“Moralmente, não estávamos preparados para esta pandemia”, afirma Michael Sandel.

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IHU, 16/12/2020

Michael Sandel tem muito a dizer e sabe como dizer. Professor de filosofia política na Universidade Harvard, sua condição de intelectual não o impede de ser um rockestar do pensamento contemporâneo: suas aulas são televisionadas, enche estádios, as pessoas fazem filas para o escutar.

A reportagem é de Elba Astorga, publicada por Telos, 14-12-2020. A tradução é do Cepat.

Sua mensagem não é complacente, há tempo está preocupado com as armadilhas da meritocracia: a globalização, o pensamento neoliberal, a tecnocracia. Seu ideário filosófico se baseia na consecução do bem comum: esse ponto onde confluem pessoas de todas as classes, todas as raças, todos os níveis de formação e o resultado (ideal) é a melhora de todos. Não se trata de uma busca romântica de igualdade, mas do interesse genuíno em que o conjunto da sociedade seja capaz de apreciar a diferença entre valor social e valor econômico.

Sandel participou da II edição do Fórum Telos, organizado pela Fundação Telefónica. Desta vez não encheu auditórios, mas pudemos vê-lo e escutá-lo através da tela, como se falasse só para nós. A mensagem é alta, clara, direta: é preciso valorizar as pessoas pela contribuição que fazem ao bem comum.

Solidariedade e pandemia

“Moralmente, não estávamos preparados para esta pandemia”, afirma Sandel. É que esses meses de emergência sanitária manifestaram a tremenda desigualdade econômica que ocorreu nas últimas décadas.

Esta lacuna, unida à produzida pela meritocracia, parece ter fechado os “vencedores” da corrida pelo mérito em uma bolha que invisibiliza aqueles que estão passando mal e torna a solidariedade um deus menor no panteão do capitalismo neoliberal. Daí a acusação de Sandel da perda dos princípios morais necessários para enfrentar esta pandemia.

Lamenta também que durante estes meses os famosos do mundo, de políticos a celebridades, lançaram uma mensagem perfeita como #hashtag em qualquer rede social: “Estamos juntos nisto”, uma frase que soa reconfortante para os ouvidos de qualquer um, mas que, quando se analisa um pouco, revela-se vazia de conteúdo, pois não descreve a sociedade atual, tão desigual e indiferente.

Ainda em março, nos primeiros meses deste choque global, a outra versão que circulava era: “estamos todos no mesmo barco”, que também soava legal até que alguém apontou, “no mesmo barco não, estamos todos no mesmo mar, mas uns vão de iate, outros em lancha, outros em barco”. E também existem aqueles que vão segurando em uma tábua, podemos acrescentar. É dessa desigualdade que Sandel fala.

Pode ser que o exemplo mais patente da desigualdade, nestes meses distópicos de 2020, tenha sido a divisão do trabalho. A grande distância entre aqueles que podem conservar seu emprego e trabalhar de casa, sem exposição, nem risco, e os que pela natureza de suas funções não tiveram outra opção a não ser ir para a rua e se expor ao vírus (e os que ficaram sem trabalho). Sendo assim, esse yin-yang perverso de vencedores-perdedores econômicos se tornou agora mais real e evidente.

A questão é que, segundo Sandel, neste tempo, vimos que sem profissionais da saúde, trabalhadores industriais, entregadores, repositores, assistentes, caminhoneiros e muitos outros saindo de suas casas para trabalhar, a vida em uma cidade, de um país, pode parar. O paradoxo é que, além de geralmente não ser bem remunerados, esses trabalhos são pouco reconhecidos. E agora ocorre que são essenciais.

Talento, ajuda e sorte

É aqui que nos deparamos com a última pedrinha que Sandel colocou em nossos sapatos: suas dúvidas acerca da idoneidade da meritocracia como método para estabelecer uma escala de valor social, sua certeza de que a meritocracia “é corrosiva para o bem comum”. De fato, é o tema central de seu último livro: A tirania do mérito: o que aconteceu com o bem comum? (Civilização Brasileira, 2020).

A meritocracia parte da ideia de que, em igualdade de condições, os que triunfam são os melhores. Soa tão atrativa que, durante anos, partidos de diferentes tipos, em diferentes países, a tornaram parte de seu projeto.

Para Sandel, o problema está em que ninguém coloca em dúvida a promessa de que “se você se esforça, terá êxito”. E, assim, os que triunfam acreditam que é porque conseguiram sozinhos e merecem todas as recompensas recebidas, ao passo que os que ficam para trás se dizem: “Não fui capaz, sou um fracasso”. Estas crenças geram arrogância em alguns, desmoralização em outros, e contribuem para a indignação e a rejeição às elites meritocráticas.

Sandel aprofunda os fatores para o êxito que a meritocracia não vê: além do talento, também contam (e como!), a ajuda, a sorte. É realmente coisa de quem triunfa que possua os talentos que a sociedade valoriza e premia, ou é questão de boa sorte? E o que há de dívida com aqueles que o ajudam, com sua família, seus amigos, a comunidade e inclusive a época em que vive?

Sua impressão é que seria necessário refletir sobre o papel da sorte e a ajuda recebida no êxito pessoal para poder olhar para os menos afortunados e pensar: “Se não fosse por meu direito de nascimento, pela graça de Deus ou pela simples sorte, eu poderia estar aí”. Seria uma boa maneira para neutralizar a atitude tóxica em direção ao êxito da sociedade atual.

Incertezas Econômicas

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A sociedade mundial vem passando por momentos de grandes inquietações e incertezas em decorrência da pandemia, os desafios são gigantes e exigem líderes capacitados para compreender o momento que estamos vivendo e que consigam repensar as bases da economia e da sociedade. Cabem as lideranças encontrar novas oportunidades e caminhos, construindo esperanças e perspectivas para o futuro imediato. Ao mesmo tempo a pandemia nos mostra que está surgindo uma nova sociedade, a anterior está ficando para trás, precisamos reconstruir a economia em novas bases, criando empregos, melhorando as condições sociais e investindo em uma nova sociedade, vendo as tecnologias como aliadas, abrindo novas possibilidades e criando esperanças.

A economia prescinde de regras claras e de instituições estáveis. Os investimentos produtivos precisam de um ambiente de confiança e de perspectivas positivas. Sem estabilidade não conseguimos despertar o espirito animal dos empresários, como relatado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, cujas contribuições para o desenvolvimento econômico foram fundamentais, mostrando a relevância do empreendedorismo, da inovação e daquilo que chamou de destruição criadora, um momento dinâmico onde novos paradigmas superam estruturas ultrapassadas, destruindo negócios e criando novas oportunidades.

Neste momento, percebemos que as incertezas crescem em todos os países. Os indicadores negativos pressionam os governos e os mercados, de um lado, percebemos as dificuldades da pandemia e, de outro lado, vislumbramos a degradação dos indicadores sociais. Diante deste momento precisamos construir novos consensos, fortalecendo a economia e as estruturas produtivas, criando estabilidade e confiança, sem elas não teremos investimentos produtivos, incremento do desemprego e aumento da instabilidade política.

A economia brasileira vem apresentando performance medíocre, taxas reduzidas de crescimento econômico, perspectivas de inflação, incremento da dívida pública, aumento das desigualdades, degradação das condições sociais e incrementando a violência urbana. A economia precisa diminuir as incertezas, precisamos construir consensos políticos e estabilidades, sem regras consistentes, sem equilíbrio orçamentário, com inseguranças na condução econômica, dificilmente o país conseguirá galgar novos espaços de crescimento nos próximos anos.

