O desafio dos bons empregos

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Dani Rodrik – Valor Econômico – 11/02/2019

No mundo inteiro, atualmente, o principal desafio para conquistar a prosperidade econômica inclusiva é a criação de números suficientes de “bons empregos”. Sem emprego produtivo e confiável para a vasta maioria da população em idade ativa de um país, ou o crescimento da economia continua fugaz ou seus benefícios acabam concentrados em uma minoria insignificante. A escassez de bons empregos também solapa a confiança nas elites políticas, o que alimenta a reação adversa autoritária e nativista que afeta muitos países atualmente.

A definição de um bom emprego depende, evidentemente, do nível de desenvolvimento econômico do país em questão. É, normalmente, um cargo estável no setor formal que vem acompanhado de salvaguardas trabalhistas essenciais, como condições de trabalho seguras, direitos de barganha coletivos e regulamentações contra demissões arbitrárias. Isso possibilita, no mínimo, manter um estilo de vida de classe média, de acordo com os padrões do país em questão, com renda suficiente para moradia, alimentação, transportes, educação e outros gastos da família, além de alguma poupança. Como argumenta há muito tempo Zeynep Ton, do MIT, as estratégias de “bons empregos” podem ser tão lucrativas para as empresas quanto o são para os trabalhadores.

Mas o problema mais profundo é o de caráter estrutural. Tanto países desenvolvidos quanto em desenvolvimento sofrem hoje de uma crescente incompatibilidade entre a estrutura da produção e a estrutura da população em idade ativa. A produção está se tornando cada vez mais intensiva em qualificação, enquanto o grosso da força de trabalho continua de baixa qualificação. Isso gera uma disparidade entre os tipos de empregos e os tipos de trabalhadores disponíveis.

A tecnologia e a globalização conspiraram para ampliar essa discrepância, com a automação e a digitalização cada vez maiores da indústria e dos serviços. Embora as novas tecnologias pudessem ter beneficiado trabalhadores de baixas qualificações, em princípio, na prática o avanço tecnológico foi, em grande medida, de substituição de mão de obra. Além disso, o comércio e os fluxos de investimento internacionais, e as cadeias de valor mundiais, em especial, homogeneizaram as técnicas de produção no mundo inteiro, tornando muito difícil para países mais pobres competir nos mercados mundiais sem adotar técnicas intensivas em qualificações e em capital semelhantes às utilizadas nas economias avançadas.

O resultado disso é a intensificação do dualismo econômico. Toda economia do mundo de hoje é dividida entre um segmento avançado, geralmente mundialmente integrado, que emprega uma parcela minoritária da população em idade ativa, e um segmento de baixa produtividade que absorve o grosso dessa população, muitas vezes a baixos salários e sob condições precárias.

Há apenas três maneiras de reduzir a incompatibilidade entre a estrutura dos setores produtivos e a da população em idade ativa. A primeira estratégia, e a que concentra o grosso da atenção das políticas públicas, é o investimento em qualificações e em educação. Se a maioria dos trabalhadores adquirirem a capacitação e as qualificações exigidas pelas tecnologias avançadas, o dualismo acabará se desfazendo, com a expansão dos setores de alta produtividade em detrimento dos demais.

Toda economia do mundo hoje é dividida entre um segmento avançado, mundialmente integrado, que emprega parcela minoritária da população em idade ativa, e um segmento de baixa produtividade que absorve o grosso dessa população, muitas vezes a baixos salários.

Essas políticas voltadas para o capital humano são importantes, mas seus efeitos serão sentidos no futuro. Elas são pouco operantes no enfrentamento das realidades presentes do mercado de trabalho. Não é possível transformar a população em idade ativa da noite para o dia. Além disso, sempre há ao risco real de que a tecnologia avance mais rapidamente do que a capacidade da sociedade de educar os recém-ingressos em sua população em idade ativa.

Uma segunda estratégia é convencer empresas bem-sucedidas a empregar mais trabalhadores pouco qualificados. Em países em que as diferenças de qualificações não são enormes, os governos podem (e devem) convencer suas empresas de sucesso a aumentar o nível de emprego – ou diretamente ou por meio de seus fornecedores locais. Os governos dos países desenvolvidos também têm um papel a desempenhar para mudar a natureza da inovação tecnológica. Frequentemente, eles subsidiam tecnologias substitutivas de mão de obra, capital intensivas, em vez de conduzir a inovação para direções socialmente mais benéficas, voltadas para aumentar, em vez de substituir, o contingente de trabalhadores menos qualificados.

Essas políticas pouco tendem a fazer muita diferença em países em desenvolvimento. Para eles, o principal obstáculo continuará a ser o fato de que as tecnologias já adotadas dão espaço insuficiente à substituição de fatores: usar mão de obra menos qualificada em vez de profissionais qualificados ou capital físico. Os exigentes padrões de qualidade necessários para abastecer as cadeias de valor mundiais não podem ser atendidos facilmente pela substituição de máquinas por mão de obra manual. É por isso que a produção mundialmente integrada, mesmo nos países mais abundantes em mão de obra, como a Índia ou a Etiópia, recorre a métodos relativamente intensivos em utilização de capital.

