Tania Bacelar de Araújo – Economista.

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Uma análise coerente e bastante original da Economia Brasileira e, principalmente suas peciliaridades regionais, seus desequilíbrios históricos e seus principais desafios no mundo contemporâneo. Uma viagem profunda a sociedade brasileira capitaneada por uma economista de grande projeção, leitura fundamental.

Desafios – Qual é a principal dificuldade do desenvolvimento brasileiro na atualidade?
Tania – No curto prazo, a preocupação com o endividamento do governo, a crise fiscal, se arrastando desde a década de 1980, então já temos duas décadas, quase três. O problema que eu vejo nisso para o desenvolvimento é que no caso do Brasil o governo ainda é um agente muito importante tanto para investimentos em infra-estrutura como em investimentos na educação e para investimentos na proteção social. E um governo endividado não tem dinheiro para investir. Hoje, quando se analisa as contas públicas, a principal despesa do governo é a conta de juros. Então, o dinheiro que ele teria para devolver à sociedade ele devolve a seus credores. Isso, no curto prazo, tem sido um entrave importante para um melhor desenvolvimento do país e não acredito em solução mágica para isso. A solução é gradual mesmo.

Desafios – A política econômica caminha a favor ou contra uma solução para esse problema?
Tania – A taxa de juros muito alta termina sendo um elemento impeditivo. Então, se teria de ter uma situação em que a taxa de juros pudesse ser mais baixa, a maior taxa de juros real do mundo é a nossa. E voltou a crescer. Aí, a inflação desacelera, mas o juro já subiu. Esta, no curto prazo, é a principal dificuldade, porque limita toda a capacidade de crescimento. Um país que ainda tem gargalos sérios de infra-estrutura em segmentos e projetos que o setor privado não vai suprir, que tem um investimento estratégico a fazer em educação, que também o setor privado sozinho não responde, e que ainda precisa de políticas sociais de peso. Mas o cenário hoje é melhor do que o que já tivemos. Com todo o problema, no começo do século XXI, o tamanho da dívida era 55% do Produto Interno Bruto (PIB) e hoje são 40%. Mas ainda é muito elevado. E, como a taxa de juros é alta, o pagamento de juros é o maior item de despesa do governo.

Desafios – E a médio prazo?
Tania – Para mim, o problema central a médio prazo é o da desigualdade – a desigualdade social e a desigualdade regional. Nós herdamos essas duas desigualdades e em todo o diagnóstico que se faz isso aparece com muita força. Eu faço parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) da Presidência da República. Ali, é um ambiente muito heterogêneo, são mais de 80 pessoas com perfil muito diferenciado, e foi feita uma pesquisa conosco. Foi quase unânime, mais de 90% das pessoas, quando perguntadas qual é o principal desafio do país, responderam: é reduzir a desigualdade, tanto social quanto regional, em todas as escalas.

Desafios – Quais progressos estamos fazendo quanto à desigualdade de renda?
Tania – Eu diria que a renda do trabalho melhorou. A renda total, não, por conta dos juros. A taxa de juros não afeta só o governo. Os rentistas, os aplicadores, quem é superavitário no Brasil e empresta ao governo, ganha muito bem. É muito melhor remunerado do que se aplicasse em qualquer país do mundo. Então, isso transfere renda da sociedade para um pequeno pedaço da sociedade que são os aplicadores, as empresas ou pessoas físicas que são superavitários. A maioria da nossa população não tem a cultura de poupar, ao contrário, a nossa cultura é de consumir, se endividar, e portanto pagar mais caro. Então, na renda total, não se tem uma mudança significativa, mas na renda do trabalho há uma mudança importante neste começo de século XXI, que eu considero positiva, tirando gente da classe E para botar na classe C. É uma pirâmide com uma base muito alargada, com muita gente nas classes C, D e E, e o que se fez foi tirar gente das camadas de menor renda para uma camada intermediária. Todas as pesquisas mostram isso.

