América do Sul – um continente partido e tutelado, por José Luís Fiori

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José Luís Fiori – A Terra é Redonda – 15/01/2025

No início do século XXI os Estados Unidos reduziram seu grau de envolvimento político com os assuntos sul-americanos. Esse “déficit de atenção” durou até o “desembarque” econômico dos chineses na América do Sul, e até o início do conflito na Ucrânia.

A história sul-americana foi sempre condicionada por uma geografia extremamente difícil, por uma economia fragmentada e voltada para fora, e por uma submissão, uma geografia extremamente difícil, por uma economia quase permanente à tutela militar da Inglaterra, no século XIX, e dos Estados Unidos, no século XX. E é possível afirmar, de alguma forma, que até hoje o continente se debate com esses constrangimentos originários e estruturais.

 

Uma geografia partida

 

O continente sul-americano está situada entre o Mar do Caribe, ao norte; o Oceano Atlântico, ao leste, nordeste e sudeste; e o Oceano Pacífico, a oeste. Sua superfície, de 17.819.100 km2, ocupa 12% da Terra e possui 6% da população mundial. Está separado da América Central pelo Istmo do Panamá; e da Antártida, pelo Estreito de Drake, e tem uma extensão de 7.500 km desde o Mar do Caribe até o Cabo Horn, no extremo sul. Cerca de quatro quintos do continente ficam abaixo da Linha do Equador, que corta Peru, Colômbia, Brasil e o país que leva o nome de Equador.

A América do Sul possui três grandes bacias hidrográficas: do Rio Orinoco, do Rio Amazonas e do Rio da Prata, e seus rios interiores possuem enorme potencial para navegação e aproveitamento de energia hidráulica. Os três sistemas drenam em conjunto uma área de 9.583.000 km2.

No entanto, o mais importante, do ponto de vista geopolítico, é que se trata de um espaço geográfico inteiramente segmentado por grandes barreiras naturais que dificultam enormemente sua integração física, como é o caso da Amazônia e da Cordilheira dos Andes, que tem 8 mil Km de extensão e atinge 6.700m de altitude, oferecendo apenas alguns pontos de passagem naturais. Na região da Floresta Amazônica, predominam as terras úmidas; na região central do continente, áreas alagadas, como o Pantanal brasileiro e o Chaco boliviano; mais ao sul, há planícies e cerrados; e na costa leste, a floresta original cedeu lugar a agricultura, urbanização e indústria.

O litoral atlântico é baixo e possui uma larga plataforma marítima, ao contrário do litoral do Pacífico, que possui grandes profundidades e onde não existem plataformas continentais. Nos Pampas de Argentina, Uruguai, Paraguai e sul do Brasil, encontram-se as terras mais férteis do continente e algumas das melhores do mundo. Existem, ainda, algumas pequenas áreas com bons solos nos vales andinos e na zona central do Chile, na planície equatoriana de Guayas e no vale colombiano de Cauca, além das terras roxas, no lado brasileiro da bacia do Paraná.

Por outro lado, as terras da bacia Amazônica e a maior parte das planícies tropicais são muito pobres e de baixa fertilidade, o que explica o fato de que a população das terras tropicais da Venezuela, Guiana e Suriname viva quase toda a poucos quilômetros da costa. A combinação de montanhas e florestas tropicais também limita enormemente as possibilidades de integração econômica dentro do arco de países que se estende da Guiana Francesa até a Bolívia.

No caso do Peru, por exemplo, existe uma clara divisão econômica e social em seu território, entre as zonas costeiras, onde se concentra a atividade extrativa e de exportação, e um interior extremamente isolado e atrasado economicamente. O Chile, por sua vez, possui um clima temperado e terras produtivas, mas é um dos países mais isolados do mundo, o que dificulta sua integração econômica com os demais países do “cone sul” – Argentina, Uruguai e Brasil – e o transforma obrigatoriamente numa economia aberta a exportadores, voltada quase exclusivamente para os EUA e os países asiáticos do Pacífico.

O mesmo se pode dizer dos demais países sul-americanos. Sua inserção na divisão internacional do trabalho, na condição de exportadores de commodities, reforçou sua ocupação econômica e demográfica inicial, dispersa e voltada para o litoral, sempre em busca dos mercados centrais, e com escasso interesse nos mercados regionais. Até o final do século XX, o Atlântico foi mais importante do que o Pacífico para o comércio de largo curso da América do Sul, e a presença de importantes bacias hidrográficas articuladas ao litoral atlântico, além da maior proximidade da Europa e dos EUA, desfavoreceu o lado pacífico do continente nos dois primeiros séculos de sua história independente.

Este panorama econômico vem mudando no século XXI, com o aumento da importância da bacia do Pacífico, graças ao deslocamento do centro mais dinâmico da economia mundial para o Leste e Sudeste Asiático, e à transformação da China no novo dínamo da economia sul-americana. A “virada” ao Pacífico, entretanto, representa ao mesmo tempo um desafio e uma ameaça. Desafio pela dimensão financeira do projeto de integração bioceânica, e ameaça porque o desenvolvimento deste projeto só se viabilizará com a participação da China, que está sendo definida pelos Estados Unidos, neste momento geopolítico do mundo, como seu grande competidor estratégico que deve ser cercado e bloqueado em todos os pontos do sistema econômico mundial.

 

Uma história tutelada

 

Do ponto de vista geopolítico, entretanto, a América do Sul viveu quase toda a sua história independente sob a tutela anglosaxônica: primeiro da Grã-Bretanha, até o fim do século XIX, e depois dos Estados Unidos, até o início do século XXI. Além disso, durante o século XIX, foi uma zona de experimentação do “imperialismo de livre comércio” da Grã-Bretanha, e no século XX em particular, depois da 2ª Guerra Mundial, transformou-se num aliado incondicional da política externa norte-americana, que promoveu ativamente a redemocratização e o desenvolvimento do continente na década de 1950.

Nos anos 1960, entretanto, depois da vitória da Revolução Cubana, os Estados Unidos apoiaram os golpes de Estado e a formação de governos militares em quase todo o continente sul-americano. E após o golpe que derrubou o presidente Salvador Allende no Chile, em 1973, incentivaram a mudança da política econômica dos governos sul-americanos, que abandonaram – em sua maioria – seu “desenvolvimentismo” do pós-guerra.

No início dos anos 1980, a política do “dólar forte” do governo americano provocou um forte desequilíbrio dos balanços de pagamento na América Latina e deu origem à “crise da dívida externa” que atingiu toda a região, liquidando definitivamente o modelo desenvolvimentista brasileiro que havia sido o mais bem-sucedido da região.

A crise se prolongou por toda a década, mas ao mesmo tempo conviveu com o fim das ditaduras militares e com o início dos movimentos de redemocratização de quase todos os países do continente. Mais uma vez, entretanto, os novos governos democráticos sul-americanos aderiram em conjunto ao projeto da “globalização liberal” liderado pelos Estados Unidos, e às políticas neoliberais do chamado “Consenso de Washington”, que produziram sucessivas crises cambiais – no México, em 1994; na Argentina, em 1999; e no Brasil, em 2001 –, antes de serem abandonados e substituídos por governos que tentaram levar à frente, durante uma década, uma agenda experimental antineoliberal, sem deixar de alinhar-se à estratégia geopolítica global de combate ao terrorismo comandada pelos norte-americanos.

Relembrando a história: depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, em Washington e New York, a política externa norte-americana mudou de rumo, relegando ao segundo plano as questões econômicas e priorizando o combate global ao terrorismo. Nesse novo contexto, o governo republicano de George W. Bush manteve seu apoio ao projeto da ALCA de integração econômica da América do Sul, proposto na década de 90 pela administração Clinton, mas já sem o entusiasmo das administrações democratas. Até porque a resistência sul-americana e, em particular, a oposição do Brasil e da Argentina após 2002, esvaziaram e logo engavetaram a proposta norte-americana em 2005.

Os EUA mudaram, então, seu projeto inicial e passaram a negociar tratados comerciais bilaterais com alguns países do continente. Assim, depois do fracasso das políticas neoliberais do Consenso de Washington, do abandono do projeto da ALCA e da desastrosa intervenção norte-americana a favor do golpe militar da Venezuela, em 2003, os Estados Unidos mudaram sua posição no que se referia aos assuntos continentais, atraídos cada vez mais pelos novos desafios que vinham da Ásia e do Oriente Médio, e do avanço da OTAN na direção da Europa do Leste.

Essa tendência se fortaleceu na segunda década do século XXI, quando o esfacelamento da “ordem mundial” estabelecida depois da Guerra Fria e a mudança do foco geopolítico mundial reduziram a quase nada a atenção americana em relação à América do Sul, o que não impediu que eles apoiassem os golpes de Estado de Honduras, Paraguai e Brasil durante o governo democrata de Barack Obama.

Na terceira década do século, entretanto, depois da catástrofe da pandemia de Covid-19 e frente ao desafio das guerras da Ucrânia e de Gaza, e mais ainda, face ao deslocamento do eixo dinâmico da economia mundial na direção da Ásia e da China, em particular, a América do Sul reduziu ainda mais sua importância geopolítica e geoeconômica no sistema internacional, dividindo-se de cima abaixo frente ao conflito entre Estados Unidos e Venezuela, e desintegrando-se como um ator geopolítico global.

