Por que o capitalismo precisa da guerra? por Andreo Zhok

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Andreo Zhok – A Terra é Redonda – 09/04/2025

 A essência do capitalismo consiste em um único ponto. É um sistema social idealmente acéfalo, desprovido de uma liderança política, guiado por um único imperativo categórico: o aumento do capital a cada ciclo produtivo

A essência do capitalismo

A ligação entre capitalismo e guerra não é acidental, mas sim estrutural e inevitável. Apesar da literatura de autopromoção do liberalismo ter sempre tentado argumentar que o capitalismo, traduzido como “doce comércio”, seria uma via preferencial para a pacificação internacional, na realidade isso sempre foi uma evidente falsidade. E isso não porque o comércio não possa ser um caminho para a paz – ele pode ser –, mas porque a essência do capitalismo não é o comércio, que é apenas um de seus possíveis aspectos.

A essência do capitalismo consiste em um único ponto. Trata-se de um sistema social idealmente acéfalo, ou seja, idealmente desprovido de uma liderança política, mas guiado por um único imperativo categórico: o aumento do capital a cada ciclo produtivo. O núcleo ideal do capitalismo é a necessidade de que o capital gere retorno, quer dizer, que aumente continuamente. A condução desse processo não é atribuída à política – muito menos à política democrática –, mas sim aos detentores de capital, os sujeitos que personificam as exigências do sistema financeiro.

É importante compreender que o ponto crucial para o sistema capitalista não é que “haja cada vez mais capital” em termos objetivos, isto é, que a quantidade total de dinheiro aumente continuamente; em determinados momentos, essa quantidade pode até se contrair. O ponto essencial é que deve existir sempre a perspectiva geral de um aumento do capital disponível. Na ausência dessa perspectiva – por exemplo, em uma condição prolongada de “estado estacionário” da economia –, o capitalismo deixa de existir como sistema social, pois perde-se o “piloto automático” representado pela busca constante por oportunidades de investimento.

O ponto deve ser entendido estritamente em termos de poder. No capitalismo, uma determinada classe detém o poder por ser responsável por conduzir o capital em direção ao crescimento. Se a perspectiva de crescimento desaparece, o resultado é tecnicamente revolucionário, no sentido específico de que a classe que detém o poder precisa cedê-lo a outros – por exemplo, a uma liderança política movida por princípios ou ideais, como ocorreu em maior ou menor medida ao longo da história (perspectivas religiosas, nacionais, visões históricas). O capitalismo é o primeiro e único sistema de vida na história humana que não busca encarnar nenhum ideal e não tende a seguir nenhuma direção específica. Isso abriria uma discussão interessante sobre a relação entre capitalismo e niilismo, mas o objetivo aqui é focar em outro aspecto.

A “queda tendencial da taxa de lucro”

Na natureza do sistema, está implícita uma tendência que foi analisada pela primeira vez por Karl Marx sob o nome de “queda tendencial da taxa de lucro”. Trata-se de um processo intuitivo. Por um lado, como já vimos, o sistema exige a busca constante pelo crescimento, transformando o capital em investimento que gera mais capital. Por outro lado, a competição interna ao sistema tende a saturar todas as opções disponíveis para aumentar o capital, consumindo-as. Quanto mais eficiente é a competição, mais rápido ocorre a saturação dos espaços onde é possível obter margem de lucro. Isso significa que, com o passar do tempo, o sistema capitalista gera estruturalmente um problema de sobrevivência para si mesmo.

O capital disponível cresce constantemente e busca aplicações “produtivas”, ou seja, capazes de gerar retorno. O crescimento do capital está vinculado ao aumento das perspectivas de crescimento futuro desse mesmo capital, em um mecanismo que se autoalimenta. É com base nessa dinâmica que surgem situações como a anterior à crise do subprime, quando a capitalização nos mercados financeiros globais equivalia a 14 vezes o PIB mundial. Esse mecanismo produz a constante tendência a “bolhas especulativa”. E esse mesmo mecanismo produz a tendência às chamadas “crises de superprodução”, termo comum, mas inadequado, pois sugere excesso de bens disponíveis, quando na realidade o problema é o descompasso entre produção e capacidade de consumo.

