O mito do progresso

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A pandemia está desnudando as condições sociais da sociedade internacional, mostrando as negatividades que foram construídas nas últimas décadas, deixando uma sociedade refém das desigualdades e da desesperança, criando medos e instabilidades que levam os seres humanos a preocupações crescentes, ansiedades, depressões e o incremento do suicídio em todas as regiões do mundo. De outro lado, neste momento percebemos que o sistema econômico dominante garante a um reduzido grupo, mas forte econômica e politicamente, o poder e o controle dos recursos monetários, os instrumentos de comunicação, os valores que transitam nas Bolsas globais, os costumes e os comportamentos.

A pandemia está trazendo novos instrumentos de reflexão, o caos gerado pelo vírus mostra como somos frágeis, nos mostra ainda que não estamos capacitados por uma grande degradação econômica e sanitária, os consensos são frágeis e os recursos são concentrados, onde uma pequena parte, algo em torno de 1% da sociedade global, concentrava, em 2018, mais de 85% das riquezas geradas no mundo, perpetuando as desigualdades sociais, levando-nos a indagarmos se o mundo contemporâneo está progredindo ou estamos caminhando a passos largos para uma convulsão social, cujos impactos são impossíveis de serem mensurados.

O desenvolvimento da tecnologia foi assustador nos últimos anos, o crescimento das áreas da saúde, como percebemos neste momento de pandemia, cujas pesquisas culminaram em várias vacinas num período recorde, criando possibilidades e esperanças. O crescimento nas áreas da comunicação e das finanças estão contribuindo para incluir milhões de pessoas, levando a todos os continentes informações e recursos financeiros, dinamizando as regiões e impulsionando novos espaços de produção e de empreendedorismo, com impactos positivos.

Os benefícios da tecnologia são inquestionáveis, doenças que facilmente poderiam levar o ser humano ao óbito, na atualidade, podem ser facilmente tratadas, melhorando a qualidade de vida e o bem-estar social, levando os indivíduos a transformarem suas vidas, abrindo novos mercados de consumo e novas oportunidades para os trabalhadores, com incremento da expectativa de vida. Ao mesmo tempo, temos que refletir sobre os grandes ganhadores deste progresso, onde uma parte da população está desprovido destes benefícios. Neste momento, percebemos um grande contingente de trabalhadores, estimados em 2 bilhões de pessoas, que vivem em residências sem saneamento básico, sem o mínimo acesso à internet, sem serviços de saúde, inexistência de proteção social, sem escolas decentes e perspectivas degradantes, nesta situação, percebemos que a desigualdade está crescendo de forma acelerada, perpetuando pobrezas e indignidades.

Neste ambiente, percebemos discursos centrados na meritocracia, numa sociedade tão marcada por iniquidade, onde as oportunidades inexistem para uma grande parte das pessoas, o discurso do mérito perde a efetividade e a legitimidade, contribuindo para aumentar as frustrações e as desesperanças que permeiam a sociedade contemporânea.

O verdadeiro progresso da humanidade deve melhorar a qualidade de vida e o bem-estar da grande parte da sociedade, garantindo novas oportunidades, melhorias educacionais, incremento dos serviços de saúde dos indivíduos, empregos dignos e bem remunerados. O sonho do progresso é possível desde que os desafios sejam enfrentados de frente, na sociedade global as discussões sobre a desigualdade crescem de forma acelerada, instituições mais ortodoxas e conservadoras estão advogando políticas públicas mais efetivas para combater esta desigualdade, percebendo que dentre os maiores desafios do capitalismo mundial é criar novos espaços de sobrevivências digna e decente, evitando que a sociedade caminhe para a barbárie, a convulsão social e a degradação dos seres humanos.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia e Professor Universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 10/02/2021.

1 Comentário

  1. Penso que enquanto dependermos – ingenuamente – daqueles “pseudo-heróis ‘lendários’ de plantão” que, eventualmente, são criados por alguns poucos oportunistas para defender seus próprios interesses… ora, sempre que dermos superpoderes àqueles simples mortais funcionais, continuaremos boiando, flutuando, sem qualquer sustentação. Vejo que – o mais cedo possível – haveremos de exorcizar os fantasmas dessa autocriação inconsequente. Convenhamos, as futuras gerações não merecem tamanho ônus, tal herança maldita.