As vezes de forma mais lenta, às vezes mais acelerada, algumas mudanças vêm acontecendo no panorama geopolítico e geoeconômico da América do Sul. Em algumas mudanças vêm acontecendo no panorama alguns casos, reforçando velhos caminhos e “vocações” do continente; em outros, abrindo novas perspectivas e oportunidades que poderão ou não ser aproveitadas pelos 12 países que convivem lado a lado dentro desse território recortado por tantas barreiras geográficas, e tão próximo dos Estados Unidos. Destacamos em seguida quatro mudanças que deverão pesar decisivamente sobre o futuro continental.

 

O aumento da assimetria sul-americana

 

Em 1950, os dois países mais ricos da América do Sul – Brasil e Argentina – tinham mais ou menos o mesmo PIB, apesar de que os argentinos tivessem uma renda per capita, homogeneidade social, nível educacional e qualidade de vida extraordinariamente superiores em relação aos brasileiros. Hoje, setenta anos depois, a situação mudou radicalmente: se o PIB dos dois países girava em torno de US$ 80 bilhões em 1950, 70 anos depois, o PIB brasileiro multiplicou 23 vezes e é hoje de cerca de US$ 2,17 trilhões, enquanto o argentino multiplicou-se apenas oito vezes no mesmo período, sendo hoje de 640 bilhões de dólares.

Uma assimetria entre os dois países que tende a aumentar exponencialmente nos próximos anos, e muito mais ainda entre o Brasil e os demais países sul-americanos. Hoje, o Brasil já possui metade da população e do produto sul-americano, e é o único país da região que tem alguma presença no tabuleiro geopolítico internacional.

Depois do Golpe de Estado de 2016, entretanto, e até 2022, dois sucessivos governos de direita alteraram radicalmente a política externa, afastando o Brasil de todas as iniciativas integracionistas na América do Sul, ao mesmo tempo que se alinhava aos Estados Unidos e à OTAN, frente aos conflitos internacionais fora do continente. Em 2023, entretanto, o país retomou o rumo anterior de sua política externa e vem assumindo posições cada vez mais ativas no campo internacional, no grupo do BRICS, na presidência rotativa do G20 e na liderança mundial da luta pela sustentabilidade e controle das mudanças climáticas.

No seu próprio continente, entretanto, o Brasil vem encontrando grandes resistências, que muito têm a ver com o aumento da assimetria regional, em que o Brasil aparece hoje como uma espécie de “elefante no meio da sala”.

 

A expansão da presença chinesa

 

A segunda grande transformação da América do Sul, nas primeiras décadas do século XXI, foram o surgimento e a expansão acelerada do papel da China no desenvolvimento econômico do continente. Em apenas três décadas, o fluxo comercial entre América do Sul e China cresceu de US$ 15 bilhões em 2001, para cerca de US$ 300 bilhões em 2019. E o fluxo dos investimentos diretos chineses na região cresceu e se manteve em torno de US$ 10 bilhões anuais, em média, entre 2011 e 2018. Brasil, Peru e Argentina receberam a maior parcela desses investimentos até 2022, ficando o Brasil com 22% deste total, incluindo a fabricação de veículos elétricos, aquisição de ativos de lítio, expansão da Huawei e de outras empresas chinesas de data centers, computação em nuvem e tecnologia 5G, e em grande quantidade de infraestrutura elétrica.

Nas duas primeiras décadas do século XXI, a China também dobrou sua participação nas importações realizadas pelos países sul-americanos, cujo valor bruto cresceu mais de 700%, enquanto as exportações brasileiras para a América do Sul, por exemplo, no mesmo período, cresceram menos de 40% do crescimento chinês. Mesmo durante a crise econômica de 2008, a participação brasileira no mercado argentino recuou de 42% para 31,5%, enquanto a participação chinesa subiu de 21,5% para 30,5%. E o mesmo aconteceu na Venezuela, onde a participação chinesa subiu de 4,4% em 2008, para 11,5% nos quatro primeiros meses de 2009.

Hoje, a China é o maior parceiro comercial do Brasil, do Chile e do Peru no continente sul-americano, e está entre os três maiores parceiros comerciais de todos os países do continente. Só no caso brasileiro, 30,6% de suas exportações em 2023 foram para a China, que foi ao mesmo tempo o maior fornecedor de bens importados pelo Brasil. E oito países sul-americanos já fazem parte da iniciativa da Belt and Road chinesa: Argentina, Peru, Bolívia, Chile, Guiana, Suriname, Uruguai e Venezuela.

Na linguagem estruturalista clássica, pode-se afirmar que nesse período a China se transformou no novo “centro cíclico principal” da economia sul-americana. E hoje, como no passado, o principal interesse dos chineses na América do Sul segue sendo seus recursos naturais e minerais, apesar de também estarem participando das grandes licitações governamentais da região. E o cenário para os próximos anos promete uma oferta excedente de produtos e capitais chineses, que deve derrubar barreiras e constituir um imenso desafio competitivo para os capitais norte-americanos e brasileiros.

 

A nova estratégia norte-americana de “polarização mundial”

 

A terceira grande mudança aconteceu no campo das relações da América do Sul com os Estados Unidos, que nunca abandonaram sua Doutrina Monroe, formulada em 1823 com o objetivo de combater e expulsar a influência europeia do continente sul-americano. A diferença é que, no século XIX, esse discurso era contrário aos interesses das potências coloniais europeias, e favorável à independência de suas colônias sul-americanas.

Na primeira metade do século XX, entretanto, a mesma doutrina legitimou a intervenção norte-americana na América Central e Caribe, para mudar governos e regimes que eles consideravam contrários aos seus interesses. E na segunda metade do século, ela voltou a ser utilizada para “proteger” os países da América do Sul, só que agora contra a “ameaça comunista”, que justificou o apoio norte-americano a uma sucessão de golpes e regimes militares que liquidaram a democracia no continente, destruindo ao mesmo tempo sua soberania e seus projetos autônomos de futuro.

No início do século XXI, durante a sua “guerra global ao terrorismo”, os Estados Unidos reduziram seu grau de envolvimento político com os assuntos sul-americanos. Um “déficit de atenção” que durou até o “desembarque” econômico dos chineses na América do Sul na segunda década do século, e até o início do conflito entre os Estados Unidos e a Rússia, na Ucrânia, após o golpe de Estado de 2014.

Desde então, os Estados Unidos vêm se propondo “repolarizar o mundo” no estilo da Guerra Fria do século XX, de maneira que os demais países do sistema internacional, e também da América do Sul, teriam que se posicionar de um lado ou de outro da “linha vermelha” estabelecida por eles e seus aliado europeus.

 

O declínio do projeto de integração sul-americano

 

A maioria dos países sul-americanos superou o impacto da crise de 2008 mais rapidamente do que no resto do mundo, graças à grande demanda de seus produtos de exportação por parte das economias asiáticas, da China em particular, que sustentaram as quantidades e os preços das commodities sul-americanas num nível extremamente elevado.

Mas este sucesso de curto prazo provocou um efeito inesperado em toda a América do Sul, ao aprofundar, de forma paradoxal, as velhas dificuldades enfrentadas desde sempre pelo projeto de integração econômica da América do Sul. Basta dizer que, na América do Norte, o comércio intrarregional é da ordem de 40% do seu comércio global; na Ásia, de 58%; e na Europa, de 68%; enquanto na América do Sul, mal chega aos 18%.

 

Os caminhos do futuro

 

Dividida em blocos, e com a maior parte dos países separados ou distantes do Brasil, por conta do contencioso venezuelano, a América do Sul deverá se manter na sua condição tradicional de periferia econômica do sistema internacional, mesmo diversificando e ampliando seus mercados na direção da Ásia. Para não ser assim, o Brasil terá que assumir a “liderança material” do continente, construindo uma estrutura produtiva que combine indústrias de alto valor agregado e tecnologias de ponta, com a produção de alimentos e commodities de alta produtividade, mantendo sua condição de grande produtor de energia tradicional e “energia limpa”.

Neste caso, o Brasil poderá mudar o rumo da região, transformando-se na sua “locomotiva econômica”, por cima das divergências políticas e ideológicas que hoje dividem e imobilizam um continente que – sem o Brasil – não tem a menor relevância geopolítica dentro do Sistema Mundial.

Neste ponto, entretanto, não há como enganar-se: o Brasil enfrentará nos próximos anos uma concorrência acirrada e um boicote explicito do governo de Donald Trump que considera que a única relevância da América do Sul é pertencer ao “quintal dos Estados Unidos”.

*José Luís Fiori é professor emérito da UFRJ. Autor, entre outros livros, de Uma teoria do poder global (Vozes)

 

A nova onda de falta de controle nas redes sociais, por Ana Fontes

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Em que momento da nossa história combater preconceitos passou a ser secundário?

Ana Fontes, É empreendedora social e fundadora da RME (Rede Mulher Empreendedora). Vice-presidente do Conselho do Pacto Global da ONU Brasil e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República

Folha de São Paulo, 18/01/2025

Onde foi que nos perdemos? Quando pautas de direitos humanos se tornaram pautas político-partidárias? Em que momento da nossa história combater preconceitos, defender o clima, promover inclusão e diversidade passaram a ser secundários? Essas questões deveriam ser universais, abraçadas por todos que acreditam em um mundo melhor, onde cada pessoa tem acesso a direitos básicos como água potável, saúde, educação e alimentação. Em suma, o direito a uma vida digna.