Diante deste cenário de incertezas, marcadas por pandemias e instabilidades, percebemos mudanças inimagináveis, instituições tradicionalmente ortodoxas e críticas dos investimentos estatais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, estão sugerindo novos investimentos governamentais para superar este momento de fragilidades estruturais. Sem os investimentos públicos como alavanca econômica, os custos sociais aumentarão imensamente, gerando impactos políticos e instabilidades, aprofundando os fossos entre as classes sociais.

Os investimentos privados são fundamentais na recuperação econômica, o espírito animal dos empreendedores é imprescindível, para isso, faz-se necessário que o Estado defina uma agenda de prioridades econômicas e políticas. Intervenções devem ser pactuadas, as agendas de emprego são urgentes e emergenciais, cabendo ao Estado definir as políticas públicas dos próximos anos. Sem elas, corremos o risco de mergulharmos numa situação de deflagração social que jamais imaginamos. Neste momento de grandes incertezas e instabilidades, precisamos lembrar o grande mestre o economista Celso Furtado, que numa de suas obras destacou que os grandes problemas brasileiros não são econômicos, como muitos acreditam, mas sim os problemas políticos.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp, Professor Universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 16/12/2020.

Milton Friedman estava errado sobre as corporações, por Martin Wolf.

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Folha de São Paulo, 09/12/2020.

Mas como H.L. Mencken supostamente disse (embora talvez não o tenha feito), para cada problema complexo existe uma resposta simples, clara e errada

Qual deveria ser o objetivo de uma corporação de negócios? Por muito tempo, a opinião prevalecente, nos países de fala inglesa e, cada vez mais, em outras regiões, foi a defendida pelo economista Milton Friedman em um artigo para o The New York Times, intitulado “a responsabilidade social das empresas é elevar seus lucros”, publicado em setembro de 1970. Eu costumava acreditar nisso, igualmente. Mas estava errado.
O artigo merece ser lido na íntegra. Mas o cerne daquilo que ele defende surge na conclusão:

“Existe uma e apenas uma responsabilidade social para as empresas: usar os recursos de que dispõem e se engajar em atividades concebidas para aumentar seus lucros, desde que respeitem as regras do jogo, ou seja, se engajem em competição livre e aberta, sem trapaça ou fraude”.

As implicações dessa posição são simples e claras. Essa é sua principal virtude. Mas como H.L. Mencken supostamente disse (embora talvez não o tenha feito), “para cada problema complexo existe uma resposta simples, clara e errada”. E a conclusão citada acima é um exemplo poderoso de como isso é verdade.

Passados 50 anos, a doutrina precisa ser reavaliada. Apropriadamente, se considerarmos a conexão entre Friedman e a Universidade de Chicago, o Centro Stigler, da Escola Booth de Administração de Empresas, parte daquela instituição, acaba de publicar um livro eletrônico, “Milton Friedman 50 Years Later”, que contém opiniões variadas a respeito do assunto.

No excelente artigo que conclui o volume, Luigi Zingales, que promoveu o debate, tenta oferecer uma avaliação balanceada. Mas, em minha opinião, sua análise é devastadora. Zingales propõe uma pergunta simples: “Sob que condições é socialmente eficiente que os gestores se concentrem apenas em maximizar o valor para os acionistas?”
A resposta dele tem três pontos. “Primeiro, companhias devem operar em um ambiente competitivo, que definirei como um ambiente no qual as empresas acatam preços e acatam regras. Segundo, não deve haver externalidades (ou o governo precisa ter a capacidade de tratar com perfeição dessas externalidades por meio de regulamentação e tributação). Terceiro, os contratos devem ser completos, no sentido de que todas as contingências relevantes possam ser especificadas no contrato, sem custos”.

É desnecessário dizer que nenhuma dessas condições se aplica. De fato, a existência mesmo das corporações demonstra que não se aplicam. A invenção da corporação permitiu a criação de entidades imensas a fim de explorar as vantagens da economia de escala. E levando em conta essa escala, a ideia de que as empresas acatem preços é absurda. Externalidades, muitas delas de alcance mundial, são onipresentes. E as corporações também existem porque os contratos são incompletos. Se fosse possível escrever contratos que especifiquem todas as eventualidades, a capacidade dos gestores para responder ao inesperado seria redundante. Acima de tudo, as corporações não acatam regras, e sim as fazem. Envolvem-se em jogos na criação de cujas regras elas têm um papel importante, via política.

Minha contribuição para o livro enfatiza esse último ponto, ao questionar o que constituiria um bom “jogo”. Argumento que “seria um jogo no qual as companhias não promoveriam falsa ciência sobre o clima e o meio ambiente; em que companhias não matariam centenas de milhares de pessoas, ao promover o vício em opioides; em que as companhias não fariam lobby por sistemas tributários que permitem que estacionem boa proporção de seus lucros em paraísos fiscais; em que o setor financeiro não faria lobby por regras de capitalização insuficientes que causam imensas crises; em que companhias não fariam lobby para buscar castrar uma política efetiva de defesa da competição; em que companhias não pressionariam vigorosamente contra os esforços para limitar as consequências sociais adversas do trabalho precário; e assim por diante”.

É verdade, como argumentam muitos dos autores que contribuíram para o compêndio, que a corporação por cotas de responsabilidade limitada foi (e continua a ser) uma brilhante inovação. Também é verdade que tornar mais complexos os objetivos corporativos podem ser problemáticos. Assim, quando Steve Kaplan, da Escola Booth, pergunta de que maneira as corporações deveriam calcular as vantagens e desvantagens relativas de muitos objetivos diferentes, ele conta com minha simpatia. De forma semelhante, quando líderes empresariais nos dizem que a partir de agora atenderão às necessidades mais amplas da sociedade, eu me pergunto: primeiro, devo acreditar que o farão? Segundo, devo acreditar que sabem como fazê-lo? E, por fim, quem os elegeu para essa função?

E, no entanto, os problemas que o grave desequilíbrio econômico, social e de poder político inerente à situação atual gera são vastos. Quando a isso, a contribuição de Anat Admati, da Universidade Stanford, é convincente. Ela aponta que as corporações obtiveram muitos direitos políticos e civis mas que não estão sujeitas a obrigações correspondentes. Entre outras coisas, é raro que pessoas sejam responsabilizadas individualmente por crimes corporativos. A Purdue Pharma, agora insolvente, se admitiu culpada por acusações criminais relacionadas à maneira pela qual trabalhou com o medicamento OxyContin, que viciou um número imenso de pessoas. Indivíduos são presos rotineiramente por comerciar drogas ilegais, mas, como ela aponta, “nenhum indivíduo da Purdue foi parar na cadeia”.

O poder corporativo irrestrito vem sendo, além disso, um fator importante para a ascensão do populismo, especialmente o populismo de direita. Considere a maneira pela qual alguém age ao tentar convencer as pessoas a aceitar as ideias econômicas libertárias de Friedman. Em uma democracia dotada de sufrágio universal, a tarefa é realmente difícil. Para vencer, os libertários precisam se aliar aos defensores de outras causas – guerra cultural, racismo, misoginia, nativismo, xenofobia e nacionalismo. Mas boa parte disso acontece, é claro, por baixo dos panos, de forma a permitir que as conexões sejam negadas plausivelmente.

