Políticas devem estar centradas no jovem com dificuldade de ingresso qualificado no mundo do trabalho
Sergio Firpo, Professor de economia e coordenador do Centro de Ciência de Dados do Insper.
Folha de São Paulo, 11/11/2022
O novo governo terá enormes desafios no enfrentamento da baixa produtividade do trabalho no Brasil, a qual persiste basicamente inalterada há quatro décadas. Os motivos de nossa baixa produtividade são vários e estruturais.
Nossa força de trabalho tem baixa qualificação. A despeito dos enormes avanços de cobertura da educação básica nas últimas três décadas, com resultados tangíveis sobre a escolarização da força de trabalho, a qualidade ainda é muito baixa. Dados do Pisa indicam faltar habilidades básicas a 66% dos jovens brasileiros na faixa dos 15 anos.
A composição da oferta educacional tampouco está conectada às demandas do mundo do trabalho. A educação profissional e tecnológica (EPT) é o patinho feio de nosso sistema educacional. Apenas 17% das vagas no ensino médio são para o ensino médio técnico. Isso num cenário em que se sabe que há ganhos relevantes no mercado de trabalho em termos de emprego, formalização e salários, quando se comparam egressos do médio técnico e regular.
Nossa EPT tem dificuldade de se adaptar rapidamente às mudanças de tecnologia e de setores e não está integrada ao ensino superior, fazendo com que ela seja encarada como etapa final. Expandir a EPT e deixá-la mais próxima ao setor produtivo, sem ser capturada por interesses privados nada universais, é tarefa difícil, mas necessária. Por fim, o apoio da oferta privada nesse processo de rápida expansão será fundamental.
Retornos salariais para quem tem ensino superior ainda são enormes em nosso país. A expansão do ensino superior reduziria esses hiatos e ajudaria a resolver gargalos ocupacionais em setores e regiões.
Embora as falhas educacionais tenham papel decisivo sobre nossa baixa produtividade, há ainda outros fatores explicativos. A alta informalidade no mercado de trabalho é um deles. Relações formais de trabalho permitem aos empregadores fazerem investimentos no capital humano de seus funcionários. Como quase metade dos ocupados não possui carteira de trabalho assinada, há poucos ganhos de produtividade derivados da relação estável de emprego.
Grande parte da informalidade no mercado de trabalho é fruto das barreiras institucionais criadas pela nossa legislação. Com o afã de garantir direitos trabalhistas a todos, tornamos vários deles inexequíveis. Salário-mínimo universal para todas as faixas etárias atrapalha o acesso do jovem com baixa qualificação ao emprego formal. Contribuições e impostos sobre folha incidindo sem progressividade também contribuem para a informalidade entre esses jovens.
Há ainda outro fator relevante para a baixa produtividade do trabalho no Brasil, que vai além dos problemas com a oferta educacional e regulações do mercado de trabalho. A demanda por trabalho qualificado é pequena. Nossa economia é pouco exposta à competição internacional, o que permite a coexistência de um número reduzido de empresas grandes com tecnologia relativamente avançada e lucrativas com milhares de micro e pequenas empresas com tecnologia defasada, e que só sobrevivem ao custo da permanência na informalidade. São essas empresas informais ou formais, mas diminutas, que absorvem e sustentam a demanda por trabalhadores pouco produtivos.
Recentemente, um outro canal de absorção da força de trabalho ganhou espaço no país e ao redor do mundo. O trabalho por aplicativo tornou-se uma forma de manter ocupados centenas de milhares de trabalhadores nos grandes centros urbanos do país. Entregando comida ou transportando passageiros, esses trabalhadores estão à margem da legislação vigente.
Embora não seja claro que esses arranjos necessariamente mantenham em níveis baixos a produtividade do trabalho, o enquadramento das relações de trabalho por aplicativo como sendo de emprego pode gerar distorções desnecessárias sem alcançar os objetivos de formalização desejados. Uma regulação apropriada e independente que envolva escrutínio e aprovação dos contratos e algoritmos usados, observância de metas de segurança, intervalos de preços e tarifas e coibição de condutas anticompetitivas nos mercados de serviço e de trabalho se faz urgente.
Nesses próximos meses saberemos se as políticas voltadas ao mercado de trabalho estarão centradas nos jovens com dificuldade de inserção qualificada no mundo do trabalho ou se serão fruto de “amplo debate tripartite”, a saber, das conversas reservadas entre políticos do Ministério do Trabalho as federações de indústrias e do comércio e as centrais sindicais.