Como chegamos a esse ponto de retrocesso? Um movimento preocupante nas grandes empresas já era visível desde o final de 2024, quando muitas encerraram áreas dedicadas à sustentabilidade e diversidade. Para quem já considerava isso um retrocesso grave, o cenário ganhou contornos ainda mais sombrios em janeiro deste ano, com o anúncio de Mark Zuckemberg.

O criador da Meta declarou que irá seguir os passos de Elon Musk, dono da plataforma X (antigo Twitter), em uma política que privilegia a “liberdade de expressão” —um alinhamento direto com o discurso do governo Trump, que reassume a presidência dos Estados Unidos neste mês. Este movimento que eu defino como meninos mimados liderando o mundo, é perigoso de infinitas formas.

Entre as medidas anunciadas, Zuckerberg decidiu encerrar os programas profissionais de checagem de fatos em suas plataformas, substituindo-os por um sistema de “colaboração da comunidade”, o mesmo modelo usado por Musk. Segundo ele, a ideia é garantir a liberdade de expressão dos usuários.

Contudo, as consequências dessa decisão são previsíveis. Em suas próprias palavras, as instituições foram “castradas” e precisam de uma “energia mais masculina”. Essa narrativa reflete o poder de homens que, embora privilegiados, ignoram responsabilidades sociais.

Os efeitos desse posicionamento são claros: meninas/mulheres e outros grupos minorizados que são alvos recorrentes de ataques online serão ainda mais vulneráveis. Com a falta de regulação e a permissão para conteúdo prejudicial, essas populações enfrentarão riscos crescentes para sua saúde física e mental. É um reflexo direto do aumento do efeito backlash —uma resposta coordenada e negativa contra avanços sociais, ou seja um retrocesso.

Em contraste, o governo brasileiro já se posicionou afirmando que tais mudanças violam a Constituição. Ainda assim, resta o desafio de pressionar grandes empresas para que reintegrem pautas sociais em suas estratégias corporativas. Essas questões são cruciais para garantir o bem-estar de meninas e mulheres no Brasil e no mundo.

O que precisamos é de um esforço coletivo para resistir a esse retrocesso e reafirmar a importância dos direitos básicos e da dignidade humana como pilares fundamentais da sociedade.

 

O ameaçador mundo novo, por Fernando Gabeira,

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Fernando Gabeira, O Estado de São Paulo, 17/01/2025

O anúncio da Meta indicando que vai alterar seu sistema de trabalho trouxe um grande debate ao Brasil. A empresa decidiu acabar com a estrutura de mediação dos posts e aceitar alguns comportamentos retrógradas, como associar orientação sexual a doença.

Nem todas as decisões da Meta coincidem com a legislação brasileira, bastante clara sobre racismo e homofobia. Certamente não coincide com a legislação escocesa, que recentemente lançou um ato sobretudo para proteger as pessoas trans.

É mais ou menos consenso que as empresas têm o direito de definir suas normas, mas precisam respeitar as legislações nacionais. É uma questão de soberania.

No entanto, por mais acalorado que seja, esse debate não atinge ainda a dimensão das mudanças que estamos experimentando. Formou-se uma coalizão de bilionários em torno do governo Donald Trump, alguns deles como Elon Musk e Mark Zuckerberg, donos das big techs que controlam a infra do debate mundial nas redes.

Esse é um desafio histórico, sem precedentes e muito imediato para que possamos ter alternativas acabadas para ele.

Uma linha de raciocínio e também de estudo é compreender que a ideia de soberania nacional não pode se limitar a um debate sobre como aplicar a lei nas redes, mas precisa avançar desse plano simbólico para o plano econômico.

As redes sociais têm hoje uma importância enorme no comércio assim como são a chance de renda para milhares de trabalhadores autônomos. Sem elas, viveríamos um baque sem precedentes.

Lula da Silva fez uma reunião para ver como tratariam as normas da Meta, que na verdade tornaram-se idênticas às do X. Ao invés de estruturas de moderação, existem notas da comunidade. Portanto a Meta vai argumentar que atua no mesmo nível de legalidade do X. O argumento de que atinge um número maior de usuários não tem fundamento, na medida em que a lei não diferencia o tratamento das redes pelo número de usuários.

Uma das reuniões necessárias poderia, por exemplo, avaliar possibilidade de reduzirmos a dependência das big techs. Esse tipo de reunião tem de contar com gente que conheça bem e consiga mapear o longo e áspero caminho pela frente.

Não sou especialista nesses temas. Mas tenho uma intuição na qual pretendo trabalhar. Essa coalizão que se formou em torno de Trump e tende a favorecer a extrema direita mundial, além de superpoderosa, nega as mudanças climáticas.

Alguns dos caminhos de adaptação às mudanças climáticas coincidem com a possibilidade de reduzirmos o poder das big techs sobre as estruturas nacionais.

Um deles é a transição energética no sentido da produção de energia barata, abundante e renovável. Esse tópico é essencial nos dois aspectos: redução das emissões e possibilidade de fornecer a matéria-prima para um mundo em que a inteligência artificial (IA) tem papel dominante.

A quantidade de energia que os centros de dados demandam é brutal e já tem um peso no consumo norte-americano. Alguns especialistas costumam dizer que a IA, para ter as mesmas possibilidades da mente humana, precisa da energia de toda uma hidroelétrica. Pode ser uma força de expressão, mas serve para ilustrar o problema.

Em termos de defesa diante das big techs, a descentralização que é demandada num mundo mais sustentável precisa se dar também na infraestrutura de comunicação. Quantos satélites temos, quantos precisamos, quem nos ajudará a lançá-los no espaço? Como estão as redes de fibra ótica, como construir novas e descentralizadas?

Da mesma forma, talvez seja preciso desenvolver tecnologias de comunicação offline, como servidores locais e intranet.

Assim como nas mudanças climáticas, é necessário incentivar a produção local para reduzir a dependência de cadeias globais.

Na pandemia, vimos nossas lacunas em material médico, abundante na Índia e China. Na guerra da Ucrânia, sentimos a falta de fertilizantes.

Além disso, precisaríamos avançar na formação de mão de obra qualificada em setores críticos: cibersegurança, engenharia de redes e gestão de crise.

Ideal também seria criar sistemas redundantes para várias rotas de cabos submarinos para comunicação global.

Enfim, será preciso investimento numa economia diversificada em inovação e tecnologia, e ainda assim estaríamos dependentes das redes pela sua importância decisiva para nossa sobrevivência.

As ideias que estou apresentando são apenas as que nascem da própria luta contra o aquecimento global, e também de sugestões da própria IA confrontada com a pergunta: o que um país pode fazer para se tornar menos dependente das redes?

Hoje estamos diante de uma realidade sem precedentes. O mundo caminha para ultrapassar os limites planejados para o aquecimento global e, ao mesmo tempo, está diante de uma forte coalizão de big techs em torno de um governo que nega o fenômeno, duvida das vacinas e não reconhece a necessidade de proteção de setores vulneráveis.

As tarefas para enfrentar esse novo momento são gigantescas. Diante delas as pequenas divergências são insignificantes, assim como a necessidade do diálogo é urgente, mesmo que a gente reconheça que nossas propostas são ainda embrionárias e só o tempo e a troca coletiva poderão amadurecê-las.

JORNALISTA

 

Varoufakis: Trump topará na muralha da China

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Planos do futuro presidente são contraditórios e escondem um provável desafio a Pequim. Mas os chineses resistirão. A dúvida é: estarão também dispostos a dar um grande salto e criar, em torno dos BRICS, uma ordem alternativa à do dólar?

Yanis Varoufakis – OUTRAS PALAVRAS – 16/01/2025

Donald Trump quer impulsionar as exportações de seu país, trazer empregos de volta para os Estados Unidos e reduzir o déficit comercial norte-americano. Para isso, ele precisa de um dólar mais fraco. Mas, ao mesmo tempo, ele quer um dólar forte, e não tolerará qualquer discussão sobre o fim do privilégio exorbitante da supremacia do dólar americano nas transações internacionais.

Trump pode ter ambos? Seu primeiro problema é que introduzir tarifas sobre produtos importados, projeto que anunciou com alarde, e no qual investiu muito capital político, provavelmente aumentará o valor do dólar.

Por quê? Principalmente porque toda vez que há incerteza global, devido a um problema que emana dos Estados Unidos — seja a crise de 2008 ou qualquer outra –, há, paradoxalmente, uma corrida de dinheiro estrangeiro para os Estados Unidos, elevando o valor do dólar.

Se as tarifas de Trump criarem incerteza global, o resultado provável será um aumento no valor do dólar. E esse é o seu primeiro problema. O resultado será que, mesmo que as importações inicialmente diminuam como resultado das tarifas elevadas, a entrada de capital nos Estados Unidos impulsionará o valor do dólar. Isso anulará quaisquer efeitos que as tarifas tenham tido, na limitação das importações e no aumento das exportações americanas.

O segundo problema de Donald Trump é que, se ele levar adiante suas propostas de grandes cortes de impostos, especialmente para corporações e oligarcas extremamente ricos dos Estados Unidos, isso também atrairá capital estrangeiro para seu país. E o que este movimento fará? Aumentará o valor do dólar e, assim, ampliará o abismo entre a poupança e o investimento norte-americanos — o investimento é muito maior do que a poupança – o que é uma das causas fundamentais do déficit comercial dos EUA.

