Turbulências globais

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As grandes transformações em curso na sociedade internacional vêm impulsionando inúmeras modificações no espaço e no tempo, transformando comportamentos, convivendo com novas tecnologias, criando novos modelos econômicos e produtivos, agitando o mundo da gestão, modificando as relações entre capital e trabalho, tudo isso, nos auxilia na compreensão dos grandes desafios da humanidade.

Depois de anos de pandemia que assolou a comunidade global, cujos impactos foram avassaladores em todas as regiões do mundo, levando mais de seis milhões de mortes, devastando setores inteiros, destacando novos modelos de trabalho, novas formas de qualificação, com novas tecnologias digitais e intangíveis, novas formas de comportamentos, gostos, vontades e necessidades, estamos vivenciando conflitos militares, agitações geopolíticas, agressões físicas e verbais, incremento do negacionismo, destruições ambientais, devastando a civilidade e vislumbrando um modelo de sociedade em crise.

No cenário internacional percebemos o crescimento dos conflitos militares, neste momento, as autoridades internacionais mapearam mais de 170 conflitos militares em curso na sociedade global, com milhares de mortes, degradações, agressões, impulsionando ódios, rancores e ressentimentos. Nesta toada, depois dessas devastações, a sociedade internacional vai precisar reconstruir os laços entre as nações, estimulando o comércio global, conversações diplomáticas internacionais e novos espaços de integração.

No campo econômico percebemos o crescimento do protecionismo entre as nações, o crescimento das incertezas e instabilidades financeiras, com o aumento dos subsídios dentro das nações, o retorno das políticas industriais para fortalecer os setores nacionais em detrimento dos grupos externos, desta forma, o comércio global tende a se reduzir e as integrações econômicas tendem a perder espaço, muitos especialistas estão destacando a possibilidade da chamada desglobalização, uma verdadeira revolução econômica e produtiva.

Ainda no campo econômico, destacamos o possível surgimento de um novo padrão monetário internacional em detrimento ao dólar norte-americano. O possível nascimento de um novo modelo monetário global pode gerar novos constrangimentos financeiros internacionais, trazendo novos desafios e novas oportunidades, demandando lideranças internacionais capacitadas para compreender os possíveis caminhos que tendem a aparecer no cenário internacional, desafiando países ricos e desenvolvidos para continuar controlando estas transformações que podem diminuir seus poderes. Do outro lado, percebemos que todas estas alterações globais demandarão das nações em desenvolvimento a adoção de políticas públicas equilibradas e, ao mesmo tempo mais ousadas, independentes, conscientes e soberanas.

Neste ambiente, destacamos ainda as grandes turbulências globais no meio ambiente, as alterações climáticas estão cada vez mais aceleradas, vide o exemplo do sul do Brasil, cuja destruição deve ser vista como um aperitivo para as possíveis devastações do meio ambiente, rechaçando os crescentes negacionismos que crescem em escala global, impulsionando políticas de austeridade que fragilizam os governos nacionais, vislumbrando apenas interesses imediatos, lobbies financeiros fortíssimos e grupos que patrocinam o caos e a degradação.

Os desafios da comunidade internacional na contemporaneidade são imensos e inadiáveis. As riquezas geradas nas últimas décadas são suficientes para incluir todas as pessoas da sociedade global desde que o modelo econômico e produtivo seja alterado e modificado. Sem uma alteração efetiva no modelo econômico e produtivo, temos que se acostumar com uma sociedade cada vez mais individualista, imediatista, narcisista e centrada no lucro e nos prazeres materiais.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

Cortar benefícios sociais para pobre tem que ser último item da lista, diz Marcelo Medeiros

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Para o especialista em desigualdades, o Brasil tem que estar preparado para arrecadar mais

Adriana Fernandes – Folha de São Paulo, 12/06/2024

Pesquisador da Universidade Columbia de Nova York, o brasileiro Marcelo Medeiros diz à Folha que cortar os benefícios sociais para a população mais pobre deve ser o último item da lista do governo para reduzir as despesas.

Em meio ao crescimento do debate sobre a desvinculação do salário mínimo dos benefícios da Previdência social, Medeiros ressalta que a política do salário mínimo foi responsável pela redução da pobreza no Brasil.

“Vai parar de tentar reduzir pobreza e desigualdade? É isso que o pessoal está propondo? Tem que ser explícito e dizer: olha, nós concluímos que já reduzimos a pobreza demais, a desigualdade demais, e agora é hora de controlar o fiscal”, alerta.

Medeiros diz que há um conflito distributivo gigantesco por trás desse debate. “Não vamos fingir que não existe. “É mais fácil derrubar, tirar dinheiro de pobre, do que tirar dinheiro de rico”, afirma. Na sua avaliação, o Brasil tem que se preparar para arrecadar mais para enfrentar o problema das contas públicas no curto prazo.

O que acha do debate atual no Brasil de revisar gastos dos benefícios sociais?
Economizar dinheiro com pobre é a última coisa que o Estado brasileiro deve fazer. O pobre é quem mais precisa de assistência. O Brasil tem muito lugar para economizar dinheiro antes de economizar com pobre. É óbvio que é preciso aumentar a arrecadação.

É impossível regular o lado fiscal só pelo lado do gasto. É irrealista quem estiver propondo isso. É preciso discutir seriamente como aumentar a arrecadação para não ter que avançar sobre a assistência.

O Brasil precisa de várias coisas. Precisa de uma nova reforma da previdência, porque é o principal gasto público. Então, precisa regular isso. Tem uma série de outros gastos [para revisar]. Precisa revisar, por exemplo, planos de subsídios.

A proposta de desvinculação dos benefícios da previdência do salário mínimo foi colocada para reduzir despesas obrigatórias.

Existe uma confusão sobre o peso que os aumentos dos salários mínimos têm nas contas públicas. Essa confusão ignora que o aumento do salário mínimo eleva a arrecadação previdenciária automaticamente porque um quinto do salário mínimo vira imposto imediatamente. Vira arrecadação previdenciária automaticamente. Como também aumenta a arrecadação dos estados e municípios.

Aumenta, por exemplo, todo o direcionamento de ICMS que existe, os gastos com segurança, educação e saúde.

O seu diagnóstico é que o debate está mal colocado pelo governo?

As contas estão muito enviesadas para quem quer achar problema e não solução. Eu não estou dizendo que políticas não precisam ser ajustadas. Não existe política sem efeito negativo. O que importa é que os efeitos positivos superem os efeitos negativos. No caso da assistência, é muito difícil demonstrar uma conta dizendo que ela tem efeito negativo maior do que positivo. Não pode ter um raciocínio puramente fiscal porque a responsabilidade fiscal tem que andar de mão dada com a responsabilidade social. Separar as duas coisas é um erro grave.

Onde o governo deveria começar a cortar as despesas primeiro?

Essa é uma discussão de como faz a alocação do orçamento público inteiro. É fácil querer cortar em pobre, mas o Brasil gasta muito dinheiro com outras coisas. Tem que aumentar a arrecadação rapidamente. Não se consegue fazer corte fiscal rápido responsável. Se consegue fazer de forma irresponsável. Portanto, o Brasil tem que se preparar para arrecadar mais.

O governo optou em não fazer a reforma da renda primeiro…

Não é que o governo optou. O Congresso está tendo resistência. É uma questão política. Não é uma questão que o governo não quer. Só que o Congresso tem resistência. O Congresso é parte importante do problema. O Congresso não quer enfrentar a responsabilidade gigante que ele tem no controle fiscal brasileiro. E parte do controle fiscal não é só no corte, é também na arrecadação.

Mas esse não é um debate trivial?

Esse simplismo excessivo que é conduzido a discussão fiscal pode ser nocivo para as políticas como um todo. O aumento do salário mínimo foi a principal política de redução de pobreza e desigualdade no Brasil durante mais de uma década. Se parar de ter aumento do salário mínimo, a pergunta é: vai colocar o que no lugar? Ou vai parar de ter responsabilidade social? Vai parar de tentar reduzir pobreza e desigualdade?Tem que ser explícito e dizer: ‘olha, nós concluímos que já reduzimos a pobreza demais, a desigualdade demais, e agora é hora de controlar o fiscal’.

Pode ser, mas tem que assumir a responsabilidade política disso. Eu quero ver quem vai assumir. Porque quem fizer isso vai perder a eleição. E o que vem depois? O ultrapopulismo de violência, segurança etc.

O debate da desvinculação do salário mínimo dos benefícios da Previdência foi puxado agora pela ministra Simone Tebet (Planejamento), mas o próprio ministro Fernando Haddad tem defendido a discussão das vinculações…

[interrupção da pergunta] A pergunta não é se vai desvincular. A pergunta é o que vai botar no lugar, porque foi e ainda é a principal política de redução de pobreza e desigualdade no país.

Não foi Bolsa Família, não. Quem tem que pagar pelo ajuste?

O mercado diz que a questão fiscal é um risco e por isso cobra mais. É uma roda viva?

Aumenta a arrecadação, a pressão fiscal cai. A única maneira de controlar a pressão fiscal no curto prazo é aumentar a arrecadação. Eu entendo que a desvinculação faz parte do processo. E pode ser, pode desvincular. Não existe nada que esteja fora da mesa. O que temos que definir é prioridades. Se for necessário, pode cortar, inclusive, de pobre. Por trás disso tudo existe um conflito distributivo gigantesco. Não vamos fingir que não existe. Tem grupos brigando para ver quem se apropria disso tudo. E o grupo mais fraco são os pobres. É mais fácil derrubar, tirar dinheiro de pobre, do que tirar dinheiro de rico.

Não existem algumas políticas que poderiam ser discutidas e modificadas, como é o caso do abono salarial?

Tudo pode ser discutido. Agora, essas políticas não existem sem razão. As políticas não apareceram do nada. O que tem que resolver de fato é: o Brasil subsidia pesadamente o sistema previdenciário, de alguns grupos e não de todos.

Quais?

Os militares, por exemplo. São pesadamente subsidiados. Não é pouco, não. E eles são a principal categoria do funcionalismo ao lado dos professores.

A mudança no piso constitucional de saúde e educação também está em discussão na área econômica para retirar algumas receitas extraordinárias do cálculo da receita. Qual sua avaliação?

Isso é tipicamente uma escolha política. Eu sei que tem gente que diz que toda arrecadação que fizer está vinculada e aumenta automaticamente o gasto, aí o governo não tem margem. Esse é um problema que o Congresso precisa resolver. No dia que não tiver margem, vai ter que fazer ajuste em saúde. O que vai acontecer: o prefeito vai ter que fechar o hospital. O Congresso vai ter que resolver se vai peitar isso ou não.

O que pode ser cortado?

O Plano Safra, por exemplo, é um imenso subsídio para a soja, para a agricultura brasileira. O tributo sobre investimento de capital é 15%, é muito menor do que o tributo sobre salários. É claro que é complicado. Arrumar dinheiro não é fácil. Tem que fazer uma revisão geral de gasto.

O Brasil tem uma quantidade muito grande de subsídios, que precisa ser passado pente fino nesses subsídios.

Será preciso ter uma nova reforma da previdência para retirar os privilégios antes de retirar a vinculação?

Claro. Controlar o aumento dos benefícios de assistência é o último tópico da lista, quando todo o resto já tiver sido feito. Suponhamos que, hipoteticamente, reduzir o benefício de assistência seria suficiente para fazer o equilíbrio fiscal no Brasil. Haveria reforma da Previdência posterior? Não. Haveria controle das disparidades tributárias gigantescas que o Brasil tem? Não.

É óbvio que tem que começar pelos mais ricos para ter respaldo moral para fazer qualquer outro tipo de reforma.

O Congresso diz que há um esgotamento do aumento da carga tributária?

A insistência do Congresso em recusar isso é parte do problema.

Mas a resistência vem da sociedade, das empresas, do mundo empresarial, dos contribuintes?

Sim, claro. O Congresso é a expressão do mundo empresarial. O Congresso é a expressão disso.

Agora, é ingênuo achar que vai ser possível, por exemplo, com uma nova reforma da Previdência, ter efeito no curto prazo. E o Brasil precisa resolver o problema no curto prazo. Por exemplo, o Armínio Fraga está dizendo isso. O Armínio está certo.

RAIO X
MARCELO MEDEIROS, 54
Sociológo e economista, é professor da Universidade Columbia de Nova York. Um dos mais conceituados pesquisadores da área social, é autor de uma série de estudos que buscam compreender as complexidades dos conflitos distributivos gerados pelas desigualdades e seus mecanismos de reprodução. No livro, o “Ricos e os Pobres” (Companhia das Letras), expõe as razões da gigantesca concentração de renda do Brasil.

Tarcísio, a nova cara da ultradireita brasileira? Bruno Paes Manso

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Governador de SP sintetiza um dos possíveis futuros da ultradireita: implosão do Estado social e truculência policial, legitimados pela religião. Com o avanço das desigualdades, estes fatores serão cada vez mais necessários para proteger as “ilhas de riqueza”

Bruno Paes Manso – Outras Mídias – 12/06/2024

Cena 1: alunos apanham da Polícia Militar durante sessão em que os deputados paulistas aprovaram o projeto de lei que permite a criação da escola cívico-militar em São Paulo. Em tempos normais, seriam imagens escandalosas, mas apenas os integrantes das bolhas progressistas parecem chocados. Muitos apoiam um projeto pedagógico militarizado, como se o aprendizado dependesse de disciplina e de obediência.

Cena 2: o governo de São Paulo sabota o bem-sucedido programa de câmeras em uniformes das PMs, que vinham reduzindo a letalidade da corporação. A decisão ocorre depois de duas operações policiais matarem 74 pessoas na Baixada Santista. A iniciativa do governo parece passar um recado claro: a violência fardada não deve ser contestada nem controlada por ser capaz de eliminar ou amedrontar os bandidos e assim produzir ordem e sujeição.

Não adianta acusar a imoralidade ou a disfuncionalidade do método, que na história recente vem contribuindo para fortalecer as facções e as milícias. Trinta e dois anos atrás, o massacre do Carandiru, o mais letal da história paulista, deixou 111 mortos. Em vez de intimidar o crime, a chacina estimulou reação e revolta. Foi a semente do Primeiro Comando da Capital (PCC), a facção criminal mais poderosa de São Paulo, criada no ano seguinte, com um discurso de união dos presos como resposta à covardia do Estado. No Rio, a letalidade da polícia, que sempre andou junto com a corrupção, originou as milícias.

Cena 3: lideranças da política, da economia e da sociedade civil passam a apontar o nome de Tarcísio de Freitas como representante da direita para disputar a eleição presidencial de 2026. Editorais de jornais tradicionais elogiam seus planos vazios de ajustes de gastos, como se uma alegada racionalidade econômica pudesse se sobrepor à barbárie das crenças políticas do governador forjadas no bolsonarismo. Nesse período, o governador publicou um decreto liberando as entidades religiosas da cobrança de ICMS sobre bens importados, desde que destinados à “finalidade essencial” das igrejas.

Armas, dinheiro, religião e poder. O projeto de futuro da extrema direita para o Brasil segue popular, mesmo sem a presença histriônica de Jair Bolsonaro. Com Tarcísio de Freitas, a lógica por trás desses planos fica mais clara, em resposta a um novo ciclo político autoritário que atinge não apenas o Brasil, mas diversos países do mundo.

Nesse cenário, o otimismo em torno do papel do Estado como condutor do desenvolvimento saiu do imaginário político. Alcançou seu auge no Pós-guerra, perdeu força nos anos 1980 e se fragilizou com a derrocada dos regimes socialistas. No Brasil, o papel do Estado na garantia dos direitos sociais e civis, em uma sociedade de mercado, seguiu como referência importante nas décadas de 1990 e 2000, tendo como inspiração as sociais-democracias europeias.

Essa crença forjou as diretrizes ideológicas dos partidos progressistas da Nova República. PT e PSDB se formaram depois da ditadura, a partir de nomes vindos dos movimentos sociais, sindicatos e universidades. Seus líderes apostavam que a retomada da democracia poderia criar mecanismos para que os pobres votassem em políticos que representassem seus interesses de classe, criando, quem sabe, uma sociedade menos desigual e mais justa. O liberalismo e a direita ficaram sem discurso, diante do tamanho do passivo social. Restava aos seus representantes se aliar ao governo da vez.

