Taxar grandes fortunas é agenda global, não tem nada de eles contra nós, por Bianca Santana.

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Bilionários como Abigail Disney defendem pagar mais imposto para reduzir desigualdades e proteger democracias

Bianca Santana, Doutora em ciência da informação, mestra em educação e jornalista. Autora de “Quando me Descobri Negra”.

Folha de São Paulo, 07/07/2025

Crescem a extrema direita e as ameaças à democracia. Mas cresce também, internacionalmente, a proposta de enfrentar desigualdades tributárias, taxando os super-ricos.

Além dos sindicatos, dos partidos e de governos de esquerda, há super-ricos —pasmem— que também defendem a taxação de grandes fortunas. Eu já havia lido sobre alguns deles que, nos Estados Unidos, reuniram-se em um coletivo chamado “Patriotic Millionaires”, inicialmente “Patriotic Millionaires for Fiscal Strength” (milionários patrióticos pela força fiscal).

Em maio deste ano tive a oportunidade de conhecer uma das mais atuantes vozes do grupo: Abigail Disney, neta de Roy Disney, cofundador da Walt Disney Company. Abigail esteve em Fortaleza, ao lado de Cássio França e Inês Mindlin Lafer, para a abertura do Congresso Gife: Desconcentrar Poder, Conhecimento e Riquezas, que reuniu 1.200 pessoas interessadas em debater o investimento social privado e filantropia.

Ela defende uma reestruturação do sistema tributário para corrigir privilégios. Mesmo que reconheça a importância da filantropia e da caridade, Abigail mesma já doou cerca de US$ 70 milhões de sua fortuna de cerca de US$ 120 milhões. Ela afirma que a caridade não garante serviços públicos, não reduz desigualdades estruturais, não democratiza o poder. Se o sistema tributário privilegia os ultrarricos para que sejam cada vez mais ricos, ele precisa ser alterado para corrigir desigualdades.

É sabido que investidores pagam menos impostos que professores, enfermeiros, policiais; que grandes heranças podem ser transmitidas sem que se pague muitos impostos. Os “Patriotic Millionaires” reconhecem isso e alertam que, além de injusta, a desigualdade é perigosa. Na avaliação deles, fragiliza democracias diante da concentração de poder em quem tem muito dinheiro, vide a importância de Elon Musk para a eleição de Donald Trump, mesmo que agora não sejam mais amigos.

Bilionários podem comprar plataformas digitais, veículos de mídia, influenciar eleições e definir a agenda pública. A concentração de riqueza significa concentração de poder político e, como temos visto em todo o mundo, crescimento do populismo autoritário. Segundo o grupo, tributar mais os super-ricos é a forma mais eficiente de reduzir desigualdades extremas.

Não se trata de punir o sucesso ou sufocar a iniciativa privada, mas de garantir que quem mais se beneficiou do sistema tributário contribua, proporcionalmente, para que ele retorne ao conjunto da população. Em vez de multiplicar aplicações e contas bancárias, pequenas partes das grandes fortunas revertidas em impostos podem financiar saúde, educação, segurança, infraestrutura e políticas climáticas.

Em entrevista a esta Folha, Abigail contou que nos inúmeros artigos que já escreveu sobre o tema, as mensagens mais raivosas que recebe não são de super-ricos. “Acho incrível isso, mas é que existe essa ideia de que, ‘se eu algum dia tiver esse dinheiro, não pagarei essa taxa’.”

Taxar grandes fortunas não tem nada de eles contra nós. É sobre justiça fiscal e econômica. Sobre sociedades mais equilibradas e o futuro das democracias.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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