Desafios – A redução da inflação foi fundamental para que isso ocorresse?
Tania – Eu acho que foi. A inflação alta corrói o poder de compra de quem ganha pouco e não tem mecanismos de defesa. Então, inegavelmente, uma inflação baixa é favorável exatamente à base da pirâmide. E, junto, houve três outros fatores. Primeiro, o Bolsa Família. Não é desprezível pelo volume de recursos: passa do patamar de R$ 2 bilhões para R$ 10 bilhões anuais, o que no Brasil é muito dinheiro. E afeta mais o Norte e o Nordeste, e nem se sente em São Paulo. E nos pequenos municípios se sente com mais força ainda. O tamanho da transferência foi significativo em locais onde a base produtiva é pequena e portanto o volume de renda gerado localmente é muito pequeno. O que era um programa assistencial acabou se transformando em estímulo ao dinamismo daquela economia local muito pequena. A bodega da esquina, a feira, a padaria, a farmácia, tudo envolve um fluxo de renda que não era gerado ali, mas que é transferido de outros lugares. O Nordeste tem 28% da população brasileira e 50% da população pobre do Brasil. Então, dos R$ 10 bilhões que o governo paga, R$ 5 bilhões vão para lá. Por isso, nas pequenas cidades do Nordeste se sente um impacto importante no estímulo ao consumo. Gente que não consumia passou a consumir. Do ponto de vista macro, não foi só o pequeno negócio que lucrou. Porque, como é muita gente, também as grandes empresas se beneficiam: os supermercados e empresas de produção de alimentos e de confecções. Por exemplo, a Bauducco fez uma fábrica na Bahia e está fazendo outra. A Nestlé está investindo lá. A Perdigão e a Sadia foram agora para Pernambuco. Vão produzir iogurte e embutidos, porque esse padrão de renda consome muito em embutidos. Então, isso atraiu também grandes corporações para fazer investimentos para atender a essa demanda. E tem um efeito indireto sobre o emprego.

Desafios – Qual é o segundo fator?
Tania – É o salário mínimo. Desde o final da década passada ele vem tendo variação real e acima da correção média dos salários. Também todos os estudos mostram isso. No ano passado, a inflação média, o melhor índice, foi 5,2%, digamos, e o salário mínimo este ano foi corrigido em 9,2%. Então, não é uma diferençazinha, é uma diferença significativa. De novo, bate lá na base da pirâmide, e bate mais nas regiões mais pobres. Tem um impacto social e um impacto regional. De novo, para dar o exemplo do Nordeste, que tem metade dos trabalhadores brasileiros que ganham salário mínimo, o impacto é maior no Nordeste do que em São Paulo.

Desafios – E por fim, qual é o terceiro fator?
Tania – O terceiro é o crédito. Sem dúvida o crédito estimula o consumo. E o crédito não só aumentou em volume como ele trabalhou muito com o que é da cultura brasileira, que é o tempo. O brasileiro não faz conta da taxa de juro, mas faz conta do tempo do empréstimo, e, portanto, da parcela mensal que ele vai pagar. Ele não sabe quanto está pagando de juro. Ele faz a conta: cabe no meu salário, na minha renda mensal? Cabe. Então, compra. Alongou o prazo. Já se vende hoje carros, motos, eletrodomésticos a prazos muito grandes.

Desafios – Esses prazos são exagerados?
Tania – Eu acho que sim. No caso do automóvel, estamos na contramão das tendências mundiais, financiando automóvel a 70 meses, quando precisamos investir é em transporte público coletivo de qualidade. Esse padrão de cada pessoa se deslocar de automóvel é um padrão do século XX, não do século XXI. A crise energética sinaliza noutra direção. E estamos no modelo antigo. O Brasil do século XX cresceu concentrando renda. Essa herança da desigualdade tem a ver com esse padrão de crescimento que estruturamos no século XX, que, do ponto de vista econômico, foi muito exitoso. O Brasil é um exemplo no século XX, na literatura, de um país que deu um salto quantitativo e qualitativo na sua economia fantástico. Inegavelmente, o Brasil montou uma estrutura industrial que produz desde os bens mais simples até aviões e armamentos, bens básicos, bens sofisticados. Estruturou um parque produtivo, em seis décadas, que é exemplo no mundo, de sucesso, de capacidade de realização. Só que foi feito concentrando renda, olhando para a camada de cima da pirâmide. A novidade é que agora estamos descobrindo um dos potenciais do Brasil, que é o consumo insatisfeito da grande maioria da população. É um mercado muito grande. E este ciclo está mostrando isso, como já vimos isso em outros momentos em que rompemos com a inflação – o Plano Cruzado e o Plano Real. A sociedade sentiu isso com muita clareza. Cai a inflação, aumenta o poder de compra e o país explode, porque há um consumo insatisfeito numa massa muito grande.