A defesa da violência policial, contudo, se fazia presente na desfaçatez e omissão dos governantes diante dos abusos das polícias. Era defendida de forma explícita apenas por políticos nanicos, como Bolsonaro, que tinham votos, mas não eram levados a sério e não disputavam cargos majoritários.

Esse otimismo com o papel do Estado e da política se esvaiu ao longo dos anos. O Estado não conseguiu produzir a justiça social almejada. Nas cidades, o valor da vida se revelou proporcional a quanto se ganha. Sem dinheiro, não era difícil perceber, não havia segurança, moradia, saúde, educação, higiene, e muito menos respeito. O mercado e a capacidade de ganhar dinheiro se consolidaram como a única solução viável para enfrentar a miséria. A luta se tornou mais individual do que coletiva.

Esse ceticismo abriu espaço para o fortalecimento da extrema direita, que cresceu depois da crise política e econômica acirrada pela Lava Jato. As redes sociais criaram as condições para a formação da tempestade perfeita. Suas bolhas algorítmicas popularizaram os discursos de ódio em defesa da guerra contra os inimigos da nação, fundamentais para a eleição de Bolsonaro. O desastre do bolsonarismo na pandemia e o desmonte das políticas públicas no Governo Federal não foram suficientes para reduzir os ânimos de seus apoiadores. Bolsonaro, contudo, é carta fora do baralho nas eleições de 2026.

Com Tarcísio de Freitas incensado, os contornos do projeto de futuro deste grupo ficaram mais evidentes. Riqueza e progresso devem ser garantidos pelo mercado. O Estado tem dois papéis principais. Primeiro, não atrapalhar a sanha empreendedora dos que estão focados na busca pelo lucro. De preferência, dar um empurrãozinho aos empresários aliados. Podem ser garimpeiros, grileiros, armamentistas, incorporadores da orla nas praias, os donos dos planos de saúde, líderes das igrejas, jogadores das bets, investidores do mercado financeiro, organizadores de pirâmides, entregadores de aplicativo. Em segundo lugar, cabe ao Estado armar suas polícias ou incentivar a formação de milícias para travar uma guerra em defesa da propriedade privada.

A religião tem um peso estratégico na legitimação dessa ideologia ultraliberal entre as massas, porque sacraliza a prosperidade e demoniza a luta social e o controle do mercado. O simbolismo sagrado ajuda a transformar a guerra dos neoliberais numa luta do bem contra o mal, uma suposta defesa da tradição da cultura judaico-cristã ocidental contra os comunistas e esquerdistas ateus.

Além disso, a religião ajuda a criar entre as massas a confiança na própria capacidade de ganhar dinheiro. Pobres e ricos dispostos a empreender, crentes na força do mercado, acabam se juntando do mesmo lado da guerra, que passa a transcender as diferenças entre as classes.

O problema é que esse sistema não se sustenta. Com o avanço das novas tecnologias e a crise da sociedade do emprego, o mercado vem se tornando mais restritivo. A riqueza se concentra nas mãos de poucos, criando uma pressão cada vez maior sobre as massas que ficam de fora. O protagonismo crescente dos militares é um dos sintomas desse quadro. Eles serão cada vez mais necessários para proteger os ricos em suas ilhas de prosperidade.

A popularidade dos homens fardados nas escolas também dialoga com esse fatalismo ultraliberal. Resta aos educadores formarem cidadãos disciplinados, obedientes, que aceitem fazer parte do jogo e ganhar o suficiente para respirar. Melhor esquecer o pensamento crítico, que repense a forma de viver no mundo, que domestique o mercado, que busque maneiras de distribuir a riqueza altamente concentrada entre poucos.

Diante desse Estado policial fragilizado, sem projeto de futuro, em que poder passa a ser sinônimo de dinheiro e fuzis, os grupos armados ganham cada vez mais protagonismo político. Nas principais cidades brasileiras, tiranias que controlam o cotidiano e impõem suas regras em benefício de seus negócios já fazem parte da realidade. Alguns grupos são financiados pelo bilionário mercado de drogas, altamente lucrativo por ser ilegal, com imensa capacidade de corromper agentes públicos. Já as milícias estão dentro do sistema, dada sua estreita ligação com a política.

Pode parecer novidade, mas é algo antigo e presente na história brasileira. Durante 350 anos de colonialismo, a manutenção e a reprodução da sociedade escravista misturavam dinheiro, violência armada e fé para defender os interesses de uma minoria contra a maioria da população. Os séculos passam, mas a lógica continua a mesma. Um poder que tenta se impor pela força, sem legitimidade para criar um mundo viável para a maioria dos brasileiros. O projeto de futuro da extrema direita se inspira nos piores traços de nosso passado.

Crises e hegemonias — história em processo, por Juliane Furno

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Juliane Furno – A Terra é Redonda – 12/06/2024

Comentário sobre o livro recém-lançado de Leonardo Severo

Os últimos 20 anos têm sido particularmente intensos para aqueles pesquisadores, analistas, militantes e curiosos sobre a geopolítica internacional. A forma de exercício de uma hegemonia imperialista quase sem competidores, que caracterizou cenário internacional da década de 1980 até o início dos anos 2000 – vocalizada pelo poderio bélico, cultural, monetário e político dos EUA – foi cedendo espaço para disputas, cada vez mais acirradas, no sistema interestatal.

A análise das questões prementes – a quente, diria – que ocupam os noticiários, os pesquisadores e as organizações sociais, padecem de parcialidade ou de um senso curtoprazista quando não são acompanhadas de reflexões que coadunam os elementos conjunturais aos estruturais.

Os conflitos geopolíticos atuais, sejam aqueles que se expressam de forma belicistas aberta ou aqueles que se utilizam de técnicas de guerra comercial, são expressões fenomênicas de dinâmicas sócio políticas assentadas em processos mais profundos, relacionados a forma com que, muito brevemente, o capitalismo concorrencial transmutou-se em capitalismo imperialista, tão logo o capitalismo atingiu a sua “maturidade”, determinada pelo atingimento de uma das suas leis tendenciais, que é a da concentração e centralização de capital, tendo como consequência a tendência ao oligopólio/monopólio, explicitando uma forma econômica em que a “livre concorrência” é substituída por uma nova forma de “concorrência”, restringida a poucos grandes grupos econômicos vinculados aos seus Estados nacionais de origem.

Nesse sentido, o livro de Leonardo Severo nos situa nesse ponto. Ao mesmo tempo em que trata das questões contemporâneas, que dizem respeito não somente as formas de Estado; aos ciclos de hegemonia; as disputadas geopolíticas atuais e até mesmo projeta desafios para a superação do capitalismo, também nos convoca a refletir as condições sócio-históricas em que esse modo de produção – que vamos, oxalá, juntos superar – se formou, atentando para o caráter histórico e, portanto, transitório do capitalismo, bem como as estruturas que seu desenrolar criou: as desenvolvidas, localizadas no centro e as subdesenvolvidas e dependentes, localizadas na periferia.

Para tanto, Leonardo Severo organiza um livro em que nos dois primeiros capítulos o debate teórico pede passagem. São apresentados, sob uma perspectiva marxista, contraposta a um conjunto de outras leituras, os elementos históricos sob os quais o capitalismo não pode prescindir para se consolidar como tal, com destaque especial para o papel que a América Latina e outras regiões periféricas cumpriram na “assim chamada acumulação primitiva de capitais”, na bela e eternizada expressão de Karl Marx.

Afinal, o capitalismo não é um modo de produção que nasce de geração espontânea, nem tampouco se consolida porque dispõe das características que melhor se relacionam a aquilo que é “natural” dos seres humanos que é a “propensão a troca”, tal como apregoado pelos teóricos da economia política clássica e do liberalismo político, na tarefa de legitimar a superioridade da sociedade do capital sob as formas pregressas de organização social.

Leonardo Severo aponta com presteza que o que singulariza e nos permite falar, propriamente dito, em capitalismo, é o fim da servidão voluntária e demais formas de coerção extraeconômicas e a constituição de um mercado novo, a saber: o mercado onde se comercializa, de forma livre, a compra e a venda de força de trabalho. Portanto, só há capitalismo quando há expropriação dos trabalhadores dos seus meios de produção e a obrigação de que exista um espaço – de preferência minimamente regulado – em que a mercadoria força de trabalho possa ser livremente negociada, em uma aparência troca de equivalentes, onde se troca tempo de trabalho por um salário monetário, possibilitado pela existência privada dos meios de produção.

Mais adiante, Leonardo Severo debate as transformações pelas quais esse modo de produção passou ao longo do tempo, conferindo ênfase – sobretudo – as crises; as trocas de hegemonia; as fases mais ou menos concorrenciais ou mais ou menos intervencionistas com relação ao papel do Estado e, por fim, mas não menos importante, a transformação mais substancial pela qual passou o imperialismo (a qual também comporta suas fases) que foi a transformação do capitalismo atomizado e livre concorrencial em capitalismo monopolista e imperialista.

A visualização das particularidades desse fenômeno, antecipadas por Marx, foi o que permitiu a Lênin apontar, com exatidão, que o imperialismo não era tão somente uma política de governo, tal como apregoado por John A. Hobson ou mesmo por marxistas como Rudolf Hilferding, senão que uma fase, a fase própria do capitalismo monopolista, com todas as suas particularidades tão bem apontadas pelo militante russo, como a partilha do mundo; a mudança para uma política comercial de exportações de capitais; a criação de um novo agente político, o capital financeiro, que reuniria o capital bancário com o capital industrial com hegemonia do primeiro entre outros aspectos.

Na segunda parte, embora ainda recorrendo a temas de natureza demasiadamente teórica, Leonardo Severo trata de “atualizações”, trazendo à baila autores que buscaram interpretar e reinterpretar a outra face dialética do imperialismo que é a dependência. Para tanto, Leonardo recorre à original e latino americana Teoria marxista da dependência (TMD).

Diferentemente da percepção simplista de que desenvolvimento e subdesenvolvimento partem de uma substância em comum, a Teoria marxista da dependência analisa ambos são constitutivos de uma mesma unidade dialética. Assim, eles são antagônicos, por se tratarem de situações distintas, mas são complementares porque ensejam uma mesma lógica de acumulação. Ou seja, o processo de desenrolar do modo de produção capitalista em escala global dá origem a dois tipos de economias que desenvolvem-se em ritmos e intensidades distintas umas das outras.

De uma perspectiva da totalidade, e a partir de uma apreensão do movimento da realidade pautada na dialética, o subdesenvolvimento não só se origina, mas é parte necessária e constitutiva da expansão do capitalismo mundial, não podendo – dessa forma – ser superada nos marcos desse modo de produção. O capitalismo “sui genersis” a que se referia Ruy Mauro Marini não responde a um capitalismo “menos” capitalista ou não plenamente desenvolvido como tal. O capitalismo dependente não representa uma “falta” de capitalismo. A dependência é uma forma propriamente capitalista de subordinação internacional, diferentemente da dominação colonial. Ou seja, é um tipo particular, uma estrutura própria do modo de capitalista de produção e reprodução.

Das diversas contribuições da Teoria marxista da dependência para caracterizar a dependência, gostaria – nesse prefácio – de me ater a “Transferência de valor”, como uma tendência estrutural
e que se reflete em diferentes níveis da vida social. Para ficar em apenas um exemplo contemporâneo: um dos principais constrangimentos das economias dependentes e que, atualmente, atinge duramente a Argentina, são os déficits no balanço de pagamento, ocasionado pela tendência de transferir mais recursos ao exterior do que absorver internamente.

Esse fenômeno é intensificado, paradoxalmente, por soluções que buscam seu contorno, como Investimento Direto Externo produtivo. No entanto, o pagamento de royalties e as remessas de lucro, no médio e longo prazo, vão deteriorando o lado financeiro das contas nacionais, gerando necessidade de outras formas de atração de capitais especulativos e de curto prazo, especialmente via taxa de juros apreciadas para o equilibrio do balanço de pagamento e impondo a chantagem da “fuga de capitais” a qualquer tentativa de política econômica de caráter antimercado.

Do ponto de vista mais teórico e em um grau mais elevado de abstração dentro da teoria marxista, a “transferência de valor” é uma categoria imbricada nos desdobramentos da Teoria do valor de Marx e aí vou me dedicar a primeira forma que Ruy Mauro Marini aponta de transferência de valor, que é a que ocorre na dinâmica das trocas no mercado internacional entre estrutura econômicas distintas (desenvolvidas e subdesenvolvidas) e caracteriza-se pelo fato de uma parte do mais valor produzido pelas economias dependentes não ser apropriado por elas, mas ser transferido às economias centrais, passando a integrar a dinâmica da acumulação de capital no centro, em detrimento da periferia.

Em um rigoroso esforço metodológico com base na análise da concorrência empreendida por Marx no livro III de O capital, Ruy Mauro Marini identifica que a transferência de valor obedece aos diferenciais de produtividade do trabalho empregado por distintas estruturas de composição orgânica do capital entre os países centrais e os dependentes. Assim, considerando o processo social de produção de mercadorias e com base na teoria do valor, cada um dos capitais possui valores individuais distintos e são tanto menores quanto maior for a produtividade e composição orgânica do capital.

Como as mercadorias obedecem a lei do valor, mas são vendidas pelo valor no mercado – os capitais com produtividade acima da média vendem suas mercadorias pelo valor de mercado, desviando-se dos valores para cima do preço de produção, e assim apropriam-se de um quantum de mais valia para além daquela que eles mesmo produziram. Em função do tipo de colonização e da obstacularização do desenvolvimento pregresso dos países latino americanos, as economias dependentes possuem capitais que operam com produtividade abaixo da média, o que as leva a produzir mais valor do que aquele de que conseguem se apropriar. Esse desnível de produtividade é um primeiro mecanismo de transferência de mais-valia produzida nos países dependentes e apropriadas pelo centro.

Por fim, o autor opta por um capítulo em que debate hegemonia, Estado e formas de transição, além de apontar – ainda que maneira mais dispersa – elementos “a quente” da conjuntura internacional. Sobre esse tema gostaria de tecer um comentário final, em concordância com o que já apontou o autor, apenas para reafirmar esse ponto.

Pode-se asseverar, com base na análise da sociedade brasileira, que o período de interregno entre os anos de 1914 e 1980 – com todas as suas especificidades – logrou aos brasileiros um maior raio de manobra para o exercício mais autônomo das suas decisões de nível político e econômico. O que explica esse período particular foi a coexistência de uma crise e posterior disputa de hegemonia no sistema interestatal, selada em eventos como a ocorrência de duas grandes guerras mundiais; uma dramática crise financeira seguida de forte depressão do capitalismo e um acordo internacional que disciplinou o sistema monetário internacional bem como os fluxos internacionais de capitais.

Mas não somente isso. A rivalidade entre dois modelos de sociedade, representados pelas duas maiores potências – URSS e EUA – impôs certos freios à face mais verdadeira do capitalismo, assim como mobilizou um conjunto de revoltas e revoluções pelo farol que representava a retaguarda das experiências de socialismo real, com todos os seus limites históricos.

Dos anos 1980 em diante, aquela “janela histórica” se fechou, bem como as margens de exercício da soberania dos povos periféricos, com a o fim da URSS; o golpe dos juros pelo banco central norte americano; a proporção que adquiriu o capital financeiro e a financeirização das economias e o exercício do imperialismo norte americano, agora sem rivais.

Para a periferia, tais eventos, coadunados com a transformação do capitalismo em capitalismo neoliberal, limitaram o raio de manobra da nossa autonomia internacional, e mergulhamos em acordos, tácitos ou não, em que foi dirimida a presença do Estado como agente do desenvolvimento nacional, restringindo os instrumentos de atuação no campo econômico, com a criminalização de um conjunto de políticas das quais fizeram uso, justamente, as nações hoje desenvolvidas no seu percurso de desenvolvimento.

A questão que o trabalho do Leonardo Severo nos sugere, no alvorecer dos nossos tempos, abalados por um conjunto sucessivo de crises e lutas pela conquista/contestação da hegemonia é: com a existência de um novo campo no sistema internacional, dirigido por China e Rússia, em conflito aberto com os EUA, passando pela sua contestação no campo político, econômico, tecnológico, monetário e, até mesmo militar com a tentativa de freios à expansão da OTAN, nos relega melhores condições de avanço na luta política rumo a abertura de margens de manobra perdida no último período?