A crise financeira de 2008, e o resgate subsequente àqueles cujo comportamento a causou, tornaram ainda mais difícil vender a ideia de um mercado livre e desregulamentado. Assim, se tornou politicamente essencial para os libertários apostar ainda mais nas causas acessórias. Trump não era a pessoa que eles desejavam: ele é errático e desprovido de princípios, mas é um empreendedor político que parecia um candidato adequado para conquistar a presidência. E ele deu aos libertários o que mais desejavam: desregulamentação e cortes de impostos.
Há muita discussão a realizar sobre como as corporações deveriam mudar. Mas a maior questão, por larga margem, é como criar boas regras para o jogo em termos de competição, normas trabalhistas, meio ambiente, tributação, e assim por diante. Friedman presumia que nada disso importasse, ou que uma democracia funcional sobreviveria a ataque prolongado por pessoas que pensavam como ele. Nenhuma dessas suposições se provou correta. O desafio é criar boas regras do jogo, por via política. E hoje isso não é possível.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

Martin Wolf
Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

‘Apressar a austeridade não é o modo de assegurar crescimento’ diz OCDE.

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Aumento de gastos públicos na quarentena e de impostos sobre os mais ricos no pós-pandemia. A receita fiscal que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem dado para os países serve também para o Brasil, ainda que seja preciso dosá-la com mais cuidado, diz o diretor do Centro de Política e Administração tributária do órgão, Pascal Saint-Amans.

“Não quero parecer ingênuo. Tenho completa noção de que países ricos podem ter um nível de dívida alto e que países como o Brasil são muito mais frágeis. Então, o “custe o que custar” (nos gastos) talvez possa requerer mais foco”, diz ele. 

Depois, acrescenta: “O melhor modo para resolver a sustentabilidade da dívida e para assegurar crescimento é não apressar a austeridade.”

A OCDE recomendou que os governos continuem gastando para impulsionar suas economias. Mesmo o Brasil, que tem dívida elevada, deve fazer isso? 

Sim, estamos recomendando essa política no pico da crise. Apoiamos completamente os governos para que adotem políticas para compensar os impactos negativos da covid. Em termos de política tributária, também é preciso dar suporte para a economia, concedendo isenções sobre contribuições sociais e para pequenos negócios. Uma vez que o país deixa o pico da pandemia, nosso conselho é não se apressar com a consolidação fiscal. Porque o que aconteceu em 2008 e em 2009 foi que os governos encararam a crise e rapidamente voltaram para as políticas de austeridade. A Europa sofreu com essa política ruim, foi por isso que teve a crise grega. Então, é preciso ser cuidadoso na consolidação fiscal. Quando você está na fase de recuperação, você pode deixar o ‘custe o que custar’ para melhorar o direcionamento das políticas. Focar naqueles que vão precisar mais. Por exemplo, em um país como o Brasil, direcionar os gastos aos mais vulneráveis, porque o país tem uma desigualdade muito elevada e uma parte muito grande da população extremamente vulnerável. No que diz respeito aos impostos, não se apressem para aumentá-los. Na terceira fase, quando as coisas estiverem estabilizadas, aí vocês terão de aumentar os impostos.

A carga tributária brasileira é elevada quando comparada a de outros países emergentes. Isso também serve para o Brasil? 

O Brasil, quando você o compara com o restante da América Latina, tem uma carga tributária bastante elevada. Mas, ainda assim, provavelmente será necessário aumentar os impostos para fortalecer a política tributária. Aqui há dúvidas não só de qual o nível ideal, mas também em relação à estrutura do sistema tributário. Mas o que dizemos é que essa crise é grande demais para ser desperdiçada em termos de revisão de políticas tributárias. Vocês precisarão revisá-las seriamente. Façam isso de modo que se possa reduzir desigualdades. No Brasil, isso serve em relação à questão de taxar renda do capital, renda do capital em termos de imposto sobre pessoa física e sobre pessoa jurídica, imposto sobre herança… São áreas que nos últimos 30 anos tiveram, em todo o mundo, políticas generosas que precisam ser revisadas. Também recomendamos políticas ambientais. Isso vai trazer vocês para uma reflexão de que é preciso taxar mais emissões de carbono – e, sim, o Brasil precisa taxar muito mais, apesar de vocês terem a Amazônia para absorver parte do excesso do carbono no mundo. Mas vocês terão de fazer isso. Estamos cientes de que o Brasil, como outras economias emergentes, têm subsídios para combustíveis fósseis e, se vocês cortarem esses subsídios, terão de compensar os mais vulneráveis. Mas isso significa que vocês terão de fazer uma revisão séria da política tributária no médio prazo.

Essas mudanças devem incluir alteração no teto do Imposto de Renda, como alguns defendem?

Não sei de cor os detalhes do sistema tributário brasileiro. Mas um teto de 27,5% para a população mais rica é bastante baixo. Especialmente em um país onde você tem uma concentração de riqueza, receita e renda nos 10% mais ricos. Definitivamente é muito baixo. Mas esse tipo de reforma tem de ser feita de forma global, com todos os outros elementos do sistema tributário.

E as medidas de ampliação de gasto público também são aplicáveis ao País, ainda que a relação dívida/PIB já seja alta?

Não quero parecer muito ingênuo. Tenho completa noção de que países ricos podem ter um nível de dívida alto e que países como o Brasil, economias emergentes, são muito mais frágeis, especialmente com taxas de juros muito baixas. O fluxo de capital não os ajuda muito. Então, provavelmente, o “custe o que custar” talvez possa requerer algum foco. Deve-se manter uma política tributária mais generosa durante a recuperação, mas talvez não tão generosa. E depois (da crise), reconstruir o sistema melhor, esse é o mantra hoje no G-20. Construir melhor a política tributária, com descarbonização, redução de desigualdades, taxação de renda de capital. Não só reconstruir melhor, mas também mais em termos de aumento de receita para enfrentar o crescimento da dívida. 

A discussão sobre aumento de progressividade de tributos parece não ecoar muito ainda no Brasil. O que pode acontecer se o mundo avançar nessa direção, menos o Brasil?

Política tributária é uma questão doméstica. Cada país escolhe seu sistema. Na questão de progressividade, é uma questão social de vocês. Se os brasileiros estão felizes com uma sociedade extremamente desigual e com políticas tributárias a favor dos ricos, isso é problema dos brasileiros. Um modo em que pode haver respingos (da tendência mundial no País) é na tributação de emissão de carbono. É com ela que você atinge o Acordo de Paris. Se alguns países não participarem, então suas ações domésticas podem ter impacto no bem coletivo. Veremos nos próximos anos qual será a dinâmica da luta contra as mudanças no clima e qual será o papel do Brasil no jogo, que pode mudar com os EUA voltando ao debate em janeiro (quando Joe Biden assume a Casa Branca).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Amin Maalouf: ‘O mundo está sem uma bússola moral’ 

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Em entrevista ao ‘Estadão’, escritor fala sobre ausência de lideranças no cenário internacional
Entrevista com
Amin Maalouf, escritor libanês, membro da Academia Francesa

Paulo Beraldo, O Estado de S.Paulo 
06 de dezembro de 2020

A nova guerra fria entre Estados Unidos e China o crescimento do ódio e da violência em diferentes partes do mundo e uma “floresta Amazônica de informação”, em referência à quantidade de notícias que inundam o cotidiano nos tempos atuais. Esses são alguns exemplos que o escritor libanês Amin Maalouf usa para descrever o momento pelo qual passa o mundo.  
Esta semana, Maalouf fez uma palestra no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Depois, concedeu entrevista ao Estadão, na qual abordou a disputa entre China e EUA, a ausência de liderança internacional, o futuro do populismo e até o lugar do Brasil no mundo.  

