Muito se discute do programa econômico do governo do presidente Jair Messias Bolsonaro para a economia brasileira, liderado pelo Ministro da Economia, o economista Paulo Guedes, neste programa as ideias neoliberais ganham força e se espalham pelos arredores de Brasília, marcadas por uma crítica feroz ao Estado brasileiro e sua atuação marcada pela ineficiência, pelo desperdício e muitas vezes pela corrupção, os neoliberais propõem uma abertura econômica acelerada, uma desregulamentação financeira e uma redução do número de empresas estatais, além de uma considerável redução da burocracia e da estrutura tributária.
Analisando o fortalecimento do pensamento neoliberal, percebemos muitas medidas importantes e necessárias que precisam ser tomadas com urgência, visando uma melhoria na estrutura econômica, destravando os investimentos e abrindo espaço para que o ambiente de negócios, termo caro aos adoradores do mercado, se consolide e a economia volte a crescer de forma acelerada, fato este que deixou de acontecer desde os anos 1970, num momento marcado por forte autoritarismo e repressão.
Os economistas neoliberais pregam a urgência das reformas previdenciária, tributária e fiscal, acreditamos que todas estas reformas sejam muito importantes e fundamentais para o crescimento e para o desenvolvimento do país, porém devemos destacar quais os objetivos destas reformas, se são apenas para melhorar as condições fiscais ou se para promover uma melhora considerável na distribuição da renda e na equidade social, estas questões envolvem discussões políticas e devem ser feitas de forma mais ampla e democrática, o que acreditamos que não acontecerá.
Uma das políticas mais efetivas nos discursos dos teóricos neoliberais é com a necessidade urgente de uma desburocratização da economia brasileira, somos uma sociedade que traz nas veias os arroubos burocráticos, nossa experiência fez surgir uma burocracia que tem vida, pessoas sobrevivem e se reproduzem através desta burocracia, toda e qualquer proposta de eliminação gera movimentos organizados em todos os entes federativos, levando os governos a desistirem deste embate, com isso, nossa burocracia se perpetua no tempo e inviabiliza a modernização e a maior eficiência do Estado.
As privatizações são aventadas como forma de melhorar a eficiência do sistema econômico, retirando o Estado de setores produtivos e abrindo espaço para os investimentos privados, vistos pelos neoliberais como mais eficientes e capacitados para melhorar as condições da competitividade e da produtividade do sistema, garantindo uma maior condição para concorrer em um ambiente fortemente marcado pela competição.
Temos mais de 440 empresas estatais passíveis de serem privatizadas, nesta conta inserimos as estatais dos três níveis de governo (União, estados e municípios), destas, 134 são de propriedade do governo federal, dentre elas encontramos grandes empresas que muito interessam aos grandes empresários nacionais e estrangeiros, muitas delas são de difícil privatização, mas outras poderiam, facilmente, ser repassadas a iniciativa privada, gerando recursos para uma agenda de maior competitividade da economia, melhorando sua governança e consolidando seus indicadores econômicos e produtivos.
Segundo os neoliberais, a transferência de empresas estatais para a iniciativa privada traria ao governo, recursos financeiros para uma melhora nas finanças públicas e uma significativa diminuição do número de funcionários públicos, reduzindo, com isso, os espaços de atuação dos grupos políticos que veem nestas empresas um amplo local de indicações de apadrinhados e colaboradores, nem sempre qualificados para o cargo, abrindo espaço para a corrupção e para a ineficiência do Estado brasileiro, como está sendo constatado pelas investigações em torno da Operação Lava Jato, que desbaratou muitas práticas nocivas para a coletividade, prendeu políticos, empresários e conseguiu ressarcir os cofres públicos em alguns bilhões de reais.
Privatizar empresas estatais não é tarefa fácil no Brasil, no governo Fernando Henrique Cardoso muitas foram tentadas sem sucesso, os grupos de pressão, os sindicatos e o corporativismo sempre conseguiram seu intento, com isso, mantêm seus inúmeros privilégios que dominam a estrutura administrativa, perpetuando um ambiente de burocracia e de ineficiência, gerando lentidão, déficits constantes e novos encargos econômicos para o governo, ou melhor, para a sociedade.
Outro ponto central nesta discussão, é que a população tem uma relação paradoxal com o Estado, de um lado querem sua presença ativa no cenário econômico e produtivo, demandam sua constante interlocução, buscam suas fileiras e almejam postos no funcionalismo público e, ao mesmo tempo, rechaçam uma atuação política mais efetiva e denigrem constantemente seus representantes que foram por eles eleitos, detendo assim a legitimidade necessária para representá-los diretamente.