Desafios – É possível o consumo alcançar já as fatias da população que sempre ficaram à margem?
Tania – A tragédia brasileira, sempre se diz, é que se um terço desses que ficaram à margem fossem colocados dentro do consumo já seríamos um grande mercado, quase a população da França. Esta era a nossa tragédia. Dava para desenvolver a economia com um terço da população dentro e dois terços fora. O que fica para resolver é o problema social. E gargalo é educação. É aí onde como sociedade – não estou falando de governo, que também tem papel importante -, do mesmo jeito em que ela não poupa, ela não valoriza o investimento em educação. Conheço muita gente de classe média que, na hora do aperto, em vez de cortar a cervejinha, corta a aula de inglês do filho. Isso significa que é uma decisão da família. Imaginem os filhos de pais que não estudaram e não vêem no conhecimento uma possibilidade de uma inserção melhor. Então, tem um lado que é da sociedade, é cultural.

Desafios – E também da educação?
Tania – Aí o governo tem culpa. A oferta do ensino era muito restrita. Agora, ampliamos a oferta, mas a qualidade é trágica. Eu não acredito que seja uma questão de dinheiro. Vejo países como a Coréia, que tem uma economia muito menor do que a do Brasil, e pôs todos os jovens na escola de manhã e de tarde. É isso que temos de fazer no Brasil para dar uma educação que não seja só ensinar a ler e a escrever. É preciso dar cultura, dar esporte, é preciso ter uma visão completa da formação de uma pessoa. Todos os países desenvolvidos têm suas crianças de manhã e de tarde na escola. É requisito básico. Nem se discute. E eu não vejo ninguém sequer discutindo isso, passamos pelas campanhas eleitorais e não se vê ninguém cobrando. Só vozes isoladas, que não repercutem. Então, a minha hipótese é a de que não é só o governo, é a sociedade que não valoriza isso. E, quando se diz que devemos descentralizar para os municípios… espera aí, nem todo município é município com capacidade de dar educação nesse padrão. Ao contrário, acho que aí a responsabilidade é do governo central. Nós não estamos na Alepúblico manha, onde dois terços da receita pública são geridos na base. Estamos no Brasil, e aqui a maior parte da receita pública está na mão do governo federal. Todos os municípios do Brasil, inclusive os ricos, somados, depois que recebem todas as distribuições a que têm direito, ficam com 20% da receita pública. Então, um investimento estratégico desse não pode ser descentralizado. A execução poderia ser até descentralizada, mas o financiamento, não. E aí eu acho que caminhamos muito pouco. Mas a preocupação do Ministério da Educação (MEC) hoje com o ensino médio é correta. O Brasil cresceu um pouquinho e já está faltando mão-de-obra intermediária. Nosso ensino médio é um gargalo.

O Brasil estruturou em seis décadas um parque
produtivo que é exemplo de sucesso, só que foi feito
olhando para a camada de cima da pirâmide social

Desafios – O programa de escolas profissionais está no caminho correto?
Tania – Essa ênfase que o MEC está dando hoje a escolas profissionais é o que o Brasil precisa. Eu fui a Petrolina (PE) para uma palestra em uma escola de 2º grau do Senai, e é uma escola com equipamento e salas de aula decentes, biblioteca, laboratório, internet para os alunos. É desse ensino médio que eu estou falando. Eu perguntei ao diretor o quanto investiram. Foram R$ 15 milhões. Isso não é dinheiro para o Brasil, para um país como o nosso, que tem uma carga tributária de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que já é um dos PIBs maiores do mundo. Eu não vejo que o problema seja dinheiro. O problema é que a expansão das escolas técnicas é amplamente insuficiente. E tem que ser ensino de manhã e de tarde, estudar na sala de aula de manhã e ir para o laboratório de tarde, fazer esporte e para isso tem que ter uma quadra decente. Aí, vai diminuir a violência. E eu defendo que o ensino profissional tem que dar o ensino médio junto. Não é só dizer que vamos preparar para o mercado, mas para o mercado e para, se ele quiser, a universidade, que tenha o diploma de ensino médio e faça o vestibular. Esse é o grande investimento estratégico que o Brasil não fez, e eu infelizmente acho que a discussão está muito aquém da relevância disso, em um mundo onde, sem conhecimento, vai-se fazer o quê?

