Anotações sobre os sucessos e os fracassos do Plano Real

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A Economia Brasileira viveu períodos nebulosos marcados por altos índices inflacionários e desequilíbrio nos preços, gerando graves problemas econômicos, sociais e políticos, contribuindo fortemente para uma degradação nas condições sociais e um incremento considerável na desigualdade e na exclusão social, levando o Brasil a se tornar uma das economias com indicadores sociais mais degradantes da sociedade internacional.

O processo inflacionário sempre esteve atrelado aos altos gastos empreendidos pelo Estado Nacional, gastos estes que geraram fortes desequilíbrios fiscais e financeiros, inicialmente o Estado se notabilizou como o grande promotor do processo de industrialização que, no início dos anos 80, transformou a indústria nacional na mais sofisticada dentre todos os países em desenvolvimento, deixando-nos a poucos passos de um setor industrial mais complexo e dotado de tecnologias mais desenvolvidas.

Todo o processo de desenvolvimento industrial brasileiro foi construído pelo Estado Nacional, nesta empreitada os sucessivos governos foram imprescindíveis no planejamento e na orquestração de todas as variáveis centrais para uma consolidação da indústria, desde a capacitação da mão-de-obra, passando pelo financiamento monetário, os variados subsídios e incentivos governamentais, até a atração de profissionais estrangeiros dotados de bagagem teórica e conhecimentos para a transformação do setor produtivo, transformando nossa economia de bases agroexportadoras em uma economia industrializada, dinâmica e em constante evolução.

A intervenção estatal foi imprescindível para esta construção industrial, como o país não tinha recursos privados suficientes e como as taxas de retorno eram demoradas e, muitas vezes, incertas, os investimentos do Estado foram feitos via emissão monetária, levando a um excesso de moeda em circulação na sociedade e, posteriormente, a um descontrole monetário gerador de inflação e instabilidade nos preços relativos.

A inflação era uma das características do descontrole econômico, fiscal e financeiro do país, que colocava os investidores internacionais sempre em dúvida sobre as incertezas e as instabilidades do país, muitas vezes afugentando novos investimentos produtivos e gerando preocupações na sociedade internacional quanto a solvência do Estado Nacional e sua capacidade de honrar seus compromissos financeiros.

Nesta trajetória de combate a inflação, muitos planos econômicos surgiram, uns mais consistentes tecnicamente enquanto outros se mostraram bastante frágeis e seus resultados foram reduzidos, criando um desafio que mobilizou muitos economistas nas mais diferentes áreas do pensamento econômico, desde liberais e neoliberais até os keynesianos e os estruturalistas, cada um com suas fórmulas, teorias e intensa arrogância.

Os anos 1980 representaram um momento de intensas tentativas e variados planos de estabilização monetária, desde o Plano Cruzado, passando pelo Plano Bresser e pelo Plano Verão, culminando no Plano Collor, todos inconsistentes e com resultados decepcionantes e limitados, transformando o combate a inflação como um desafio nacional.

Depois de décadas de desequilíbrios monetários e de muitos planos econômicos fracassados, em julho de 1994, entrou em funcionamento o Plano Real que, embora tenha apresentado alguns equívocos macroeconômicos, foi fundamental para que a economia brasileira vencesse este grave desajuste nos preços e nesta instabilidade monetária, responsável por um incremento na concentração de renda da sociedade brasileira.

No ambiente externo, é importante destacar, que o Plano Real foi implantado em um momento de grandes crises econômicas na sociedade internacional, entre 1994 e 1998 foram vários os países que passaram por desequilíbrios macroeconômicos e crises externas, desde México, passando pela Rússia, pela Coréia do Sul e pela Argentina, um momento de grandes incertezas e instabilidades.

O Plano Real pode ser descrito como um grande avanço quando comparamos aos seus antecessores, seu “nascimento” foi planejado pela equipe econômica que teve todos os seus passos descritos e informados para a sociedade, uma forma diferente da dos planos anteriores que foram introduzidos sem nenhuma informação prévia, gerando ganhadores e perdedores que, muitas vezes, se mobilizavam para fraudar e denegrir a tentativa de estabilização.

A inflação sempre beneficiou os grupos mais bem organizados da sociedade, aqueles que são capazes de construir instrumentos de defesa e evitando a desvalorização de seus recursos e a defesa de seus rendimentos monetários. Os maiores ganhadores com a inflação são os governos, que emitem moeda e ganham com o poder de senhoriagem e os bancos, que faturam alto com os recursos parados nas contas correntes de seus correntistas, estes recursos são investidos pelas instituições financeiras e seus rendimentos são apropriados em forma de ganhos adicionais, engordando os lucros bancários.

Como os governos são os grandes ganhadores com a inflação, muitos acreditavam que, dificilmente, estes mesmos governos adotariam medidas para acabar com os desequilíbrios monetários. Estas medidas somente foram adotadas, quando estes governos foram pressionados pelos investidores e governos internacionais, que viam esta instabilidade como um limitador de seus investimentos e passaram a exigir políticas de estabilização mais consistentes e um monitoramento das instituições financeiras globais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD).

O programa começou a ser implementado no governo Itamar Franco e foi construído por uma equipe econômica de respeito, formada por economistas do calibre de Edmar Bacha, Pérsio Arida, Gustavo Franco e André Lara Resende, todos supervisionados pelo Ministro da Fazendo Fernando Henrique Cardoso, responsável pela ligação entre as questões técnicas e as questões políticas relacionadas a presidência da República.

Outro ponto importante que vale a pena destacar, é com relação as questões políticas da época, naquele momento existia uma oposição forte que usava todos os expedientes para boicotar o plano e inviabilizar a melhora do ambiente macroeconômico, temendo que neste cenário suas chances de ganhar eleições presidenciais seriam reduzidas imensamente. O grande partido de oposição, no período, era o Partido dos Trabalhadores (PT), cujo potencial de oposição era elogiado, mas sua capacidade de proposição era sempre limitada e concentrada em interesses corporativos e eleitoreiros, este grupo político ganhou as eleições em 2002 e governou até o impeachment da presidente Dilma Rousseff e teve como principais resultados grandes políticas sociais e graves desequilíbrios fiscais e financeiros que levaram o país a flertar com a insolvência.

Antes da entrada em funcionamento da nova moeda, o Real, a equipe econômica costurou a criação de um indexador único para a economia, entra em vigor a Unidade Real de Valor (URV) que, mais do que antecipar seu nome, fez a transição com a moeda anterior, o cruzeiro real. A URV foi considerada pelos teóricos como um prodígio da engenharia econômica que, lançado a três meses antes, permitiu que, aos poucos, a sociedade abandonasse a moeda desvalorizada e migrasse para um indexador estável.

O Plano Real apresentou resultados auspiciosos, reduziu a inflação rapidamente a padrões aceitáveis internacionalmente, atraiu uma grande quantidade de recursos financeiros, viabilizando investimentos produtivos e iniciando uma nova fase para a sociedade, deixando para trás um modelo centrado no Estado desenvolvimentista e iniciando a construção de um novo paradigma, marcado pela redução do papel do Estado na economia, pela abertura econômica, pelas privatizações e por um incremento da concorrência entre os atores econômicos.

Destacamos ainda, algumas medidas que foram descritas, na época, como fundamentais para o plano de estabilização, dentre elas destacamos: quebra de alguns monopólios da Petrobrás, criação de agências reguladoras (ANP, Anatel, ANS, Anvisa, etc,), extinção ou privatização de bancos públicos, vistos como sorvedouro de recursos para os governos estaduais, ajuste no sistema bancário privado que perdeu fontes de recursos com a queda da inflação, renegociações de dívidas e programas de ajustamentos das finanças estaduais dos quais resultaria, alguns anos a frente, a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Neste período foram alienadas muitas empresas vistas anteriormente como grandes ícones da economia brasileira, nesta batalha o governo federal angariou grande inimizade e foi muito criticado por grupos corporativistas, eram verdadeiras joias da coroa, onde destacamos a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, dos bancos estaduais e da Telebrás, dentre outras.

Depois de vinte e cinco anos de Plano Real, muitas foram as conquistas oriundas da estabilização monetária, poucas pessoas duvidariam de que o fim da hiperinflação, que transferia renda para quem dela podia se proteger, teve um impacto social positivo para a sociedade brasileira, seus ganhos iniciais foram imensos e propiciaram uma melhoria na renda de uma parcela considerável da população, que anteriormente viam seus recursos serem dragados pelo chamado imposto inflacionário.

Embora saibamos que neste período a economia brasileira passou por grandes e fundamentais transformações, se analisarmos estrategicamente todas estas mudanças, vamos perceber que, na lógica econômica o país passou por uma verdadeira revolução, muitas foram as alterações econômicas, mas neste ínterim, as mudanças políticas foram muito reduzidas, em muitos casos impercebíveis e pouco significativa para as grandes mudanças econômicas.

Dentre os maiores equívocos do Plano Real, devemos destacar a política de valorização da moeda, o câmbio valorizado aumentou a entrada de produtos importados e aumentou a competição interna, obrigando os agentes econômicos locais a adotar uma postura diferente. Neste período, muitas empresas nacionais foram transferidas a empresários estrangeiros, aumentando a desnacionalização, enquanto outras empresas quebraram em decorrência deste ambiente competitivo e da reestruturação econômica.

O câmbio valorizado estava diretamente atrelado a altas taxas de juros que atraíram grandes somas de recursos para o setor externo da economia, gerando uma verdadeira avalanche de dólares que, como resultado imediato, valorizava em excesso a política cambial, gerando estragos nas contas externas que obrigaram o governo a assinar inúmeros acordos com instituições financeiras globais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em decorrência destas políticas, a indústria nacional sofreu um processo de desindustrialização, com graves consequências no cenário externo, com queda nas exportações e internamente, com um incremento no desemprego e uma piora do emprego regular, em decorrência de uma fragilização maior dos setores exportadores, fortemente afetados pelo câmbio.

A estabilidade monetária trouxe inúmeros benefícios para a população, gerando um aumento de renda e uma melhora no consumo, este incremento se voltou fortemente para a compra de produtos importados, diante disso, as importações cresciam de forma acelerada e consistentes, gerando uma tendência forte de déficits nas contas externas e obrigando o governo a se endividar no mercado internacional de crédito, elevando os desembolsos futuros.

Outro ponto fundamental para que entendamos o Plano Real, foi o crescimento da dívida pública, os indicadores mostram que a queda da inflação e o fim do imposto inflacionário, exigia dos governos uma reestruturação fiscal e uma melhoria nas contas públicas, sem elas, os governos precisavam angariar recursos no mercado de crédito, com incremento nas dívidas públicas.

As demandas são sempre imensas em uma sociedade como a brasileira, o Plano Real foi um grande avanço para a economia, garantindo ganhos generalizados no inicio e alguns desequilíbrios na implantação, o câmbio e os juros altos foram, com toda certeza, dois efeitos colaterais bastante negativos para a economia do país, que contribuíram para uma desindustrialização da economia e uma piora nas contas externas.

Depois de vinte e cinco anos, as condições econômicas atuais são desafiadoras, mas melhores do que nos anos 90, muitas das medidas que deveriam ter sido implementadas não foram e a tão sonhada modernização da economia brasileira não aconteceu, na atualidade muitas destas medidas estão sendo discutidas e, algumas delas, devem ser aprovadas e implementadas, gerando novos ambientes de investimentos e crescimento econômico.

Depois de vinte e cinco anos, o Real se transformou na mais longeva moeda em circulação na sociedade brasileira, superando o cruzeiro, seus ganhos são enormes, a estabilidade monetária deve ser vista como um passo fundamental, mas seus desafios na construção de um país mais justo e desenvolvido não são menores e devem ser encarados imediatamente.

Recuperação da economia só é viável com proteção social, diz Monica de Bolle

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Economista defende estratégias ousadas, com resultados mais imediatos, para retomar crescimento

Monica de Bolle

[RESUMO] Economista defende que retomar o crescimento demandará não apenas medidas de efeito de médio ou longo prazo, como a reforma da Previdência, mas também estratégias criativas e ousadas com resultados mais imediatos, que atendam aos desempregados e vitimados pela desigualdade.

Somos peritos em crises, nossa experiência é vasta. Já passamos por hiperinflações, moratória de dívida externa, crises bancárias, crises cambiais —à exceção da moratória, o resto merece o tratamento no plural, pois as vivemos em diversos momentos, às vezes até simultaneamente. Contudo, mesmo com nossa vasta experiência em matéria de crises econômicas, jamais passamos pelo que testemunhamos hoje, espécie de crise sem crise.

Temos uma crise, pois a economia brasileira não cresce, ou cresce pouco. Não temos uma crise tradicional, pois a armadilha de crescimento baixo não é acompanhada ou mesmo causada por uma crise financeira, como no passado. O freio brasileiro está engatado a muito tempo e não resulta somente da grande recessão de 2015-2016.

Como analisei em meu livro, “Como Matar a Borboleta-Azul: Uma Crônica da Era Dilma” (Intrínseca, 2016), a tragédia do crescimento baixo reflete anos de descaso com os efeitos de contas públicas desarranjadas, de políticas insustentáveis de crédito para aumentar o consumo, do protagonismo indevido do BNDES, responsável por grandes distorções financeiras, da ausência de medidas para aumentar a competitividade do país.

Tais erros na condução da economia começaram no segundo mandato de Lula e continuaram com Dilma. Para resolver o acúmulo de entraves ao crescimento, não bastará a reforma da Previdência. Ela abrirá um importante espaço fiscal no médio prazo, é claro, mas isso é insuficiente. No ritmo atual de crescimento, não conseguiremos reduzir o desemprego e a desigualdade e flertaremos com o risco crescente de uma grave crise social.

Penso que, como ocorre em vários países avançados, o Brasil padece da chamada estagnação secular. O termo foi originalmente concebido em 1938 pelo economista e ex-professor da Universidade Harvard Alvin Hansen, para descrever o que ele acreditava ser o destino da economia norte-americana após a grande recessão dos anos 1930: um freio sustentado do crescimento econômico causado por uma demanda agregada deprimida e tendências demográficas adversas.

Em versão atualizada pelo economista Larry Summers, outro ex-professor de Harvard, a estagnação secular ocorre quando a produtividade para de crescer, a demografia passa a ser um ônus e a demanda agregada perde fôlego de forma sustentada.

No Brasil, a produtividade —seja a que conhecemos por produtividade total dos fatores ou a produtividade dos trabalhadores— está estagnada há décadas. Nossa taxa de crescimento populacional é hoje menor que a dos EUA e a da França, igualando-se à da Bélgica. Todos esses países estão sob risco de contrair a estagnação secular.

O crescimento da população é importante para as tendências de longo prazo das economias, pois garante que, no futuro, haverá gente suficiente para formar a força de trabalho sem a qual os países não crescem, por mais que existam robôs. Os robôs, afinal, não só são confeccionados por alguém, como também são operados por gente.

Por fim, a demanda no Brasil está inequivocamente deprimida. Basta observar o ritmo médio de expansão do consumo nos últimos anos —pouco mais de 1%— e a trajetória periclitante do investimento. A taxa de investimento brasileira fixou-se há tempos em pouco mais de 15%, patamar bem mais baixo do que o observado em nossos pares latino-americanos. A urgente reforma da Previdência não irá alterar esse quadro.

Se o Brasil preenche as condições para a estagnação secular nos quesitos acima, outro critério também é atendido: a taxa de juros real está em nível historicamente baixo e não dá sinais de que irá subir. Hoje, tomando a inflação 12 meses à frente projetada pelo mercado, ela está em cerca de 2,5%.

Diante do quadro econômico decepcionante e da ausência de pressões inflacionárias no horizonte, há quem defenda a redução da Selic pelo Banco Central, o que parece razoável, sobretudo após a aprovação das novas regras da Previdência. Nesse caso, e supondo que a inflação se mantenha ao redor dos 4% projetados pelo mercado, a taxa de juros real poderia ser ainda mais baixa.

Por que é possível projetar uma taxa de juros real permanentemente baixa à frente, sobretudo em comparação com a média de cerca de 3,5% nos últimos dois anos do primeiro mandato de Dilma?

Antes de responder, eis uma digressão: embora a taxa de juros real neste período estivesse em nível baixo comparado ao passado, era claro que tal patamar fora alcançado permitindo que a inflação ficasse, recorrentemente, bem acima da meta de 4,5% e que, por esse e outros motivos, aquele nível do juro real não seria sustentável, como de fato se viu posteriormente. Abordei esse tema em detalhe no meu livro.

Voltando à pergunta sobre os motivos de a taxa de juros real permanecer baixa agora, remeto os leitores aos resultados de artigo que escrevi em 2015 para o Peterson Institute for International Economics, sobre o papel do BNDES e o impacto de seus empréstimos.

Na ocasião, apresentei exercício empírico no qual mostrava que a farra do crédito subsidiado durante o segundo mandato de Lula e o primeiro de Dilma havia distorcido as taxas de empréstimos no mercado de crédito, além de ter exercido pressão considerável sobre os juros reais.

Calculei que, se os empréstimos do BNDES deixassem de ser feitos a taxas subsidiadas e retornassem aos patamares observados no início dos anos 2000, isto é, caindo de uns 4% do PIB para algo em torno de 1% do PIB, a taxa de juros real poderia cair em até 1,3 ponto percentual.

A introdução da TLP (taxa de longo prazo) durante o governo Temer removeu o componente subsidiado dos empréstimos do BNDES. Além disso, os desembolsos do banco foram reduzidos de R$ 190 bilhões em 2013 para R$ 69 bilhões em 2018, ou, precisamente, para 1% do PIB. Nesse mesmo período, a taxa de juros real caiu da média de 3,5% observada em 2013-2014 para 2,5% hoje, em linha com os cálculos que havia feito em 2015.

A taxa de juros real reflete o custo do capital para as empresas. Portanto, uma taxa permanentemente mais baixa proveniente das mudanças na atuação do BNDES deveria incentivar a alta dos investimentos privados. Contudo, não é isso o que se vê. Observa-se precisamente o que ocorreria em situação de estagnação secular: a taxa de juros real menor já não é capaz de estimular a economia.

E o consumo, componente mais importante da demanda privada e motor dos gastos que incentivam as empresas a produzir? Para falar sobre ele, é preciso não só reconhecer a alta taxa de desemprego, mas destrinchar o que vem ocorrendo com a desigualdade.

Em análise recente, o especialista no tema Marcelo Medeiros mostra que a retomada lenta da economia brasileira tem sido profundamente desigual, que a desigualdade de renda voltou a crescer em 2016, após longo período de queda e posterior estabilidade.

De um lado, o aumento da desigualdade não surpreende: resulta diretamente da grande recessão de 2015-2016, ela própria decorrente dos desmandos macroeconômicos que analisei em meu livro sobre a era Dilma. De outro, há sinais de que a alta da desigualdade total esteja em processo de aceleração.

Segundo Medeiros, dados do Imposto de Renda mostram que há migração dos investimentos daqueles que têm renda mais alta para aplicações financeiras. Isso significa que recursos são transferidos das áreas de produção, que naturalmente criam empregos, para títulos públicos e outros ativos financeiros sem impacto direto na geração de vagas.

Portanto, à frente, a desigualdade poderá aumentar mais em razão de altas no desemprego ou da criação de empregos precários, que não dão a segurança devida ao trabalhador para que ele volte a consumir.

Outro fator importante é a mudança metodológica de 2016 na Pnad Contínua, a pesquisa nacional por amostras de domicílios do IBGE. Naquele ano, a pesquisa passou a incorporar rendas que antes não estavam refletidas nos dados de rendimentos do trabalho —a saber, o 13º salário e o pagamento de comissões. Há quem tenha visto aumento na renda do trabalho e o tenha atrelado à recuperação econômica sem se dar conta da alteração na metodologia.

Ainda mais importante é a constatação de que a parte da renda do trabalho que aumenta é proveniente das comissões e do 13º. Esses rendimentos são, evidentemente, frágeis para o consumidor, pois comissões são variáveis e o 13º é sazonal.

Por essas razões, rendas provenientes dessas fontes não têm o mesmo poder de aumentar o consumo como teria a elevação do salário para aqueles com empregos seguros. E a economia brasileira hoje está sem fôlego para criar empregos que deem segurança aos consumidores.

Diante do diagnóstico apresentado, isto é, de que a economia brasileira não tem dinamismo para crescer acima das taxas observadas no médio e longo prazo e de que as tendências de curto prazo contribuem para agravar as tensões sociais, é possível elaborar algumas soluções.

Para devolver o dinamismo econômico ao país, a atual agenda de reformas é correta: precisamos de uma reforma da Previdência, precisamos de uma reforma tributária, precisamos de privatizações. Precisamos, também, abrir a economia brasileira ao comércio e ao investimento externos, o que passa não apenas por medidas de redução de tarifas de importação mas por atuações nas diversas áreas regulatórias em que o Brasil está severamente atrasado em relação a outros países latino-americanos.

A convergência regulatória para equiparar o país às boas práticas internacionais não só abriria espaço para negociar acordos de facilitação de comércio ou de livre-comércio como também reduziria o protecionismo que torna o Brasil um dos países mais isolados do mundo. Transferências tecnológicas por meio da abertura comercial ajudariam a aumentar a produtividade, junto com outras reformas, como a tributária.

A estratégia para tirar o Brasil da estagnação secular passa, portanto, pelas reformas que Paulo Guedes tem defendido e por uma agressiva abertura comercial. É claro que o desenho das reformas deve ser cuidadoso para que elas não tenham consequências indesejáveis, como o esgarçamento da rede de proteção social. Contudo, a estratégia de médio e longo prazo parece clara.

Menos clara e menos debatida é a estratégia de curto prazo para a economia brasileira. A esse respeito, o atual governo não tem plano. Tudo se resume, no curto prazo, à aprovação da reforma da Previdência. Embora a agenda Guedes não se limite a ela, todos os efeitos das reformas propostas estão circunscritos ao médio ou longo prazo.

Eis, portanto, o manifesto: para atender aos milhões de desempregados e de consumidores afogados em incertezas e vitimados pela desigualdade, é preciso desenhar políticas de curto prazo para retirar a demanda do Estado catatônico. Tais políticas não podem se resumir ao recente flerte de Paulo Guedes com a liberação do FGTS —como vimos no governo Temer, essa medida tem fôlego curto e não ameniza a aceleração da desigualdade de renda em curso. É preciso pensar de forma mais criativa e ousada.

Há tempos venho propondo o uso das reservas internacionais brasileiras para dar um alívio à economia. Antes de prosseguir, advirto: a ideia seria usá-las após a aprovação da reforma da Previdência, quando parte da incerteza fiscal de médio prazo terá sido resolvida. Vender reservas é ideia que encontra muitas resistências, pois há quem argumente, não sem razão, que o nosso amplo estoque de US$ 380 bilhões é o que mantém o Brasil distante de crises mais agudas.

No entanto, hoje não temos mais vulnerabilidades externas relevantes. Conseguimos reduzir nosso déficit externo para pouco mais de 1% do PIB, não temos dívida externa em montante relevante e nossa dívida pública está praticamente toda denominada em moeda local. Isso significa que não temos riscos no balanço de pagamentos, o que nos abre um espaço importante.

De acordo com os cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil dispõe hoje de cerca de US$ 140 bilhões de reservas excedentes, isto é, de recursos acima do necessário para lidar com pressões externas. Ou seja, temos uma poupança que não está sendo utilizada. Neste momento de extrema fragilidade interna, deveria ser empregada para reduzir a insegurança econômica que impede o consumidor de consumir e a empresa de investir.

Uma ideia seria usar as reservas excedentes para abater a dívida pública, o que diminuiria os juros pagos pelo governo e o déficit nominal, abrindo espaço para algum aumento de gastos —por exemplo, com programas sociais para enfrentar a aceleração da desigualdade.

Vejam: esse uso das reservas possibilitaria o aumento de gastos, porém de maneira bastante indireta. Precisa-se de cautela para não desestabilizar o mercado de câmbio: a rápida conversão de dólares em reais tenderia a apreciar a moeda brasileira, prejudicando as exportações.

As reservas excedentes poderiam também ser usadas, como alguns economistas já haviam sugerido, para constituir fundo cujo objetivo seria o de financiar investimentos em áreas como infraestrutura. Josué Pellegrini, economista da Instituição Fiscal Independente (IFI), analisou essa possibilidade, além do emprego das reservas excedentes para abater a dívida pública, em nota técnica publicada pela IFI em agosto do ano passado.

Para além das dificuldades apresentadas por Pellegrini, tenho menos simpatia por esse uso das reservas, pois não atenderia às necessidades imediatas das famílias e dos consumidores aqui expostas, além de não ajudar a solucionar o drama do aumento da desigualdade.

A terceira possibilidade, bem mais controvertida e próxima de um flerte com a heterodoxia, seria a transferência das reservas excedentes, ou de parte delas, para o Tesouro Nacional, atendendo às restrições abordadas na nota de Pellegrini. Uma vez em poder do Tesouro, os recursos seriam destinados a aumentar diretamente a capacidade de elevar os gastos com programas sociais para reduzir a desigualdade e a insegurança econômica dos mais atingidos pela lenta recuperação.

Essa ideia difere do uso das reservas para abater dívida, pois os recursos transferidos para o Tesouro não seriam gastos primeiro para esse fim, mas diretamente em programas sociais. Mais uma vez, insisto: tal medida seria feita apenas após a aprovação da reforma da Previdência, sem a qual essa ideia provavelmente seria tiro pela culatra.

O uso direto de parte das reservas excedentes para turbinar programas sociais sem a âncora da mudança na Previdência seria visto por muitos economistas como espécie de populismo econômico, criando turbulência nos preços de ativos e prejudicando a atividade. Contudo, uma vez aprovada a reforma, penso que usos menos ortodoxos, como o sugerido, deveriam ao menos ser contemplados. O país não está em situação de poder se dar ao luxo de nada fazer no curto prazo.

Reafirmo esse ponto relembrando aos leitores as experiências de alguns países que tentaram fazer ajustes em suas economias sem qualquer base de apoio para o curto prazo. Os casos mais recentes não foram em países emergentes como o Brasil, mas em alguns europeus após a crise de 2008. Todos passaram por intensas turbulências políticas e sociais em razão das políticas de arrocho a que foram submetidos, o que possivelmente prolongou a saída da crise que sobre eles se havia abatido.

O caso mais emblemático é o da Grécia, mas Portugal e Espanha também viveram seus próprios infernos particulares, ainda que pudessem desfrutar do apoio financeiro das instituições europeias criadas para resolver a crise, do Banco Central Europeu e do FMI.

Para além desses exemplos, o próprio Brasil já demonstrou para si que a viabilidade das reformas só pode ser garantida com redes de proteção que evitem o caos social. O Plano Real, que completa 25 anos neste mês, e as reformas que o sucederam só foram possíveis porque a abrupta redução inflacionária removeu o ônus que impossibilitava o bom funcionamento da economia e recaía brutalmente sobre as camadas mais vulneráveis da população.

Basta olhar indicadores de pobreza e de desigualdade de renda para constatar que o Plano Real foi um grande equalizador, impedindo que uma situação de caos social e político ainda mais grave.

Volto, portanto, ao parágrafo inicial deste artigo. Por razões diversas, descuidos e desprezos de longa data, o Brasil está hoje preso numa armadilha de crescimento baixo que tende a agravar os problemas políticos, econômicos e sociais. Para sair dessa armadilha, é premente fazer reformas econômicas na linha das propostas pelo governo, ainda que alterações sejam necessárias para evitar danos às redes de proteção social.

Também é preciso ter o foco correto nas áreas de educação —sem um plano para tal não haverá aumento de produtividade—, de treinamento dos trabalhadores —principalmente com as mudanças tecnológicas em curso—, do meio ambiente. O descaso ambiental pode piorar ainda mais os rumos da economia brasileira no longo prazo, como revelam os diversos estudos acerca dos impactos econômicos perversos da negação da realidade.

Ao prevalecer a guerra ideológica nessas áreas, o governo presta um desserviço para si e para o país. Afinal, as reformas econômicas terão impacto diminuído caso se insista em ignorar a importância desses temas ou seguir na contramão do que revelam as evidências científicas. Mas mesmo isso já não basta.

Para que o Brasil tenha alguma chance de recuperar a segurança econômica, os gestores precisam reconhecer a importância de criar uma rede de sustentação no curto prazo. Para isso, será necessário resgatar o espírito criativo e inovador sem o qual estaríamos hoje ainda presos à hiperinflação.

Nossa crise atual é inédita. Esse ineditismo requer que tanto os que gerem a economia quanto os que dela entendem e sobre ela debatem saiam das suas zonas de conforto e parem de rotular à revelia. Há ideias ortodoxas que não funcionam, como as contrações fiscais sem sustentação social. Do mesmo modo, há ideias heterodoxas que resultaram em sucessos espantosos, como o Plano Real.

Fica o manifesto por um debate sem as amarras ideológicas que impedem a criatividade em momento tão crítico.

Monica de Bolle, economista, é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins  University (EUA) e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics.

Os jovens, a juventude e seus medos contemporâneos

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O mundo contemporâneo pode ser descrito como um mundo de contrastes e contradições, marcados por intensas concorrência e competição, nele encontramos riquezas extraordinárias, produtos altamente sofisticados, tecnologias de ponta, viagens espaciais, prazeres acelerados convivendo ao lado de prazeres alucinantes, drogas complexas e misérias existenciais, além de medos generalizados

Nesta sociedade contemporânea que, para muitos é descrita como pós-moderna, outras a descrevem como pós-industrial, nela encontramos medos e desesperanças em decorrência de vivermos em uma sociedade marcada por degradação ambiental, conflitos étnicos e raciais, xenofobismos, violências generalizadas, fragilidade democrática e intensos conflitos comerciais, onde as potências se degradam e os trabalhadores são obrigados a aceitar, sob pena de desemprego, uma condição de subalternidade e degradação de suas condições sociais e econômicas.

Diante destes inúmeros desafios, percebemos um incremento no suicídio de jovens e de idosos, além de um grande desalento dos indivíduos e das comunidades, todos amedrontados com os rumos que caminha a humanidade e as condições de vida num futuro muito próximo, onde filhos e herdeiros se sentem esquecidos por um sistema que cobra uma dedicação irracional, gerando mais instabilidades e inseguranças, motivando violências nas mais variadas áreas e setores.

O suicídio cresce de forma acelerada entre varias faixas etárias da sociedade, levando os profissionais da saúde e os gestores de políticas públicas a falarem de uma verdadeira epidemia, com impactos generalizados sobre a população mundial, este fenômeno assusta e ao mesmo tempo força os grupos sociais a repensarem a forma de vida e de organização da estrutura produtiva global.

Os idosos estão se suicidando porque perderam a capacidade de produzir e de se sentirem úteis nesta nova sociedade, como não mais dispõem de força física numa sociedade utilitarista, se sentem a margem da estrutura social, muitos deles se enxergam como um grande peso para seus familiares, preferindo se suicidar acreditando que, com isso, acabam com o suposto problema.

