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Como se formam os golpistas? por Eugênio Bucci

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Eugênio Bucci – A Terra é Redonda – 27/06/2025 Fora o acerto da lei, o que vemos hoje na corte não é bom. Algo na voz dos réus, na sua maneira de olhar ou de desviar o olhar, deixa ver que, para eles, o golpismo é um ato de bravura 1. Pela primeira vez na história do Brasil, militares de alta patente, acompanhados de um ex-presidente da República, tomam assento no banco dos réus. Eles são acusados de organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, entre outros crimes. A notícia é tão inusitada que parece boa, mas, na verdade, é apenas um começo. Por certo, o processo que corre no Supremo Tribunal Federal reluz pelo ineditismo. Diferentemente do que se via no passado, o Brasil não deixa mais por isso mesmo. Agora, há um esforço para responsabilizar os que atentaram contra a normalidade democrática. As coisas avançam semana a semana. Os integrantes do “núcleo crucial” da trama, conforme o nomeou a Procuradoria Geral da República, tiveram de comparecer aos interrogatórios. Agora, houve uma acareação momentosa entre o tenente-coronel Mauro Cid e o general Walter Braga Netto. O andamento, contudo, é difícil. Para atrapalhar os ritos, surgiram lances de clamoroso cinismo. O réu Jair Bolsonaro, enquanto era interrogado, deu de convidar o ministro Alexandre de Moraes, que conduzia a sessão, para figurar como vice em sua chapa para a Presidência da República em 2026. O tom foi jocoso: piada à queima-roupa. O magistrado apenas sorriu, num clima de quase descontração judicial, e, no seu linguajar característico, declinou. Pilhéria indeferida. O que nos aguarda? O processo vai transcorrer em risadas? Vai transitar em julgado amaciado? Vai dar cadeia? Virá uma anistia? Uma pizza? Não há como saber. O enredo que nos trouxe até aqui, misturando degradação institucional, escárnio escrachado e realismo fantástico, tem se mostrado imprevisível. Primeiro, tentou-se derrubar a República numa tramoia que incluiu acampamentos à frente de quartéis, fake news torrenciais sobre as urnas eletrônicas, depredação dos palácios dos três poderes e um plano para assassinar o chefe de Estado, seu vice e um ministro do Supremo. Depois, no julgamento, veio o espetáculo acintoso. Os acusados não se envergonham do que é vergonhoso. Desdenham da autoridade judiciária. Agem como se estivessem acima das leis dos comuns. 2. O historiador Carlos Fico estuda há décadas “o desprezo dos militares pela política, seu autoentendimento como superiores aos civis”. O retrato que ele nos entrega dessa história, no livro Utopia autoritária brasileira: Como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje (Editora Planeta do Brasil), é desalentador. A virada de mesa tem sido uma constante das Forças Armadas. Trata-se de um vício que se reproduz impunemente. “Todas as crises políticas brasileiras caracterizadas por ruptura da legalidade constitucional (vou denominá-las ‘crises institucionais’) foram causadas por militares”, afirma Carlos Fico. “As Forças Armadas violaram todas as constituições da República. (…) Indisciplina e subversão marcam a trajetória dos militares no Brasil. Eles foram responsáveis por todas as crises institucionais do país desde a Proclamação da República e jamais foram efetivamente punidos”. O livro demonstra que, neste país, o golpe compensa – mesmo quando fracassa. Com a palavra, o historiador: “Quando afirmo que nunca houve, no Brasil, a efetiva punição de militares golpistas, me refiro às anistias que foram aprovadas pelo Congresso Nacional beneficiando os oficiais envolvidos nas tentativas fracassadas de 1904, 1922, 1924, 1956, 1959 e 1961. É claro que não cabe falar em punição no caso dos golpes bem-sucedidos (1889, 1930, 1937, 1945, 1954, 1955 e 1964)”. Por que “não cabe falar em punição no caso dos golpes bem-sucedidos”? Muito simples: quando o golpe dá certo, o ordenamento jurídico que poderia puni-lo não fica de pé para aplicar a lei. Passa a valer o inverso. Por exemplo: com a tomada do poder pelas tropas em 1964, quem fixou residência na prisão não foram os golpistas, mas os que se opunham à quartelada. Eis por que a legislação atual, com acerto, estabelece como crime a tentativa de golpe, não o golpe consumado. A tentativa basta para configurar o tipo penal. Fora o acerto da lei, o que vemos hoje na corte não é bom. Algo na voz dos réus, na sua maneira de olhar ou de desviar o olhar, deixa ver que, para eles, o golpismo é um ato de bravura. A fixação maníaca na ideia de assalto ao poder constitui um traço cultural que se mantém intacto no ideário das tropas. O que explica essa permanência? De onde vem isso? A resposta lógica aponta para as escolas em que se formam os oficiais. Se a formação fosse outra, a mentalidade da farda já seria diferente. Será razoável que o currículo das academias das Forças Armadas e das Polícias Militares fique inteiramente a cargo da caserna? Ou será que isso deveria ser da competência da sociedade e do Estado Democrático de Direito? De forma respeitosa, dialogada e serena, é preciso enfrentar a questão. Ou o Brasil encara essa agenda espinhosa ou talvez não tenhamos como sair dessa espiral em que o populismo de coturnos, quando vai ao banco dos réus, vai em trajes de galhofa. Eugênio Bucci é professor titular na Escola de Comunicações e Artes da USP. Autor, entre outros livros, de Incerteza, um ensaio: como pensamos a ideia que nos desorienta (e oriente o mundo digital) (Autêntica).  