É possível que instrumentos como os BRICS; as tentativas de construção de moedas comuns; as alianças comerciais; transferências tecnológicas e estreitamento das relações políticas abram caminho para a contestação e posterior enfraquecimento do imperialismo norte americano e, com isso, a tão sonhada possibilidade de fazer valer a autonomia dos povos?

Essas e outras questões podem e devem ser especuladas e teorizadas pelos pesquisadores, pelos intelectuais e pelas organizações políticas, muito embora a história seja um palco aberto e, seus desdobramentos reais, não caibam em previsões apriorísticas. Fiquemos com o que nos é possível! As armas teóricas e a luta política.

*Juliane Furno é professora de economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Autora, entre outros livros, de Imperialismo: Uma introdução econômica (Editora DaVinci).
Referência
Leonardo Severo. Crises e hegemonias: história em processo. São Paulo, Editora Dialética, 2024.

Propostas para educação requerem sólidas evidências, por Maria Hermínia Tavares

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Não é o que se vê com a lei aprovada em SP sobre escolas cívico-militares

Maria HermíniaTavares, Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

Folha de São Paulo, 12/06/2024

Para cada problema complexo a extrema direita tem a proverbial resposta: simples e errada.

É o caso do Programa Escola Cívico-Militar, que o bolsonarismo, com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, à frente, conseguiu transformar em lei em fins de maio último.

Destinado às escolas públicas do estado que a ele queiram aderir, o tal programa prevê atividades que caibam no figurino, complementares ao currículo escolar.

A gestão da coisa caberá à Secretaria de Segurança; a execução a PMs da reserva, promovidos a monitores. Os colégios que aderirem ao esforço patriótico receberão apoio financeiro para executá-lo. Professores civis e monitores militares embolsarão adicionais à sua paga: afinal, ninguém é de ferro.

Não está claro no que consistirão as tais atividades cívico-militares. Vídeos promocionais mostram crianças em posição de sentido ou com os braços cruzados para trás, cantando o Hino Nacional ou enfileiradas para entrar nas classes.

O Brasil, como é notório, não se distingue pela qualidade da educação pública, responsável por quase 70% das matrículas no ensino básico. São Paulo tampouco. Assim, seria de esperar que quaisquer iniciativas visando a melhoria da educação se arrimassem em sólidas evidências do que dá certo ou não nesse combalido setor.

As escolas cívico-militares foram criadas no governo Bolsonaro em escala nacional. Ficaram faltando avaliações abrangentes de seus resultados.

Ainda bem que não faltam excelentes trabalhos sobre o que vem dando certo para melhorar o ensino público, em várias partes do país. É o caso da ONG Todos pela Educação, dedicada ao tema, com seu cuidadoso estudo das políticas bem-sucedidas em estados ou cidades onde é de aplaudir o desempenho de alunos dos ciclos fundamental e médio.

O levantamento indica que não há uma receita milagrosa para o que se busca, mas um conjunto variado de medidas. Um ambiente escolar organizado, vai sem dizer, é parte do caminho percorrido. E nenhum dos casos conferidos pode ser creditado às presumíveis habilidades específicas de policiais militares aposentados. Muito menos à única forma de disciplina que conhecem: a da obediência à rígida hierarquia de comando.

Como em todas as soluções da lavra da extrema direita, a lei aprovada pelo Legislativo paulista mistura arrogante ignorância sobre o problema; exploração do anseio da população por ordem; agrado ao primitivismo da militância bolsonara; e, de quebra, benefícios a sua clientela fardada.

Rigorosamente nem sombra de parecença com a educação de qualidade que deveria preparar para o “exercício consciente da cidadania”.

Avanços extremistas, por Hélio Schwartsman

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Centro político é o vitorioso nas eleições para o Parlamento Europeu, mas direita radical obteve sucessos

Hélio Schwartsman, Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”.
Folha de São Paulo, 10/06/2024

O centro foi o grande vitorioso nas eleições para o Parlamento Europeu, mas a extrema direita
obteve avanços importantes em vários países notadamente a França. É difícil avaliar o alcance exato dessa votação. Eleições para o Parlamento Europeu costumavam ser uma ocasião privilegiada para o voto de protesto. Nelas, o eleitor podia mostrar sua insatisfação para com os governantes nacionais sem arriscar bagunçar muito a política local.

É um pouco com isso que conta o presidente francês, Emmanuel Macron, ao dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições legislativas antecipadas. Seu cálculo é que, diante da perspectiva real de a extrema direita obter maioria na Assembleia, os eleitores de esquerda, centro e da direita republicana se mobilizarão para evitar tal desfecho. Foram “cordons sanitaires” como esse que asseguraram as duas vitórias de Macron contra Marine Le Pen nas presidenciais.

Se vai funcionar de novo é outra questão. Apesar de a extrema direita ter sido derrotada anteriormente, ela não deixou de crescer na preferência do eleitorado e não há lei de ferro que a impeça de triunfar no pleito de junho/julho. A jogada de Macron tem lógica, mas é arriscada.

O avanço da extrema direita na Europa me leva a duas constatações, uma mais tranquilizadora e outra bastante inquietante. Pelo lado menos negativo, como já observou Adam Przeworski, a direita radical da Europa Ocidental é de uma variante menos tóxica do que suas congêneres das Américas e da Europa Central. É uma direita nacionalista, anti-UE, anti-imigração e anti-Islã, mas que, ao contrário de Trump, Bolsonaro e Orbán, não viola as regras básicas da democracia.

Do lado mais preocupante, o crescimento global da extrema direita está calcado no voto jovem. Nós fizemos algo de bastante errado se não conseguimos convencer as novas gerações de que o pacto liberal-democrático é algo em que vale a pena apostar.

Momento Econômico

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Depois de grandes transformações na economia internacional no século XXI, geradas pela crise financeira dos anos 2007/2008, a ascensão da economia chinesa e a pandemia, responsável por mais de seis milhões de mortes no globo, percebemos que o pensamento neoliberal vem perdendo espaço na sociedade mundial, neste cenário percebemos o crescimento do intervencionismo, a retomada das políticas industriais, o incremento do protecionismo, o aumento dos subsídios governamentais e o retorno do Estado como agente planejador da economia, uma verdadeira transformação em curso na sociedade.

O pensamento neoliberal, que ganhou relevância nos anos 1970 em decorrência do enfraquecimento do pensamento desenvolvimentista, com o fortalecimento dos mercados como agente de desenvolvimento, propagandeando a redução do papel do Estado na economia, o crescimento da privatização e da desestatização, além do incremento da abertura econômica, aumento da concorrência, diminuição dos subsídios dos setores produtivos e a redução das políticas protecionistas, vistas como instrumentos de fortalecimento da economia nacional, melhorando a produtividade dos setores produtivos e o enriquecimento das nações. Como balanço destas propostas encontramos um crescimento da desindustrialização, desnacionalização, dependência externa e perpetuação do modelo primário exportador.

A economia brasileira vem passando por essas transformações estruturais, alternando modelos caracterizados por mais Estado e modelos que rechaçam as intervenções estatais, gerando momentos de instabilidades e incertezas, gerando visões e políticas públicas diferentes, uns acreditando que o mercado deve ser o agente que deve liderar o desenvolvimento econômico, outros acreditando que o governo nacional e seu investimento devem ser o motor do crescimento econômico. Neste cenário, percebemos que os grupos econômicos vivem num conflito ideológico, levando a sociedade a ausência de um verdadeiro projeto nacional, sem rumo claro e sem direcionamento próprio. Na minha visão, essa discussão é desnecessária, ultrapassada e equivocada, para construir uma sociedade mais desenvolvida, precisamos unir esforços para encontrarmos o caminho do desenvolvimento econômico, atacar fortemente as desigualdades que se perpetuam no país, investir fortemente em educação, tributando aqueles que pagam pouco imposto, revendo os subsídios e atacando as raízes da insegurança que aflige a sociedade brasileira.

Ao analisar a economia nacional e observando os indicadores nacionais encontramos muitos dados positivos internamente, taxa de juros em diminuição, redução do desemprego, inflação na mínima de dez anos, reservas internacionais em mais de US$ 350 bilhões, superávits comerciais de US$ 100 bilhões, investimentos em crescimento, Bolsas de Valores em ascensão, dados estes que levaram as agências de classificação de risco a melhorarem as notas dos títulos nacionais, com isso, essas mesmas agências acreditam que o grande desajuste no Brasil está no campo político, nos conflitos e incertezas na lógica política, onde os grupos se digladiam buscando seus interesses imediatos e deixando de lado os interesses nacionais.

Neste cenário, percebemos que os indicadores econômicos são sólidos e consistentes, mas precisamos ousar na condução da política econômica para que consigamos reduzir as grandes desigualdades históricas que acumulamos. Precisamos ainda, primeiramente atacar essas desigualdades acumuladas durante séculos, deixando de lado polarizações equivocadas e ultrapassadas que servem para incrementar nossa incivilidade e deixando claro que não estamos preparados pelos ventos da contemporaneidade, marcados por medos, incertezas e instabilidades.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário;

O bolsonarismo pode voltar ao poder? por Valério Arcary

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Valerio Arcary – A Terra é Redonda – 22/05/2024

O lulismo, ou lealdade política à experiência dos governos liderados pelo PT, permitiu conquistar o apoio entre os muito pobres. Mas a esquerda, embora mantenha posições, perdeu a hegemonia sobre sua base social de massas original.
“Duas luvas da mão esquerda não perfazem um par de luvas. Duas meias verdades não perfazem uma verdade
(Eduard Douwes Dekker, Ideias).

O bolsonarismo pode voltar ao poder em 2026? Sim, pode. Devemos considerar a existência de poderosos fatores objetivos e subjetivos para explicar a resiliência da extrema direita, mesmo depois da derrota da semi-insurreição de janeiro de 2023.

Mas, em primeiro lugar, é lúcido reconhecer o contexto internacional do fenômeno, no qual a
extrema direita cumpre um papel instrumental: (a) a turbulência no sistema de Estados com o fortalecimento da China e a estratégia do imperialismo norte-americano de preservação da supremacia da Troika, para a qual uma orientação protecionista mais dura é útil; (b) as disputas provocadas pela emergência da crise ambiental e transição energética que deixam em desvantagem temporária quem fizer a descarbonização mais rápida.

(c) O giro de frações burguesas para a defesa de regimes autoritários que enfrentem o protesto popular e abracem um linha nacional-imperialista; (d) a tendência à estagnação econômica e o empobrecimento e deslocamento à direita das camadas médias; (e) a assombrosa crise da esquerda, entre outros.

Mas há peculiaridades brasileiras na fragmentação política do país. Elas são, essencialmente, cinco: (i) a hegemonia entre militares e policiais; (ii) a gravitação da imensa maioria do evangelismo pentecostal em torno da extrema-direita; (iii) o peso do bolsonarismo nas regiões mais desenvolvidas, o Sudeste e o Sul do país, em especial entre a nova classe média proprietária, ou de altíssima escolaridade que cumpre funções executivas no setor privado e público; (iv) a liderança da corrente neofascista dentro da extrema-direita; (v) a audiência da extrema direita entre as camadas médias assalariadas entre três e cinco, ou até sete salários-mínimos.

As quatro primeiras singularidades têm sido muito investigadas, mas a última, menos. Estudá-la é estratégico, porque pode ser a única possível de reverter, no contexto de uma situação muito desfavorável de relações sociais de forças ainda reacionária.

Há fatores objetivos que explicam o afastamento, divisão ou separação política entre parcelas da classe trabalhadora e os muito pobres, como a inflação da educação privada e dos planos de saúde, e o aumento do Imposto de Renda, que são ameaças a um modelo de consumo e padrão de vida, e subjetivos, como o ressentimento social e o rancor moral-ideológico. Os dois estão entrelaçados e, talvez, até indivisíveis.

Mas não foi assim quando, há quarenta e cinco anos atrás, se abriu a fase final da luta contra a ditadura. O PT nasceu apoiado nos metalúrgicos, professores públicos, petroleiros, bancários e outras categorias que, comparativamente, à realidade das massas populares, tinham mais escolaridade e melhores salários. O lulismo, ou lealdade política à experiência dos governos liderados pelo PT, permitiu conquistar o apoio entre os muito pobres. Mas a esquerda, embora mantenha posições, perdeu a hegemonia sobre sua base social de massas original. Esta trágica realidade, porque se trata da fratura da classe trabalhadora, nos impõe uma análise em perspectiva histórica.

O período do pós-guerra (1945/1981) de crescimento intenso, em que se duplicava o PIB a cada década, e que favoreceu a mobilidade social absoluta no Brasil, acompanhando a urbanização acelerada, parece ter ficado, irremediavelmente, no passado. Pleno emprego e elevação da escolaridade, em um país em que a metade da força de trabalho era iletrada, foram os dois fatores chaves para a melhoria de vida deste estrato de trabalhadores. Mas eles não pressionam mais como no passado.

É evidente que, na última década, o capitalismo brasileiro perdeu impulso. Regrediu 7% do PIB entre 2015/17 e, depois da pandemia de covid entre 2020/21, demorou três anos para voltar aos níveis de 2019. A despeito de todas as contrarreformas antissociais – trabalhista, previdenciária – que tiveram como objetivo reduzir os custos de produção a taxa de investimento não foi além de 18% do PIB em 2023, apesar da autorização da PEC de transição de furar o Teto de Gastos Públicos.

O Brasil, o maior parque industrial e maior mercado de consumo de bens duráveis na periferia, passou a ser uma nação de crescimento lento. O aumento da escolaridade deixou de ser, também, um fator de impulso tão poderoso. Melhorar de vida passou a ser muito mais difícil.
O Brasil de 2024 é um país menos pobre do que foi no século XX, mas não menos injusto. Ainda há, evidentemente, muita miséria: duas dezenas de milhões ou até mais oscilam na insegurança alimentar, apesar do Bolsa Família, em função do ciclo econômico. Mas ocorreu uma redução da extrema pobreza sem que a desigualdade social tenha diminuído, qualitativamente.

A distribuição funcional da renda entre capital e trabalho conheceu variações na margem. A distribuição pessoal da renda melhorou entre 2003 e 2014, mas voltou a aumentar desde 2015/16, na sequência do golpe institucional contra o governo Dilma Rousseff. A pobreza extrema diminuiu, mas a metade da população, economicamente, ativa tem uma renda que não vai além de dois salários mínimos. Um terço dos assalariados ganha entre três e cinco salários mínimos. A iniquidade permaneceu quase intacta porque, entre outras razões, o lugar das camadas médias assalariadas com nível de instrução mais elevada conheceu uma estagnação com viés de queda.

Inúmeros estudos confirmam que o aumento da escolaridade média não mantém relação com a empregabilidade, e as pesquisas do IBGE confirmam, paradoxalmente, que o desemprego é maior na medida em que aumenta a escolaridade. A maior parte das milhões de carteiras assinadas, desde o fim da pandemia, foi de empregos de até dois salários mínimos, com muito reduzidas exigências de formação escolar.

Consideram-se duas taxas de mobilidade, a absoluta e a relativa, para avaliar a maior ou menor coesão social em um país. A taxa absoluta compara a ocupação do pai e a do filho, ou a primeira atividade de cada um com o último emprego de cada um. A taxa de mobilidade relativa confere em que medida os obstáculos de acesso a posições de emprego – ou oportunidades de estudo – que favorecem a ascensão social, puderam ou não ser superados pelos que estavam em posição social inferior.

No Brasil, tanto a taxa absoluta quanto a relativa foram positivas até à década dos anos 1980, mas a primeira foi mais intensa que a segunda. Em outras palavras, conhecemos uma intensa mobilidade social no pós-guerra devido à pressão da urbanização e das migrações internas, do Nordeste para o Sudeste, e do Sul para o Centro-oeste. Mas deixou de ser assim. Esta etapa histórica se encerrou a partir dos anos noventa, quando o fluxo que vinha do mundo agrário se esgotou.