O terceiro problema de Trump é o privilégio exorbitante do dólar. É a razão pela qual, sempre que há uma crise (especialmente quando se origina nos Estados Unidos), o dólar sobe e o déficit comercial dos EUA piora, especialmente durante períodos de redução da demanda e empregos nos Estados Unidos.

Portanto, se Donald Trump realmente quisesse reduzir o déficit comercial norte-americano, ele teria que acabar com o privilégio exorbitante do dólar. Mas, é claro, ele nunca permitirá isso, porque seus melhores amigos, sua tribo, são os rentistas e os financistas – que ficariam horrorizados se os Estados Unidos perdessem o privilégio exorbitante do dólar. É altamente improvável que Donald Trump queira ser o primeiro presidente norte-americano, desde a Segunda Guerra Mundial, a perder o poder hegemônico dos Estados Unidos, ao abrir mão do privilégio exorbitante do dólar.

Alguns argumentam – e acredito que têm razão, ao menos em parte – que talvez o que ele esteja tentando fazer é ameaçar o mundo, a China e a União Europeia em particular, com tarifas muito altas. O objetivo real seria chegar a um acordo que os leve a aceitar uma desvalorização do yuan, do euro e de outras moedas concorrentes, para que os Estados Unidos possam ver suas exportações aumentarem e as importações diminuírem.

Em outras palavras, fazer um acordo. Algo semelhante ao que Ronald Reagan fez em 1985. Os infames Acordos da Plaza supostamente foram uma reunião multilateral entre europeus, norte-americanos, canadenses, australianos. Na realidade, representaram um ultimato de Washington a Tóquio. Apreciem fortemente o iene! Caso contrário, vamos impor grandes tarifas sobre as exportações japonesas. Os japoneses cederam. Aceitar os Acordos de Plaza foi razão pela qual as enormes taxas de crescimento econômico vividas pelo Japão entre 1950 e 1985 despencaram, e porque o país perdeu seu vigor e dinamismo.

É provável que a China aceite um novo Acordo da Plaza? Eu atribuo probabilidade zero a essa hipótese. A China não é o Japão.

O Japão era um país ocupado pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos escreveram sua Constituição. Ainda há dezenas de milhares de soldados norte-americanos ocupando Okinawa. A China, volto a repetir, não é o Japão. É altamente improvável que aceitem isso, especialmente em um momento em que a conta de capital do país, do ponto de vista econômico, recomendaria uma desvalorização do yuan.

Os chineses nunca aceitarão uma grande valorização de sua moeda, que faça a diferença para o déficit comercial dos Estados Unidos, da maneira que Donald Trump gostaria. Contar com isso é atirar pedras à Lua.

Não há novos Acordos da Plaza entre os Estados Unidos e Pequim no horizonte, agora. Nesse sentido, parece muito improvável que Donald Trump consiga alcançar seus dois objetivos ao mesmo tempo: reduzir o déficit comercial dos EUA e manter o privilégio exorbitante do dólar.

A grande questão, no entanto, para 2025 e além, diz respeito ao dilema da China. Pequim decidirá manter-se estática, ganhando tempo até que as contradições internas dos Estados Unidos – o dilema de Trump – se desenrolem?

Ou Pequim fará a escolha, que ainda não fez? O governo chinês ainda não tomou uma decisão, e penso que fará isso em algum momento: tomar a decisão de converter a área dos BRICS em uma nova versão de Bretton Woods.

Assim como Bretton Woods tinha em seu centro o dólar norte-americano, a área dos BRICS teria o yuan como moeda central, com taxas de câmbio mais ou menos fixas entre o a moeda chinesa, a rúpia indiana e outras, e com o objetivo de reciclar os superávits da China dentro da área dos BRICS. Este seria o maior e mais letal perigo para o privilégio exorbitante do dólar.

Essa ainda não é uma decisão tomada. Em 2025 ou nos anos seguintes, penso que saberemos a resposta. Até lá, fiquem bem.

 

O que fazer para estabilizar a economia? Por Paulo Nogueira Batista Júnior

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Paulo Nogueira Batista Júnior

É preciso vencer a resistência da plutocracia nacional, que controla o Congresso e a mídia corporativa

A Terra é Redonda, 17/01/2025

Desde o final de novembro de 2024, a economia brasileira passou por intensa instabilidade financeira e cambial. Foi o pior momento da economia no governo Lula. Os mercados ficaram mais calmos neste início de ano, mas o câmbio permanece acima de 6 reis por dólar, com impacto adverso sobre a taxa de inflação e os juros.

O que fazer? Vou passar em revista algumas alternativas, sem a pretensão de esgotar o assunto ou sequer de fazer justiça às possibilidades que serão aventadas.

Há dois tipos de medidas: as mais convencionais e as menos rotineiras. O mais natural seria começar pelas convencionais. O governo já está tomando ou programando algumas medidas desse tipo.

No que diz respeito à política fiscal, é recomendável, em primeiro lugar, tomar providências adicionais de ajustamento para dissipar percepções ainda predominantemente negativas sobre as contas públicas. Medidas adicionais reduziriam as necessidades de financiamento do governo e a sua dependência em relação ao mercado financeiro. Em paralelo, caberia confirmar que o aumento da faixa de isenção do imposto de renda será compensado integralmente pelo aumento das alíquotas efetivas sobre os contribuintes de alta renda, especificando de que maneiras eles seriam chamados a contribuir mais.

Outro ponto importante seria reforçar a posição do ministro Fernando Haddad dentro do governo. Nos últimos meses, disseminou-se a suspeita de que ele estaria enfraquecido, o que contribuiu para o tumulto financeiro e a depreciação do real. Se o Presidente Lula atuar para desfazer essa suspeita, ficará mais fácil acalmar o mercado e formar expectativas positivas em relação à política fiscal.

Não se deve esquecer, leitor ou leitora, que dentro de qualquer governo todos os ministros querem gastar, menos um, o da Fazenda, que quer economizar. Por isso, ele é o único que nunca pode ser “fritado”. Mas, pensando melhor, essa observação deve ser supérflua, uma vez que o Presidente da República, no seu terceiro mandato, é um líder político super tarimbado.

Seja como for, o governo deve ter em mente que o ajuste fiscal envolve, sempre e em qualquer parte, um conflito distributivo. Ou seja: implica escolher quem será onerado por cortes de despesas ou aumentos da carga tributária. Como o Brasil apresenta elevado grau de concentração da renda e da riqueza, o ajuste deve ser progressivo ou, no mínimo, neutro em termos distributivos. Isso significa que não só o imposto de renda, mas também os cortes de gastos, inclusive de isenções e incentivos, devem mirar sobretudo os setores de renda alta. Em suma, o ajuste deve ser compatível com o mote que foi usado por Lula na campanha eleitoral – “colocar o pobre no orçamento; e o rico no imposto de renda”.

Isso é mais fácil de dizer do que fazer, como se sabe. Mas promessa é promessa. Tanto mais, ressalte-se, que os juros continuarão elevados em 2025, contribuindo para concentrar a renda nacional. Se a política fiscal também for injusta, o governo Lula promoverá concentração da renda por duas vias, pela política fiscal e pela política monetária, em flagrante conflito com a sua base social e o discurso de campanha.

De novo, é muito improvável que o presidente Lula se disponha a fazer tal estelionato eleitoral. Experiente como é, sabe certamente que estelionato eleitoral costuma ser severamente punido no Brasil – Fernando Henrique Cardoso, para mencionar apenas um exemplo, nunca se recuperou politicamente do estelionato de 1998.

Evidentemente, admitir que os juros continuarão altos durante 2025 não significa supor que eles não possam diminuir em algum momento, digamos, do segundo trimestre em diante. Se a política fiscal seguir o caminho antes mencionado e a posição do Ministro da Fazenda for reforçada, o Banco Central terá a oportunidade, que não deveria perder, de baixar a taxa de juro gradualmente.

E não é só a política fiscal que pode contribuir para juros menores. O Banco Central nem sempre usa, como poderia, todos os instrumentos de que dispõe para induzir uma queda do dólar e baixar os juros. Alguns são tradicionais, como vender swaps cambiais ou lançar mão das reservas internacionais para intervenções pontuais no mercado de câmbio à vista.

Apesar da perda de cerca de US$ 30 bilhões no final do ano passado, as reservas continuam elevadas e podem ser acionadas para sufocar turbulências cambiais. E a venda de swaps é uma forma de oferecer hedge cambial e defender o real sem gastar reservas, assumindo obrigações denominadas em moeda nacional.

Outros instrumentos são mais inovadores se comparados à experiência brasileira das décadas recentes. Menciono três deles, em apertada síntese. Todos eles têm seus riscos, mas podem ser recomendáveis, especialmente se houver novos episódios de turbulência.

Primeiro instrumento: autorizar o Banco Central a operar, quando oportuno, ao longo da curva de juros, influenciando as taxas longas, como fazem alguns dos principais bancos centrais, inclusive o dos EUA.

Segundo: reintroduzir controles de capital, modernizados para incidir sobre derivativos, que correspondem hoje à maior parte das operações de mercado. O Banco Central e Receita Federal passariam a atuar em conjunto para regular e fiscalizar as remessas de capital dos ricos e super ricos ao exterior. Para esse e outros fins, a Receita deveria recriar uma unidade dedicada os grandes contribuintes.