Quem paga a conta? por Ederson Duda

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Ederson Duda – A Terra é Redonda – 28/06/2025 Enquanto a justiça tributária permanecer refém de privilégios, a democracia brasileira seguirá manca, incapaz de romper o ciclo perverso que transforma desigualdade em destino. É preciso coragem política para confrontar os mitos meritocráticos que blindam a riqueza e estrangulam o futuro coletivo 1. A sociedade brasileira é marcada historicamente por desigualdades estruturais, profundamente arraigadas no processo de formação econômica e social do país. No centro da reprodução dessas desigualdades encontra-se o conflito distributivo, entendido não apenas como disputa por parcelas da renda nacional, mas como expressão material das lutas de classe em torno da apropriação da riqueza socialmente produzida. A forma como o sistema tributário brasileiro está estruturado aprofunda ainda mais as desigualdades sociais. A carga tributária regressiva, incidindo fortemente sobre o consumo, penaliza proporcionalmente mais os mais pobres, enquanto os estratos superiores da distribuição de renda são beneficiados por isenções, deduções e pela baixa tributação sobre lucros, dividendos e grandes patrimônios. Em outras palavras, quem tem menos paga mais, e quem concentra renda e riqueza encontra formas legais de minimizar sua contribuição ao financiamento das políticas públicas (Gobetti; Odair, 2022; Medeiros, 2016; Souza, 2018). O imposto sobre grandes fortunas, previsto desde a Constituição de 1988, jamais foi regulamentado, enquanto isenções como a de lucros e dividendos (vigente desde 1996) persistem mesmo diante de evidências de sua iniquidade. O resultado é a consolidação de um modelo tributário que penaliza os mais pobres e protege os mais ricos. Segundo estudo do Ipea com base em dados da Receita Federal, 800 mil contribuintes que ganham em média R$ 449 mil por ano pagam uma alíquota do Imposto de Renda (IR) de no máximo 14,2% – valor equivalente ao que paga um trabalhador assalariado ganhando R$ 6 mil mensais. [I] De maneira desproporcional, conforme a renda aumenta, a alíquota cai e, com isso, quem ganha R$ 1 milhão paga 13,6%, quem ganha R$ 5 milhões paga 13,2%, e quem recebe R$ 26 milhões paga apenas 12,9%. Trata-se, portanto, de uma clara regressividade, na qual a renda do capital é tributada muito menos que a do trabalho. A Emenda Constitucional nº 132/2023, que institui uma ampla Reforma Tributária sobre o consumo, representa um avanço institucional relevante ao simplificar tributos e unificar regras entre União, estados e municípios. No entanto, ela mantém inalterado o núcleo regressivo da tributação brasileira: não altera significativamente a estrutura de impostos sobre renda, patrimônio e riqueza. A não inclusão da tributação sobre lucros e dividendos, assim como a falta de medidas robustas sobre heranças e grandes fortunas, revela os limites políticos da reforma diante da correlação de forças no Congresso Nacional – cuja maioria se articula em frentes conservadoras contra o aumento do imposto sobre quem recebe mais. Essa configuração faz com que os mais pobres e as classes médias acabem financiando proporcionalmente mais o Estado, em contraste com os muito ricos – que, além de concentrarem a renda, usufruem de mecanismos legais para escapar da tributação direta. Segundo dados do Ipea, os tributos indiretos – como ICMS, IPI, PIS/Cofins – representam uma carga significativamente maior para os 40% mais pobres, consumindo cerca de 30% de sua renda, enquanto representam apenas cerca de 10% da renda dos 10% mais ricos, evidenciando o caráter regressivo da tributação sobre consumo (Soares; Zockun; Mendonça, 2022). Além disso, os tributos sobre bens e serviços respondem por 40,2% da arrecadação tributária nacional, comprometendo cerca de 21,2% da renda dos mais pobres, ao passo que os 10% mais ricos destinam apenas 7,8% de sua renda a esse tipo de tributação. [II] Nesse sentido, a proposta de reforma do Imposto de Renda apresentada pelo governo federal em 2025, que amplia a isenção até R$ 5.000 mensais e institui uma alíquota mínima para rendas superiores a R$ 50 mil, [III] ainda que tímida diante das distorções estruturais do sistema, representa um avanço por contrariar a hegemonia fiscal orientada pela defesa dos interesses do capital financeiro e das elites patrimoniais. A proposta institui uma alíquota mínima para os super-ricos – menos de 0,2% dos contribuintes –, atuando diretamente sobre o núcleo do conflito distributivo no Brasil, ao corrigir um sistema historicamente regressivo que afeta principalmente os trabalhadores pobres e as classes médias. Enquanto os mais pobres se beneficiam indiretamente, via maior capacidade de consumo e da ampliação das políticas públicas, para as classes médias a medida representa uma ampliação da faixa de isenção, a correção de distorções da tabela e um ganho real de renda. A proposta, assim, contribui para reequilibrar um sistema que há décadas favorece a concentração de renda no Brasil. 2. Esse desequilíbrio tributário não é apenas técnico, mas profundamente político. A resistência à reforma tributária progressiva, historicamente liderada por setores empresariais e respaldada por parcelas expressivas da classe média, revela um campo de disputa central do conflito distributivo no Brasil. Ainda que as classes médias não estejam no topo da pirâmide, sua rejeição à tributação progressiva expressa um alinhamento ideológico com as frações superiores da elite econômica – seja pelos valores meritocráticos, seja pela defesa do patrimônio herdado ou acumulado. Fato peculiar na sociedade brasileira é que, desde pelo menos os anos de 1970, o conflito distributivo tem ocorrido principalmente entre as classes médias e as classes populares (Morgan, 2018). Nesse período, o sucesso no aumento da participação da riqueza social por parte de uma classe tem dependido do insucesso da outra. Enquanto isso, os mais ricos têm conseguido manter sua parte na riqueza social praticamente inalterada ao longo do tempo (Souza, 2018). Essa dinâmica se evidenciou durante os governos petistas (2003-2016), quando o conflito distributivo assumiu uma nova configuração. A ampliação do acesso a bens de consumo, serviços públicos e políticas sociais e afirmativas – como a valorização do salário mínimo, a expansão do crédito, os programas de transferência de renda, as cotas raciais das universidades e a inclusão educacional – proporcionou mobilidade social ascendente às classes populares. No entanto, à medida que a base da pirâmide social passou a acessar bens e serviços antes exclusivos das classes dominantes, as classes médias vivenciaram um processo de estagnação relativa, tanto em termos de renda como de prestígio social. Já os mais ricos mantiveram sua apropriação da renda praticamente intocável – chegando ao patamar de 30% entre 2014-2016 (Morgan, 2018; Souza, 2018). As classes médias, ao perceberem que o seu lugar na hierarquia social estava sendo tensionado, reagiram politicamente. Imbuídas de valores meritórios, passaram a atribuir às políticas sociais e afirmativas a responsabilidade pelos obstáculos à sua reprodução social. A narrativa que sustentou essa reação baseava-se na ideia de que os mais pobres, ao serem favorecidos pelas políticas de governo, estavam “furando a fila” da mobilidade social. Ou seja, teriam ascendido não por mérito próprio, mas pela intervenção do Estado no ordenamento social. A reação às políticas sociais e afirmativas dos governos petistas encontrou sua expressão mais visível nas manifestações de 2015 e 2016 pelo impedimento de Dilma Rousseff. A formação de uma coalizão conservadora teve como objetivo reverter os ganhos das classes populares em defesa de um padrão de acumulação capitalista altamente excludente. A luta contra a corrupção, nesse contexto, operou como um expediente tático das classes médias, historicamente utilizado de forma seletiva (Martucelli, 2016). As políticas de austeridade aplicadas pelos governos Temer e Bolsonaro – como a reforma trabalhista, a reforma da previdência e a PEC do teto dos gastos – aprofundaram o enfraquecimento do poder de barganha dos trabalhadores, sem, no entanto, eliminar a corrupção (Rugitsky, 2016; Krein; Oliveira; Figueiras, 2019). Nesse cenário de regressão institucional e fortalecimento de agendas regressivas, a disputa em torno da tributação das grandes fortunas se apresenta como um importante campo de disputa sobre os rumos da sociedade. 3. A atual proposta de taxação de grandes fortunas, reintroduzida com força no debate político desde a pandemia e reanimada com o governo Lula III, reacende o conflito distributivo em sua forma mais explícita. A resistência dos setores dominantes e segmentos das classes médias à criação de um sistema fiscal mais progressivo revela os limites da solidariedade de classe no Brasil. Embora o discurso público seja, em parte, favorável à justiça social, verifica-se forte adesão a ideias como “taxar grandes fortunas pode inviabilizar investimentos”, “incentivar a fuga de capitais” ou “punir o sucesso individual”. O paradoxo aqui é que a própria preservação do modelo regressivo de tributação alimenta a crise fiscal do Estado e o colapso da capacidade de provisão pública, o que, por sua vez, reforça a insatisfação social e legitima agendas privatistas. Temos, assim, um círculo fechado: a desigualdade produzida pela estrutura tributária gera descontentamento nas classes médias, que respondem apoiando projetos regressivos, os quais, por sua vez, reforçam o problema original. O dilema social que se impõe às classes médias está no confronto entre a defesa da ordem democrática baseada em direitos e a manutenção dos seus privilégios de classe, baseada em seus valores meritocráticos. De um lado, sustentar os valores democráticos requer enfrentar os interesses imediatos dos mais-ricos e aceitar transformações estruturais que afetem seu modo de vida. De outro, insistir na ideologia meritocrática e na seletividade moral do discurso anticorrupção significa legitimar a superexploração e o privilégio de alguns em detrimento de muitos. Em última instância, o rumo do conflito distributivo dependerá da capacidade das classes populares de se organizarem politicamente e alterarem a correlação de forças, de modo a construir uma nova lógica de apropriação da riqueza social. Diante desse cenário, iniciativas como o Plebiscito Popular por Justiça Tributária, organizadas por movimentos sociais em 2025, representam uma grande oportunidade de romper com a naturalização da desigualdade tributária e avançar no debate sobre a taxação de grandes fortunas e a ampliação da isenção do Imposto de Renda. A pressão de baixo para cima, combinada à articulação entre movimentos sociais e outros atores políticos, é uma via concreta para disputar os sentidos da solidariedade no Brasil e transformar um sistema tributário historicamente injusto. Ederson Duda é doutorando em ciências sociais na Unifesp. Referências COSTA, Gilberto. Estudo do Ipea aponta injustiça tributária no Brasil. Agência Brasil, 29/10/2024. GOBETTI, Sérgio Wulff; ORAIR, Rodrigo Octávio Orair. Tributar lucros e dividendos: efeitos potenciais sobre a progressividade e a arrecadação do IRPF no Brasil. Texto para Discussão, n. 2554. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, 2020. KREIN, José Darin; OLIVEIRA, Roberto Véras; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Editora Curt Nimuendajú, 2019. MARTUSCELLI, Danilo. As lutas contra a corrupção nas crises políticas brasileiras recentes. Crítica e Sociedade: revista de cultura política, Uberlândia, v. 6, n. 2, 2016. MÁXIMO, Wellton. Entenda a reforma do Imposto de Renda enviada ao Congresso. Agência Brasil, 19/03/2025. MEDEIROS, Marcelo. Meio século de desigualdades no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 31, nº 90, 2016. NASCIMENTO, Houldine. Tributos sobre o consumo dominam arrecadação no Brasil. Poder 360, 06/03/2024. SOARES, Sergio Gobetti; ZOCKUN, Carlos; MENDONÇA, Marcos. Estimativas de alíquotas efetivas da tributação indireta no Brasil: evidências de regressividade e implicações para o debate distributivo. Texto para Discussão, n. 2823. Brasília: Ipea, 2022. SOUZA, Pedro H. G. Ferreira de. Uma história da desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. São Paulo: Hucitec: Anpocs, 2018. RUGITSKY, Fernando. Milagre, miragem, antimilagre: a economia política do governo Lula e as raízes da crise atual. Revista Fevereiro, n°. 9, págs. 40-50 2016.

