Os jovens, a juventude e seus medos contemporâneos

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O mundo contemporâneo pode ser descrito como um mundo de contrastes e contradições, marcados por intensas concorrência e competição, nele encontramos riquezas extraordinárias, produtos altamente sofisticados, tecnologias de ponta, viagens espaciais, prazeres acelerados convivendo ao lado de prazeres alucinantes, drogas complexas e misérias existenciais, além de medos generalizados

Nesta sociedade contemporânea que, para muitos é descrita como pós-moderna, outras a descrevem como pós-industrial, nela encontramos medos e desesperanças em decorrência de vivermos em uma sociedade marcada por degradação ambiental, conflitos étnicos e raciais, xenofobismos, violências generalizadas, fragilidade democrática e intensos conflitos comerciais, onde as potências se degradam e os trabalhadores são obrigados a aceitar, sob pena de desemprego, uma condição de subalternidade e degradação de suas condições sociais e econômicas.

Diante destes inúmeros desafios, percebemos um incremento no suicídio de jovens e de idosos, além de um grande desalento dos indivíduos e das comunidades, todos amedrontados com os rumos que caminha a humanidade e as condições de vida num futuro muito próximo, onde filhos e herdeiros se sentem esquecidos por um sistema que cobra uma dedicação irracional, gerando mais instabilidades e inseguranças, motivando violências nas mais variadas áreas e setores.

O suicídio cresce de forma acelerada entre varias faixas etárias da sociedade, levando os profissionais da saúde e os gestores de políticas públicas a falarem de uma verdadeira epidemia, com impactos generalizados sobre a população mundial, este fenômeno assusta e ao mesmo tempo força os grupos sociais a repensarem a forma de vida e de organização da estrutura produtiva global.

Os idosos estão se suicidando porque perderam a capacidade de produzir e de se sentirem úteis nesta nova sociedade, como não mais dispõem de força física numa sociedade utilitarista, se sentem a margem da estrutura social, muitos deles se enxergam como um grande peso para seus familiares, preferindo se suicidar acreditando que, com isso, acabam com o suposto problema.

De um dos lados encontramos jovens perdidos, desanimados e vivendo alienados e como verdadeiros zumbis, nesta nova realidade da juventude global percebe-se um medo generalizado com relação ao futuro, com as mudanças no mundo do trabalho e as novas concepções do emprego, os jovens se encontram amedrontados, o medo de decepcionar os familiares e a sociedade está levando este grupo social a intensos e severos desequilíbrios emocionais e espirituais.

Com o advento das redes sociais, encontramos uma nova geração de jovens e adolescentes que vivem diuturnamente conectados, são indivíduos que perderam a noção das relações reais e se veem constantemente vivendo ou sobrevivendo no mundo digital. Esta geração que vive conectada, conversando via internet, namorando pelas redes sociais, se relaciona via WhatsApp, faz sexo virtual, goza e tem prazer no ambiente digital, se utilizando de aplicativos de paquera e de encontros afetivos, estes indivíduos estão se tornando cada vez mais frios, materialistas e racionais, deixando de lado sentimentos nobres, emoções e equilíbrios espirituais e energéticos.

Muitos trazem fortemente escrito em suas mentes a necessidade de avançar profissionalmente quando comparados aos seus pais e familiares, estes desafios motivavam muitas famílias que viam nesta possibilidade uma forma de estimular seus jovens a uma vida centrada em estudos e reflexões, buscando melhores oportunidades de emprego e trabalho com melhores remunerações, estes estímulos hoje são vistos como verdadeiros calvários por jovens e adolescentes que perderam a motivação desta concorrência salutar, os tempos contemporâneos são auspiciosos, trazem desafios e poucas oportunidades, levando muitos deles a depressão, a ansiedade e, no limite, ao suicídio.

A juventude atual se estrutura em uma sociedade marcada pela fragilização da família, a primeira grande célula social da sociedade, muitos jovens e adolescentes vivem em famílias desequilibradas e desestruturadas, famílias degradadas pelas drogas, pelo tráfico e pela pouca atenção de pais e de familiares, isto sem mencionarmos uma sociedade cuja religião perde força e capacidade de influência, vitimada por desequilíbrios intensos, desde pedofilia, exploração e denúncias de corrupção e desvios de recursos. A fragilização das religiões convencionais enfraquece as referências que antes moldavam os jovens e adolescentes, levando-os a uma visão mais materialista, sem os preceitos religiosos os indivíduos se entregam aos prazeres do mundo contemporâneo, centrados principalmente na adoração do dinheiro e em uma vida caracterizada por um intenso hedonismo.

As bases sociais estão sendo destruídas pelo mundo pós-moderno, a escola e as universidades que sempre foram vistas como centro do conhecimento perderam espaço para as novas mídias sociais e para as tecnologias da informação e do conhecimento, as famílias se encontram num verdadeiro caos, de modelos tradicionais de famílias encontramos na contemporaneidade uma infinidade de modelos diferentes e contraditórios, relacionamentos novos, variados e descritos como modernos estão levando os mais jovens a uma intensa confusão mental, emocional e espiritual, além de medos, dramas e inseguranças, colocando em xeque seus desejos e necessidades mais íntimas.

Destacamos ainda que vivemos em uma sociedade marcada por intensa competição entre as pessoas, as comunidades, as empresas e os Estados Nacionais, gerando uma diminuição exponencial da solidariedade, do respeito e de valores morais mais sólidos, esta sociedade acaba levando os indivíduos a uma busca por lucros e remunerações monetárias crescentes, muitas delas acumuladas através da exploração e da degradação das condições de vida dos indivíduos e das comunidades, além de uma violência e uma exclusão social em ascensão.

