Sobrecapacidade da China é problema; protecionismo, porém, não será solução, por Igor Patrick

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Sob críticas dos EUA e da Europa, Pequim diz que sua vantagem comparativa não resulta de qualquer prática irregular

Igor Patrick, Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

Folha de São Paulo, 18/05/2024

Ao longo dos próximos meses, quando você se deparar com notícias sobre a economia chinesa, o texto quase sempre vai mencionar um termo não muito familiar para o leitor leigo: “excesso de capacidade”.

O problema é, por exemplo, uma das justificativas apontadas pela Casa Branca para o significativo aumento de tarifas sobre carros elétricos chineses e tem rondado as discussões entre Pequim e a União Europeia.

Explico: autoridades governamentais em todo o mundo tem batido o pé e reclamado que, por meio de uma produção acima da demanda interna, a China tem inundado o mercado global com produtos de preço muito abaixo do normal, causando quebradeira em alguns setores industriais incapazes de competir nessas condições. Alguns legisladores vão além, acusando os chineses de turbinar suas exportações com subsídios irregulares, artificialmente tornando suas exportações mais competitivas.

O problema dos subsídios governamentais a indústrias selecionadas não é exatamente novo. De fato, foi essa a razão pela qual vários países se recusam a conceder à China o selo de “economia de mercado”, um atestado de que as exportações são balizadas pelo seu valor nominal e não por interferência estatal. Mas sua combinação com o rescaldo da pandemia criou um cenário complexo.

Ao contrário do que esperavam economistas, o mercado doméstico chinês não reaqueceu após o fim da Covid zero, a dura política do regime de combate à crise sanitária. Receosos e/ou endividados após três anos de restrições pandêmicas, os chineses estão gastando menos, levando o país em 2023 à sua pior deflação desde a crise asiática de 1997. O índice de preços ao consumidor fechou o ano passado em -0,3%, e para 2024 economistas esperam inflação muito modesta (algo entre 0,4 e 0,5%) —um sinal de que o consumo interno não está crescendo como o esperado.

Só isso já seria motivo de preocupação; afinal, os produtos chineses já são usualmente bem mais baratos que no resto do planeta, e, diante de um mercado interno mais fraco, fabricantes são obrigados a diminuir ainda mais os preços para fazer aumentar a demanda.

Nesta equação, é necessário avaliar também as taxas de utilização fabril: se o preço é baixo, há capacidade excedente. As empresas com muita capacidade excedente tendem a baixar os preços para gerar procura, prejudicando a rentabilidade de todo o setor. No primeiro trimestre deste ano, a China usou 73,6% de sua capacidade industrial, o menor índice desde 2020, segundo o Escritório Nacional de Estatística.

Somam-se a isso incentivos fiscais dos governos centrais e provinciais para estimular a economia e temos a tempestade perfeita: produtos que saem do chão de fábrica bem mais baratos do que o normal e chegam a outros países a um preço tão baixo que seus competidores perdem mercado e quebram. No curto prazo pode até beneficiar a você, que quer comprar um carro elétrico ou um painel solar e vai pagar menos. No longo prazo, a falta de concorrência dará a estes players chineses o poder de controlar preços nestes setores, além de frear a inovação e corroer postos de trabalho.

A China diz que sua vantagem comparativa não resulta de qualquer prática irregular. O regime afirma, com razão, que está colhendo os dividendos de décadas de investimento em pesquisa e desenvolvimento, além de uma cadeia produtiva muito eficiente.

Mas esses fatores não contam toda a história: Pequim teme um efeito cascata se deixar quebrar quem não conseguir competir naturalmente e mantém estas empresas funcionando por meio de incentivos fiscais.

Equilibrar a produção será um processo delicado porque invariavelmente levará a aumento no desemprego e potencial agitação social. Ademais, pode desencadear queda na demanda por commodities, o que impactaria diretamente grandes mercados de matéria-prima para o gigante asiático, como Brasil e Austrália.

Como reguladores e políticos reagem a estes desafios em todo o mundo ainda é uma incógnita. A resposta apresentada até agora é apenas mais protecionismo, o que não é bom para ninguém.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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