O drama do Brasil de hoje, por Luis Felipe Miguel

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Luis Felipe Miguel – A Terra é Redonda – 27/06/2025 Congresso corrupto cresce diante de governo apático 1. A derrota de ontem confirmou, de maneira cabal, o que já sabíamos. O eixo do poder mudou no Brasil. A presidência da República está enfraquecida e mergulhamos em um parlamentarismo sui generis, em que o Congresso manda, mas não assume responsabilidades. É o pior dos mundos. Lula e o PT sempre atuaram partindo da premissa de que a presidência era tudo o que importava. A política brasileira era como o quadribol, o jogo dos livros de Harry Potter, em que as equipes podem fazer pontos à vontade, mas ganha quem captura o pomo de ouro. Câmara, Senado, governos estaduais, nada disso tinha peso diante da presidência. Por isso, os petistas se coligavam com qualquer partido, dando votos para ampliar suas bancadas, e cediam governos para os Sérgios Cabrais da vida, desde que garantissem a eleição do presidente. Isto mudou, está claro que mudou, não é de hoje – vem do segundo mandato de Dilma Rousseff, aprofundou-se com Jair Bolsonaro. Mas Lula e o PT continuam desnorteados. Os gângsteres que comandaram a derrota dos três decretos sobre o IOF, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, chegaram aos seus cargos com apoio do governo. No entanto, estão prontos a inviabilizar este mesmo governo, sem ligar para as consequências para o país. Davi Alcolumbre depois deu entrevista dizendo que os parlamentares “estão há dois anos e meio” ajudando Lula. E que o problema foi que o decreto do IOF “começou mal” e “foi rapidamente rechaçado pela sociedade brasileira”. Uma aula de cinismo. O rentismo não é “a sociedade brasileira”. Os incentivos fiscais de R$ 197 bilhões, que os consumidores pagarão na energia elétrica, estes certamente são rechaçados pela sociedade brasileira, o que não impediu o Congresso de derrubar os vetos presidenciais (incluindo os votos da ampla maioria do PT). Uma medida com as implicações do aumento do IOF não é descartada sem discussão e sem negociação, como ocorreu agora. O Congresso não ajuda o governo, muito menos ajuda a sociedade: ele achaca o governo e vira as costas para o povo. 2. Não é “polarização política”, que ocorre quando a oposição tenta bloquear as ações do presidente a fim de desgastá-lo, como os republicanos tentaram fazer com Joe Biden, por exemplo. Aqui, o caso é outro. O Congresso, quer dizer, o Centrão, que é sua espinha dorsal, quer simplesmente garantir seu domínio. Quer controlar o dinheiro e não sofrer as consequências de suas próprias decisões. É claro que cortar um aumento de imposto que atingiria o topo da pirâmide satisfaz os patrocinadores dos nossos egrégios representantes. A possibilidade de usar o “desequilíbrio fiscal” para mexer no piso constitucional de Educação e Saúde é outro bônus. Mas a retaliação veio mesmo porque o governo Lula teve a ousadia de responsabilizar os parlamentares pela decisão que eles mesmos tomaram, relativa à conta de luz. Como o governo vai reagir? Pelo que se lê na imprensa, nem vai reagir. Embora a decisão seja provavelmente inconstitucional, já que o decreto era relativo a uma atribuição clara do Executivo, o Planalto reluta em levar a questão ao Supremo. Não quer “piorar a relação com o Legislativo”, não quer melindrar Hugo Motta e Davi Alcolumbre. É um governo que apanha e não reage, que está sempre esperando a boa-fé, a compreensão, o cumprimento de acordos, quem sabe o sentido cívico do Centrão. Demitir os ministros dos partidos de direita que votaram de forma praticamente unânime contra o governo? Certamente não. Na Câmara, o PP, do ministério dos Esportes votou unanimemente pela derrubada dos decretos. No União Brasil, do ministério do Turismo, foram 97% – dois deputados não registraram voto. Mesma coisa nos Republicanos, do ministério dos Portos, em que o índice chegou a 95%; no MDB, dos ministérios das Cidades, dos Transportes e do Planejamento, foram 93%. No PSD, que controla Minas e Energia, Agricultura e também Pesca, o percentual contra o governo foi menor, de 60% (ainda assim majoritário). Mesmo escore do PSB, que tem a vice-presidência e os ministérios da Indústria e Comércio e do Empreendedorismo. No PDT, que controla os ministérios do Desenvolvimento Regional e da Previdência, mantendo este último mesmo depois do escândalo que desgastou o governo, 94% dos deputados votaram pela derrubada dos decretos (um único deixou de votar). Os ministros podem ficar tranquilos. O cargo é deles, não importa que não entreguem ao governo nada, nem em apoio político, nem em capacidade de gestão. Lula insiste em cortejar a elite – ou talvez o termo correto seja escória – parlamentar, embora já esteja mais do que claro de que não receberá em troca nenhum tipo de compromisso ou de lealdade. Abriu as torneiras para liberar emendas parlamentares nos últimos dias e o resultado foi o que vimos. Seria, talvez, o caso de partir para uma estratégia de maior confronto. Exigir algo em troca do que dá. Demitir ocupantes de cargos públicos, cortar a liberação de verbas. Fazer com que exista algum ônus em trair os acordos com o governo. 3. Por que Lula não convoca uma cadeia de rádio e televisão para explicar ao povo brasileiro o que está acontecendo, para explicar o sentido político da tributação sobre os mais ricos e para responsabilizar o Congresso pela parte que lhe cabe na sua paralisia? Mas é claro que não vai fazer isso. Tudo que ele faz é ceder mais, mesmo sem nenhum resultado. E cada vez que cede se enfraquece mais e mais. Lula 3 é a Dilma 2. Desvaloriza seus recursos aos entregá-los a troco de nada. O governo não tem rumo. Não conseguiu realizar quase nada do pouco que se propunha, nas condições particularmente desafiadoras em que assumiu. E, como dizia Sêneca, “não há vento favorável para quem não sabe para onde vai”. Lula tem medo de quê? De sofrer um impeachment? Os senhores do Congresso não parecem muito interessados nesta saída. Para eles, é mais interessante ter um governo nas cordas, assumindo o desgaste e entregando tudo para eles. E Lula quer se arrastar por mais um ano e meio, como um presidente que não preside, que nem sequer luta com os recursos que o cargo ainda lhe dá, para depois, com sorte, se reeleger e termos mais quatro anos deste martírio? Este é o projeto? A paralisia governativa é, em parte, fruto da captura do orçamento pelo poder legislativo. Em parte, fruto da heterogeneidade da coalizão que o presidente tenta pilotar. Em parte, fruto do despreparo de muitos gestores, colocados nos cargos para satisfazer pressões de grupos ou para simbolizar visibilidades identitárias. Mas a paralisia política, esta é inequivocamente de responsabilidade de Lula e da cúpula de seu governo. Que me desculpem os incondicionais do lulismo: o presidente que elegemos em 2022 (e que, tudo indica, teremos que lutar para reeleger ano que vem) não está à altura do momento histórico. A situação que vivemos é descrita pelo vocabulário científico com a expressão “no mato sem cachorro”. Uma parte da Ciência política brasileira insiste em dizer que está tudo indo bem, muito bem. O mandato de Jair Bolsonaro, dizem alguns, foi a prova da “resiliência” de nossas instituições. Mesmo um pesquisador sério como Fernando Limongi vem a público reclamar que “há uma tendência de desrespeitar o Legislativo como uma expressão da sociedade”. Segundo ele, “nosso sistema permite, pelo Congresso, que a sociedade seja ouvida”. É o formalismo que equivale voto a representação. Sim, todo mundo que está no parlamento foi eleito. Mas isto não impede que eleitos se distanciem de eleitores, que expressem pouquíssimo os interesses da base, que os manipulem, que sirvam apenas aos lobbies poderosos e a seus próprios apetites. O sistema está funcionando, sim, mas para garantir a continuidade desse estado de coisas – uma sociedade desigual e atrasada, uma população desprovida de poder, uma democracia de fachada em que as vontades das maiorias podem ser desprezadas impunemente. A destruição do presidencialismo foi a pá de cal na esperança de uma mudança por dentro. Como escreveu elegantemente Wanderley Guilherme dos Santos, logo depois que o golpe de 2016 acelerou este processo, o projeto é edificar uma “ordem de dominação nua de propósitos conciliatórios com os segmentos dominados”. E o povo brasileiro assiste bestializado (para usar a expressão imortal de Aristides Loboa mais um capítulo da derrocada de seu país, narcotizado por fake news, bets, rede sociais, igrejas, empreendedorismo, o diabo a quatro. Um Executivo débil, um Legislativo corrupto, um Judiciário negocista, umas Forças Armadas golpistas, uma classe dominante predatória. Uma grande parte da pequena esquerda envolvida em quizílias secundárias, incapaz de definir prioridades, ou então empolgada com as migalhas de poder, com os cargos que sobram para ela. É difícil vislumbrar qualquer solução dentro das instituições. É difícil ver alguma saída que não passe por uma revolução. Claro que, da mesma maneira como os golpes de hoje podem prescindir de protagonistas fardados e de tanques na rua, a revolução de que estou falando não precisa passar por alguma tomada do Palácio de Inverno. Mas é necessária uma transformação “revolucionária” do padrão histórico de relacionamento do Estado brasileiro com as elites e com as classes populares. Uma transformação que é implausível no contexto atual, em que os sistemas de freios e contrapesos servem, na prática, para frear qualquer contestação ao açambarcamento do poder pela minoria que o detém. Precisamos de uma revolução, mas não há quem a faça. Este, em poucas palavras, é o drama do Brasil de hoje. Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil (Autêntica)