Para onde o mundo caminha no cenário atual? 
Meu sentimento é de que existem dois riscos principais: a incapacidade de lidar com várias crises, em todos os níveis, e o fato de estarmos caminhando em direção a uma nova guerra fria. Se olharmos para a pandemia, não há resposta mundial. Se pegarmos as preocupações ambientais e todos os fenômenos ligados ao meio ambiente, não há uma mobilização global para enfrentá-las. Enquanto isso, caminhamos para uma nova corrida armamentista, agora entre EUA e China. No momento, vivemos sob a neblina da pandemia. Não temos uma bússola moral. Mas este momento em que o mundo parou é o correto para fazer uma reflexão sobre para onde estamos indo e como corrigir o rumo. 

Como o sr. descreveria essa nova guerra fria?
Temos um poder que ainda é o principal, os EUA, militarmente, economicamente e também tecnologicamente. A China vem atrás, mas muito rápido e com muitas cartas na mesa. Claro que também tem fraquezas, mas há realmente um risco de colisão e conflitos em todas as formas: comerciais, tecnológicas, políticas. Provavelmente, haverá uma corrida armamentista, já existe uma disputa para conquistar aliados. Está claro que existe alguma aliança entre China e Rússia, e uma coalizão de países que temem a expansão chinesa, como Japão, Austrália e Índia. Há muitos países e movimentos interessados em ter uma relação forte com a China. E é preciso lembrar que o mundo hoje não é governado por uma ordem global. Tudo hoje é mais fluido e ambíguo. A China não carrega uma ideologia, como a União Soviética tinha, mas há claramente um modelo de sociedade e de escolhas políticas. O que é novo é a posição econômica da China, sem as fraquezas soviéticas, que pode ter um papel que a URSS não conseguiu ter.
  
Voltando à ideia da bússola moral. Por que ela acabou?
Um dos elementos é a ausência de liderança. Não acho que os EUA ofereceram um exemplo de liderança moral nos últimos anos. Ainda há o elemento da democracia, mas a credibilidade não está lá. E a Europa não está tendo esse papel. Ela não teve capacidade e poder para exercer esse papel. Então, ninguém o exerce. É muito difícil enxergar onde estão os valores. De certo modo, é uma lei da selva. Olhe o que ocorreu no Cáucaso, entre Armênia e Azerbaijão, uma guerra sem intervenção de nenhuma autoridade internacional. Há ausência de uma autoridade que evite guerras e resolva problemas.  

Quando Hungria e Polônia desafiam a democracia podemos dizer que a UE está em crise? 
A construção do bloco atravessa um momento difícil. O que aconteceu com o Brexit é um alarme real que pode ocorrer em outros países. Ela deveria ter sido construída sobre uma base mais sólida, quase como uma federação, que elegesse o seu presidente por voto popular, que tivesse um chefe do Executivo. Ela precisa da capacidade real de ter um papel e tomar decisões. Mas, infelizmente, é impossível.
  
Qual o papel da ONU? 
No mundo ideal, a ONU deveria ter um papel mais importante, o que não é o caso hoje. Muitos fatores contribuem para seu enfraquecimento. Mas acredito que a ONU seja a única autoridade possível. Uma ONU revigorada, com mais poderes, capaz de intervir de maneira eficiente para resolver problemas. Mas isso depende dos principais poderes. É preciso reformar a ONU, torná-la menos burocrática, revisar seus métodos de tomada de decisão. Ela ainda é um organismo muito interessante.  

Como o sr. avalia o aumento da radicalização islâmica? 
É muito preocupante. Esse fenômeno está mudando a atmosfera política e intelectual de muitos países na Europa. Países que já tiveram atitudes tolerantes, como Holanda, Dinamarca, Suécia, agora têm certa impaciência com o que está acontecendo. São problemas que estão ficando maiores e ninguém parece ter a solução. A radicalização, por si só, é mais fraca do que já foi há 10 anos, mas há uma violência residual muito difícil de parar. Um jovem influenciado por propaganda, pega uma faca, sai à rua e mata alguém. É difícil evitar isso, mesmo com a melhor polícia e a melhor inteligência.
 
O sr. diz que a derrota de Trump não foi uma derrota do populismo. Pode explicar melhor? 
Fiquei satisfeito de ver que muitos americanos decidiram mudar de governo, pois estava desconfortável com Trump, principalmente por sua personalidade. Mas é preciso olhar a realidade com objetividade: o apoio a Trump foi muito importante. Ele perdeu depois da pandemia e da crise econômica que destruiu tudo o que ele conquistou. Não fossem esses dois fatores, ele provavelmente teria vencido. Então, apresentar o que aconteceu como uma histórica derrota do populismo não parece verdadeiro. Foi um revés para um presidente cujo estilo não agrada a todos, que enfrentou uma situação única. O que ocorreu nos EUA não será determinante para o desaparecimento do populismo. 

O sr. diz que vivemos em uma “floresta Amazônica de informação”. Como sobreviver nessa selva? 
É difícil distinguir o que é verdadeiro do que não é. Hoje, todo mundo pode se expressar e alcançar milhões. O único controle possível é pela educação, para permitir a uma pessoa olhar para uma informação e ter a capacidade de julgar se aquilo é sério ou não. É uma luta que temos de engajar as próximas gerações, pois não será decidida por governos e nem de uma vez por todas.  

Qual a posição do Brasil no mundo hoje? 
O Brasil tem uma posição interessante e um futuro brilhante. Ele está longe dos conflitos, não é afetado pelas disputas do mundo árabe. É um dos países emergentes que não é puxado por conflitos entre potências e é capaz de manter boas relações com ocidentais e países da Ásia. O Brasil pode evitar pagar o preço de conflitos e tem dimensões que lhe permitem isso, assim como reconstruir sua economia e avançar. Poucos países no mundo têm as vantagens geopolíticas do Brasil. 

Economia Pós-pandemia

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A economia brasileira vem passando por grandes desequilíbrios macroeconômicos nos últimos anos, crescimento do desemprego, redução no investimento produtivo, diminuição da renda agregada e baixa capacidade de investimentos produtivos externos, para piorar estes desequilíbrios, percebemos repiques inflacionários e o crescimento da dívida pública. Estamos passando por momentos de incertezas crescentes, cujos impactos são o aumento dos desequilíbrios sociais, econômicos, empregos precários e o incremento da desesperança.

Neste momento, marcado por uma nova economia internacional centrada na concorrência e no aumento da competição entre as nações, as empresas e os indivíduos, as sociedades precisam construir agendas mais consistentes de redução das desigualdades sociais, do incremento dos investimentos públicos, melhoras da saúde, da eficiência dos indicadores da educação e da segurança, construindo uma sociedade que garanta a todos os cidadãos oportunidades e renove as esperanças de um futuro melhor.

O pós-pandemia prescinde de novos investimentos públicos e privados, sem estes recursos a economia terá grandes dificuldades para estimular novos espaços de crescimento econômico, incrementando maiores oportunidades de emprego, melhoras das rendas e dos salários agregados. Historicamente, em momentos de instabilidades e crises econômicas, os investimentos privados se retraem imediatamente, diante disso, como destacou o economista britânico John Maynard Keynes, faz-se necessário a atuação dos investimentos públicos. Sem estes recursos estatais, as condições sociais devem se degradar de forma acelerada, aumentando a violência urbana e a exclusão social, com o incremento do racismo, do aumento da pobreza e da redução das oportunidades para as classes mais vulneráveis, reduzindo as esperanças e incrementando os conflitos distributivos.