Terceiro: o Banco Central e o Tesouro podem explorar a possibilidade de captar recursos externos de fontes governamentais, em montante apreciável e em condições de prazo e custo mais favoráveis do que as do mercado interno. Esses recursos teriam que ser usados exclusivamente para substituir uma parte da dívida interna por dívida externa, e não para financiar um aumento do déficit fiscal ou a acumulação de reservas internacionais. Com isso, melhoraria o perfil da dívida pública, aumentaria a sua estabilidade e o governo ficaria menos dependente do financiamento doméstico.

Em suma, se a política fiscal for reforçada, se o Banco Central contribuir, por seu lado, para a valorização do real e a queda dos juros, e se for possível, além disso, negociar financiamento externo junto a novas fontes, o governo teria condições de estabilizar os mercados financeiros e cambiais e retomar a trajetória econômica bem-sucedida de 2023 e 2024.

Uma ressalva final. Algumas das medidas acima, especialmente as não convencionais, esbarrariam na resistência da plutocracia nacional, que controla o Congresso e a mídia corporativa. Para adotá-las, o governo teria que estar bem preparado do ponto de vista técnico e disposto a contrariar interesses poderosos.

Difícil, sem dúvida. Mas não é sempre difícil governar de forma justa, com o interesse do povo em mente? E não foi exatamente para isso que Lula se elegeu?

*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de Estilhaços (Contracorrente)

 

As mutações do capital e a tragédia do rentismo, por Antonio Martins

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Mariana Mazzucato alerta: Estado comandou os avanços tecnológicos das últimas décadas – porém, os rentistas capturaram os resultados, e agora bloqueiam soluções para os grandes dilemas da crise civilizatória. A China tirou as lições corretas, mas é preciso ir além

OUTRAS PALAVRAS – 15/01/2025

Por Antonio Martins

Algumas falas iluminam. Autora de livros celebrados, como O Estado empreendedor, Missão Economia e O Valor de tudoa italiana Mariana Mazzucato integra um grupo de economistas que conseguiu aos poucos, nos últimos anos, cavar a crosta dos velhos dogmas e tornar visível a infâmia das relações sociais contemporâneas. Assessorou governos como os da Colômbia, México e Brasil. Tornou-se conhecida principalmente por sua ideia de políticas orientadas por missões. Mas uma entrevista que concedeu a Martin Wolf, principal analista econômico do Financial Times, no apagar das luzes de 2024, permite vislumbrar amplamente suas ideias e abre as portas para um exame mais profundo de sua obra.

No diálogo, Mariana oferece visões não convencionais, mas muito consistentes e provocadoras, sobre alguns dos principais fenômenos que marcaram as economias do Ocidente nas últimas décadas. Polemiza sobre a origem dos impulsos que permitiram a notável transformação tecnológica que levou à internet e todos os seus desdobramentos, ou a drogas e tratamentos revolucionários contra doenças como o câncer. Sustenta, contra o pensamento hegemônicoque o motor essencial foi a ação dos Estados.

Descreve, a seguir, a captura dos benefícios destas transformações, o que terminou gerando o caos desinformativo global patrocinado pelas Big Techs, ao apartheid vacinal. Frisa que este sequestro bloqueia agora o esforço que seria necessário – e perfeitamente possível – para fazer frente a desafios ainda mais urgentes: o empobrecimento das maiorias, as catástrofes climáticas, a falta de assistência digna à Saúde, o esgotamento das fontes de água. Mas ressalta: ainda é possível reverter o tempo perdido, se surgirem novas condições políticas. E vê como exemplo a China – onde o Estado não perdeu a capacidade de coordenar a inovação socialmente relevante, e ao promovê-la não favorece as megacorporações.

Na entrevista com Martin Wolf, o alvo da primeira lapada de Mazzucato é o mito da inovação comandada por jovens que se tornaram CEOs visionários, como Steve Jobs, Mark Zuckerberg ou Elon Musk. Em O Estado empreendedor, a economista descreve em detalhes o conjunto de “instituições estatais decentralizadas” que esteve por trás de todas as grandes inovações contemporâneas: a internet, os celulares, o GPS, a tela sensível ao toque, os assistentes virtuais. Os garotos legendários que iniciaram em suas garagens na Califórnia empresas hoje dominantes, ironiza ela, não partiram do nada.

Nos anos 1960 e 70, em meio à Guerra Fria, os EUA empreenderam um gigantesco esforço para superar tecnologicamente a URSS. O marco simbólico maior deste movimento foi a missão que o então presidente John Kennedy anunciou pela TV, em 1961: chegar à Lua naquela mesma década, antes dos soviéticos. Era tempos keynesianos e a fala de Kennedy expressava apenas a face mais pública de um processo que envolvia a criação de uma rede de agências e laboratórios estatais (boa parte deles dirigidos pela CIA e pelo Pentágono). Em paralelo, foram criados mecanismos de financiamento de longo prazo e de amortização de riscos – pois inovação se faz, necessariamente, por meio de tentativa e erro.

Mariana mostra como, por exemplo, a necessidade de fazer os satélites e centros de lançamento nuclear comunicaram-se entre si levou à criação da internet. Ou como o GPS surgiu do esforço para localizar os navios mercantes ou de guerra. Algo muito semelhante ocorreu na área de medicamentos. Nos EUA, o Institutos Nacionais de Saúde (NIH, em inglês) assumiram a pesquisa básica que levou às grandes inovações farmacêuticas contemporâneas – inclusive as vacinas de RNA, que permitiram responder em tempo recorde à covid.

Todo este movimento, Mariana prossegue, envolveu o setor privado – porém com coordenação inequivocamente estatal. Era preciso, por exemplo, encontrar maneiras de alimentar os astronautas, de vesti-los, de resolver o problema do banheiro. A NASA encomendava soluções, de maneira inteligente e desburocratizada, trocando o critério tosco do “preço mais baixo” pelo estímulo à inovação constante.

Quando estas inovações amadureceram, o capitalismo havia assumido a brutalidade neoliberal – por isso, dá-se a captura. Seus aspectos mais evidentes são o controle da internet por um oligopólio privado e o apartheid vacinal. O Estado criou a rede capaz de estabelecer uma intercomunicação humana jamais sonhada antes. Mas permite que ela seja reduzida a “jardins murados”, onde quatro grandes corporações apropriam-se da produção intelectual e simbólica de bilhões de pessoas, e onde viceja a desinformação. No campo farmacêutico, um sistema estatal de patentes permite que megaempresas apropriem-se da tecnologia desenvolvida em laboratórios públicos, monopolizem a produção de vacinas e outros medicamentos de ponta e impeçam seu acesso pelas populações que mais necessitam. O sequestro da tecnologia é um dos elementos essenciais do rentismo.

O pior, adverte Mazzucato, é que sob a lógica neoliberal tornou-se impossível articular o mesmo tipo de esforço que levou o ser humano à Lua – agora, para enfrentar os problemas cruciais da crise civilizatória. Seria perfeitamente viável, provoca a economista, a partir de sua teoria de missões políticas. “Há 4,5 bilhões de pessoas, mais da metade da população do planeta, sem acesso a serviços adequados de saúde”, lembra ela – e provoca: por que não transformar este problema num desafio semelhante ao formulado em 1961? Por que não fazer o mesmo em relação ao aquecimento global, numa “missão zero emissões de carbono”, que exigiria mudanças na alimentação, nos transportes, na infraestrutura?

O que seria perfeitamente possível torna-se quimera não por faltarem os meios necessários, mas porque, ao menos no Ocidente, as grandes corporações apoderaram-se da política. Não são mais comandadas pelo Estado – controlam-no. A catástrofe climática mostra suas garras mas, uma após a outra, as conferências sobre o clima fracassam, porque ninguém ousa impor limites e orientações ao grande poder econômico. Os dogmas vigentes dizimaram a própria capacidade de planejamento das instituições estatais. “É otimo que o Estado trabalhe com outros agentes. Mas quando ele não tem o conhecimento, a inteligência e os instrumentos para isso (…) torna-se incapaz sequer de entender os problemas e estabelecer os termos de referência. Torna-se refém”, lamenta Mariana.

Tudo está perdido? A economista vê, em meio ao desastre que se aproxima, dois elementos de esperança. O primeiro exige uma mudança essencial de orientação política. Os Estados conservam a capacidade de mobilizar recursos – inclusive emitindo dinheiro. Fazem-no… nas guerras. “Com elas, o dinheiro é criado a partir do nada. Mesmo na Alemanha [conhecida pela rigidez fiscal], depois da Ucrânia, bilhões foram criados para o esforço bélico. Poucos meses antes, eles não sabiam se haveria recursos para o clima ou a saúde. Ao longo da história, todos os países foram capazes de emitir dinheiro, mas para nossos problemas sociais, fingimos que não temos. (…) Vamos admitir que não estamos fazendo nada diante dos impasses sociais porque preferimos não tratá-los como urgências”…

Ao contrário do que se passou no Ocidente, argumenta Mazzucato, a China desenvolveu a capacidade de colocar os desafios políticos acima do interesse das corporações. Os chineses “estão dominando os segredos do Estado empresarial dos Estados Unidos no exato instante em que estes estão desaprendendo. (…) Eles dão consequência a suas palavras. Fizeram enormes investimentos. Esta é razão para estarem muito adiante, na corrida pelas energias renováveis e pelos carros elétricos”.

Os impasses, contudo, são globais, frisa a economista ao final de sua entrevista. “Assim como não poderíamos ter um apartheid vacinal durante a pandemia, não podemos admitir um nacionalismo verde, porque o problema é global. Por isso são necessários, por exemplo, acordos de compartilhamento de conhecimento e tecnologia.