Conjunturas

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Vivemos momentos de grandes conflagrações na sociedade internacional, com repercussões em todas as nações, gerando confrontos, violências generalizadas, crescimento dos movimentos migratórios, conflitos políticos, impasses econômicos, guerras comerciais e tarifárias, aumento substancial dos gastos militares, violências verbais e muitas inverdades travestidas em narrativas que aumentam as incertezas, os medos e a desesperança. Neste cenário, percebemos que as instituições internacionais, criadas no pós segunda guerra mundial, vem sendo destruídas sistematicamente todos os dias, agressões ás leis internacionais em prol dos interesses das nações mais desenvolvidas, conflitos militares crescem diuturnamente, gerando mais instabilidades e o crescimento constante daquilo que chamamos de individualismo e a diminuição da solidariedade humana entre os povos, onde cada nação busca seus interesses imediatos, seus ganhos monetários ou políticos, olhando apenas para seus interesses, deixando de lado outros países, outros povos, outras culturas e seus interesses imediatos, desta forma, não é difícil percebermos o aumento dos conflitos militares, o incremento dos dispêndios militares e o incremento da cultura da destruição, da violência e da devastação da natureza como forma de garantir ganhos imediatos e se esquecendo dos efeitos devastadores do longo prazo. Neste cenário de incertezas e instabilidades crescentes, percebemos uma escalada militar entre nações, países que sempre se caracterizaram pelo pacifismo estão canalizando grandes recursos orçamentários para alavancar a defesa interna. A Europa é um exemplo cabal da insanidade militar, inicialmente criam uma ameaça externa para justificar seus gastos militares e, ao mesmo tempo, reduzir seus dispêndios nas políticas públicas exitosas que sempre garantiram na sociedade uma qualidade de vida maior para seu povo, estas políticas públicas exitosas estão na mira dos governantes e, usam a ameaça externa para legitimar a redução dos gastos sociais e, em contrapartida, defender os elevados gastos militares que beneficiam poucos grupos privilegiados. A conjuntura mundial está envolta em grandes volatilidades e incertezas crescentes que trazem benefícios para os grupos detentores do capital financeiro internacional, são eles que constroem a agenda econômica das nações, elegem os congressistas, conseguem passar matérias que geram grandes privilégios e isenções fiscais e tributárias, usam seu lobby para evitar a tributação dos grupos mais abastados, exigem redução dos repasses monetários para as políticas públicas e, ao mesmo tempo, exigem somas altíssimas para rolar a dívida das nações, como percebemos no caso brasileiro que, com uma taxa de juros estratosférica, Selic 15%, exigem uma transferência de quase 1 trilhão de reais da sociedade para o bolso dos rentistas, dos herdeiros e dos financistas, defensores da falácia da meritocracia. No caso brasileiro, percebemos uma conjuntura interessante e muito atípica, de um lado percebemos uma gritaria geral falando do descontrole inflacionário, que atingiu 4,73% ao ano nos últimos dois anos, mesmo sabendo que nos últimos quatro anos a inflação ficou na casa do 6,17% e abaixo da média dos últimos trinta anos (6,5% ao ano). O desemprego está na casa dos 6,6% no primeiro semestre, a informalidade caiu para 37,9%, menor na série histórica iniciada em 2015. A desigualdade de renda medida no índice de Gini foi a mais baixa no ano passado e o crescimento econômico gira em torno de 3% ao ano e, mesmo assim, percebemos que para os donos do dinheiro a conjuntura econômica é sempre desastrosa e usam seus poderes para degradar as condições econômicas e eleger seus apaniguados. Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Univ