Desde então diminuiu a miséria, mas os trabalhadores das camadas médias experimentaram uma realidade mais hostil. O que explica esse processo é que as trajetórias de mobilidade social nos últimos vinte anos beneficiaram milhões de pessoas que viviam na pobreza-extrema, mas muito poucos ascenderam de forma significativa. Muitos melhoraram de vida, mas subiram, somente, para o degrau imediatamente acima ao que seus pais ocupavam.

A mobilidade social relativa permaneceu muito baixa, porque os incentivos materiais ao aumento da escolaridade foram, nos últimos quarenta anos, menores do que tinham sido para a geração que chegou à vida adulta nas décadas de cinquenta ou sessenta. A recompensa das famílias por manter seus filhos sem trabalhar por pelo menos doze anos, até à conclusão do ensino médio, comparativamente, à geração anterior, diminuiu, apesar do acesso mais fácil.

Um país pode partir de uma situação de grande desigualdade social, mas se a mobilidade social for intensa, a desigualdade social deveria se reduzir, aumentando a coesão social, como aconteceu na Itália do pós-guerra. Inversamente, um país que, comparativamente, aos vizinhos que ocupam um lugar semelhante no mundo, tinha baixa desigualdade social pode ver a situação se deteriorar, se a mobilidade social passar a ser regressiva, como se evidencia hoje na França.

No Brasil, contrariando o senso comum sobre o tema, a maioria dos novos empregos dos últimos dez anos não beneficiou a parcela mais instruída do povo. Estudar mais não diminuiu o perigo do desemprego. A escolaridade média subiu, nos últimos quarenta e cinco anos que nos separam de 1979, de três para mais de oito anos. Mas aconteceram duas transformações que tiveram um impacto duradouro na consciência da juventude da classe trabalhadora.

A primeira é que o capitalismo brasileiro deixou de ser uma sociedade de pleno emprego, como tinha sido durante meio século. A segunda é que, mesmo com os sacrifícios das famílias para manter os filhos estudando, adiando a entrada no mercado de trabalho, a empregabilidade se concentrou em atividades que exigem pouca escolaridade, e oferecem baixos salários. Pela primeira vez na história, os filhos perderam a esperança de poder viver melhor do que os pais.

O desemprego entre aqueles com escolaridade de nível superior é, proporcionalmente, maior que o daqueles com baixa escolaridade e, se a desigualdade pessoal de renda diminuiu nos últimos quinze anos, é porque o salário médio de integração no mercado de trabalho dos que têm média e alta escolaridade veio diminuindo. Não surpreende, portanto, a vertiginosa expansão da uberização. As pesquisas mensais de emprego do IBGE na região metropolitana de São Paulo indicam uma evolução muito lenta e próxima somente, quando muito, da recuperação da inflação.

Quase quarenta anos depois do fim da ditadura militar, o balanço econômico-social do regime de democracia liberal revela-se desanimador. As reformas realizadas pelo regime, como a ampliação de acesso ao ensino público, implantação do SUS, do Bolsa-Família para a extrema-pobreza, entre outros, foram progressivos, mas insuficientes para reduzir a desigualdade social.[i] A hipótese de que uma população mais educada mudaria, gradualmente, a realidade política do país, impulsionando um ciclo sustentável de crescimento econômico e distribuição de renda não se confirmou.

Uma forma de ilusão gradualista na perspectiva de justiça social nos limites do capitalismo foi a esperança de que uma população mais instruída mudaria, gradualmente, a realidade social do país. O que nos remete aos limites dos governos de coalizão liderados pelo PT, que apostaram na concertação com a classe dominante para uma regulação do capitalismo “selvagem”. Embora existam correlações, na longa duração, entre escolaridade e crescimento econômico, não se identificaram causalidades diretas que sejam incontestáveis, menos ainda se incluímos a variável da redução da desigualdade social, como confirma a Coreia do Sul.

O que é incontroverso é que a burguesia brasileira se uniu em 2016 para derrubar o governo Dilma Rousseff, apesar da moderação das reformas realizadas. Não deveria nos surpreender que a classe dominante não tenha tido pudores de ir até à manipulação do impeachment, subvertendo as regras do regime para tomar o poder para os seus representantes diretos, como Michel Temer. O desafio é explicar porque a classe trabalhadora não teve disposição de luta para defendê-la.

Os salários respondiam por mais da metade da riqueza nacional no início da década de noventa e, no intervalo dos últimos trinta anos, caíram para pouco mais de 40% em 1999 e, apesar da recuperação entre 2004 e 2010, ainda estão hoje, em 2024, aquém do patamar de 50% de 2014. Esta variável é significativa para uma avaliação da evolução da desigualdade social, porque o Brasil de 2024 é uma sociedade que já completou a transição histórica do mundo rural para o mundo urbano (86% da população vive em cidades), e a maioria dos que trabalham com contratos, 38 milhões com carteira e 13 milhões de funcionários públicos, recebem salários.

Outros dez milhões têm patrão, mas não têm contratos. É verdade que ainda existem 25 milhões de brasileiros que vivem do trabalho por conta própria, mas são menos, proporcionalmente, que no passado. [II] Em resumo: não melhorou a distribuição funcional da renda entre capital e trabalho. A burguesia não tem porque se queixar do regime-liberal. Ainda assim uma fração burguesa, como o agronegócio e outros apoia o neofascismo e sua estratégia autoritária.

Os dados que indicam que, dentro do universo dos assalariados, diminuiu a desigualdade social são convincentes. Mas não porque diminuiu a injustiça, embora a miséria tenha sido reduzida. Este processo ocorreu porque se verificaram duas tendências opostas no mercado de trabalho. Uma delas é, relativamente, nova, e a outra é mais antiga. A primeira foi uma elevação dos pisos salariais dos setores menos qualificados e menos organizados. O salário mínimo veio se elevando acima da desvalorização de forma lenta, porém, contínua desde 1994 com a introdução do real, acelerado nos anos dos governos Lula e Dilma Rousseff.

Este fenômeno foi novo, porque nos quinze anos anteriores tinha acontecido o inverso. O salário mínimo é uma variável econômica chave porque ele é o piso da remuneração das aposentadorias do INSS, por isso a burguesia exige a desvinculação. A recuperação econômica favorecida pelo ciclo mundial de aumento da demanda de commodities permitiu, a partir do segundo semestre de 2005, uma diminuição do desemprego que culminou em 2014 em situação de quase pleno emprego.

A massificação da distribuição do Bolsa-família parece ter exercido, também, uma pressão sobre a remuneração do trabalho manual, sobretudo, nas regiões menos industrializadas. A segunda tendência foi a permanência da queda nas remunerações dos trabalhos com exigência de escolaridade média e superior, um processo que vinha desde os anos oitenta. Em conclusão: os dados disponíveis parecem indicar que o aumento da escolaridade deixou de ser um fator de ascensão social importante, como foi no passado.

A lealdade política das massas populares ao lulismo é expressão do primeiro fenômeno. A vida dos mais pobres melhorou nos anos dos governos liderados pelo PT. A divisão entre os assalariados que ganham acima de dois salários-mínimos expressa um ressentimento social que foi manipulado pelo bolsonarismo. Se a esquerda não reconquistar confiança nesta parcela dos trabalhadores o perigo para 2026 é grande.

*Valerio Arcary é professor de história aposentado do IFSP. Autor, entre outros livros, de Ninguém disse que seria fácil (Boitempo)

Neofascismo contemporâneo, por Fernando Nogueira da Costa

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Fernando Nogueira da Costa – A Terra é Redonda – 03/06/2024

O neofascismo é mais velado em suas expressões de racismo e autoritarismo, utilizando as mídias sociais para difundir suas mensagens e conectar seguidores globalmente

fascismo italiano e o nazismo alemão emergiram e se consolidaram em repúblicas democráticas, aproveitando-se contextos de graves crises econômicas, sociais e políticas. Essas crises criaram um ambiente propício para movimentos autoritários ganharem apoio eleitoral e tomarem o poder. Depois, destruíram a democracia.

Valer recordar, sinteticamente, os fatores específicos para o sucesso eleitoral e subsequente consolidação de poder por parte do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. O neofascismo ameaça em vários Estados contemporâneos, onde a extrema direita se organizou por meio de rede sociais, religiosas e policiais-militares, inclusive no Brasil: temos de aprender com a lamentável história.

A Itália, apesar de ter ficado do lado vitorioso na Primeira Guerra Mundial, sofreu grandes perdas humanas e materiais. O país sentiu-se traído pelo Tratado de Versalhes, porque não atendeu plenamente às suas aspirações territoriais.

A economia italiana estava em ruínas, com alta inflação, desemprego em massa e agitação social, incluindo greves e ocupações de fábricas por trabalhadores. O sistema político italiano era frágil, com uma série de governos de coalizão ascendendo e colapsando rapidamente. A incapacidade dos governos democráticos de lidar com os problemas econômicos e sociais aumentou o descontentamento popular.

Benito Mussolini e seu Partido Nacional Fascista usaram táticas de intimidação e violência paramilitar (por meio dos “camisas negras”) para criar um clima de medo e desordem. Em outubro de 1922, Benito Mussolini organizou a Marcha sobre Roma, uma demonstração de força para pressionar o rei Vítor Emanuel III a nomeá-lo como primeiro-ministro.

Uma vez no poder, Benito Mussolini rapidamente tomou medidas para consolidar seu controle. Ele obteve poderes de emergência, suprimindo a oposição e transformando a Itália em um Estado de partido único. A propaganda fascista e a repressão violenta de adversários políticos garantiram Mussolini manter-se no poder até a Segunda Guerra Mundial.

A Alemanha, derrotada na Primeira Guerra Mundial, foi severamente punida pelo Tratado de Versalhes, resultando em perdas territoriais, desmilitarização e pesadas reparações de guerra. Isso gerou um profundo ressentimento entre a população alemã.

A humilhação nacional e a percepção de traição (“a lenda da punhalada nas costas”) foram exploradas por grupos nacionalistas em ambiente econômico propício à sublevação. A hiperinflação no início dos anos 1920 e a Grande Depressão a partir de 1929 devastaram a economia alemã, causando desemprego em massa, pobreza e desespero generalizado.

A incapacidade da República de Weimar de lidar eficazmente com a crise econômica e a instabilidade política levou a uma perda de confiança nas instituições democráticas. Temia-se uma rebelião em massa, dada a revolta popular.

O Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), liderado por Adolf Hitler, capitalizou o descontentamento popular com promessas de restauração da grandeza alemã, revogação do Tratado de Versalhes e recuperação econômica.

Em eleição realizada em 1932, o NSDAP se tornou o maior partido no Reichstag, mas não obteve a maioria absoluta. Em janeiro de 1933, após uma série de manobras políticas e pressão das elites conservadoras, Adolf Hitler foi nomeado chanceler pelo presidente Paul von Hindenburg.

Após o incêndio do Reichstag, em fevereiro de 1933, Hitler usou o evento como pretexto para suspender liberdades civis e prender opositores políticos. A Lei de Plenos Poderes, aprovada em março de 1933, permitiu a Hitler governar por decreto, efetivamente estabelecendo uma ditadura.

A repressão violenta de adversários, a criação de um Estado policial e a propaganda intensa consolidaram o controle nazista sobre a Alemanha.

Tanto o fascismo italiano quanto o nazismo alemão emergiram em contextos de crise extrema, onde as instituições democráticas eram vistas como incapazes de resolver os problemas da sociedade.

Em ambos os casos, líderes carismáticos utilizaram táticas de intimidação, violência e propaganda para obter apoio popular.

Porém, uma vez no poder, rapidamente desmantelaram as estruturas democráticas para estabelecer regimes autoritários. A combinação de desespero econômico, instabilidade política e ressentimento nacional criou as condições para a ascensão desses movimentos autoritários.

O nazifascismo e o neofascismo contemporâneo compartilham algumas semelhanças ideológicas e táticas, mas também apresentam diferenças significativas, devido às mudanças nos contextos históricos, sociais e políticos. Apresento abaixo uma análise esquemática das semelhanças e diferenças entre esses movimentos.

(i) Nacionalismo extremado: ambos os movimentos enfatizam um forte nacionalismo, frequentemente acompanhado por um sentimento de superioridade nacional e xenofobia. (ii) Autoritarismo: tanto o nazifascismo quanto o neofascismo advogam por um governo autoritário, rejeitando o liberalismo, a democracia representativa e as liberdades civis. (iii) Culto à personalidade: os dois movimentos promovem líderes carismáticos vistos como “salvadores da pátria”, necessitando de poder quase absoluto para realizar suas visões.

(iv) Uso da violência e intimidação: a violência e a intimidação contra opositores políticos, minorias e outras comunidades marginalizadas são comuns em ambos os movimentos com uso de grupos paramilitares e milícias para esses fins. (v) Propaganda e controle da mídia: no uso da propaganda para manipular a opinião pública e controlar a narrativa política, a mídia é atacada e desacreditada.

Mas há diferenças entre Nazifascismo e Neofascismo Contemporâneo: (a) Contexto histórico: o nazifascismo surgiu na Europa no período entre as duas guerras mundiais, em um contexto de crise econômica, instabilidade política e ressentimento pós-Primeira Guerra Mundial; o neofascismo emergiu após a Segunda Guerra Mundial e, especialmente nos últimos anos, em resposta a crises econômicas, globalização, imigração em massa e mudanças sociais rápidas.

(b) Foco ideológico: o nazismo, em particular, era centrado no racismo biológico e no antissemitismo extremo, promovendo a ideia de uma “raça superior ariana”, mas o fascismo italiano também era nacionalista e imperialista, embora com menor ênfase racial diante do nazismo; o neofascismo contemporâneo, ainda xenófobo, expressa sua islamofobia e racismo, na oposição à imigração e em um nacionalismo cultural, além de usar a retórica da “defesa da civilização ocidental” contra o multiculturalismo.

(c) Estratégias e táticas: o nazifascismo tomou o poder através de golpes de estado ou manipulação de sistemas democráticos e rapidamente estabeleceu regimes totalitários com controle total sobre o Estado; o neofascismo usa mais táticas de infiltração dentro dos sistemas democráticos existentes, tentando influenciar políticas através de partido(s) político(s), movimentos sociais e meios de comunicação, sendo mais adaptável às leis democráticas ao operar dentro das fronteiras da legalidade para evitar repressões enquanto não ascende ao poder – depois altera seu comportamento.

(d) Tecnologia e comunicação: o nazifascismo utilizava os meios de comunicação de massa disponíveis na época, como rádio, cinema e imprensa; o neofascismo explora a internet e as redes sociais para disseminar sua ideologia, recrutar membros e organizar ações, tornando-se muito mais eficaz em termos de alcance e mobilização rápida.

Portanto, o nazifascismo, incluindo tanto o fascismo italiano de Benito Mussolini quanto o nazismo alemão de Adolf Hitler, e o neofascismo contemporâneo compartilham algumas semelhanças ideológicas e de estilo. Mas também apresentam diferenças significativas devido a mudanças históricas, sociais e políticas.

O neofascismo mantém um forte nacionalismo com foco na identidade nacional e na oposição à imigração e à globalização. Sua xenofobia e racismo transparece de forma mais velada.

Promove ideias autoritárias, como a centralização do poder, restrição das liberdades civis, e uma ênfase na lei e ordem. De maneira anacrônica, expressa sua ideologia de extrema-direita ao se opor à esquerda como ela ainda fosse adepta do comunismo (ou socialismo real), utilizando a retórica da ultrapassada Guerra Fria para mobilizar apoio.

O neofascismo continua a adotar estratégias populistas, apresentando-se como “a voz do povo comum” contra as elites corruptas. Defende o armamentismo e políticas demagógicas, em suposto benefício de sua base de apoio, insustentáveis em longo prazo.

As maiores diferenças entre nazifascismo e neofascismo dizem respeito aos distintos contextos históricos e sociais. O neofascismo surge em um contexto de globalização, crises econômicas contemporâneas, imigração em massa, e a ascensão das mídias sociais. As ameaças percebidas e as questões centrais são diferentes das do período entreguerras.

Embora inclua elementos de racismo e xenofobia, tenta evitar a retórica explicitamente racista e antissemita do nazismo por ela ser considerada crime em países atentas para seu mal. Em lugar dela, foca em retórica anti-imigração e islamofóbica, disfarçada de preocupações culturais e de segurança.