A agenda liberal ou neoliberal, como queiram, é muito charmosa e atrai muitos adeptos, seu discurso encanta os meios de comunicação e o grande empresariado e ganha força na coletividade, de um lado temos a desesperança crescente com a atuação estatal, que consome mais de 34,5% da renda gerada na sociedade e devolve serviços de péssima qualidade, além da ineficiência e da corrupção generalizadas que destroem a classe política; de outro cria um discurso de automatismo das relações sociais, atribuindo ao mercado um papel sobrenatural nesta sociedade, responsável pela alocação e pela eficiência, deixando de lado os conflitos que muitas vezes são por ele criado ou por ele estimulado.
Menos empresas estatais e mais mercado, mais competição e melhoras na qualidade com queda no preço dos produtos é algo muito bem aceito por toda a coletividade, o grande problema desta equação é que, quando analisamos o Estado brasileiro e seu comportamento histórico de subserviência aos grandes capitalistas, ficamos nos indagando: como regular e fiscalizar este mercado sendo que este domina e controla muitos aparatos do Estado?
O Estado brasileiro sempre esteve nas mãos dos grandes conglomerados, sejam eles agricultores, industriais ou banqueiros, cujo poder econômico e financeiro impunham ao governo inúmeras limitações em termos de política econômica, muitas vezes levando-o a adotar políticas que beneficiavam mais aos donos do poder, que moldam a “democracia” de acordo com seus interesses imediatos e, nem sempre, estes interesses são os mesmos da coletividade e dos grupos mais vulneráveis e dependentes do Estado e das políticas públicas.
Na sociedade internacional percebemos uma disseminação destas indagações, com o crescimento acelerado dos grandes conglomerados econômicos, as empresas estão influenciando, cada vez mais, as decisões políticas, comprando leis e isenções fiscais e financeiras, reduzindo a capacidade de atuação dos governos e impondo sua agenda econômica e seus interesses imediatos, diminuindo os benefícios dos trabalhadores, liberalizando a conta capital, desregulamentando e aumentando seus benefícios tributários, a premissa destas ideias é que, neste ambiente de desregulamentação e desburocratização, os investimentos produtivos serão maiores e os benefícios se disseminarão para toda a coletividade, inclusive para os trabalhadores e para os grupos mais vulneráveis.
Nestes momentos de hegemonia do pensamento neoliberal em terras brasileiras, cabe aos partidos políticos de esquerda e aos sindicatos apresentarem alternativas críveis e efetivas, o discurso de críticas ásperas e ofensas, ou em palavras ou expressões para denegrir não devem ser aceitas e nem estimuladas, temos mais de 13 milhões de pessoas desempregadas e mais de 27 milhões na informalidade, totalizando quase 20% da população economicamente ativa, um contingente elevado que poderia estar empregado, contribuindo e construindo uma sociedade mais justa e eficiente, diante disso, cabe aos chamados defensores do povo e da classe trabalhadora uma postura mais efetiva e propositiva.
Destacamos ainda, outra proposta interessante dos economistas neoliberais, a abertura econômica, somos um país que tradicionalmente apresenta, em comércio internacional, uma economia fechada, participamos com menos de 1% do comércio global, número bastante distante de nossa posição econômica, onde nos posicionamos em oitava lugar, a abertura deve ser feita e estimulada pelo governo mas, faz-se necessário, que construamos as bases para esta abertura, sob pena de prejudicarmos ainda mais uma economia depauperada nestes anos recentes de recessão e baixo crescimento.
A concorrência é salutar e deve ser estimulada, mas como competir com um sistema educacional falido, com uma carga tributária elevada, com serviços públicos de baixa qualidade e com uma infraestrutura degradada, todas estas questões devem ser revistas, consertadas e aprimoradas, sem estas medidas mais abertura econômica vai destruir o pouco de empresas e de indústrias que temos e aumentar os gargalos sociais e a violência contemporânea.
Todos os países que conseguiram melhorar sua performance econômica atuaram na abertura de suas economias, ganhando escala e competitividade, construíram estratégias para minimizar seus custos e adotaram uma política protecionista para priorizar seus produtores, esta proteção na atualidade deve ser feita de forma sutil e racional, evitando embates com instituições e organismos multilaterais, se feitas de forma atabalhoada podem correr o risco de serem inviabilizadas e revertidas pelos tribunais superiores de comércio, como a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Analisando a história recente do Brasil, percebemos que nossa economia foi fortemente protegida pelo Estado, esta proteção exigiu pouquíssimas contrapartidas e geraram uma grande acomodação por parte dos empresários que, com mercados garantidos, produziam produtos caros, ineficientes e com preços elevados, deixando para os consumidores preços estratosféricos de mercadorias e serviços, reduzindo sua renda agregada e criando empresários ricos e empresas pobres e com pouca eficiência, incapazes de competir no mercado internacional.