Os bastardos de Hayek, por Amaro Fleck

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Amaro Fleck – A Terra é Redonda – 10/06/2025 Comentário sobre o livro, recém-lançado, de Quinn Slobodian “Este livro mostra que muitas das manifestações contemporâneas da Extrema Direita surgiram dentro do neoliberalismo, e não em oposição a ele. Elas não propuseram uma rejeição total do globalismo, mas sim uma variedade dele — uma que aceita a divisão internacional do trabalho, com fluxos transfronteiriços robustos de mercadorias e até acordos comerciais multilaterais, ao mesmo tempo em que endurece os controles sobre certos tipos de migração. Por mais repulsiva que sua política possa parecer, esses pensadores radicais não são bárbaros às portas do globalismo neoliberal, mas sim filhos bastardos dessa própria linha de pensamento. O suposto choque de opostos é, na verdade, uma briga de família.” (Quinn Slobodian, p. 24) A tese central do novo livro do historiador canadense Quinn Slobodian afirma não haver uma ruptura entre o neoliberalismo da Sociedade Mont Pèlerin e a extrema direita contemporânea. Tampouco se trata de uma mera continuidade. Como o próprio título indica, essa extrema direita seria uma espécie de filha bastarda dos neoliberais clássicos. Em outras palavras, uma descendência, mas não uma descendência querida ou deliberada.   Quinn Slobodian, professor de história internacional da Boston University, foca sobretudo na “nova fusão” [new fusionism] ocorrida no começo da década de 1990 entre os paleolibertários e os paleoconservadores. Essa aliança forma a matriz do pensamento de extrema direita contemporâneo e se cristaliza numa organização, o John Randolph Club. Trata-se de uma “nova” fusão pois ela remete a outra: a original é aquela ocorrida na década de 1950 por meio de uma aliança entre libertários e tradicionalistas promovida sobretudo pela National Review sob direção de William F. Buckley Jr, fusão essa responsável pela criação do tripé do conservadorismo norte-americano tal como o conhecemos: tradicionalismo moral, liberdade econômica e forte defesa nacional. A aliança paleo Os paleolibertários são, basicamente, os anarcocapitalistas com posturas tradicionalistas em questões de costumes e de gosto, ou, em outras palavras: eles sonham com mercados livres em sociedades opressivas, marcadas pela coação nos mínimos detalhes das vidas de seus indivíduos, nas quais os defensores da ordem e dos bons costumes podem decidir com quem eles podem se deitar, no que podem acreditar ou quais substâncias podem consumir (seus principais expoentes são Murray Rothbard, Lew Rockwell e Hans-Hermann Hoppe). Os paleolibertários nada tem de antigos, eles são resultado de uma cisão tardia no movimento libertário americano, uma contraposição à sua versão clássica minarquista com sua defesa da menor intervenção possível do Estado tanto nos costumes quanto na economia (pense-se, sobretudo, em Robert Nozick). Além disso, os paleolibertários são antiigualitários: para eles as diferenças entre raças e entre sexos (eles recusam a própria concepção de gênero) estão inscritas na própria natureza humana, e não podem e nem devem ser mitigadas. Já os paleoconservadores, por sua vez, são tradicionalistas que se opõem ao intervencionismo militar (seus protagonistas são Pat Buchanan, Thomas Fleming e Paul Gottfried). Eles defendem um isolacionismo nacionalista. Eles também são resultado de uma cisão tardia no movimento conservador americano, uma contraposição ao neoconservadorismo e sua promoção militarista da democracia mundo afora, assim como uma reação contra a adoção, por parte dos neocons, de políticas com intenções de promoção da igualdade racial. Contra isso, os paleoconservadores querem resgatar um velho conservadorismo, cético em relação às intervenções externas, simpático a tarifas e outras formas de protecionismo econômico e radicalmente contrário a todas as políticas mitigatórias ou redistributivas, pouco importa se elas busquem reduzir disparidades de classe, raça ou sexo. O argumento dos três “hards” Pois bem, o cerne dessa nova fusão é o argumento dos três hards: a defesa de uma natureza humana rígida [hard nature], baseada na tese de que as diferenças humanas são biológicas e imutáveis; de fronteiras rígidas [hard borders], a apregoar livre circulação de capital, mas forte restrição à imigração, sobretudo de seres humanos “inferiores”, com baixo capital humano; e de moeda rígida[hard money], de preferência com um retorno ao padrão-ouro ou diretamente ao uso do próprio metal como moeda, e logo, também, com o fim da mera possibilidade de qualquer flexibilização monetária. Natureza humana rígida Esse argumento tem sua gênese em uma guinada biologicista e racializante ocorrida no começo dos anos 1990 no interior do movimento neoliberal, sobretudo por parte de sua vertente mais radical, os agora intitulados paleolibertários. Eles passam a argumentar que políticas redistributivas ou de reparação histórica são contraproducentes e ineficientes pois as desigualdades estão bem assentadas em diferenças inatas e imutáveis entre seres humanos. Nas palavras de Murray Rothbard: “a biologia permanece como uma rocha diante das fantasias igualitárias” [“Biology stands like a rock in the face of egalitarian fantasies”]. Essa tese ecoa em um livro de grande sucesso nessa década, A curva do sino. Inteligência e estrutura de classes na vida americana (1994) [The Bell Curve], de Richard Herrnstein e Charles Murray. Para Herrnstein e Murray, a estratificação social estadunidense é cada vez mais uma estratificação cognitiva, de modo que as pessoas com maior Quociente de Inteligência (QI) desempenham profissões mais valorizadas e consequentemente auferem uma renda maior. A elite se torna assim uma “neurocasta”. Embora o QI, de acordo com os dois autores de A curva do sino, tenha tanto fatores genéticos inatos quanto aspectos ambientais, o século vinte teria equalizado em boa medida os aspectos ambientais (ao universalizar o acesso às escolas, por exemplo), desse modo, as diferenças preponderantes indicadas na estratificação cognitiva seriam agora genéticas e inatas. Ainda que Herrnstein e Murray evitem entrar em querelas raciais explícitas, Richard Lynn, em A curva do sino global (2008), extrapola os limites nacionais estadunidenses e aplica a mesma metodologia para discriminar a inteligência entre diferentes países e raças. Fronteiras rígidas Isso coaduna com a proposta de fronteiras rígidas, outro dos tópicos da aliança entre os paleos. O livro Nação Estrangeira. Uma Visão de Senso Comum sobre o Desastre da Imigração nos EUA (1995) [Alien Nation], de Peter Brimelow, é a principal referência aqui. Trata-se da ideia de uma etnoeconomia, uma mistura perversa de nativismo racial com racionalidade econômica neoliberal. Peter Brimelow praticamente já antecipa a tese conspiracionista da “grande substituição” (a saber: estaria em curso uma substituição das populações autóctones por imigrantes e seus descendentes, causada tanto pelos incentivos à imigração quanto pelas maiores taxas de fecundidade dos imigrantes em relação a dos nativos). De acordo com Peter Brimelow, isso ocorreria tanto por um masoquismo branco (uma espécie de impulso irracional por parte dos brancos, algo como um desejo de se submeter aos grupos que eles antes oprimiram), quanto por um interesse de uma nova classe formada por burocratas, intelectuais, e pelas elites empresariais e das mídias, pois essa nova classe prefere um Estado multinacional fragmentado, carente de patriotismo e prestígio. As políticas de reconhecimento, notadamente as ações afirmativas, seriam responsáveis pelo surgimento de um “socialismo de pigmentação”, o qual serviria tão somente para a perpetuação do poder das elites. Contra a ideia da imigração como um direito humano (para não falar da muito mais idílica noção de um mundo sem fronteiras), os neoliberais passam assim a defender uma política de imigração como importação de capital humano, vantajosa tão somente, portanto, quando consegue atrair capitais de alta qualidade. Dinheiro rígido Por fim, com a proposta do dinheiro rígido os paleos se afastam da ortodoxia neoliberal, oriunda do monetarismo de Milton Friedman, ao defenderem um retorno ao padrão ouro. De acordo com eles, há uma ladeira escorregadia a conduzir do fim do padrão ouro, em 1971, quando o dólar americano deixou de ser conversível no metal, para a completa e absoluta degradação moral. Desde então a ganância estatal não teria mais limites, aumentando os programas sociais, mas também a inflação. Os goldbugs, entusiastas do ouro, preveem um colapso monetário num futuro próximo, causa de hiperinflação e crise financeira. Esse colapso, no entanto, é também uma oportunidade, pois os “libertários do desastre” disseminam sua ideologia por meio de newsletters de conselhos financeiros (o mais conhecido é o Ron Paul Survival Report), nas quais indicam a compra de ouro como único meio de garantir a segurança patrimonial (mas também toda uma estratégia sobrevivencialista, com o armazenamento de armas, alimentos e com a obtenção de cidadanias alternativas). Em sua conclusão, Quinn Slobodian comenta como essa nova fusão foi capaz de combinar cultura, economia e política para justificar as hierarquias sociais e se contrapor a qualquer projeto de transformação ou questionamento delas. Por meio de uma mescla entre sociobiologia, psicologia evolutiva e genética eles promoveram uma ideologia baseada num vínculo entre livre-mercado, nacionalismo étnico e determinismo biológico. Essa ideologia foi propagada com sucesso por meio de empreendedores ideológicos interessados em fazer fortuna por meio da venda de pacotes de alarmismo grosseiro com soluções simplistas para tempos incertos. Uma fuga para a segurança por meio da oferta de estabilidade simbólica e material diante do caos. O presidente argentino Javier Milei é o exemplo emblemático dessa ideologia, e não à toa batiza seus cães mastins com nomes de economistas dessa tradição: Milton [Friedman], Murray [Rothbard], Robert e Lucas [em homenagem a Robert Lucas Jr.]. Mas, afinal, qual a relação entre os neoliberais e os paleos? O livro de Quinn Slobodian é bem-sucedido em iluminar aspectos teóricos muitas vezes negligenciados da extrema direita contemporânea, em especial ao jogar luz sobre essa aliança entre paleolibertários e paleoconservadores e ao mostrar como ali é gestado parte do terror que nos assalta. Mas deixa a desejar justamente em seu objetivo maior, isto é, especificar qual exatamente é o laço a vincular os neoliberais clássicos aos seus “filhos bastardos”. Quinn Slobodian oscila entre duas explicações. A primeira, proeminente, busca mostrar como há uma continuidade teórica entre os pensamentos de Mises, Hayek e James Buchanan e as ideias de Rothbard, Murray e Brimelow. É como se os neoliberais clássicos já fossem criptorracistas, entusiastas comedidos de uma volta ao ouro ou defensores envergonhados de uma concepção robusta de natureza humana. Os filhos bastardos, aqui, apenas revelariam de forma mais explícita traços já presentes, mas ao mesmo tempo ocultos, em seus genitores. Mas isso é, no melhor dos casos, algo bastante forçado. É difícil encontrar algo de bom nas teorias de Mises, Hayek ou James Buchanan, mas nem tudo o que há de mal está lá. Notem bem: o argumento neoliberal de atrair imigrantes com alto capital humano, ao mesmo tempo em que se repele a migração de trabalhadores pouco qualificados é sem dúvida repugnante, mas é muito diferente da defesa paleolibertária da criação de enclaves brancos ou da tentativa, algo desesperada e com um leve atraso de três ou quatro séculos, de tornar os EUA um território etnicamente homogêneo. A segunda estratégia, mais interessante, consiste em identificar vínculos institucionais: indicar a participação desses autores na Sociedade Mont Pèlerin (é o caso dos três: Rothbard, Brimelow e Murray), mostrar a reunião dos paleolibertários no Instituto Mises, chamar a atenção para o fato de líderes da extrema direita europeia, sobretudo da maldita AfD, baterem ponto na Hayek Society. Aqui, na periferia sul do mundo (“como se chegando atrasado, andasse mais adiante”) isso tudo é evidente: afinal um Chicagoboy foi ministro da economia do governo da versão canarinho da alt-right e algo como um sósia disso é agora presidente dos nossos pobres y combalidos hermanos. Enfim, é óbvio que há conexões entre os neoliberais e a extrema direita contemporânea, mas ainda é preciso elaborar teoricamente e interpretar essas conexões. Amaro Fleck é professor do Departamento de Filosofia da UFMG.  

