Para autor, onda pentecostal difunde imagem de Jesus adepto da extrema direita e leva batalha espiritual à política
Eduardo Sombini, Geógrafo e mestre pela Unicamp, é repórter da Ilustríssima
Folha de São Paulo, 16/09/2023
Um homicídio em 1993 deu origem a conflitos que resultaram em 156 mortes em cinco anos, de acordo com o Ministério Público de São Paulo.
Esse dado, incluído em “A Fé e o Fuzil” (Todavia), de Bruno Paes Manso, sintetiza o cenário de violência nas periferias de São Paulo nas décadas de 1980 e 1990: um assassinato, muitas vezes por motivos banais, levava a ciclos de vingança intermináveis, produzindo um efeito bola de neve que fazia as estatísticas crescerem a cada ano e os jovens a se preocupar, antes de mais nada, com a própria sobrevivência.
A situação, que parecia não ter saída, foi pouco a pouco se distensionando. Não de cima para baixo, a partir de uma ação das polícias ou da Justiça, mas principalmente de baixo para cima, argumenta o jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP em seu livro recém-lançado.
Convidado deste episódio, Manso chama a atenção para o novo sistema de valores difundido por igrejas pentecostais e por facções criminosas e afirma que a reprogramação de mentes por meio da conversão, promovida tanto por pastores quanto no PCC, permitiu que o Brasil popular das periferias inventasse mecanismos para se governar.
Na conversa, Manso diz que a onda pentecostal recorre à imagem do Deus vingativo do Antigo Testamento e impulsiona discursos de batalha espiritual e perseguição a infiéis, em que a pretensa guerra do bem contra o mal logo extrapola os cultos e passa a influenciar os rumos da política nacional.
“Foram sendo construídas igrejas que transformaram o vocabulário e passaram a lidar com os valores de uma sociedade em que, se você tem dinheiro, pode testemunhar a diferença entre vida e morte. Pode comer, ter casa, ter educação e condição de trabalhar. Se você não tem dinheiro, está perdido. Essa visão realista da situação acabou sendo articulada, e a solução foi promovida pelas instituições criadas no seio da miséria, de pessoas que viviam a miséria e percebiam o desafio que era participar desse mercado cada vez mais relevante. De um lado, as igrejas promoveram o autocontrole das pessoas, dos seus desejos e dos seus comportamentos. Do lado do crime, houve uma transformação da mentalidade do criminoso em São Paulo, via PCC, que tem muitos aspectos parecidos com a igreja”, de Bruno Paes Manso, jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP
Para o autor, um Jesus másculo e simpatizante da extrema direita tomou o lugar do Jesus fraterno e pacifista. Citando o teólogo Fernando Altemeyer Júnior, Manso diz que o pentecostalismo se tornou uma religião do capital, em que o sucesso financeiro individual, considerado uma benção divina, se torna a razão de existir.