Neste momento, as decisões contemporâneas terão impactos para toda a coletividade, os desafios são enormes, as escolhas políticas prescindem de maturidade, a sociedade precisa optar por investimentos seguros, estimulando os setores da educação, capacitando o capital humano para os desafios da sociedade do conhecimento, construindo e viabilizando projetos futuros, viáveis e cujos retornos serão colhidos em anos, ou mesmo em décadas. Neste momento precisamos pensar no longo prazo, garantindo novas oportunidades e reduzindo os privilégios que perpetuam a pobreza e a degradação social.

Vivemos um momento peculiar no Brasil e na sociedade global, nestes momentos os governos devem mostrar caminhos para a reconstrução das nações, como aconteceu na crise de 1929, quando os governos passaram a intervir diretamente para alavancar os sistemas econômicas. Atualmente, cabe a sociedade global agir rapidamente, importando ideias parecidas como o Green New Deal Global, como ventilado nos círculos políticos e acadêmicos, neste momento de reconstrução precisamos estimular investimentos verdes, a humanidade deve diminuir a queima de combustíveis fósseis nos próximos trinta anos, e deve fazê-lo de modo a melhorar o padrão de vida e as oportunidades para os trabalhadores.

Na pandemia precisamos repensar o modelo econômico e social dominante da sociedade mundial, melhorar os indicadores sociais é fundamental para que garanta melhorias para todos os agentes sociais, sem estas mudanças a sociedade caminha por um período de grandes conflagrações e degradações para todos os indivíduos, pensemos sobre o assunto, a pandemia nos traz a oportunidade de evoluirmos como civilização e como seres humanos.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp, Professor Universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 02 de dezembro de 2020.

“Investimento público é mais importante que juro baixo tanto para atenuar os efeitos da recessão como no longo prazo”, segundo Lara Resende.

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Para economista, é preciso superar o arcabouço analítico anacrônico e equivocado que impõe o equilíbrio fiscal como o único objetivo de política econômica

Adriana Fernandes
26 de novembro de 2020 |O Estado de São Paulo

O economista André Lara Resende é hoje uma voz dissonante do pensamento econômico dominante no Brasil. Quinto entrevistado da série do Estadão “Saídas para a Crise Fiscal”, Lara Resende afirma que o investimento público é hoje muito mais importante do que a política de juros como resposta para a retomada econômica após a pandemia do coronavírus e também para o desenvolvimento de longo prazo do País.

Um dos formuladores do Plano Real e com a experiência de ter trabalhado mais de 30 anos no mercado financeiro, Lara Resende propõe a criação de um órgão, protegido de “pressões políticas ilegítimas”, para definir os investimentos públicos. Para ele, essa é hoje uma medida mais valiosa do que um Banco Central Independente.

O economista alerta que até agora não houve uma única iniciativa, nem mesmo propostas, de políticas públicas para garantir uma recuperação sustentada, uma vez superada a pandemia. Ambientalista, Lara Resende diz que é incompreensível a postura do governo Jair Bolsonaro em relação à questão ambiental, considerada por ele o mais grave problema a ser enfrentado pela humanidade, e que compromete o Brasil no exterior.

● Como o sr. avalia a resposta do governo à pandemia da covid-19?
A resposta à pandemia foi conturbada, incompetente e negacionista no todo. Quanto à política econômica, apesar de alguma hesitação inicial, com o auxílio de emergência, o governo acabou por dar uma resposta que aliviou temporariamente a situação dos que perderam o emprego ou a renda. O auxílio emergencial foi fundamental para aliviar a recessão e a crise social provocada pela pandemia. Até agora não houve uma única iniciativa, nem mesmo propostas, de políticas públicas para garantir uma recuperação sustentada, uma vez superada a pandemia. Quando a pandemia parece recrudescer, volta-se a falar na necessidade de encerrar o auxílio em nome do equilíbrio fiscal. Mais uma demonstração clara de que o governo continua dominado por restrições ideológicas.

● Uma das preocupações no Brasil é justamente o crescimento da dívida, que caminha para 100% do PIB. É um problema?
Trata-se de uma preocupação infundada. Em várias ocasiões na história, sobretudo depois de guerras ou catástrofes, inúmeros países tiveram dívidas superiores ao PIB. Hoje, Japão, EUA, Itália, entre outros, têm dívida superior ao PIB. A dívida pública não pode ter uma trajetória explosiva, mas, desde que o seu crescimento acelerado seja transitório, que passada a crise, com as contas reequilibradas e restaurado o crescimento da economia, a relação entre dívida e PIB volte a cair, não há qualquer problema em ultrapassar os 100% do PIB.

● Existe um limite para a dívida?
Não existe um limite intransponível para a dívida interna e o PIB. O endividamento externo, que depende de financiamento do exterior em moeda estrangeira, é sim perigoso. Como aprendemos com as sucessivas crises da dívida externa no século passado, quando os credores internacionais passam a ter dúvida sobre a capacidade do País de honrar seus compromissos em moeda estrangeira, a súbita interrupção do fluxo de financiamento pode provocar crises gravíssimas. No século passado, o Brasil era importador líquido de petróleo e derivados, assim como de trigo e outras commodities (produtos classificados como básicos por não ter tecnologia envolvida ou acabamento). Precisava de financiamento externo para cobrir o déficit com o resto do mundo. Hoje, somos autossuficientes em petróleo, exportadores líquidos de commodities e temos um setor agropecuário altamente superavitário. O Brasil de hoje não tem dívida pública externa, ao contrário, tem quase 30% do PIB em reservas internacionais A nossa dívida é interna, do Estado com os brasileiros.

● Em entrevista recente ao ‘Financial Times’, a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, disse que os países precisam evitar o erro de retirar prematuramente os estímulos fiscais, como ocorreu na crise financeira. Ela chama atenção que há formas de investimento público que podem criar empregos e aumentar a atividade econômica e, ao mesmo tempo, serem fiscalmente responsáveis para sair da crise. Como conciliar essas coisas?
Gita Gopinath disse apenas o que se sabe desde a publicação do livro de John M. Keynes (1883-1946, defensor de maior intervenção do governo na economia para estimular o crescimento) na década de 1930. Gopinath não é uma heterodoxa irresponsável, mas economista-chefe do FMI, doutora pela Universidade de Princeton, onde teve como orientadores Ben Bernanke, ex-presidente do Fed, e Ken Rogoff, professor da Universidade Harvard, dois expoentes da ortodoxia econômica. A política fiscal, sobretudo investimentos públicos que aumentem a produtividade e o poder aquisitivo da população, é o mais poderoso instrumento, tanto para se sair de uma recessão como para garantir a retomada do crescimento sustentado. A pergunta mais complicada de ser respondida é por que hoje no Brasil a opinião dos economistas que aparecem na imprensa, assim como a da própria imprensa, regrediu para o que era a ortodoxia do século XIX na Inglaterra? A chamada “Visão do Tesouro”, que sustentava a necessidade de sempre equilibrar as contas públicas, depois duramente criticada por Keynes, deixou de ser levada a sério.