De um dos lados encontramos jovens perdidos, desanimados e vivendo alienados e como verdadeiros zumbis, nesta nova realidade da juventude global percebe-se um medo generalizado com relação ao futuro, com as mudanças no mundo do trabalho e as novas concepções do emprego, os jovens se encontram amedrontados, o medo de decepcionar os familiares e a sociedade está levando este grupo social a intensos e severos desequilíbrios emocionais e espirituais.

Com o advento das redes sociais, encontramos uma nova geração de jovens e adolescentes que vivem diuturnamente conectados, são indivíduos que perderam a noção das relações reais e se veem constantemente vivendo ou sobrevivendo no mundo digital. Esta geração que vive conectada, conversando via internet, namorando pelas redes sociais, se relaciona via WhatsApp, faz sexo virtual, goza e tem prazer no ambiente digital, se utilizando de aplicativos de paquera e de encontros afetivos, estes indivíduos estão se tornando cada vez mais frios, materialistas e racionais, deixando de lado sentimentos nobres, emoções e equilíbrios espirituais e energéticos.

Muitos trazem fortemente escrito em suas mentes a necessidade de avançar profissionalmente quando comparados aos seus pais e familiares, estes desafios motivavam muitas famílias que viam nesta possibilidade uma forma de estimular seus jovens a uma vida centrada em estudos e reflexões, buscando melhores oportunidades de emprego e trabalho com melhores remunerações, estes estímulos hoje são vistos como verdadeiros calvários por jovens e adolescentes que perderam a motivação desta concorrência salutar, os tempos contemporâneos são auspiciosos, trazem desafios e poucas oportunidades, levando muitos deles a depressão, a ansiedade e, no limite, ao suicídio.

A juventude atual se estrutura em uma sociedade marcada pela fragilização da família, a primeira grande célula social da sociedade, muitos jovens e adolescentes vivem em famílias desequilibradas e desestruturadas, famílias degradadas pelas drogas, pelo tráfico e pela pouca atenção de pais e de familiares, isto sem mencionarmos uma sociedade cuja religião perde força e capacidade de influência, vitimada por desequilíbrios intensos, desde pedofilia, exploração e denúncias de corrupção e desvios de recursos. A fragilização das religiões convencionais enfraquece as referências que antes moldavam os jovens e adolescentes, levando-os a uma visão mais materialista, sem os preceitos religiosos os indivíduos se entregam aos prazeres do mundo contemporâneo, centrados principalmente na adoração do dinheiro e em uma vida caracterizada por um intenso hedonismo.

As bases sociais estão sendo destruídas pelo mundo pós-moderno, a escola e as universidades que sempre foram vistas como centro do conhecimento perderam espaço para as novas mídias sociais e para as tecnologias da informação e do conhecimento, as famílias se encontram num verdadeiro caos, de modelos tradicionais de famílias encontramos na contemporaneidade uma infinidade de modelos diferentes e contraditórios, relacionamentos novos, variados e descritos como modernos estão levando os mais jovens a uma intensa confusão mental, emocional e espiritual, além de medos, dramas e inseguranças, colocando em xeque seus desejos e necessidades mais íntimas.

Destacamos ainda que vivemos em uma sociedade marcada por intensa competição entre as pessoas, as comunidades, as empresas e os Estados Nacionais, gerando uma diminuição exponencial da solidariedade, do respeito e de valores morais mais sólidos, esta sociedade acaba levando os indivíduos a uma busca por lucros e remunerações monetárias crescentes, muitas delas acumuladas através da exploração e da degradação das condições de vida dos indivíduos e das comunidades, além de uma violência e uma exclusão social em ascensão.

Neste mercado contemporâneo, cada indivíduo é visto de acordo com seus valores monetários, sua colocação econômica e financeira define seu status social, seus valores estão sempre atrelado a recursos amoedados, quem os tem percebe portas abertas da sociedade e se encontra com o luxo e com a acumulação de riquezas agora, quem não possui estes recursos são colocados a parte e passam a ser explorados e condenados a uma condição de subalternidade, sempre vitimados por violências e exclusões crescentes.

Deste ambiente marcado por contradições e desequilíbrios crescentes, encontramos jovens e adolescentes morrendo cada vez mais cedo, muitos passam a trabalhar com o tráfico de entorpecentes, são aliciados para o mundo das drogas e atuam de forma equivocada para conseguir os recursos necessários para sobreviver e ostentar uma vida cheia de riquezas, aparências e valores monetários, conquistados as custas de muita dor, pilhagens, desequilíbrios familiares e degradação social. Como em casa ação encontramos uma reação, o futuro destes jovens e adolescentes que enveredam pelo mundo das drogas e dos entorpecentes já está escrito na nossa sociedade, ou serão presos e condenados ou serão mortos pelos comparsas ou em confronto com as polícias.

Neste ambiente de constante competição entre os agentes econômicos e políticos, onde os jovens e adolescentes mais prescindem de pais e familiares, é que encontramos uma presença física cada vez menor de familiares, muitos terceirizando para a escola uma função que deve ser exercida apenas pela família, com isso, sobrecarregam as escolas e seus professores e fazem com que ofereçam serviços de qualidades questionáveis, numa sociedade que demanda das escolas um papel central na construção do capital humano para competir e gerar riquezas para a sociedade contemporânea.

O suicídio cresce de forma acelerada entre os jovens e os adolescentes em várias regiões do globo por uma infinidade de motivos, o estudo não mais garante uma melhor condição futura para o indivíduo, a simples presença em uma universidade ou a detenção de um diploma de curso superior, que anteriormente garantia um trabalho melhor e mais consistente, atualmente não mais garante uma profissão sólida e consistente, em todos os países e regiões do mundo a previdência social vem sendo colocada em xeque, nesta sociedade percebemos que estamos vivendo mais, com mais conhecimento e com melhores condições de vida e com perspectivas futuras saudáveis, graças aos avanços da ciência dos últimos cinquenta anos que grandes ganhos trouxeram para a medicina, para a biologia e várias outras áreas.

Cabe a sociedade contemporânea construir novos capítulos na vida destes jovens e adolescentes, seus medos são, na verdade, um grito generalizado de todos os setores e grupos sociais, um grito que tem suas raízes na alma de cada indivíduo e cada ser vivo, que enxerga um futuro sombrio pela frente, sem investimentos sociais crescentes na construção de novos espaços sociais, dificilmente conseguiremos angariar novos e conscientes cidadãos para os desafios que se erguem na sociedade contemporânea.

A construção de bases sólidas para o futuro demanda uma política integrada entre vários atores sociais e políticos, a sociedade civil deve se organizar e capacitar os jovens para um futuro cheio de desafios imediatos, aos governantes deve se priorizar políticas públicas inclusivas que garantam a todos os indivíduos nesta faixa etária, condições dignas e decentes de sobrevivência autônoma, em uma sociedade centrada no lucro, altamente competitiva e concorrencial, marcada por momentos de selvageria e de irracionalidade.

Sem políticas públicas e um olhar privilegiado para os jovens e para os adolescentes, a sociedade vai continuar fornecendo uma grande massa de marginais para o crime organizado, munindo-os de mão de obra barata e cheia de rancor e de ressentimentos de uma sociedade que sempre os degradou, sempre os humilhou e sempre os maltratou, deixando-os a margem da sociedade, neste ambiente não se pode esperar uma reação serena ou equilibrada, mas uma reação centrada na vingança e no revanchismo.

Cabe a esta sociedade, garantir uma estrutura educacional mais consistente, escolas em tempo integral, recursos monetários e infraestrutura capacitadas, além de um ampla aparato esportivo, com aulas de vários esportes para estimular as múltiplas habilidades dos estudantes, centros esportivos e complexos culturais, com dança, teatro, música e os mais variados elementos culturais, todos voltados para a construção de cidadãos conscientes e capacitados para a constituição de um mundo melhor, mais harmônico e marcado pelo humanismo, pelo amor e pela solidariedade, valores e sentimentos nobres que dão a todas as sociedades desenvolvidas uma maior solidez e solidariedade.

Os desafios contemporâneos são cada vez maiores e mais complexos, a revolta e a revolução armadas devem ser deixadas de lado e esquecidas por completo, em seu lugar devem ser colocados os investimentos nos jovens e nos adolescentes, estes são os agentes do futuro, se falharmos nesta empreitada estaremos condenando nosso futuro a um ambiente de instabilidade e desequilíbrios crescentes mas, se conseguirmos melhorar as condições destes grupos sociais, vamos conseguir colher, num futuro próximo, grandes vitórias que trarão de volta novas esperanças e perspectivas melhores para todos os grupos sociais.

Neste ambiente de degradação crescente, cabe a sociedade definir um outro olhar para os jovens e para os adolescentes, sabendo de sua importância para a sociedade, precisamos definir o que queremos para nosso futuro imediato, se continuarmos deixando este ativo social na condição de degradação e marginalidade, com certeza, estaremos construindo um futuro sombrio e desesperador, marcados por choro e ranger de dentes.

 

Stiglitz: hora de enterrar um sistema fracassado

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Nobel da Economia sugere que basta: em 40 anos, neoliberalismo provou ser incapaz tanto de promover justiça quanto de criar riquezas. Para afastar os riscos de degradação e fascismo, precisamos de uma nova esquerda democrática

Por Joseph Stiglitz | Tradução: Felipe Calabrez

Que tipo de sistema econômico é mais propício ao bem-estar humano? Essa questão definirá nossa época, porque, após 40 anos de neoliberalismo nos Estados Unidos e em outras economias avançadas, sabemos o que não funciona.

O experimento neoliberal — impostos mais baixos para os ricos, desregulamentação dos mercados de trabalho e de produtos, financeirização e globalização — tem sido um fracasso espetacular. O crescimento é menor do que era no quarto de século após a Segunda Guerra Mundial, e a maior parte acumulou-se no topo da escala de renda. Depois de décadas de renda estagnada ou mesmo em queda para aqueles abaixo dos mais ricos, o neoliberalismo deve ser declarado morto e enterrado.

Lutando para sucedê-lo há pelo menos três grandes alternativas políticas: nacionalismo de extrema direita, reformismo de centro-esquerda e esquerda democrática (com a centro-direita representando o fracasso neoliberal). E, no entanto, com exceção da esquerda progressista, essas alternativas permanecem em dívida com alguma forma de ideologia que expirou (ou deveria ter expirado).

A centro-esquerda, por exemplo, representa o neoliberalismo com um “rosto humano”. Seu objetivo é trazer as políticas do ex-presidente dos EUA Bill Clinton e do ex-primeiro ministro britânico Tony Blair para o século XXI, fazendo apenas pequenas revisões dos modos predominantes de financeirização e globalização. Enquanto isso, a direita nacionalista renega a globalização, culpando migrantes e estrangeiros por todos os problemas de hoje. No entanto, como demonstrou a presidência de Donald Trump, não é menos comprometida — pelo menos em sua variante norte-americana — com cortes de impostos para os ricos, desregulamentação e encolhimento ou eliminação de programas sociais.

Em contraste, o terceiro campo defende o que chamo de sistema econômico progressista, que prescreve uma agenda econômica radicalmente diferente, baseada em quatro prioridades. A primeira é restaurar o equilíbrio entre mercados, Estado e sociedade civil. O crescimento econômico, a crescente desigualdade, a instabilidade financeira e a degradação ambiental são problemas nascidos do mercado e, portanto, não podem e não serão superados pelo mercado por si só. Os governos têm o dever de limitar e moldar os mercados por meio de leis ambientais, de saúde, segurança ocupacional e outros tipos de regulamentação. É também tarefa do governo fazer o que o mercado não pode ou não irá fazer – como investir ativamente em pesquisa básica, tecnologia, educação e saúde de seus constituintes.

A segunda prioridade é reconhecer que a “riqueza das nações” é o resultado da investigação científica – aprender sobre o mundo ao nosso redor – e de formas de organização social que permitam que grandes grupos de pessoas trabalhem juntos para o bem comum. Os mercados ainda têm um papel crucial na facilitação da cooperação social, mas só atendem a esse propósito se forem regidos pelo Estado de Direito e submetidos ao crivo democrático. Caso contrário, os indivíduos podem ficar ricos explorando os outros, extraindo riquezas por meio do rentismo, em vez de criar riqueza por meio de genuíno esforço. Muitos dos ricos de hoje tomaram a rota de exploração para chegar onde estão. Eles foram bem servidos pelas políticas de Trump, que encorajaram o rentismo enquanto destruíam as fontes subjacentes de criação de riqueza. O sistema econômico progressista procura fazer exatamente o oposto.

Isso nos leva à terceira prioridade: enfrentar o crescente problema do poder do mercado concentrado. Ao explorar as vantagens da informação, comprando potenciais concorrentes ou criando barreiras à sua entrada, as empresas dominantes acabam se envolvendo numa busca de renda em larga escala, que prejudica todos os demais. O aumento do poder das corporações, combinado com o declínio do poder de barganha dos trabalhadores, explica muito por que a desigualdade é tão alta e o crescimento é tão morno. A menos que o governo assuma um papel mais ativo do que prescreve o neoliberalismo, esses problemas provavelmente se tornarão muito piores, devido aos avanços na robótica e na inteligência artificial.

O quarto item chave na agenda progressiva é cortar a ligação entre poder econômico e influência política. Juntos, ambos reforçam-se mutuamente e se autoperpetuam, especialmente onde os indivíduos e corporações ricas podem gastar sem limite nas eleições. À medida em que países como os EUA se aproximam cada vez mais de um sistema fundamentalmente antidemocrático de “um dólar um voto”, o sistema de freios e contrapesos, tão necessário para a democracia já não é capaz de se sustentar: nada consegue restringir o poder dos ricos. Este não é apenas um problema moral e político: economias com menos desigualdade têm um desempenho melhor. Reformas progressistas, portanto, têm que começar reduzindo a influência do dinheiro na política e reduzindo a desigualdade de riqueza.

Não será possível reverter o dano causado por décadas de neoliberalismo em um passe de mágica. Mas uma agenda abrangente, construída com base nas linhas esboçadas acima pode fazê-lo com certeza. Muito dependerá de os reformadores serem tão enérgicos no combate a problemas (em especial) o poder excessivo de mercado e a desigualdade) quanto o setor privado o é ao criá-los.

Uma agenda abrangente deve enfocar a educação, a pesquisa e outras fontes verdadeiras de riqueza. Deve proteger o meio ambiente e combater as mudanças climáticas com a mesma vigilância que os defensores do Green New Deal, nos EUA, e a Extintion Rebellion no Reino Unido. E deve propor políticas públicas para garantir que a nenhum cidadão seja negado os requisitos básicos de uma vida decente. Isso inclui segurança econômica, acesso ao trabalho e salário digno, assistência médica e moradia adequada, aposentadoria segura e educação de qualidade para seus filhos.

Esta agenda é eminentemente acessível. Na verdade, não podemos nos dar ao luxo de não executá-la. As alternativas oferecidas por nacionalistas e neoliberais assegurariam mais estagnação, desigualdade, degradação ambiental e amargura política, levando potencialmente a resultados que nem sequer queremos imaginar.

O capitalismo progressista não é um oximoro. Pelo contrário, é a alternativa mais viável e vibrante para uma ideologia que claramente falhou. Como tal, representa a melhor chance que temos de escapar do nosso atual mal-estar econômico e político.

No original, Stiglitz usa o conceito “progressive capitalism”, ou “capitalismo progressista”. No entanto, como o leitor notará, as bases de sua proposta são radicalmente distintas daquilo a que se denominou “capitalismo” no Brasil (em especial nas últimas quatro décadas). Por isso – e acima de tudo para preservar a potência política do texto – optamos por substituir a expressão por “sistema econômico progressista”

 

Seguimos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, diz Edgar Morin

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Para um dos maiores filósofos vivos, humanidade deve tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum

Úrsula Passos Folha de São Paulo, 24 de junho de 2019.

SÃO PAULO 

Edgar Morin é um dos mais importantes e relevantes pensadores vivos. Prestes a completar 98 anos, em julho, segue escrevendo e expondo ideias em conferências em universidades e eventos.

O francês de origem judaica é um grande intelectual público, sempre disposto a participar do debate, seja ele sobre o conflito na Palestina, cinema, transgênicos, aquecimento global ou imigração.

Morin deve boa parte de seu sucesso ao pensamento complexo, conceito defendido por ele segundo o qual o conhecimento só é possível pela transdisciplinaridade.

Essa ideia impactou o pensamento sobre educação no mundo todo. Tanto que, em 1999 foi convidado pela Unesco a escrever um livro explicitando as modificações que julga necessárias na educação: “Os Sete Saberes Necessários à Educação no Futuro”, disponível em português.

Morin conversou com a Folha em São Paulo, onde esteve na semana passada para uma conferência sobre prazer estético e arte no Sesc. Ao longo da entrevista, acompanhado por uma caipirinha, sorriu bastante e bateu na mesa em momentos de indignação.

O senhor frequentemente fala da prosa e da poesia na vida, sendo a prosa a sobrevivência, o cotidiano do que somos obrigados a fazer, e a poesia, as relações de afeto, o jogo. O espaço da poesia está diminuindo e a prosa está ganhando? 

Ela não poderá jamais vencer totalmente, mas eu diria que a prosa fez progressos consideráveis com a industrialização não só do trabalho mas da vida, com a burocratização que encerra as pessoas num pequeno espaço especializado, com a técnica, que se serviu tanto dos homens quanto dos materiais.

Mas há uma resistência da poesia na vida privada, nas relações amorosas, de amizade, nos afetos, no prazer do jogo, no futebol, por exemplo. Há momentos de ambiguidade e devemos resistir a esse progresso enorme da prosa, que significa uma degradação da qualidade de vida.

O senhor tem uma conta bastante ativa no Twitter; ela é uma ferramenta de divulgação de seu trabalho? 

É uma forma de me expressar, de expressar ideias que me ocorrem, reações que tenho frente a acontecimentos e de uma forma muito concentrada. É um exercício de estilo, que permite que eu expresse e comunique aos outros o que penso e vejo em diferentes momentos do dia.

O senhor fala de um mundo padronizado, uniformizado. Como ficam o pensamento e a arte? 

Vivemos uma crise do pensamento. Aprendemos em nosso sistema de ensino a conhecer separando as coisas de maneira hermética segundo disciplinas. Os grandes problemas, porém, requerem associar os conhecimentos vindos de disciplinas diversas. Isso não é possível dada a lógica que comanda nosso modo de conhecer e de pensar.

Temos uma crise do pensamento que se manifesta no vazio total do pensamento político, ainda que, há coisa de um século, houvesse pensadores políticos que, mesmo quando se equivocavam, tentavam compreender o mundo, como Karl Marx e Tocqueville.

Meu esforço nas minhas obras é tentar efetivamente esse pensamento. O que estamos vivendo? O que está acontecendo? Para onde estamos indo? Claro que não posso fazer profecias, mas vejo o risco nas possibilidades que se abrem diante de nós.

Qual o maior desafio do ensino? 

Não inserimos no programa temas que podem ajudar os jovens, sobretudo quando virarem adultos, a enfrentar os problemas da vida. Distribuímos o conhecimento, mas não dizemos que ele pode ser uma forma de traduzir a realidade e que podemos cair no erro e na ilusão.

Não ensinamos a compreensão do outro, que é fundamental nos nossos dias, não ensinamos a incerteza, o que é o ser humano, como se nossa identidade humana não fosse de nenhum interesse. As coisas mais importantes a saber não se ensinam.

O senhor disse em uma conferência recente que a democracia ficou rasa e que a consciência democrática está degradada. Esse diagnóstico vale para o mundo todo? Como chegamos a isso?

Chegamos progressivamente, primeiro porque as antigas concepções políticas se deterioraram e chegamos a uma política da urgência e do imediato. E, como sempre digo, ao sacrificar o essencial pelo que é urgente, acaba-se por esquecer a urgência do essencial.

A crise da democracia se deve aos enormes poderes do dinheiro terem levado a casos de corrupção em todo lugar. O vazio do pensamento, somado a essa corrupção, leva a uma perda de confiança na democracia, e isso favoreceu os regimes neoautoritários, como vimos na Turquia, Rússia, Hungria e como vemos agora na crise da democracia no Peru e no Brasil.

A regressão histórica começou muito fortemente com os anos Thatcher e Reagan, que no fim do século passado impuseram a regra do liberalismo econômico absoluto, como se as leis da concorrência pudessem regrar e melhorar todos os problemas sociais, mas isso só favoreceu a especulação e a força do dinheiro, que controla a política.

A crise da democracia é o controle do poder político pelo poder financeiro, que é cego, que vê só os interesses imediatos, não tem consciência do destino da humanidade. A prova é a degradação da biosfera, que é evidente, e que vemos na degradação da Amazônia ou na poluição das cidades, por exemplo, mas que é ignorada em detrimento de um benefício imediato. Assim, damo-nos conta de que vivemos em uma época de cegueira e de sonambulismo. Isso participa na crise da democracia.

Eu vivi —sou muito velho, como sabe— nos anos 1930 e 1940, um período da ascensão da guerra, vínhamos de uma época em que acreditávamos estar em paz, mas numa crise econômica enorme que provocou a chegada de Hitler ao poder por vias democráticas.

Vivemos esse período como sonâmbulos, sem saber que íamos em direção ao desastre. Continuamos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, em condições diferentes. O que é certo é o desastre ecológico, e o desastre dos fanatismos.

A menos que as pessoas tomem consciência da comunidade de destino dos humanos sobre a Terra, as pessoas se fecharão em suas identidades religiosas, étnicas etc. Vivemos um período obscuro da história, a única consolação é que esses períodos obscuros não são eternos.

Vemos hoje uma política das identidades. Como conciliar a democracia, o espírito republicano e as lutas identitárias? 

Uma nação é sempre a unidade de diversidades. Se não se vê a unidade, ela se empobrece e perde sua diversidade, e se só se vê a diversidade, ela perde a unidade. O comunitarismo é uma forma degenerada da diversidade necessária, é uma forma fechada para uma demanda  justa de se manter ligado a suas origens. Infelizmente hoje perdemos a noção de unidade. Quando as comunidades se tornam importantes, elas esquecem a unidade nacional na qual se encontram.

Estamos numa época de interdependência. Concordo que as nações devam seguir soberanas, mas com soberania relativa, e não absoluta. Desde que haja um problema que diga respeito a toda a espécie humana, as nações deveriam subordinar seus interesses ao interesse coletivo.

O senhor já disse algumas vezes que o sul global, como chama, representa um pensamento anti-hegemônico. Ainda é o caso com a globalização?

A globalização é a hegemonia dos valores do norte sobre o sul, é a continuação, por meios econômicos, da colonização, que era política. O sul deve resguardar o que conseguir —como os modos de viver— como resistência à hiperforça da técnica, do lucro, do sucesso, e deve conservar a noção de poesia na vida, essa é a missão do sul.

Como fazer isso em países pobres, de democracias instáveis, países menos expressivos no jogo político global?

Não há uma receita. É preciso resguardar o que há de resistência, valores universalistas, humanistas e planetários, guardá-los enquanto preparamos tempos melhores.

Estamos num movimento perpétuo no qual há um conflito entre as forças de união, de abertura, de democracia, fraternidade, e as forças de luta, de desprezo, de degradação e de morte. Esse conflito, como dizia Freud, entre Eros e Tânatos, é um conflito que existe desde o começo do universo e vai continuar. A questão é saber de que lado se está. Essa é a única questão, o futuro ninguém conhece.

Como pensar modos de combater as fake news?

As fake news não têm nada de novo, sempre houve notícias falsas. Durante uma dezena de anos a União Soviética dava informações falsas sobre o que acontecia com ela, a China de Mao Tse-tung também, o sistema hitlerista escondeu os campos de concentração. As mentiras políticas e as notícias falsas não são novas, são banais, o novo é a internet, a difusão de notícias que podem vir de qualquer lugar.

O problema é que, se quisermos informar o mundo, precisamos de pluralidade de fontes de informação e pluralidade de opiniões. Precisamos de uma imprensa diversa, com opiniões diversas, para que possamos fazer escolhas. Quando a imprensa perde sua diversidade, quando ela é controlada pela força do dinheiro, há uma diminuição do conhecimento e da informação.

O senhor sempre menciona o deus espinosano, que é intrínseco ao mundo, e não exterior a ele. Mesmo com toda a técnica e ciência que temos, as pessoas seguem com suas crenças num deus transcendental…

Todas as sociedades, desde a pré-história, têm uma religião, uma crença na vida após a morte. A religião traz pela reza um sentimento que dá calma. Marx tinha razão ao dizer que a religião é o suspiro da criatura infeliz.

Com a morte do comunismo, houve um retorno das religiões. Temos o retorno dos evangélicos aqui no Brasil, do islamismo. Nos países árabes houve movimentos laicos enormes, mas tudo deu errado. A religião ganha onde a democracia falha, a revolução fracassa, o mundo moderno falha. A religião triunfa no fracasso da modernidade.

Como aceitar a incerteza e lidar com a angústia ou até mesmo o cinismo que advém disso?

Mais do que sucumbir à incerteza, que nos dá angústia e medo, e que nos leva a buscar culpados e bodes expiatórios, é preciso enfrentar a incerteza com coragem, com ideias humanistas de fraternidade. As ciências acharam formas de encontrar certezas em incertezas. Eu digo sempre que a vida é uma navegação num oceano de incertezas passando por arquipélagos de certezas. Assim é a vida, não se pode mascarar a realidade.

Às vésperas de completar 98 anos, o que o estimula a continuar escrevendo e dando conferências?

Há um demônio em mim, uma força no meu interior de intensa curiosidade. Eu conservei uma curiosidade da infância —eu tive um grande choque aos dez anos com a morte da minha mãe, eu envelheci muito, mas também isso me bloqueou na infância com a curiosidade e o amor pelo jogo. A sorte do mundo é cada vez mais incerta, não sabemos aonde vamos, então não podemos não estar preocupados com o futuro da espécie humana sobre a Terra.

Ainda há lugar para utopias?

Há duas utopias. A má e a boa. A má é sonhar com uma sociedade perfeita, totalmente harmonizada; isso não é possível. Mesmo numa sociedade melhor, sempre haverá conflitos. A perfeição não está no universo, não está na humanidade.

A boa utopia é sonhar com coisas impossíveis mas que são, de certa forma, possíveis intelectualmente.
Por exemplo, hoje há muita fome, mas poderíamos alimentar toda a humanidade, basta desenvolver as culturas, a agricultura orgânica. É possível criar uma sociedade nova com a paz sobre a Terra, podemos pensar no fim dos conflitos entre nações; essa é uma boa utopia. Um mundo que não seja totalmente dominado pelo poder econômico e que seja mais fraterno —é preciso ainda ter utopias.

 

 

“O Estado está se transformando em orientador da precarização do trabalho” Entrevista com Ludmilla Costhek Abílio.

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Em meio ao chamado de greve geral e possível aumento das revoltas sociais, o Brasilse acostuma com frequentes rodadas de reformas econômicas que atingem em cheio o mundo do trabalho. Mas, como demonstrou a greve global dos motoristas de Uber em 8 de maio, semana em que a empresa abriu capital na Bolsa de Nova York e atingiu US$ 82 bilhões de valor de mercado, trata-se de tendência mundial. Sobre este processo, conversamos com a socióloga Ludmila Costhek Abílio, pesquisadora da “uberização do trabalho”, em desdobramento a seu estudo sobre as revendedoras da Natura.

“Para sintetizar, uberização é uma nova forma de controle, gerenciamento e organização do trabalho. Resumindo para o lado do trabalhador, significa transformá-lo em nanoempreendedor de si mesmo. Na prática há uma série de formas de controle e gerenciamento sobre o trabalhador. É uma nova forma de organização onde se abolem as relações de emprego e todas as formas de proteção, segurança e garantias que vêm delas. E conta com uma nova formação subjetiva do trabalhador, o ‘gerente de si próprio’. No meio, entra o consumidor, a quem também está terceirizada uma parte do gerenciamento do trabalho”, explicou.

Sobre a greve internacional dos motoristas do aplicativo, Ludmila considera ter demonstrado a vigência da materialidade do trabalho mesmo na economia informacional-digital, e desmente a ideia de que tais novidades nos vínculos entre empregador e empregados trariam uma diminuição da intensidade das jornadas de trabalho.

“A greve se organizou exatamente no dia em que a Uber ia abrir seu capital na bolsa de valores. Veja que falamos em financeirização e a dificuldade de relacioná-la com a exploração do trabalho, mas esta greve mostrou que os trabalhadores estão no centro da acumulação da empresa. Ela não existe sem essa multidão. Se a multidão parar a empresa acaba”.

Além de aprofundar o debate sobre a chamada gig economy, conceito em expansão nos países centrais do capitalismo que não deve obscurecer o vasto histórico de informalidade do trabalho em países como o Brasil, a pesquisadora ressalta como tal tendência é anterior à “economia dos aplicativos”, e faz uma ligação com seu estudo anterior relacionado às revendedoras da Natura.

“200 mil pessoas por ano se dispondo a vender Natura quer dizer o quê? Quando vi os motoboys se uberizarem pelo trabalho em aplicativos, as coisas se conectaram e entendi ser uma tendência que atravessa o mundo do trabalho, com a perda das formas historicamente estabelecidas das ocupações. É quase como se estivéssemos rumando a uma generalização do trabalho-amador”.

A entrevista é de Gabriel Brito, publicada por Correio da Cidadania, 13-06-2019.

Eis a entrevista.

Seu trabalho mais recente é denominado “Uberização do trabalho: novas formas de controle, gerenciamento e organização do trabalho”. Em linhas gerais, o que isso significa?

O termo uberização busca nomear uma tendência do mundo do trabalho muito visibilizada pela atuação desta empresa, que entrou no mercado e em poucos anos formou uma multidão de trabalhadores e usuários. O termo é muito bom porque o Uberrealmente materializa e sintetiza tal tendência, mas devemos ter cuidado, pois o processo não começou com a atuação de tal empresa – e nem mesmo do que chamamos de plataformas digitais.

Temos de entender como um processo de décadas no mundo processo de décadas no mundo do trabalho, relacionado ao neoliberalismo à flexibilização do trabalho,  ao papel desempenhado pelos Estados na desregulação – ou novas formas de regulação – do trabalho… Há ainda os contextos nacionais, de acordo com a estruturação do mercado de trabalho e o lugar que cada sociedade ocupa na divisão internacional do trabalho. Tudo isso está em jogo.

Mas, para sintetizar, uberização é uma nova forma de controle, gerenciamento e organização do trabalho. Resumindo para o lado do trabalhador, significa transformá-lo em nanoempreendedor de si mesmo. Neste sentido, temos de nos livrar do termo empreendedor e pensar mais em termos de autogerenciamento. Ou seja, trata-se de transformar o trabalhador em uma figura autônoma, inteiramente responsável por seus meios de trabalho, custos, como carro e gasolina, além do próprio saber-fazer relacionado à atividade.

