O sistema capitalista de produção se consolidou com a Revolução Industrial inglesa do século XVIII, trazendo inúmeras mudanças para a sociedade da época, transformando hábitos, costumes e comportamentos arraigados na sociedade europeia, fazendo da ciência um dos grandes motores da sociedade e impondo a religião uma derrota jamais vista, fragilizando a Igreja romana e abrindo espaço para a consolidação de outras vertentes religiosas mais afeitas e atreladas ao sistema de produção dominante.
A sociedade feudal pode ser descrita como uma época de trevas para a mundo ocidental, nesta época o controle social era feito através das armas e do poderio bélico e militar dos senhores, somados ao poder imaterial da Igreja, que mantinha instrumentos de controle social e de alienação, de outro lado, encontrávamos uma forte degradação da ciência e um fortalecimento da religião, que acreditava ser a grande responsável pelo monopólio com uma força superior.
Neste modelo de organização social, os servos eram vistos apenas como indivíduos dotados de força física, sem direitos e com muitos deveres, impossibilitados de ascensão social e condenados a viverem para o trabalho duro, sem poder ascender a outras classes e grupos sociais organizados, todos que se comportassem teriam acesso aos reinos do céu, enquanto aqueles que deixassem a desejar e se revoltassem contra a organização dita social, seriam condenados ao fogo do inferno ou seriam obrigados a rever ideias, teorias ou pensamentos vistos como reacionários pelos agentes do poder e da ordem.
O poder nas mãos da Igreja era muito consistente, dominava a relação entre os homens e as divindades e controlavam com mãos austeras toda e qualquer ameaça ou suposta ameaça, puniam com rigores extremos todos que se comportavam inadequadamente e ameaçavam o seu domínio, muitos médiuns ou sensitivos foram considerados bruxos e foram mortos com requintes de crueldade para mostrar aos cidadãos o poder temporal mantido pela Igreja e evitar que outros se revoltassem ou se rebelassem contra sua dominação.
Depois de quase mil anos de controle dogmático e sistemático sobre as mentes e os comportamentos, marcados por uma monopolização do conhecimento e do pensamento crítico, que levou a Igreja a construir algumas universidades no continente europeu e a dominar todas as estratégias de educação e de alienação social. A Igreja se enfraquece depois das guerras religiosas e quando fragilizada, perde espaço para novas vertentes religiosas, principalmente o Protestantismo, que nasce pelas mãos do teórico alemão Martinho Lutero, um homem arrojado que se notabilizou com a publicação, em 31 de outubro de 1517, nas portas da capela de Wittemberg, as 95 teses de Lutero, com ásperas críticas as bases da religião dominante.
As críticas emitidas por Martinho Lutero chamam a atenção da sociedade da época, porque o autor era um grande teórico da Igreja, escritor e pesquisador das questões sobrenaturais, sua trajetória sempre foi construída dentro dos pilares desta instituição, suas críticas se mostraram consistentes e obrigaram a Igreja a expulsá-lo de suas fileiras, levando-o a inaugurar um novo movimento religioso que, ao se associar ao pensamento da burguesia nascente, ganha força e relevância no velho continente.
Os ideais da Igreja de renegar a usura e a busca constante por lucro e remunerações crescentes, vistas como instrumentos de estímulos ao individualismo com forte conotação de crítica social, somadas a repulsa pela ciência e pela constante tentativa de tutela do conhecimento científico, colocavam a Igreja em colisão direta com os novos ideais nascentes nesta nova sociedade, centrados no crescimento e no fortalecimento da Ciência e do conhecimento e na busca constante pelo lucro e pelo incremento da produtividade, ambiente favorável ao crescimento da chamada economia de mercado e, posteriormente, do capitalismo.
O Protestantismo foi fundamental para o crescimento do sistema capitalista, depois das teses de Lutero, os capitalistas perceberam no movimento religioso protestante um forte instrumento de fortalecimento de seus ideais em uma sociedade dominada pela força e pelas tradições da Igreja, com isso, foram buscar uma parceria estratégica com o pensamento luterano, financiando sua expansão e consolidando suas teorias como forma de angariar apoio nesta nova sociedade nascente.