Como estratégias de comunicação, o nazifascismo utilizou propaganda estatal centralizada, rádio, jornais e eventos públicos para mobilizar apoio. O neofascismo utiliza extensivamente as mídias sociais e a internet para espalhar suas ideias, mobilizar seguidores e organizar eventos. A descentralização e a natureza viral das mídias sociais permitem uma disseminação mais rápida e ampla das ideias neofascistas.

Ele se organiza de forma menos hierárquica e mais descentralizada, se comparado às milícias paramilitares como os SA e SS na Alemanha nazista. Brota de grupos informais, movimentos online e partidos políticos com negação de ser fascistas, embora adotem ideologia de extrema direita.

Embora se apresente como nacionalista, ele se conecta internacionalmente com essa extrema-direita através de redes online. Compartilha suas táticas e retóricas, mas sem as mesmas ambições imperialistas explícitas do nazifascismo.

Embora o neofascismo contemporâneo compartilhe várias características ideológicas e táticas com o nazifascismo histórico, ele opera em um contexto significativamente diferente. Por isso, adaptou suas estratégias de comunicação, organização e retórica para se ajustar às realidades políticas e sociais do século XXI.

O neofascismo tende a ser mais velado em suas expressões de racismo e autoritarismo, utilizando as mídias sociais para difundir suas mensagens e conectar seguidores globalmente. A evolução dos meios de comunicação e as mudanças nas condições socioeconômicas moldaram a maneira como essas ideologias são promovidas e percebidas hoje.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP).

Em defesa de um Judiciário transparente, por Gregory Michener e Sérgio Praça

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Nossos juízes não deveriam esperar que a sociedade tolere baixa transparência em troca de garantias democráticas

Gregory Michener, Professor da FGV-Ebape e fundador do Programa de Transparência Pública

Sérgio Praça, Professor e pesquisador da FGV-CPDOC – Escola de Ciências Sociais

Folha de São Paulo, 03/06/2024

“A camada dirigente atua em nome próprio, servida dos instrumentos políticos derivados de sua posse do aparelhamento estatal”, escreveu o jurista Raymondo Faoro em “Os Donos do Poder”, de 1958 (pág. 705).

Parece que pouco mudou desde que Raymundo Faoro escreveu essas palavras. Embora a democratização parecesse prometer uma transição de um “Estado autocentrado” para um Estado que serve ao interesse público, a República Brasileira continua sendo indulgente. Um exemplo disso é que o país arrecada a mesma receita tributária de seus cidadãos que países como Canadá e Dinamarca, embora devolva comparativamente pouco em termos de valor.

Grande parte desses excessos tem a ver com salários grotescamente desproporcionais. Com todos os seus benefícios, os juízes brasileiros ganham em um mês mais do que a maioria dos brasileiros ganha em um ano.

Não é de admirar, então, que no ano passado o Judiciário tenha consumido o equivalente a 1,2% do PIB, com mais de 80% desse montante gasto em salários. Em comparação, o Judiciário de um país europeu médio custa menos de 0,5% do PIB. Isso significa que o Brasil gasta mais do que o dobro do que países desenvolvidos, o que é inaceitável, considerando as dificuldades financeiras que temos para realizar gastos sociais e investimentos que resultem em crescimento econômico.

A autogenerosidade do Judiciário brasileiro reflete uma instituição, em grande medida, orientada mais por interesses privados do que públicos. A falta de transparência é um sintoma disso. Há pouco mais de uma década, o Programa de Transparência Pública da FGV descobriu que os níveis de conformidade do Judiciário com a Lei de Acesso à Informação do Brasil estavam entre os mais baixos de todos os órgãos públicos.

Parece que, infelizmente, pouco mudou desde então, especialmente no que diz respeito ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Tomemos como exemplo a recente controvérsia sobre o uso de aviões da FAB por ministros do Supremo. Após jornalistas iniciarem uma investigação sobre os gastos dessas viagens, o TCU (Tribunal de Contas da União) tomou uma decisão, em 30 de abril, permitindo que “altas autoridades” —incluindo os próprios ministros— mantivessem a informação sob sigilo por “razões de segurança”.

O portal de transparência do STF saiu do ar para uma “atualização” e, ao retornar, não disponibilizava os dados sobre os gastos com viagens internacionais. Tais ações levantam sérias dúvidas sobre o compromisso do STF com a transparência e o acesso à informação. Afinal, a informação pode estar disponível online, mas se não for facilmente encontrável, não pode ser considerada verdadeiramente transparente.

Outro exemplo preocupante são as recentes decisões do STF sobre casos de corrupção. O Estado brasileiro gasta bilhões a cada ano para pagar os salários daqueles que deveriam investigar, processar e julgar a corrupção. No entanto, decisões recentes, anulações e generosos habeas corpus beneficiando pessoas indiscutivelmente corruptas deixam claro que montanhas de dinheiro público alocado para combater a corrupção são desperdiçadas.

Como resultado, a impunidade está em ascensão e a confiança pública no STF está diminuindo. De acordo com o AmericasBarometer (Latin American Public Opinion Project), 40% dos entrevistados em 2023 expressaram desconfiança no Supremo Tribunal. Em 2010, esse número era de 32,6%.

Um possível alento para a instituição pode ser o reconhecimento pelo papel importante, após a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, na defesa da democracia. No entanto, um recente estudo de Diego Zambrano, Ludmilla Martins, Rolando Miron e Santiago Rodríguez publicado no Journal of Democracy mostra que esse comportamento de defesa da Constituição contra presidentes autoritários tem sido praxe na América Latina. Considerando isso, nossos juízes não deveriam esperar que a sociedade tolere baixa transparência em troca de garantias democráticas.

A crítica à falta de transparência e à cultura de privilégios no Judiciário brasileiro não é mera retórica. O Brasil precisa e merece um Judiciário modesto, frugal e orientado ao interesse público —e não uma instituição com “conteúdo aristocrático, da nobreza da toga e do título”, para citar, mais uma vez, Raymundo Faoro.

O alarmante apagão docente, por Débora Garófalo e Bernardo Soares

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Há crescente escassez de professores qualificados, comprometendo o ensino

Folha de São Paulo, 03/06/2024

Débora Garófalo, Professora e gestora na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, é mestra em educação (PUC-SP) e professora universitária convidada do ICMC-USP

Bernardo Soares, Professor, é mestre em educação (Universidade de Lisboa) e pesquisador em formação docente e tecnologias digitais na educação

Em texto para o jornal português Diário de Notícias, o professor Antônio Nóvoa afirmou que, das muitas profissões que desaparecerão no futuro, os professores não estarão nesse grupo. A partir disso, o pesquisador destaca o papel insubstituível do docente, mesmo diante de uma escola cada vez mais influenciada pelas tecnologias, que, de início, parecem ameaçar seu trabalho.

De fato, em um cenário de transformações estruturais na educação, o professor é a base das mudanças — realidade exposta em estudos recentes de pesquisadores escoceses, os quais reforçam que reformas “de cima para baixo” são ineficazes, sendo necessária a liderança docente nesse caminho de inovação.

Porém, há um contexto de desvalorização dessa classe no Brasil, especialmente no que diz respeito à formação inicial e à continuada, tornando a profissão cada vez menos atraente, satisfatória e, por fim, impactante.

O apagão docente já é uma realidade preocupante no nosso cenário educacional. Estudos divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) indicam uma crescente escassez de professores qualificados, comprometendo a qualidade do ensino. Para ilustrar a gravidade da situação, há escolas pelo território brasileiro que enfrentam dificuldades para preencher vagas em disciplinas essenciais, como matemática e língua portuguesa, gerando turmas superlotadas, sobrecarga de trabalho e impactando negativamente o aprendizado e a equidade.

Faltam, ainda, incentivo, definição clara da carreira, salários coerentes e condições de trabalho, contribuindo para o desinteresse, a desmotivação e a evasão de profissionais, além da dificuldade na atração de novos talentos para a carreira.

A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) destaca a importância da valorização do educador e da promoção de uma formação de qualidade, além de ressaltar que o desenvolvimento profissional deve ser pautado por princípios éticos, políticos e estéticos, buscando a formação integral do estudante e a garantia de uma educação de qualidade.

Destaca, ainda, a necessidade da reflexão sobre a prática pedagógica, que inclui novas metodologias ativas, abordagens como a cultura maker e a robótica, atualização constante e busca por aprimoramento profissional. Assim, deve-se fazer valer esse documento para reverter o jogo.

Para isso, são necessárias políticas públicas efetivas e a compreensão do docente como agente crucial na construção de uma sociedade mais justa e desenvolvida, com medidas que busquem a valorização profissional e a preocupação com sua saúde física e mental.

Para a valorização profissional, deve-se promover planos de carreira atrativos que ofereçam perspectivas de crescimento e valorizem sua experiência e qualificação, a exemplo da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, que se destaca nessa área. Convém, também, implementar programas de formação continuada de qualidade para a atualização e o aprimoramento de práticas e habilidades alinhadas à atualidade.

Além disso, a saúde mental precisa ser considerada para promover o bem-estar dos educadores, visto que a sobrecarga, o estresse, a pressão por resultados e a falta de apoio emocional são fatores que podem impactá-los negativamente. Por isso, é fundamental adotar programas de apoio psicológico e acompanhamento emocional através de espaços de acolhimento e orientação profissional; promover a capacitação para o autocuidado, a gestão do estresse e da saúde mental para que possam lidar com as demandas diárias; e incentivar a prática de atividades físicas e de lazer. Criar espaços de interação entre os educadores também fortalece as relações de apoio e o sentimento de pertencimento.

A educação é pilar essencial para o progresso da nação, e os docentes são cruciais nesse processo. Na verdade, ousamos dizer que educação se faz com professores no centro do debate. É urgente reconhecer e valorizar seu trabalho, garantindo condições necessárias para que possam exercê-lo com excelência e equidade e, então, impactar a aprendizagem. Só assim será possível superar esse alarmante apagão e construir um futuro promissor para a educação e o nosso país.

Há crises, como a do clima, que o mercado não resolve, avalia Nobel de Economia

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Professor de Chicago, Lars Hansen diz que é preciso descobrir formas de encorajar parcerias para preservar a Amazônia

Douglas Gavras – Folha de São Paulo, 31/05/2024

Diferentemente de políticos que se valem dos economistas de Chicago para referendar suas duras críticas ao Estado, Lars Hansen prefere a ponderação: o importante é sempre questionar se o governo pode resolver aquele problema melhor do que o setor privado.

“Há situações, como as mudanças climáticas, que o mercado por si só não consegue resolver e é preciso algum tipo de intervenção. Há outras em que os governos tentam fazer coisas que o setor privado pode executar melhor”, reforça o acadêmico.

Em 2013, ao lado de Eugene Fama e Robert Shiller, o professor da Universidade de Chicago conquistou o Prêmio Sveridge Riksbank em Ciências Econômicas em Memõria de Alfred Nobel (conhecido popularmente como Nobel de Economia), em reconhecimento a estudos de análise sobre preços de ativos, como ações e títulos.

Em meados de maio, o norte-americano participou, por videoconferência, de uma homenagem organizada pelo Insper a José Alexandre Scheinkman, economista brasileiro e professor da Universidade Columbia, em Nova York. Os dois têm estudado o potencial da amazônia para alavancar o crescimento sustentável.

Eles cooperaram, por exemplo, com o professor da PUC-Rio Juliano Assunção em um estudo que calcula quanto o Brasil ganharia ao deixar a floresta se regenerar. “O que descobrimos é que os custos econômicos são bastante modestos para mudar a orientação da amazônia. Agora é preciso encontrar maneiras de fazer com que esses custos sejam compartilhados com outros países”, diz.

Como o sr. vê os discursos de alguns políticos ultraliberais, que dizem se inspirar na Escola de Chicago para questionar a função e o tamanho do Estado?

A história da economia de Chicago tem sido muito impressionante. Quando era mais novo, em um curto intervalo de tempo, creio que de seis anos, quatro dos meus colegas ganharam o Prêmio Nobel.

Os economistas de Chicago levam a economia a sério, no sentido de que ela deveria ajudar-nos a resolver os problemas. Problemas reais.

É claro que há situações, como as mudanças climáticas, que o mercado por si só não consegue resolver e é preciso algum tipo de intervenção. Há outras em que os governos tentam fazer coisas que o setor privado pode executar melhor.

Então, acho que, do ponto de vista de Chicago, sempre é preciso perguntar se o governo pode realmente fazer determinada coisa melhor do que o setor privado. Se a resposta for não, então talvez seja necessário descobrir formas de encorajar o setor privado a ajudar a resolver o problema.

Os economistas acabam pagando a conta de certos discursos vazios?

Não estou dizendo que os economistas de Chicago sempre acertam nos cálculos. Há situações em que é muito importante que haja alguma forma de intervenção governamental, mas você quer entender o porquê disso.

Portanto, a influência de Chicago nem sempre funciona exatamente da maneira correta. Mas creio que é importante tentar garantir que se compreenda o que o privado pode fazer melhor e quando os governos são realmente necessários.

Há uma enorme quantidade de dados disponíveis atualmente para os pesquisadores, isso mudou a forma de fazer estudos em economia?

O ambiente para estudar economia mudou dramaticamente ao longo dos anos. Surgiram diversos conjuntos de ferramentas e métodos para analisar dados, e tudo isso foi positivo. Mas também acho que é muito importante ter bases conceituais para compreender o mundo, que vai além dos dados.

A própria Universidade de Chicago era uma espécie de referência em construir pontes entre uma área e outra, mas as áreas [da economia] tornaram-se cada vez mais especializadas, e tem sido difícil encontrar pessoas com experiência em múltiplos campos.

O pós-pandemia trouxe alguma mudança permanente no funcionamento da sociedade, como se chegou a cogitar durante a crise sanitária?

A pandemia pegou as pessoas de surpresa pela sua magnitude, e ainda há muito aprendizado importante a ser feito, questões que terão consequências de longo prazo, sobretudo se pensarmos no mercado de trabalho.

Antigamente, as pessoas saíam para trabalhar todos os dias, algumas delas viajavam longas distâncias para chegar ao trabalho, e isso era apenas visto como parte da rotina. A crise ensinou o trabalhador a ser produtivo mesmo sem estar o tempo todo no escritório.

Parece que cada vez mais empresas e instituições acadêmicas abriram opções flexíveis de trabalho em casa. Durante a pandemia, tivemos de fazer isso, e acredito que as consequências disso são permanentes, mesmo agora, na busca por um emprego.

O sr. fez alguns trabalhos em parceria com o economista brasileiro José Scheinkman, da Universidade Columbia. Como vocês se aproximaram?

José rapidamente se tornou um dos meus melhores colegas (se ele não tiver sido o melhor), quando estava na Universidade de Chicago. Era possível conversar com ele sobre diversos assuntos. Se observarmos seu trabalho, veremos que as áreas nas quais ele contribuiu são realmente impressionantes.

Fiquei triste quando ele decidiu sair de Chicago, mas mantivemos contato desde então. O fato de ele ser do Brasil é ainda melhor. Não consigo pensar em um economista brasileiro mais importante do que ele neste momento.

Vocês estudaram, por exemplo, os impactos positivos do reflorestamento da amazônia, em lugar de expandir a fronteira do agronegócio. A floresta pode ajudar a financiar a transição verde?

A amazônia é fascinante. O que descobrimos é que os custos econômicos são bastante modestos para que se altere a orientação da floresta.

A agricultura praticada na Amazônia brasileira não é tão produtiva em comparação com a performance do setor, em geral. No Brasil e no mundo. Isso faz com que o custo econômico da transição para atividades alternativas que preservem a floresta tropical não seja alto para a sociedade. É claro que existem desafios importantes em termos de implementação.

É preciso descobrir maneiras de fazer com que esses custos sejam antes de tudo compartilhados com outros países além do Brasil. Temos esperança de descobrir formas de encorajar investimentos externos para ajudar a preservar a floresta tropical. Isso não só ajudará o Brasil mas também o resto do mundo.

O Rio Grande do Sul está enfrentando uma catástrofe climática agora. Como os países podem se preparar para outros eventos assim?

Em termos gerais, acredito realmente que a melhor saída para essa situação é tecnológica.

Desenvolver novas tecnologias que sejam muito mais limpas e produtivas, mas isso leva tempo.