Este trabalhador não é contratado, não ocupa vagas limitadas de emprego. A Uber não estabeleceu um limite de 1000 motoristas, por exemplo. Se o trabalhador cumprir requisitos mínimos ele pode ser motorista da empresa. Basta aderi-la. E isso exige o autogerenciamento permanente. Trabalha-se como quer, na hora que se quer, com as estratégias que se quer. Entretanto, permanece-se subordinado.

E é uma subordinação mais difícil de mapear e reconhecer em seu modus operandi. É uma nova forma de organização, na qual a empresa aparece como mediadora da situação. A Uber diz mediar uma relação entre uma oferta de pessoas que querem ser motoristas e a demanda de pessoas que querem se locomover pela cidade pagando menos que no táxi tradicional.

No entanto, na prática há uma série de formas de controle e gerenciamento sobre o trabalhador. Basicamente, é uma nova forma de organização onde se abolem as relações de emprego e todas as formas de proteção, segurança e garantias que vêm delas. E conta com uma nova formação subjetiva do trabalhador, o “gerente de si próprio”, que garante sua sobrevivência em tal relação.

No meio, entra o consumidor, a quem também está terceirizada uma parte do gerenciamento do trabalho: executa-se o controle sobre o trabalho com o número estrelinhas que se dá ao prestador de serviços, ranqueamento, comentários na internet… Aparece como prestação de serviço, mas é uma avaliação do trabalhador. E a empresa detém todas as regras do jogo, sua utilização, distribuição, criação de formas de bonificação, metas… É uma nova forma de gerenciamento, na qual se transfere tal responsabilidade ao trabalhador, que por sua vez se mantém subordinado.

Como recebeu o evento que marcou o último dia 8 de maio, no qual motoristas do aplicativo Uber – e também Lyft, no caso dos EUA – pararam em todo o mundo, numa greve internacional considerada a maior até hoje na “gig economy”?

Recebi com alegria. Há muitos elementos importantes para entendermos tal greve, talvez a primeira de muitas. Foi um movimento inicial que falou até em organização mundial. Claro que está dando seus primeiros passos, mas devemos entender que toda forma de dominação, controle, geração de novas formas de desigualdade, gera consigo novas formas de resistência.

E é muito interessante, pois falamos em novas formas de subordinação, dificuldade de mapeamento das relações entre empregador e empregado, com todo um debate no campo do direito sobre como legislar a respeito e se é possível reconhecer vínculos e responsabilidades da empresa sobre riscos e custos assumidos pelo trabalhador. Está tudo isso em disputa pelo mundo.

“É muito imaterial, é só um aplicativo etc.”, costuma ser dito. Mas quando trabalhadores(as) se reconhecem como multidão de nanoempresários de si próprios, também podem se apropriar deste meio e criar novas formas de organização e resistência. Quando eles se reconhecem e afirmam como multidão há uma potência gigantesca. Imagine se eles quiserem parar as cidades. Eles conseguiriam.

E quando o fazem – a greve é interessante por vários ângulos – fica muito evidente a relação entre capital e trabalho. Desfaz-se a imaterialidade da relação e fica evidente como eles comunicam à empresa que “vocês nos subordinam e exploram. Exigimos condições mínimas de trabalho”. Veja que colocam questões básicas, mínimas, para sua sobrevivência e reprodução social. O movimento de organização desfaz a imaterialidade e evidencia a disputa entre trabalhadores e empresas.

Outro ponto interessante é que a greve se organizou exatamente no dia em que a Uberia abrir seu capital na bolsa de valores. Veja que falamos em financeirização e a dificuldade de relacioná-la com a exploração do trabalho, mas esta greve mostrou que os trabalhadores estão no centro da acumulação da empresa. Ela não existe sem essa multidão. Se a multidão parar a empresa acaba.

Portanto, é muito interessante como ficou evidente a relação capital-trabalho – e a financeirização no meio disso. É uma greve que temos de olhar com muita atenção, pois acho que foi um primeiro movimento de algo que talvez se torne mais comum, com potencial muito grande. E isso se acentua ainda mais por se tratar da esfera da circulação.

Por sinal, como compreender a chamada gig economy, que para alguns supõe uma diminuição na intensidade do trabalho? Você entende assim?

Teremos de tomar cuidado com o uso do termo gig economy, usado como sinônimo de uberização. Isso obscurece um pouco as coisas. Demanda mais pesquisa e apuração, a fim de saber como o conceito é usado e se aplica à realidade brasileira. Tal conceito surgiu nos EUA e Europa pra denominar um fenômeno que para nós não é uma novidade: a economia dos bicos.

O termo gig, em sua origem, se refere ao trabalho feito por músicos na noite, trabalho eventual. Começou a haver um crescimento de tal atividade na economia, a exemplo de iniciativas como AirBNB, Uber, e chegou-se ao termo gig economy para nomear todas as formas de trabalho e atividade – é até difícil definir o que são de fato – e suas pequenas participações nas economias.

Mas apesar de ser uma participação pequena, seu crescimento é acelerado, fenômeno que chama atenção. Quando trazemos o debate ao Brasil de forma irrefletida, começamos a obscurecer a realidade brasileira. Se olhamos o nosso mercado de perto, temos 50% da população com no máximo 1,5 salário mínimo e cuja trajetória de informalidade começou bem antes do Uber, na estruturação do mercado de trabalho do começo do século 20.

A vida dos trabalhadores brasileiros é de trânsito permanente entre tais trabalhos, formais e informais, com bicos etc. Em relação à outra pesquisa que conduzi, é a gestão da sobrevivência, em trânsito permanente. Ao chamar de gig economy, importamos um termo que está sendo usado para descrever o processo de informalização das relações de trabalho no centro do capitalismo. Portanto, temos de tomar cuidado para importar tal categoria, para não apagar nossa própria realidade.

Em termos de intensificação do trabalho, qual a ideia que vem junto da uberização? Mais um passo na direção da flexibilização do trabalho. “O trabalhador tem liberdade, autonomia”, “ele trabalha onde quer e quando ele quer”, “se tiver um emprego e quiser desempenhar mais uma atividade ele pode decidir por isso”… Mas o que vemos é o contrário da diminuição da intensidade do trabalho. Aplicativos podem funcionar como vetor de sentido contrário.

Entrevistei uma motogirl na minha pesquisa: ela trabalha com CLT numa empresa terceirizada durante o dia; à noite entrega pizza como informal não registrada. Ela combina o trabalho no aplicativo com as demais atividades. Informalmente, ela intensifica seu próprio trabalho. E temos de olhar o que a mobiliza: ela aumenta seu rendimento, ela tem interesse nesta situação. Ninguém é burro, o trabalhador está pensando em sua sobrevivência. E assim a pessoa começa a combinar as entregas do aplicativo com o outro trabalho, preenchendo brechas em seu tempo com mais trabalho.

Outro exemplo de exploração/precarização é da Amazon: ela tem uma plataforma chamada Amazon Mechanical Touch, uma das maiores empregadoras de tais plataformas, como se vê na Europa, Ásia e EUA. Há uma legião de trabalhadores que ficam conectados desempenhando tarefas manuais, repetitivas, ofertadas nesta plataforma. Já há estudos sobre formas de adoecimento destes trabalhadores, uma vez que ficam conectados 24 horas, à espera de demandas que podem vir da China, de Londres, de qualquer lado.

Portanto, a ideia de que o trabalhador será livre, que tais meios automatizam o serviço e permitem que se trabalhe menos não se verifica, pelo contrário. É um vetor de perda da medida sobre o que é ou não é tempo de trabalho. E há formas variadas de intensificação do trabalho. Às vezes a intensificação se dá no sentido de que se preenche seu tempo de trabalho com as atividades ou ficando inteiramente disponível ao trabalho, cumprindo demandas pontuais. É uma discussão bem complexa.

No meio disso tudo, como lidar com informações de que a própria Uber não dá lucro, afirmações do próprio dono da Amazon, Jeff Bezos, sobre a necessidade de mudar a forma de operação da empresa, senão será questão de tempo falir? Enfim, com lidar com a impressão de que são empresas muito lucrativas, pois têm custos menores de reprodução da força de trabalho, mas na realidade não aparecem tão lucrativas e viáveis assim?

É uma questão muito séria. Até pessoas do campo marxista, que têm a tese de que o capitalismo chegou ao seu limite na extração de mais-valia, por não ser mais o valor que sustenta a reprodução do sistema, verão aí um exemplo: empresas que exploram ao máximo o trabalhador, com custos de produção próximos de zero, não dão lucro. Como explicar? É o dilema que está posto e inclusive é o próximo passo nas minhas pesquisas.

De saída, como leiga, que ainda não detém conhecimento profundo sobre isso, penso que devemos separar o joio do trigo: não é que a Uber não tem lucro. É que a atuação agressiva com a qual a empresa se impõe, tentando monopolizar o setor e quebrar a concorrência, custa muito caro. Ela tem todo um trabalho de marca. É preciso confiança do público na marca, que precisa se cultivar permanentemente. E aí a multidão de trabalhadores e até consumidores faz um excelente trabalho publicitário não pago. Tem também um gasto enorme com lobbies e negociações com legislações locais. Tudo isso deve entrar na conta. Mas ainda precisamos entender se há mais elementos, afinal, o horizonte declarado da Uber é eliminar a figura do motorista e usar o carro automático.

Por outro lado, devemos também entender que estamos entrando numa nova era da forma de organização e gerenciamento do trabalho e sua relação com o capital, na qual o mapeamento de dados, a vigilância e o controle estão andando juntos com o consumo e têm importância cada vez maior. Assim, há uma produção de dados sobre as cidades, consumidores, sua organização etc. que vale muito. Como será usado futuramente? Essa captação de dados tem muito a ver com a forma como se organizará o uso da inteligência artificial e seu impacto no mundo do trabalho.

São questões que ainda não estão claras e precisamos entender melhor. Onde está o lucro, por que tais empresas não se apresentam como superlucrativas? Eu não iria pelo caminho de que no cerne da história teria acabado a exploração do trabalho. Precisamos destrinchar melhor.

É possível existir uma economia exclusivamente informacional/digital?

Uma coisa que aprendemos bastante com o marxismo é: a questão não é a tecnologia. Esta é política. Não é que a tecnologia se desenvolve neutralmente e pode resultar em certo tipo de organização social. O próprio desenvolvimento tecnológico já é politicamente constituído. São determinados interesses que movem o desenvolvimento para um caminho. Temos a noção arraigada de que a tecnologia se desenvolve por si própria, através da possibilidade de tudo conhecer e criar. Não, pois isso é politicamente determinado. O que importa é sua utilização.

Podemos ter uma sociedade automatizada onde as pessoas vivam com mais tempo livre ou numa sociedade ainda mais desigual, com formas de exploração cada vez mais degradantes. A relação entre desenvolvimento tecnológico e precariedade é importante. Marx já mostrava como o desenvolvimento da máquina a vapor também aprofundou o trabalho nas minas de carvão.

Mas isso não é inevitável. Deve-se à forma pela qual tais sociedades se organizaram. O futuro do trabalho e da sociedade informacional dependerá de como as sociedades, em suas relações de desigualdade e exploração, se organizarão. Podemos tanto imaginar um futuro onde o trabalho seja livre da produtividade em favor da criatividade, da realização do ser humano, ou um futuro que vai aprisionar cada vez mais as pessoas.

tecnologia não paira de forma independente a isto, ela é parte do processo.

Como seu último trabalho dialoga com o Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos, que você publicou em 2014? O que pode ser sintetizado no que tange aos interesses dos trabalhadores?

É interessante, pois não cheguei na uberização por causa dos motoboys que começavam a trabalhar por aplicativo, mas por causa do trabalho destas revendedoras, o que ajuda a escapar um pouco da noção de se dar muita centralidade à tecnologia. Quando comecei minha pesquisa sobre as revendedoras, elas eram 200 mil. Quando terminei a pesquisa, eram 1 milhão.

Eu tinha como questão central saber como se dava a relação de trabalho entre empresas e a multidão de revendedoras. Primeiro porque não parecia trabalho. Segundo porque elas trabalhavam quando e como queriam. E terceiro porque havia uma heterogeneidade gigantesca no perfil social das revendedoras, desde diaristas a esposas de executivos de empresa.

Como uma multidão de informais trabalha para uma empresa só, sem que isso apareça como trabalho, sob vários riscos, custos, dedicando várias horas de suas vidas? Isso precedeu a plataforma digital. Ao vermos de perto, percebemos que as características centrais da flexibilização do trabalho estão muito relacionadas com o trabalho tipicamente feminino, com a indistinção entre o que é tempo de trabalho ou não é, a dúvida sobre classificar o trabalho da esfera doméstica, se este deveria ser mercantilizado, se participaria da reprodução social… Se olharmos bem, é um trabalho de mulheres muito comumente tornado invisível.

Na época da pesquisa, dizia que havia a generalização da adesão a tais formas de trabalho sem a forma-trabalho tradicional, ou seja, sem garantia de nada, totalmente desprotegida, sob autogerenciamento permanente; 200 mil pessoas por ano se dispondo a vender Natura quer dizer o quê? Quando vi os motoboys se uberizarem pelo trabalho em aplicativos, as coisas se conectaram e entendi ser uma tendência que atravessa o mundo do trabalho, com a perda das formas historicamente estabelecidas das ocupações. É quase como se estivéssemos rumando a uma generalização do trabalho-amador.

O que seria isso? Por exemplo: sou professora, estou na universidade, tenho meu crachá, holerite, horários definidos de trabalho, uma série de coisas que me instituem como professora. Mas e se trabalho numa plataforma que me encomenda um material didático sobre política pública para a semana que vem, e cabe a mim pensar se aceito ou não? Ou se dou aula a distância, online? É um deslocamento da minha definição de professora. O mesmo vale para os taxistas e o motorista de uber. O primeiro é profissional, sua ocupação está instituída. O segundo, apesar de também trabalhar, é amador. Isto é, trata-se de uma tendência de perda das formas do trabalho.

As coisas se conectaram. Se eu não tivesse estudado as revendedoras, só enxergaria na uberização uma nova forma de terceirização. Mas nas revendedoras de Natura eu consegui ver elementos em sua atividade que parecem desimportantes, socialmente invisíveis, que se generalizam agora.

Considerando no âmbito brasileiro as reformas liberalizantes, como a da terceirização e a trabalhista, o fim do Ministério do Trabalho e atual proposta de reforma da Previdência, o que devemos esperar de resultados econômicos e distribuição de renda?

É um momento gravíssimo, de ataques explícitos às forças do trabalho. E tais ataques já vêm de alguns anos. O mundo do trabalho está em permanente pressão. Há um cabo de guerra em torno de até onde vão os direitos do trabalho, sua regulação protetora, custos etc. É estruturante no capitalismo.

Nos últimos anos, desde a Reforma Trabalhista, vemos ataques às forças do trabalho, suas formas de organização e proteção historicamente construídas. E é muito refinado, ainda que brutal. A Reforma Trabalhista vai se ramificando por diversos aspectos do mundo do trabalho que constituem proteções ao trabalhador. A mesma lógica se vê na Reforma da Previdência.

E se pensamos que o mundo do trabalho brasileiro já é tão desigual, tão precarizado, com uma força de trabalho de valor tão rebaixado, por que se mobiliza um ataque tão articulado ao que já é precário? Precisamos incluir nos debates a realidade do mercado de trabalho brasileiro. A maioria da população brasileira não vive, mas sobrevive. E sobrevive sem garantias, mesmo o trabalho formal é de alta rotatividade. Ela está transitando pelo mercado, isso quando não combina formas diferentes ao mesmo tempo.

O Estado passa por uma mudança na sua colocação entre o capital e o trabalho. Ele passa a promover a informalização do trabalho. E se tivermos um sistema de capitalização aprovado através da Reforma da Previdência estará praticamente extinta a possibilidade do trabalho formal. O atual presidente declarou claramente que o trabalho informal é o modelo, com aquele discurso de estímulo ao empreendedorismo etc.

De fato, está tudo voltado à eliminação das mínimas garantias que orientam o mundo do trabalho. A Reforma Trabalhista age como se o trabalho informal não existisse no Brasil, como se não fosse necessário regular nada, ao passo que se criam dispositivos como “autônomo exclusivo”, isto é, legalização da Pessoa Jurídica (PJ).

Trabalhador intermitente, o que é isso? Um cara totalmente disponível ao trabalho que apesar de ter uma carteira assinada não tem ideia de quanto ganha por mês, quando tem férias remuneradas. Ele está lá, disponível. Só.

São mudanças pautadas pelo discurso do livre mercado. “Olha, empregador e trabalhador se encontram em condições iguais e negociam livremente”. Estamos formalizando o trabalho informal, com figuras jurídicas que não existiam. Se tudo seguir este caminho, em poucos anos teremos o rebaixamento do valor da força de trabalho, aprofundamento da desigualdade social e eliminação de direitos. Um rolo compressor.

 

Comunicação entre mundos e as manifestações dos espíritos

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A Doutrina dos Espíritos nos trouxe novas e relevantes informações sobre as relações existentes entre os dois planos da vida, mostrando-nos que os mundos material e espiritual conversam entre si de forma rigorosa e intensa, influenciando nossa vida, nossos comportamentos, nossos hábitos e nossos costumes do cotidiano, somos mais influenciados pelos espíritos do que imaginamos, muitas vezes somos por eles conduzidos.

Em O Livro dos Espíritos, 1857, escrito por Allan Kardec, pseudônimo do conhecido pedagogo francês Hippolite Leon Denizard Rivail, onde se discute a temática da Doutrina Espírita e lança as bases para uma nova visão do mundo, nos mostrando a coexistência entre os mundos material e espiritual. Nesta obra, percebemos que sempre fomos influenciados pelo mundo espiritual, pois a morte não existe da forma como imaginamos até então, o que morre verdadeiramente é a matéria, o espírito é imortal e revive em outros corpos, nos mostrando a grandeza de vida. Somos espíritos em processo de evolução constante, passamos pela matéria como forma de crescimento e desenvolvimento, expurgamos nossos equívocos e construímos bases mais sólidas para nossos espíritos.

Nestas revelações, nos foi mostrado que os inúmeros fenômenos de comunicação entre os dois mundos, é algo natural e necessário, funcionando como se fosse um canal de ligação que não deve nunca desaparecer, mas se aperfeiçoar e se desenvolver sempre, antigamente as comunicações eram mais rústicas e grosseiras enquanto na atualidade elas se dão de uma forma mais sutil e delicada.

Relatos antigos nos mostram como se davam as comunicações anteriormente, os movimentos eram bruscos, muitas vezes violentos e agressivos, levando animais a se assustarem, gerando uivos e latidos altos e intensos, levando as pessoas a medos e sustos constantes, acreditando na existência de animais exóticos, como a mula sem cabeça ou o boitatá. Eram manifestações importantes para a coletividade da época porque mostravam a existência de uma nova realidade da vida, muitas vezes desconhecidas pelas pessoas, que mesmo gerando sustos e preocupações levavam as pessoas a buscarem uma religião com explicações para suas aflições, seus medos e suas reflexões.

As religiões da época, na sua grande maioria, desdenhavam destes casos de comunicação entre os dois mundos, destacando que muitos deles eram, em realidade, coisa da imaginação das pessoas e da ignorância dos indivíduos, destacando em outros casos fenômenos e manifestações da chamada coisa ruim, entidades que se nutriam do mal e se compraziam dos desajustes, dos medos e dos desequilíbrios das pessoas e da coletividade.

Nas manifestações antigas, os fenômenos eram motivados por tentativas de comunicação entre os espíritos e as pessoas encarnadas, estes movimentos eram incentivados pelos espíritos superiores para mostrar para a coletividade que a vida não termina com a morte do corpo físico, eram movimentos mais rudes porque os indivíduos da época eram mais rudes e grosseiros, para “assustá-los” eram necessários que os fenômenos fossem mais materializados, secos e assustadores, em decorrência das energias e das vibrações dos encarnados, que eram dominados por energias mais atrasadas e grosseiras.

Estes fenômenos mais densos contribuíram para que muitas pessoas tivessem medo e pavor destas manifestações espirituais, em muitos casos uma verdadeira ojeriza, surgindo histórias variadas de desequilíbrios intensos, desajustes e muita comoção.

Estas manifestações perderam força na sociedade, depois de muitos sustos e comoções, as comunicações foram se aperfeiçoando, os trabalhos mediúnicos modernizaram estas mensagens, gerando novas e confiáveis formas de comunicação, onde alguns espíritos eram estimulados a se comunicar, trazendo seus medos, traumas e constrangimentos, dando a oportunidade sublime do auxílio, da conversação e da compreensão das dores deste irmão em desequilíbrio.

A inexistência de centros espíritas e locais preparados para estas comunicações, levavam as entidades a se manifestar ao ar livre, assustando animais, movimentando caixas e gerando medo das coletividades, para que estas pudessem dar atenção para suas demandas mais íntimas que, na maioria das vezes buscavam entender o que estavam acontecendo com eles, mostrando-nos um grande desconhecimento das leis e das verdades espirituais.

A Doutrina Espírita traz para a sociedade mundial grandes e relevantes informações, inicialmente ao nos descortinar as duras e importantes realidades da vida, ao nos mostrar que somos espíritos que animamos corpos físicos e que a morte é, na verdade, uma oportunidade sublime de retorno ao palco maior da vida, o mundo espiritual ou o mundo dos espíritos.

No momento do retorno ao mundo espiritual, percebemos como ainda somos despreparados para as realidades do espírito, nas manifestações antigas, estes irmãos se encontram assustados e amedrontados, as manifestações mais rudes são formas por eles encontradas de chamar a atenção e de buscar esclarecimentos, afinal, o que foi que lhes aconteceu?

Estes irmãos passam a ser atendidos em reuniões mediúnicas, neste momento eles começam a relatar suas dúvidas e preocupações mais íntimas, seus medos e ignorância, buscando o lenitivo e os esclarecimentos para suas mais intensas preocupações. Seus relatos são comoventes e esclarecedores, mostram-nos que as pessoas, mesmo próximas, não os enxergam mais, não os cumprimentam mais, não os acariciam mais e não o fazem porque estes irmãos não mais possuem o corpo material, desencarnaram e vivem com medos e, na maioria das vezes, em desequilíbrio esperando por um suposto juízo final, onde os justos serão exaltados e os injustos serão condenados ao fogo do inferno.

Nestes momentos temos a oportunidade de conhecer histórias de amor, desamor, ódios e ressentimentos, nestes relatos encontramos sentimentos verdadeiros e espíritos dissimulados e atrasados, ainda muito centrados em interesses materiais e imediatistas, muitos se colocam como vítimas e defendem seus gestos tresloucados e imaturos, acreditando que como não existem novas vidas a felicidade deve ser perseguida de todas as formas, mesmo quando esta felicidade representar a degradação de outros indivíduos.

As reuniões mediúnicas trouxeram um novo horizonte para os desencarnados, abrindo um novo espaço de comunicação, onde os relatos e os esclarecimentos auxiliam na compreensão de que a vida espiritual é o verdadeiro local da existência dos seres humanos, as encarnações são momentos sublimes de crescimento e de desenvolvimento, locais de expurgos e crescimentos, locais de educação e de reeducação dos equívocos anteriores.

Atualmente, percebemos uma redução considerável dos relatos anteriores de manifestações espirituais mais densas e grosseiras, como as ocorridas em sítios e em propriedades rurais. Os movimentos e as comunicações contemporâneas são mais sutis, nelas os espíritos sugestionam os médiuns, colocam-lhes ideias e pensamentos, estimulando leituras e reflexões, vivemos em uma sociedade mais avançada e os movimentos mais rudes e grosseiros perdem espaço e relevância.

Estas manifestações exigem uma preparação prévia, leituras edificantes, adotar a oração como hábito e a reflexão crítica, estas medidas nos auxiliam na construção de um ambiente mais propício para estas influenciações, onde somos motivados pelos espíritos superiores a auxiliar aqueles que sofrem, e são muitos irmãos em desajustes, e passam por momentos de medos, instabilidades emocionais e desequilíbrios psicológicos e espirituais.

As entidades que se manifestam nestas reuniões mediúnicas apresentam características variadas, desde aquelas marcadas por uma bagagem intelectual mais sólida e consistente, até aqueles mais rústicos e despreparados, mas encontramos entre eles uma semelhança capital, ambos os grupos estão distantes das inúmeras chamadas de renovação trazidas pelo mestre Jesus de Nazaré e que, atualmente, se materializaram nas obras da codificação espírita, trazidas para a humanidade pelo teórico francês Allan Kardec.

Encontramos ainda, comunicações de entidades ignorantes da vida física e da vida além túmulo, irmãos que viveram, morreram, renasceram e tornaram a morrer e não se interessaram pela compreensão do que lhes estava acontecendo, vivem sem refletir, erram sem se melhorar e fazem da viagem da vida uma grande jornada sem destino e sem rumos, perdendo tempo e oportunidade importantes para as grandes realidades do mundo.

As comunicações sempre existiram, os homens sempre viveram em comunidade, a relação entre os mundos físico e espiritual sempre existiram e vão continuar existindo, antigamente as religiões nos traziam poucas informações sobre a vida depois da morte, eram muito omissas nestas reflexões, muitas vezes traziam informações inconsistentes e afastavam de suas fileiras todos aqueles que ousavam perguntar e indagar, buscando respostas para suas inquietações mais íntimas e pessoais.

A Doutrina dos Espíritos veio para cobrir esta lacuna, responder esta indagação de muitas pessoas, trazendo-nos informações preciosas, consistentes e consolidadas sobre este tema central para todos os seres humanos, afinal, todos aprendemos desde tenra idade que a morte é certa, a hora é que é incerta. Ao nos trazer estas informações, descortinando conceitos e esclarecendo sobre a vida pós a morte, muitos viram na Doutrina Espírita uma inimiga de seus interesses, levando muitas pessoas a combatê-la enormemente, buscando em sua essência contradições, não encontrando foram buscar nos espíritas, denegrindo pessoas e fazendo com que muitas reputações fossem jogadas na lama.

Nestes mais de 160 anos, muitas críticas foram endereçadas a Doutrina dos Espíritos, algumas verdadeiras e consistentes e outras marcadas por interesses vulgares, neste período esta religião, descrita por seu codificador como além de religião, uma filosofia e uma ciência, ganhou espaço e se consolidou de forma efetiva, nos trazendo uma grande bibliografia, com títulos variados e edificantes que surgem para nos mostrar que a realidade da vida é muito mais simples do que as pessoas imaginam, nada de cálculos complexos e intimidadores, Jesus Cristo nos deu a dica do bem viver a mais de 2 mil anos ao dizer que a verdadeira lei é Amar a Deus sobre todas as formas e ao próximo como a si mesmo.

 

Ovoidização, conscientização e crescimento espiritual

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A sociedade contemporânea passa por momentos de grandes instabilidades, estruturas sociais antigas e consolidadas estão passando por mudanças variadas e os indivíduos se encontram assustados, suas referências também passam por crises, levando os indivíduos a incertezas e medos generalizados.

Neste mundo de grandes inquietações, as pessoas buscam a compreensão das dificuldades e ambicionam encontrar novos caminhos, novos conhecimentos e novas oportunidades, transformando suas vidas e entendendo melhor o funcionamento da sociedade, nestes caminhos muitos indivíduos se esbarram em buscas internas e reflexões pessoais, lembrando o mito da caverna, escrito por Platão, cujas informações são ainda imensamente contemporâneas.

Na obra, Platão descreve os esforços feitos para sair da caverna e visualizar a amplitude do mundo externo, as belezas então jamais vistas e as descobertas que levam os indivíduos ao crescimento material e intelectual. Estas descobertas não foram bem vistas pelas pessoas que preferiram se manter presos a caverna, embora o descobridor trouxesse novidades e relatasse a existência de um mundo novo, os nativos o ignoravam, o agrediam e o humilhavam, chamando-o de lunático e excêntrico, deixando claro que muitos preferem, a grande maioria, se fechar em seus mundos particulares e limitar suas visões a uma intensa mediocridade, cujos males serão sentidos durante muitos anos.

Estas descobertas têm caráter libertador e enriquece o ser humano, mostrando-lhe a existência de uma sociedade muito maior e mais complexa, um mundo que não se limita a questões materiais e imediatas. A doutrina Espírita, conhecida por seus adeptos como a terceira revelação, nos traz informações precisas sobre a sociedade e sobre a vida, o mundo que nos envolve, as dificuldades, levando-nos a refletir sobre questões que nos incomodam e que, muitas vezes, não conseguíamos compreender seus motivos e suas explicações.

Um dos pontos que a doutrina Espírita nos mostra de forma clara e consciente, levando-nos a uma reflexão mais consistente é com relação aos sentimentos negativos que mantemos em nossos corações, energias menores que cultivamos e alimentamos durante muitos anos, décadas e até séculos, estes sentimentos nos geram negatividades, limitam nosso crescimento e nos impelem para desequilíbrios generalizados e, mesmo assim, alimentamos e nos comprazemos de mantê-los intimamente.

Neste momento alimentamos mágoas, rancores e os transformamos em ódios, estas energias no corroem por dentro, limitam nossa capacidade de reflexão e fazem com que alimentemos uma monoideia, que acaba se transformando em auto obsessão e, posteriormente, em sentimentos mais agressivos, podendo transformar nosso períspirito, alterando-o formato.

Como no livro Ícaro redivivo, psicografia de Gilson Teixeira Freire, ditado pelo espírito Adamastor, que destaca a história do brasileiro Santos Dumont, nesta obra percebemos que o inventor do avião se sentia muito magoado e incomodado com o baixo reconhecimento que recebeu na sociedade pelas suas invenções, acreditava-se desprestigiado, escanteado, afinal suas descobertas foram muito importantes para a humanidade, esperava ser referenciado e sempre lembrado como um dos maiores inventores da sociedade mundial, coisa que, segundo ele, não acontecia e gerava em seu coração dores intensas.

Apesar de um papel importante na sociedade, Santos Dumont acreditava que merecia mais, esta ideia se transformou em uma grande obsessão na mente deste inventor que passa a cultivá-la intensamente, transformando este pensamento em uma autoobsessão, com o crescimento deste fenômeno, percebemos um ódio crescente contra a sociedade que não o reconhecia como ele acreditava que merecia, este ressentimento se transformou em ódio que, posteriormente, se tornou tão forte e agressivo, que acabou gerando impactos sobre seu perispírito, levando-o a vivenciar o fenômeno da ovoidização.