Desafios – Em compensação, nosso povo é bastante criativo…
Tania – Criativo e com capacidade de iniciativa. Mas a capacidade de iniciativa, sem conhecimento, se reduz. Imagine nossa capacidade de iniciativa com conhecimento. Já fazemos milagres sem conhecimento. Eu acho que é um atributo importante a nossa capacidade crítica. No exterior, se sente que o pessoal tem uma formação mais bitolada. Então, para criar é mais difícil, porque criar significa contestar o que está estabelecido para poder propor outra coisa. Esse lado o Brasil tem, é um atributo positivo da nossa sociedade. Aparentemente, levamos tudo na brincadeira, mas não é brincadeira, é espírito crítico, e disso nasce coisa nova. É desmontando que também se constrói. Mas esse investimento não é questão de dinheiro, mas também não é solução de curto prazo. Vai dar frutos em 15 anos, mas dá. No Nordeste, não havia universidades há 40 anos, e hoje há. Esse prazo, em termos de desenvolvimento, não é muito tempo. Então, não se faz em cinco anos, mas se faz em 40.

A inserção soberana é muito difícil em um país
como o Brasil, mas a China está se reinserindo
agora de uma forma soberana

Desafios – Os desequilíbrios regionais estão agora se reduzindo?
Tania – Essa é outra herança que tivemos, mas acho que aí estamos melhorando. Ao decidir que queríamos ser um país industrial, em 60 anos o país montou uma base produtiva e industrial complexa e quase completa, mas concentrou muito principalmente no Sudeste. Chegamos a colocar 80% da produção industrial no Sudeste e 44% na Grande São Paulo. Um padrão de concentração fantástico. Mas os estudos de que dispomos mostram que o auge da concentração foi nos anos 1970 e de lá para cá há uma modesta desconcentração. Pelo menos a concentração não continuou e isso já é um fato importante. Hoje, há uma tendência a desconcentrar, primeiro da Grande São Paulo para o interior do Estado, as cidades médias mais próximas, o Sul de Minas, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná. Isso tudo se beneficia de uma espécie de transbordamento. São locais próximos, mas não estão no foco das deseconomias. São Paulo terminou concentrando tanto que às vezes as deseconomias externas passaram a ser maiores do que as economias. Há também, por exemplo, Manaus, é claro que com muito incentivo. As informações que nós dispomos hoje sinalizam que, do ponto de vista dessa macrotendência à concentração, a hipótese é de que escapamos dela. A macrotendência não se acentua, mas reflui, por várias razões. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) foi desconcentrador, a crise bateu mais forte em São Paulo nos anos 1980, e dos anos 1990 para cá temos a abertura comercial, a redefinição do crescimento e nesta fase mais recente o crescimento do consumo da base da pirâmide social está puxando as atividades desconcentradoras. Então, em cada momento tem um fator, mas o conjunto deles está dando uma desconcentração. A minha leitura, nesse ponto, é positiva.