De modo constante e inevitável, o sistema capitalista enfrenta crises geradas por essa tendência: massas crescentes de capital pressionam para serem aproveitadas produtivamente, em um processo exponencial, enquanto as capacidades de crescimento permanecem limitadas. Para que uma crise se manifeste, não é necessário que o crescimento pare — basta que ele não corresponda à demanda crescente por margens de lucro. Quando isso ocorre, o capital — quer dizer, seus detentores ou gestores — começa a se agitar progressivamente, pois sua própria sobrevivência como detentor de poder é colocada em risco.

A busca frenética por soluções

Quando a compressão das margens de lucro se aproxima, inicia-se uma busca frenética por soluções. Na versão autopromocional do capitalismo, a solução principal seria a “revolução tecnológica”, ou seja, a criação de uma nova perspectiva promissora de geração de lucro por meio de inovação tecnológica. A tecnologia realmente é um fator que aumenta a produção e a produtividade. Se aumenta também as margens de lucro é uma questão mais complexa, pois não basta haver mais produtos disponíveis para que o capital cresça, mas é necessário que haja mais produtos comprados.

Isso significa que as margens podem realmente crescer em presença de uma revolução tecnológica apenas se o aumento da produtividade também se refletir em um aumento geral do poder de compra (salários), o que não é algo garantido. Contudo, mesmo quando isso ocorre, as “revoluções tecnológicas” capazes de aumentar a produtividade e as margens não são tão comuns. Muitas vezes, aquilo que é apresentado como uma “revolução tecnológica” é amplamente superestimado em sua capacidade de gerar riqueza e acaba sendo apenas um redirecionamento de investimentos que gera uma bolha especulativa.

Enquanto se aguardam eventuais revoluções tecnológicas que reabram a possibilidade de ampliação das margens, a segunda direção na qual se busca uma solução para recuperar margens de lucro é a pressão sobre a força de trabalho. Essa pressão pode se manifestar por meio da compressão salarial e de muitas outras formas que ampliam as áreas de exploração do trabalho. A redução direta dos salários nominais é uma medida adotada apenas em casos excepcionais; mais frequentes e fáceis de implementar são práticas como o não reajuste salarial para compensar a inflação, a “flexibilização” do trabalho para reduzir os “tempos mortos”, o “endurecimento” das condições de trabalho, a demissão de trabalhadores, entre outras.

Esse horizonte de pressão apresenta dois problemas. Por um lado, gera insatisfação, com a possibilidade de que isso resulte em protestos, revoltas etc. Por outro lado, a pressão sobre a força de trabalho, especialmente na dimensão salarial, reduz o poder de compra médio, correndo, assim, o risco de desencadear uma espiral recessiva (menores vendas, menores lucros, maior pressão sobre a massa salarial para recuperar margens, consequente redução nas vendas de produtos, e assim por diante).

Uma forma colateral de conquista de margens ocorre por meio das “racionalizações” do sistema produtivo, que conceitualmente se situam em um meio-termo entre inovação tecnológica e exploração da força de trabalho. As “racionalizações” são reorganizações que, por assim dizer, eliminam as relativas “ineficiências” do sistema. Essa dimensão reorganizativa, na prática, quase sempre resulta em um agravamento das condições de trabalho, que se tornam cada vez mais dependentes das exigências impessoais dos mecanismos do capital.

Um último horizonte de soluções surge quando na equação entra a esfera do comércio exterior. Embora, em princípio, os pontos anteriores esgotem os locais nos quais as margens de lucro podem crescer, ao considerar a esfera externa, as mesmas oportunidades de lucro se multiplicam devido às diferenças entre os países. Em vez de um incremento tecnológico interno, pode-se ter acesso a um incremento tecnológico externo por meio do comércio. Em vez de uma compressão da força de trabalho interna, pode-se obter acesso a mão de obra estrangeira de baixo custo, entre outras possibilidades.

