Manfred Back & Luiz Gonzaga Belluzzo – A Terra é Redonda – 09/05/2025
Ao longo do século XIX a economia tomou como paradigma a imponente construção da mecânica clássica e como paradigma moral o utilitarismo da filosofia radical do final do século XVIII
Começamos com uma afirmação que, certamente, vai desfiar desagrados aos cultores da ciência sombria. A história do pensamento econômico nos oferece o espetáculo da naturalização da economia. A economia tem que se apresentar como uma esfera autônoma da vida humana e social em que prevalecem leis naturais, às quais os indivíduos deveriam se submeter.
Da infância smithiana à maturidade caquética das expectativas racionais, os conflitos de concepção e de método assolaram a trajetória intelectual da ciência sombria. Nos momentos de controvérsia aguçada, os príncipes e sacerdotes da ciência econômica convocam os quatro cavaleiros da ortodoxia – naturalismo, individualismo, racionalismo e equilíbrio – para espaldeirar a turba dissidente.
Leis naturais, as que possuem a mesma forma das leis da física. De Adam Smith para frente, este movimento de aproximação do paradigma da física se torna crescente. Havia, não só um ambiente intelectual que favorecia essa aproximação, como a dimensão econômica, ao mesmo tempo, vai se tornando cada vez mais importante, e cada vez mais separada das demais.
Ao longo do século XIX, a economia tomou como paradigma a imponente construção da mecânica clássica e como paradigma moral o utilitarismo da filosofia radical do final do século XVIII. O homo economicus, dotado de conhecimento perfeito, busca maximizar sua utilidade ou os seus ganhos diante das restrições de recursos que lhe são impostas pela natureza ou pelo estado da técnica.
Essa metafísica da corrente dominante supõe uma ontologia do econômico que postula certa concepção do modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da sociedade. Para esse paradigma, a sociedade, onde se desenvolve a ação econômica, é constituída mediante a agregação dos indivíduos racionais.
Tais premissas da economia repetidas todo o santo dia, não passam de retórica travestida de ciência. A tal racionalidade é fabricada através de crenças e dogmas, maquiados por números, equações e funções algébricas. Bufando modelos econométricos aos quatro ventos do planeta, como se fossem a pedra fundamental de um conhecimento único, incontestável como a santíssima Trindade. Um estilo rococó de se expressar, que se reproduz na eternidade dos cursos de economia! Nivelando a estatística a matemática! Um dialeto algébrico que poucos entendem! É feito para não entender!
O importante para esses sofistas alfanuméricos não é entender e estudar as relações econômicas, mas transformar uma suposta realidade estática em um jogo de causa-efeito, e pronto! Um dos dez mandamentos recebidos por Lucas, não o apóstolo, mas o ícone das expectativas racionais, a moeda é neutra.
No modelo “equilibrista” que organiza a sociedade habitada por indivíduos racionais, utilitaristas, proprietários de mercadorias e dos fatores de produção, a moeda só é necessária formalmente como moeda de conta e meio de troca. A moeda é neutra e determina o nível geral de preços sem qualquer efeito de longo prazo sobre a economia de intercâmbio de mercadorias, cujos valores relativos são mensurados pela utilidade marginal dos agentes. Também é nesse espaço de mensuração que são tomadas as “decisões de produção” dos indivíduos proprietários do capital e do trabalho
Essa forma tem seu código próprio, misture algumas equações e dados, e algumas previsões, e para dar credibilidade, imponha força divina nas palavras.
Aí, pela graça divina, os argumentos não podem ser contestados, ao contrário, são paparicados e mimados. E reverenciados como deuses, “Deus” não se dúvida, nem se contesta, é questão de fé e crença! Assim como a Cúria Romana, o que falam é lei! Um dos dez mandamentos entregue a Moisés no monte Sinai, dizia: Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.
Nos mandamentos dos economistas: Não tomarás em vão o nome do equilíbrio, o teu “Deus”, pois o senhor academia quem tomar posse da realidade em vão seja na utilidade marginal, na produtividade dos fatores. Não darás falso testemunho econométrico. Honra a forma, o método, a burocracia, como se fossem, teu pai e mãe.
Se você perguntar, perante uma plateia, aos sábios da crematística como produzo um pão e vendo no mercado? Espere, meu caro, preciso construir um modelo econométrico do mercado de pães! Segundo nossas expectativas análises quantitativas, ceteris paribus, o mercado crescerá 20% até 2035, estimamos um mercado mundial desse produto na ordem de 7 bilhões de dólares, se prepare, para exportar! O Brasil será um dos maiores exportadores de pães em 2035, se resolver o problema fiscal, acabar com os aposentados, e congelar o salário-mínimo.
Eu perguntaria: como é viver com um salário-mínimo mensalmente, para pagar aluguel, vestir e comer? Não faça pergunta difícil e pertinente com a vida diária das pessoas. Você não entende nada!
Afinal, para que serve os economistas?
Robert Skidelsky, biográfo de John Maynard Keynes, nos ofereceu a leitura do livro O que há de errado com a economia?: “A economia não é progressiva, no sentido de, digamos, da física. O progresso na economia consiste principalmente em maior formalização, em vez da descoberta de novas verdades. Nenhuma verdade na economia, uma vez proclamada, foi refutada. Isso argumenta muito fortemente para não consignar alternativas ao mainstream atual para a lata de lixo de falácias explodidas”.
Em terceiro lugar, a economia não é uma ciência natural, mas uma ciência social (Keynes a chamou de ciência moral). Na física, a interação dos corpos é fixada por leis físicas, mas na economia é fixada pelo contexto, valores e normas sociais, que são parâmetros variáveis. Como a economia não tem verdades universais, ela não tem mais direito do que a sociologia ou a história de reivindicar uma super teoria ou metametodologia, com ensino catequético.
“Porque o objetivo de uma economia não é apenas gerar empregos para que as pessoas possam sobreviver. É elevar o padrão de vida de todos e garantir que a prosperidade seja compartilhada”. (William Lazonick, especialista em corporações empresariais americanas).
Manfred Back é graduado em economia pela PUC –SP e mestre em administração pública pela FGV-SP.
Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, é Professor Emérito da Unicamp. Autor entre outros livros, de O tempo de Keynes nos tempos do capitalismo (Contracorrente).