha de acomodar todos os países que eram então considerados “economias industrializadas”.

Foi elaborada com uma renda nacional per capita de US$ 6 mil para os preços em vigor em 1987, baixos o suficiente para incluir a Irlanda e a Espanha. O valor atualmente é de US$ 12.695. Ele sobe em sintonia com uma média ponderada de preços e taxas de câmbio em cinco grandes economias: Estados Unidos, Reino Unido, China, zona do euro e Japão. Oitenta países atingiram esse patamar em 2020, três a menos do que no ano anterior. A pandemia rebaixou as Ilhas Maurício, o Panamá e a Romênia para o nível intermediário.

Apesar dos temores de seus líderes, ou talvez por causa deles, a China agora está prestes a se tornar um país de alta renda, segundo este conceito. Com base nas previsões mais recentes disponibilizadas pelo Goldman Sachs, calculamos que o país poderá mudar de classificação no próximo ano, ajudado em parte por sua forte moeda. (A transição não seria anunciada oficialmente até meados de 2024, quando o Banco Mundial atualiza suas classificações com base nos dados do ano anterior.)

Se estivermos certos, então 2022, o Ano do Tigre, poderia ser o último da China como um país de renda média. Depois disso, ela será mais poderosa e rica.

A fronteira é, sem dúvida, arbitrária. Vários países (entre eles Argentina, Rússia e até mesmo Venezuela) a ultrapassaram, mas tropeçaram e acabaram caindo nos anos seguintes. Escapar de forma duradoura da armadilha da renda média exige uma transição mais fundamental. Os países neste estágio intermediário de desenvolvimento podem esbarrar em um grande número de obstáculos. Eles talvez enfrentem diminuição de retornos para o capital, costumam sofrer com a escassez de trabalhadores para sair da agricultura. E devem investir de forma pesada na educação, além da educação básica necessária para os trabalhadores de fábrica lerem instruções. O teste mais verdadeiro de um país de alta renda é o quanto ele lida bem com tais ameaças ao seu crescimento. Como a China está se saindo com esses três pontos?

Investimentos
A China ainda está acumulando capital em um ritmo acelerado. O país investiu 43% de seu PIB nos cinco anos anteriores à pandemia. Os países de alta renda, em média, apenas metade dessa porcentagem. Mas a alta taxa de investimentos da China talvez não seja tão infrutífera como muitas vezes se supõe. Assim como seu investimento continua alto para os padrões dos países ricos, o mesmo acontece com a taxa de crescimento do PIB. De fato, a relação entre sua participação de investimentos na produção e sua taxa de crescimento (às vezes chamada de relação capital/produto incremental) ainda parece favorável em comparação com os países de alta renda.

E quanto às outras fontes de crescimento? Em sua revisão anual da economia chinesa, divulgada em 28 de janeiro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) observou com preocupação que a “produtividade total dos fatores” de crescimento da China, que mede as mudanças na produção que não podem ser associadas a mais capital ou trabalho, caiu na última década, em comparação com a década anterior. O FMI atribuiu esse abrandamento a uma “paralisação” das reformas estruturais, sobretudo nas empresas estatais. “O dinamismo do mercado vem perdendo fôlego recentemente”, argumentou a instituição. Mas esse tipo de produtividade é conhecido por ser difícil de medir. E, de acordo com um indicador da Conference Board, uma associação empresarial, ela está crescendo perceptivelmente mais rápido na China que nos países de alta renda.

Os padrões de emprego da China ainda diferem de forma acentuada dos de países mais prósperos. Surpreendentemente, talvez, a parcela de seus trabalhadores no setor da construção é inferior à dos países de alta renda. A porcentagem nas fábricas é maior (19%, em comparação com uma média de 13%), e o número de trabalhadores na agricultura é muito maior – cerca de 25%, em comparação com uma média de 3% nos países de alta renda.

Sob uma perspectiva, essa força de trabalho rural residual é motivo de otimismo. Se a China pode alcançar níveis de renda elevados com um quarto de seus trabalhadores na agricultura, imagine o que o país fará quando eles migrarem para empregos mais produtivos? O receio, no entanto, é que esses trabalhadores não tenham deixado as fazendas porque não podem. Talvez eles não queiram perder seus direitos sobre as terras comunais. Ou talvez sejam muito velhos ou pouco escolarizados para aproveitar as melhores oportunidades nas cidades.

O nível de escolaridade dos trabalhadores da China é, de fato, um motivo de preocupação. De acordo com o último censo do país, sua população adulta tinha uma média de 9,9 anos de escolaridade em 2020. Isso o colocaria perto da lanterna da lista dos países de alta renda, que têm 11,5 anos em média, de acordo com Robert Barro, de Harvard, e Jong-Wha Lee, da Universidade da Coreia.

Alta renda
Esse problema só pode ser resolvido com um grupo por vez. Os cidadãos mais velhos da China cresceram em um país muito mais pobre e foram educados segundo esse contexto. Uma criança que ingressa atualmente no sistema escolar chinês pode esperar receber 13,1 anos de educação, de acordo com o Banco Mundial. A qualidade ainda não corresponde à quantidade: com base na pontuação das crianças em testes padronizados, 13 anos de escola na China equivalem a menos de dez anos em um país como Cingapura, calcula o banco. Contudo, as coisas têm melhorado.

A escolaridade de seu capital humano reflete o passado pobre da China, nesse caso, mas o “fluxo” de investimento em novo capital humano é mais condizente com um futuro de alta renda. O problema é que esse investimento de alto custo em dinheiro e tempo está desencorajando os casais a ter filhos, um impasse demográfico que é tristemente característico de muitas regiões ricas do mundo. A população da China cresceu apenas 0,03% no ano passado. A julgar pela experiência do Japão, uma população envelhecida e não renovada pode contribuir para pressão nos gastos, baixo crescimento e baixas taxas de juros. Os formuladores de políticas da China agora devem se preocupar com um tipo diferente de armadilha.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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