Por que o Congresso não gosta de pobres? por Thiago Amparo

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Porque eles próprios não são pobres e medidas antirricos os afetam pessoalmente Thiago Amparo, Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação. Folha de São Paulo, 25/06/2025 Deveria chocar toda a população, porque obscena, a ofensiva do Congresso contra qualquer discussão séria sobre tributar os mais ricos, ao mesmo tempo em que se lambuza com a liberação das emendas, que dobrou em apenas um dia  —chegou a R$ 1,72 bilhão na terça-feira (24). Faz sentido olhar como parlamentares antipobres têm buscado reverter a narrativa: fala-se em aumento da tributação, apelando para o senso comum de que se tributa muito no país. Na prática, a teoria é outra: tributa-se muito os mais pobres, pelo consumo, e a classe média, pelo Imposto de Renda, mas quase nada se tributa dos mais ricos. Ao propor elevar o IOF e tributar investimentos imobiliários e de agronegócio, hoje isentos, o que o governo quer é tributar quem hoje não paga, mas deveria. Isso vale para discutir supersalários da elite do funcionalismo, inclusive do Judiciário, bem como rediscutir renúncias fiscais, temas tabu no Parlamento. Faria bem ao Congresso, que deveria representar a população, que paga seus salários, e não os lobbies, que o controla, escutar o que pensam os brasileiros. Pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) revela que o eleitorado brasileiro é a favor de tributar mais os ricos e menos os pobres, na contramão do que o Congresso tem feito, inclusive ao pautar de surpresa o PDL sobre o IOF nesta quarta (25). O debate não é sobre diminuir impostos, mas sim diminuir impostos para quem? O Congresso no Brasil —e em outras democracias desiguais— tende a proteger os mais ricos porque eles próprios e seus amigos não são pobres, porque medidas antirricos os afetam pessoalmente ou por conta de suas redes de influência. São justamente essas hipóteses que um consórcio internacional, do qual a FGV faz parte, tenta verificar empiricamente desde 2024, num projeto sobre reprodução política da riqueza. Seja qual for a resposta, já sabemos qual pergunta deveria ser feita: por que o Congresso está mantendo os seus amigos na elite brasileira livres de pagar o que os mais pobres já pagam e chamam isso de justiça?  

A guerra Irã-Israel mostra que o rei (das moedas) está nu, por Marcos de Vasconcellos

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Ouro, franco suíço e até mesmo a Bolsa brasileira tiveram um desempenho melhor do que o dólar no primeiro choque do conflito, entre os dias 12 e 16 deste mês Marcos de Vasconcellos, Jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado. Folha de São Paulo, 23/06/2025 Além de evidenciarem a perda da humanidade em inúmeros aspectos, os recentes ataques entre Israel e Irã evidenciaram que o rei (das moedas) está nu. O dólar serviu como porto-seguro nas escaladas de conflitos geopolíticos pelo menos desde o acordo de Bretton Woods, que estabeleceu a moeda em referência global, em 1944, justamente logo após o pico de conflitos da Segunda Guerra Mundial, que viria a acabar quase um ano depois do acordo. Agora, sob Donald Trump, as perspectivas para a estabilidade e o crescimento dos Estados Unidos são tão incertas que, quando os mísseis cruzaram os céus no Oriente Médio, os grandes investidores preferiram espalhar suas economias em vez de recorrer à estratégia clássica de comprar dólares e concentrar-se nos EUA. Até então, enviar grana para os EUA era o chamado de “flight to quality” (voo para ativos de qualidade), onde a segurança e a liquidez eram claras. Não mais. Ouro, francos suíços e até mesmo a Bolsa brasileira tiveram um desempenho melhor do que o dólar no primeiro choque, entre os dias 12 e 16 deste mês. Não é que o mundo tenha encontrado um novo porto seguro. Simplesmente perdeu a fé no que usava até então. Como me disse outro dia o Felipe Miranda, da Empiricus, o substituto para o dólar, até agora, tem sido “tudo que não é dólar”. Nessa brecha, o Brasil apareceu como um destino para o dinheiro global. O Ibovespa, principal indicador da Bolsa, manteve-se acima dos 135 mil pontos. Não por mérito, mas por conveniência. Com uma Selic agora em 15% ao ano, o país entrou no radar de quem quer retorno. O real se valorizou, os fluxos estrangeiros aumentaram. Mas é bom manter os pés no chão. O dinheiro que vem por especulação pode sair em um clique. O risco do apagão da máquina pública segue, como falei no último texto aqui publicado na coluna. O jornalista Fernando Canzian trouxe um novo dado para a discussão: os gastos aumentaram em ritmo que é o dobro da arrecadação desde o início do governo Lula 3. E a Anatel já foi a público dizer que a pane seca começou, avisando que não tem dinheiro para cortar os sites de bets (casa de aposta) ilegais. Operando na dobradinha emergência e improviso, o governo Lula liberou mais de R$ 600 milhões em emendas parlamentares em uma semana, tentando ganhar fôlego político para aprovar suas novas taxações no Congresso. É o retrato de um Estado que gasta o que não tem para manter alianças, mas não arranjou uma equação para ajustar as contas e atrair o dinheiro a longo prazo. Para o investidor, vale aproveitar o momento, sem baixar a guarda. O real valorizado, infelizmente, ainda não é sinal de robustez, é reflexo de um fluxo volátil que pode se inverter a qualquer sinal de queda dos juros nos EUA. É um movimento tático, não estrutural. Diversificar seus investimentos também de maneira geográfica, apostando em ativos internacionais, segue uma boa ideia, ainda que o dólar tenha caído nos últimos meses. A pior armadilha nesse cenário é acreditar que o Brasil mudou porque o dólar fraquejou. O Brasil não virou destino —virou escala. A guerra no Oriente Médio mostrou que o dólar perdeu o monopólio do medo, mas o real não é seu herdeiro.  

