O filósofo digital Jaron Lanier explica porque as mídias sociais se tornaram um parasita que tomou conta de seu hospedeiro – a própria internet.
Por Alexandre Matias*
Se os tempos parecem deprimentes, a vida, inútil, as perspectivas, péssimas, e o fim, iminente, o cientista da computação e filósofo digital Jaron Lanier tem a resposta exata para essa perturbação sem fim: as redes sociais. Um dos pioneiros da realidade virtual e um dos principais críticos da produtização do usuário na internet por meio do uso gratuito de serviços cujos termos de uso todos concordamos sem ler, Lanier entende que a busca por atenção que movimenta financeiramente todos os sites da chamada web 2.0 pode, de fato, destruir a sociedade como a conhecemos.
Autor de livros como Gadget: Você não é um aplicativo!, de 2010, e Who Owns the Future? (Quem é o dono do futuro?), de 2013, ele agora Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais, cujo título resume suas intenções. E se o alerta urgente não o deixa cabreiro, talvez o título de alguns capítulos o façam: “Você está perdendo seu livre-arbítrio”, “As redes sociais estão tornando você um babaca” e “As redes sociais deixam você infeliz”. Tudo é bem argumentado e defendido por Lanier, que entende os serviços on-line como a forma mais avançada de vício digital, comparada a um parasita que toma conta de seu hospedeiro. Veja mais na entrevista feita com exclusividade para a Intrínseca.
Antes de falarmos sobre seu livro, queria que você comentasse a influência das redes sociais nas eleições brasileiras.
Jaron Lanier – Isso tem acontecido em todo o mundo. Estamos vendo a ascensão de candidatos descritos como populistas de direita ou como novos fascistas, mas não considero essa uma descrição adequada. Acho que o melhor jeito de descrever esses candidatos é tratá-los como pessoas apoiadas por pessoas mal-humoradas, paranoicas, irritáveis, invejosas, nervosas e de personalidade insegura que estão associadas às mídias sociais modernas.
Vemos essas pessoas ganhando poder no mundo inteiro, em países bem diferentes uns dos outros. Podemos arrumar todo o tipo de explicação para o que está acontecendo no Brasil, mas o Brasil é muito diferente, em vários aspectos, dos Estados Unidos, que por sua vez é diferente da Suécia, que é diferente da Hungria. Mas o que estes países têm em comum é o novo problema tecnológico. Acredito que entramos em uma corrida para ver se conseguimos mudar os padrões das tecnologias on-line antes que elas destruam a nossa sociedade.
No passado, era possível dizer que a ascensão de um fascista ou de um populista talvez tivesse relação com a situação do país, talvez fosse resultado de uma guerra ou de um terrível problema econômico. Por exemplo, podemos dizer que a Alemanha dos anos 1930 tinha um sério problema econômico, como a hiperinflação. Mas, quando vemos [a ascensão de fascistas] acontecendo em diferentes lugares, isso significa que não diz mais respeito apenas às circunstâncias específicas desses países, mas à tecnologia. O que significa em último caso que o problema pode continuar se repetindo. E não acho que o mundo é capaz de sobreviver a isso.
Uma das coisas que sei sobre o presidente recém-eleito no Brasil é que ele poderia tornar o país o segundo no mundo, depois dos Estados Unidos, a negar completamente a mudança climática no planeta e a sair dos acordos internacionais destinados a conter o problema. Dessa forma, teríamos dois dos maiores países do mundo contribuindo para um risco que envolve não apenas a civilização, mas toda a espécie. É extremamente sério. Estive no Brasil há pouco tempo, conversei com alguns jornalistas brasileiros e muitos deles acreditavam que o problema não era só o WhatsApp, mas que era necessário regular melhor o Facebook e o Twitter. O problema é que essas tecnologias são tão sorrateiras que as pessoas não percebem ou acham muito difícil perceber que estão sendo manipuladas, não notam como a sociedade está sendo envenenada. É realmente muito sério.
Mas como sair das redes sociais uma vez que elas entraram de vez em nossas vidas?
Jaron Lanier – Escrevi esse livro pensando no contexto norte-americano — e em algum nível no contexto europeu. O contexto brasileiro é muito diferente porque, em muitos casos, as pessoas são viciadas no WhatsApp. Ele praticamente monopoliza a atenção de muitas pessoas. E eu reconheço essas diferenças. Mas acho que há coisas que precisam ser ditas. Primeiro, mesmo nos Estados Unidos ou na Europa, fazer com que as pessoas saiam dessas plataformas de uma vez só é impossível. Mas, quando lidamos com esse vício em massa, um bom começo seria fazer com que algumas pessoas, e depois mais pessoas, começassem a se reconhecer como viciadas.
É consenso a diminuição dos espaços para fumantes em todo o mundo, mesmo que o cigarro seja um produto altamente viciante que gera muito dinheiro para algumas empresas. O aumento de regulação dos espaços reservados a fumantes e da propaganda de cigarro aconteceu porque houve um número suficientemente grande de pessoas viciadas em nicotina que se dispôs a conversar sobre isso e ser racional. Então as coisas começaram a mudar: é possível ser cool sem ter um cigarro na boca, é possível ser criativo sem ter um cigarro na boca. Da mesma forma, precisamos ter um número grande de pessoas que queira abandonar o vício nas redes sociais para podermos falar sobre ele.
No caso do Brasil, me parece que a situação é um pouco diferente, porque, no geral, não há alternativas. Nos Estados Unidos é possível mandar mensagens de texto de um telefone para outro sem pagar, ou seja, você consegue entrar em contato com outras pessoas sem necessariamente usar plataformas de empresas, e, além disso, as pessoas ainda usam muito e-mail. Mas isso não significa que os brasileiros precisam considerar isso uma falha tecnológica do país, porque é uma sabotagem: uma empresa veio de fora e fez tudo isso. É como se uma empresa de fora roubasse recursos ou fizesse algo terrível com o país.