● O Brasil, que tinha uma situação fiscal frágil e déficits há sete anos e com previsão de resultados negativos até 2028, pode seguir essa recomendação do FMI em 2021?
É verdade que há mais de duas décadas a relação dívida e PIB do Brasil tem aumentado, mas não temos uma situação fiscal frágil. A carga fiscal do Brasil é de quase 35% do PIB, muito alta para um país de renda média. Apesar da alta carga fiscal, não conseguimos controlar o crescimento da dívida. A razão é que a taxa de juros foi extraordinariamente alta até muito recentemente. Com taxas de juros que chegaram a mais de 25% ao ano e um crescimento medíocre da economia, o resultado é inexorável: a relação dívida/PIB cresce. O Estado brasileiro custa muito e gasta mal? Com certeza, mas não é essa a razão do crescimento da dívida. A política de taxa de juros do Banco Central, do real até muito recentemente, foi um gravíssimo equívoco. A história irá deixar claro o preço de uma política de juros extraordinariamente altos, associada a uma pesada e kafkiana carga fiscal.

● Qual a saída a seguir?
Antes de mais nada, é preciso superar a camisa de força imposta por um arcabouço analítico anacrônico e equivocado que impõe o equilíbrio fiscal como o único objetivo de política econômica. Dizem que com equilíbrio fiscal todos nossos problemas estarão milagrosamente resolvidos. Sem ele, caminhamos a passos largos para o abismo. Nada mais falso. Precisamos urgentemente voltar a ter um projeto para o País, ter objetivos de políticas públicas que balizem os investimentos públicos e privados, que norteiem a transição para uma matriz energética limpa e não nos deixe perder o bonde da revolução digital em curso. Precisamos refletir sobre as políticas de emprego, saúde e educação neste novo mundo do século XXI.
● Por que o sr. considera ser uma falácia o argumento de que o governo não tem dinheiro para investimento?
Porque é falso. O governo não tem recursos para investir porque adotamos restrições legais-administrativas que deixam relativamente livres os gastos correntes e impõem limites ao total dos gastos. O teto dos gastos (regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação) é exemplar: se mantido, vai levar ao colapso completo do investimento público. O governo que emite sua moeda fiduciária (documento que possa ser aceito como pagamento, como as notas de real), como é o nosso caso, não tem restrição financeira, pois, quando gasta, necessariamente, emite moeda. A decisão de obrigar o governo a retirar a moeda emitida, seja através da cobrança de impostos ou da emissão de dívida, é uma decisão político-administrativa. Pode se justificar para impedir que o governo gaste de forma irresponsável e incompetente, mas não é uma restrição real.

● É mais eficiente deixar os investimentos fora do teto?
Sim. O teto pode até ser uma restrição importante para impedir um Estado inchado, que gaste muito na sua própria operação, mas não faz sentido ter um teto com os gastos correntes não controlados. O resultado é a inviabilização dos investimentos. Os investimentos públicos são muito mais importantes do que juro básico baixo tanto para atenuar os efeitos da recessão quanto para o desenvolvimento de longo prazo. É mais importante ter um órgão sério e competente, protegido das pressões políticas ilegítimas, para definir os investimentos públicos, do que um Banco Central independente.

● É possível fazer uma recuperação econômica verde e sustentável pós-pandemia?
Infelizmente, o governo Bolsonaro está na contramão de uma política ambiental sustentável. A incompreensível postura do governo em relação à questão ambiental, hoje considerado o mais grave problema a ser enfrentado pela humanidade, compromete o Brasil no exterior, prejudica nossas exportações e reduz os investimentos externos. Além de fazer a coisa certa, teríamos muito a ganhar com uma política ambiental inteligente e responsável, que poderia servir de balizador de uma nova etapa de nosso desenvolvimento.

● Qual o papel das reformas administrativa e tributária para destravar o crescimento?
Me parece que uma reforma tributária cujos objetivos fossem a simplificação, a racionalização e a equidade, não o equilíbrio a qualquer custo, e que nos livrasse do atual cipoal tributário, seria um passo importante para nos tirar do atoleiro em que nos metemos. Mais do que uma reforma administrativa, nome que se dá ao que é apenas mais uma tentativa de reduzir os salários e os benefícios do funcionalismo, precisamos modernizar a governança do País, inclusive o sistema político, que caminha a passos largos para se tornar disfuncional e corre o risco de perder legitimidade.

“O racismo estrutura a sociedade brasileira, está em todo lugar”, diz Djamila Ribeiro

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Edson Veiga, MSN Notícias

Em entrevista, a filósofa e escritora fala sobre heranças da escravidão no Brasil e afirma que, com o caso Beto Freitas, a revolta negra historicamente sufocada encontrou “coro para ecoar pelo país”.

Foi pelas redes sociais que, na manhã de 20 de novembro, data em que o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra, a filósofa, escritora e feminista negra Djamila Ribeiro soube do espancamento e assassinato de João Alberto Freitas, ocorrido em um supermercado Carrefour de Porto Alegre. “Fui ver a fundo do que se tratava e não consegui assistir ao vídeo”, conta. “Até hoje não assisti.”

Autora dos livros Lugar de Fala, Quem Tem Medo do Feminismo Negro e Pequeno Manual Antirracista, Ribeiro disse que conversou com a militante e teórica do feminismo negro Carla Akotirene sobre o caso. E a conclusão foi que toda vez que um negro vê outra pessoa negra sofrendo uma agressão, uma violência, este revisita “o trauma do colonialismo e de tudo o que as pessoas negras sofreram neste país”. No entendimento de ambas, é evidente que “uma pessoa branca consciente” também se choca com fatos assim; mas para um negro esse sofrimento assume proporções muito maiores.
Ao analisar o assassinato de Beto Freitas, ela recorda outras mortes que despertaram a raiva da população negra recentemente. Como a do adolescente João Pedro, baleado em operação policial, a da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, e a da auxiliar de serviços Cláudia Silva Ferreira, baleada quando ia comprar pão para sua família, em março de 2014.

O caso Beto Freitas, no entanto, está sendo um marco no país, aponta. “Gerou uma onda de protestos contra o racismo que é, de certa forma, inédita. Uma revolta que foi ao longo da história sufocada, encontrou coro para ecoar pelo país”, afirma em entrevista à DW Brasil.

Mestra em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo, Ribeiro é colunista do jornal Folha de S.Paulo e da revista ELLE Brasil e professora convidada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em 2016, foi secretária adjunta de Direitos Humanos de São Paulo. No ano passado, recebeu do Reino dos Países Baixos o Prêmio Prince Claus, por conta do seu ativismo.

Na entrevista a seguir, ela também fala sobre as heranças da escravidão e a falta de inclusão das populações negras. “O racismo estrutura a sociedade e, assim sendo, está em todo o lugar”, afirma.

DW Brasil: Em seu livro Pequeno Manual Antirracista um dos pontos que você aborda é justamente combater a violência racial. Em casos extremos como o ocorrido na última semana em Porto Alegre, qual seria a melhor resposta antirracista?

Djamila Ribeiro: Nesse capítulo do meu livro, aponto a violência racial por diversos meios: pela morte em massa dos corpos negros por uma polícia militarista, num país onde a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado; pelo Poder Judiciário ser uma extensão da viatura de polícia, aceitando ralas “provas” como suficientes para condenar alguém, isso quando muito verificam.

Em geral, apenas a palavra do policial é o suficiente para condenar por anos à prisão, e aí eu me pergunto: como seria se não tivesse uma câmera lá? Se não houvesse uma demonstração cabal do assassinato?