O mapa religioso do Brasil e o avanço do fanatismo por Dora Incontri

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Dora Incontri – GGN – 18/06/2025 Corre nas redes um vídeo assustador. 1.500 jovens na Universidade Federal de Minas Gerais, uma das melhores do país, reunidos num culto evangélico, dentro do espaço universitário. Hinos, batismos, conversões, “milagres”, centenas de alunos de joelhos, “pedindo perdão pelos pecados da universidade brasileira”. A cena me lembrou um livro que uso em minhas aulas sobre a história do cristianismo: Cristianismo e paganismo, 350-750 – A conversão da Europa ocidental.  Ou ainda o filme Alexandria (2009), dirigido por Alejandro Amenábar, que conta a história da filósofa e astrônoma Hipátia, que costumo passar ou indicar para meus alunos. As duas fontes mostram como o cristianismo – leia-se o catolicismo – foi imposto a ferro e fogo, muitas vezes numa histeria coletiva, depois que o Imperador romano Constantino o adotou como religião (e mais especificamente o catolicismo, porque havia inúmeras denominações cristãs na época, por exemplo o arianismo, o pelagianismo, o montanismo, o marcionismo e dezenas de outras, todas declaradas heréticas pela Igreja Romana e que passaram a ser perseguidas, tanto quanto os cultos do paganismo). Desde então, o cristianismo, na versão católica, foi avançando mundo afora. O livro conta como multidões se entregavam ao batismo coletivo, penitentes dos pecados pagãos, e como templos, bibliotecas, lugares de ensino do mundo greco-romano foram sendo literalmente destruídos. Só para citar dois exemplos, a biblioteca de Alexandria foi em parte destruída por fanáticos cristãos (na mesma época em que martirizaram Hipátia) e a conversão da Alemanha ao cristianismo foi arrematada com a queda a machadas de um templo de Tor, liderada por São Bonifácio, por volta do ano 800. Então… sabemos para onde nos levou esse movimento de tomada de poder pela igreja, com um cristianismo que pouco tinha a ver com o mestre Nazareno, exemplo de fraternidade, serviço ao próximo e compaixão. É a ameaça que sofremos atualmente, da civilização ocidental ser assaltada por uma histeria cristã fundamentalista, coletiva, fanática, que destrói outras religiões, que submete a massa a uma manipulação de sujeição e que arrasa com a arte, com a ciência, com a liberdade de pensamento e com a nossa esperança de um mundo igualitário, fraterno e fundante do Reino que Jesus queria implantar. Ou, dito de outra forma, de uma sociedade socialista, como tantos sonharam e pela qual lutaram até hoje. Eu prefiro refinar ainda o conceito e falar em uma sociedade anarco-socialista. Podemos agora comentar sobre o censo do IBGE, que trouxe algumas pequenas novidades em relação ao mapa das religiões no Brasil. Não poderia deixar de fazer algumas leituras a respeito, já que essa coluna trata de espiritualidade, como um dos seus eixos temáticos. A primeira constatação que já vem há pelo menos 5 décadas é o recuo dos católicos e o aumento dos evangélicos. E essa cena na Universidade Federal de Minas Gerais é o efeito concreto desse avanço. Diga-se, entre parênteses, que essa progressão não é majoritariamente dos setores mais tradicionais do protestantismo, mas sim dos pentecostais e neopentecostais. A novidade é que nesse censo publicado agora em 2025 e que traz os dados de 2022, os evangélicos (26,9%) cresceram com menos velocidade. Católicos (56,7%) continuam caindo, espíritas (1,8%) (sempre colocados em terceiro lugar entre as religiões no Brasil), decaíram ligeiramente. Digno de nota é o aumento percentual de adeptos de religiões afro-brasileiras (1%) e de pessoas sem religião (9,3%) (que engloba ateus, agnósticos, mas cuja predominância parece ser de pessoas – jovens – com uma espiritualidade livre, difusa, não aderente a uma religião em particular). Algumas considerações: sabemos que há um projeto, ligado a uma “teologia de domínio”, importada dos EUA, que está em pleno vigor no governo atual do império do norte, mas que já vem sendo amarrada há décadas. É um avanço agressivo de setores hiper conservadores de evangélicos e católicos (por exemplo, o vice de Trump, J.D. Vance, é um desses católicos radicais) que pretendem resgatar valores tradicionais cristãos, como agendas patriarcais, antifeministas, contra direitos humanos, contra pautas LGBTQI+, contra lutas antirracistas e sobretudo contra tudo que é de esquerda, em completo alinhamento com um projeto neoliberal e de extrema direita. Assim, o desaceleramento do crescimento evangélico entre nós é uma meia boa notícia, pois seus adeptos continuam crescendo de qualquer forma, mas o pior é que estão avançando os sinais para minar completamente o Estado laico, a escola pública laica e agora até as universidades públicas, onde não deveria haver qualquer movimento religioso, muito menos dessa forma invasiva e fanática. Por outro lado – não encontrei informações estatísticas sobre isso – dentro do catolicismo (ainda em declínio), há hoje um reavivamento de setores também radicais, que oraram pela morte do Papa Francisco e fazem pregações misóginas e contra todas as pautas progressistas, marcando um território em comum com os evangélicos conservadores. Duas boas novidades, que aponto neste novo censo: o avanço dos afro-brasileiros e os dos sem religião. O primeiro caso, me parece, se deve a um processo recente de identificação cultural e ancestral com as raízes afro, coisa que era muito reprimida anteriormente. Embora, ainda muitos adeptos dessas religiões sejam brancos e a maior contingência de negros se encontre entre os evangélicos. O segundo caso indica um desejo de espiritualidade mais livre, menos institucional por parte das novas gerações, fato que já analisei aqui em outro artigo. Entretanto, do que tenho sido cobrada, desde que saiu o resultado do censo em relação às religiões, é que me pronuncie sobre o leve declínio dos espíritas. Tenho algumas hipóteses explicativas para esse dado. 1) a migração de espíritas para religiões afro (conheço pessoalmente vários), sobretudo para a Umbanda, por conta da maior liberdade de participação no fenômeno mediúnico (usando um termo kardecista). 2) o enrijecimento institucionalista e dogmático do movimento espírita hegemônico, liderado pela Federação Espírita Brasileira e seus seguidores, afastando jovens e pessoas de senso crítico. 3) a adoção de grande parte do movimento (esse mesmo hegemônico) a pautas de direita e extrema direita. Muita gente foi expulsa ou saiu espontaneamente dos centros espíritas, que apoiaram de maneira explícita a barbárie bolsonarista. 4) o abafamento da mediunidade, que constitui o cerne do espiritismo de Kardec, com imposições que acabam por tornar a prática espírita uma coisa sem experiências espirituais vivas, que são fonte de convicção. Há um movimento espírita progressista, que tem avançado nos últimos anos, tecendo reflexões e lançado iniciativas para retomar o que, a nosso ver, pode ser uma revivescência do espiritismo genuíno, dinâmico e crítico como proposto por Kardec. E esse movimento, de qualquer maneira, está mais perto desses que querem uma espiritualidade livre (mas também crítica) do que os que seguem setores radicais e dogmáticos das religiões tradicionais. Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.