A ovoidização deve ser compreendida como um fenômeno que transforma o períspirito do indivíduo, alterando seu formato, levando-o a algo parecido com um ovo, este fenômeno acontece porque a pessoa passa a se deixar dominar por sentimentos de ódio, rancores e ressentimenos numa escala intensa, seus pensamentos e comportamentos se direcionam a uma ideia fixa e constante, com isto, os outros órgãos do períspirito perdem sua efetividade, levando-os a perder sua relevância.

O processo de ovoidização acontece em três ocasiões especiais, segundo Suely Caldas Schubert, no livro Obsessão e desobsessão: 1) O homem selvagem quando retorna após a morte do corpo denso, ao plano espiritual, sente-se atemorizado diante do desconhecido; 2) Desencarnado, em profundo desequilíbrio, aspirando a vingar-se ou portadores de um apego vicioso; 3) Os grandes criminosos, os pervertidos, os trânsfugas do dever, ao desencarnar, ver-se-ão atormentados pela visão repetida e constante dos próprios crimes, vícios e delitos, em alucinações que os tornam dementados.

No caso descrito acima, Santos Dummont se queixava de ter sido esquecido, segundo ele, suas descobertas foram fundamentais para o desenvolvimento da humanidade, com isso, esperava um reconhecimento que não veio em vida, com isso, ao desencarnar acabou cultivando sentimentos de vingança, materializando todo seu orgulho. Como o inventor do avião tinha alguns méritos, a espiritualidade intercede a seu favor, mostrando-lhe que, embora suas contribuições tenham sido fundamentais para a humanidade, ele esquecia que na sociedade e nas pesquisas científicas e tecnológicas, as descobertas são coletivas, embora buscasse o reconhecimento para sua obra, esquecia-se de que, muitos outros contribuíram direta e indiretamente para que aquelas descobertas se materializassem, pessoas que desenvolveram pesquisas e experimentos anteriores, além de mecânicos e engenheiros que foram pioneiros nestes estudos, ou seja, uma ampla quantidade de pessoas que se dedicaram a estas descobertas.

A obra nos mostra que todos somos peças constantes de um grande e complexo ambiente, vivemos juntos e evoluímos em coletividade, quando exaltamos nossos méritos e desqualificamos ou esquecemos os esforços empreendidos por outros indivíduos, deixamos claro nossa vaidade e nosso orgulho que, quando o cultivamos em demasia, acabam nos comprometemos intimamente com impactos negativos para nosso períspirito.

Num mundo baseado em constante competição, onde a cooperação perde força e efetividade, onde os holofotes materiais nos atraem de forma variada, somos constantemente estimulados a buscar os ganhos materiais, os recursos financeiros e os reconhecimentos que acreditamos justos e necessários. Muitas vezes estes méritos não são uma exclusividade nossa, somos uma peça de um grande instrumento da Criação, fazemos uma parte enquanto outros atores fazem outras, sendo o produto final uma obra coletiva.

Muitos médicos e cientistas se atribuem poderes de criação, muitos são aclamados e elevados a categoria de deuses, são excelentes profissionais, capacitados e dotados de grandes conhecimentos, embora possuidores de grande capacidade técnica, ignoram que o mundo espiritual os auxilia muito mais do que imaginam, muitas pesquisas são direcionadas por cientistas de outras esferas espirituais, muitas cirurgias são conduzidas por médicos desencarnados, levando-nos a acreditar que, num futuro muito próximo, os médicos serão dotados de mediunidade e perceberam que muito de seus méritos devem ser divididos com o dos médicos do mundo espiritual.

As relações entre os mundos material e imaterial são muito maiores do que as pessoas acreditam, os espíritos nos influenciam muito mais do que imaginamos, estão constantemente ao nosso lado, influenciam nossos pensamentos e nos inspiram ideias, pensamentos e comportamentos, quando temos uma conduta equilibrada e sadia, estes sentimentos são positivos e edificantes, agora, quando nossos comportamentos e energias deixam a desejar, nossos companheiros espirituais são aqueles ainda renitentes nos sentimentos menores.

Construir intimamente sentimentos melhores e mais conscientes nos ajudam na nossa evolução espiritual e nosso crescimento moral, com isso, atraímos companhias de espíritos mais equilibrados que nos protegem das intempéries da vida, a melhor forma de fazermos esta construção é ter sempre a consciência tranquila, adotarmos o hábito da oração e da reflexão crítica sobre nossos atos e comportamentos e nos melhorarmos como seres humanos, auxiliando os irmãos menos favorecidos, levando a todos sentimentos melhores e palavras edificantes, muitas vezes acreditamos que não temos condição de fazer caridade, associamos caridade com doações materiais e esquecemos que a caridade, em sua grande maioria, pode ser feita com uma oração, uma palavra amiga ou com uma atitude caridosa e desinteressada, o simples ouvir o depoimento de um irmão aflito pode servir como uma forma de caridade, neste simples ato muito males podem ser evitados, ainda mais numa sociedade marcada por intensa produtividade material e baixo equilíbrio espiritual.

O livro Ícaro redivivo nos traz informações relevantes sobre nosso comportamento, adoramos ser cultuados, reconhecidos e agraciados com honras e valores monetários, vivemos numa sociedade em que somos impulsionados a nos mostrar todos os momentos em redes sociais, sempre aparecendo felizes, realizados e bem sucedidos, mesmo que esta imagem não seja verdadeira precisamos cultivar e alimentar esta percepção social.

Como nos mostrou o sociólogo Zygmunt Baumann, valemos aquilo que podemos adquirir, nossos valores monetários estão sobrepondo outros valores muito mais sólidos e importantes, desenvolvemos tecnologias de alta geração, viajamos pelo espaço e mergulhamos em mares revoltos mas, infelizmente, postergamos uma viagem mais íntima e pessoal, uma viagem interior que pode nos gerar grandes decepções, emoções e muitas mágoas mas que é fundamental para que consigamos evoluir e entender que os valores da vida são intangíveis e imateriais, nesta jornada de retorno ao verdadeiro local da vida vamos perceber que muitos nobres, reis e autoridades serão colocadas em posições intermediárias, enquanto pessoas mais simples e humildes no mundo material vão se mostrar em evidência e em destaque no mundo espiritual.

Educação, aumento de produtividade e desenvolvimento econômico

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O Brasil passa por um período de forte degradação econômica, depois de uma queda de mais de 8% no produto interno bruto (PIB), a economia não conseguiu se recuperar e voltar a crescer de forma consistente, o resultado imediato desta situação é um incremento do desemprego, uma redução da renda e do consumo e perspectivas ainda muito frágeis de uma possível volta do crescimento econômico e melhores resultados no futuro.

São inúmeros os fatores que impedem uma volta mais rápida do crescimento econômico, para alguns economistas o pacto criador da Constituição de 1988 não se sustenta mais, fazendo-se necessário ajustes estruturais do modelo, sob pena da economia não resistir e entrar em um verdadeiro colapso, para estes economistas, o Estado brasileiro deve ser reduzido rapidamente e o setor privado deve ser estimulado a concorrer e trazer melhoras para a economia. De outro lado, encontramos economistas que defendem pensamentos diferentes, segundo estes, a economia parou de crescer e se mostrou ineficiente porque os juros pagos pelo governo são escorchantes e reduzem a capacidade de investimento do país, condenando-nos a um baixo crescimento econômico, além disso, nosso sistema tributário é muito regressivo, penaliza os mais pobres e a classe média, como estes setores estão envoltos diretamente nesta desaceleração econômica, estes se veem obrigados a reduzir seus consumos, deixando a economia sem tração para impulsionar o crescimento econômico.

Embora tenhamos muitas teorias para explicar as dificuldades e as limitações do crescimento econômico, a ausência dele está gerando uma taxa de desemprego em níveis elevados e assustadores, deixando mais de 28 milhões de pessoas sem emprego ou subempregados e com grandes dificuldades de cumprir com seus compromissos financeiros, nesta ambiente percebemos um incremento na marginalidade, na pobreza e um aumento considerável na população de moradores de rua, pessoas em situação degradante, sem perspectivas profissionais e com famílias beirando a insolvência e a indignidade.

O crescimento econômico aumenta as perspectivas da população de encontrar novas formas de emprego e de ocupação, abre novas possibilidades de profissionais e contribui para um maior dinamismo social, impulsionando regiões e incluindo pessoas e coletividades que estavam em condições precárias e, em muitos casos, se aproximando da marginalidade.

Para que tenhamos uma melhor condição econômica e encontremos o tão sonhado desenvolvimento econômico, o país precisa investir na qualificação de sua população, melhorar o perfil de seus trabalhadores e garantir condições dignas de sobrevivência, elevando a produtividade do trabalho que, como disse Delfim Neto, o “…desenvolvimento econômico se traduz pelo aumento da produtividade do trabalho”.

Para que consigamos elevar a produtividade do trabalho, faz-se necessário políticas fortes de investimentos maciços em educação, investimentos estes como foram feitos em países como Japão, Coréia do Sul e Israel, países descritos como exemplos de sucessos em dispêndios educacionais, embora saibamos que as condições destes países diferem diametralmente das condições brasileiras, todos estes contaram com grande auxílio financeiro, tecnológico e político dos governos norte-americanos que, por motivos variados investiram e protegeram, e ainda protegem, de forma acintosa estas economias.

Elevar a produtividade do trabalho requer políticas integradas de muitos setores, investimentos em qualificação, melhoras na infraestrutura e dispêndios maciços em pesquisa, ciência e tecnologia, garantindo uma melhor capacitação dos trabalhadores e, com isso, uma maior produtividade do trabalho. Para que tenhamos ideia de nosso atraso, em 1985, o economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, na época professor em Chicago, fez uma pesquisa para levantar a produtividade dos trabalhadores de vários países, dentre eles destacamos três: Brasil, China e Estados Unidos. Nesta pesquisa, se descobriu que a produtividade do trabalhador norte-americano era cinco vezes maior que a produtividade de um trabalhador brasileiro e vinte e cinco vezes maior de que a de um chinês. Em 2015 esta pesquisa foi refeita e os dados mostram poucos avanços da produtividade dos trabalhadores brasileiros, através dela se descobriu que a produtividade do trabalhador norte-americano é quatro vezes maior do que a do brasileiro e a do trabalhador chinês é cinco vezes menor do que a do norte-americano.

A grande novidade desta pesquisa foi o avanço da produtividade do trabalhador chinês e a quase estagnação do trabalhador brasileiro, tudo isto fica bastante claro quando olhamos para os resultados das economias brasileira e chinesa, enquanto o Brasil entrou num período de forte estagnação, a China tomou um caminho diferente, passando de posições intermediárias para se tornar a segunda maior economia do mundo, com grandes perspectivas de se tornar a maior economia do mundo nos próximos dez anos.

O avanço da produtividade da economia brasileira deve ser visto como uma forma de incrementar o desenvolvimento econômico, melhorando as condições sociais e garantindo um fortalecimento da economia, capacitando-a para integrar cadeias produtivas em vários setores, garantindo a produção e a exportação de produtos de valor agregado maior, que se revertem em ganhos financeiros e monetários para toda a população.

Na economia brasileira, temos uma configuração setorial (produtividade entre setores) ruim, no sentido de uma perda de espaço da manufatura e um aumento do espaço do setor de serviços tradicionais. Mas temos ainda, grandes problemas na produtividade dentro dos setores, intra-setorial, no setor da agricultura familiar/subsistência temos 15% da população e na agricultura moderna temos 2% da população, enquanto nos países desenvolvidos ou ricos, esta população está na casa do 2% ou 3% total, com isso, percebemos que nossa produtividade na agricultura é muito baixa quando a comparamos com os países ricos.

Nossa baixa produtividade não se limita ao setor agrícola, nossa indústria também apresenta números degradantes quando a comparamos com os países ricos, o grosso dos produtos que produzimos são de baixa tecnologia enquanto os países ricos apresentam produtos de média e de alta tecnologia.

Outro setor que gera resultados decepcionantes em termos de produtividade do trabalho é o de serviços tradicionais, sendo uma grande quantidade de serviços ultra simples efetuados em favelas e regiões pobres no Brasil afora, cuja mão de obra é pouco qualificada e as atividades geram baixíssimo valor agregado para todo sistema econômico e produtivo. Todos estes dados nos auxiliam na compreensão do porque os salários dos trabalhadores são baixos na economia brasileira, a produtividade do nosso trabalhador ainda apresenta números bastante limitados, com isso, nossos salários são reduzidos quando o comparamos com o de outros países.

Nos setores de commodities apresentamos resultados empolgantes, neste setor somos bons (ocupamos 1% do emprego total) e no setor de serviços modernos também apresentamos bons resultados, mas este último setor ainda é bem pequeno do ponto de vista da geração de emprego, são setores que ainda empregam uma baixa quantidade de mão de obra e trabalhadores altamente qualificados e capacitados.

Para que consigamos competir na Quarta Revolução Industrial, a melhora da qualificação da mão de obra e um investimento em capital humano devem ser vistas como uma política para o futuro, uma forma de aumentar a capacitação do sistema produtivo e garantir a entrada em setores com valor agregado maior. Alguns países conseguiram dar este salto educacional imenso, enquanto muitos gestores perdem seu tempo viajando para países que conseguiram acelerar seu desenvolvimento, deveríamos valorizar experiências locais inovadores e de grande sucesso, como a da cidade de Sobral. Ceará, cujos dados crescem e colocam a cidade nos radares de todos que se interessam pelos avanços dos setores educacionais.

Dentre as políticas que foram implementadas em Sobral, não encontramos nenhuma grande inovação tecnológica, nada de um tablet ou computador por aluno, nada de infraestrutura sofisticada e nenhuma sala de aula sem professor. Na experiência da cidade, destacamos um currículo claro, com fortes investimentos em formação continuada de professores, materiais didáticos de apoio, avaliações unificadas que subsidiam os professores e os coordenadores sobre o aprendizado de cada aluno e, fundamentalmente, uma boa gestão escolar, sem ela os avanços não seriam tão precisos e intensos.

Desta experiência da cidade de Sobral, destacamos a importância de um bom gestor para o desenvolvimento do setor educacional, gestores capacitados e dotados de visão técnica, capacidade de liderança e dedicação exclusiva, com salário atraentes e boas perspectivas de crescimento profissional, devem nortear as escolhas dos atuais e futuros gestores públicos, deixando de lado as contratações de apaniguados políticos e eleitorais, na maioria das vezes medíocres e incapacitados para gerir projeto tão grandioso, que se utiliza do cargo para ascender a posições maiores na cidade ou na região, deixando a educação para segundo plano.

Aumentar a produtividade do trabalhador brasileiro deve ser um projeto integrado, onde vários setores devem contribuir ativamente para capacitar a população, universidades, empresas, governos e organizações da sociedade civil, garantindo condições dignas e decentes para que a verdadeira meritocracia ganhe espaço na sociedade. Exemplos grandiosos como as transformações educacionais ocorridas na China nos últimos trinta anos nos mostram que a educação deve ser vista como um projeto nacional, uma prioridade crescente, transformando a educação não em um projeto de governo, mas de um projeto de Estado.

De todos os exemplos exitosos de países que conseguiram um grande desenvolvimento econômico e melhorias no bem-estar social da população, encontramos um incremento nos investimentos educacionais, todos tiveram em comum a capacidade de elevar a educação ao topo de suas prioridades e atualmente colhem grandes avanços na sociedade.

Outro ponto importante e fundamental para uma melhoria na educação nacional, é compreendermos a relevância e a centralidade do professor e do pesquisador para o desenvolvimento econômico e social, sem eles não adianta outros esforços, continuaremos nos apegando a pensamentos mesquinhos e imediatos e continuaremos a ser lembrados como Brasil: o país do futuro, uma obra de muito sucesso escrita pelo judeu austríaco Stefan Zweig.

Neste projeto de integração, os variados grupos devem assumir suas responsabilidades, as universidades devem se aproximar mais da sociedade e das empresas, pesquisando, publicando e construindo conhecimentos compartilhados com a coletividade. As empresas devem mirar em investimentos de longo prazo, auxiliando os agentes governamentais na gestão das políticas públicas e deixando de lado a limitada dicotomia entre Estado versus Mercado. No mundo contemporâneo, onde a concorrência e a competição ganharam relevância econômica, social e política, os países desenvolvidos conseguiram compreender que a junção das forças é fundamental para garantir novas oportunidades de progresso e de crescimento econômico, devemos aprender com estes países e construir, de forma democrática e inclusiva, um projeto nacional que objetive uma sociedade melhor e uma economia mais competitiva para que num futuro próximo alcancemos o tão almejado desenvolvimento econômico.

Aprendendo com quem transformou a educação no Brasil

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Folha de São Paulo, 07 de junho de 2019.

É necessário pôr fim à narrativa paralisante de que nada funciona no país

Todo ano, lideranças educacionais vão visitar a Finlândia, Singapura ou Xangai. Com a divulgação dos resultados do Pisa, o interesse pelo processo de ensino por trás do excelente desempenho dos jovens de 15 anos dessas economias aumenta o turismo em educação.

Faz sentido se inspirar no sucesso em qualquer área de atividade humana e replicar bons exemplos. No entanto, as diferenças de condições entre comunidades demandam certa contextualização de soluções e os mais céticos acabam atribuindo os resultados positivos à renda mais alta ou à cultura dos países que as abrigam.

Vale sempre a pena olhar com prioridade para o que dá certo no país e sair da narrativa paralisante de que aqui nada funciona. Há experiências educacionais de sucesso espalhadas em estados e municípios e certamente temos muito a aprender com elas.

Foi a partir disso que, ao criar uma rede de líderes educacionais fluminenses, a primeira ideia que ocorreu ao Ceipe, um centro da Fundação Getulio Vargas voltado à melhoria da política educacional no Brasil, foi levá-los ao município do interior do Ceará que conta com o melhor Ideb do país.

Sobral, uma cidade com um nível socioeconômico baixo e uma população de pouco mais de 200 mil habitantes, tem se destacado não só por assegurar aos alunos uma aprendizagem excepcional mas por continuar melhorando ao longo dos anos.

O que esse grupo de secretários e gestores educacionais pôde ver em reuniões, palestras e visitas, ouvindo relatos de técnicos, docentes e diretores de escola, foi um forte alinhamento de todos em torno de um receituário que funciona.

Há um currículo claro, investimento em formação continuada de professores, com bons materiais de apoio, avaliações unificadas que fornecem informações a todos sobre o que cada aluno está aprendendo e boa gestão escolar. O que não viram: salas de aula sem professores, infraestrutura sofisticada ou tablets com cada aluno.

Mas, em conversa com o prefeito de Sobral, ele me adiantou que havia, até bem pouco, duas coisas faltando para que essa educação de qualidade pudesse desenvolver plenamente os jovens e ajudar a resolver outros problemas do município.

Trata-se do ensino de habilidades socioemocionais e da presença de psicólogos em cada escola, para atuar junto a adolescentes com risco de abandono escolar. Foi o investimento mais recente.

Afinal, é necessário contar com um currículo que contemple as competências do século 21, entre as quais a empatia e a autorregulação, e evitar que jovens abandonem a sala de aula e engrossem os exércitos da economia paralela.

Que o estado do Rio possa, de fato, aprender com essa experiência!

Claudia Costin

Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

 

Mágoas, rancores e ressentimentos: as dores da alma

Vivemos em uma sociedade que atravessa um momento de grandes transformações estruturais e inquietações, com impactos generalizados sobre os indivíduos e causando constrangimentos íntimos e emocionais, as famílias estão em crise, as escolas estão em crise, o trabalho está em crise, o ser humano está em crise, a crise é generalizada e afeta todos os indivíduos e todas as regiões do mundo, gerando depressão, ansiedade, estresse, medos e muitos rancores e ressentimentos internos.

As crises são normais na sociedade, todos passamos por momentos de reflexão e questionamentos íntimos, elas servem como instrumentos de crescimento e de desenvolvimento espirituais, mas podem gerar sintomas de rancores e ressentimentos que devem ser combatidos para que estes não se transformem em sentimentos maiores e mais violentos, com impactos no ser humano que podem atravessar outras vidas e experiências pessoais.

A Doutrina Espírita nos mostra que estas crises estão antecipando momentos novos para a sociedade mundial, muitos desajustes e desequilíbrios estão sendo depurados, espíritos que durante muitos anos, décadas ou séculos estavam nas regiões mais abissais dos mundos inferiores estão sendo obrigados a reencarnar, mesmo relutando em retornar estão sendo obrigados a voltar ao mundo material, trazendo mágoas, rancores e ressentimentos em sua alma. Esta reencarnação compulsória é, na verdade, uma ultima chance para muitos irmãos que se acostumaram com sentimentos menores e trazem na alma uma forte predileção para a violência e para a destruição, neste momento estão tendo uma chance imperdível, se não aproveitarem esta oportunidade serão conduzidos a mundos mais atrasados que a Terra, onde suas energias estão mais integradas. A Terra precisa progredir, a mensagem já foi enviada e todos que estão impelindo seu crescimento serão retirados compulsoriamente e levado para outros mundos, mais atrasados moralmente e mais afeitos a seus valores éticos e morais.

Neste momento onde a tecnologia ganha espeço e relevância na sociedade, as pessoas estão se aproximam mais devido ao crescimento das redes sociais, dos aplicativos de mensagens, publicando fotos e imagens pessoais, se expõem buscando uma fama momentânea, sonhando com a possibilidade de se transformar em uma celebridade, ganhar dinheiro, poder e desfrutar de riquezas e de reconhecimento, acreditando que este caminho lhe trará a tão desejada felicidade e os cobiçados momentos de prazer e de alegria, como é retratado nas revistas de moda e de comportamento.

Vivemos em uma busca constante por riquezas e prazeres e nos iludimos depois que as conquistamos, muitas vezes esta conquista retira nossa paz e os nossos melhores sentimentos, nos tornando mais materialistas e interesseiros, acreditando que estas regras são aquelas que nos levarão a felicidade eterna. Vivemos em um engano crescente, acreditamos na felicidade e nos esquecemos de buscar tudo aquilo que nos auxilia nesta busca constante, deixamos os valores da alma e nos assenhoreamos dos valores monetários e como nos disse Jesus Cristo “…não dá para servirmos a Deus e a Mamon”.

Vivemos num mundo de escolhas crescentes, todos os dias somos impulsionados a tomar decisões e fazer escolhas, queremos os prazeres que a vida pode nos dar e, ao mesmo tempo, a consciência tranquila que nossas boas atitudes podem nos conceder, mesmo não percebendo que os caminhos traçados na atualidade vão nos levar a colheitas mais consistentes e verdadeiras, estas colheitas são fruto de nossas escolhas pessoais.

Nesta caminhada nos envolvemos com pessoas diferentes, nos relacionamos com espíritos diferentes, atraímos energias diferentes e, muitas vezes, não conseguimos controlar nossas ansiedades, acumulando sentimentos menores com relação a outros, que podem crescer e criar constrangimentos futuros, se transformando em mágoas, rancores e ressentimentos.

Todos nós temos estes sentimentos em nossos corações, relacionamentos fracassados, amizades desfeitas, conflitos profissionais e desequilíbrios antigos, muitas vezes que remontam a outras encarnações ou até mesmo desta experiência material, que embora não nos lembremos detalhadamente, traz inscrita em nossa mente e estamos sempre evocando em momentos de pouca vigilância.

Estes sentimentos negativos crescem dentro dos indivíduos, se transformam em raiva e em muitos casos levam a agressões e ressentimentos que são levados para outras vidas, diante disso, a Doutrina Espírita nos mostra a importância do perdão e da reconciliação, sabemos que, em muitos casos, este perdão é difícil e demorado, mas para toda grande caminhada temos que dar os primeiros passos.

O Espiritismo nos mostra que o melhor momento de nos reconciliarmos com nossos desafetos é agora, neste exato momento. Muitos acreditam que podem deixar esta conversa um pouco mais para frente, postergam este pedido de desculpas, acreditando que ao se desculpar estão se humilhando e se rebaixando. Ledo engano cometemos, a retratação e o pedido de desculpas sinceros auxiliam em nosso crescimento espiritual, evitando constrangimentos futuros enormes e dores das mais íntimas e pessoais.

Nos trabalhos mediúnicos, muitos são os espíritos que se comunicam com seus corações agredidos e ultrajados, muitos deles marcados por sentimentos de vingança, rancores e ressentimentos generalizados, irmãos que trazem estes sentimentos na alma, cultivando estas mágoas e criando os constrangimentos mais terríveis possíveis. Nesta situação, transformam suas vidas em uma constante perseguição visando destruir seus supostos algozes, adotando posturas agressivas e se comprazem com as quedas e as dores de seus perseguidos.

Esta perseguição constante atrasa seu crescimento e seu desenvolvimento espirituais, postergando momentos de progresso e a atração de sentimentos melhores e mais sólidos, deixando de construir valores morais e sentimentos mais consistentes que auxiliam no seu refazimento. A vingança, o ódio e o rancor são pesos pesados que os espíritos carregam em seu caminhar, são energias que os constrangem e repelem seu progresso e sua melhoria espiritual.

Muitos espíritos desencarnam e trazem para o mundo espiritual sentimentos desagradáveis, rancores e ressentimentos, estes irmãos incautos acabam cultivando durante muitos anos estas energias, deixando de conversar e de expor suas mágoas, remoendo-as com constância e fazendo com que, muitos melindres se transformem em agudos desajustes que se perpetuam no tempo, gerando medos, dúvidas e perseguições intensas.

Em outras situações, encontramos espíritos que se comunicam em sessões mediúnicas bradando rancores e ressentimentos, se dizendo vítimas de algozes agressivos e violentos, muitos destes irmãos se encontram tão perturbados que deixam a reflexão de lado, se colocando como vítimas e transformando sua caminhada em constante instrumento de vingança, se transformando em pessoas amargas e desagradáveis.

Muitos destes irmãos ao serem indagados sobre sua trajetória e os motivos da perseguição, se veem envoltos em grande confusão mental, seus sentimentos são de amor e saudade, sentindo-se traídos em vidas anteriores. Estes irmãos se acreditam vítimas de outros relacionamentos fortuitos, acreditando-se ultrajados em seus mais íntimos sentimentos. Estes companheiros não devem ser vistos como maldosos, cruéis ou violentos, muito pelo contrário, são corações feridos, amores agredidos e relacionamentos interrompidos que, por melindre ou vaidade, se transformaram em perseguidores que, com apenas uma conversa sincera, suas mágoas seriam resolvidas sem o acumulo de sentimentos menores.

Muitos irmãos se comunicam em trabalhos mediúnicos acreditando que foram vítimas de agressões, humilhação e despaupério maiores, colocam-se como vítimas e criticam intensamente seus algozes, descrevendo-os como maldosos e perseguidores, esquecem-se de que neste mundo não existem vítimas, quando nos colocamos nesta posição estamos contando para os outros apenas uma parte da história, na verdade estamos contando a parte que nos interessa, nos esquecendo que todos somos vítimas e algozes, muitos vivem nesta situação durante muitos anos, alguns por séculos e séculos, acumulando e cultivando sentimentos menores que nos conduzem a desequilíbrios frenéticos e acelerados.

Sabemos que, em muitos casos, o perdão se mostra difícil e demorado, em muitos casos para que sentimentos melhores sejam instalados, a espiritualidade maior programa uma nova encarnação, onde estes acabam se aproximando, em muitos casos na mesma família, como forma de dissipar os sentimentos menores e construir relacionamentos mais sólidos e consistentes, como vimos no caso de Segismundo, descrito em detalhes na obra Missionários da Luz, da coleção A vida no mundo espiritual, escrita por Francisco Cândido Xavier e ditada pelo espírito André Luiz.

Na sociedade em que vivemos atualmente, encontramos muitos sentimentos que sufocam os indivíduos, perdemos muitas vezes os referenciais de crescimento espiritual, deixamos de lado os ensinamentos que nos foram trazidos por Jesus Cristo e nos foram renovados com a Doutrina Espírita e nos deixamos conduzir por sentimentos de vingança e violência, esquecendo que tudo que fizermos para nossos semelhantes, sejam boas ou más ações, seremos responsáveis e as colheremos em algum momento de nossas vidas, sejam nesta experiência física ou em alguma outra de nossa evolução espiritual.

Outra situação que constantemente encontramos na sociedade, muitas pessoas veem irmãos caridosos, atenciosos e de bom coração passando por momentos difíceis, perseguições e obsessões, nesta situação bradam contra Deus e indagam porque estes, sendo justos e bons, estão passando por momentos de dificuldades? A Doutrina dos Espíritos nos mostra que estes irmãos são bons hoje, o que é um grande mérito, mas em experiências anteriores não foram tão bons assim, cometeram equívocos, arrebataram sentimentos e destruíram corações, gerando graves constrangimentos e dores naqueles que foram vítimas de suas vaidades.

Sendo bons na atualidade estes irmãos mostram que estão evoluindo, estas dificuldades serão vencidas e estes perseguidores serão orientados e disciplinados, com isso, sua melhora servirá para facilitar sua compreensão e evitar que este irmão cultivasse sentimentos menores com relação ao seu algoz, auxiliando seu progresso espiritual e, ao mesmo tempo, se melhorando como ser humano.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra que a vida continua, a morte que amedronta a maioria das pessoas não existe, com isso, muitos relacionamentos desequilibrados, marcados por mágoas e ressentimentos devem ser reestruturados, estes sentimentos nos aproximam e nos levam a cultivar energias menores e dores intensas que duram muitos anos e séculos, gerando inimizades e agressões mútuas, onde os indivíduos se alternam dos dois lados da vida, cada um acreditando ser a vítima e agindo como um algoz tirano e ressentido.

Algumas pessoas vivem em constantes desequilíbrios, carecem de renovação espiritual, cultivam hábitos depreciativos, absorvem energias degradantes, desejam prazeres agressivos e vivem em constantes desequilíbrios internos, estes irmãos devem ser respeitados, devemos auxiliar da forma que pudermos mas devemos ter em mente que nosso auxílio deve vir acompanhado do esforço deste irmão, sem este esforço íntimo e pessoal, todo gesto que fizermos querendo auxiliá-lo podem gerar desajustes emocionais e nos causar graves constrangimentos posteriores.

Todos somos devedores, em nossas vivências cometemos inúmeros desequilíbrios, cultivamos hábitos e comportamentos inferiores que, constantemente aqueles que afetamos voltam para fragilizar nosso equilíbrio. Quando nos entregamos ao bem, oramos com sentimentos verdadeiros e cultivamos sentimentos saudáveis conseguimos a proteção para nosso progredir mais íntimo, com isso, entendemos as lições e agradecemos as oportunidades de crescimento que nos foram concedidas.

Remover de nossos corações sentimentos menores é fundamental para nosso progresso espiritual, absorver energias equilibradas e cultivar hábitos constantes de oração, leitura edificante e sentimentos melhores nos aproximam do progresso, dos bons espíritos e das boas energias, construindo uma estrutura de amor e solidariedade que nos conforta em momentos de desesperanças e medos e nos auxilia para que consigamos enxergar a luz e compreender as verdadeiras lições que recebemos todos os dias de nossa existência.