A crise civilizatória perdura e se aprofunda. No Ocidente, diante da falta de saídas reais, parcelas crescentes das sociedades são tomadas pelo ressentimento e aderem à ultradireita. As esquerdas tradicionais parecem incapazes de encontrar respostas. Conforme afirmou o sociólogo Manuel Castells num texto recente, têm dificuldades de encarar “sociedades em plena transformação ecológica, tecnológica, cultural e política”, porque “aferram-se a marcos mentais, ideologias e táticas que não se conectam à maioria das pessoas – especialmente os jovens”. Ao desfazer mitos sobre as causas desta crise e ao mostrar caminhos para superá-la, Mariana Mazzucato merece atenção.

 

O país dos não leitores, por Ruy Castro

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73% dos brasileiros não leram um livro até o fim em 2024 nem para saber se o assassino era o mordomo

Ruy Castro, Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Folha de São Paulo, 17/01/2025

São números terríveis, deprimentes, divulgados há pouco. Segundo a nova edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” do Instituto Pró-Livro, concluída em 2024, 53% das pessoas ouvidas admitiram que, nos três meses anteriores, não tinham lido um só livro, nem mesmo em parte. E isso em qualquer mídia, física ou digital, e gênero. Não apenas a frágil área de literatura, biografia, história, infantil ou ensaio fora desprezada —nem os didáticos e religiosos, incluindo a Bíblia, mereceram uma vista d’olhos. A pesquisa revelou que, pela primeira vez, desde 2007, quando ela começou, o Brasil tem mais não leitores do que leitores.

Ao perguntarem aos 47% de leitores se haviam lido o livro inteiro, o número caiu para 27%. Ou seja, em 2024, 73% dos brasileiros não leram um livro até o fim nem para saber se o assassino era o mordomo.


Comparada à pesquisa anterior, em 2019, sete milhões de pessoas tinham abandonado os livros, em todos os graus de escolaridade, classe social e faixa etária. Significa que o Brasil perdeu cerca de 1 milhão de leitores por ano. A pesquisa ouviu 5.500 pessoas em 208 municípios.

Cerca de 75% dos entrevistados admitiram que passam mais tempo diante de uma tela do que de uma página impressa. Se isso é consolo, o sujeito fica mais tempo com os olhos a 10 centímetros da tela do que fazendo qualquer outra coisa, como trabalhar, namorar, admirar a paisagem ou não fazer nada. Eu arriscaria que 90% desse tempo diante da tela também não resultam em nada de útil ou objetivo. Não se olha necessariamente para a tela em busca de um dado, uma notícia ou uma informação. Olha-se para a tela, só isso.

O desinteresse pela leitura aumenta à medida que a pessoa cresce e conclui a escola ou a deixa pelo meio. Somente 17% entre os acima de 40 anos disseram que gostam de ler. É terrível porque, quem tem hoje 40 anos, nasceu em 1985 e viveu os últimos anos de um mundo em que a leitura ainda não fora esmagada pelas mídias audiovisuais. O que aconteceu a ele para abandonar um hábito que ainda lhe foi incutido na infância?

Não sei. Só sei que fracassamos.

“Os rentistas estão promovendo a morte da economia no mundo inteiro, em especial no caso brasileiro”. Entrevista especial com Luiz Gonzaga Belluzzo

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A percepção generalizada é que o governo está refém do mercado financeiro, diz doutor em Economia

Instituto Humanitas Unisinos – 22/12/2024

As relações entre Estado e mercado estão marcadas por uma “disputa de poder”. É a partir dessa rivalidade de forças que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo interpreta os últimos acontecimentos da conjuntura brasileira: a elevação da taxa Selic neste mês, a proposta de ajuste fiscal do governo e a alta recorde do dólar. “No fundo, trata-se de uma disputa de poder: uma hierarquia de instâncias do movimento de capitais, dos mercados futuros e a política econômica do governo. O ministro Haddad tenta apresentar avanços no processo de ajuste fiscal, aumentando impostos, prometendo cortes aqui e ali, mas isso não é suficiente porque já ultrapassou qualquer relação com a proposta do governo de convencer o mercado de que as coisas estão sob controle”, resume, na entrevista concedida por WhatsApp ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Na avaliação dele, “o governo está, sem dúvida, refém” do mercado financeiro. “O governo está cercado e está mostrando que não há nenhum efeito dizer [ao mercado] que vai reduzir o déficit primário progressivamente até chegarmos ao déficit zero”, sublinha. O efeito manada do mercado contra o governo, sugere, indica que “se trata de uma relação de poder que está ancorada nas concepções e visões que os agentes do mercado têm em relação ao governo Lula”.

Neste ambiente de disputa, as projeções socioeconômicas para o próximo ano não são animadoras. “Não vai ser uma caminhada tranquila, não. Na forma como estão articuladas as relações de poder, a minha impressão é que será difícil o governo ultrapassar as resistência e convicções que estão incrustadas nos mercados. Não precisa ser ‘adivinhão’, como se dizia no meu tempo, para saber que isso não vai terminar agora. Essa visão está incrustada na sociedade brasileira e na relação entre as camadas mais abastadas”, destaca.

Luiz Gonzaga Belluzzo é graduado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Economia Industrial pelo Instituto Latino-Americano e Caribenho de Planejamento Econômico e Social – ILPES/CEPAL e doutor em Economia pela Universidade de Campinas – Unicamp. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. É um dos fundadores das Faculdades de Campinas – Facamp, onde leciona. É autor de Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo (Facamp/Contracorrente, 2017), Capital e suas metamorfoses (Unesp, 2013), Os antecedentes da tormenta: origens da crise global (Facamp, 2009), Temporalidade da riqueza: teoria da dinâmica e financeirização do capitalismo (Oficinas Gráficas da Unicamp, 2000), entre outros livros.

Confira a entrevista. 

IHU – Ano passado, quando o novo marco fiscal foi sancionado pelo governo Lula, o senhor disse em entrevista ao IHU que, apesar das críticas, o governo Lula estava “tentando contornar a situação de maneira prudente” para apaziguar o mercado financeiro porque se o mercado se convence de “que está tudo errado, começam a subir a taxa de juros”. Mesmo anunciando um ajuste fiscal criticado por setores da área social, a taxa de juros foi elevada a 12,25% neste mês e a expectativa é de que suba para 14,25% até março do próximo ano. O governo não conseguiu apaziguar o mercado com a proposta de ajuste?

Luiz Gonzaga Belluzzo – As relações entre Estado e mercado sempre estiveram presentes na história da economia monetária financeira capitalista e agora estão adquirindo, como já adquiriu em outros momentos, uma dimensão de diferença de poder e de força na construção de um convencimento social. Estou insistindo neste ponto porque estava relendo o livro de György LukácsPara uma ontologia do ser social. O que estou dizendo é que esses movimentos estão presentes na sociedade e ela é constituída por seres humanos que têm aspirações, convicções, desejos e interesses. Ocultar isso sob a égide de uma questão técnica não é verdade. A economia trata das relações entre homens, entre classes sociais, entre segmentos da sociedade e isso deve prevalecer sobre a observação de que a economia trata de uma coisa aqui, outra ali, uma intervenção no câmbio etc.

Queria chamar atenção para uma questão: existe, neste momento, uma disfunção hierárquica na visão convencional, que está levando à avassaladora opinião destilada pela mídia, de risco fiscal. O que é preciso é estabelecer as hierarquias. Na economia mundial como um todo, hoje o que prevalece são as movimentações dos fluxos de capitais e dos mercados futuros, que são uma espécie de precificação do câmbio dentro da B3 [Bolsa de Valores do Brasil]. A B3 tem um volume de operações, comprados e vendidos em dólar, no mercado futuro, e isso tudo é o que controla a flutuação do câmbio, articulada com a deterioração das condições internas.

Vamos observar o desempenho da economia brasileira em termos de emprego, renda etc.: ele é muito satisfatório, melhor do que foi no período do governo Bolsonaro. No entanto, esse desempenho é entendido como uma pressão, como uma espécie de crescimento que pode levar a um aumento da inflação. A inflação está oscilando entre 4,5 e 4,80. Não é nenhum disparate, nenhum absurdo, mas isso está conduzindo o comportamento e as ações do mercado financeiro no exercício do seu poder para provocar o distúrbio da taxa de câmbio e a subida dos juros. Não sei se isso vai se extinguir em algum momento. Estou observando o cenário com muita preocupação.

Mas, no fundo, trata-se de uma disputa de poder: uma hierarquia de instâncias do movimento de capitais, dos mercados futuros e a política econômica do governo. O ministro Haddad tenta apresentar avanços no processo de ajuste fiscal, aumentando impostos, prometendo cortes aqui e ali, mas isso não é suficiente porque já ultrapassou qualquer relação com a proposta do governo de convencer o mercado de que as coisas estão sob controle.

IHU – As justificativas do Banco Central para aumentar os juros não têm sentido? Quais os efeitos desse comportamento para a sociedade e a economia brasileira?

Luiz Gonzaga Belluzzo – O que ocorre é que se toma o risco fiscal como a razão fundamental dessas flutuações do câmbio, mas isso não é verdade. Não há nenhuma razão para isso, considerando o resultado fiscal que estamos obtendo hoje. Os EUA, por exemplo, têm um déficit primário muito elevado. A França está se debatendo com essa questão, assim como a Alemanha também.

