Grandes empresas voltarão a buscar fornecedores regionais
RAM MAHIDHARA, Ex-executivo sênior da International Finance Corporation (IFC/Banco Mundial) e cofundador e COO (diretor de operações) da arara.io
Folha de São Paulo, 03/04/2022
A crise de abastecimento de produtos provocada pela pandemia e agora a ameaça de corte do gás europeu e insumos vindos da Ucrânia estão colocando em marcha um rearranjo global das cadeias de suprimento.
Trata-se de um processo de reversão da chamada globalização, que na última década tornou a China a base de fabricação do mundo, com empresas terceirizando uma grande parte de seus insumos para lá e, em menor escala, para outras partes da Ásia.
A competitividade de custos e os ganhos de eficiência oferecidos pela mudança para a China significaram que muitos itens, anteriormente fabricados nos EUA, na Europa e na América Latina, ou mesmo em países como a Índia, se transferiram para o gigante asiático. Os produtos farmacêuticos e eletrônicos são os melhores exemplos disso.
A Covid-19 expôs o risco dessa concentração e dependência excessivas. Com o fechamento da China, seguido por desacelerações na expedição, transporte e logística, empresas em todo o mundo foram atingidas. O desabastecimento de insumos básicos para enfrentar a pandemia deixou evidente a necessidade de deslocamento geográfico da produção mundial.
A guerra vai catalisar esse quadro. O conflito na Ucrânia traz, agora, a questão do deslocamento estratégico, com ênfase maior no inventário e aumento do estoque de bens essenciais no curto e médio prazo. As empresas vão aproximar geográfica e estrategicamente suas cadeias de abastecimento, seja no mesmo país, ou, pelo menos, dentro do mesmo continente.
É seguro colocar todos os nossos ovos em uma única cesta, mesmo que este país seja o fornecedor mais barato? Ou é estrategicamente melhor termos alternativas? Todas essas são questões com as quais as empresas estão se defrontando neste momento. Aquelas que diversificaram seus suprimentos provavelmente estão se saindo melhor no cenário atual.
Isso destaca a importância de monitorar a própria cadeia de abastecimento para todos os tipos de riscos, particularmente os riscos de ESG (“Environmental, Social and corporate Governance”).
O Brasil tem uma oportunidade neste cenário. Enquanto as empresas norte-americanas e europeias procuram diversificar suas cadeias de abastecimento, o país, com alguma notável experiência em indústrias selecionadas (serviços de petróleo e gás, fabricação de automóveis, tecnologia aeronáutica etc.), pode se posicionar como escolha mais estável e segura para as multinacionais. Sem contar que o Brasil é a 12ª maior economia do mundo e tem sua própria demanda interna.
As empresas brasileiras também devem olhar para suas cadeias de abastecimento e buscar alternativas mais próximas de casa. É claro que, devido aos tremendos avanços que a China obteve na indústria, levará tempo e recursos para competir com a velocidade, a eficiência e os preços dos fabricantes de lá —mas isso pode ser feito. A indústria brasileira precisa identificar essas oportunidades competitivas. Mesmo que seja um pouco mais caro produzir no Brasil, trata-se de uma alternativa sólida por motivos estratégicos: o país oferece mais estabilidade e capacidade produtiva em comparação a muitas outras nações nesta nova e frágil ordem global.