Os Estados Nacionais frente ao poder das grandes corporações globais

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A economia internacional vem passando por transformações das mais intensas nas últimas décadas, com elas estamos percebendo um fortalecimento do poder das grandes corporações globais e uma redução considerável da força dos Estados Nacionais, criando conflitos intensos entre os mercados e a democracia, fragilizando os governos e colocando em risco todo o sistema político institucional.

Nos anos recentes, os intelectuais, os jornalistas e os teóricos da ciência política estão levantando dúvidas referentes aos rumos que a democracia vem tomando nas mais variadas regiões do mundo, gerando grandes inquietações, medos e inseguranças na sociedade e levando ao acirramento dos ânimos entre grupos políticos e interesses econômicos, levando muitos setores a refletir sobre o enfraquecimento dos modelos de democracia vigentes.

Nesta crise ou dificuldade da democracia, percebemos que os Estados Nacionais estão perdendo espaço e estão vendo seu poder ser solapado pelo crescimento de outros setores econômicos e outras forças sociais novas e cuja força ainda é pouco compreendida pela sociedade, como as redes sociais que crescem e ganham espaço na sociedade global.

Se antigamente os Estados eram os grandes orquestradores das estratégias globais e das políticas de desenvolvimento, na atualidade as empresas, ou melhor, os grandes conglomerados econômicos estão ganhando espaços e poderes dentro do sistema econômico e produtivo, suplantando os Estados e definindo as regras de consumo, de produção e de acumulação, tornando-se o grande agente da organização social.

No pós-segunda guerra mundial, os Estados Nacionais eram os grandes atores das políticas e da estratégia de desenvolvimento, foram estes que construíram as regras e a institucionalidade, estimularam a expansão das empresas nacionais criando as chamadas multinacionais, foram deles também a estruturação das regras e dos comportamentos dos setores produtivos, organizando os trabalhadores e os sindicatos e disciplinando a atuação das empresas internacionais, criando acordos, parcerias e tratados entre países e regiões.

Este poder perdurou durante muitas décadas, colocando estes Estados em um papel central na coletividade, utilizando das políticas públicas para estimular, desenvolver e organizar as estruturas sociais, flexibilizando políticas econômicas em momentos de crise e expandindo políticas sociais em momentos de desequilíbrios entre os grupos sociais e políticos.

Com a ascensão dos atores privados, estimulados pelos Estados Nacionais, principalmente o norte-americano, as empresas iniciam um processo de expansão constante na economia internacional, levando para as outras regiões do mundo seus produtos, bens e mercadorias, além de disseminar o modelo de produção dominante, a língua, a moeda, as instituições, os gostos e os costumes, criando uma nova hegemonia no cenário internacional.

As primeiras grandes empresas, as chamadas multinacionais, são oriundas dos Estados Unidos, depois começam a surgir empresas da Europa, principalmente Alemanha, logo após surgem as grandes empresas japonesas e colocam as empresas asiáticas no radar, sendo seguidas pelas sul-coreanas e, na atualidade as chinesas e as empresas indianas.

Com a ascensão destas empresas, os Estados Nacionais começam a perder a centralidade, embora os Estados ainda sejam dotados de poderes importantes e seu controle continue sendo motivo de muitos conflitos, podemos destacar que as empresas passam a controlar a sociedade e, muitas vezes, a impor seus interesses e sua agenda sobre estes Estados, o que fragiliza a democracia e cria espaços para dúvidas e incertezas.

A ascensão das empresas multinacionais estimula uma difusão, em escalas globais, de uma cultura fortemente centrada em interesses econômicos e financeiros, estas empresas passam a ditar o comportamento das pessoas, as roupas que serão vestidas, os produtos consumidos, os filmes e os programas de televisão e das mídias em geral e dominam as estruturas sociais, estimulando fortemente o consumo e transformando os produtos em necessidades inadiáveis, impulsionando o consumo e a produção globais.

Entre 1950 e 1980, os Estados Unidos reinam sozinhos nesta economia internacional, impõem sua moeda, seus filmes, seus hábitos de consumo e sua vestimenta, criando um mundo a sua imagem e semelhança, com isso, novos mercados para suas empresas e expansão de suas bases culturais, hegemonizando o inglês e fortalecendo o dólar no cenário mundial.

Neste período, o Estado Nacional teve um papel central, estimulando as economias locais, expandindo crédito, disseminando princípios e investindo em capital humano, com isso, inúmeros países conseguiram se desenvolver e outros deram grandes passos em busca de um desenvolvimento, dentre eles o Brasil, cuja economia no início dos anos 1980 era a mais diversificada dos países emergentes, segundo informação extraída dos relatórios do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Nestes momentos, os Estados subsidiavam os investimentos, abriram portas para as empresas nacionais, concederam empréstimos subsidiados e auxiliaram no desenvolvimento de tecnologias, política esta existente até os dias atuais, com incentivos perpétuos para as pesquisas e treinamento e capacitação para a consolidação de mão de obra para melhorar os produtos e garantir novos mercados e retornos crescentes.

Com a desagregação da União Soviética e a debandada destes países para o capitalismo, as empresas passam a investir nas antigas regiões socialistas, aumentando a produção, construindo novas fábricas nestes locais e aos poucos, transferindo para o exterior as estratégias de produção e investimentos, reduzindo o poder da matriz e impulsionando novos modelos de produção, consolidando o modelo de produção flexível ou cadeias globais de produção, que passa a substituir o até então dominante modelo fordista.

A nova estratégia impacta diretamente sobre estes países, gerando consequências imediatas sobre a população e sobre seus Estados Nacionais, com as empresas se expandindo para novas regiões os empregos passam a ser criados em outros países, deixando um incremento no desemprego e um rastro de fragilização dos trabalhadores, que perdem renda e veem seus recursos sendo diminuídos de forma acelerada, gerando preocupações, medos e incertezas.

Os Estados Nacionais atuaram diretamente no fortalecimento das empresas locais, vendo neste fortalecimento, uma forma de angariar recursos econômicos e trazer estes para suas economias, gerando impostos maiores e uma maior peso político para estes países no cenário internacional, garantindo benefícios indiretos para toda coletividade.

Outro ponto importante que devemos destacar, os Estados desenvolvidos, principalmente, foram muito fortes no estímulo aos setores produtivos, produzindo tecnologias e as transferindo para empresas privadas, estes fatos são amplamente conhecidos e estão registrados em varias obras, onde destacamos O Estado Empreendedor, de Mariana Mazzucato. Nesta obra, a economista italiana destaca inúmeros produtos e tecnologias que foram desenvolvidas por entidades públicas norte-americanas, como a NASA – Agência Espacial Norte-Americana.

O mais interessante nestes investimentos, muito bem relatados no livro acima, é que os Estados Nacionais atuam diretamente na construção de modelos de negócios e no desenvolvimento de produtos, bancando pesquisas caríssimas e pesquisadores renomados e quando estes fazem descobertas interessantes, as empresas privadas entram no negócio, patenteiam os produtos e vendem nos mercados, garantindo retornos crescentes para estes agentes que fizeram poucos investimentos em detrimento dos gastos públicos, ou seja, a grosso modo, socializa-se os prejuízos e os lucros são privatizados, garantido alta lucratividade ao capital privado.

Neste novo ambiente global, a ascensão das grandes empresas acaba impactando diretamente sobre as economias, reduzindo o poder dos Estados Nacionais e criando novos e perigosos constrangimentos para os sistemas democráticos reinante nos países. Como as corporações são mais fortes financeiramente do que muitos Estados Nacionais, estas passam a ditar os rumos das sociedades, controlar a lógica política, elegem representantes e influenciar os atores políticos, estimulando políticas e criando incentivos variados, garantindo o fortalecimento de seu poder econômico e a manutenção de seus privilégios, muitos deles obtidos através de isenções fiscais e tributárias, cujos recursos poderiam ser investimentos em melhoras e benefícios para a sociedade.

O poder econômico está dando a estes conglomerados uma força política até então inexistente, sua força se estrutura em seu peso econômico e seu poderio financeiro, garantindo a seus executivos encontros privilegiados com governantes dos mais variados matizes ideológicos, influenciando na política local e desequilibrando o jogo democrático dentro dos países.

Os donos do poder controlam as estruturas da economia mundial, dominam os grandes conglomerados, comandam as mídias, as farmacêuticas, as empresas de alimentos, as produtoras de carros e de aparelhos eletrônicos, as varejistas e estão presente na vida e na cultura de todos os países e regiões, dominando mentes, influenciando emoções e controlando os corações.

Os Estados Nacionais perderam, com este novo modelo de produção, baseado nas cadeias globais, a capacidade de tributar estes conglomerados, quando tentam impor a estas empresas uma tributação mais austera, estas migram para outros países, os chamados paraísos fiscais, cuja tributação é reduzida e as exigências são bastante limitadas, obrigando os Estados Nacionais a reverem os modelos tributários mais agressivos.

A situação descrita acima está gerando grande deterioração nas democracias, estas empresas estão no centro de muitas irregularidades, desde a compra de parlamentares até o pagamento de propina para autoridades públicas e funcionários governamentais, que usam seu poder para angariar benesses financeiras e privilégios em detrimento da população.

Neste ambiente, percebemos o crescimento das ideias liberais, descritas como mais racionais, estas teorias pregam a inviabilidade das empresas estatais e a posterior privatização, percebemos ainda, que estas empresas e estes empresários que defendem as políticas liberais estão, na maioria das vezes, por trás das empresas e dos conglomerados que sonegam impostos e atuam diretamente para fragilizar estas empresas públicas e, num momento posterior, adquirir estas empresas a preços reduzidos e em condições privilegiadas.

Os grandes conglomerados dominam a economia internacional, controlam os fluxos financeiros e seguem uma política de oligopolização crescente das cadeias globais de produção, recentemente fomos surpreendidos com o anúncio da parceria entre a Volkswagen e a Ford, outra parceria neste mercado que tende, se for efetivado, a criar o maior produtor mundial de carros, juntando FIAT Chrysler (FCA) com o consórcio Renault, Mitsubishi e Nissan, esta é a tendência global, a junção de empresas e o fortalecimento dos grupos em detrimento do poder dos Estados Nacionais que definham rapidamente.

Embora saibamos que toda esta junção de empresas é uma tendência global que afeta todas as economias do mundo, temos que compreender que os Estados Nacionais de países desenvolvidos são menos afetados por esta novidade, pois são mais fortes e consolidados e suas populações estão mais capacitadas para compreender estas mudanças e se preparar para estas políticas, em contrapartida, os Estados Nacionais de países mais frágeis ficam fragilizados e perdem espaço e poder perante estas organizações e veem sua população em condições degradantes e marginalizadas na economia internacional.

Neste cenário, o controle dos grandes conglomerados econômicos e financeiros significa o controle das finanças sobre a política, significando ainda, a predominância do dinheiro sobre a democracia, neste ambiente de incertezas onde as decisões não são mais baseadas em eleições e em discussões políticas nos parlamentos ou nos congressos nacionais, mas em conselhos de administração, onde os lucros são os instrumentos mais importantes e desejáveis no momento das decisões estratégicas, mesmo que estes lucros sejam produzidos sobre a pilhagem e a exploração de pessoas e grupos sociais variados, o que vale é o lucro.

Diante disso, o cenário é nebuloso e as perspectivas são preocupantes, para enfrentar esta situação perigosa, faz-se necessário uma atuação conjunta em prol de uma consolidação da democracia de países como o Brasil, um fortalecimento dos Estados Nacionais e uma política de desenvolvimento que pense o país nos próximos cinquenta anos, deixando de lado as políticas anteriores que se restringiam a pensar a sociedade para o próximo mês ou, no mais tardar, no próximo ano.

Bolsonaro só faz sentido no Twitter, diz Francisco Razzo

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Professor de filosofia afirma que Bolsonaro subverte pilares da ideologia, como prudência e ceticismo

Francisco Razzo

[RESUMO] Conservador, autor defende que grupo que ascendeu com a vitória de Bolsonaro subverte princípios basilares do conservadorismo, como prudência e ceticismo, ao construir imagem do presidente como guardião soberano da vontade do povo e tentar sobrepor ideias reguladoras à experiência concreta dos brasileiros.

Os termos direita e esquerda não são bons para quem pretende pensar a política com seriedade. Há debates muito mais instigantes do que escolher um lado no plano ideológico.

Longe de mim querer determinar o que as pessoas devam pensar a respeito de seus posicionamentos políticos —para ser sincero, eu só gostaria de lembrar que uma das mais difíceis e arriscadas perguntas em política não é saber qual a melhor forma de administrar o Estado a fim de usar seu poder para combater a pobreza, fazer distribuição de renda, garantir saúde, Previdência social, segurança, educação e paz.

Ninguém duvida que todas essas coisas sejam boas e desejáveis em si mesmas. Da mesma maneira, todos concordam, com a exceção de libertários e anarquistas, que o Estado cumpra importante função nisso. Minha dúvida é de outra natureza.

Antes do debate, liberais versus socialistas, das opções entre defender uma economia de mercado ou ser mais intervencionista, das rivalidades ideológicas que nos forçam a tomar partido entre direita ou esquerda, há um problema na base de qualquer debate a respeito dos limites da ação do Estado. A depender de nossa resposta, dividirá a todos em dois grandes e irreconciliáveis grupos: conservadores e progressistas.

Eis a pergunta crucial: a coesão harmônica de uma sociedade, aquilo que nos torna efetivamente membros de uma comunidade moral, é de ordem superior ou nós humanos não passamos de meras entidades materiais tentando sobreviver, cada um à sua maneira, nessa terra sem sentido? Ao estabelecer alguns parâmetros, ficará fácil perceber que não é possível analisar e criticar a onda conservadora no poder se não observarmos que ela oferece uma resposta ao problema.

Concorde ou não com a resposta, apenas assim será possível entender como os atuais conflitos políticos são demarcados, como a escalada aos extremos se desenvolve e que tipo de epidemia é a violência que toma conta da atmosfera cultural.

Para começo de conversa, deixemos bem claro que um conservador defende a primeira opção, enquanto um progressista, a segunda. Para conservadores, o que mantém a sociedade coesa, o que dá sentido, consistência e faz a vida digna de ser vivida não vem de interesses individuais ou coletivos imediatos, nem das relações de trabalho e do dinheiro: não tem origem no sentimento de afeto e nas redes de solidariedade identitárias entre os seres humanos; não são bens materiais, psicológicos ou sociais sujeitos a uma existência vazia e efêmera.

O que assegura o fundamento da sociedade vem de uma ordem outra de valores. Para progressistas, essa conversa não passaria dos efeitos metafóricos do ópio.

Sejam cínicos demagogos ou cidadãos piedosos, o fato é que os atuais conservadores que chegaram ao poder não oferecem uma teoria a respeito da democracia e de como o Estado deva ser administrado —para eles, essa não é a questão mais importante da política. Os atuais conservadores, na verdade, almejam uma transformação dos fundamentos da ordem social moderna mediante a mobilização política do povo.

Paradoxalmente, a onda conservadora passa a ser vista como populista e revolucionária, mas não no sentido em que essas categorias são adotadas pela ciência política liberal-progressista, que qualifica, numa tacada só, todo movimento conservador como manifestação de extremistas reacionários.

Para entender o conservadorismo de um modo geral, e o conservadorismo no poder em particular, é preciso um pouco de caridade hermenêutica e fazer as distinções corretas. Está equivocado quem julga os conservadores como se fossem um bloco único guiado por interesses de uma elite política que só deseja o poder pelo poder, aproveitando-se de uma suposta ingenuidade do povo.

Não, as coisas não funcionam mais assim, menos ainda para o populismo e as radicais transformações em curso. O povo, hoje, também tem orgulho de se dizer conservador.

Na eleição do ano passado, o cidadão votou no primeiro que conseguiu oferecer uma resposta sobre a crise dos fundamentos da ordem social. Os eleitores de Jair Bolsonaro se sentiam traídos por uma elite corrupta que prometeu liberdade, prosperidade e segurança, mas entregou desemprego, dívidas e 60 mil homicídios por ano.

Nesse quadro, desintegrou-se o valor básico que assegurava a relação entre a ordem social e a ordem política. A crise política é, antes, uma crise de confiança. O sentimento generalizado é de que as elites políticas, econômicas e intelectuais são todas corruptas.

Antes de prosseguir, gostaria de distinguir quem é quem nessa onda, porque nem todo conservador quer o Estado se intrometendo na vida das pessoas e da cultura. Em linhas gerais, conservadores são divididos da seguinte maneira: quanto à natureza do fundamento social e com relação à crença na política.

Em relação ao fundamento, há dois tipos de conservadores. Os que defendem uma ordem de valores superior transcendente, isto é, algo mais metafísico e ligado a um sentimento religioso, e os que sugerem que esta ordem se consolida pelos aspectos históricos da experiência humana, sem apelo ao transcendente.

Nesse caso, os primeiros acreditam que Deus garante os fundamentos últimos da justa e boa vida social. O segundo tipo, por outro lado, pensa a sociedade a partir dos vínculos simbólicos de uma tradição que se manifesta na cultura — a religião seria um aspecto importante, mas não decisivo.

Com relação à crença política, há conservadores para quem o Estado é a principal entidade capaz de manter a harmonia social. Eu discordo. Por isso faço parte do grupo daqueles mais céticos: os que negam essa finalidade ao Estado e à política.

Os primeiros pensam a sociedade a partir de uma relação mais profunda entre Estado e nação, quase uma relação de identidade. Vou chamá-los de conservadores otimistas. Por sua vez, os mais céticos depositam suas crenças na experiência cultural.

Para nós, o importante é estabelecer limites bem definidos ao poder político, coisa que só a esfera moral e cultural pode fazer. Somos pessimistas quanto à política, já que o poder sempre corrompe.

Os conservadores que chegaram ao poder com Bolsonaro acreditam, ou fingem acreditar, na ordem superior transcendente e no Estado. São fiéis à causa política e religiosa. Acham que a força do destino deu a eles o poder soberano de guardiões da vontade do povo. Trata-se de uma crença poderosa, que dispensa as mediações de sociedade civil, cultura, religião e política.

Em teoria, para esses conservadores o político no poder cumpre um destino glorioso, representa a grandeza da nação e, mais que isso, a vontade divina. A identidade entre povo, nação e Estado consistiria na única força capaz de garantir que uma sociedade não se degenere.

Ao contrário do pacto social da moderna teoria contratualista — noção abstrata de um suposto ato voluntário que tira o homem do estado de natureza e garante a sua entrada na sociedade civil—, na expectativa de um conservador a sociedade é a comunhão contínua entre pessoas reunidas numa unidade orgânica: o povo. Não é uma abstração filosófica, mas uma paixão que deseja preservar valores que mereçam ser preservados.

O que resulta num sentimento profundo e perigoso de responsabilidade que autoriza rechaçar tudo aquilo que coloca esses valores em risco. Nesse ponto chave, o conservadorismo otimista pretende reabilitar a relação substancial entre ordem metafísica, ordem moral e ordem política, que foi quebrada pelos liberais e materialistas modernos —tanto individualistas quanto coletivistas—, esvaziada pelos progressistas e deformada por racionalistas.

Por esse prisma, o inverso desse tipo de conservadorismo otimista não admite que uma realidade transcendente possa ser determinada por critérios políticos. No máximo, essa experiência deve ficar reservada ao âmbito da vida cultural.

Sim, estamos nos limites da religião; e em geral as elites progressistas, tanto liberais quanto socialistas, cometem os mesmos erros ao tratarem todos os religiosos como ingênuos e ameaças à ordem pública. O problema não é a religião se manifestar na ordem pública, mas sim assumir a estrutura da realidade política. Os devotos políticos são perigosos.

Esse é o ponto crucial que estabelece uma diferença irreconciliável entre conservadores otimistas e pessimistas. Para estes últimos, jamais deveríamos acreditar que o ser humano possa alcançar, mediante seus próprios esforços, uma vida perfeita. A redenção vem do “alto”, não da vontade do povo representada pelo presidente da República.

Há uma concepção muito singular no conservadorismo pessimista: nossa condição humana será sempre propensa a falhas graves. Numa palavra: somos imperfeitos e insuficientes, e não podemos transformar nossa natureza. Uma resposta um tanto melancólica, eu confesso, para o fato de saber que se é mortal e aspirar, ainda assim, à imortalidade.

Esse seria o lado “trágico” do conservadorismo, que pode se subverter em nacionalismos perigosos devido à incapacidade de políticos — seres humanos propensos a erros— lidarem com o caráter trágico da experiência humana.

A propensão a criar desordem e descambar para violência só é compensada pela capacidade de criar obras de arte magníficas, de realizar grandes descobertas científicas e ainda, eu espero, buscar os pequenos gestos de gratidão, bondade, altruísmo e caridade.

Os conservadores jamais poderiam aceitar qualquer tipo de pretensão em forjar um novo homem, um novo país, uma nova nação, sobretudo via política. A consequência lógica dessa premissa é que a perfeição da sociedade não passa de fantasia. Podemos buscá-la, mas não realiza-la. Pelo menos não nessa terra devastada por egoísmo, ódio e desejo de poder.

Em termos de promessas políticas, a única virtude que deveria orientar a vida de um conservador é o ceticismo. O termo pode ser substituído por um mais ligado à vida moral e política: prudência.

O que é ceticismo ou prudência? Ser cético ou prudente, neste contexto, tem a ver com a disposição da inteligência prática. Um jeito de pensar antes agir, frear as paixões e fazer de tudo para não meter os pés pelas mãos.

Em outros termos: a disposição cética nos fornece senso de proporção e reconhecimento de que a natureza nos predispôs para realização de coisas boas e coisas não boas: as coisas boas são difíceis de conquistar e fáceis de perder; as não boas, fáceis de conquistar e difíceis de esquecer. Tentar escapar dessa tensão presente em nossa vida é enganar a si mesmo e naufragar em expectativas absurdas.

Com isso quero dizer que o ceticismo é humilde ao reconhecer o tremendo esforço necessário para vencermos certas inclinações potencialmente desastrosas. Isso não elimina o acaso e o erro, mas nos torna mais amadurecidos e virtuosos. Trata-se, portanto, de uma formação moral mediante a consolidação de uma segunda natureza em nós, conhecida como hábito, que se adquire por meio de um longo condicionamento dos apetites e um árduo processo de interiorização de valores.

Trata-se de um bem tão público quanto privado, que parte do postulado de que o ser humano está propenso a cometer erros terríveis e nunca alcançar um estado de perfeição e plenitude.

A prática política conservadora dos últimos meses subverteu a virtude da prudência. Primeiro por não ser capaz de reconhecer a mais difícil de todas exigências impostas a alguém que pretenda um governo conservador para o Brasil: afinal, o que significa ser brasileiro? Qual ordem superior permanente dá coesão a nossa comunidade moral brasileira?

Não é óbvio e não adianta importar teorias estrangeiras, pois um dos postulados básicos do conservadorismo, como vimos, exige o respeito às próprias tradições culturais.

Aqui considero um dos maiores riscos do atual conservadorismo no poder: criar ideias reguladoras transcendentes de nação, povo e destino e sobrepor essas ideias à experiência concreta dos brasileiros. O que seria o “Brasil acima de todos”, senão o próprio esvaziamento da nossa experiência pessoal como brasileiros?  Enquanto país, o Brasil não passa por uma crise política, mas de identidade —e o maior de todos os erros é achar que a solução passa por conferir mais poder ao Estado.

Na específica forma mental dos conservadores no poder, a “ordem superior permanente” se tornou uma mistura poderosa para quem se sentiu traído pelas elites progressistas e agora redescobriu que o povo brasileiro também representa os verdadeiros valores da civilização ocidental —que, aliás, estaria prestes a ruir por causa de ideologias perniciosas que corroeram as suas bases por dentro.

O sentimento de que a família, a escola, a universidade, a imprensa, o Congresso, o tribunal e a Igreja estão sendo destruídos e degenerados vem daí. Todas as instituições sociais e políticas foram corrompidas por “ideologias Inimigas” (curiosamente, todas são ocidentais).

Gostaria de mencionar apenas dois exemplos de como essa jornada espiritual pelos valores da civilização autoriza os novos conservadores no poder a combaterem seus inimigos: o ataque a professores de esquerda nas universidades e o ataque à imprensa. Ambos, aliás, alimentados pelo mesmo clima de linchamento nas redes sociais, que reflete bem a alma desses conservadores.

Com a desculpa de que a universidade é neutra e não lugar de militância partidária, o governo Bolsonaro tem empreendido um verdadeiro clima de perseguição. Afirma-se que as universidades, sobretudo de humanidades, são verdadeiras usinas de esquerdistas.

Ora, ainda que a maioria dos professores seja realmente de esquerda, não cabe ao governo determinar como deve se comportar, pensar e refletir em sala de aula. Isso não é um problema do Estado. No entanto, não foi André Mendonça, advogado-geral da União, que defendeu operações policiais nas universidades para coibir viés ideológico de professores em ambientes públicos?

A universidade, como instituição social responsável por preservar e compartilhar conhecimento e cultura, não responde a poder político nenhum. Professores e alunos devem satisfação a seus pares e a mais ninguém. Se os conservadores querem mudar isso, deveriam tentar pelos meios institucionais, e não pegar atalhos via força do Estado.

O ataque a jornalistas que criticam o governo já se tornou escancarado. Em 16 de maio, um dia após as manifestações contra cortes de verbas na educação, Bolsonaro rebateu a pergunta de uma jornalista da Folha sobre o tema dizendo que ela deveria entrar “numa faculdade que presta e fazer bom jornalismo”. E disse ainda que a Folha “não pode contratar qualquer uma para ser jornalista, ficar semeando a discórdia e perguntando e publicando coisas nojentas por aí”.

Mais que o tom grosseiro de um presidente pouco polido, a atitude revela o sentimento que anima os conservadores no poder: a imprensa foi corrompida por ideologias inimigas. O fundamento do ataque é o mesmo, a imprensa deve ser neutra. Não, a imprensa deve ser uma instituição livre. Cabe aos jornalistas se movimentarem nos limites morais de suas convicções, com responsabilidade, coragem e transparência.

O conservadorismo brasileiro no poder se deixou contaminar por um sentimento otimista de hostilidade a tudo o que se opõe a sua causa: essa poderosa mistura de nostalgia pelo passado e expectativa sobre o futuro de uma grande nação.

A nova era política conservadora se tornou uma triste e imprudente cruzada pela preservação de um ideal difuso de ordem social superior transcendente, a cada dia mais distante dos brasileiros. Só faz sentido no twitter do presidente e de seus seguidores.

O maior risco é usarem o poder do Estado para invadir esferas nas quais, por princípio, o Estado jamais deveria se meter. Esse seria o efeito colateral de quem está seduzido pela própria verdade —único caso de verdade que, em vez de libertar, poderá nos arruinar.

Francisco Razzo é professor de filosofia e autor dos livros “Contra o Aborto” e “A Imaginação Totalitária” (Record)

 

Embates entre matéria e espírito numa sociedade em transformação

Vivemos em uma sociedade dominada pelo poder do dinheiro, numa sociedade onde os ideais econômicos e financeiros são colocados acima dos interesses espirituais e morais, na verdade estes interesses praticamente não existem nesta sociedade, neste mundo os valores dominantes controlam uma moral mercantilizada, compramos de tudo nesta sociedade marcada pelo hedonismo, pelos mais variados prazeres, relacionamentos relâmpagos e fúteis, carros luxuosos, casas maravilhosas, propriedades e amores, isto mesmo, vivemos em uma sociedade onde adquirimos amores, não tão efetivos e verdadeiros, mas compramos todos os amores que o dinheiro pode pagar, o mundo virou um grande negócio e somos negociados todos os dias, num destes dias valemos mais e em outros momentos valemos muito pouco, tudo dependerá da nossa cotação nos mercados.

A economia, como muitas das ciências, das artes e dos instrumentos de organização social, foram dominados, ou melhor, foram comprados pelo poder do dinheiro, que compra o pensamento e transforma o pensador em um sujeito vinculado aos ideais imediatistas do capital, utilizando mercadorias e produtos variados para satisfazer seus desejos de consumo e reprodução material, deixando de lado valores humanísticos, valores morais mais sólidos, valores que sustentam as relações sociais e garantem um processo de solidariedade entre os indivíduos.

A economia como ciência foi constituída pelo teórico escocês Adam Smith, quando em 1776 publica A Riqueza das Nações, nasce para satisfazer as necessidades dos seres humanos, todos somos dotados de necessidades, elas são ilimitadas. Para racionalizar estas necessidades precisamos compreender que os recursos existentes na sociedade são limitados e para servir a todos, faz-se necessário, distribuir um pouco para cada um, sem exageros e excessos todos podem usufruir dos benefícios econômicos, quando um dos grupos possui em demasia o outro grupo passa por privações e necessidades, criando constrangimentos e desigualdades.

Na sociedade contemporânea, o poder do capital destrói todos os setores que se aproxima, utilizando como justificativa a profissionalização destes setores, o dinheiro corrói as estruturas, influencia negativamente os grupos sociais e imprime um processo de concorrência que gera uma competição cada vez maior entre os agentes econômicos e sociais, para profissionalizar acaba desagregando e criando um ambiente de constantes conflitos por poder e por dinheiro.

O poder do capital ganhou tanta relevância sobre a sociedade contemporânea, que passou a dominar e controlar os agentes estatais e governamentais, utilizando-os para aumentar seus benefícios, melhorar seus rendimentos e a usufruir de suas instituições para aumentar seus lucros e seus ganhos adicionais, gerando mais poderes políticos e controlando os recursos econômicos e financeiros, satisfazendo-se deles ao seu bel prazer.

O Espiritismo surge justamente para combater o materialismo, uma das grandes chagas da humanidade, que se dissemina na sociedade rapidamente, as ideias materialistas sustentam que a vida se restringe apenas a este mundo material e que todos devemos buscar o máximo de prazer possível, de que a competição é mola criadora, mas estas mesmas ideias deixam de lado o poder destrutivo da concorrência quando envolve grupos, pessoas e empresas que se encontram em situações desiguais, neste ambiente, muitos destes lucros são auferidos de forma degradante e degeneradas, pois são oriundos da pilhagem da natureza e da exploração dos trabalhadores, uma sociedade cujo poder do dinheiro domina mentes e corações incautos, transformando-os em autômatos controlados e sem capacidade de reflexão e de pensamento.

As famílias estão no centro destas transformações, antigamente o provedor financeiro era o homem e as mulheres eram conhecidas como as rainhas do lar, neste ambiente as famílias estavam sempre próximas e integradas, com o crescimento do sistema econômico capitalista, todos os membros das famílias passaram a trabalhar fora de casa, gerando desencontros constantes e desconhecimento das atividades e comportamentos, gerando conflitos e confrontos degradantes, que reduz os laços familiares a laços econômicos e sociais, sem profundidade e sem relevância para seus membros..