Desafios – Sua tese sobre a diversidade…
Tania – Eu gostava de dizer que a principal potencial do Brasil é a diversidade regional brasileira. É um dos nossos patrimônios, do mesmo jeito que a criatividade do povo brasileiro é um dos nossos patrimônios. Continuo acreditando nisso. Dificilmente se encontra outro país no mundo com tanto potencial como o nosso. A natureza diferenciada, seis biomas dentro do mesmo país, bases produtivas que fomos estruturando historicamente, cada uma diferenciada da outra, e a sociedade brasileira é diferenciada. Nós nos consideramos um povo miscigenado, e somos, mas a miscigenação não é a mesma em cada parte. A influência indígena é muito mais forte no Norte, a influência africana é muito forte no Nordeste, a influência européia é muito forte no Sudeste, a influência japonesa é muito forte em São Paulo. Eu não encontro em outro lugar do Brasil onde a influência japonesa tenha essa força. O mix foi sendo diferente, o que faz a sociedade ter traços de união importantes – uma visão de mundo que se unifica, e a língua também, com a ajuda da televisão e dos meios de comunicação -, e ter diferenciações também importantes. As diferenciações são de uma riqueza muito grande, que nos permite tirar partido disso. Eu acho que no século XX o país apostou na concentração, e a concentração empanou a diversidade. Nós, economistas, gostamos dos grandes números, mas é preciso ver que as médias no Brasil são muito influenciadas por São Paulo e pelo Sudeste, porque a concentração foi tão forte que a média parecia explicar o Brasil, mas estava explicando apenas São Paulo ou o Sudeste. Só que os 20% ou 30% que não estavam explicados ali são de uma riqueza e de uma diferenciação maravilhosas. Hoje, começamos a descobrir isso. Não digo ainda que esteja forte, não tem a força que teve a concentração no século XX. Mas eu acho que hoje essa modesta desconcentração está dando esse resultado. A sociedade brasileira olha para essa multiplicidade de tecidos sociais e econômicos com um olhar de que ali também tem potencial. Todo lugar tem um potencial, como toda pessoa tem um potencial. Ninguém é desprovido de tudo. Portanto, também não tem uma região desprovida de tudo. Mesmo a região que não tem água, tem sol. Aí, é só levar água – estou falando do semi-árido, que não tem água, mas tem sol, e tem fruticultura de padrão mundial, porque o sol é um elemento importante. Então, desse ponto de vista eu sou mais otimista do que no lado da educação. Acho que devagarzinho estamos percebendo que a diversidade brasileira é um dos nossos potenciais.

Desafios – Isto vai melhorar a inserção do Brasil no atual contexto internacional?
Tania – Eu acho que a inserção soberana é muito difícil em um país como o Brasil. Primeiro, há o elemento cultural. A sociedade brasileira é herdeira da colonização e um pedaço da elite não tem um projeto de Brasil-nação, mas só um projeto de sua própria inserção no mundo. O Brasil é um país que não dá para se realizar só dentro dele. Engatou no resto do mundo e não vai desengatar. Vamos ter que conviver com a globalização. O Brasil interessa aos agentes globais pelo nosso potencial produtivo e de consumo. É um país que conta na mesa do jogo mundial, não é um país qualquer. Mas a história mostra países onde a elite tem outra visão, a visão do seu país primeiro, antes do resto. Quando falo que um pedaço da elite brasileira é colonizado, falo dos empresários, mas falo da academia também, para falar de mim mesmo, da área onde atuo. É uma inteligência que vai para o exterior e volta e não consegue adequar aquelas teorias que aprendeu lá fora à realidade do seu país. Ou não quer fazer esse esforço. O importante para essas pessoas é ter um paper aprovado em um seminário internacional, e os problemas que temos aqui no país não lhes afetam. Então, inserção soberana de um país que tem uma elite com essa característica não é tarefa simples. Segundo, é que grande parte da sociedade brasileira já nem discute isso. Ela está tão à margem – e esta é outra característica do Brasil – que nem discute.

Desafios – Com a China é diferente?
Tania – A China já foi uma grande potência no passado, depois virou país ocupado, todo mundo mandava na China, e veio a revolução socialista e isolou a China do resto do mundo. Eles estão se reinserindo agora, na minha leitura, de uma forma soberana. Eu acho que a China é um exemplo de país médio como o Brasil, que tem potencial como o Brasil e que consegue uma inserção soberana. A China faz o que eles acham que é importante para a China. Tem um projeto de país. Pode-se até discordar do projeto deles, mas fica evidente que têm um. O Brasil, não. O Brasil tem uma cultura de submissão, eu acho. E essa cultura da elite passa para a sociedade brasileira, que valoriza mais o que não é dela do que o que é dela. Às vezes, vemos pessoas comprando uma porcaria só porque é produto importado. Lá fora se vê uma leitura de que este é um país que tem potencial para uma inserção soberana. E quando se vem para dentro, se vê que a sociedade brasileira não tem essa consciência, não tem a consciência do nosso potencial. Ao contrário, tem uma leitura mais submissa.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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