Autor: Moisés Naím
Um país petrolífero autoritário tem menos probabilidade de se mover na direção da democracia que uma autocracia sem recursos
O petróleo é uma maldição. Gás natural, cobre e diamantes também são nocivos para a saúde de um país. Daí decorre uma constatação que é tão poderosa quanto anti-intuitiva: países pobres, mas ricos em recursos, tendem a ser subdesenvolvidos não apesar das suas riquezas minerais e em hidrocarbonetos, mas em virtude da sua riqueza de recursos. De uma forma ou de outra, o petróleo – ou ouro, ou zinco – torna o país pobre. Esse fato é difícil de acreditar e exceções, como Noruega e EUA, são geralmente usadas para argumentar que petróleo e prosperidade para todos podem de fato caminhar juntos.
A raridade dessas exceções, no entanto, não só confirma a regra como também mostra o que é preciso fazer: democracia, transparência e instituições públicas eficientes. Essas são precondições importantes para aspectos mais técnicos da receita, incluindo a necessidade de manter a estabilidade macroeconômica, gerenciar as finanças públicas prudentemente, investir parte dos lucros inesperados no exterior, estabelecer “fundos para dias chuvosos”, diversificar a economia e assegurar que a moeda local não alcance uma cotação elevada demais.
Tudo isso parece simples, e com Brasil, Gana e outros países provavelmente em vias de se tornarem grandes protagonistas do petróleo, podemos ter a expectativa de testemunhar alguns raros casos de teste dessas recomendações.
Infelizmente, para a maioria dos países subdesenvolvidos, as defesas sugeridas são tão utópicas quanto a meta mais ampla que elas ajudariam a alcançar. Países que já possuem essas vantagens institucionais não precisam se preocupar com a maldição dos recursos. Para os demais, a exemplo de uma doença auto-imune, a maldição mina a capacidade dos governos de construir defesas contra ela. Poder concentrado, corrupção e o dom dos governos de ignorar as necessidades das suas populações tornam a maldição algo difícil de se resistir.
Juan Pablo Pérez Alfonzo, ministro do Petróleo da Venezuela no começo da década de 1960 e um dos fundadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), foi o primeiro a chamar a atenção para o problema. O petróleo, ele disse, não é ouro negro: é o excremento do diabo.
Desde então, a constatação de Pérez Alfonzo tem sido rigorosamente testada – e confirmada – por economistas e cientistas políticos. Eles documentaram, por exemplo que, desde 1975, as economias de países subdesenvolvidos ricos em recursos naturais cresceram em ritmo mais lento que as dos países que não podiam depender da exportação de minérios e matérias primas. Mesmo quando ocorre crescimento alimentado por aqueles recursos, ele raramente gera os costumeiros benefícios sociais plenos do crescimento.
Uma característica comum dessas economias é que elas tendem a ter taxas de câmbio que estimulam importações e inibem a exportação de quase tudo exceto sua principal commodity. Não que seus líderes não percebam a necessidade de diversificar. Os países ricos em petróleo investiram em outros setores mas poucos desses investimentos tiveram êxito, pois a taxa de câmbio retarda o crescimento da agricultura, da produção fabril, do turismo e demais setores.
Depois, há a intensa volatilidade das commodities exportadas. Nos últimos 24 meses, por exemplo, o preço do petróleo disparou, subindo de menos de US$ 80 por barril para US$ 147, depois caiu para US$ 30, e mais uma vez se deslocou para cima, para US$ 60, em meados de 2009. Esses ciclos têm efeitos devastadores. A expansão provoca excesso de investimento, assunção de risco temerária e endividamento demasiado. A recessão leva a crises bancárias e cortes orçamentários draconianos que prejudicam os pobres, que dependem de programas governamentais. Ademais, o crescimento impulsionado pelo petróleo não gera empregos em volumes proporcionais à sua participação na economia. Em muitos desses países, o petróleo e o gás natural respondem por mais de 80% das receitas governamentais, ao passo que esses setores geralmente empregam menos de 10% da força de trabalho. Isso aumenta a desigualdade econômica.
Talvez de forma ainda mais significativa, a maldição do petróleo gera políticas perversas. Considerando que os governos desses países não precisam tributar a população para acumular receitas fiscais gigantescas, seus líderes podem se dar o luxo de ser insensíveis e de se esquivar de prestar contas aos contribuintes, que por sua vez mantêm vínculos tênues e não raro parasitários com o Estado. Esses governos, com sua capacidade de dispor de imensos recursos financeiros praticamente de acordo com a sua vontade, inevitavelmente se tornam corruptos.
Assim que assumem o poder, esses governos ricos em petróleo são difíceis de desalojar, gastando vastos recursos públicos para comprar ou reprimir adversários políticos. Estatisticamente, um país petrolífero autoritário tem muito menos probabilidade de se mover na direção da democracia que uma autocracia carente de recursos. Governos ricos em petróleo nos países em desenvolvimento gastam duas a dez vezes mais com suas forças armadas que países pobres ou de renda mediana e são mais propensos a declarar guerra. A maioria dos países exportadores de petróleo que não possuem sólidas instituições democráticas antes de começarem a exportar petróleo cria uma atmosfera inóspita para a democracia.
Isso explica porque fundos soberanos, fundos de estabilização do petróleo e outras soluções tentadas pelos países ricos em petróleo para evitar os efeitos da volatilidade, excesso fiscal, endividamento, taxas de câmbio inibidoras de exportação e outros efeitos nocivos, raramente funcionam. Eles são atacados antes dos dias chuvosos ou são desperdiçados em investimentos medíocres.
Assim, estarão perdidas todas as esperanças para países pobres com ricos recursos naturais? Não necessariamente. Chile e Botsuana se destacam como casos de sucesso em continentes onde a maldição dos recursos provocou destruição. Como eles conseguiram se proteger ainda é um mistério. Desvendar o segredo do seu escape da maldição dos recursos poderá salvar milhões do excremento do diabo. Mas ninguém fez isto até agora.
Moisés Naím é editor-chefe da revista “Foreign Policy”, onde uma versão deste artigo será publicada em breve.