Perdendo potencial humano, por Priscilla Bacalhau

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É crucial que os indivíduos sejam capazes de aplicar produtivamente seus conhecimentos

Priscilla Bacalhau, Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas

Folha de São Paulo, 25/08/2023

Uma nação é feita de pessoas. Apenas oferecendo oportunidades para que os indivíduos desenvolvam seu potencial máximo, será possível atingir um nível desejável de desenvolvimento econômico e social. Para isso, é crucial que os indivíduos sejam capazes de aplicar produtivamente seus conhecimentos, habilidades e experiências para criar valor econômico. Esse potencial individual de aplicar habilidades é conhecido como capital humano e é ele que molda a capacidade de uma sociedade prosperar e inovar.

Atualmente no Brasil, os economistas do Banco Mundial, Norbert Schady e Joana Silva, divulgam seus trabalhos para medir o capital humano das nações. Em recente entrevista na Folha, Schady alertou que, sem investimentos em capital humano, os brasileiros poderiam enfrentar uma drástica redução em sua renda.

O Índice de Capital Humano, desenvolvido pela organização, considera três dimensões: sobrevivência infantil até os 5 anos de idade, anos de escolaridade ajustados pela aprendizagem e sobrevivência na idade adulta. Combinados, os indicadores estimam o quanto uma pessoa nascida hoje será produtiva quando chegar à idade adulta.

Os resultados do Brasil não são nada animadores. De acordo com as estimativas, uma criança brasileira nascida em 2019 atingiria apenas 60% do seu potencial, considerando as condições de saúde e educação a que estavam expostas. O Brasil apresenta déficits significativos em termos de aprendizado, mesmo quando comparado a países de desenvolvimento econômico semelhante. Além disso, o país ainda possui uma parcela considerável de trabalhadores com baixo nível educacional, com retornos limitados ao entrar no mercado de trabalho.

Além de os resultados não serem bons na média, as desigualdades de raça, gênero e região são marcantes, como de praxe no país. Crianças do Norte e do Nordeste, por exemplo, têm a oportunidade de desenvolver apenas metade de todo seu potencial, menos do que crianças no Sudeste. Por outro lado, vários municípios no Nordeste apresentaram grande evolução no índice de capital humano entre 2007 e 2019, puxada principalmente por melhorias nos indicadores educacionais.

Os efeitos da pandemia no acúmulo de capital humano podem ser devastadores, tanto regredindo para níveis de uma década atrás, quanto no aprofundamento de desigualdades. Mas ainda há esperança: pode-se aprender com experiências subnacionais e investir em políticas públicas abrangentes, capazes de promover igualdade de oportunidades para acesso à saúde e educação de qualidade. Apenas investindo no potencial das crianças é que o Brasil pode trilhar o caminho rumo a um desenvolvimento condizente com seu verdadeiro potencial.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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