Conseguimos algumas melhorias marginais, mas, se quisermos pensar em mudanças maiores, como a fusão nuclear ou a geoengenharia solar [também chamada de modificação da radiação solar], teremos de começar a fazer coisas agora.

A questão é saber como podemos nos colocar em uma posição em que esse tipo de alternativa tenha maiores chances de sucesso. Esse é um problema no qual estou muito interessado e certamente requer continuar a pensar na redução de emissões.

Os governos nem sempre alocam recursos da maneira mais eficiente. É muito importante que os países mais desenvolvidos invistam em pesquisas e que continuem a descobrir formas de reduzir as emissões, para dar ao progresso tecnológico uma maior oportunidade de sucesso.

Salvar o planeta é o grande desafio que temos hoje?

É um enorme desafio que estamos enfrentando. Suponha que a gente consiga descobrir como lidar com a floresta tropical no Brasil. Isso certamente poderia ser parte da solução, mas há países como a China que ainda estão fortemente envolvidos com a produção de carvão, embora eles estejam fazendo esforços para fabricar carros elétricos.

A Índia tem uma população enorme e, no futuro, poderá também constituir um desafio importante para as alterações climáticas. E economias avançadas, como a dos Estados Unidos, estão envolvidas no consumo de combustíveis fósseis há muito tempo.

Então, como podemos ajudar a incentivar um país a tomar atitudes que sejam do interesse de todos? É um enorme problema, e certamente espero que possamos fazer mais progressos para resolvê-lo. Para mim, uma fonte de otimismo é a nossa capacidade de criar tecnologias novas e melhores.

As universidades americanas têm sido palco de protestos contra a ação de Israel em Gaza, e as imagens dos estudantes repercutiram mundialmente. Como esse movimento é visto por dentro?

Quando eu era jovem, o grande problema era a Guerra do Vietnã. Houve protestos estudantis
massivos. Alguns deles não foram muito produtivos, outros até terminaram em violência. Mas, na verdade, os estudavam provaram estar, em muitos aspectos, do lado certo na história. Tudo o que aprendemos nas últimas décadas foi que o Vietnã foi uma aventura militar imprudente dos Estados Unidos.

Na situação atual, o problema é muito complexo —e quero dizer que o que acontece aos cidadãos de Gaza é incrivelmente triste, mas todas as partes têm de assumir alguma culpa nisso. Existem tantas complexidades aqui. E também tem uma perspectiva histórica. Ao sair da Segunda Guerra Mundial, não está claro se havia uma forma muito prudente de resolver esse problema, e alguns aspectos disso nunca foram realmente resolvidos muito bem.

Creio que os campi universitários lidaram com isso de maneiras diferentes. Em Columbia, as coisas explodiram, infelizmente. Acho que Chicago lidou muito bem: deixou os protestos continuarem até que eles começaram a atrapalhar aspectos da vida acadêmica. A universidade cobrou uma resolução, e tudo caminhou pacificamente.

Esse movimento pode ter impactos que vão além da causa palestina?

Temo agora que haja um grupo de jovens, eleitores em potencial [já que nos Estados Unidos o voto não é obrigatório], que estão tão irritados com toda essa situação que não irão votar nas eleições deste ano. Acho que seria tremendamente triste se isso acontecesse.

Creio que os campi universitários lidaram com isso de maneiras diferentes. Em Columbia, as coisas explodiram, infelizmente. Acho que Chicago lidou muito bem: deixou os protestos continuarem até que eles começaram a atrapalhar aspectos da vida acadêmica. A universidade cobrou uma resolução, e tudo caminhou pacificamente.

Esse movimento pode ter impactos que vão além da causa palestina?

Temo agora que haja um grupo de jovens, eleitores em potencial [já que nos Estados Unidos o voto não é obrigatório], que estão tão irritados com toda essa situação que não irão votar nas eleições deste ano. Acho que seria tremendamente triste se isso acontecesse.

Lars Hansen, 71
Economista norte-americano, é professor da Universidade de Chicago (EUA) e uns dos ganhadores do Nobel de Economia de 2013, por estudos de análise sobre preços de ativos. Nos últimos anos, tem pesquisado os impactos positivos da preservação do meio ambiente para a economia

Desenraizamento institucional, por Oscar Vilhena Vieira

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Nesta semana assistimos a mais um festival de deslealdades com o nosso combalido Estado de Direito

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de “Constituição e sua Reserva de Justiça” (Martins Fontes, 2023).

Folha de São Paulo, 01/06/2024

O ambiente institucional brasileiro vem passando por um preocupante processo de degradação na última década, que se reflete numa dificuldade cada vez maior de a lei servir como instrumento de determinação de condutas e estabilização de expectativas. E onde a lei não impera, prevalecem o arbítrio, a violência, o oportunismo, o mandonismo e uma perversa forma de extrativismo institucional.

A fragilidade do direito brutaliza a vida das pessoas, especialmente daquelas que estão mais
vulneráveis ao crime, ao arbítrio e à negligencia do Estado ou mesmo à ação predatória de algumas poderosas corporações. A fragilidade da lei deteriora a eficácia das políticas públicas, das instituições democráticas e, por consequência, a confiança na democracia. A fragilidade da lei, por fim, reduz a eficiência dos mecanismos de mercado, inibe investimentos e emperra processos de desenvolvimento econômico e social mais sustentáveis e equitativos.

É fato que a lei jamais foi levada muito a sério entre nós. A indecente e persistente desigualdade, a perversa “cordialidade”, o patrimonialismo têm conspirado incessantemente contra um enraizamento mais profundo do império da lei nessas paragens. O pacto constitucional de 1988, no entanto, favoreceu algum avanço no fortalecimento de nossas instituições. Esse processo positivo, ainda que ambíguo, começou a descarrilhar a partir de 2013, desaguando na tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, em 8 de janeiro de 2023. Se é verdade que sobrevivemos, ainda que por um triz, o processo de degradação do Estado de Direito não foi interrompido.

Importa lembrar que direito não tem força própria. Sua efetividade depende, primariamente, dum delicado equilíbrio entre aqueles que têm poder na sociedade. Sem que os poderosos se convençam de que é mais vantajoso resolver suas disputas e conflitos por intermédio das regras do jogo, o Estado de Direito não para de pé. Quando esse equilíbrio político não é alcançado ou se rompe, a vida social, política e econômica se degradam.

A efetividade do governo das leis também depende da disposição daqueles que habitam as suas instituições em cumprir com suas responsabilidades de elaborar, implementar e aplicar as leis de maneira correta e consistente. Quando as instituições responsáveis pela produção e aplicação do direito não cumprem com suas atribuições, o direito deixa de ser um instrumento crível para contribuir com a coordenação pacífica da sociedade. Sem que os detentores do poder vejam vantagem em resolver seus conflitos de acordo com as regras do jogo, o Estado de Direito não sobrevive.

Nesta semana assistimos a mais um festival de deslealdades com o nosso combalido Estado de Direito patrocinadas por maiorias parlamentares, governadores de estado e até ministro do Supremo. A resistência às câmeras policiais, a implosão de acordos de delação, o jogo perverso de vetos são apenas exemplos dessa insurgência contra o direito, por parte de quem jurou defender e garantir a Constituição e as leis.

Essa completa falta de cerimônia, manipulação ostensiva e desrespeito à legalidade têm aprofundado uma perigosa sensação de anomia —de ausência de regras—, gerando um ambiente em que prevalecem apenas as lógicas da dominação, do arbítrio e do ardil. Romper esse círculo viscoso de degradação da legalidade é hoje nosso maior desafio. Sem o enraizamento do império da lei, dificilmente alcançaremos soluções para os outros enormes desafios que temos pela frente.

Atenção aos sinais, por Oded Grajew

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Mudança climática e desigualdade estão conectadas e se retroalimentam

Oded Grajew. Presidente emérito do Instituto Ethos, conselheiro do Instituto Cidades Sustentáveis e idealizador do Fórum Social Mundial; fundador e ex-presidente da Fundação Abrinq

Folha de São Paulo, 30/05/2024

Meus pais eram judeus e viveram na Polônia nos anos 1930. Hitler assumiu o poder na Alemanha em 1933 e iniciou a perseguição aos judeus promulgando leis chamadas de “proteção do sangue”, que excluíam qualquer direito ao povo judaico. Em 1938, promoveu a Noite dos Cristais, que causou a destruição de lojas de judeus e a prisão de muitos deles, levados para campos de concentração.

Em todos os seus discursos, Hitler anunciava seus planos de exterminar o povo judeu. A partir da invasão da Polônia em 1938, ele começou a colocar em prática seus planos que resultaram no Holocausto.

Meus pais então levaram a sério as ameaças e os sinais e resolveram emigrar para Israel, em 1938, um pouco antes da invasão da Polônia. Tentaram convencer familiares a fazerem o mesmo.

Infelizmente, não os consideraram e foram quase todos assassinados pelos nazistas. Devo a minha vida aos meus pais terem levado a sério os sinais, o que me ensinou sobre a importância dos alertas.

Vejo agora com grande tristeza e preocupação como o mundo tem desprezado os sinais. Apesar dos alertas da quase totalidade dos cientistas sobre as consequências das mudanças climáticas promovidas por ações humanas, das evidências, de conhecer as medidas necessárias para enfrentar os riscos e de termos recursos para isso, pouquíssimas ações são efetivadas para reverter o processo. Grandes conferências do clima terminam com declarações e promessas dos governantes que quase nunca são cumpridas. Os governos se restringem a correr atrás dos prejuízos e a renovar as promessas. Enquanto isso, vidas e patrimônios são destruídos, os desastres se sucedem, o planeta continua se aquecendo e se aproximando de um caminho sem retorno que inviabilizará a vida humana.

Processo semelhante ocorre com a forma como a maioria da sociedade e dos governos encaram as desigualdades sociais. Os dados são alarmantes: os 10% mais ricos detêm 76% da riqueza e 52% da renda; metade mais pobre da população fica com apenas 2% da riqueza e 8,5% da renda. O Brasil é o oitavo país mais desigual do planeta, apesar de estar entre as dez maiores economias (vergonha!). E pior: as desigualdades no mundo estão crescendo a cada ano! As desigualdades resultam em sociedade de castas, de dominadores e subordinados, de superiores e inferiores, de lutas pela ascensão social, de conflitos e violência, dentro e entre os países. Isso quando dispomos de armas cada vez mais potentes e do aumento a cada ano dos bilionários orçamentos militares.

As desigualdades fazem as pessoas desacreditarem na democracia, causam revolta, violência e a busca por bodes expiatórios. É um terreno fértil para políticos autoritários, extremistas e populistas.

Os dois fenômenos, mudanças climáticas e desigualdades, são conectados e se retroalimentam. As mudanças climáticas aumentam as desigualdades e as desigualdades aumentam a devastação ambiental. Os dois processos representam um enorme risco para a humanidade. Sinais não faltam: desastres ambientais cada vez mais frequentes e potentes, conflitos cada vez maiores e ameaçadores, crescimento de movimentos políticos extremos e ameaças cada vez maiores às democracias. Ou levamos a sério os sinais e agimos preventivamente ou corremos o risco de chegarmos a uma situação em que seja tarde demais para remediar.

Década perdida

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Vivemos momentos de grande apreensão na sociedade internacional. Nesse cenário, as estruturas econômicas, sociais, culturais e políticas estão passando por grandes inquietações, modelos novos e consistentes estão sendo degradados, empresas anteriormente consolidadas estão perdendo espaço no mercado, as transformações no mundo do trabalho estão reconfigurando as atividades profissionais, exigindo novas qualificações e variadas capacitações, exigindo esforços intelectuais elevados e dispêndios de recursos monetários, gerando uma nova sociedade, mais integrada, mais competitiva, mais individualista, mais imediatista e mais, cada vez mais, centrada na instabilidade, na insegurança e na financeirização das atividades cotidianas.

Nesta nova sociedade, percebemos que estamos caminhando a passos largos para mais uma década perdida, cujo crescimento produtivo é insuficiente e limitado para vislumbrarmos o tão sonhado desenvolvimento econômico. Percebemos ainda, que esse baixo crescimento da economia e somado a altas taxas de juros contribuem fortemente para engordar a renda e o poder político dos rentistas, dos financistas e donos do capital, além de degradar a renda dos trabalhadores e atuando ativamente para incrementar as desigualdades sociais que perpetuam nosso atraso institucional.

A década perdida dos anos 80 do século passado ficou conhecida como um momento marcado por baixo crescimento econômico, taxa de inflação elevada, desindustrialização da economia, crescimento do endividamento externo, incremento da concentração de renda e perspectivas sombrias para a estrutura econômica e produtiva. Neste período, definido como a década perdida, o Brasil perdeu espaço na economia internacional, perdendo mercados preciosos no comércio global, reduzindo seu dinamismo industrial e, diante disso, percebeu-se o crescimento e a consolidação de concorrentes diretos, principalmente nações asiáticas, que se projetaram no comércio mundial, adotando políticas industriais exitosas, desbancando atores importantes no cenário global e passaram a ganhar espaço nos grandes fóruns internacionais.

Nos anos 1980, a economia internacional passava por grandes transformações no modelo produtivo, a sociedade global vislumbrava uma nova revolução industrial, com o crescimento da informática e das telecomunicações, marcadas por novas tecnologias e exigindo das nações mais investimentos em capital humano, melhoras significativas na educação, além de pesquisas científicas e no fomento tecnológico. Neste momento, perdemos essa proeminência acumulada em décadas anteriores, perdemos ainda o dinamismo produtivo, perdemos cérebros imprescindíveis para alavancar o crescimento econômico e passamos a amargar um crescimento econômico medíocre, que nesse ritmo levaríamos muitos séculos para melhorarmos os nossos indicadores sociais.

Com o incremento da concorrência internacional, onde a tecnologia passou a ser o agente fundamental para o crescimento econômico, faz-se necessário que as nações em desenvolvimento cresçam de forma mais consistente, melhorando sua estrutura produtiva, investindo em capital humano, consolidando políticas públicas para melhorar os indicadores sociais, reduzindo as desigualdades das nações. Neste cenário, percebemos que o Brasil vem caminhando muito lentamente, seu crescimento econômico nos últimos quarenta anos foi muito limitado, taxas de juros elevadas, venda de patrimônios públicos entregues a preços irrisórios e um sucateamento educacional, desta forma não estamos conseguindo enfrentar frontalmente os grandes desafios da sociedade contemporânea, mesmo alterando os governantes a situação pouco avança, deixando a impressão de que estamos nos afastando dos países desenvolvidos. Será que estamos nos acostumando com as décadas perdidas? Cabe uma reflexão imediata.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Economista e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.

Muralha Paulista: Tarcísio mira a distopia, por Mariana Braghini

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Governador quer impor gigantesco sistema de vigilância – e contrata corporação ligada ao bolsonarismo. Promete até prever crimes com reconhecimento facial e espionagem. É projeto-vitrine da gestão que bate recorde de letalidade policial

Mariana Braghini – OUTRAS PALAVRAS, 22/05/2024

Nas últimas semanas, uma série de reportagens tem sido publicada acerca da proposta do governo do estado de São Paulo para o programa denominado Muralha Paulista, um projeto high-tech de segurança pública que promete reduzir os índices de criminalidade nas cidades paulistas. Em parceria com uma empresa militar estrangeira, a gestão Tarcísio tem articulado uma megaestrutura de espionagem em massa da população do estado, ignorando legislações sobre proteção de dados e direitos constitucionais. Além disso, está priorizando uma proposta de alto custo, enquanto faltam embasamentos sobre a eficácia e o custo-benefício dessas tecnologias para a segurança pública.

Um marco importante da gestão Tarcísio na segurança pública tem sido as taxas de letalidade policial, que vem estabelecendo novos recordes. Em apenas um ano, mortes causadas por policiais militares cresceram 138% no estado. Uma iniciativa que também é digna de atenção, com potencial de atentar contra direitos civis e que tem tudo para perdurar durante governos futuros, é o Muralha Paulista, que conta com um esquema de vigilância integrada, captação de dados, imagens e compartilhamento das informações. O programa é operado essencialmente por meio de centros de comando e controle herdados da estratégia do Exército para o esquema de segurança de grandes eventos internacionais que ocorreram no país, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo de futebol.

