César Locatelli – Carta Maior, 09/09/2020
Mesmo assim 32 das maiores empresas do mundo devem faturar R$ 577 bilhões a mais em 2020 do que na média dos quatro anos anteriores, observa novo estudo da Oxfam
“Estamos vivendo tempos de partir o coração. Seis meses após a Organização Mundial da Saúde ter declarado que a COVID-19 é uma pandemia, mais de 800.000 pessoas perderam suas vidas em decorrência da doença. Estima-se que 400 milhões de pessoas, a maioria mulheres, perderam seus empregos. Até meio bilhão de pessoas poderá ter sido empurrado para uma situação de pobreza até a pandemia acabar”. Assim principia o mais recente relatório da Oxfam, que tem ‘titulo: “Poder, Lucros e a Pandemia: da distribuição excessiva de lucros e dividendos de empresas para poucos para uma economia que funcione para todos”.
Para termos uma ideia da disparidade de renda e riqueza, mesmo em países bastante menos desiguais que o Brasil, o estudo mostra que “Jeff Bezos, proprietário da Amazon, lucrou tanto em 2020 que poderia pagar um bônus único de US$ 105 mil para cada um dos seus 876 mil funcionários e ainda assim ser tão rico quanto era no início da pandemia.”
O aprofundamento do desemprego e da informalidade convive, lado a lado, com o gigantesco aumento no patrimônio dos bilionários brasileiros. “No Brasil, os efeitos da pandemia também foram desiguais. Enquanto a maioria da população perdeu emprego e renda (país tem hoje cerca de 13 milhões de desempregados e 40 milhões de trabalhadores informais) e mais de 600 mil micros, pequenas e médias empresas já fecharam as portas, os 42 bilionários brasileiros tiveram sua riqueza aumentada em US$ 34 bilhões (mais de R$ 180 bilhões) durante a pandemia.”
As agruras do modo de produção adotado mundo afora ficaram ainda mais evidentes durante a pandemia: “a COVID-19 deixou claro que um modelo econômico focado na extração de valor não nos permitirá superar os complexos e urgentes desafios dos nossos tempos”.
As recomendações contidas no estudo da Oxfam são estruturadas em três áreas: “1) responder à pandemia e às suas demandas por recursos adotando um imposto sobre lucros excedentes, 2) reformar o setor empresarial em quatro dimensões essenciais: propósito, pessoas, lucros e poder e 3) reconstruir nossas economias com base em modelos de negócios mais sustentáveis”.
Segue o release da Oxfam sobre o estudo, que está disponível em seu site.
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Lucro de grandes empresas dispara em meio à pandemia de coronavírus enquanto os mais pobres pagam o preço
Às vésperas do marco de seis meses de uma das maiores crises sanitárias do mundo, Oxfam lança o relatório Poder, Lucros e Pandemia destacando como o atual modelo econômico tem priorizado o lucro dos mais ricos sobre a vida dos mais pobres.
As 32 empresas mais rentáveis do mundo conseguiram US$ 109 bilhões (mais de R$ 577 bilhões) a mais em lucros durante a pandemia de covid-19 em 2020 do que a média obtida nos quatro anos anteriores (2016-2019), revela o novo relatório da Oxfam Poder, Lucros e a Pandemia, lançado globalmente nesta quinta-feira (10/9).
Publicado na véspera do marco de seis meses da declaração oficial de pandemia no mundo (11 de março), o informe revela como grandes corporações do mundo priorizaram lucros em detrimento da segurança dos trabalhadores. Cortaram custos, não reduziram riscos nas cadeias de fornecimento e usaram toda sua influência política para moldar as ações tomadas pelos governos para conter a crise.
Enquanto isso, a crise econômica global provocada pela pandemia deixa meio bilhão de pessoas no limiar da pobreza. Quatrocentos milhões de empregos não existem mais e 430 milhões de pequenos negócios estão sob risco de falência.
Acionistas protegidos, população à deriva
As 100 empresas campeãs do mercado de ações acrescentaram mais de US$ 3 trilhões ao seu valor de mercado desde o início da pandemia (em março de 2020). Como resultado, os 25 maiores bilionários do mundo aumentaram suas riquezas em quantidades assombrosas. Jeff Bezos, por exemplo, poderia pagar um bônus único de US$ 105 mil (mais de R$ 550 mil) para cada um dos 876 mil funcionários da Amazon e ainda assim ser tão rico quanto era no início da pandemia.
Para Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil, vivemos uma situação insustentável e injusta com milhões de pessoas que perderam seus empregos, renda e dignidade, enquanto alguns poucos bilionários aumentavam sua riqueza.
“Não podemos aceitar que esse modelo econômico, que privilegia alguns poucos bilionários em detrimento de toda a sociedade, continue a ditar as regras. Nosso relatório mostra que essa economia só tem funcionado para um pequeno grupo de pessoas, os super-ricos”.
Segundo Gustavo Ferroni, coordenador de Setor Privado e Direitos Humanos da Oxfam Brasil, os recursos fundamentais para garantir o enfrentamento à pandemia e a sustentação socioeconômica das pessoas estão indo parar nas mãos de poucos. “Enquanto isso, mulheres, a população negra, minorias étnicas e migrantes pelo mundo sofrem imensos impactos em suas vidas.”