O que acontece é um fenômeno que supera a determinação interna da crise fiscal. É preciso olhar para o movimento dessas instâncias de formação de expectativas. Mas olha-se somente o risco fiscal. É quase uma forma de usar um pretexto para especular – o que é constitutivo do capitalismo – e apostar na possibilidade de obter ganhos ou evitar perdas nas suas riquezas. É isso que os mercados financeiros fazem o tempo inteiro. Esse aspecto é predominante. Dentro dessa predominância, está a instância superior, que é a constituição do sistema monetário financeiro internacional, com todas essas práticas, como essa dos mercados futuros. As pessoas ficam dando voltas em torno dessa questão, mas não vejo como o governo ou o Banco Central podem enfrentar isso de maneira convencional. Talvez isso leve a algumas consequências que nem gostaria de mencionar.

O que estou observando é que estão ocorrendo manifestações de grande agressividade contra esse comportamento do mercado financeiro. Uns dizem que é crime, crime contra a pátria e isso pode se transformar em uma bola de neve. Não sabemos exatamente quais podem ser as consequências.

Talvez seja interessante os rapazes do mercado lerem o que aconteceu na Alemanha entre a década de 1920 e a ascensão de Hitler, e como Hjalmar Schacht cuidou dessas questões. Na culminância das medidas tomadas, ele tornou crime contra o Estado alemão o envio de divisas de dólares para fora da Alemanha. Crime. Isso foi feito no estado nazista. Sobre isso, Keynes disse o seguinte: descontando o horror que foi esse regime, Schacht estava certo porque estava segurando um processo que iria, outra vez, causar muitos danos à Alemanha, que tinha saído da hiperinflação em 1923, 1924. Schacht também adotou o Plano Dawes, que era financiamento do banco Morgan para cobrir as necessidades e obrigações impostas pelas reparações e impedir a saída e fuga da moeda alemã para outras moedas, como a libra.

O que vejo neste momento é uma coisa muito parecida, com a agressividade que está surgindo de muitos lados, inclusive dos movimentos sociais. Isso pode deflagrar uma ação um pouco mais dolorosa em relação aos mercados. Francamente, não é uma coisa que desejo porque, às vezes, as consequências não são muito agradáveis.

IHU – Do ponto de vista político, há outros arranjos possíveis ou o governo está refém do mercado e, ao mesmo tempo, não consegue apaziguá-lo?

Luiz Gonzaga Belluzzo – O governo está, sem dúvida, refém. Claramente. Essa percepção é generalizada: está refém. Agora, o encaminhamento da solução que estou observando é que como o mercado é movido por seres humanos que têm convicções; eu diria que há um enorme efeito manada. Ou seja, uma concatenação de opiniões determinada pela existência de um cartel que tem mais poder – alguns bancos, no Brasil, claramente têm mais poder. As declarações dos bancos internacionais falando do Brasil – à exceção de Mohamed A. El-Erian, que escreveu um artigo dizendo que é um exagero o que está acontecendo – forma essa convicção e ela vai se manifestando. Então o governo está cercado e está mostrando que não há nenhum efeito dizer [ao mercado] que vai reduzir o déficit primário progressivamente até chegarmos ao déficit zero.

Quem já assistiu vários episódios de ajuste fiscal, como aqueles de 2015 e 2016, sabe que isso não vai ser feito de maneira indolor para a sociedade, para os trabalhadores, para o desempenho das empresas etc. O que quero dizer é que estamos vivendo um momento muito preocupante e crucial, que é muito difícil. Como trata-se de uma relação de poder, uma disputa de forças, fico na dúvida se isso poderá ser resolvido de uma maneira pacífica.

IHU – Que efeitos esse cenário poderá gerar nas próximas eleições presidenciais?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Este é um ponto importantíssimo. Em última instância, estamos falando de relações de poder. Uma pesquisa recente, que tomou a opinião de muitos operadores do mercado, mostrou que 90% deles manifestaram inconformidade com o governo Lula. Essa dimensão está por trás das relações de poder. O mercado não admite e não pode admitir um governo como o de Lula, que declara sua intenção de melhorar a vida dos menos favorecidos. Isso é uma tradição da chamada “elite” brasileira. Os interesses da “elite” estão muito arraigados e voltam sempre, como vimos na sucessão de episódios no tempo de Getúlio, de Juscelino. O que quero dizer é que é essencial entendermos que se trata de uma relação de poder que está ancorada nas concepções e visões que os agentes do mercado têm em relação ao governo Lula. Isso é fundamental.

Há uma conexão entre a extrema-direita e o extremo liberalismo econômico, o ataque ao liberalismo político e a defesa do liberalismo econômico. Paulo Guedes tentou fazer isto: privatizações à vontade, abertura comercial, possibilidade de abrir contas em dólar no país. Não tenho nenhuma dúvida de que o mercado apoia o bolsonarismo. Aliás, o bolsonarismo constitui a opinião do mercado. O bolsonarismo não é causado por Bolsonaro; Bolsonaro é que é produzido pelo bolsonarismo que está na sociedade.

IHU – Em vez de cortes nos gastos primários, alguns auditores fiscais e economistas têm defendido que o ajuste no gasto público poderia ser feito a partir de ajustes na área tributária e nos juros da dívida pública. Essas propostas são viáveis e operacionais? Seriam uma alternativa ao ajuste fiscal?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Isso é discutível. Em primeiro lugar, a receita fiscal, sim, depende da estrutura tributária que é imposta à economia: como se definem os impostos de renda, impostos sobre mercadorias, as tarifas alfandegárias etc. Mas isso é uma espécie de receptáculo porque o dinheiro não está lá. O dinheiro depende da circulação monetária financeira. Essa é uma questão ontológica que tem a ver com a definição de uma economia capitalista de mercado, cujo funcionamento depende da circulação monetária. O trabalhador recebe o salário da empresa, que tem uma renda derivada do gasto de outra pessoa e assim sucessivamente. As empresas pagam salários aos trabalhadores porque imaginam vender as mercadorias delas. Os trabalhadores, por sua vez, recebem o salário e gastam. Só existe este circuito da renda, que acaba redundando na coleta de impostos. É o circuito da renda que gera isso não só através da cobrança sobre mercadorias, mas também sobre o imposto de renda. Ou seja, ninguém paga imposto de renda se não tem renda. Em geral, neste ponto, o imposto de renda é muito desigual.

Precisamos olhar a determinação. Como ela é? É da estrutura fiscal para a circulação da renda ou da circulação da renda para a estrutura fiscal? Estou de acordo que é preciso cuidar da dívida pública, mas a dívida pública é riqueza privada. Conversando com vários amigos do mercado, eles dizem que 70% das carteiras das instituições financeiras, sobretudo aquelas que não são propriamente bancárias, que são fintech e outras instituições, são compostas de LFTs (Letra Financeira do Tesouro), porque este é o título que tem maior liquidez e sobre o qual se tem maior facilidade de negociar, comprar e vender. Aliás, o Banco Central não faz o que deveria fazer, que é operar na curva de compra e venda para estabilizar os juros mais longos que afetam o crédito. Isso é feito em quase todos os países, mas aqui o Banco Central está bloqueado e não pode fazer essa operação de regulação da liquidez dos mercados.

Sempre se mexe nas relações mais aparentes e superficiais da vida econômica, mas temos que olhar para o fundamento desses movimentos. Tenho respeito pela Receita Federal, que tem essa visão, mas diria que não é a que corresponde à constituição desses movimentos. Como será possível reduzir os juros sendo que o consenso é que tem que aumentar os juros para segurar a inflação? Essas soluções binárias não ajudam a compreensão. Do jeito que as coisas estão, a solução é muito difícil.

IHU – O ajuste fiscal é criticado em três pontos principais: os critérios para o reajuste do salário mínimo, as condições de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a redução do abono salarial. Considerando os gastos primários, este foi o melhor arranjo? Como avalia esses pontos do ajuste?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Não vejo nenhuma inconveniência em fazer uma investigação e apuração do BPC, mas isso é lateral. Em relação às outras duas propostas, estamos percebendo que o ajuste proposto é sempre para reduzir a capacidade de atendimento dos elementos que formam a renda dos mais pobres. Para mim, isso é muito claro e revela outra dimensão dessa “superforça” da qual estava ministrando. É possível fazer uma investigação para saber das irregularidades que acontecem no Bolsa Família, por exemplo, mas isso não é o fundamental.

Nos anos 1930, Keynes escreveu um livro chamado Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda. Ele falou de algumas coisas que ainda são atuais. A primeira delas é uma estrutura tributária que seja redistributiva para preservar a capacidade de gasto das pessoas que estão empregadas. A segunda era uma medida agressiva: diminuir o poder do rentista – a eutanásia do rentista. Sobre a política fiscal, ele pedia a separação entre duas instâncias orçamentárias: os gastos correntes e os de investimento. Hoje, os gastos de investimentos são apresentados como os gastos discricionários. O que ele quer dizer é que se deve, sim, buscar o equilíbrio nos gastos correntes, mas usar a capacidade de regular os gastos de investimento para impedir que a economia ou fique superaquecida ou tenha um desgaste deflacionário. Keynes tinha toda razão; falou das três dimensões importantes: quem paga imposto e recebe, quem se beneficia de uma situação como esta que estamos observando de superioridade da opinião rentista, e o Estado, que teria que se mover nessa direção que estou apontando.