Para o Muralha Paulista, o governo vem somando esforços com uma empresa árabe de defesa e segurança, a Edge Group, representada no Brasil por Marcos Degaut, ex-secretário do Ministério da Defesa no governo de Jair Bolsonaro. Desde que chegou ao Brasil, a gigante de defesa já comprou duas empresas estratégicas brasileiras, a Siatt, fabricante de mísseis, e a Condor, fabricante de armamento não letal. Em seu amplo leque de atuação, a Edge também está associada a empresas que fornecem softwares de espionagem de celulares. Com um eufemismo corporativo para evitar conotações pejorativas aos serviços que fornece, é mais comum que se encontre termos como “equipamentos de monitoramento“ ou, para inglês ver, equipamentos de surveillance.

Estas estruturas, bem como sua aquisição e operação, são de alto custo. Com foco principal em tecnologias de reconhecimento facial, elas requerem câmeras de alta resolução espalhadas pelas cidades e softwares avançados de leitura automatizada de imagens. Para garantir a empreitada, a Edge e o governo apostam no projeto batizado de Bola de Cristal. É notável um apelo místico, que seduz governantes (e até mesmo populações) com a promessa de soluções mágicas para problemas sociais complexos. A ideia de Bola de Cristal é a ideia de que é possível prever crimes antes que eles ocorram, semelhante ao roteiro do filme Minority Report e que, na realidade, se manifesta como perfilamento racial potencializado à era do algoritmo.

A proposta da gestão Tarcísio, com o apoio da Edge, se apoia em um conjunto de palavras-chave como “melhor alocação de recursos”, “estruturação de dados” ou “integração de soluções”, uma retórica apelativa que cria um véu de um posicionamento técnico e objetivo de seu escopo, algo comum nas tecnopolíticas. O que falta ser evidenciado é o seu conteúdo, e como essa proposta é uma solução embasada e de longo prazo para a segurança pública.

Perguntas importantes a serem colocadas são: quais outras respostas estão sendo negligenciadas para dar lugar a um programa de alto custo e com falta de estudos que comprovem sua eficácia como política pública? O foco no esquema de mega vigilância da população se dá em detrimento de quais outras respostas que um estado pode dar para promover segurança pública?

Com uma operacionalização que exige altos investimentos, é de se perguntar quais outras escolhas o governo está deixando de considerar. Ainda mais quando se trata de um projeto controverso que envolve a vigilância de toda a população paulistana por uma variedade de dispositivos. Um sistema C4ISR, como aquele oferecido pela Edge em parceria com o governo estadual, vai além da simples captação de imagens. Ele rapidamente amplia sua coleta para incluir uma vasta gama de fluxos informacionais deixados pelas pessoas em seus ambientes privados e públicos. Hoje em dia, hábitos e localizações são informações facilmente obtidas, representando rastros que podem ser captados sem o consentimento ou conhecimento das pessoas. A partir desse universo de dados captados e processados que se determina o padrão de normalidade ou de ameaça que são infligidos aos cidadãos.

O que a Edge Group, está vendendo para o governo do estado é uma solução criada para contextos de conflito armado internacional (os sistemas C4ISR), de guerra, de ambientes altamente militarizados. O que está sendo feito é uma transposição dessa concepção para uma política de segurança pública. Guerra e segurança pública são campos diferentes, que têm raízes diferentes e não podem contar com as mesmas soluções. Quem pensa segurança pública como guerra não pensa em soluções de longo prazo, pensa em violação de direitos civis como emergência em tempos de
exceção.

O governo do estado inicia cometendo ilegalidades já na apresentação desse sistema a grupos de interesse, ao apresentar seu aparato de espionagem em tempo real para população civil, burlando a legislação vigente sobre proteção de dados e outros direitos constitucionais.

Conforme evidenciado por notícias veiculadas, a proposta do governo do estado de SP é reunir
imagens captadas pelas câmeras de condomínios, de comércios, empresas de transporte público, hospitais e centros de saúde, espaços de lazer e mais. Em última consequência, qualquer infraestrutura da cidade é uma infraestrutura de vigilância em potencial.

Aqui, não há preocupação com a necessidade de proteger direitos civis e são criadas as bases para espionagem em massa da população, com o auxílio de empresas privadas estrangeiras.

Os limites dessa atuação e da responsabilização não podem ser deixados nas mãos das próprias empresas, que muitas vezes regulam suas próprias atividades, como é comum entre empresas de inteligência artificial e outras Big Techs. Essa fiscalização também não pode ficar apenas a cargo das entidades policiais, que não estão imunes de corrupção. É essencial que esses limites sejam estabelecidos em um ambiente democrático.

Se há potencial para melhorar a segurança pública, mas também um potencial para espionagem em massa da população, os governos devem se envolver ativamente na definição desses limites e garantir o direito da sociedade à transparência. Ao mesmo tempo, as empresas devem ser responsabilizadas por suas atividades que possam violar os direitos civis. Afinal, quando falamos de tecnologias com potencial para melhorar a segurança e, ao mesmo tempo, para infringir direitos civis, é crucial que haja controle, transparência, debate público e accountability.

Ou é isso, ou continuamos avançando em direção a distopias em que um pequeno grupo de empresas e governantes exerce um poder autoritário sobre as populações através de sistemas de vigilância e dispositivos tecnológicos.

Extrema direita e neoliberalismo matam e ampliam destruição no RS, por Eleonora de Lucena

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Governador e prefeito devastaram proteção ambiental e instituições públicas

Eleonora de Lucena, Jornalista e editora do TUTAMÉIA; ex-editora-executiva da Folha (2000 a 2010).

Folha de São Paulo, 26/05/2024

Meus irmãos ainda recolhem o entulho do que sobrou da casa em que vivi na infância e adolescência no Menino Deus, em Porto Alegre. Submersos havia dez dias, móveis, roupas, papéis, livros, quadros, eletrodomésticos formam agora uma montanha de rejeitos na calçada. Em frangalhos e com o fedor de podridão, a história dali vai junto com os destroços reunidos pelos vizinhos, muitos deles moradores do lugar desde os anos 1960, quando o bairro começou a tomar forma, com calçadas largas, plátanos, cinamomos, escolas.

Familiares e amigos ainda não sabem o que restou de suas casas. Nos históricos assentamentos do MST, pioneiros na produção orgânica na região metropolitana, as perdas de uma construção de 30 anos foram imensas: produção, animais, estoque, maquinário. Pequenos agricultores viram a enxurrada levar seus projetos, suas perspectivas de futuro. Nos abrigos, dezenas de milhares choram.

Como é praxe no Brasil, são os mais pobres, os negros que mais sofrem com a lama, o frio, a perda, a desesperança. Mais de 160 pessoas morreram; dezenas ainda estão desaparecidas.

Não precisava ter sido assim. As políticas neoliberais do governador Eduardo Leite (PSDB) e a voraz destruição realizada pelo prefeito bolsonarista Sebastião Melo (MDB) amplificaram em muito as consequências das chuvas. Submetidos aos interesses dos plantadores de soja, das construtoras e dos capitalistas que querem sugar tudo o mais rapidamente possível, o governador que posa de modernoso e o prefeito da extrema direita cumpriram um roteiro já bem conhecido: devastaram as leis de proteção ambiental, demoliram instituições públicas com privatizações, desmantelaram órgãos de planejamento e sucatearam criminosamente sistemas que defendiam a capital gaúcha de inundações.

Pior. Seguem com sua sanha predatória no meio da catástrofe. Têm pressa em entregar nacos do poder público a interesses privados, mirando negócios mirabolantes no processo de reconstrução.

Rapidamente, fecham acertos com consultorias que integram o esquema da extrema direita mundial, cujo histórico é de jogadas que beneficiam os mais ricos e descartam os mais pobres, jogando-os para longe dos espaços gourmetizados, colonizados e deslumbrados. Ignoram o conhecimento acumulado de cientistas, engenheiros, urbanistas que, principalmente nas universidades, estudam essas questões há décadas.

Não será surpresa se empresas estadunidenses ou suas aliadas aparecerem para pegar os contratos de construção. Como se sabe, as firmas nacionais do setor foram dizimadas pela Lava Jato, com assessoria do Estado norte-americano, no processo do golpe de 2016 que culminou com a chegada de
Jair Bolsonaro ao Planalto, a perda de soberania, a passagem da boiada e a mortandade promovida na pandemia. A extrema direita, como já ficou provado também no Brasil, faz o governo dos ricos, do salve-se quem puder, do entreguismo, da violência, da morte.

Não é outro o desenho das alardeadas “cidades provisórias”. Elas desprezam as necessidades dos que não têm onde morar agora, transferindo-os para locais distantes, sem infraestrutura mínima, tirando-os da paisagem para, quem sabe, tentar incentivar o turismo em Gramado!

É sabido que boa parte da elite econômica do Rio Grande do Sul é de direita e flerta com o fascismo. O avanço da monocultura da soja reforçou o domínio dessa ideologia, que foi base da ditadura militar e do governo Bolsonaro. Seu rastro autoritário e reacionário acompanhou a expansão da fronteira agrícola para o Centro-Oeste e o Norte do país.

Agora, os mesmos que propagandeavam as maravilhas do livre mercado olham para suas perdas e correm para pedir socorro ao Estado, aquele espezinhado até anteontem e que trataram de esmigalhar para lucrar. Está cristalino que, sem a ação do Estado, resta o caos —o alvo maior da extrema direita.

Mas a população do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre já demonstraram que podem mudar. Lideraram transformações sociais e protagonizaram avanços. É possível começar a descartar o entulho da obscuridade que encharca com podridão as ruas da metrópole.

O legado de uma década perdida, por Renato Janine Ribeiro

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Renato Janine Ribeiro – A Terra é Redonda – 22/05/2024

A esquerda é inteiramente representativa do senso comum de nossa sociedade – tudo de bom que acontece, e tudo de ruim, é só do Presidente

Não sou um fã das instituições, quero dizer: não considero que a chave para a democracia esteja nelas. Na verdade, há duas vertentes para se pensar a política moderna – uma é a da ação, outra a da instituição. Desenvolvi este tema em meu livro A sociedade contra o social, de 2000, resumo-o rapidamente aqui.

Nicolau Maquiavel rompe com a Idade Média e a ideia do “buon governo” ao liberar a ação do príncipe das amarras morais do cristianismo. Mostra que a doutrina do rei bom, porque cristão e moral, mascara a realidade de reis que foram bem-sucedidos quando souberam descumprir os preceitos religiosos, sempre que necessário para a busca de mais poder. Por isso, não é fortuito que Gramsci veja, no partido revolucionário, o príncipe: é quem age sem estar preso ao velho mundo que está morrendo, é quem ajuda a nascer o mundo novo, a ordem nova que é o nome da organização que ele lidera antes de ser preso pelo fascismo.

Bernard Mandeville, menos conhecido, duzentos anos depois do Príncipe escreve a Fábula das abelhas, sustentando que vícios privados podem gerar benefícios públicos. A ganância, vício e mesmo pecado, estimula o empreendedor a produzir melhor e mais barato – esse, o grande exemplo.

O capitalismo depende de se saber canalizar uma pulsão (para usar a linguagem freudiana) amoral ou mesmo imoral para fins positivos socialmente. É o que dá vigor às instituições, que fazem que a falta de bondade (ou mesmo, a maldade) humana se canalize em boas direções. Montesquieu até diz que Inquisição e monarquia absoluta se combinam bem na Espanha, porque cada uma delas – más – limita a outra. É o fundamento para o equilíbrio dos três poderes constitucionais.

Quem apoia revoluções ou mudanças fortes – no limite, a utopia – vai valorizar a ação. Quem deseja, não necessariamente o statu quo, mas uma evolução política mais lenta, vai de instituições. Ora, desde que as revoluções ficaram na periferia do sistema mundial, que elas deixaram de ocorrer nos países desenvolvidos, a via institucional se consagrou.

Mas o que aconteceu entre nós, no período que começa em novembro de 2014?

Foi um esvaziamento e transferência de poder entre instituições. Costuma-se dizer, parafraseando-se Aristóteles (“a natureza tem horror ao vácuo”), que na política, se houver vácuo, ele é prontamente ocupado. Assim sucedeu entre nós.

Dilma Rousseff, reeleita em 2014, imediatamente mudou sua política econômica, o que – traduzindo em bom português – teve forte impacto na política social. (Política econômica é como a direita chama o que a esquerda entende ser política social, indo ao essencial). A base de esquerda decepcionou-se e deixou de apoiá-la concretamente. Não promoveu sua destituição, mas também não se bateu em defesa de seu mandato – basta ver o silêncio com que a esquerda viveu a votação do impeachment, sem sublevação, sem indignação nas ruas.

Esvaziou-se o Poder Executivo e, neste quadro, o Legislativo cresceu, sob a chefia de Eduardo Cunha – que significativamente iniciou o golpe fazendo votar uma emenda constitucional que dava, a cada parlamentar individualmente, pleno controle de um porcentual do orçamento. Essa medida, a meu ver inconstitucional, faz que esse valor, para se tornar lei, não precise do voto das Casas Legislativas nem da sanção presidencial. É a privatização de uma parcela do orçamento – parcela esta que desde então só cresceu.

Na sequência, uma série de pautas-bomba diminuiu a possibilidade do Governo Federal controlar as finanças e a economia. (O cenário ora se repete). O Congresso, e especialmente Eduardo Cunha, se fortaleceu, até se chegar ao momento em que a oposição nele e nas ruas, diante das denúncias de crimes que acabariam por leva-lo à cadeia, saiu proclamando “somos todos Eduardos Cunhas”.

Mas esse fortalecimento deixava de lado qualquer coisa que fosse positiva para o País. Era negativo: impedia o Governo de governar. Impedia, antes mesmo do impeachment. Mas não desenhava uma alternativa. Por isso, ficava um vazio – que foi ocupado pelo terceiro poder, o único não eleito, aquele que dá estabilidade ao sistema, aquele que é (me atrevo a dizer) mais instituição do que os outros, justamente porque não provém do voto popular nem por este é renovado: o Judiciário ou, no caso, o STF. Pois foi este que decidiu a tramitação do impeachment, não foi o Congresso. (Lembrem a frase do político do MDB, “com o Supremo, com tudo” – que incluía as Forças Armadas, é bom lembrar).

Finalmente, como o próprio STF não podia governar, uma figura cresceu, no vácuo que tínhamos: um juiz proativo, que não se continha diante das limitações legais ou éticas, e que se pôs a condenar quem ele quisesse. Não à toa, tornou-se uma espécie de favorito dos políticos; ajudou a eleição de Jair Bolsonaro e dele recebeu um ministério importante. Se mais tarde desabou, foi por sua hybris, sua soberba – até porque o governo que o ex-juiz apoiou foi o mesmo que enterrou a LavaJato, que ele havia comandado.

Neste vazio, elegeu-se o mais improvável, o mais inepto dos candidatos (não sei se o cabo Daciolo seria pior, francamente…). E no governo ele se mostrou incapaz de tocar a máquina. Fazia circo com suas motociatas, com suas falas mais adequadas ao SuperPop do que ao Alvorada. O poder ficou entre o Legislativo e o Judiciário. O primeiro, ele agradou vitaminando a privatização dos recursos do orçamento. O segundo, na verdade, limitou suas aventuras.

Um dia se saberá – talvez – por que o STF, que havia tomado as decisões que levaram Lula à cadeia, não hesitando com isso em prender mais milhares de pessoas que não tinham condenação transitada em julgado, mudou de ideia. Terá sido por ser o primeiro a perceber o monstro que a desordem institucional havia parido? Bons jornalistas, bons historiadores deveriam investigar esse momento obscuro de nossa história. Mas continuemos.

Desde 2020, a par de uma oposição bastante desorganizada, quase acéfala devido ao encarceramento de Lula, foi o Supremo que conteve os piores excessos. Verdade que alguns governadores – basicamente, os de oposição (no Nordeste) e o de São Paulo, João Doria – lutaram pela vacina e pela redução da altíssima mortalidade causada pela covid, enquanto o presidente e seus aliados, inclusive o governador do Rio Grande do Sul, que hoje se apresenta como o nome mais fofo da direita, passavam pano. Ah, honra se lhe faça: Ronaldo Caiado, o governador muito direitista de Goiás, também apoiou a vacinação. O Judiciário conteve a marcha da insensatez, do morticínio, ao reconhecer às autoridades locais o direito de limitar as atividades que poderiam espraiar, ainda mais, a morte precoce.