Estes ideais disseminados na sociedade estão dominando as mentes e os corações, controlando as mídias, os grandes jornais e as mais influentes revistas que destacam um tempo muito reduzido para questões do espírito, mesmo sabendo que este mundo dominado pelos interesses do capital está destruindo os indivíduos, criando zumbis programados para acumular recursos financeiros e utilizá-los para comprar produtos, mercadorias, bens e serviços mas, ao mesmo tempo, se degradar com doenças e patologias emocionais e espirituais.

Mesmo percebendo um verdadeiro boicote a questões espirituais, o mundo corporativo já percebeu a importância das religiões para o crescimento e equilíbrio dos indivíduos, ao perceberem que esta competição generalizada estava criando doentes e transtornos variados, as corporações passaram a adquirir organizações religiosas e a transformar estas organizações em grandes instrumentos de acumulação de recursos financeiros e materiais, através de dízimos e pagamentos constantes, se transformaram em templos com instalações luxuosas e cercadas de muito dinheiro que, para muitas delas está diretamente associado ao sucesso, estas organizações estão impactando fortemente sobre as coletividades e, atualmente, adentrando até na lógica política, com isso, vem transformando os indivíduos, levando-os a reflexão espiritual, mesmo sabendo que estas reflexões são bastante superficiais.

A busca constante por enriquecimento está levando os indivíduos a atitudes egoístas e imediatistas, muitos destes indivíduos deixam de lado valores aprendidos na infância e transmitidos por seus pais e familiares e passam a adotar as regras do mercado como se este fosse o grande mantra da humanidade, acumulam recursos financeiros destruindo reputações, enriquecem mergulhando funcionários em dívidas e acumulam débitos imensos, quando desencarnam e chegam ao mundo espiritual se deparam com uma realidade surpreendente, mesmo estando em outro plano da vida acreditam que sua posição na vida terrestre pode lhe garantir privilégios e boas posições nesta nova sociedade e recorrem constantemente a frase clássico: Você sabe com quem você está falando?

Se relembrarmos o clássico livro espírita Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier e ditado pelo espírito de André Luiz, neste livro, em um de seus capítulos, o médico desencarnado destaca que se utilizou deste expediente para não precisar fazer trabalhos considerados por ele como inferiores, alegando ter sido médico quando encarnado, como se esta condição sublime pudesse lhe garantir privilégios nesta nova etapa da vida, neste momento é importante destacar, que como nos demonstrou Bezerra de Menezes no livro Voltei, escrito por Frederico Figner, no mundo espiritual o que vale são os valores morais e as obras mais edificantes que construímos, nada de apadrinhamento, nada de jeitinho brasileiro e nada de intermediários, o que vale são os valores que trazemos na alma. Nesta obra clássica, Figner se decepciona ao chegar no mundo espiritual, no seu íntimo acreditava que seria recebido com polpa e reconhecimentos, mas a realidade o surpreendeu rapidamente, sua decepção o estimulou a buscar o crescimento e uma melhora mais intensa em seu interior.

Somos muito propensos a fazer a mesma coisa que André Luiz, muitas vezes adotamos valores e temos comportamentos éticos e morais diferentes, quando nós ou um dos nossos cometemos algum desvio ético ou moral, consideramos a situação como um verdadeiro desvio ou um equívoco, mas quando esta conduta for de outra pessoa ou de outro grupo social, enxergamos o fato de forma diferente e nos entregamos ao julgamento fácil e a posterior condenação, adotamos dois pesos e duas medidas quando nos convém diretamente, diante desta posição nos mostramos cada vez mais como seres contraditórios e dotados de valores morais limitados.

Neste mundo de aparências, as pessoas se entregam aos cultos e as reuniões religiosas de forma parcial, assistimos as palestras ou as pregações, nos emocionamos com palavras bonitas e edificantes, mas acreditamos constantemente que são as outras pessoas que precisam rever posições, alterar comportamentos e mudar algumas condutas equivocadas, nós estamos agindo corretamente, afinal o mundo é uma grande selva e estamos inseridos nesta grande batalha da vida, onde os valores são definidos pelo mercado.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra que o mundo físico e o mundo espiritual estão umbilicalmente interligados, a vida não termina com a morte do corpo físico, muito pelo contrário, a verdadeira face da vida é no mundo dos espíritos, somos espíritos encarnados em corpos materiais, quando desencarnamos a vestimenta física se desintegra, mas o espírito se liberta e ao se libertar busca locais afeitos a seus sentimentos e valores mais íntimos. Muitos livros da literatura espírita nos mostram muito claramente o momento do acordar no mundo espiritual de espíritos que foram ovacionados quando estavam vivos, como grandes gestores ou homens de negócios fantásticos, mas ao desencarnar se viram em situações de grandes desequilíbrios e desesperanças, isto acontece porque estes homens se escondiam em máscaras e em personagens, a morte do corpo físico os revela, os mostra intimamente e ao fazê-lo, percebe que somos todos muito pobres e insignificantes, a morte revela esta verdadeira faceta do indivíduo.

Muitos relatos nos levam a compreender histórias fascinantes de imperadores e rainhas que quando estavam encarnadas eram dotadas de grande poder material e ao desencarnar se depararam com uma realidade diferente e surpreendente, muitas  foram resgatados de regiões abissais por seus servos, muitos deles escravos que foram por elas humilhados e maltratados, mas superaram estes rancores e ressentimentos e deixaram se dominar pelo verdadeiro amor, pelos sentimentos mais nobres e enriquecedores, mostrando-se muito melhores e desenvolvidos espiritualmente do que seus patrões ou superiores.

O momento do acordar no mundo espiritual nos revela coisas que, para a grande maioria da sociedade se encontra desconhecido e encoberto, é neste momento que os verdadeiros valores da vida e os sentimentos acumulados se mostram mais claramente, se tivemos nesta vivência física uma boa conduta,  recebemos energias e sentimentos intensos, vibrações de paz e de solidariedade agora, se cultivamos valores pobres e deficientes, vamos receber tudo aquilo que construímos em nossos corações, podemos compreender isto como a lei do retorno, se construirmos estruturas sólidas de amor e de solidariedade, mas se fizermos o contrário, vamos colher exatamente tudo que plantamos.

O mundo material nos seduz de forma intensa, somos todos os dias treinados para buscar profissões que nos garanta sucesso material e benesses financeiras e nunca para que busquemos aquilo que nos enobrece e nos gera riquezas espirituais, diante disso, vivemos numa sociedade que cria riquezas em escalas crescentes e, infelizmente, as concentra nas mãos de poucos, gerando desigualdades entre as classes sociais, impulsionando conflitos e violências que destroem as relações entre as pessoas e promove uma verdadeira disputa entre os indivíduos, oficializando um individualismo avassalador e responsável por grande parte das desagregações sociais.

O dinheiro se transformou no mais importante instrumento de visibilidade social, ter recursos financeiros contribui para abrir portas e facilitar muitas negociações, garantindo relações sociais privilegiadas e novas oportunidades de negócios. O dinheiro possibilita transitar por um meio marcado pelo poder, pelo luxo e pela ostentação, neste ambiente as relações são superficiais e os seres humanos se comportam como atores que se colocam como artífices de grandes emoções e felicidades. Neste mundo de sonhos e mentiras onde todos convergem para exposição exagerada em redes sociais, afinal todos tem que conhecê-lo e invejá-lo, mesmo sabendo que a naturalidade e a espontaneidade se compram no mercado e estão disponíveis para todos os indivíduos que tiverem recursos para pagar.

A dominação financeira na sociedade, baseada do fortalecimento dos ideais econômicos sobre os espirituais, leva a uma busca constante por redução de custos, buscando com isso diminuir o preço dos produtos e aumentar as vendas, angariando novos consumidores para suas mercadorias e um aumento considerável em suas margens de lucro. O grande problema desta estratégia, é que para reduzir os custos as empresas atuais atuam diretamente no salário e na renda dos trabalhadores, reduzindo seus rendimentos e aumentando as exigências profissionais, obrigando estes trabalhadores a se atualizarem constantemente, despendendo tempo e energias físicas e emocionais que poderiam ser empregadas para consolidar relacionamentos familiares e construir laços mais sólidos de amizade e de solidariedade.

A sociedade mundial nunca produziu tantas riquezas, o produto interno bruto (PIB) está na casa dos 80 trilhões de dólares, para uma população estimada em mais de 7 bilhões de pessoas, com estas riquezas, cada pessoa poderia sobreviver com valores bastante razoáveis no seu cotidiano, algo em torno de US$ 10 mil anualmente, mas infelizmente, não é isto que percebemos, na realidade uma grande parcela da população vive ou sobrevive com muito menos do que isso, gerando grandes desigualdades, pobreza e misérias variadas.

Todas estas riquezas foram criadas no decurso da humanidade, todas estas tecnologias que animam o mundo contemporâneo não são frutos de um único ser humano, fazem parte de esforços, estudos e investigações científicas da comunidade, estas descobertas devem estar disponíveis para auxiliar a todos que precisarem, não devem ser vistas apenas como instrumento de lucro e acumulação financeira, mas como prova de que a Ciência é um bem universal e seus benefícios uma forma de sentir a presença de Deus na vida e no cotidiano de todos os indivíduos.

O dinheiro e o capital são instrumentos fundamentais para o progresso da humanidade, não devem ser vistos como um fim único, mas como um meio de progredir e de auxiliar as pessoas e a coletividade, o emprego e o salário não podem ser analisados como um custo, mas como uma forma de garantir a sobrevivência digna das famílias e auxiliar no desenvolvimento de todos os espíritos que vierem habitar este planeta, entidades enviadas por Deus, dotadas de experiências, valores e comportamentos variados. O Meio Ambiente não pode continuar a ser depauperado e explorado como vem sendo nos últimos séculos, onde muitos acreditam que devam extrair dele as riquezas necessárias para a sobrevivência, a convivência integrada e respeitosa é uma das características que mostram a racionalidade e a evolução do ser humano, que mesmo dotado de grandes instrumentos tecnológicos ainda se esquecem de que seus valores mais íntimos e pessoais passam pela preservação de sua casa e de sua convivência comum.

A Doutrina dos Espíritos nos leva a compreender, em seus capítulos referentes a reencarnação, porque muitos espíritos reencarnam com inteligências aviltadas e fragilizadas, muitos destes casos nos mostram espíritos que, mesmo sendo dotados de grande perspicácia intelectual, utilizaram mal seus atributos e os utilizaram de forma negativa, buscando prazeres materiais e usurpando de outros seres humanos menos capacitados intelectualmente. Muitos se comovem com as situações de degradação e pobreza em variadas regiões do mundo, ao verem pessoas passando provações primárias, defendem a inexistência de Deus, como pode existir e manter estas condições indignas e aviltantes? Na verdade, a reencarnação é a prova cabal da existência de Deus, descrita por Allan Kardec como “A inteligência suprema, causa primária de todas as coisas…” Todos que retornam em condições adversas e em países atrasados só foram lá colocados para que possam sentir na pele as dores que foram por eles orquestradas, devemos ver esta situação não como punição, mas como um processo educativo que serve para auxiliar positivamente no crescimento e no desenvolvimento de valores sólidos e consistentes.

Atualmente, percebemos que as pessoas estão cada vez mais entusiasmadas com o desenvolvimento da tecnologia, a chamada Quarta Revolução Industrial está se tornando, para muitos a verdadeira panaceia da humanidade, a resolução completa de todos os problemas mais relevantes do ser humano, apesar de nos empolgarmos com as inovações e as suas potencialidades, acreditamos que o grande responsável por estes problemas são os seres humanos, dotados de grandes contradições, apenas eles podem refletir intensamente sobre seus desequilíbrios e dificuldades mais íntimas e escolher os mais sólidos caminhos que querem seguir.

O Espiritismo nasce como um instrumento para mostrar para a sociedade, que o dinheiro não deve ser demonizado, seu uso é que deve ser racionalizado, os mesmos recursos que são investidos em prazeres degradantes podem ser utilizados para construir creches e hospitais que atendam as pessoas e melhorem suas condições sociais, a nova revelação destaca ainda, que a vida não termina na matéria, estamos numa corrida de muitos quilômetros, nesta jornada passamos por um momento de transformações, mas trazemos no espírito os ideais mais sinceros e verdadeiros que acumulamos durante muitos séculos de vivências nos dois lados da vida, reviver estes ideais e construir um mundo melhor é algo que deve animar a todos os indivíduos em todas as regiões do mundo.

 

Desemprego, desenvolvimento tecnológico e recuperação econômica

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A economia brasileira vem passando por crises fiscais intensas nos últimos cinco anos, elevando o desemprego a níveis estratosféricos, gerando grandes instabilidades, desequilíbrios e desagregações sociais constantes, os indicadores fiscais são alarmantes, o desemprego se tornou uma epidemia nacional, os investimentos caem de forma acelerada e as propostas do governo, por mais que possam ser defensáveis, estão sempre mirando no médio e no longo prazo, enquanto a desagregação dos lares com membros desempregados é intensa e acontece todos os dias, gerando desespero e desesperança.

Estamos envoltos em uma situação de grandes incertezas, neste ambiente, os investimentos se reduzem, os investidores internacionais temem que o crescimento da dívida pública possa inviabilizar os pagamentos futuros do Estado, levando-o a bancarrota, os trabalhadores estão receosos de compras e prestações maiores, temem o desemprego e se retraem como consumidores, deixando seus dispêndios para um futuro com mais certezas e menores instabilidades. Os gastos públicos estão em retração, a piora na situação fiscal obriga o governo a contingenciamentos constantes, gerando o agravamento da situação econômica, o aumento da degradação das famílias e dos serviços sociais.

A crise econômica vivida na atualidade pode ser descrita como a de mais longa recuperação em décadas, além de ter sido uma crise severa, com forte degradação dos indicadores macroeconômicos, percebemos que a economia está tendo dificuldades para se recuperar, o crescimento econômico se encontra na casa do 1% ao ano, se repetindo em 2017 e em 2018 e com grandes perspectivas de continuar neste ano, agravando as condições sociais e aumentando as incertezas dos investidores e dos consumidores.

O desemprego na sociedade brasileira está na casa dos 12% da população, perfazendo mais de 13 milhões de desempregados, se somarmos ainda, um contingente de mais de 15 milhões de trabalhadores que estão em condições precárias e sobrevivendo na informalidade, este número totaliza uma parcela de mais de 28 milhões de brasileiros que estão em condições degradantes de trabalho, onde as condições laborais são negativas, marcadas por grandes incertezas profissionais para um futuro muito próximo.

Este desemprego pode ser descrito como sendo um efeito das incertezas crescentes da sociedade brasileira, desde os fenômenos econômicos descritos anteriormente até fenômenos políticos que crescem de forma acelerada e que, mesmo com um novo governo de plantão, ainda não se conseguiu solucionar estas instabilidades, colocando em posições contrárias grupos antagônicos e atores sociais, criando celeumas, discussões e debates marcados por inverdades e pelas chamadas fake News.

Vivemos em uma sociedade marcada pelo crescimento acelerado das redes sociais, estas novas ferramentas de comunicação difundem notícias verdadeiras e inverdades que aumentam a instabilidade política e levam a sociedade para um verdadeiro caos político, onde os grupos sociais entram em confronto aberto difundindo ódio, ressentimento e uma violência generalizada, transformando a política em um grande palco de conflitos e violências, criminalizando-a e limitando os alcances da democracia.

A recuperação econômica do país passa por medidas de incentivos do governo nos vários setores econômicos e produtivos, além de um esforço generalizado de pacificação dos grupos políticos em prol das melhoras na economia e na recuperação econômica, somente uma diminuição destas incertezas políticas que os investidores poderão olhar para a economia brasileira e enxergar um futuro mais consistente e promissor.

Os investidores estrangeiros estão aguardando uma sinalização mais efetiva das autoridades brasileiras em duas grandes frentes, no campo político uma maior pacificação da sociedade e uma diminuição de uma polarização que gera mais perdedores do que ganhadores. No front econômico, espera-se do governo medidas consistentes no campo fiscal, como a Reforma Previdenciária e, num segundo momento outras reformas, principalmente a tributária, a política e a do Estado, todas estas tendem a garantir boas oportunidades de investimentos num futuro muito próximo, melhorando as possiblidades de novos empregos e um incremento da renda agregada da sociedade.

As reformas devem vir em concomitância umas com as outras, a reforma previdenciária deve englobar dois objetivos maiores, de um lado melhorar as condições fiscais, dando uma maior flexibilidade para que os gestores consigam realocar os recursos e honrar os pagamentos, dando aos investidores nacionais e estrangeiros a certeza de que o endividamento está sob controle e que o Estado apresenta condições fiscais satisfatórias e os riscos de insolvência sejam mínimos. De outro lado, esta reforma previdenciária deve almejar uma melhora nos desequilíbrios do sistema de aposentadorias, reduzindo as grandes aposentadorias de grupos privilegiados que, durante muitas décadas, tiveram seus subsídios engordados em valores muito superiores aos aceitáveis. E uma terceira frente que não pode ser esquecida pelo governo federal, é a cobrança incessante de todos os devedores da Providência Social, sem o ataque direto a todos os inadimplentes do sistema e uma estratégia clara de cobrança de gigantescos grupos econômicos, a população não se sentira confortável na defesa desta pauta importante e fundamental para o desenvolvimento econômico.

Neste ambiente, com a economia parada e os investimentos em retração, o governo está propondo medidas emergenciais para reativar o crédito e dar um maior fôlego para a economia, dentre as medidas estudadas, segundo o Ministro da Economia Paulo Guedes, destacamos a liberação dos recursos das contas ativas do FGTS, com estes recursos em mãos, os trabalhadores tendem a pagar suas dívidas e voltar ao mercado consumidor, impulsionando o aquecimento na demanda e uma melhora nos indicadores macroeconômicos.

Esta medida pode ser vista como um paliativo mas tem impactos políticos interessantes para a população e tende a melhorar as condições de muitas famílias, que viram suas condições financeira se deteriorarem ao longo dos últimos anos. Para os trabalhadores, esta alteração é positiva, como os rendimentos do FGTS são exíguos e minguados, a retirada contribuiria para o pagamento de contas cujas taxas de juros são bem mais elevadas e geram estragos generalizados sobre os recursos dos trabalhadores.

O desemprego que estamos vivenciando na sociedade brasileira está diretamente vinculado às questões conjunturais e ao baixo crescimento econômico, nada tendo a ver com o desemprego estrutural marcado pelo crescimento da tecnologia da chamada Quarta Revolução Industrial, sendo assim, a recuperação da economia e a volta do crescimento tende a melhorar as condições de emprego e estimular os investimentos produtivos, deixando para um segundo momento uma discussão mais consistente sobre a empregabilidade neste novo momento da economia mundial, que exige dos trabalhadores e dos Estados Nacionais uma intensa capacitação e políticas públicas voltadas para uma melhor qualificação dos trabalhadores.

No caso brasileiro, uma reforma tributária deveria contemplar uma simplificação de nosso sistema, uma tributação maior sobre investimentos financeiros e sobre propriedades, uma regulamentação sobre grandes fortunas, uma redução das isenções tributárias, gerando benefícios financeiros e incentivando as iniciativas individuais, o empreendedorismo, melhorando o ambiente de negócios e garantindo novos espaços para investimentos produtivos, com geração de emprego e melhoras sociais.

Uma redução do Estado também deve ser incentivada, um amplo programa de privatização, uma abertura maior e mais racional da economia, diferente daquela que foi feita nos anos 90 e um amplo programa de análise das políticas públicas e sociais que estão sendo implementadas pelo Estado, a racionalização destas políticas é um instrumento interessante para que encontremos os gargalos econômicos que geram privilégios inaceitáveis e que levem a economia de recursos financeiros para incrementar as políticas mais bem avaliadas e que trazem retornos mais consistentes para a população.

O desemprego tem um impacto avassalador sobre as famílias, destroem os laços sentimentais, aumentam as violências e geram destruições de vínculos familiares sólidos, mexem com a auto estima e obrigam as pessoas a se submeter a atividades, muitas vezes, desfavoráveis e com rendimentos reduzidos, contribuindo para uma piora das condições sociais e emocionais.

Outro ponto interessante e importante para que destaquemos neste momento, na sociedade atual encontramos inúmeras pessoas convivendo em ambientes de trabalhos degradados, com pressões insuportáveis, chefes autoritários e violentos, cobranças exageradas, salários degradados e benefícios sociais reduzidos, esta situação esta agravando as patologias nas organizações, depressão, ansiedade, estresse, obsessões e as mais variadas doenças comportamentais, gerando medos e inseguranças que podem culminar em doenças e comportamentos degradados.

O motor para a melhora da economia é o investimento produtivo, tanto público quanto privado, e para que este investimento aconteça, faz-se necessário uma pacificação do ambiente político, uma melhora nas condições fiscais do Estado, uma diminuição das dívidas das famílias e uma melhora no consumo interno, todas estas variáveis devem atuar diretamente para que a economia volte a criar empregos e as expectativas positivas dominem o cenário econômico, sem estas melhoras a economia brasileira tende a se manter em uma situação de grande instabilidade e incerteza generalizadas.

O mundo do trabalho está se transformando de uma forma muito acelerada, o desenvolvimento da tecnologia, das máquinas e dos equipamentos está transformando os vários setores da economia e seus profissionais em seres obsoletos e atrasados, onde os robôs passam a ocupar espaços antes restritos aos homens, obrigando os indivíduos a buscarem novas qualificações, novos cursos e uma constante busca por conhecimentos, jogos e novidades tecnológicas. Estas buscas demandam empenho, atenção, disciplina e consome o tempo dos indivíduos, obrigando-os a deixarem seus familiares de lado, perdendo com isso oportunidades crescentes de integração e de consolidação familiar, o indivíduo desenvolve a máquina e a tecnologia e acaba se transformando em seu mais fiel escravo, sendo todos os instantes dominados por estas engenhocas altamente estruturadas na tecnologia, gerando pessoas frias, egoístas e imediatistas.

O Brasil precisa retomar seu projeto de desenvolvimento, precisamos saber o que queremos ser quando nos tornarmos adultos, se queremos continuar sendo o eterno país do futuro com terras agricultáveis, solo privilegiado e recursos minerais em abundância, ao mesmo tempo que abrigamos uma população com uma reduzida bagagem intelectual, sem esgoto tratado e com índices de criminalidade dos mais elevados do mundo, esta escolha é fundamental para que possamos entender nossas ambições e nossos desejos futuros.

A tecnologia deve ser vista como um grande avanço para a sociedade global, mas os agentes econômicos e políticos devem destacar a complementariedade desta tecnologia, mostrar seus pontos positivos e incentivar os indivíduos a verem-na como um indicativo de um novo momento da sociedade global, como nos avanços na saúde, nas comunicações e na educação. O grande equívoco é que muitos demonizam a tecnologia, destacando-a como a grande responsável pelos desequilíbrios da sociedade, colocando-a, como a principal responsável pelo desemprego e pelo aumento da desigualdade social, a tecnologia não deve ser vista como um fim, mas como um grande meio para que consigamos construir uma sociedade melhor e menos desigual, onde os indivíduos de todas as etnias, regiões e classes sociais tenham as mesmas condições de vida e oportunidades de crescimento e desenvolvimento. Tudo isto pode parecer uma grande utopia mas todas as utopias começaram com o sonho de uma única pessoa e se transformaram em uma sonho coletivo e da comunidade.

Médiuns, mediunidade e comunicação com os espíritos

A sociedade vem passando por grandes mudanças nos últimos anos, muitas estruturas sociais estão sendo removidas e outras estão sendo colocadas no lugar, gerando medos, instabilidades e grandes preocupações, o mundo contemporâneo assusta e instiga o indivíduo e o leva a buscar respostas para suas dúvidas mais íntimas e pessoais.

Dentre estas dúvidas, encontramos questões relacionadas a mediunidade, os chamados dons mediúnicos atraem muitas pessoas e cria uma aura de infalibilidade e inquietação, levando as pessoas a pagarem fortunas para se comunicar com entes queridos desencarnados, para buscar proteção ou para saber sobre seu futuro e suas perspectivas mais íntimas.

Os médiuns sempre geraram inquietação na sociedade, um misto de mistério e curiosidade, medo e esperança se misturando e criando expectativas, saber sobre os próximos passos e poder se comunicar com entidades e espíritos superiores sempre atraiu o ser humano, é como se o mundo espiritual superior estivesse sempre disponível para esclarecer sobre suas dúvidas ou para satisfazer as suas demandas mais íntimas e pessoais.

Em momentos anteriores, reis e rainhas concediam inúmeros poderes e privilégios aos seus médiuns favoritos, verdadeiros conselheiros, pessoas dotadas de grande sensibilidade que trabalhavam como informantes e confidentes da família real, informando-os sobre movimentos de opositores e munindo-os de informações privilegiadas. Estas personagens se revestiam de poder e difundiam medo e admiração, criando verdadeiras levas de bajuladores e detratores, numa relação baseada em amor e ódio.

Foi com a Doutrina dos Espíritos que a mediunidade passou por um processo de profissionalização, os médiuns foram descortinados por Allan Kardec, quando publicou a obra O Livros dos Médiuns, desde então a mediunidade passou a ser vista como mais um sentido para o ser humano, um instrumento de comunicação com o mundo espiritual, um instrumento de crescimento e de reparação de equívocos por parte dos encarnados, afinal todos reencarnamos com um único objetivo: o crescimento espiritual.

Mediunidade deve ser vista como um instrumento de trabalho concedido pelos espíritos superiores para que o indivíduo se desenvolva, todos somos médiuns, alguns dotados de mediunidades mais avançadas enquanto outros apresentam uma mediunidade menos desenvolvida. Devemos defini-la como uma sensibilidade que dá ao indivíduo uma potencialidade de comunicação com entidades de outros mundos, em algumas pessoas esta mediunidade se apresenta coma a psicofonia, outros como médiuns doutrinadores, outros são descritos como psicógrafos, alguns são oradores, outros passistas, ou seja, existem variados tipos de mediunidade, que encantam as pessoas e em muitos casos criam uma verdadeira idolatria, onde se concede ao médium um poder que inexiste.

A mediunidade é um grande instrumento de auxílio, inúmeros pais e familiares recorrem aos médiuns em momentos de desespero e desesperança, alguns os buscam quando perdem seus entes queridos, objetivando uma palavra ou um comentário mais íntimo para diminuir esta dor que corrói o coração e gera sentimento de indignação e, em muitos casos, de revolta.

Em muitos casos, a sociedade atribui um papel santo ao médium, dando-lhe um poder que este não possui, muitos o canonizam, transformando-o em um verdadeiro missionário, dotado de uma santidade exagerada. Devemos destacar, que todos somos espíritos em evolução, todos temos defeitos e qualidades, quando atribuímos santidade a algumas pessoas muitas vezes acabamos ressaltando uma vaidade que existe em todos os indivíduos, esta vaidade pode levar o médium ou o indivíduo incauto a quedas devastadoras, tornando missões tão nobres a ser transformada em motivos de detração e degeneração moral.

São muitos os médiuns que abusam deste poder imaterial e passam a se enxergar como verdadeiros missionários, acumulam poderes e se utilizam destes para um enriquecimento material, levando-o a cultivar vaidades e ambições, afastando destes médiuns os espíritos superiores que os acompanhavam até então e levando-os a serem acompanhados por entidades que vibram em um diapasão mais parecidos com os seus pensamentos e as suas energias. Nesta situação, a espiritualidade superior pode interferir para evitar que estes médiuns se comprometam de forma mais intensa, levando-os de volta ao mundo dos espíritos, com isso, reduzindo sua capacidade de criar problemas e desequilíbrios futuros.

O trabalho do médium consciente auxilia muito no desenvolvimento da comunidade, mostrando que a vida física é, na verdade, um período transitório, momentâneo mas fundamental, a verdadeira vida se dá no mundo espiritual, somos espíritos animando corpos materiais, que devem ser descritos como vestimentas utilizadas para que desenvolvamos nossas potencialidades, este mundo material é marcado por muitas limitações para o espírito que vê suas potencialidades serem reduzidas em prol de um desenvolvimento posterior.

Ao médium muitas oportunidades lhes são dadas, mas também muito lhe serão cobrados, o contato com o mundo espiritual pode servir como um instrumento de auxilio e de equilíbrio a muitos que se encontram perdidos e perturbados, a comunicação abre espaço para que muitos desajustes cometidos anteriores sejam resolvidos, a aproximação entre encarnados e desencarnados pode contribuir para dirimir melindres e consolidar sentimentos e mágoas cometidas anteriormente que estavam armazenadas intimamente, criando uma obsessão que poderia culminar em possessão espiritual.

O grande exemplo de médium que a sociedade mundial teve, foi a figura exemplar de Francisco Cândido Xavier, que em mais de 90 anos trabalhou de forma incansável para a consolidação da Doutrina dos Espíritos, continuando uma obra começada por Allan Kardec em meados do século XIX, aprofundada em forma de livros, artigos, mensagem, entrevistas e, principalmente, uma vida centrada em exemplos de abnegação e dedicação as leis de Jesus Cristo.

A trajetória deste grande médium começa com a publicação de inúmeras obras, atualmente quase quinhentos livros foram por ele publicados, sendo que destas obras o médium não usufruiu de nenhum recurso financeiro, todos os direitos destes livros foram destinados a obras de caridade e divulgação da Doutrina, revertendo em uma ampla base material de estudos, pesquisas e conhecimentos, tão fundamentais para o progresso do ser humano, diante disso tudo, não mais podemos alegar desconhecimento e ignorância, justificativas antes utilizadas pela grande maioria daqueles que chegam ao mundo espiritual com as mãos vazias de obras e construções imateriais sólidas e consistentes.

Depois de escrever livros que destacam a história do cristianismo, nos anos 1970, a mediunidade de Francisco Cândido Xavier vai se reverter as mensagens de conforto espiritual, levando aos corações aflitos informações de ente queridos que haviam partido para o mundo espiritual, estas mensagens trouxeram grande visibilidade ao médium, tanto no Brasil quanto no exterior, mas mesmo assim, continuou seu trabalho de forma humilde, levando conforto e esclarecimentos a todos que o procuravam em momentos de desesperança e desespero íntimos.

Mães e pais que haviam perdido seus filhos, esposas que tiveram seus maridos retirados de sua convivência no mundo material, pessoas das mais diferentes classes sociais, gêneros e comportamentos eram por ele atendidas da mesma forma, levando a estes corações o conforto, a paz e o equilíbrio, energias fundamentais para o progresso do ser humano.

Familiares que perderam seus entes queridos e que, no momento do desencarne, estavam afastados ou brigados por motivos fúteis, buscavam na figura de Francisco Cândido Xavier a oportunidade de conversar com seus familiares desencarnados, momento este desejado intimamente para pedir desculpas, chorar e se arrepender de palavras, comportamentos e atitudes levianas que nada constroem e que geram grandes constrangimentos para todos que a cometem.