Neste mercado contemporâneo, cada indivíduo é visto de acordo com seus valores monetários, sua colocação econômica e financeira define seu status social, seus valores estão sempre atrelado a recursos amoedados, quem os tem percebe portas abertas da sociedade e se encontra com o luxo e com a acumulação de riquezas agora, quem não possui estes recursos são colocados a parte e passam a ser explorados e condenados a uma condição de subalternidade, sempre vitimados por violências e exclusões crescentes.

Deste ambiente marcado por contradições e desequilíbrios crescentes, encontramos jovens e adolescentes morrendo cada vez mais cedo, muitos passam a trabalhar com o tráfico de entorpecentes, são aliciados para o mundo das drogas e atuam de forma equivocada para conseguir os recursos necessários para sobreviver e ostentar uma vida cheia de riquezas, aparências e valores monetários, conquistados as custas de muita dor, pilhagens, desequilíbrios familiares e degradação social. Como em casa ação encontramos uma reação, o futuro destes jovens e adolescentes que enveredam pelo mundo das drogas e dos entorpecentes já está escrito na nossa sociedade, ou serão presos e condenados ou serão mortos pelos comparsas ou em confronto com as polícias.

Neste ambiente de constante competição entre os agentes econômicos e políticos, onde os jovens e adolescentes mais prescindem de pais e familiares, é que encontramos uma presença física cada vez menor de familiares, muitos terceirizando para a escola uma função que deve ser exercida apenas pela família, com isso, sobrecarregam as escolas e seus professores e fazem com que ofereçam serviços de qualidades questionáveis, numa sociedade que demanda das escolas um papel central na construção do capital humano para competir e gerar riquezas para a sociedade contemporânea.

O suicídio cresce de forma acelerada entre os jovens e os adolescentes em várias regiões do globo por uma infinidade de motivos, o estudo não mais garante uma melhor condição futura para o indivíduo, a simples presença em uma universidade ou a detenção de um diploma de curso superior, que anteriormente garantia um trabalho melhor e mais consistente, atualmente não mais garante uma profissão sólida e consistente, em todos os países e regiões do mundo a previdência social vem sendo colocada em xeque, nesta sociedade percebemos que estamos vivendo mais, com mais conhecimento e com melhores condições de vida e com perspectivas futuras saudáveis, graças aos avanços da ciência dos últimos cinquenta anos que grandes ganhos trouxeram para a medicina, para a biologia e várias outras áreas.

Cabe a sociedade contemporânea construir novos capítulos na vida destes jovens e adolescentes, seus medos são, na verdade, um grito generalizado de todos os setores e grupos sociais, um grito que tem suas raízes na alma de cada indivíduo e cada ser vivo, que enxerga um futuro sombrio pela frente, sem investimentos sociais crescentes na construção de novos espaços sociais, dificilmente conseguiremos angariar novos e conscientes cidadãos para os desafios que se erguem na sociedade contemporânea.

A construção de bases sólidas para o futuro demanda uma política integrada entre vários atores sociais e políticos, a sociedade civil deve se organizar e capacitar os jovens para um futuro cheio de desafios imediatos, aos governantes deve se priorizar políticas públicas inclusivas que garantam a todos os indivíduos nesta faixa etária, condições dignas e decentes de sobrevivência autônoma, em uma sociedade centrada no lucro, altamente competitiva e concorrencial, marcada por momentos de selvageria e de irracionalidade.

Sem políticas públicas e um olhar privilegiado para os jovens e para os adolescentes, a sociedade vai continuar fornecendo uma grande massa de marginais para o crime organizado, munindo-os de mão de obra barata e cheia de rancor e de ressentimentos de uma sociedade que sempre os degradou, sempre os humilhou e sempre os maltratou, deixando-os a margem da sociedade, neste ambiente não se pode esperar uma reação serena ou equilibrada, mas uma reação centrada na vingança e no revanchismo.

Cabe a esta sociedade, garantir uma estrutura educacional mais consistente, escolas em tempo integral, recursos monetários e infraestrutura capacitadas, além de um ampla aparato esportivo, com aulas de vários esportes para estimular as múltiplas habilidades dos estudantes, centros esportivos e complexos culturais, com dança, teatro, música e os mais variados elementos culturais, todos voltados para a construção de cidadãos conscientes e capacitados para a constituição de um mundo melhor, mais harmônico e marcado pelo humanismo, pelo amor e pela solidariedade, valores e sentimentos nobres que dão a todas as sociedades desenvolvidas uma maior solidez e solidariedade.

Os desafios contemporâneos são cada vez maiores e mais complexos, a revolta e a revolução armadas devem ser deixadas de lado e esquecidas por completo, em seu lugar devem ser colocados os investimentos nos jovens e nos adolescentes, estes são os agentes do futuro, se falharmos nesta empreitada estaremos condenando nosso futuro a um ambiente de instabilidade e desequilíbrios crescentes mas, se conseguirmos melhorar as condições destes grupos sociais, vamos conseguir colher, num futuro próximo, grandes vitórias que trarão de volta novas esperanças e perspectivas melhores para todos os grupos sociais.

Neste ambiente de degradação crescente, cabe a sociedade definir um outro olhar para os jovens e para os adolescentes, sabendo de sua importância para a sociedade, precisamos definir o que queremos para nosso futuro imediato, se continuarmos deixando este ativo social na condição de degradação e marginalidade, com certeza, estaremos construindo um futuro sombrio e desesperador, marcados por choro e ranger de dentes.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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