Ora, um dos responsáveis é um policial militar e, não fosse a manifestação evidente de prova, a palavra dele seria suficiente para que Beto Freitas fosse um assassino, e o policial, uma potencial vítima em legítima defesa. Isso é a manifestação de um sistema que foi desenhado para operar dessa forma, uma forma que continua a alimentar o projeto racial supremacista branco. Precisamos nos questionar sobre qual formação tem sido dada aos agentes de segurança no país, bem como sua estrutura em si. Uma polícia militarizada, em guerra, na qual morrem predominantemente pessoas negras, qual projeto é esse? Ao fundo, estamos diante da estrutura racista. […]

Independentemente disso, penso também que a empresa deve uma indenização por danos morais coletivos à população negra, em um valor tão alto para que seja desinteressante ignorar as demandas históricas antirracistas, como essa em particular tem feito. Trata-se de uma empresa com um preocupante histórico de violência com pessoas negras no Brasil e funciona numa lógica colonial profunda.

Veja, a matriz do Carrefour está no Norte global, e para lá é enviada boa parte do lucro que aufere no Sul. Não sei qual discurso é feito na Europa, mas a sua filial brasileira vem se alinhando aos projetos políticos que têm promovido o desmonte dos direitos sociais no país. Reforma trabalhista, previdenciária, entre outras estão alinhadas com um discurso que nega humanidade. Então, é de se questionar o choque da matriz quando há a materialização do ranço colonial que tem promovido mortes. É preciso insistir em um debate honesto sobre a postura de empresas transnacionais em suas filiais abaixo da linha do Equador e cobrar indenizações por isso.

Declarações tanto do vice-presidente, Hamilton Mourão quanto do presidente Jair Bolsonaro buscaram negar a existência do racismo no Brasil e ainda dizer que a sociedade estaria “importando” uma questão dos EUA. De que maneira esse tipo de declaração aumenta o problema?

Não é surpresa para quem acompanhou a trajetória do homem que está hoje na Presidência do Brasil que tanto ele quanto seu vice digam algo nesse sentido. Eles representam um projeto político que fez do racismo a base do seu meio de produção econômica e de suas relações sociais e, a serviço desse projeto, eles continuarão seu discurso e sua prática. E é evidente que estão a dizer uma grande falácia.

O Brasil é a maior nação negra fora da África, somando 54% da população, e mesmo sendo maioria, [os negros] estão fora dos lugares de poder e experimentam em larga maioria os piores índices de desenvolvimento humano. Foram quase quatro séculos de escravidão em pouco mais de cinco séculos de chegada dos colonos.

Em 1888 houve a abolição formal, mas nenhuma política de inclusão das pessoas negras, pelo contrário. Ao passo que foi estimulada a vinda de imigrantes europeus, que receberam terras e oportunidades, pessoas negras foram marginalizadas de qualquer contato com o poder econômico e destinadas a serem base de exploração que, no caso das mulheres negras, se somam ao patriarcado. Nas palavras de Carla Akotirene, mulheres negras são a matriz geradora pois parem as vidas que serão a base do sistema.

Para aqueles que negam a existência do racismo no Brasil, como explicar ou mostrar que, sim, há muito racismo na sociedade?

Ao longo da história, o projeto de miscigenação foi romanceado no país, como manifestação sublime da democracia racial, pensamento do [sociólogo] Gilberto Freyre, no sentido de que no Brasil teria havido a transcendência racial com a convivência harmoniosa entre brancos, negros e indígenas. Ou seja, de acordo com esse pensamento, não existe racismo no Brasil, apenas desigualdade entre ricos e pobres. As mulheres negras brasileiras são as mulatas que sambam e estão sempre disponíveis sexualmente. Trata-se de algo entranhado no pensamento brasileiro e na organização social do país, algo que os movimentos negros ao longo de muitas décadas vêm denunciando e combatendo.
É uma construção supremacista histórica e vejo o Brasil exportá-la para o Norte global como se fosse cana-de-açúcar. Está na escola, nas famílias, no discurso midiático, em todo lugar. Então muitas pessoas negras não sabem que são negras, não têm sequer condições materiais para formular algo nesse sentido. Então, o que nos resta é lutar por políticas públicas, de educação, assistência social e apoiar projetos políticos nesse sentido. Isso em um sentido coletivo.

O que é racismo estrutural?

Olhar a história do Brasil desde a escravização até a falta de inclusão das populações negras. Entender que foram criados mecanismos legais para afastar pessoas negras de possibilidades de emancipação social. São vários os exemplos: a Constituição Federal de 1824 vedava o acesso de pessoas negras à educação, a Lei de Terras de 1850 condicionava o acesso a terras à compra e venda, e naquele contexto nenhuma pessoa escravizada estava apta a possuir uma propriedade, entre tantas leis de escravização.

Com o fim formal da escravidão, houve um processo de criminalização de pessoas negras, sobretudo homens, alvos de leis como a vadiagem, que determinava a prisão de pessoas “sem ocupação”, numa época de alto desemprego para os homens negros. As mulheres negras foram destinadas ao trabalho doméstico, uma herança presente até hoje. Atualmente, estima-se que mais de 6 milhões de mulheres negras são empregadas [domésticas] no país, e a lei que regulamenta a profissão somente foi aprovada em 2013, sob intensos protestos do sistema que se beneficiou historicamente desse trabalho.

Então, estamos dizendo que o racismo estrutura as relações raciais no Brasil. Uma estrutura presente antes mesmo de nós termos nascidos. No Brasil é comum entrarmos em restaurantes e não encontrar nenhuma pessoa negra no local – nem como garçom ou garçonete. Quem vai a shopping terá dificuldade de encontrar uma vendedora de lojas negra. Isso, vale frisar, em um país com 54% da população negra. Ou seja, o racismo estrutura a sociedade e, assim sendo, está em todo o lugar.

Como você avalia os protestos que pipocaram pelo país a partir do conhecimento público do recente assassinato ocorrido no Carrefour?

Penso que está sendo um marco no país, pois gerou uma onda de protestos contra o racismo que é, de certa forma, inédita. Há pouco mais de dois anos, Marielle Franco, mulher negra vereadora no Rio de Janeiro e grande promessa para a política nacional, foi assassinada em um contexto até hoje não revelado, porém com fortes ligações com a milícia que atua em favor do chefe do executivo nacional. Naquela época chegou a haver uma comoção nacional e internacional, pela brutalidade com a qual Marielle foi morta. Aquele contexto era de um assassinato com fins políticos, pelo que ela representava de potencial para o país, bem como por ser uma figura completamente antagônica ao projeto miliciano que se instaurou no poder. No caso de Beto Freitas, uma revolta que foi ao longo da história sufocada, encontrou coro para ecoar pelo país.

A polícia brasileira é a polícia com o mais alto índice de letalidade: em um ano, somente a polícia do estado do Rio de Janeiro mata mais que a polícia de todos os Estados Unidos. Então podemos ter uma dimensão de quantas vidas negras foram ceifadas no país, quantas mães enterraram seus filhos. Alguns casos despertaram a raiva da população negra ao trauma do colonialismo.

Não há como não citar o menino João Pedro, de pouco mais de 14 anos, que estava brincando em sua casa, durante o isolamento do coronavírus, quando a polícia disparou mais de 70 vezes sobre a residência em que ele estava, na qual não tinha ninguém sequer investigado. São tantos casos que podemos citar… Claudia Silva Ferreira, em 2014, mulher negra, mãe, que foi morta numa ação policial no Rio de Janeiro. Sem qualquer cerimônia, seu corpo foi jogado no porta-malas da viatura. Na saída da comunidade, o porta-malas abriu, e ela foi sendo arrastada pelo chão. Uma cena que nenhuma de nós jamais esqueceu, mas que para muitos é assunto do passado. Então, esse país deve muito à população negra, e o despertar está sendo na medida da dívida.

