Precisaremos navegar por uma era cada vez mais turbulenta, incerta e volátil
Iloná Szabó de Carvalho, Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)
Folha de São Paulo, 06/09/2023
Vivemos em um momento no qual uma série de crises sobrepostas e em cascata sobrecarregam nossos governos, empresas e sociedades. Essas múltiplas crises interconectadas estão relacionadas a uma série de tendências aceleradas, que alguns já antecipavam, mas quase ninguém imaginava que estariam convergindo.
Entre as tendências, destaco quatro principais: os choques e estresses climáticos provocados pela tripla crise planetária de disrupção climática, perda de biodiversidade e aumento da poluição; a mudança demográfica; a transformação digital; a competição geopolítica em um mundo multipolar.
A primeira é uma tendência não linear que tem implicações potencialmente catastróficas, envolvendo eventos longos —desde alterações nos regimes de chuva e períodos prolongados de seca até a elevação do nível do mar— e eventos rápidos, como incêndios florestais, inundações e tormentas cada vez mais frequentes. Isso levanta questões fundamentais para o Brasil, incluindo o financiamento da adaptação climática das nossas cidades, que são principalmente costeiras, e a estrutura e capacidade das indústrias de seguros e finanças para incorporar riscos cada vez maiores e mais incertos.
A segunda é o envelhecimento da população do Brasil antes de nos termos tornado um país de renda alta. Isso traz enormes implicações para a força de trabalho, para o sistema previdenciário e de saúde e para o modo de funcionamento da sociedade como um todo. Em termos de produtividade e desenvolvimento econômico, isso é uma questão crucial.
A terceira é a aceleração da transformação digital massiva. O Brasil possui quase 250 milhões de celulares —1,2 por habitante— e cerca de 150 milhões de pessoasonline. Com os avanços da inteligência artificial, a automação pode acentuar as nossas já imensas desigualdades. A hora de se preparar é agora.
E tudo isso está acelerando a quarta tendência —uma espécie de competição geopolítica da qual o Brasil faz parte. Em um planeta interconectado e globalizado, não é mais possível se isolar, e as tensões entre potências grandes e médias nessa transição para um mundo multipolar está afetando nossa capacidade de resolver coletivamente desafios comuns. O resultado mais catastrófico dessas tensões seria uma guerra nuclear, que exterminaria a nossa espécie.
Essas quatro megatendências elevam o nível das apostas e dos riscos para o Brasil. Precisaremos navegar por essa era cada vez mais turbulenta, incerta e volátil. Devemos aproveitar a janela de oportunidades na qual nos encontramos para dar os saltos que precisamos e nos tornar mais resilientes.
Nosso país se orgulha de ser um dos poucos no mundo a manter relações com todos os Estados nacionais e precisará de muita habilidade para se posicionar dentro dessa multipolaridade altamente tensionada. Precisamos ao mesmo tempo alavancar investimentos para a transição verde e para o desenvolvimento sustentável e, sem negociar valores democráticos, competir de forma responsável, mantendo os fluxos de comércio e investimento. A recente expansão dos Brics exemplifica a complexidade do momento.
Uma coisa é certa: o fortalecimento e a consolidação democrática são ainda mais fundamentais. Um próximo governo extremista não responderá à altura de nenhum dos imensos desafios. Nossos líderes e seus times precisam ter o interesse público como bússola e devem possuir a sutileza e a sofisticação para navegar em um tabuleiro de xadrez complexo de cooperação e competição.
Os desafios daqui para a frente demandam as capacidades de visão e execução, a habilidade de conectar o local ao global e a intermediação de conversas honestas e difíceis.
Isso requer compromisso, ousadia e sonho grande.