No Judiciário, a chave de defesa da democracia foi encabeçada por Alexandre de Moraes, com apoio de alguns ministros decisivos, em especial Gilmar Mendes. Não foi uma atuação de todos os ministros, havendo aqueles que se aproximaram de Jair Bolsonaro, por pensamentos e palavras, pelo menos.

Aqui, o poder que tinha sido o último a falar, no esvaziamento dos poderes em 2014-16, foi o primeiro a se mobilizar. O Senado, é verdade, enquanto teve Renan Calheiros na direção, também agiu – depois, não. A Câmara também, mas só enquanto Rodrigo Maia a presidia. Depois, não.

Hoje, assistimos à necessária luta do presidente Lula para recuperar os poderes que cabem ao Poder Executivo. Quando lemos que 60% do orçamento da Saúde está capturado pelas emendas parlamentares, vemos de que maneira o planejamento, mais que necessário nessa área, foi sequestrado pela política de bairro. Mas essa luta é mais do que árdua. O presidente da Câmara, Arthur Lira, visivelmente faz de tudo para inviabilizar a recuperação do protagonismo político por quem é a única autoridade eleita por convicção, num pleito que quase sempre passa por um segundo turno, a fim de definir quem representa o País. Temos hoje um quase-parlamentarismo, mas sem responsabilidade parlamentar.

É esta a disputa que hoje vivemos. O Judiciário, que foi o poder de resistência, enquanto o Executivo destruía o país, e o Congresso negociava com ele algum tipo de vantagens, agora está próximo da Presidência, na tentativa de limitar o poder centrífugo que ainda reside nas casas legislativas. Mas não é e não será fácil.

Não é fácil, até porque aquela que seria a base de esquerda do Governo não entende, ou mais provavelmente não quer entender, que nosso presidencialismo hoje é uma aparência. Sim, vivemos numa sociedade que quer o regime presidencial. (Parlamentarismo, aqui, ou é uma simpatia de intelectuais, como eu, boa para conversar num papo-cabeça de bar – ou o recurso que a direita procura sacar sempre que percebe que vai perder a disputa: como aconteceu em 1961, para bloquear o presidente Jango, e várias vezes na década passada, para tirar o PT).

Mas, como “o fraco rei faz fraca a forte gente”, seis anos com dois presidentes que sobreviveram no poder devido a acordos menores viciaram nosso tecido político. Nosso presidencialismo é uma fachada – porém, a esquerda não percebe ou não quer perceber isso, e por todos os males culpa o presidente. Seria ele que teria imposto o arcabouço fiscal, seria ele que negaria aumentos salariais, seria ele que não revogaria a reforma do ensino médio. Em outras palavras – e neste ponto a esquerda é inteiramente representativa do senso comum de nossa sociedade – tudo de bom que acontece, e tudo de ruim, é só do Presidente.

*Renato Janine Ribeiro é professor titular aposentado de filosofia na USP. Autor, entre outros livros, de Maquiavel, a democracia e o Brasil (Estação Liberdade).

É possível superar a crise sistêmica atual? por Leonardo Boff

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Leonardo Boff – A Terra é Redonda – 23/05/2024

A ciência e a técnica não conseguem mais deter a mudança climática, mas podem apenas advertir sua chegada e minorar os efeitos danosos

Retomo o tema “Reflexões sobre as causas da crise sistêmica”, que estão na raiz da atual crise. Interrompemos para refletir sobre a manifestação clara da mudança climática em curso, causando devastadores enchentes no Rio Grande do Sul. É um dos sinais que Gaia, a Mãe Terra, nos está dando de que ela não suporta mais o modo capitalista de habitar o planeta. Pairam, em suspenso, na atmosfera cerca de dois trilhões de toneladas de gazes de efeito estufa que permanecem por cerca cem anos. Como a Terra pode digerir toda essa imundície?

O modo capitalista de produção se caracteriza fundamentalmente por considerar a Terra não como algo vivo e sistêmico, mas como um baú cheio de recursos a serem explorados para benefício humano, em especial, para aqueles que detém o ter, o saber e o poder sobre tais recursos e sobre o curso da história. Esse sistema se impõe sem qualquer sentido de limite, de respeito e cuidado para com os ecossistemas. Encontra sua expressão política no neoliberalismo, dominante em quase todas as sociedades, mas não entre os povos originários que se sentem natureza e cuidam dela.

Além do eclipse da ética e da asfixia da espiritualidade no mundo atual, quero acrescentar ainda mais dados. O primeiro, nas palavras do Papa Francisco na Laudato Sì: “Ninguém pode ignorar o fato de nos últimos anos termos assistido a fenômenos meteorológicos extremos, períodos frequentes de calor anormal, secas severas”. O que ocorreu em maio no Sul do país, simultaneamente ocorreram enchentes fenomenais na Alemanha, na França, na Bélgica e no Afeganistão.

Outro ponto é a Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot): precisamos de 1,7 Terra para atender ao consumo, especialmente das classes opulentas do Norte Global. Pretendem tirar da Terra aquilo que ela não pode mais dar. Em resposta, por ser um Super Organismo vivo, reage com mais aquecimento, envio de uma gama de vírus e com os referidos eventos extremos.

Por fim, um grupo de cientistas, a pedido da ONU, definiram as nove fronteiras planetárias (planetary bounderies) que devem ser mantidas para garantir a estabilidade e a resiliência do planeta (mudança climática, integridade da biosfera, mudanças no uso do solo, disponibilidade de água doce, fluxos biogeoquímicos, representados pelos ciclos de nitrogênio e fósforo, acidificação dos oceanos, carga de aerossóis na atmosfera, esgotamento da camada de ozônio e o que foi chamado de “novas entidades” — partículas que não existiam na natureza — e foram introduzidas pela ação humana — como microplásticos, transgênicos e rejeitos nucleares). Verificou-se que seis das novas fronteiras foram ultrapassadas. Por serem sistemicamente articuladas, pode dar-se o efeito dominó: todas caiam. Então a civilização colapsa.

O certo é o que tem atestado muitos cientistas: a ciência e a técnica não conseguem mais deter a mudança climática, mas podem apenas advertir sua chegada e minorar os efeitos danosos. Mesmo assim cabe a pergunta: temos chance de sair da crise sistêmica?

Depende de nós, se aceitamos mudar ou prosseguir no mesmo caminho. Como bem notou Edgar Morin: “A história várias vezes mostrou que o surgimento do inesperado e o aparecimento do improvável são plausíveis e podem mudar o rumo dos acontecimentos”. O ser humano pode se conscientizar e traçar outro rumo. Pelo fato de ser um projeto infinito e habitado pelo princípio esperança, estão dentro dele virtualidades que, desentranhadas, poderão instaurar uma saída salvadora. Mas antes devemos enfaticamente dizer: temos que inviabilizar o projeto capitalista, seja pela rebelião das vítimas ou pela natureza, pois ele é suicida: na sua lógica de acumulação infinita dentro de um planeta finito, pode continuar na sua insânia até fazer da Terra um local inabitável. Se ele começou um dia, pode também desaparecer um dia. Nada é perpétuo.

As grandes narrativas do passado não nos vão tirar da crise. Temos que auscultar a nossa própria natureza. Nela estão os princípios e valores que, ativados, mesmo sob grandes dificuldades, nos poderão salvar.

Em primeiro lugar, temos que definir o ponto de partida. É o território, o biorregionalismo. É na região, assim como a natureza a desenhou que podemos construir sociedades sustentáveis e mais igualitárias. Elenquemos os valores que estão em nós.

Como os bioantropólogos mostraram o amor pertence ao DNA humano. Amar significa estabelecer uma relação de comunhão, de reciprocidade, de entrega desinteressada e de sacrifício de si em função do outro. Amar a Terra e a natureza implica criar um laço afetivo com elas: sentir-se unidos a elas. De mais a mais sabemos que todos os seres vivos possuem o mesmo código genético de base (vinte aminoácidos e quatro bases nitrogenadas).

Somos irmãos e irmãs de fato, entre nós e com todos os demais seres. Não basta sabê-lo, mas senti-lo e vivenciar o laço de comunhão. Além disso, o estudo da evolução do ser humano (ele tem 7-8 milhões de anos e como sapiens/ demens uns 200 mil anos) revelou que foi a solidariedade na busca e no consumo dos alimentos, juntos criando a comensalidade, que permitiu o salto da animalidade à humanidade.

Somos seres naturalmente solidários, como se tem mostrado nas milhões de ajudas aos desabrigados e afetados pelas enchentes no Sul do país. Somos também seres de compaixão: podemos nos colocar no lugar do outro, chorar com ele, partilhar suas angústias e nunca deixá-lo só. Ainda somos seres de cultura, da criação do belo, nas artes, na música, na pintura, na arquitetura.

Podemos fazer aquilo que a natureza por si jamais faria, como uma música de Villalobos ou uma pintura de Portinari. Como disse Dostoievski: “será a beleza que salvará o mundo”. Não a beleza como mera estética, mas a beleza como atitude de estar junto a um moribundo, segurando-lhe a mão e dizendo-lhe palavras de consolação: “Se teu coração te acusa, saiba que Deus é maior que teu coração”.

Somos, desde a mais alta ancestralidade, quando emergiu o cérebro límbico há 200 milhões de anos, seres de afeto e de sensibilidade. No coração sensível reside o enternecimento, a ética e o mundo das excelências. Já o escrevi no artigo anterior: somos, no mais profundo de nossa humanidade, seres espirituais. Somos capazes de identificar aquela Energia vigorosa e amorosa que se esconde dentro de cada criatura e em nosso interior (entusiasmo) e a faz continuamente existir e co-evoluir.

Como espirituais vivemos o amor incondicional, o cuidado por tudo o que existe e vive e alimentamos a esperança de uma vida que vai além desta vida. Acompanha-nos também sombras que podem reverter o amor em indiferença e a solidariedade em insensibilidade. Mas dispomos de uma força interior, não de negá-las mas de mantê-las sob o controle e fazê-las uma energia para o bem.

Uma biocivilização, fundada sobre tais valores e princípios, pode abrir uma senda inicial, capaz de transformar-se num largo caminho, assinalar-nos marcos na caminhada e apontar-nos uma luz no fim do túnel. Tudo isso poderá ser conquistado com muito suor e luta contra aquilo que um dia fomos (inimigos da Terra), em favor de uma nova forma de habitar amigavelmente este pequeno e único planeta que temos, nossa Casa Comum, a generosa Mãe Terra.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de A opção Terra (Record)

Educação em disputa, por Bruno Resck

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Bruno Resck – A Terra é Redonda – 24/05/2024

Sem romper com as amarras das políticas neoliberais, não será possível a construção de alternativas emancipatórias no campo da educação

Enquanto escrevo este texto, dois eventos políticos de grande relevância dominam o debate nacional no campo da educação. Em primeiro lugar, a greve dos servidores da educação federal, parados há mais de cinquenta dias. Em segundo lugar, a aprovação do PLC 9/2024 na Assembleia Legislativa de São Paulo, no dia 21 de maio, que cria o Programa de Escola cívico-militar proposto pelo governo de São Paulo. Estes dois acontecimentos emblemáticos refletem e simbolizam o atual quadro da disputa política nacional.

De um lado, temos o governo federal, eleito por uma ampla coalisão de forças em defesa da democracia, com o objetivo de derrotar o governo protofascista de Jair Bolsonaro. De outro lado, um governador do estado mais rico do país, eleito na esteira do bolsonarismo nas eleições de 2022. Destaca-se que, recentemente, a grande imprensa tenta emoldurar o governador de São Paulo como um “bolsonarista moderado”, um conceito que, por si só, suscita controvérsias sobre sua viabilidade e coerência.

No âmbito do governo federal, existe um crescente ressentimento por parte dos servidores da educação pela forma de condução das negociações junto ao movimento paredista. Cabe destacar que na plataforma de campanha do presidente Lula, existia o compromisso de “resgatar e fortalecer os princípios do projeto democrático de educação, que foi desmontado e aviltado” nos últimos governos. Essa reconstrução se daria através da “valorização e reconhecimento público de seus profissionais”. Não obstante, o governo tem apresentado propostas muito aquém das expectativas das categorias.

Para além das questões do funcionalismo, a gestão do ministro Camilo Santana (PT) tem sido marcada pela continuidade de uma série de marcos legais e regulatórios herdados das gestões de Michel Temer e Bolsonaro. O caso mais emblemático é a hesitação em revogar o nefasto “Novo Ensino Médio” – contrariando a maioria dos docentes e especialistas do país. Outra notável característica do ministério é a considerável presença das fundações empresariais como o “Todos pela Educação” e a Fundação Lemann, que exercem controle direto ou indireto sobre parte do orçamento ministerial.

No âmbito do governo paulista, a gestão do atual Secretário da Educação, Renato Feder, tem acumulado polêmicas na implantação de sua pauta para a educação que envolvem a substituição de livros didáticos por material digital, a utilização de aplicativos para controle e uma gestão escolar análoga à gestão empresarial com prazos e metas sufocantes para o corpo docente. Não obstante, o governo de São Paulo obteve uma vitória ao aprovar o projeto de implantação das escolas cívico-militares no estado. A sessão da Alesp que aprovou o projeto foi marcada por grande confusão e pela truculência da polícia militar contra os estudantes que se manifestavam.

As escolas cívico-militares emergiram na esteira da ascensão da extrema direita no país, sobretudo a partir de 2018. Trata-se de um modelo que não apresentou resultados positivos nas localidades onde foi implantado, e parte do princípio da “guerra cultural” contra uma suposta doutrinação ideológica nas escolas. Outro pilar deste modelo é a crença de que a deterioração dos indicadores educacionais estaria ligada à falta de disciplina e violência nas escolas, problemas que seriam combatidos pela contratação de agentes de segurança aposentados para trabalharem nas escolas.

Como quase toda fake news é baseada em meias verdades, a proposta das escolas cívico-militares baseia-se numa tentativa de replicar os Colégios Militares. Os Colégios Militares, de fato, apresentam bons indicadores de rendimento acadêmico, mas por motivos outros: um rigoroso processo seletivo para ingresso, investimentos substanciais em infraestrutura física e humana, além de docentes bem qualificados e remunerados. Em oposição, as escolas cívico-militares não versam sobre ampliação dos investimentos em infraestrutura e valorização dos servidores.

Quais lições podem ser extraídas destes dois fatos políticos? Em primeiro lugar, fica evidente que o modelo de governo de frente ampla baseado na conciliação de classes tem mostrado sinais de esgotamento. Na tentativa de acomodação dos interesses do capital privado (fundações educacionais e grandes corporações de ensino privado) e da classe trabalhadora, o governo vacila em apresentar um projeto de reforma do ensino público nacional. Não há sequer uma proposta de um reformismo, apenas a continuidade das políticas dos últimos governos liberais. A marca do atual governo é sua autolimitação decorrente das políticas de Austeridade Fiscal, em contraste com a ampliação das Parcerias Público-Privadas (PPPs).

Em oposição, a extrema direita possui um projeto claro. Possui um norte, mesmo que seja “acabar com tudo isso daí”. A extrema direita tem conquistado vitórias tanto objetivas quanto subjetivas entre as classes populares. Após décadas de governos do PSDB e do PT, a força de contestação do poder estabelecido e das instituições é a extrema direita. Pois bem, o campo progressista entende a ineficácia das escolas cívico-militares; no entanto, o que o governo oferece em seu lugar?

O que colocar no lugar das escolas cívico-militares, uma vez que a escola do filho do trabalhador continua a mesma ao longo das últimas décadas. Até o momento as iniciativas do governo federal são programas paliativos de transferência de renda, sem a implantação de um grande projeto nacional que possibilite a estados e municípios a construção de novas escolas, qualificação e valorização do corpo docente. É preciso romper com as amarras das políticas neoliberais para a construção de alternativas para a classe trabalhadora. Do contrário, continuaremos a assistir as vitórias da extrema direita.

*Bruno Resck, geógrafo, é professor no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) – Campus avançado Ponte Nova.