Embora apresentasse ideias inovadoras, dentre elas destacamos a possibilidade de ascensão social, até então inexistente, o capitalismo necessitava de um agente externo para angariar o apoio das massas, somente este apoio maciço daria os instrumentos para que a população conhecesse e se encantasse com seus ideários, reduzindo o papel da Igreja e angariando novos quadros para a consolidação de seus princípios econômicos, sociais, políticos e culturais.
As teses da nova religião construídas por Martinho Lutero estimulavam os indivíduos a uma busca constante por melhorias profissionais e econômicas, a liberdade, o dinamismo e o empreendedorismo somados trariam novos espaços para inovação e para o crescimento econômico, com ganhos para todos os integrantes da sociedade, melhorando suas condições de vida e incrementando o bem-estar social.
Pelas ideias de Martinho Lutero, todos os indivíduos que se entregassem a Deus, trabalhassem de forma honesta e dedicada, apresentassem um papel construtivo na sociedade, adotassem a prática constante da caridade e da solidariedade humana seriam bem quistos por Deus e, com isso, poderiam angariar recursos econômicos que os levariam ao entesouramento e a acumulação de riquezas materiais. Segundo esta tradição, os esforços pessoais honestos e edificantes seriam bem vistos por Deus e, com isso, num futuro próximo poderiam lhe trazer vantagens imediatas desde que, este cidadão tivesse a consciência, de que todos os recursos deveriam ser reinvestidos em condições de trabalho melhores e mais possibilidades de estudo e de crescimento para os seus concidadãos, uma forma de devolver para a sociedade os ganhos oriundos destas atitudes empreendedoras.
O Protestantismo traz uma nova visão de Deus e da religião, nesta nova vertente encontramos um Deus mais amoroso e atencioso, menos rígido e punitivo como aquele criado pela Igreja, um verdadeiro educador de almas, alguém que atende seus filhos com carinho e pede como contrapartida um constante auxílio aos outros irmãos mais necessitados e vulneráveis, encontramos aí no crescimento do conceito de filantropia, que passa a se disseminar em países centrados no modelo capitalista luterano-calvinista.
No período conhecido como iluminismo, encontramos a ascensão do pensamento científico nas mais variadas áreas e setores da ciência, desde a química que passa a desgarrar da alquimia, passando pelo conhecimento dos números até a ascensão da matemática, destacamos o surgimento da Economia, primeiro com os fisiocratas, depois com os mercantilistas até os liberais e seu pensador maior, Adam Smith, todas estas ciências passam a impulsionar a sociedade e colocar o conhecimento no centro da coletividade e fragilizando o pensamento religioso e, principalmente, a Igreja e seus movimentos diretamente vinculados.
Os pensamentos da Igreja limitavam a ascensão dos ideários do capitalismo nascente, a concorrência e a competição eram vistas de forma negativa, os indivíduos respeitavam-na muito e, principalmente, temiam a instituição Igreja, com isso, o enfraquecimento da religião era uma condição fundamental para o progresso das teorias e teses do capitalismo, diante disso, as parcerias empreendidas com os cientistas poderiam ser descritas como uma estratégia interessante e revolucionária, onde todos os envolvidos ganhavam, de um lado, os capitalistas teriam ao seu lado um grupo de pensadores dotados de uma capacidade intelectual privilegiada, servindo como agente de construção de novos produtos, bens e mercadorias; de outro, a parceria traria aos cientistas instrumentos monetários e financeiros para viabilizar as pesquisas científicas, garantindo retornos interessantes para ambos os grupos sociais.
Mesmo tendo ideias fortes e estruturadas, a ascensão de novas teses religiosas em uma sociedade tradicional tende a demorar inúmeros séculos, se desvencilhar de pensamentos estruturados, tradicionais e arraigadas durante tanto tempo é sempre muito difícil, os grupos de resistência trabalham no sentido contrário, usando instrumentos, muitas vezes escusos, para impedir o crescimento dos novos princípios, isto acontece porque este grupo sabe que o novo pensamento tende a lhe tirar poder, diante disso, trabalham para poder reduzir-lhe as forças e continuar a dominar a situação, continuando a angariar recursos, muitas vezes, escusos para seu prazer e interesses imediatistas e egoístas.
