Na China, ser professor dá privilégios; no Brasil, ninguém briga por um sistema educacional melhor
Rodrigo Zeidan, Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
Folha de São Paulo, 15/10/2022
“Professor?”, perguntou o policial quando viu o cartão da universidade depois de ter me parado por estar andando de bicicleta na calçada, algo passível de multa. “Sim”, respondi no meu chinês macarrônico. “Humm…Por favor, não faça mais isso, mas pode ir embora”. Na China, ser professor dá privilégios, pois nenhuma outra profissão é tão respeitada; afinal, é uma honra seguir a carreira de Confúcio.
O respeito se traduz em desenvolvimento econômico. Não é à toa que Coreia do Sul, Japão e China, todos países mais pobres que o Brasil na década de 1950, hoje são mais ricos, seguros e desenvolvidos. Os sistemas educacionais desses países são muito melhores que a média mundial, professores são relativamente bem remunerados, e as famílias se dedicam fervorosamente para garantir que seus filhos entrem nas melhores escolas.
No Brasil, vivemos um paradoxo. No país onde estudar dá mais dinheiro, nenhuma camada da sociedade briga por um sistema educacional de primeiro mundo. E sim, no Brasil, o retorno da educação é altíssimo, resultado de décadas de estrangulamento do acesso ao sistema.
A renda de um brasileiro que termina o ensino médio é 148% (ou seja, 48% maior) que a média daqueles que não o completam. Pior, esse percentual para quem se forma no ensino superior chega a 394%. Para efeito de comparação, na Europa, esses percentuais são de 126% e 192%, respectivamente. Mesmo no México, educação não paga tanto. Lá, terminar o ensino médio resulta, em média, em 133% da renda de quem não termina e, para quem completa a universidade, os valores chegam a 217%. No relatório da OCDE sobre o sistema educacional dos principais países do mundo, em nenhum dos outros 36 países estudados há tal expectativa de ganho.
É comum reclamarmos do sistema educacional brasileiro. Falta tudo: de respeito aos profissionais até estrutura básica para o ensino; e isso mesmo quando os políticos não roubam a merenda. Mas nossos problemas começam em casa.
Valorizamos pouco a educação, seja nas camadas mais ricas ou mais pobres. Na verdade, uma família pobre não valorizar o ensino é racional, embora não a melhor escolha: como investimentos em educação demoram décadas para gerar retorno, a pressão do dia a dia é uma barreira para que os mais pobres se concentrem nos estudos.
O mesmo não pode ser dito das famílias mais ricas. Para muitas, educação em si não tem valor e só importa o diploma. Instrumentalmente, a razão é clara: a histórica dificuldade de acesso aumenta o ganho relativo dos poucos que conseguem se formar. No Brasil, também temos uma situação sui generis: faculdades que querem vender diplomas, alunos que querem comprá-los, e professores que se esforçam para atrapalhar a negociação. No Brasil, também é ilegal a venda de diplomas; à vista. Já a prazo?
Nesse dia dos professores, precisamos nos perguntar: qual dos dois candidatos pode nos tirar desse péssimo equilíbrio, no qual as condições dos professores são ruins e as famílias não valorizam o ensino? Sistemas educacionais não mudam da noite pro dia, mas a resposta é clara. Entre um governo que tentou expandir sobremaneira o sistema, mesmo com várias medidas que desperdiçaram recursos, e outro que considera professores doutrinadores e cujo MEC está sendo desmontado, a resposta é clara: Lula, por mais que tenha defeitos, levou a sério a educação brasileira. E sem educação, não teremos futuro.