Lauro Mattei – A Terra é Redonda – 19/04/2025
Para Donald Trump e seus séquitos só existe uma nação americana: os Estados Unidos
1.
A eleição e as ações iniciais do governo de Donald Trump parecem ir mais além de uma simples “guerra comercial” como tem sido divulgado frequentemente. Com sua pose de imperador do mundo, Donald Trump e seus asseclas pretendem retomar doutrinas imperialistas de séculos passados como forma de demonstração de poder absoluto sobre todas as demais nações do planeta.
Na essência, percebe-se que a ação de Donald Trump na esfera comercial global busca encobrir um problema doméstico, especialmente em termos do fracasso das políticas sociais norte-americanas que se reproduz no comportamento de fúria e ódio da classe média, a qual se frustrou com o cenário econômico que faz com que o “sonho americano” fique cada vez mais distante. Em grande medida, decorre daí o respaldo obtido por Donald Trump em relação às políticas protecionistas que estão sendo adotadas, bem como o apoio aos ataques proferidos contra os imigrantes, especialmente da América Latina e Caribe.
Para fazer frente a este cenário político complexo, Donald Trump está procurando reavivar para o presente a “Doutrina Monroe” definida pela política externa dos Estados Unidos em 1823. Ao impedir a interferência de países europeus no Continente Americano, tal doutrina reforçou o imperialismo dos Estados Unidos no referido local e permitiu, inclusive, que esse país realizasse todos os tipos de intervenção em países da América Latina e Caribe e também em países da América Central.
2.
Apenas recordando que o tema do imperialismo foi discutido sistematicamente por John A. Hobson em 1902. Esse autor o considerou como sendo um fenômeno decorrente do processo de acumulação de capital que foi fortemente potencializado após as revoluções industriais. Esse assunto foi retomado por Vladímir Lênin em 1916 em sua obra clássica Imperialismo, fase superior do capitalismo, momento em que são analisadas as distintas características do imperialismo que movem sua existência: a luta política pela partilha do domínio no mundo.
De um modo geral, pode-se dizer que a política dos Estados Unidos para o conjunto de países que fazem parte do continente americano baseia-se no exercício do domínio por meio dos poderes econômico, político, cultural e militar, estando ela assentada nas ideias de superioridade e de submissão dos demais aos seus interesses. Tais pressupostos estão ancorados na presunção com que se autodenominam: a América. [1] Ou seja, para Donald Trump e seus séquitos só existe uma nação americana: os Estados Unidos.
Portanto, não há nenhuma novidade quando o presidente Donald Trump se refere à América do Sul e Central como “quintal dos EUA”. O senhor Pete Hegseth, secretário de defesa dos EUA, em entrevista ao canal Fox News no dia 10.04.2025, assim se manifestou: (a) criticou o avanço da China na região utilizando-se do Canal do Panamá; (b) criticou o ex-presidente Barack Obama por ter deixado a China atuar na América do Sul e Central impondo sua influência econômica e cultural, além de ter feito “acordos ruins” com governos locais; (c) ressaltou que os EUA farão tudo o que for possível para interromper a influência chinesa na região, bem como as ameaças que a China representa para o hemisfério; (d) finalmente destacou a posição do presidente Donald Trump: “não mais, nós vamos recuperar o nosso quintal”. Para Donald Trump, a China “cresceu nesse quintal” durante os últimos governos democratas.
Em visita oficial recente ao Panamá, o secretário Pete Hegseth externou novamente o desejo de Donald Trump de que os EUA voltem a comandar o canal como era até 1999. Além disso, informou que haverá aumento das forças americanas nas antigas bases militares, além de solicitar isenção das taxas aplicadas às embarcações militares dos EUA, cujo movimento é elevado.
No mesmo evento, o secretário saudou a decisão do governo do Panamá de ter declinado de sua participação no projeto chinês da “nova rota da seda”, programa que, por um lado, promove a expansão de obras de infraestrutura e, por outro, busca a cooperação no âmbito de interesses mútuos. Registre-se que o canal do Panamá continua sendo estratégico para os EUA, uma vez que por ele passam 40% de todos os conteiners dos EUA, bem como 5% de todo o comércio mundial.
3.
A China se manifestou duas vezes sobre esses assuntos acima mencionados. Na primeira delas afirmou que o governo de Donald Trump está chantageando o governo do Panamá, uma vez que acordos comerciais são decisões soberanas dos países, portanto interferências externas são inaceitáveis.
Na segunda, a China rebateu mais fortemente a visão de Donald Trump sobre a América Latina e Central: os povos latino-americanos buscam suas independências e não querem doutrinas de dominação porque buscam construir seu próprio lar sem ser quintal de ninguém.
Neste sentido, nota-se que há mais elementos centrais que fazem parte do lado esquecido do imperialismo dos EUA, além da guerra comercial que esse país vem travando globalmente, porém em particular com a China: cortes expressivos nos programas mundiais de ajuda humanitária; retirada do país dos principais organismos e agências da Organização das Nações Unidas (ONU); culpabilização dos países latino-americanos pelo avanço das drogas na sociedade Estadunidense; culpabilização dos imigrantes latinos pelos problemas estruturais do mercado de trabalho dos EUA; etc.
Por fim, acreditamos que a maioria dos latino-americanos não tem nenhum apreço pelos desejos do presidente dos EUA, uma vez que seus quintais são providos de jardins com flores que simbolizam o amor e a paz entre os povos e não pelo ódio e pela guerra que nutrem cotidianamente a mente de um psicopata.
*Lauro Mattei é professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do programa de pós-graduação em Administração, ambos na UFSC.
Notas
[1] Nunca é tarde relembrar ao senhor Trump que o Continente Americano é composto por três regiões geográficas com os seguintes países: América Latina e Caribe (33 países); América Central (7 países) e América do Norte (3 países). Portanto, as Américas não se restringem apenas ao país que ele governa atualmente.