Outro exemplo de dedicação ao pensamento espírita foi o da médium Yvonne do Amaral Pereira que, em uma de suas obras relata um fato ocorrido em sua vida, quando foi procurada por uma entidade que lhe prometeu grande fortuna e inúmeros prazeres materiais em troca de publicação de livros com outro caráter religioso e voltado para outras temáticas, deixando de lado os compromissos assumidos anteriormente.

Assim como Yvonne Pereira e Francisco Cândido Xavier, muitos outros médiuns e trabalhadores do ideal espírita foram tentados por entidades momentaneamente inferiores para que passassem para o outro lado, deixassem suas missões e compromissos espirituais assumidos anteriormente para traz e seguissem por uma estrada de luxo, ostentação e muitas riquezas materiais. Alguns aceitaram e tiveram quedas homéricas, outros rejeitaram as propostas, viveram com grandes limitações e ganharam homenagem valorosos no mundo espiritual, cumpriram com o que se comprometeram antes de reencarnar e podem ser considerados como espíritos vencedores, renasceram, trabalharam, foram muitas vezes humilhados, agredidos e incompreendidos, mas podem dizer que, com amor, fé e resignação, venceram o mundo.

A comunicação com entidades desencarnadas pode acontecer de inúmeras formas, muitas vezes sentimos uma inspiração interior, percebemos que uma ideia se encontra em nossa mente ou sentimos uma inspiração que não sabemos suas origens, nestes momentos podemos estar sendo inspirados pelos espíritos superiores ou por espíritos inferiores, que assim como os bons espíritos podem nos inspirar, estimulando sentimentos e comportamentos, por isso, faz-se fundamental o equilíbrio e os bons pensamentos para sentir as inspirações dos bons espíritos.

Muitas das grandes descobertas da humanidade surgiram via inspiração dos bons espíritos, que inspiraram cientistas e pesquisadores levando-os a descobertas que muitos benefícios trouxeram para a comunidade internacional, estas inspirações aconteceram e podem ser claramente compreendidas através das palavras do grande poeta português Fernando Pessoa, que nos disse: Deus quer, o homem sonha e a obra nasce.

            A relação entre os dois mundos, espiritual e material, é uma constância na vida de todos os indivíduos, a doutrina espírita nos trouxe uma revelação de grande impacto sobre a sociedade, alguns grupos tentam denegrir ou ofuscar estas revelações, buscando elementos difamatórios, muitos médiuns são abduzidos pelas doutrinas materialistas, o poder do dinheiro ainda tem grande importância sobre as escolhas da humanidade, o dinheiro abre portas e cria ilusões que os indivíduos apenas terão consciência nos momentos da debacle, nos instantes das dores e das humilhações, muitas destas escolhas ainda foram motivadas por entidades espirituais que se comprazem com o mal-estar e a indignidade, levando médiuns invigilantes a quedas terríveis.

Os trabalhos mediúnicos são fundamentais para o fortalecimento e a consolidação desta comunicação entre matéria e espírito, retrata a dimensão da existência humana e nos mostra como os espíritos podem nos influenciar em nossas decisões e escolhas, as materializações que ocorriam em períodos anteriores foram substituídas por inspirações, os momentos de fenômenos materiais ficaram para traz, na atualidade, os espíritos superiores se manifestam através de ideias e inspirações, mas para isso, faz-se necessário que a coletividade cultive bons pensamentos e atitudes elevadas, somente assim estes espíritos poderão nos inspirar para que alcancemos um progresso maior e a consolidação dos ideais mais nobres que viemos buscar em nossa atual encarnação.

Estamos indo rumo à selvageria, à barbárie diz Luís Eduardo Soares.

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A entrevista é de Eduardo Nunomura, publicada por Carta Capital, 14-05-2019.

Antes que a entrevista acabasse, o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares compartilhou notícias pelo WhatsApp que recebeu de moradores do Complexo da Maré, na zona norte do Rio, denunciando policiais militares que atiravam de dentro de um helicóptero. “Não sei se viu os vídeos do governador Witzel conclamando à barbárie, se apresentando como vingador, justiceiro, entrando ele mesmo com policiais armados no helicóptero, um negócio inacreditável”, relatou. “Essa é a nossa realidade, que invade nossa entrevista”.

Uma das maiores autoridades sobre segurança pública no Brasil, Soares estava em Nova York para ajudar na seleção de projetos da Open Society Foundations e falou sobre o lançamento do livro Desmilitarizar, da Boitempo, enquanto a violência eclodia em seu estado natal. Ironicamente, parte da sociedade aplaude e tira selfies com forças policiais, como nas manifestações em 2015, enquanto uma maioria se vê na mira de fuzis.

Crítico do governo de Jair Bolsonaro, o ex-secretário Nacional de Segurança Pública (janeiro a outubro de 2003) afirma que o “Estado Democrático de Direito não está em plena vigência” e a hora é de bloquear a derrocada.

Eis a entrevista.

O senhor afirma que o pacote denominado Anticrime do Sérgio Moro instaura, na prática, a pena de morte no Brasil. Poderia explicar melhor?

Esse pacote constitui uma tragédia. De 2003 a 2018, houve 15.061 mortes no estado do Rio de Janeiro provocadas por ações policiais. Elas já correspondem a 25% dos homicídios, caminhando para um terço. Sem que haja controle. Pelo contrário, há autorização tácita e estímulo por parte do governador Witzel e do governo federal. E esse projeto está legitimando e legalizando não só a pena de morte, que é a execução extrajuduacual mas a execução sem julgamento. A imensa maioria dos casos é arquivada. O Ministério Público não está cumprindo seu papel constitucional de controle externo da atividade policial e acaba sendo cúmplice. E a Justiça abençoando toda essa insanidade.

 

O pacote também reforça a política de encarceramento?

Temos 60 mil homicídios dolosos por ano. Estima-se que a taxa de resolução desses casos é de 8%. Mas isso não faz do País o paraíso da impunidade. O que há é uma inversão de valores e prioridades. Está se prendendo muito e muito mal. O delito mais grave, o homicídio doloso, é negligenciado, porque atinge jovens, negros e pobres dos territórios vulneráveis. Mas as prisões estão superlotadas. Quem está sendo preso e por quê? Só 13% estão cumprindo pena por homicídio doloso. O subgrupo composto pelos que transgrediram a lei de drogas é o que tem mais crescido desde 2007. Já são 28% do total de presos. Mas estamos falando do “aviãozinho”, o pequeno varejista das substâncias ilícitas, que tem sido preso em flagrante delito, sem arma, sem violência, e aparentemente sem qualquer nexo ou relação orgânica com organizações criminosas. Estamos destruindo vidas e construindo um futuro mais violento, alimentando as facções, oferecendo a elas mão de obra gratuita.

 

Por que ocorre essa inversão de valores e prioridades?

A polícia mais numerosa é a militar. Ela é proibida de investigar, de acordo com o artigo 144 da Constituição, que define a arquitetura institucional da segurança pública. Lá está dito que cabe à Polícia Civil investigar, e à Militar, o trabalho ostensivo, preventivo, uniformizado. Essa divisão entre duas polícias constitui um modelo que só existe no Brasil e que, obviamente, não deu certo. Mais de 70% dos profissionais de segurança pública não concordam com ele. A PM está presente em todas as cidades e é pressionada a produzir. Mas como ela prende se não investiga? Só lhe resta prender por flagrante delito. Mais de 80% dos casos são de um crime mais simples. A lei das drogas é o grande instrumento para o trabalho do policial militar. O policial militar captura o varejista, sem investigação. O encarceramento em massa decorre do casamento perverso entre nosso modelo policial e a lei de drogas.

 

Por que chegamos a esse ponto?

Há muitos anos, os governos estão dando velhas respostas. Quando damos mais do mesmo obtemos o mesmo resultado, apenas intensificado. E continuamos nas operações às cegas, matando 61 mil pessoas por ano, e promovendo um verdadeiro genocídio de jovens pobres e negros por conta da brutalidade do Estado. A população passou a clamar por soluções miraculosas, messiânicas, autoritárias, que impusessem a ordem. Vamos acreditando que para vencer o crime é preciso uma polícia violenta, que não respeite limites, a Constituição ou os direitos humanos. Com isso vamos degradando as nossas instituições, e gerando núcleos de interesse que favorecem o surgimento de milícias.

 

O seu livro faz uma defesa enfática da desmilitarização das polícias. Bolsonaro propõe o oposto disso. Estamos entrando em um período de trevas?

É tão obscura a situação, que nem percebemos que estamos imersos nessas trevas. O governo Bolsonaro aponta no sentido do estímulo à violência policial, que elogia e celebra a ignorância. É a intensificação de um processo que nos levou a esse desastre. O Estado precisa parar de matar e reorganizar as polícias sob a égide da legalidade constitucional, valorizar os seus policiais na ponta, reformar as estruturas de organização. As nossas são velhas e inteiramente incapazes de operar no século XXI, são uma herança da ditadura. Precisa também criar políticas de proteção da vida, sobretudo dos jovens.

 

Como seria possível desmilitarizar as polícias?

As polícias do mundo que têm algum destaque fazem o ciclo completo. Muita gente pensa que isso se dá por unificação. Mas a unificação se aplica quando tem uma polícia pequena. Em São Paulo, onde há mais de 100 mil policiais, quase um terço das Forças Armadas brasileiras, não dá. Podemos ter polícias metropolitanas ou municipais em São Paulo, desmilitarizadas, com ciclo completo, e destaco aqui uma grande bandeira da massa policial, a carreira única. Há duas polícias dentro das polícias civis, militares ou federais: a instituição dos delegados e não delegados, e a dos oficiais e não oficiais. Só em alguns casos, como na Civil, é possível fazer um concurso público para delegado. Mas há jovens recém-saídos das universidades, com 20 e poucos anos, que podem dirigir um grupo de homens e mulheres civis muito mais experientes.

 

Para a desmilitarização ocorrer, o senhor defendia uma coalizão reformista ampla. Mas como dar esse primeiro passo?

Estamos indo rumo à selvageria, à barbárie, ao aprofundamento da desigualdade, com a pobreza se expandindo, a miséria absoluta voltando a crescer, todos esses ataques terríveis a universidades, a ciência e tecnologia sofrendo todo tipo de restrição. E o Estado Democrático de Direito não está em plena vigência. Basta lembrar o caso de Lula, o principal líder da oposição está preso. O que podemos fazer no momento é bloquear a devastação, a derrocada.

 

O senhor foi coautor de livros capitais, Elite da Tropa e Cabeça de Porco, que esboçaram um retrato sombrio sobre o que estava acontecendo nos anos 2000. Como se sente em ver que quase tudo o que escreveu nessas obras virou realidade?

O curioso é que isso, com alguns detalhes distintos, aqueles relatos não eram uma antecipação a futuros possíveis, mas a constatação empírica do que já verificávamos. Lembro da Elite da Tropa 2, que saiu em 2010, em que há descrição detalhada de como as milícias empreendem projetos populares habitacionais, picaretagens assassinas. A Muzema e a tragédia recente do Rio estavam lá. Antes, existia aquela realidade absurda, mas havia governos democráticos apontando na redução de desigualdades, de enfrentamento do racismo, de abertura de novas possibilidades para os arranjos geopolíticos, estávamos diante de horizonte de esperança. Mas os ventos da inovação não chegaram a promover mudanças nos territórios vulneráveis e nas instituições que têm sido operadoras da brutalidade do Estado.

 

Afinidades espirituais, resgates e compromissos edificantes

Vivemos num momento de grande inquietação dos indivíduos, perguntas íntimas referentes a sentimentos e desejos que antes eram de difícil indagação, na atualidade está no centro das discussões e dos debates, estamos num momento onde as dúvidas estão sendo esclarecidas e as pessoas estão se abrindo para novas indagações. Nesta nova sociedade, percebemos claramente uma mudança estrutural nas famílias, os relacionamentos estão sendo alterados e as dúvidas estão vindo à tona, neste instante, o ser humano começa a se mostrar mais humano, cheio de dúvidas, medos e indagações constantes.

Muitas pessoas estão se indagando sobre questões relacionadas a sentimentos e amores, irmãos distantes e amigos próximos levam os indivíduos a inúmeras reflexões, afinal, como pode eu termais afinidades com meu amigo do que com meu próprio irmão? Neste aspecto, a Doutrina Espírita nos traz um grande conjunto de respostas e esclarecimentos que nos confortam e nos abrem novas perspectivas de compreensão da natureza humana.

No mundo contemporâneo, marcado pelo avanço tecnológico, as informações pululam em todos os cantos, a rede mundial de computadores nos traz os mais variados assuntos, sites de busca como o google nos auxiliam a encontrar estas informações e transformá-las em conhecimentos, que podem nos servir na caminhada nos trazendo melhoras íntimas e pessoais, destacando histórias e casos de sucesso que nos motivam e nos fazem crescer e nos desenvolver.

Diante deste arsenal de informações e conhecimentos disponíveis no mundo contemporâneo, alegar desconhecimento não pode ser visto mais como uma desculpa plausível e aceita, devemos nos moldar aos momentos e mostram nossa flexibilidade, afinal somos espíritos em constantes vivências diferentes e complementares, numa das encarnações estamos num corpo como homem e, numa próxima encarnação, podemos estar com uma outra roupagem física, em locais e com costumes e comportamentos diferentes, nesta situação a adaptação é fundamental e a providência divina nos concede os instrumentos necessários para todas estas vivências e experiências visando nosso crescimento e evolução espiritual.

Neste ambiente de informações crescentes, a doutrina dos espíritos nos trazem grandes revelações, levando os indivíduos a refletirem sobre suas trajetórias, embora o movimento espírita congregue “apenas” 4 milhões de brasileiros, segundo o IBGE, o país abriga mais de vinte milhões de simpatizantes, muitos desejando conhecer mais os ensinamentos espíritas, alguns passando por processos obsessivos e não recebendo as informações mais condizentes com suas situações ou aspirações, buscam no espiritismo uma fonte de conhecimentos mais precisos e conscientes.

Quantas famílias se encontram em situação de conflitos abertos entre seus membros, quantos país e mães recebem em seu seio crianças que destoam de suas raízes, com comportamentos inadequados, posturas antagônicas, agressividade e impulsividade que os levam a confrontos constantes, gerando rancores e ressentimentos que acabam corroendo o relacionamento e criando uma mágoa generalizada, desagregando a família e destruindo relacionamentos e resgates que poderiam auxiliar no processo evolutivos.

Irmãos que vivem em constantes conflitos, que se ofendem e agridem com palavras e até mesmo com a força física, deixando de lado os vínculos afetivos, emocionais e materiais e retornando aos instintos mais selvagens, rememorando momentos de irracionalidade vividos em passagens anteriores do processo evolutivo, quando sentimentos menores ainda eram comemorados intensamente e traziam os prazeres mais secretos para seus corações, mesmo contribuindo para aumentar os resgates futuros.

Quantos espíritos reencarnam com missões de construir relações favoráveis com aqueles que, em momentos anteriores, agrediram, ofenderam e caluniaram, mas no momento do retorno material se deixam levar pelas mágoas anteriores, pelos remorsos desagregadores e passam a espezinhar, maltratar e desbaratar os laços de solidariedade e perdão.

Os laços de famílias são fortes entre os indivíduos, mas os laços mais sólidos são aqueles entre espíritos simpáticos, que trazem em seu períspirito afinidades mais consistentes que perpassam esta vida e, muitas vezes, tem suas raízes inseridas em inúmeras encarnações anteriores, onde construíram um relacionamento sólido e saudável, estes espíritos se aproximam, se auxiliam e se comprazem em estar e em evoluir juntos.

Alguns familiares carecem deste laço espiritual mais sólido, estão juntos nesta encarnação muito mais por resgates do que por semelhanças espirituais e afinidades, a doutrina espírita nos mostra como este momento é importante para as pessoas, esta oportunidade de resgatar algum constrangimento de vidas passadas é sempre um processo educativo, sem este resgate o indivíduo não consegue evoluir mais consistentemente, consegue dar passos evolutivos mas sente, interiormente, que para alçar voos maiores, faz-se necessário e urgente, se redimir dos equívocos anteriores que ainda se encontram vivos em seu interior e sua consciência o faz lembrar de forma insistente.

Todas as oportunidades de resgate devem ser compreendidas como um processo de educação do espírito, muitos enxergam esta situação como uma punição, muitas vezes severas e agressivas da espiritualidade, esta compreensão não se faz correta, por mais que passemos por momentos de dificuldade na vida terrena, estas dificuldades devem ser vistas como grandes luzes de esclarecimento para os dias vindouros.

Se analisarmos um dos livros da coleção A vida no mundo espiritual, de André Luiz, Os missionários da Luz, vamos nos deparar com uma situação interessante, depois de matar Adelino para ficar com sua esposa, Raquel, Segismundo desencarna e vai para o mundo espiritual em regiões degradantes, depois de ser resgatado destes locais inferiores e se converter a uma mudança espiritual verdadeira, trabalhando e se dedicando imensamente em prol de auxiliar e se desenvolver espiritualmente, Segismundo recebe a notícia de seu retorno ao mundo material nos braços do casal acima. Neste momento a espiritualidade auxilia para que estes três não aumentem mais seus débitos e busca estimular um reencontro e uma maior aceitação, fazendo com que esta reencarnação seja um instrumento de construção na vida destas três pessoas, que traziam em seu íntimo rancores, ressentimentos e muita agressividade, fruto de desencontros de vidas anteriores.

Muitas pessoas agridem, maltratam e desbaratam familiares, acumulam ressentimentos por coisas pequenas e se colocam como vítimas em situações que poderiam ser facilmente resolvidas com um pouco de bom senso, outros são dominados por um constante melindre, tudo os ofende, tudo os constrange e tudo os agride, com isso, vivem constantemente se esquivando de responsabilidades e colocando a culpa em seus semelhantes, são estes incompreensivos que me afastam da doutrina, são estes invejosos que me agridem e são estes egoístas que destroem meu crescimento e meu desenvolvimento espiritual.

A Doutrina Espírita nos mostra, de forma clara e consistente, que todos os relacionamentos que construímos em nossas vidas devem ser marcados pelo respeito e pela solidariedade, todos aqueles indivíduos que geramos constrangimentos, agredimos ou cometemos ilicitudes, devemos nos reconciliar ainda nesta encarnação, pedir desculpa e tentar modificar sentimentos que, em muitos casos, estão represados a muitas encarnações. Algumas pessoas estão próximas, se agridem constantemente e quando um deles está em momentos de despedida, ao invés de se reconciliar, de perdoar e de construir uma nova relação, se afasta e, com isso, perde a oportunidade de reconstruir estes laços que muitas vezes o acompanharão por milênios, gerando dores e ressentimentos.

Se observarmos alguns fenômenos sociais que estão presentes na sociedade contemporânea, vamos perceber que as famílias estão reduzindo drasticamente o número de filhos, principalmente em países mais desenvolvidos e dotados de melhores condições sociais e econômicas. Diante desta constatação, devemos aproveitar o máximo possível nossa vida atual, reconciliar com nossos desafetos e construir relações sociais e espirituais mais sólidas e consistentes com aqueles que reencarnam como nossos familiares, pois senão o fizermos, muito provavelmente nossa próxima encarnação se dará em outras regiões do globo terrestre, onde a doutrina pouco estará presente e nós nos veremos com menos oportunidades de nos reconciliarmos com aqueles que nos ofenderam e nós o batizamos de desafetos.

Quantos filhos e filhas, ao perderem seus pais, mergulham em momentos constrangedores de depressão e dores severas na consciência, remorso de brigas e desajustes anteriores, muitos deles, em momentos de fúria agrediram seus genitores ou os abandonaram nos momentos de senilidade, estas dores na consciência os corroem de forma crescente, gerando desequilíbrios, obsessão e, em muitos casos, os levam a depressão ao, no limite, ao suicídio.

Nestes casos, muitos destes filhos ou filhas, vitimados por dores intensas, buscam as casas espíritas ou outros cultos religiosos, para se reconciliarem com seus genitores, buscam acima de tudo um perdão para se livrar das dores e cobranças que são constantes em suas consciências, cujas cobranças afligem a alma e geram medos nos escaninhos do espírito.

O melhor momento para nos reconciliarmos com nossos desafetos é agora, muitos encarnarão como filhos, filhas, esposos, esposas ou familiares próximos, se assim acontecer, devemos agradecer imensamente aos espíritos amigos e a espiritualidade maior por esta oportunidade de construirmos uma nova relação, centrada no respeito e na compreensão de que todos somos devedores, nascemos endividados e devemos nos desvencilhar desta dívida no decorrer de nosso desenvolvimento espiritual, retirando de nossos espíritos os pesos que nos impomos e nos limitam nosso crescimento moral e espiritual.

Os laços espirituais são os verdadeiros laços que nos sustentam na vida, muitos apresentam proximidade material e parental, mas muito distantes espiritualmente, convivem de forma respeitosa, mas não conseguem construir um relacionamento mais consistente e verdadeiro, diante disso, observe melhor suas escolhas, seus relacionamentos e seus sentimentos, se encontrou alguém que apresenta vínculos espirituais, preserve estes relacionamentos e cultive o amor e a gratidão, somente com estes valores éticos e comportamentos morais que o ser humano vai conseguir se libertar das angústias e das negatividades que trazem inseridas em seu períspirito, muitas delas fruto de uma infinidade de vidas e passagens pelo mundo material.

 

 

 

 

O Brasil precisa de um Plano Nacional de Desenvolvimento: entrevista especial com Paulo Kliass.

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Patricia Fachin | 26/05/2019 – IHU

Compreender a economia como um conjunto de regras de econometria e de cálculos que permitem alcançar um resultado quantitativo é insuficiente quando se trata de resolver crises econômicas que têm implicações sociais. Entendê-la e operá-la deste modo “é uma tentativa de retirar os conteúdos social, político e humano da economia, como se ela fosse um campo à parte do conjunto das Ciências Sociais e do conjunto das Ciências Humanas”, afirma o economista Paulo Kliass na entrevista a seguir, concedida por telefone para a IHU On-Line.

Membro da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia, Kliass argumenta que a intervenção estatal para garantir o desenvolvimento é a alternativa que deveria ser perseguida pelo Brasil neste momento. “As sugestões para reverter essa questão são feitas a partir de uma dimensão essencial, que é a do desenvolvimento. Trata-se da ideia de que não basta só a economia crescer; é preciso dar elementos de qualidade para o crescimento para fazer com que os frutos do crescimento econômico sejam compartilhados por uma parcela maior da população e para que a qualidade de vida das famílias também tenha um ganho”, pontua.

Segundo ele, nos países desenvolvidos têm se difundido a ideia de que o Estado deve gastar em momentos de crise. “Começa a se praticar aquilo que os desenvolvimentistas, os chamados Keynesianos e os economistas de esquerda de várias orientações, sempre falaram”. O Brasil, lamenta, apesar da mania de importar os modismos dos países centrais, não adotou essa iniciativa. “O sistema financeiro no Brasil está ganhando tanto dinheiro com a política de austericídio, que não houve espaço para adotar essa nova moda”. Entretanto, defende, “no caso que estamos vivendo, ao contrário de ter um respeito quase ‘religioso’ ao determinante, por exemplo, da Lei de Responsabilidade Fiscal ou da chamada PEC do fim do Mundo — Emenda Constitucional 95 —, deveríamos flexibilizá-las, ainda que isso signifique o aumento do endividamento num primeiro momento, porque lá na frente, com a retomada do crescimento econômico, o Estado volta a ter arrecadação, o emprego volta a normalizar, as pessoas passam a recolher tributos, voltam a consumir e a roda da economia volta a funcionar”.

Kliass sugere ainda que é preciso colocar em prática o Plano Nacional de Desenvolvimento, estabelecido na Constituição de 88. “Está passada a hora de recuperarmos essa dimensão. Quando se fala em desenvolvimento, está claro que esse não é um processo em que simplesmente as leis e os mercados vão atuar, de jeito nenhum, porque a lógica do capital é de curto prazo e de maximização de rentabilidade; ele não está preocupado com a qualidade das pessoas ou com o futuro do país. Por isso é necessário que o Estado tenha instrumentos para pensar, primeiro, a relativização desse rendimento extraordinário de curto prazo e a questão da sustentabilidade, isto é, criar um desenvolvimento que tenha suas dimensões econômica, social e ambiental”, argumenta.

 

Paulo Kliass é graduado em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas – SP, mestre em Economia pela Universidade de São Paulo – USP e doutor em Economia pela Université de Paris 10, e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Atualmente está lotado na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia – Diest do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea.

Confira a entrevista.

IHU On-Line — O senhor critica o fato de muitos economistas analisarem a situação econômica apenas a partir da economia e não da economia política. Por que, na sua avaliação, uma análise estritamente econômica não é suficiente para compreender a situação econômica do país?

Paulo Kliass — Não sou eu quem faz essa distinção. Pensadores “clássicos da economia”, como Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx, pensaram isso há 200, 300 anos. Eles tratavam de um campo de conhecimento que em todas as línguas era conhecido como economia política, mas num determinado momento da história do pensamento econômico, principalmente em meados do século XX, as tradições inglesa e americana mudaram a denominação. Assim, o que era conhecido como Political economy passou a ser conhecido como economics, em inglês. Foi retirado o adjetivo “política” da economia e, dessa forma, se firmou o campo do conhecimento denominado “economia”.

Isso não acontece de uma maneira gratuita. Na verdade, é uma tentativa de retirar os conteúdos social, político e humano da economia, como se ela fosse um campo à parte do conjunto das Ciências Sociais e do conjunto das Ciências Humanas — essa foi uma operação aparentemente muito bem-sucedida. Aqueles que como eu e uma série de outros professores, pensadores e economistas, tentam recuperar essa tradição histórica importante, defendem que a economia não é uma ciência exata; a economia tem uma natureza de ciência social e de ciência humana. Claro que é um campo específico de trabalho, mas ela não pode perder essa outra dimensão e ser pensada apenas como uma planilha, como um conjunto de regras de econometria e de cálculo que sempre, necessariamente, vai chegar a um resultado quantitativo objetivo; de jeito nenhum. Por isso a minha insistência de recuperar essa dimensão histórica que esse campo do conhecimento sempre teve.

IHU On-Line — Quais são os ganhos de analisar a situação econômica a partir da perspectiva da economia política?

Paulo Kliass — Um dos principais ganhos, além da questão filosófica de como encarar o fenômeno econômico, é a possibilidade de fazer uma discussão concreta sobre o que estamos passando no Brasil nas últimas décadas. Existe uma ideia de que há uma única resposta econômica para uma questão colocada em determinado momento. Por exemplo, o Brasil está passando por uma crise fiscal e se diz que só existe uma única saída para essa crise porque a economia é uma ciência quantitativa, é uma ciência que não pode se sujeitar às “impurezas” do campo da política e das outras ciências sociais. Temos que ser muito rigorosos com essa visão ortodoxa do tratamento da questão econômica.

As pessoas também dizem que o Banco Central tem que ser “independente” porque ele não pode ser “contaminado” pela política. Isso é uma loucura, porque está se criando um novo poder além dos três poderes, o qual comandaria a economia. O que significa dizer que o Banco Central não pode ser contaminado pela política. É como se ele tivesse uma aura de neutralidade e de imparcialidade, e que pessoas competentes e que estivessem à frente do Banco Central iriam tratar as questões estritamente de forma econômica. Porém, isso não existe. O Banco Central é uma instituição subordinada ao Ministério da Fazenda — agora ao Ministério da Economia — e seu presidente não foi eleito. Ele está subordinado a um poder da República, que é o Poder Executivo. O presidente da República foi eleito para comandar um conjunto de políticas públicas, entre elas a política econômica. Então, não tem sentido falar em “contaminação pela política”.

Outro ganho é debater a reforma da Previdência. Na visão da economia, não importa se grande parte da população de baixa renda depende do benefício previdenciário para sobreviver, porque existe um problema fiscal que não suporta essa política pública importante. Com relação ao salário mínimo, a mesma coisa. Os defensores dessa visão estrita de economia afirmam que não podemos fazer uma lei de revalorização do salário mínimo como estava valendo na época do ex-presidente Lula, porque o nosso orçamento não comporta. Sempre que há alguma demanda social, política ou humana dos setores que não pertencem à elite, se reivindica a neutralidade da economia como campo do conhecimento.

Agora, o fato de que os presidentes do Banco Central, em geral, são banqueiros, não é considerado um problema político, porque eles são “competentes”, como se eles fossem desenvolver uma política econômica e uma política monetária à frente do Banco Central que fosse neutra; não existe isso. Eles vão defender os interesses que respondem àquilo que eles defendem na sociedade, que no caso é o interesse do sistema financeiro.

IHU On-Line — O senhor tem criticado as propostas de ajuste fiscal do governo como sendo a única saída para reorganizar as contas públicas e a economia. Que alternativas existem ao ajuste?

Paulo Kliass — Ninguém em sã consciência pode dizer que a situação econômica que a sociedade brasileira atravessa, do ponto de vista fiscal e monetário, é tranquila, de maneira nenhuma. Em 2004, 2005, 2006, o quadro era totalmente diferente.

Primeiro ponto: estamos passando por uma grave crise; estamos há dois anos em uma profunda recessão. Desde 2015 o PIB praticamente ficou no chão e está “andando de lado”, porque cresceu muito pouco. O problema é que a partir de 2008 e 2009, quando ocorre a grande crise econômica e financeira no coração do sistema econômico mundial do capitalismo nos Estados Unidos e na União Europeia, aconteceu uma grande reviravolta na forma como a própria doutrina econômica conservadora encarou o fenômeno econômico. Até então o mundo todo estava sendo regido — os principais países, os ministérios das finanças, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional – FMI e a União Europeia — por aquilo que era conhecido como o Consenso de Washington que, entre outros aspectos, reforçava a ideia do rigor fiscal, da austeridade absoluta na conduta das contas públicas, e qualquer problema de endividamento ou déficit era considerado uma loucura.

A partir de 2009, quando o próprio sistema capitalista foi colocado em xeque, a resposta foi pragmática, isto é, o próprio sistema percebeu que se continuasse fiel a esse “doutrinarismo” neoliberal, o sistema iria falir. O que aconteceu foi isto: precisaram fazer um “cavalo de pau” com o carro andando e promoveram uma mudança importante. Com isso, os Estados Unidos entraram gastando, o Estado norte-americano acabou gerando dispêndios enormes, e a mesma coisa aconteceu no Japão, na União Europeia e nos países desenvolvidos do mundo capitalista. Isso teve que ter uma reposta do ponto de vista ideológico e doutrinário, e esse processo ainda está em crescimento.