Eu realmente não tenho uma resposta definitiva para o problema, mas, de certa forma, acredito que os brasileiros devem impedir o WhatsApp de prejudicar ainda mais o país. É possível que o Brasil volte a ser como na época da ditadura militar e depois de um tempo a população se sinta incomodada a ponto de permitir que forças democráticas e progressistas retomem o poder e tratem essa tecnologia de forma mais humana e racional, sem a manipulação, as teorias da conspiração e as mentiras. Mas, como nos Estados Unidos, e talvez de forma pior, não será fácil.
Há também o fato de as pessoas acreditarem que as redes sociais são a própria internet, que não existe internet fora desses domínios.
Jaron Lanier – É muito triste que no Brasil um aplicativo como o WhatsApp seja considerado fundamental. Claro que não é. É mais um invasor que tomou conta da internet do que a internet em si. É muito fácil ter algo similar ao WhatsApp que não venha com toda a manipulação, todo o veneno. Um outro aplicativo poderia existir — e por si só, não ser algo ruim —, só não existe porque as corporações tomaram conta da internet. Todas as coisas boas do WhatsApp — a possibilidade de mandar mensagens, por exemplo — podem ser alcançadas, tecnologicamente falando, sem a necessidade de que haja manipulação. Isso é um plug-in criado por essas empresas, não tem nenhum motivo de estar lá.
Podemos dizer que o Facebook é a pior rede social por ser a mais presente?
Jaron Lanier – Por enquanto me parece que as redes sociais que são propriedades do Facebook, enquanto corporação, são as que fazem mais mal ao mundo, em particular Instagram, Messenger, WhatsApp e o próprio Facebook. O Facebook propriamente dito talvez tenha mais influência nos Estados Unidos, enquanto Instagram, WhatsApp e Messenger são piores no resto do mundo. As redes sociais do Google, como o YouTube, também têm sido problemáticas de certa forma.
Não sei se faz sentido dizer qual delas é a pior, pois todas usam o mesmo plano de negócios corrupto e horrível e funcionam mais ou menos da mesma forma. Todas precisam mudar.
Você vê alguma possibilidade de o Facebook ser ultrapassado, como aconteceu no passado com outras redes sociais?
Jaron Lanier – Acho difícil, porque essas antigas redes sociais, como Friendster e MySpace, pertenceram a outro tempo, um em que menos gente tinha acesso a internet e se vivia menos tempo conectado; e as pessoas não estavam tão presas a essas redes. O Facebook tem sido muito paranoico e preocupado com a possibilidade de que outras redes tomem seu lugar, por isso a corporação comprou empresas novas, que já tivessem algum poder, ou tentou destruir quem pudesse crescer. Como sabemos, WhatsApp e Instagram foram compradas exatamente por medo de que alguma delas chegasse a ter um momentum. Não foram muitas empresas que conseguiram aproveitar o embalo de crescimento e se dar bem, e é até surpreendente que agências reguladoras tenham permitido que isso acontecesse. É claro que ainda há outras empresas por aí, como o Twitter, mas elas são muito pequenas e vulneráveis.
Um dos criadores do The Pirate Bay, Peter Sunde, escreveu artigos dizendo que a guerra da internet foi perdida e que as corporações venceram. O que você acha disso?
Jaron Lanier – Li vários comentários e análises recentes que chegavam a essas conclusões derrotistas. “Nós perdemos”, “não há nada mais a ser feito”, “agora vai ser sempre assim ou pior”, “não conseguimos fazer mais nada”, “acabou”. Talvez isso seja verdade, mas acho que sou um maluco e não acredito que seja hora de dizer isso. Insisto em trabalhar continuamente em alternativas, continuo a acreditar que encontraremos uma saída e que vale a pena imaginar soluções melhores e inventar novas opções que permitam que o trabalho seja melhor. Desistir é meio que um paradoxo filosófico: se você chegar à conclusão que não vale mais a pena fazer nada, nada será feito — é uma profecia que se cumpre automaticamente.
É claro que não há garantias de que seja possível fazer isso, mas eu realmente acredito que precisamos buscar alternativas. Acho que a resposta correta tem a ver com a mudança do modelo de negócio, de forma que essas empresas não precisem negociar nossa busca por atenção.
Realmente acho que não devemos entrar em pânico ou ficar desesperados, especialmente agora. Estamos entrando em uma era em que o mundo será comandado por esses caras mal-humorados e paranoicos e ela pode durar muito tempo; talvez seja uma época em que não tenhamos democracia. E a única coisa que podemos fazer de verdade por ora é tentar nos preparar para a próxima época, quando as coisas talvez melhorem. Esse é um projeto meu. É o que estamos tentando fazer aqui nos Estados Unidos e vocês precisam fazer no Brasil e os europeus na Europa. Todos temos que tentar atravessar este período e não podemos perder a fé nem nossa imaginação para encontrar o caminho para a nova era.
Você está escrevendo um novo livro?
Jaron Lanier – Não me decidi ainda. Queria escrever sobre instrumentos musicais. Mas estou em conflito. Se estivéssemos em outra época, mais comum, acho que eu escreveria menos sobre política e mais sobre algo de que gosto, porque acho que é importante deixar espaço para essas coisas. Ainda estou decidindo sobre isso.
Obrigado, Jaron, foi uma boa conversa.
Jaron Lanier – Boa sorte para vocês. Esperamos o melhor para o Brasil.
Alexandre Matias é jornalista e cobre cultura e tecnologia há vinte anos, com base em seu site, o Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br).