Isso coloca um largo segmento de economias em desenvolvimento – desde países de renda média, como o México e a África do Sul até países de baixa renda, como a Etiópia – diante de um enigma. A solução padrão de melhorar as instituições educacionais não rende benefícios de curto prazo, enquanto os setores mais avançados da economia são incapazes de absorver a superoferta de trabalhadores de baixa qualificação.

A resolução desse problema pode exigir uma terceira estratégia, que é a que capta o menor grau de atenção: impulsionar uma faixa intermediária de atividades de baixa qualificação intensivas em uso de mão de obra. O turismo e a agricultura não tradicional são os principais exemplos desses setores que absorvem mão de obra. O emprego público (em construção e prestação de serviços), há muito desprezado pelos especialistas em desenvolvimento, é outra área que pode exigir atenção.

A política governamental, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento, está, com muita frequência, preocupada em impulsionar as tecnologias mais avançadas e em promover as empresas mais produtivas. Mas a incapacidade de gerar empregos bons, de classe média, tem custos sociais e políticos muito altos. Reduzir esses custos exige um foco diferente, voltado especificamente para o tipo de emprego alinhado com a composição de qualificações dominante na economia em questão. (Tradução de Rachel Warszawski).

Dani Rodrik, professor de economia política internacional da Faculdade de Governo John F. Kennedy, da Universidade de Harvard, é autor de “Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O resultado disso é Há apenas três maneiras de reduzir a incompatibilidade entre a estrutura dos setores produtivos e a da população em idade ativa. A primeira estratégia, e a que concentra o grosso da atenção das políticas públicas, é o investimento em qualificações e em educação. Se a maioria dos trabalhadores adquirirem a capacitação e as qualificações exigidas pelas tecnologias avançadas, o dualismo acabará se desfazendo, com a expansão dos setores de alta produtividade em detrimento dos demais. Toda economia do mundo hoje é dividida entre um segmento avançado, mundialmente integrado, que emprega parcela minoritária da população em idade ativa, e um segmento de baixa produtividade que absorve o grosso dessa população, muitas vezes a baixos salários Essas políticas voltadas para o capital humano são importantes, mas seus efeitos serão sentidos no futuro. Elas são pouco operantes no enfrentamento das realidades presentes do mercado de trabalho. Não é possível transformar a população em idade ativa da noite para o dia. Além disso, sempre há ao risco real de que a tecnologia avance mais rapidamente do que a capacidade da sociedade de educar os recém-ingressos em sua população em idade ativa. Uma segunda estratégia é convencer empresas bem-sucedidas a empregar mais trabalhadores pouco qualificados. Em países em que as diferenças de qualificações não são enormes, os governos podem (e devem) convencer suas empresas de sucesso a aumentar o nível de emprego – ou diretamente ou por meio de seus fornecedores locais. Os governos dos países desenvolvidos também têm um papel a desempenhar para mudar a natureza da inovação tecnológica. Frequentemente, eles subsidiam tecnologias substitutivas de mão de obra, capital intensivas, em vez de conduzir a inovação para direções socialmente mais benéficas, voltadas para aumentar, em vez de substituir, o contingente de trabalhadores menos qualificados. Essas políticas pouco tendem a fazer muita diferença em países em desenvolvimento. Para eles, o principal obstáculo continuará a ser o fato de que as tecnologias já adotadas dão espaço insuficiente à substituição de fatores: usar mão de obra menos qualificada em vez de profissionais qualificados ou capital físico. Os exigentes padrões de qualidade necessários para abastecer as cadeias de valor mundiais não podem ser atendidos facilmente pela substituição de máquinas por mão de obra manual. É por isso que a produção mundialmente integrada, mesmo nos países mais abundantes em mão de obra, como a Índia ou a Etiópia, recorre a métodos relativamente intensivos em utilização de capital. Isso coloca um largo segmento de economias em desenvolvimento – desde países de renda média, como o México e a África do Sul até países de baixa renda, como a Etiópia – diante de um enigma. A solução padrão de melhorar as instituições educacionais não rende benefícios de curto prazo, enquanto os setores mais avançados da economia são incapazes de absorver a superoferta de trabalhadores de baixa qualificação. A resolução desse problema pode exigir uma terceira estratégia, que é a que capta o menor grau de atenção: impulsionar uma faixa intermediária de atividades de baixa qualificação intensivas em uso de mão de obra. O turismo e a agricultura não tradicional são os principais exemplos desses setores que absorvem mão de obra. O emprego público (em construção e prestação de serviços), há muito desprezado pelos especialistas em desenvolvimento, é outra área que pode exigir atenção. A política governamental, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento, está, com muita frequência, preocupada em impulsionar as tecnologias mais avançadas e em promover as empresas mais produtivas. Mas a incapacidade de gerar empregos bons, de classe média, tem custos sociais e políticos muito altos. Reduzir esses custos exige um foco diferente, voltado especificamente para o tipo de emprego alinhado com a composição de qualificações dominante na economia em questão. (Tradução de Rachel Warszawski)

Dani Rodrik, professor de economia política internacional da Faculdade de Governo John F. Kennedy, da Universidade de Harvard, é autor de “Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy”.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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