O rei do ovo, por Francisco Alano

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Francisco Alano – A Terra é Redonda – 20/06/2025 Ricardo Faria: bilionário do ovo critica Bolsa Família e paga salários 20 vezes menores no Brasil No dia 17 de junho de 2025, fomos surpreendidos com entrevista de Ricardo Faria, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, em que afirma, entre outras coisas, “que contratar no Brasil é um desastre porque as pessoas estão viciadas no Bolsa Família”. Segundo ele, a holding Global Egss, de sua propriedade, com sede em Luxemburgo, produz cerca de 13 bilhões de ovos por ano, através das empresas Granja Faria (Brasil), Hevo Group (Espanha) e a recém adquirida Hillandale Farms (Estados Unidos). Declarou que compra uma empresa por mês e financia candidaturas consideradas liberais como Jair Bolsonaro (PL), Tarcísio de Freitas (Republicanos), Kim Kataguiri (União Brasil) e Martel Van Hattem (Novo-RS). Afirmou que paga aos trabalhadores da sua empresa nos Estados Unidos, para embalar ovos, US$ 20 (R$ 110,00) por hora. Dá US$ 1.100 (R$ 6.050,00) por semana e US$ 5.000 (R$ 26.000,00) por mês. Oitenta por cento dos negócios da empresa é fora do Brasil e sua residência fiscal é no Uruguai. E por fim reclamou que a carga tributária no brasil é alta, as taxas de juros elevadas e há forte burocracia em cima das empresas. As reações contra a entrevista de Ricardo Farias foram imediatas e contundentes. Segundo dados publicados nas redes sociais, a Granja Faria paga para um operador de produção um salário médio de R$ 1.670,00 ou R$ 48,00 líquido por dia, para fazer o manejo de aves, coleta de ovos e limpar o local, exigindo ainda disponibilidade para morar na granja e vivência no ramo de avicultura. O influenciador Felipe Neto comentou nas redes sociais que além de ser um salário miserável, inferior à média nacional para a mesma função, ele ainda quer que a pessoa abandone a própria família, vá viver numa granja e passe o dia todo coletando ovos e manuseando galinhas para receber em média R$ 1.670,00 mensal. Os problemas nas empresas de Ricardo Faria não se restringem à baixa remuneração. Segundo o jornal O Globo, ele foi alvo, em 2023, de inquérito do Ministério Público do Trabalho do Piauí, por irregularidades nos contratos de trabalho, suposta ausência de pagamento de salários e benefícios. Constam ao menos outros 17 processos trabalhistas no Tribunal Regional do Trabalho do estado. Nas ações os autores apontam irregularidades em rescisão de contrato de trabalho, pagamento de horas extras, pagamento de verbas rescisórias, remuneração e pagamento de indenizações e benefícios. Um dos autores pede indenização por danos morais e assédio moral. Além disso Ricardo Faria é alvo de processos trabalhistas em outros estados, especialmente em Mato Grosso, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e Maranhão. Este mercenário, mais conhecido pela síndrome de vira lata, paga quase vinte vezes mais para um trabalhador americano em relação a um trabalhador brasileiro e reclama que os trabalhadores brasileiros estão viciados no Bolsa Família. Sabemos que o problema não é falta de mão de obra tampouco o Bolsa Família, mas sim o que a empresa se propõe a pagar aos trabalhadores. Ao declarar que a sua residência fiscal é no Uruguai, a sede da sua empresa é em Luxemburgo e 80% da produção de ovos está fora do Brasil, demonstra bem o compromisso do mesmo com o nosso País. Boa parte da sua movimentação financeira e dos seus negócios parece que estão em paraísos fiscais, certamente para se beneficiar de isenção de impostos e sonegação fiscal. O empresário estreou em 2024, na lista da Revista Forbes, na 21ª. posição, com um patrimônio de 17,45 bilhões de reais. Esse cara é bilionário. Se ele reduzisse em alguns milhões a sua distribuição de lucro anual, poderia aumentar consideravelmente o salário de todas essas pessoas e ainda ofereceria uma vida digna para todos eles. Somente a indignação e união de todos os brasileiros poderá mudar este quadro de exploração dos trabalhadores. Francisco Alano é presidente da Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina.  

Ambição, guerras e o caos

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A comunidade internacional caminha a passos largos para uma grande destruição global, depois de anos de convivência conflituosa, discursos belicosos, confrontos verbais e discussões improdutivas, além do avanço crescente da violência verbal, os seres humanos estão conseguindo superar sua mediocridade, as ofensas estão se transformando em guerras campais, bombas sobrevoam os céus, destruindo comunidades inteiras, devastando países, degradando famílias, espalhando rancores e ressentimentos e continuamos colhendo a devastação dos seres humanos, destruindo o planeta e nos afastando do conceito de civilização e nos aproximando dos mais terríveis animais. Vivemos momentos de grandes instabilidades econômicas, polarização política, conflitos comerciais, violências crescentes dentro das nações, ataques sistemáticos contra a democracia, avanços de regimes autoritários, incremento de grupos fascistas, degradação das universidades e do pensamento científico, tentativa de fragilização das instituições nacionais e o estímulo de uma realidade paralela, onde tudo se transforma em narrativas, espalhando inverdades e se aproximando de um caos generalizado, com impactos para todos  os grupos mais fragilizados, beneficiando os mais endinheirados, setores que controlam o grande capital, a mídia comercial e os grupos políticos. Neste momento percebemos o crescimento dos cenários belicosos em todas as regiões do mundo, as conversações diplomáticas são limitadas, as discussões das agências multilaterais são substituídas pelo crescimento acelerado dos gastos militares, nações que historicamente se destacavam como pacíficas e amistosas estão entrando numa verdadeira corrida armamentista destrutiva, com incremento dos gastos militares, dispêndios crescentes em armas de destruição em massa, com drones, aviões de guerra, caças, blindados e armas nucleares. Diante deste cenário do crescimento dos conflitos entre nações, alguém racionalmente poderia imaginar, que, num ambiente marcado por tantas potências nucleares, alguém conseguirá sobreviver neste cenário de caos nuclear? Países europeus que reduziram imensamente os dispêndios militares depois da segunda guerra mundial em prol de um Estado de bem-estar social, estão aumentando os recursos monetários para alavancar os gastos militares, grandes conglomerados de defesa estão recebendo bilhões e trilhões de euros para desenvolverem tecnologias militares, com o aumento da produção de drones de alta complexidade, incremento das pesquisas militares para o desenvolvimento de novas tecnologias e o aumento dos lucros, já elevados, de poucos conglomerados que dominam esses setores. Neste cenário, percebemos que os recursos para alavancar os gastos militares europeus tendem a ser retirados dos gastos sociais, reduzindo benefícios da população mais fragilizada, diminuindo as políticas públicas que sempre garantiram melhores condições de vida da população europeia e, num futuro próximo, se este cenário se efetivar, os conflitos sociais tendem a aumentar de forma acelerada, difundindo ressentimentos generalizados, aumentando o desemprego estrutural, elevando a desesperança da população, reduzindo a solidariedade, o crescimento do individualismo e destruindo os laços de convivência social. Nesta semana a comunidade mundial acordou chocada com mais uma guerra em curso na sociedade global, ataques militares, mortes violentas e destruições tendem a aumentar os confrontos entre nações, elevando a tensão na sociedade mundial, impactando sobre o preço do petróleo, aumentando a inflação e gerando impactos negativos para os grupos mais fragilizados. Se a degradação do meio ambiente não foi suficiente para levar as elites globais a acordarem para este cenário de destruição, quem sabe um conflito nuclear tenha mais êxito para convencer que estamos caminhando rapidamente para o caos e a destruição. Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.