A inquisição, iniciada no século XII na França para combater o sectarismo religioso, se espalha por toda Europa e durante muitos séculos desafia as estruturas de poder, mandando para a fogueira pessoas que questionavam as ideias e as teorias da Igreja, muitos teóricos importantes foram queimados ou tiveram que se retratar, revendo suas descobertas e se retratando com o clero, sob pena de serem mortos de forma agressiva e violenta.
A inquisição pode ser vista como uma das últimas tentativas de reaver os espaços da Igreja que foram perdidos no continente, perseguindo intelectuais e buscando a fragilização das descobertas científicas, em algumas regiões os movimentos inquisitoriais foram mais fortes e perduraram por mais tempo, deixando marcas mais evidentes nestas sociedades como, por exemplo, na península Ibérica, região marcada pela coabitação entre portugueses e espanhóis, nesta região a repressão foi mais intensa, intelectuais foram perseguidos, mortos e obras importantes foram queimadas, objetivando fragilizar novas teorias e novos pensamentos científicos, o resultado destas políticas foram pouco efetivos e mesmo com a proibição o interesse por estas obras cresceu e as vendas foram maiores e mais consistentes.
O poder da Igreja era tão forte na península ibérica que, no século XIX, todos os livros que eram publicados nestes países precisavam passar pelo crivo da Igreja, sem sua autorização a obra era descartada sem justificativas maiores, isto aconteceu com os livros espíritas que foram importados para ser comercializados na Espanha e, sem a autorização do Clero, as obras foram apreendidas e queimadas em praças públicas, este fenômeno recebeu o nome de Auto de Fé de Barcelona, ocorrido em 9 de outubro de 1961, na cidade de Barcelona, Espanha.
Nestas reflexões, percebemos claramente que, nesta sociedade não existem mocinhos e nem bandidos, todos lutam por seus interesses imediatos, todos se utilizam de suas “armas” para garantir ou ampliar seus espaços dentro da sociedade, nesta situação percebemos que os setores tradicionais se acomodaram e, com isso, perderam espaço para novos agentes sociais, que perceberam as demandas da sociedade e se organizaram produtivamente para satisfazer estas novas necessidades, transformando suas ideias em recursos financeiros e em lucros amoedados.
O capitalismo baseado no protestantismo cresceu e se fortaleceu em regiões mais dinâmicas da sociedade capitalista, o incentivo ao empreendedorismo foi fundamental para este crescimento, angariando novos projetos, ideias e pensamentos empreendedores, motivando novas teorias e incentivando o conhecimento, a educação e a filantropia, um exemplo claro destes princípios, brilhantemente retratado pelo sociólogo alemão Max Weber em A ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, que destaca uma relação de integração entre os ideários do sistema capitalista de produção e as bases religiosas do luteranismo ou protestantismo, que pregava uma busca constante baseada em valores e preceitos éticos e morais.
A relação entre religião e sistema econômico sempre existiu, as religiões tem grande importância na sociedade, influenciam o comportamento das pessoas, as culturas e as formas de pensar, com a ascensão do capitalismo e seu poder econômico e financeiro, percebemos grandes alterações nesta sociedade, trazendo conceitos importantes para a berlinda, como empreendedorismos, inovação, metas e competitividade, o grande risco desta nova sociedade é que o sistema capitalista domine de forma tão intensa a sociedade, que passe a ser vista mais como uma religião do que como um instrumento de produção e distribuição de bens, mercadorias e serviços e transforme o ser humano em uma máquina alienada e inconsequente. O risco existe e nos parece mais e cada vez mais uma tendência inexorável, o ser humano está sucumbindo aos interesses e aos prazeres imediatos do capitalismo, do dinheiro e dos poderes materiais.