Nos países desenvolvidos está sendo criado um campo que tem sido chamado de MMT, sigla em inglês de Modern Monetary Theory (Teoria Monetária Moderna), que é uma tentativa — preservando o próprio sistema capitalista, não é nada revolucionário ou socialista — de dizer que o Estado tem que gastar na crise. No fundo essa é a essência desse pensamento. Ou seja, começa a se praticar aquilo que os desenvolvimentistas, os chamados keynesianos e os economistas de esquerda de várias orientações, sempre falaram.

Intervenção estatal

O problema é que o Brasil, apesar de nossa grande mania de importar os modismos dos países centrais, não importou essa nova moda. O sistema financeiro no Brasil está ganhando tanto dinheiro com a política do austericídio, que não houve espaço para adotar essa nova moda. Mais recentemente, alguns economistas do campo conservador estão tentando trazer essa autocrítica para o Brasil, como, por exemplo, o economista André Lara Resende. Eles dizem: não se preocupem tanto com a questão fiscal no sentido do endividamento porque, no momento da crise, ao contrário do que propõem os austericidas, o Estado tem que sair gastando, pois a única forma de a crise ser superada é com a retomada do crescimento econômico geral da economia. E, num momento de crise aguda como o que estamos vivendo, se o Estado não dá sinalização, se não é protagonista na recuperação da atividade econômica, a economia continua na inércia da estagnação.

Concretamente no caso que estamos vivendo, ao contrário de ter um respeito quase “religioso” ao determinante, por exemplo, da Lei de Responsabilidade Fiscal ou da chamada PEC do Fim do Mundo — Emenda Constitucional 95 —, deveríamos flexibilizá-las, ainda que isso signifique o aumento do endividamento num primeiro momento, porque lá na frente, com a retomada do crescimento econômico, o Estado volta a ter arrecadação, o emprego volta a normalizar, as pessoas passam a recolher tributos, voltam a consumir e a roda da economia volta a funcionar.

IHU On-Line — A Carta de Princípios da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia chama atenção para a “reafirmação do papel histórico dos economistas brasileiros no processo de desenvolvimento nacional”. Visões econômicas de quais economistas brasileiros poderiam ser recuperadas neste momento como uma alternativa para enfrentar a crise que o país vive?

Paulo Kliass — Estamos tendo várias sinalizações nos últimos anos da necessidade de haver uma mudança dessa visão mais tacanha a respeito do fenômeno econômico. Nesse sentido, a constituição da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia cumpre dois papéis: de um lado, acompanhar o movimento de outras categorias no sentido de mostrar que o país está passando por um momento muito crítico da sua história, uma vez que a questão democrática está sendo colocada em xeque, e, de outro, apresentar sugestões para reverter esse quadro. As sugestões para reverter essa questão são feitas a partir de uma dimensão essencial, que é a do desenvolvimento. Trata-se da ideia de que não basta só a economia crescer; é preciso dar elementos de qualidade para o crescimento para fazer com que os frutos do crescimento econômico sejam compartilhados por uma parcela maior da população e para que a qualidade de vida das famílias também tenha um ganho.

Isso não tem nada de novo: estamos tentando recuperar 30, 40 anos que foram perdidos pela adoção de uma agenda neoliberal, recuperando algo que já esteve presente na nossa sociedade, que é justamente a ideia do desenvolvimento. Há pensadores históricos importantes no Brasil, como Celso Furtado, mas também Ignácio Rangel e Rômulo Almeida, que tinham uma visão de país e da contribuição que a economia poderia oferecer para esse sonho de país dos anos 1950 e 1960. Infelizmente, eles foram barrados pela ditadura de 1964, e quando conseguimos superar o processo do regime militar, isso veio num momento em que o mundo todo estava caminhando na direção contrária, na direção do Estado Mínimo, da negação das políticas públicas, da “supremacia absoluta” do mercado e das livres forças de oferta e de demanda. Em 1988 a Constituinte falou da necessidade de um Plano Nacional de Desenvolvimento e lá se vão 31 anos sem que isso nunca tenha sido implementado, junto com outras propostas, como, por exemplo, o imposto sobre grandes fortunas.

Está passada a hora de recuperarmos essa dimensão. Quando se fala em desenvolvimento, está claro que esse não é um processo em que simplesmente as leis e os mercados vão atuar, de jeito nenhum, porque a lógica do capital é de curto prazo e de maximização de rentabilidade; ele não está preocupado com a qualidade das pessoas ou com o futuro do país. Por isso é necessário que o Estado tenha instrumentos para pensar, primeiro, a relativização desse rendimento extraordinário de curto prazo e a questão da sustentabilidade, isto é, criar um desenvolvimento que tenha suas dimensões econômicasocial e ambiental.

IHU On-Line — Por que a reforma da Previdência não garante a sustentabilidade fiscal, tal como afirma o manifesto dos economistas?

Paulo Kliass — Agora que começaram os trabalhos da Comissão Especial da Câmara, os economistas, especialistas e técnicos que sempre denunciaram a falácia do argumento da reforma, estão tendo a oportunidade de esclarecer para os parlamentares e para o conjunto da sociedade a nossa visão. Isso já aconteceu na época do Temer, quando participamos de um movimento amplo coordenado pelas centrais sindicais, pelo Dieese, pela associação nacional dos fiscais da previdência, em que demonstrávamos exatamente isto: o argumento de que é necessária uma reforma da Previdência, porque, do contrário, o país quebra, não para em pé. As despesas que o governo federal vai ter para 2020, 2021, 2022 e 2023 já estão dadas, quer dizer, as pessoas já estão aposentadas, já estão recebendo seus benefícios. Estão tentando criar um clima de catástrofe que não corresponde com a realidade, porque a reforma não vai afetar em nada as despesas para o ano que vem e os próximos. O que está se pretendendo com isso é criar um clima para destruir o atual regime de previdência social, o Regime Geral de Previdência Social – RGPS, porque esse regime, até 2015, antes do início da recessão, estava equilibrado. Mas o sistema previdenciário é constituído à base de receitas e despesas. Como a receita depende do emprego, porque é uma contribuição que o trabalhador retira da sua folha de salário e a empresa retira da folha de pagamento, quando se tem a recessão, drasticamente cai o número de contribuições recolhidas, e se passa a ter aquilo que não é um déficit estrutural, mas um déficit de necessidade de financiamento. Mas na hora em que a economia voltar a crescer, de alguma maneira haverá recuperação das receitas e o sistema voltará a se equilibrar.

Isso significa que não precisa fazer nenhuma mudança? De maneira nenhuma. Os sistemas previdenciários do mundo são sistemas permanentemente alterados, seja pela questão econômica, de buscar novas fontes de financiamento que não apenas o salário, seja por função demográfica, mas isso não se resolve com uma emenda constitucional como esta que foca apenas no corte de despesas, que foca no corte de despesa da população mais carente e que, ao contrário do que o governo diz, deixa os privilegiados de fora. Os verdadeiros privilegiados na sociedade, o 1% do topo da pirâmide, não dependem da aposentadoria do INSS e nem são funcionários públicos. Eles são pessoas que têm um nível de renda e de patrimônio elevadíssimo e que vão garantir a sua aposentadoria por outros meios, como o mercado financeiroaçõespatrimônio etc. Esses que nunca contribuíram para o nosso sistema previdenciário têm que começar a contribuir.

IHU On-Line — Quais são os problemas que a Associação Brasileira de Economistas pela Democracia vê no regime de capitalização da previdência defendido pelo governo? O manifesto dos economistas menciona a possibilidade de esse regime gerar impactos sociais e fiscais. Pode nos dar alguns exemplos de que impactos seriam esses?

Paulo Kliass — O regime de capitalização não é uma criação genial do Paulo Guedes, pelo contrário, ele participou da equipe que há 45 anos foi para o Chile depois do golpe contra o presidente Salvador Allende.  Nessa ocasião foi feito o primeiro experimento de romper da economia política para a economia. Os alunos e doutorandos da Universidade de Chicago foram chamados pelos militares para resolver os problemas econômicos no Chile. Uma das primeiras medidas adotadas foi acabar com o regime da seguridade social e substituí-lo por um regime de capitalização. Algumas décadas depois — e esse é o problema da seguridade, porque se sentem os efeitos geracionalmente — o sistema faliu. Os bancos ganharam muito dinheiro no momento da capitalização, mas quando chegou a fase de pagar as pensões, nada havia sido pensado. Recentemente, como a população idosa está passando por problemas graves de índices de pobreza, o Estado foi chamado a reestatizar o sistema de capitalização e a transformá-lo de novo num sistema de previdência social. A Organização Internacional do Trabalho – OIT fez um estudo analisando os trinta países que entraram nessa onda neoliberal nas últimas décadas e 18 deles já voltaram atrás, inclusive países como Rússia e outros que eram socialistas até a época da queda do Muro de Berlim.

No Brasil, a história já está prevista desta maneira: para destruir, como é a pretensão, o Regime Geral da Previdência Social, se apresenta a capitalização como alternativa. Então, se deixa de ter a previdência social como uma política pública, como um direito de cidadania, e ela passa a ser mais uma mercadoria do mercado financista. Daqui a 35 anos o seu João vai chegar no banco e dizer que não era aquilo que tinha negociado. Mas 35 anos atrás era o ano de 1984 e de lá para cá foram criados quantos planos de estabilização econômica e tiveram quantas mudanças na moeda? O Plano CruzadoCruzado IIPlano CollorPlano Bresser, e em cada um deles a população foi perdedora e o sistema financeiro se apropriou desses planos. Quem tivesse começado a poupar há 35 anos teria visto seu dinheiro virar pó.

A capitalização é uma panaceia: ela não garante que a renda vitalícia vai se constituir e permite que o sistema financeiro lance mão, passe a ser “proprietário” da gestão do fundo bilionário da previdência social, que faz a gestão de aproximadamente 700 bilhões por ano. Imagine o quanto isso não vai se reverter em lucro para as instituições financeiras caso a medida seja aprovada.

IHU On-Line — Qual é a proposta da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia para combater as desigualdades sociais no país e garantir o estado de bem-estar social? Que reformas ou políticas defendem nesse sentido? Muitos propõem uma reforma tributária como fundamental. O senhor também aposta nessa linha?

Paulo Kliass — Para dar conta da tarefa de reorganizar a sociedade, reduzir o nível de desigualdade, retomar o crescimento econômico, é preciso objetivamente ter recursos para desenvolver políticas públicas de inclusão e redução das desigualdades. Temos alguns exemplos de como isso foi possível: na medida em que retoma o crescimento e o Estado passa a recolher mais tributos, tem como criar mecanismos de redistribuição na área de políticas de educação, saúde, saneamento, meio ambiente. É necessário realmente que se faça uma reforma tributária para que setores da sociedade que nunca contribuíram do ponto de vista da arrecadação de tributos, possam contribuir.

O nosso sistema tributário é o que no economês se chama de sistema regressivo. Isso significa que a população de baixa renda, que menos recebe, contribui muito mais do que a população do topo da pirâmide. Uma das medidas seria promover uma readaptação do sistema tributário para fazer essa mudança. O tributo que uma pessoa paga quando compra um litro de leite depende de se o cidadão ganha um salário por mês, se está desempregado, ou se é um acionista do banco Itaú e tem uma renda anual de um milhão de reais. Se você acende a luz da sua casa, você paga um tributo de energia elétrica. O preço do quilowatt independe da renda. A ideia é que não se tribute apenas a produção e o consumo, mas se passe a tributar mais a renda e o patrimônio. No Brasil, lucros e dividendos são isentos de imposto — FHC introduziu essa medida no final da década de 1990. Os três maiores bancos privados tiveram um lucro de quase 30 bilhões no ano passado e esse valor se transforma em lucros e dividendos para os donos e acionistas, que não pagam um centavo. Ainda no plano do simbólico, pessoas que têm carro pagam IPVA, mas quem tem jatinho, iates e helicópteros, não paga impostos. Não é isso que vai resolver o problema tributário, mas dá a dimensão de como é possível fazer mais justiça tributária. Hoje existem mecanismos de georreferenciamento para saber quem é proprietário agrícola e cobrar imposto sobre a propriedade, mas não se cobra.

O último estudo que fiz há alguns anos mostrava que o IPTU da cidade de São Paulo equivalia a seis vezes o valor total do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR que era cobrado do Brasil inteiro. É preciso fazer um conjunto de medidas que dê condições para o Estado brasileiro ter recursos para desenvolver uma política de desenvolvimento com inclusão. O mais importante não é a disputa tributária, mas a retomada do crescimento, porque enquanto não tivermos a economia crescendo, não conseguiremos ter recursos para desenvolver essa política.

IHU On-Line — Teria sido mais pertinente iniciar as reformas com uma reforma tributária?

Paulo Kliass — Essa é uma questão que a oposição vai ter que se colocar, porque uma reforma tributária significa, entre outras coisas, uma reforma constitucional, mas não só, pois algumas mudanças podem ser feitas através de lei ordinária. Mas será que o Congresso estaria disposto, na sua composição, a fazer uma reforma tributária que caminhasse nessa linha? O que percebemos é que a maioria dos parlamentares acha que é preciso fazer uma reforma tributária para reduzir a carga tributária, porque existe essa falácia de que a carga tributária é excessiva no Brasil, o que é uma ilusão. O Brasil não tem uma carga tributária mais excessiva do que a média dos países desenvolvidos da OCDE. Fazer uma reforma tributária para reduzir o nível da carga é o pior dos mundos.

É preciso ter um processo de conscientização da população e o estabelecimento de um debate nacional mais amplo para mostrar que a reforma tributária não deve ser feita para diminuir a carga, mas para promover justiça tributária. Não cabe, em uma situação como a que estamos vivendo, promover redução de imposto. Ao contrário, precisamos redistribuir mecanismos tributários para diminuir a carga sobre consumo e produção que incide sobre a população de baixa renda, e fazer com que os setores que têm mais recursos, renda e patrimônio contribuam para a nossa sociedade.

Temos uma tradição histórica, social e cultural das nossas elites, que nunca deram nenhuma contribuição para a sociedade e para o Estado, e que sempre se beneficiaram junto às esferas de poder para conseguir isenção, desoneração e para não serem punidas por causa da sonegação. Todos os anos o Ministério da Fazenda promove uma coisa chamada Refis, que é o perdão da sonegação. Ou seja, a Receita Federal financia em até 15 anos dívidas bilionárias das grandes empresas, mas o problema fiscal é o seu João que recebe o Benefício de Prestação Continuada – BPC de um salário mínimo mensal; a coisa está virada de cabeça para baixo.

IHU On-Line — A carta também menciona a necessidade de combater as desigualdades regionais. Que tipo de desenvolvimento é possível para o Brasil, considerando suas diferenças e peculiaridades regionais?

Paulo Kliass — Essa é uma questão essencial. Estamos voltando 60 anos, às décadas de 1950 e 1960, que foram os primeiros momentos em que a questão regional passou a ganhar relevo em nosso debate. Ali foi criada, por exemplo, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – Sudan e a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste – Sudeco. Ao longo dos tempos, logo depois das formulações do Celso Furtado, aconteceu o golpe militar e, com isso, uma deturpação completa da orientação do desenvolvimento regional. A ideia inicial era ter recursos, um fundo constitucional de desenvolvimento regional para o NordesteNorte e Centro-Oeste, e ter instrumentos no âmbito da administração pública para direcionar esses recursos para projetos que sejam de apoio à população local, à economia regional, os quais pudessem dar algum retorno para o conjunto do desenvolvimento brasileiro. O problema da Sudene na época da ditadura é que ela virou simplesmente uma forma de ajudar grandes empresas a se instalarem na região para produzir, para ganhar dinheiro, mas sem nenhuma preocupação com a dimensão regional. Com a Sudam aconteceu a mesma coisa; ela praticamente ficou reduzida à Zona Franca de Manaus. A Sudeco quase deixou de existir. Há uma série de pesquisadores e estudiosos do tema identificando os nós e as potencialidades do desenvolvimento regional e isso é muito importante. Porém, até hoje, para uma pessoa como o Paulo Guedes, isso é uma heresia, porque é um “dirigismo”, é o Estado dizendo o que o setor privado pode ou não fazer. Entretanto, se observarmos a expansão agrícola no Brasil, veremos que todas as regiões do Cerrado e da Amazônia estão sendo ocupadas segundo a lei selvagem do mercado, que é a destruição da selva, a venda da madeira, a expansão da soja, sem preocupação efetiva com o desenvolvimento sustentável na região e para o conjunto.

A ideia de desenvolvimento sugere criar empregos, promover processos de distribuição de renda e de fixação da população local na própria região, além de levar saúde, educação e ciência e tecnologia; as tarefas são enormes. Para tanto, é preciso vontade política — o Estado tem que ter uma presença organizadora nesse espaço territorial — e disposição de aplicar recursos para orientar esse desenvolvimento.

IHU On-Line — A Associação Brasileira de Economistas pela Democracia pretende estabelecer algum diálogo com o governo, a fim de propor alternativas para enfrentar a crise atual? Sim, não, como e por quê?

Paulo Kliass — Temos um diálogo permanente entre os colegas. A minha visão a respeito disso é que ninguém deve se furtar ao diálogo. Se o governo — seja o Paulo Guedes, o próprio presidente Bolsonaro, os líderes do governo no Congresso e os demais interlocutores — tem interesse em conversar, ninguém deve se furtar ao diálogo. É importante dizer que, ao se estabelecer o diálogo, tem que ter a disponibilidade, de outro lado, de ouvir argumentos e estar disposto a promover mudanças na sua orientação.

Todos os dias a Comissão Especial está discutindo a reforma previdenciária, vários economistas já foram chamados e eu provavelmente vou falar na próxima semana também, e na Comissão se discute não só a reforma previdenciária, mas a necessidade de mudar a agenda da economia para incorporar essas coisas todas que conversamos. Acho difícil que alguém com o perfil do Paulo Guedes e com o compromisso que ele tem, aceite uma mudança tão grande na gestão do Ministério da Economia. Particularmente acho que a primeira questão é desmembrar a concentração que a equipe econômica fez e voltar para o Ministério do Planejamento. Como vão fazer política de desenvolvimento se não existe um Ministério do Planejamento? É preciso voltar a ter o Ministério da Fazenda, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e é preciso ter instrumentos no âmbito da administração pública para desenvolver essas políticas públicas que queremos implementar.

IHU On-Line — O papa Francisco tem defendido em seus pronunciamentos que é preciso pensar uma nova economia. Em 2015, no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em Santa Cruz de La Sierra, disse que é preciso dizer “não a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir”. Nesta semana, o papa disse que os jovens economistas precisam “estudar e praticar uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda”.

Paulo Kliass — Para toda a população do mundo, para as elites, governos, instituições e para as pessoas em geral, a figura do papa está sendo uma grata surpresa no debate mundial. Ele está reforçando a questão da fraternidade, da paz, do combate à miséria e à pobreza e isso é de uma riqueza fenomenal. Neste momento em que a humanidade está vivendo essas dificuldades, vem uma voz dizendo que existem injustiças e existem recursos que precisam ser compartilhados numa perspectiva mais humana e fraterna. Na questão econômica, ele cai como uma luva neste debate que estamos fazendo. Uma figura com a responsabilidade e a importância do papa, que diz que os economistas precisam mudar a sua forma “economicista” de ver a economia e apresentar a dimensão humana e fraterna do processo econômico, é fundamental, porque ele toca no ponto da ferida da qual estamos falando. Quer dizer, a sociedade contemporânea produz demais, é exuberante na sua capacidade de produção, mas no momento da distribuição, seja dos salários, seja dos empregos ou da capacidade de consumo, ela é injusta e desigual. Então, é importante que pessoas com essa liderança tragam esse tipo de reflexão, porque isso faz com que os demais atores comecem a refletir sobre a necessidade de mudança.

 

 

 

 

Os riscos e os desafios da desindustrialização brasileira

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A economia brasileira vem passando por inúmeras transformações nas últimas décadas, desde o começo dos anos 1980 a indústria brasileira vem perdendo espaço no produto interno bruto (PIB), passando por um processo conhecido na literatura econômica como desindustrialização, reduzindo seu espaço e sua relevância na economia global e gerando inquietações e dúvidas sobre a sociedade brasileira e a sustentabilidade do setor industrial.

A trajetória industrial brasileira remete ao meado do século XIX, mas só ganhou força e relevância depois da crise de 1929, neste momento a sociedade brasileira passou por grandes mudanças que culminaram na decisão de estimular um amplo desenvolvimento industrial, centrado, estruturado e financiado por investimentos estatais, neste momento o governo federal chama para si a responsabilidade de desenvolver a industrialização, planejando e construindo as etapas necessárias para uma ampla mudança na base produtiva do país que, na época estava concentrado no meio rural e tinha nos setores agrícolas o grande motor do crescimento econômico.

Nesta época, o país importava todos os produtos que necessitava, desde os produtos mais simples até aqueles que exigiam uma maior capacidade de produção, com isso, o Brasil era uma economia altamente dependente dos mercados internacionais, estávamos inseridos neste ambiente externo como produtores de produtos agrícolas e de baixo valor agregado e importadores de produtos industrializados, atualmente conhecidos como produtos de alto valor agregado, nesta relação comercial nossos produtos tinham seus preços “controlados” pelos consumidores destes e nossas compras tinham seus preços definidos pelos produtores internacionais.

Depois da ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o Estado Nacional passou a estimular a industrialização, visando a construção de um setor mais dinâmico e flexível, produtor de produtos com valor agregado maior e uma dependência menor das compras externas. Para conseguir a industrialização foram necessários que o Estado organizasse os atores econômicos, levantasse capital e recursos financeiros, trouxesse mão de obra capacitada do exterior para a empreitada, planejasse políticas específicas para o setor, construísse infraestrutura e protegesse os setores nascentes para evitar que a concorrência externa destruísse nossos primeiros setores industriais, angariando grandes inimizades no mercado internacional, onde as economias desenvolvidas e industrializadas adotaram políticas para inviabilizar toda e qualquer política de desenvolvimento industrial.

No período 1950/1980, o produto interno bruto per capita cresceu a uma taxa de mais de 4,5% ao ano, com isso, percebíamos que o sonho de construirmos um setor industrial forte e dinâmico seria alcançado em pouco tempo, muito brevemente o Brasil conseguiria dinamizar e fortalecer nossa economia, com o surgimento de novos setores industriais, diversificando e abrindo novas oportunidades de negócio e de investimentos.

Neste período, muitos intelectuais e pesquisadores acreditavam que o Brasil seria a nova potência do século XXI, o crescimento era acelerado, a urbanização gerava novas oportunidades de negócio, as condições de vida e de bem-estar social melhoravam de forma crescente, incentivando um progresso maior da economia e abrindo novas oportunidades de negócio, fundamental para o crescimento sustentável da economia nacional.

No final dos anos 70 e início dos anos 80, a economia perdeu força, o crescimento reduziu de forma considerável, a inflação e o endividamento externo ganharam relevância na agenda econômica do governo federal e o sonho de desenvolvimento ficou comprometido, obrigando os sucessivos governos a adotarem políticas para reverter os péssimos indicadores macroeconômicos e colocar o país de volta nas trilhas do crescimento e na melhoria do bem-estar social.

Neste momento a economia internacional vivia um período de transição para um modelo descrito como terceira revolução industrial, centrados na informática e nas telecomunicações, obrigando internamente um ajuste que pedia mais abertura, mais investimento em capital humano e maior competição entre os agentes econômicos e produtivos. Neste novo cenário, o Brasil se mostrou reticente quanto as mudanças necessárias e urgentes, ao postergar estas mudanças acabou perdendo espaço para outras economias no mercado internacional.

Os anos 80 podem ser descritos como a década perdida, neste período nosso crescimento foi reduzido, o modelo anterior perdeu força e um novo modelo econômico tinha dificuldades para surgir e se estruturar, mantínhamos uma economia pouco competitiva, fechada, ineficiente e atrasada se compararmos aos concorrentes internacionais, nossa carga tributária era complexa e elevada, nossa infraestrutura apresentava grandes deficiências e nossa mão de obra era pouco qualificada e incapaz de competir nos mercados globais, todos estes fatores contribuíram diretamente para que o país perdesse atratividade no cenário internacional, ainda mais num momento de forte crescimento dos países asiáticos.

Para reduzir a inflação, o governo lança em julho de 1994, o Plano Real, cujos resultados foram bastante significativos na tarefa de reduzir a inflação mas, acabou gerando graves constrangimentos para o setor industrial pois, para combater a inflação, acabou valorizando excessivamente o câmbio e contribuiu decisivamente para o incremento das importações, a valorização gerou um aumento na oferta agregada interna de produtos e na redução dos altos índices inflacionários mas, ao mesmo tempo, contribuiu para a queda das exportações e uma piora do setor industrial, levando o setor a uma desindustrialização, com perdas crescentes de emprego e redução da renda agregada.

Neste ambiente de câmbio valorizado e aumento da concorrência interna, os setores industriais perderam espaço na economia brasileira, muitos grupos estrangeiros entraram no país comprando ou se associando a empresas locais, gerando uma ampla desnacionalização, enquanto outros grupos mais tradicionais iniciaram uma ampla reestruturação produtiva, comprando máquina, tecnologias e equipamentos para aumentar sua eficiência e garantir a sobrevivência da empresa no mercado local.

Além do câmbio valorizado, devemos destacar ainda a concorrência internacional crescente, nos anos 90 a abertura econômica iniciada pelo presidente Fernando Collor somada a desagregação da União Soviética, que colocou mais de 1 bilhão de indivíduos no mercado de consumo global estimulando os Bancos Centrais a inundarem o mercado de créditos com maior liquidez, com crédito farto e estímulos internos, com isso, as empresas dos países mais desenvolvidos aumentaram seus investimentos no mercado global, percebendo a inevitabilidade da situação competitiva global, tudo isto intensificou a competição interna, atraindo empresas e aumentando a concorrência, gerando perdas em muitos setores, desemprego e redução da renda agregada.

A concorrência com os países asiáticos gerou grandes desequilíbrios nas economias ocidentais, a indústria brasileira sofreu bastante com a ascensão de países como a China, Singapura, Malásia, dentre outros, que passaram a atrair novos investimentos de indústrias internacionais de olho em seu grande mercado e em sua mão de obra barata, a concorrência acelerada e as melhores condições dos orientais foi crucial para uma desindustrialização brasileira. O grande desafio de países como o Brasil é que, no começo dos anos 80, éramos conhecidos como a economia com a indústria mais sofisticada do mundo dos países em desenvolvimento e, na atualidade, estamos nos desindustrializando sem nunca termos alçado voos mais sólidos e consistentes, ou seja, nunca conseguimos construir internamente uma indústria mais sofisticada e na atualidade estamos perdendo até o pouco que conseguimos construir em anos recentes.

Se em décadas anteriores, principalmente entre 1950/1980, nosso setor industrial conseguiu atingir mais de 30% no produto interno bruto, na atualidade, a indústria nacional perdeu centralidade e relevância, alcançando no ano passado valores próximos de 11%, mostrando uma queda consistente e dificilmente se conseguirá encontrar os altos índices de décadas passadas. O grande desafio neste cenário é conseguir retomar o setor industrial, isto porque a indústria é fundamental para o desenvolvimento de um país, mas como nos mostra Paulo Gala, não existe desenvolvimento econômico pela via agrícola, por mais que este setor tenha uma importância considerável para a economia, o setor agrícola não consegue nos levar ao desenvolvimento econômico, emprega muito pouco trabalhadores, algo em torno de 3%, no máximo 5%, onde podemos destacar os Estados Unidos, Espanha ou França, isto se dá porque a produtividade deste setor é altíssima e necessita de muito pouco mão de obra.

Nossa economia apresenta grande potencial na produção de commodities, somos grandes produtores de petróleo, soja, laranja, carnes e minério de ferro, estes produtos garantem grandes superávits comerciais para o país, mas como dar um salto para a produção de softwares, como transformar esta especialização em commodities num salto para as partes mais nobres da cadeia produtiva? Afinal, somos produtores e exportadores de commodities mas, ao mesmo tempo, somos importadores de maquinários, agrotóxicos, fertilizantes, etc… a ascensão nesta mesma cadeia de produção nos parece muito complexa, os poucos que conseguiram foram países sofisticados tecnologicamente, como Estados Unidos, Tailândia, Finlândia, Noruega, França, Malásia.

Perdemos muito espaço na estrutura industrial global, estamos na atualidade presente em poucas cadeias produtivas da indústria, como no setor de petróleo e gás, na produção de aeronaves e na produção de automóveis, algo muito reduzido para um país que almeja dar um salto no crescimento econômico nas próximas décadas, sem nos aperfeiçoarmos tecnologicamente não vamos conseguir alçar voos mais consistentes e necessários.

A indústria é fundamental para a geração de empregos de maior valor agregado, recuperar o setor industrial deve ser uma meta clara dos governos nacionais, mas para isso, faz-se necessário que todos os agentes econômicos e políticos se integrem com este fim, a união de forças será fundamental, onde aos empresários devem se destacar e estimular uma gestão de excelência, com metas claras e busca constante por produtividade, ao Estado cabe uma articulação política interna entre setores e uma sólida política industrial como todos os países desenvolvidos fizeram e ainda fazem, reconhecendo a importância e a centralidade deste setor para o desenvolvimento econômico. Nesta orquestração os trabalhadores têm um papel central, a capacitação e a forte qualificação devem ser perseguidas de forma acelerada como forma de incrementar a produtividade e garantir novos mercados e um maior bem-estar social.

O setor industrial alavanca as pesquisas científicas, qualifica de forma consistente a mão de obra, melhora a produtividade da economia e aumenta a tecnologia empregada na produção, garantindo retornos interessantes e crescentes para o setor produtivo, a junção das empresas com as universidades, com os centros de pesquisas e os laboratórios de tecnologias garantem novos espaços de crescimento e consolidação do país, todas estas experiências foram testadas e trouxeram resultados positivos em todos os países que conseguiram se industrializar do mundo, cabe aos agentes públicos e privados se integrarem para garantir estes retornos para que nossa indústria posso competir com igualdade de condições no ambiente externo.

A indústria é fundamental para o crescimento da economia brasileira e o tão almejado desenvolvimento econômico, inúmeras políticas devem ser adotadas mas antes de mais nada, é fundamental a construção de um ambiente macroeconômico salutar, com taxas de câmbio estáveis, juros reduzidos, investimentos em alta, taxas de desemprego baixas, renda em ascensão e boas perspectivas para a economia do país nos próximos anos, somente desta forma conseguiremos galgar posições importantes no cenário internacional e nos capacitarmos para atuar de forma mais integrada e competente no mundo contemporâneo, uma sociedade em constantes crises e desequilíbrios, marcadas por uma concorrência acelerada, quedas no crescimento econômico e por um incremento na desigualdade social, na pobreza e na indigência urbana dificilmente terá oportunidades de crescimento e sobrevivência no mercado internacional.