Ele, analisando, a partir da concepção dele de como o capitalismo funciona, dizia que era preciso tratar dessas três questões. Só que o que está acontecendo, em vez da eutanásia do rentista, é que os rentistas estão promovendo a morte da economia no mundo inteiro, em especial no caso brasileiro. E o rentismo não é só juros; ele tem outras dimensões importantes, inclusive a fuga de moeda estrangeira. Tudo isso faz parte da acumulação de riqueza puramente monetária, sem movimentar a economia.

IHU – Como avalia o anúncio da conclusão das negociações do Acordo de Parceria entre o Mercosul e a União Europeia, que tem recebido muitas críticas? Para o Brasil, ele significará o reforço da política agroexportadora ou possibilitará novas alternativas de desenvolvimento?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Também tenho várias restrições ao acordo, ademais há muitos países europeus que não vão assiná-lo. Ocorreu uma reunião com a [Ursula Gertrud] von der Leven, porém, Itália e França manifestaram restrições ao acordo. Sobretudo porque o veem como uma ameaça à agricultura desses países. Dificilmente esse acordo será encaminhado da maneira que foi formulado inicialmente e será discutido em um momento em que haverá recrudescimento do protecionismo, particularmente nos EUA, mas também na Europa. A própria von der Leyen, que celebrou o acordo, disse que não poderia admitir o ingresso dos carros elétricos chineses na Europa a um preço tão baixo. Então, talvez o acordo não avance por causa das circunstâncias globais.

O acordo com a China, por outro lado, pode ter coisas interessantes porque os chineses estão em uma fase de expansão muito peculiar, com um avanço na África impressionante, com construção de redes ferroviárias etc. Não posso fazer nenhuma afirmação a priori sobre o acordo com o Brasil, porque precisa desdobrar os pontos, mas, provavelmente, os chineses vão caminhar dando um pontapé inicial com uma iniciativa monetária financeira.

IHU – Quais são as perspectivas socioeconômicas para o país no próximo ano?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Não vai ser uma caminhada tranquila, não. Na forma como estão articuladas as relações de poder, a minha impressão é que será difícil o governo ultrapassar as resistência e convicções que estão incrustadas nos mercados. Não precisa ser “adivinhão”, como se dizia no meu tempo, para saber que isso não vai terminar agora. Essa visão está incrustada na sociedade brasileira e na relação entre as camadas mais abastadas. Também tem uma rejeição muito grande ao governo Lula por parte dos mercados, como mencionei. Uma avaliação do futuro está muito sujeita a trepidações.

 

Desafios cotidianos

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Todos sabemos que vivemos numa sociedade marcada por grandes transformações estruturais, que impactam fortemente sobre todos os grupos sociais, exigindo dos seres humanos uma constante atualização, levando empresas e sistemas produtivos a se reinventarem cotidianamente como forma de manter seus espaços e ampliar sua atuação no mercado.

Vivemos numa sociedade marcada pela intensa competição e pela concorrência, onde os Estados Nacionais estão buscando proteger seus setores produtivos, aumentando seus subsídios fiscais e financeiros, criando barreiras comerciais para proteger as suas empresas nacionais, garantindo e mantendo o emprego de seus trabalhadores, incrementando a renda da população, movimentando as vendas internas, dinamizando a arrecadação e consolidando bons indicadores econômicos e sociais.

Vivemos numa sociedade marcada por grandes transformações no mundo do trabalho, o crescimento da tecnologia alterou fortemente as relações entre capital e trabalho, o surgimento do mundo digital gerou novos espaços de competição e trouxe novos desafios para os agentes econômicos, exigindo das empresas uma atualização constante, investimentos crescentes e a busca acelerada por profissionais altamente qualificados.

Vivemos numa sociedade onde as transformações tecnológicas estão em crescimento acelerado, gerando desemprego crescente, aumentando a informalidade, destruindo postos de trabalho e um incremento da desesperança da população, neste cenário, percebemos o aumento dos desequilíbrios afetivos e emocionais, onde o trabalho se transformou num ambiente de angústias, lamúrias e sofrimentos, além de percebermos o aumento, em escala global, de transtornos ligados ao mundo do trabalho, da ansiedade, da depressão e do suicídio.

Vivemos num momento de grandes transformações no meio ambiente, neste cenário, precisamos buscar novas fontes de energias alternativas e novas formas de organização produtiva, sabemos que o modelo econômico dominante e fortemente baseado no petróleo, no extrativismo e no gás natural estão com dias contados, neste momento, as nações estão se movimentando internacionalmente para rever estruturas produtivas, consolidar parcerias estratégicas e construir uma nova governança global, mais inclusiva, mais solidária, mais autônoma e mais soberana.

Vivemos numa sociedade marcada pela informação, pelo conhecimento e pelas grandes transformações tecnológicas, neste cenário, algumas nações ganharam espaço neste novo ambiente de concorrência global, nações que nos anos 1970 eram pobres e miseráveis e que, politicamente, conseguiram construir um consenso interno em prol do desenvolvimento econômico, estimulando fortes investimentos em capital humano, política industrial ativa, exigência de transferência de tecnologia, com cobranças constantes de desempenho exportador para a conquista de novos mercados. O exemplo claro são as nações asiáticas, que atualmente colhem frutos positivos, com melhoras substanciais em suas estruturas econômicas, estimulando seus setores produtivos para a competição global, além de maciços investimentos em pesquisa científica, educação e tecnologia.

O mundo está passando por grandes transformações em todas as áreas e setores, nestas mudanças e reviravoltas, estamos percebendo o surgimento de novos atores econômicos e produtivos, além de novas hegemonias geopolíticas, diante disso, faz-se necessário, que países com o potencial do Brasil, deveriam aprender com exemplos exitosos e valorosos, industrializando suas estruturas produtivas, agregando valor as exportações nacionais, investindo em capital humano, evitando polarizações políticas degradantes, gerenciando seu amplo potencial de energias alternativas, eliminando subsídios desnecessários, focando na melhoria das condições de vida da população e reduzindo os benefícios de poucos em detrimento da maioria da população.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

 

Por que o empregado agora é colaborador, por Sérgio Rodrigues

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Grande eufemismo corporativo do nosso tempo é aliado do desmonte de direitos

Sérgio Rodrigues, Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

Folha de São Paulo, 16/01/2025

A estreia da segunda temporada da magnífica série “Ruptura” (Apple TV), nesta sexta (17), nos dá a oportunidade de refletir sobre o mais bem-sucedido eufemismo corporativo do nosso tempo: “colaborador”.

Na comédia distópica dirigida por Ben Stiller, a poderosa Lumon, empresa-polvo de estética fascista, mantém um departamento em que empregados se submetem voluntariamente a um experimento radical de alienação do trabalho.

Por meio do implante de um chip cerebral, têm suas memórias bifurcadas: fora da empresa, nada sabem do que fazem lá dentro; quando estão dentro, ignoram a vida que levam fora. São os colaboradores perfeitos.

No mundo em que o chip da Lumon ainda não existe (que se saiba), cabe à linguagem o mesmo trabalho. Em sites uníssonos, a velha turma do RH —também renomeado para “gestão de pessoas”— explica que a palavra empregado tornou-se arcaica. Empresas modernas contratam colaboradores.

Um parêntese: a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) continua a chamar de empregado quem, não detendo meios de produção, trabalha em troca de salário. Claro que para os gurus do colaboracionismo, interessados em sucatear a CLT, isso só atesta a beleza de sua novilíngua.

Cito um desses manuais: “Enquanto o empregado, em dias atuais, chega na empresa, faz o seu trabalho e vai embora, o colaborador tem a consciência da sua importância na organização, possui uma visão sistêmica do seu setor ou da empresa como um todo, incluindo suas metas, objetivos e não mede esforços para ‘colaborar’ com isso”.

Ênfase em “não mede esforços”! Não se chegou de um dia para o outro a esse nível de cinismo no mascaramento da natureza dos contratos de trabalho firmados entre partes desiguais —patrões de um lado, empregados do outro.

O percurso linguístico rumo ao colaborador incluiu um estágio em que se favoreceu a palavra funcionário (por tradição mais usada para o empregado do setor público) e até desvios burlescos como o de chamar empregadas domésticas  de secretárias.

Também é parte desse fenômeno a onda de eufemização que varreu o mundo de meio século para cá — puxada, nesse caso, por setores progressistas da sociedade.

Hoje em dia, a menos que você seja um ogro de extrema direita, é bem difícil contestar a ideia de que acolchoar os atritos da realidade com palavras bonitas —substituindo “mendigo” por “pessoa em situação de rua”, por exemplo— melhora a vida das pessoas. Mesmo que elas continuem sem ter onde morar.

O eufemismo pode ser um aliado do processo civilizatório, como prova a sacada brilhante do primeiro hominídeo que anunciou que iria “dar um pulo ali na moita”. Pode também —o que talvez seja mais frequente— ser pura embromação. É preciso examinar caso a caso.

O da atual consagração de colaborador como sinônimo preferível de empregado está claramente a serviço do desmonte de um aparato histórico de proteção dos direitos dos trabalhadores.

Ainda melhor do que ser colaborador, claro, é dar dinheiro para um coach e virar “empreendedor individual”. Mas esse chip os laboratórios da Lumon ainda estão aperfeiçoando. Deve ficar para a terceira temporada.