O relatório destaca ainda como as corporações exacerbaram os impactos econômicos da pandemia ao canalizarem lucros para seus acionistas em vez de investirem em melhores empregos e tecnologias mais limpas, além de pagar sua parte justa em impostos e priorizar as pessoas em vez dos lucros.
No Brasil, pandemia também aumenta fortuna de bilionários
No Brasil, os efeitos da pandemia também foram desiguais. Enquanto a maioria da população perdeu emprego e renda (país tem hoje cerca de 13 milhões de desempregados e 40 milhões de trabalhadores informais) e mais de 600 mil micros, pequenas e médias empresas já fecharam as portas, os 42 bilionários brasileiros tiveram sua riqueza aumentada em US$ 34 bilhões (mais de R$ 180 bilhões) durante a pandemia. O patrimônio líquido desses super-ricos aumentou de US$ 123,1 bilhões (mais de R$ 650 bilhões) em março para US$ 157,1 bilhões (mais de R$ 832 bilhões) em julho – um aumento de US$ 34 bilhões (mais de R$ 80 bilhões) em quatro meses. Quatro meses de pandemia que tiraram muito de milhões.
Alguns dados do relatório que revelam como a pandemia impactou de maneira desigual os super-ricos e os mais pobres:
• 10 das maiores marcas de roupas do mundo usaram 74% de seus lucros (um total de US$ 21 bilhões – mais de R$ 100 bilhões) para pagar dividendos a seus acionistas e recomprar ações em 2019. Em 2020, 2,2 milhões de trabalhadores em Bangladesh foram afetados com o cancelamento de pedidos de produtos têxteis. O fechamento de fábricas causou um prejuízo estimado de US$ 3 bilhões (cerca de R$ 16 bilhões) ao país.
• Jeff Bezos, proprietário da Amazon, lucrou tanto em 2020 que poderia pagar um bônus único de US$ 105 mil (mais de R$ 500 mil) para cada um dos seus 876 mil funcionários e ainda assim ser tão rico quanto era no início da pandemia.
• Nos Estados Unidos, cerca de 27 mil trabalhadores de fábricas de empacotamento de carne testaram positivo para covid-19 – um em cada nove trabalhadores – e mais de 90 morreram devido à doença. A maior empresa de processamento de carne do país, a Tyson Foods, publicou uma carta defendendo a abertura de suas fábricas, apesar de 8,5 mil trabalhadores de suas fábricas terem testado positivo para o virus.
• Na Índia, centenas de trabalhadores das plantações de chá, muitos dos quais são mulheres, ficaram sem seus salários devido às medidas de isolamento social demandadas ao combate ao coronavírus. Ao mesmo tempo, algumas das maiores empresas indianas de chá aumentaram seus lucros ou conseguiram manter margens de lucros cortando empregos.
• Os trabalhos de mineração no Peru continuaram em operação apesar dos altos riscos de infecção entre os trabalhadores do setor.
• A petrolífera americana Chevron anunciou cortes de 10-15% de seus cerca de 45 mil trabalhadores pelo mundo apesar de gastar mais em dividendos e recompras de ações no primeiro trimestre do ano do que arrecadaram em seus negócios.
A Oxfam acredita que a habilidade de muitas empresas em lidar com a crise econômica causada pela pandemia e cuidar de seus trabalhadores foi minada por anos de uma cultura de pagamento de altos valores a acionistas; algumas empresas chegaram a pagar valores mais altos do que seus lucros durante a pandemia.
Entre 2016 e 2019, 59 das empresas mais lucrativas dos Estados Unidos, Europa, Coreia do Sul, Austrália, Índia, Brasil, Nigéria e África do Sul distribuíram quase US$ 2 trilhões (mais de R$ 10 trilhões) a seus acionistas, com pagamentos em média 83% superiores aos ganhos obtidos no período.
As três maiores empresas de planos de saúde da África do Sul – Netcare, Mediclinic e Life Healthcare Group – pagaram 163% de seus lucros para acionistas por meio de dividendos e recompras de ações.
Crise pede resposta urgente e justa
É preciso uma resposta urgente para a crise atual que priorize apoio aos trabalhadores e trabalhadoras e aos pequenos negócios. Isso inclui o estabelecimento de um Imposto sobre Lucros Obtidos com a Pandemia de Covid-19, para assegurar um sacrifício compartilhado na sociedade. Quem está lucrando com a pandemia tem que ajudar aqueles que só perderam com a crise de saúde pública.
No longo prazo, a Oxfam pede a governos e corporações que reequilibrem o propósito corporativo, seus lucros e poder, deixando de beneficiar exclusivamente os executivos e acionistas, passando a dar mais atenção a trabalhadores e trabalhadoras, fornecedores, consumidores e comunidades.
“Estamos em um momento crítico. Temos uma escolha a fazer: voltar ao modelo de negócio de sempre ou aprender com a crise e desenhar uma economia mais justa e sustentável”, afirma Gustavo Ferroni. “A menos que mudemos o curso das coisas, as desigualdades vão aumentar – no Brasil e no mundo