Desafios contemporâneos

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Vivemos momentos de grandes incertezas na sociedade global, definidas pelo grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman como um mundo líquido, caracterizado por grandes instabilidades, volatilidades e grandes transformações. Para piorar o momento atual, vivenciamos uma grande crise sanitária, uma crise global com impactos sobre todas as regiões do mundo, gerando incremento dos infectados, mortes e degradações variadas.

Dentre os grandes desafios da sociedade contemporânea, destacamos os desequilíbrios climáticos, desemprego elevado, endividamento crescente, incremento das desigualdades sociais, além de conflitos políticos, raciais e culturais, além de violências, intolerâncias e desequilíbrios emocionais e psicológicas. Neste momento, a pandemia global se tornou o maior desafio mundial, cujos impactos destrutivos crescem aceleradamente, gerando medos, desesperanças e crueldades, contabilizando mais de 1 milhão de mortos, degradação econômica, insegurança e violências generalizadas.

Vivemos em uma sociedade marcada por variadas contradições, de um lado, percebemos tantas inovações tecnológicas, novos conhecimentos, novas ciências, novos materiais, novas descobertas que retardam o envelhecimento e melhoram a qualidade de vida e propiciam ao indivíduo mais bem-estar social. De outro lado, percebemos um mundo marcado por conflitos étnicos, desigualdades em ascensão, riquezas concentradas, pobrezas crescentes e instabilidades, depressões e violências generalizadas.

O incremento da ciência, do conhecimento e da tecnologia foram fundamentais para o crescimento da economia global, mas ao mesmo tempo percebemos que o crescimento da tecnologia não foi capaz de transformar os valores da sociedade, muito pelo contrário, os novos valores estão todos se concentrando nos valores do capital, do dinheiro, da ostentação e da acumulação. Estamos vivendo um descompasso entre valores, na contemporaneidade estamos construindo uma sociedade marcada por valores éticos e morais centrados nas incertezas e nas instabilidades, ao mesmo tempo, perdemos as referências da convivência social, da comunidade, da empatia e da solidariedade.

Os desafios são prementes, percebemos uma ausência de líderes mundiais capacitados para compreender a contemporaneidade, demonstrar conhecimentos técnicos e agilidade política para costurar novos espaços para a superação deste momento de grandes dificuldades e incertezas. Necessitamos de líderes ousados, criativos e solidários, com ideias dinâmicas e flexíveis, deixando de lado pensamentos atrasados, retrógrados e pouco eficientes. Neste momento de desagregação social, crises econômicas e conflitos políticos, estas lideranças devem deixar de lado crenças ultrapassadas, fortalecer a ciência, adotar políticas pragmáticas, centradas nas pesquisas científicas, estimulando os investimentos no conhecimento, na democratização dos ganhos e políticas de inclusão social, sem estas políticas dificilmente vamos conseguir dar passos mais eficientes para o desenvolvimento da civilização.

Neste momento, as políticas da contemporaneidade devem construir uma nova coletividade, mais inclusiva, mais reflexiva e verdadeiramente plural, sem o predomínio do individualismo e da concorrência degradante, fazendo com que a tecnologia e a ciência sirvam para o bem-estar de todos os grupos sociais ao invés de um pequeno grupo de privilegiados e num ambiente marcado por pobrezas e degradações, como estamos visualizando na sociedade contemporânea.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp, Professor Universitário.
contato@aryramos.pro.br. Diário da Região, 25 de novembro de 2020, Caderno Economia.

A Nova Economia

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A sociedade internacional está passando por grandes transformações em todas as áreas e setores, estas alterações estão gerando impactos generalizados, neste momento as bases da economia estão passando por construções ou por reconstruções. Neste momento, percebemos o nascimento de uma Nova Economia, gerando novos atores sociais, políticos e culturais, com isso, percebemos novos desafios e novas oportunidades, trazendo medos e esperanças e, ao mesmo tempo, novos comportamentos, concorrências e riscos crescentes, estamos numa outra sociedade, numa nova coletividade e construindo novos modelos de civilizações.

Como destacou o criador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Chwab, a Nova Economia traz novos conceitos para a economia contemporânea, como Indústria 4.0, Inteligência Artificial, Internet das coisas, robótica, civilização digital, Startups, 5G, computação quântica, biotecnologias, dentre outras. Estes novos conceitos estão transformando todas as economias, desafiando as nações, criando um mundo cheio de oportunidades, mas ao mesmo tempo percebemos grandes instabilidades, inseguranças e desesperanças.

A Nova economia está exigindo uma constante transformação cotidiana, os trabalhadores devem incorporar novas inovações, as invenções devem impulsionar a coletividade, os desafios devem ser crescentes, as atividades repetitivas do mundo do trabalho devem ser repassadas para as máquinas. Os trabalhadores devem ser estimulados para o pensamento crítico, exigindo novas mentalidades e a construção de novos equilíbrios emocional e espiritual, sem estes equilíbrios não conseguirão se adaptar a esta nova sociedade, marcadas por incertezas crescentes, instabilidades gerais, volatilidades, complexidades e transformações constantes. Destes desafios, destacando os modelos educacionais, das escolas e das universidades, que prescindem de novas metodologias para a construção dos novos conhecimentos, se a sociedade demanda cidadãos conscientes e críticos, os novos modelos de ensino devem capacitar para a construção dos trabalhadores do século XXII, deixando de lado os modelos repetitivos, superficiais e baseados nas decorebas constantes, criando novos modelos dinâmicos e reflexivos para auxiliar na construção da nova economia contemporânea.

Os novos modelos de negócios atuam na construção de ecossistemas de empreendimentos, tais como startups, empresas de tecnologias e marcadas pelo crescimento das inovações, com suas mentalidades dinâmicas, com seus comportamentos marcados pela ambiguidade, por modelos revolucionários de negócios, mais marcados pela flexibilidade, pelo dinamismo e menos burocracias, dominados por aplicativos e produtos intangíveis. Neste novo modelo de organização, encontramos o cenário da nova economia, centrados nas incertezas e constantes mudanças, esta nova sociedade pode ser definida pela disrupção, que tem como base um rompimento com o velho marcado e abertura para o novo, mais tecnológico, flexível e prático.

A sociedade mundial se caracteriza por grandes transformações, a rapidez destas alterações cresce de forma acelerada. Neste ambiente, os indivíduos estão atordoados, assustados, os trabalhos estão se tornando escassos, com isso, o mundo de trabalho está gerando instabilidades, desesperanças, depressões e ansiedades. Neste mundo contemporâneo, a tecnologia acelera rapidamente, neste ambiente, enquanto os indivíduos não conseguem acompanhar estas transformações impulsionadas pelas novas tecnologias, vivemos um grande paradoxo, os consumidores percebem inúmeras mercadorias disponíveis no mercado, mas de outro lado percebem seus rendimentos se reduzindo, seus salários diminuem e as perspectivas de sobrevivência dignas diminuem de forma acelerada, impulsionando conflitos, violências e a convivência social, neste momento, percebemos a importância de uma discussão maior sobre os rumos da sociedade mundial.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp, Professor Universitário Unirp e Fatec. Diário da Região, 18 de novembro de 2020, Caderno Economia.