Devido a esta proteção, nossas empresas não estão, na sua grande maioria, em condições de concorrer no mercado internacional, participamos e somos ativos em poucas cadeias globais de produção, uma abertura pode aumentar nossa desindustrialização, gerando um incremento no desemprego e uma piora nas condições internas, seus defensores acreditam que o país não tem outras alternativas no curto prazo, sendo necessário pressionar nossa estrutura produtivo para que aumentemos nossa competitividade, sob pena de, ao demorarmos na proteção, destruir ou inviabilizar a sobrevivência da indústria no médio e no longo prazo, perdemos as poucas chances de concorrer com empresas estrangeiras.
São muitas as questões que estão em jogo na economia brasileira, sua inserção sempre foi um dos maiores problemas e desafios da sociedade, se continuarmos fechados ao mundo seremos condenados a produtos caros, ineficientes e de qualidade questionável; ao nos abrir para a concorrência temos que ter em mente que a concorrência global tende a nos causar graves constrangimentos internos, cabe a sociedade construir uma estratégia para minimizar estes custos negativos e potencializar nossas potencialidades, transformando nossas habilidades em vantagens competitivas e aproveitando as brechas do mercado, inovando e empreendendo em busca de novas oportunidades de negócio e de desenvolvimento econômico.
A concessão de parcerias e de apoios da iniciativa privada são vistas com ceticismo por muitos grupos organizados, dividir os investimentos e os riscos fazem parte dos novos modelos de gestão, depois de liderar a industrialização do país, cabe ao Estado um papel mais discreto e efetivo, reduzindo sua exposição direta e atuando na regulação e na construção de estratégias, além de fiscalizar e punir todos os excessos, sempre atuando diretamente, preservando as instituições e construindo um clima de credibilidade, mesmo numa sociedade marcada pela incerteza, pela instabilidade e pela ineficiência.
A parceria Estado e Mercado é fundamental para a construção de uma nova estrutura social e econômica, cada um prescinde do outro, Estado sem Mercado leva a políticas socialistas e estatizantes que levaram, historicamente, ao autoritarismo, ao arbítrio e a opressão, enquanto Mercado sem Estado leva ao incremento da pobreza e da exclusão, criando uma grande quantidade de excluídos e de miseráveis, destas experiências, faz-se necessário compreender que, cada um dos agentes econômicos necessita do outro para sua sobrevivência, dosar as políticas e integrar os interesses é o melhor dos caminhos para conduzir o país para um desenvolvimento econômico, inclusivo e generalizado.
Em todos os países desenvolvidos, o desenvolvimento econômico foi construído com uma intensa parceria entre o Estado e a iniciativa privada, esta parceria sempre existiu, embora muitos não a queira reconhecer, atualmente a Alemanha criou um fundo financeiro para proteger suas empresas das tentativas de compra por parte de empresas chinesas ou asiáticas, o governo dos Estados Unidos vetou a venda de uma grande empresa de tecnologia para seus concorrentes asiáticos, além de comprar grandes empresas com a crise de 2008 para evitar a bancarrota de conglomerados importantes, estas políticas sempre existiram e, na atualidade, estão voltando com mais força e intensidade, embora muitos tentem esconder estes fatos, o neoliberalismo é uma doutrina da burguesia, nasce para defender e estimular os interesses dos donos do capital e, num segundo momento, para empregar e garantir a sobrevivência dos trabalhadores.
O grande trunfo do neoliberalismo foi criar, no imaginário coletivo, a ideia de que suas teses trariam o desenvolvimento e a melhoria social para todos os grupos sociais, esta propaganda foi difundida para todas as regiões do mundo, embora tenham conseguido melhorar a eficiência da economia e incrementar a produtividade, o grande risco destas ideias é que, ao extremo, podem levar muitos grupos a uma situação de degradação e de marginalidade, contribuindo para uma piora dos indicadores sociais, da miséria e da violência urbana.
A sociedade brasileira vive momentos de crise e de desesperança generalizadas, ao governo cabe um papel de construção de novas perspectivas e novos horizontes, melhorando o ambiente macroeconômico para que os investimentos sejam retomados, a articulação entre Estado e Mercado é um dos maiores desafios da economia, onde cada um contribui para o dinamismo econômico com suas potencialidades e expertise, sem esta atuação conjunta, mais uma vez, o país tende a andar contra o gradiente internacional, pois na economia internacional, neste momento de turbulências crescentes, os governos estão atuando diretamente com as empresas, buscando uma sinergia fundamental para navegar em mares revoltos e turbulentos.
O mundo mudou muito e está obrigando os países, empresas e indivíduos a se adaptarem a esta nova organização social, o Brasil mostrou grande flexibilidade desde os anos 80, todos os indicadores econômicos e sociais mostram claramente este progresso, melhoramos economicamente mas ainda não avançamos na lógica política, onde ainda cultivamos hábitos nocivos e degradantes, precisamos passar por novos avanços, melhorando as questões sociais e evoluindo em um novo consenso social, marcados pela inclusão, tolerância e respeito generalizados.