Bráulio Borges, doutorando em economia da FGV EESP, mestre em economia na FEA-USP, é diretor da LCA Consultores e pesquisador-associado do FGV Ibre.
Folha de São Paulo, 31/10/2025
A megaoperação policial que deixou mais de 120 mortos no Rio de Janeiro reacende um debate crucial para o Brasil: qual é o custo real da violência e da criminalidade para nosso desenvolvimento econômico e social? Esse episódio ilustra de forma bastante dramática um problema que deve estar custando ao Brasil pontos preciosos de crescimento econômico, entre outros impactos deletérios.
Há diversas métricas para medir o grau de violência e a criminalidade. Um dos mais acompanhados é o número de homicídios cometidos a cada 100 mil habitantes. No caso do Brasil, esse indicador vinha em tendência de alta desde o começo dos anos 1990, atingindo um pico em 2017, com cerca de 31 homicídios por 100 mil habitantes.
Desde então, houve um recuo expressivo desse indicador, inclusive em 2023 e 2024, chegando a cerca de 20 no ano passado (e continua caindo em 2025). Trata-se de uma queda expressiva, de quase 40% ante 2017. Não obstante, o patamar da violência em nosso país ainda é muito elevado: a média mundial desse indicador é de cerca de 5 homicídios.
Qual o custo econômico desse desvio tão elevado da taxa de homicídios brasileira ante a média mundial? Um estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional no final de 2023 dá uma ideia disso: reduzir as taxas de homicídio na América Latina ao nível da média mundial poderia elevar o crescimento econômico anual da região em 0,5 ponto percentual. Para países com alto grau de violência, como é o caso brasileiro, fechar completamente essa lacuna poderia elevar o crescimento do PIB em cerca de 0,8 ponto percentual.
O estudo identificou os canais de transmissão: a violência prejudica a acumulação de capital ao afastar investidores que temem roubos e violência, além de reduzir a produtividade ao desviar recursos para investimentos menos produtivos (como segurança patrimonial).
Nesse contexto, muitos vêm advogando pela replicação da experiência recente de El Salvador. A taxa de homicídios no país despencou de 108 por 100 mil habitantes em 2015 para cerca de 2,0 em 2024, refletindo a política linha-dura do presidente Nayib Bukele.
Contudo, esse aparente sucesso veio acompanhado de um custo elevado: cerca de 2% da população do país foi detida, com registro de prisões arbitrárias, desaparecimentos, mortes sob custódia e tortura. A Freedom House rebaixou El Salvador de um país “livre” para “parcialmente livre”, com sua pontuação caindo de 67 em 2019 para 47 em 2025 (o Brasil recebeu nota 72 em 2025, classificado como “livre”).
O crescimento econômico salvadorenho, ao menos até agora, não se acelerou, tendo-se mantido em torno de 2,5% a.a, indicando que reduzir a violência através da erosão democrática pode neutralizar ou mesmo reverter os ganhos associados à redução da taxa de homicídios.
Não muito longe do Brasil, temos o caso do Chile: embora tenha passado de cerca de 3 para 6 por 100 mil ao longo da última década, a taxa de homicídio no país ainda é relativamente baixa em ampla comparação internacional (é semelhante àquela dos EUA). E o país tem sustentado isso sem sacrificar o Estado de Direito (pontuação de 95 no indicador da Freedom House). Certamente esse é um dos fatores por trás do sucesso deles em termos de desenvolvimento: o PIB per capita chileno praticamente triplicou entre 1990 (último ano da ditadura iniciada em 1973) e 2024, ao passo que o brasileiro cresceu menos de 60% nesse mesmo período.
No caso do Brasil, não há uma “bala de prata” para gerar uma redução adicional expressiva da violência. É preciso investir em uma abordagem multifacetada, combinando gestão estratégica, articulação entre União, estados e municípios, inteligência, controle de armas, gestão de dados e políticas baseadas em evidências.