O declínio do lucro

A fase atual da breve e violenta história do capitalismo que estamos vivendo é caracterizada pelo progressivo desaparecimento de todas as principais perspectivas de lucro. Sempre haverá espaço para “revoluções tecnológicas”, mas não com a frequência que possa estar por trás das massas infinitamente crescentes de capital que pressionam para serem utilizadas de forma lucrativa. Sempre haverá espaço para novas compressões sobre a força de trabalho, mas o risco de gerar condições de revolta ou reduzir o poder de compra geral impõe limites claros.

Quanto ao processo de globalização, ele atingiu seus limites e iniciou um movimento de relativo recuo; a possibilidade de encontrar oportunidades externas, completamente diferentes e mais vantajosas do que as internas, foi drasticamente reduzida (deve-se considerar que, quanto mais as cadeias de produção se expandem, mais frágeis elas se tornam, aumentando, também, os custos adicionais de transação.

A crise do subprime (2007-2008) marcou um momento decisivo, levando todo o sistema financeiro mundial à beira do colapso. Para sair dessa crise, foram utilizadas duas alavancas. Por um lado, houve uma pressão elevada sobre a esfera do trabalho, resultando na perda de poder de compra e no agravamento das condições de trabalho em nível global. Por outro lado, houve um aumento das dívidas públicas — que, por sua vez, representam uma imposição indireta sobre os cidadãos e a força de trabalho, sendo apresentadas como um ônus a ser compensado.

A crise da Covid (2020-2021) marcou um segundo momento de virada, com características semelhantes à crise do subprime. Também nesse caso, os resultados da crise foram uma perda média do poder econômico das classes trabalhadoras e um aumento das dívidas públicas.

Tanto na crise do subprime quanto na crise da Covid, o sistema aceitou uma redução temporária das capitalizações totais para reabrir novas áreas de lucro. No conjunto, o sistema financeiro saiu de ambas as crises em uma posição comparativamente mais forte em relação à população que vive de seu trabalho. O aumento das dívidas públicas, na prática, representa uma transferência de dinheiro da disponibilidade da cidadania média para os rendimentos dos detentores de capital.

É importante notar que, para neutralizar os espaços de contestação e oposição entre trabalho e capital, o capitalismo contemporâneo tem se empenhado com todas as suas forças para criar uma coparticipação em certos estratos da população, que são relativamente abastados, mas estão longe de exercer qualquer influência no plano do poder capitalista. Forçando as pessoas a adquirirem aposentadorias privadas, apólices de seguro rentáveis e incentivando-as a investir suas economias em algum tipo de título público, busca-se (e consegue-se) criar uma camada da população que se sente “parte interessada” no destino do grande capital. Esses estratos da população funcionam como uma “zona-tampão”, reduzindo a disposição média de se revoltar contra os mecanismos do capital.

A situação atual, especialmente no mundo ocidental, é a seguinte: o grande capital necessita, para sobreviver, acessar continuamente novas áreas de lucro. As populações dos países ocidentais têm visto suas condições de vida serem progressivamente deterioradas, tanto em termos de poder de compra quanto em sua capacidade de autodeterminação, ficando cada vez mais vinculadas a uma multiplicidade de restrições financeiras, trabalhistas e legislativas, todas justificadas pelas necessidades de “racionalização” do sistema.

As possibilidades de encontrar novas áreas de lucro no exterior foram drasticamente reduzidas devido ao alcance dos limites do processo de globalização. Essa é a realidade que os grandes detentores de capital enfrentam hoje. Em sua perspectiva, é urgente encontrar uma solução. Mas qual seria essa solução?

“Uma palavra assustadora e fascinante: guerra!”

Quando, no cânone ocidental, são apresentadas as guerras mundiais – os dois maiores eventos de destruição bélica da história humana –, elas geralmente são associadas a culpados bem definidos: o “nacionalismo” (especialmente o alemão) na Primeira Guerra Mundial e as “ditaduras” na Segunda Guerra Mundial. Raramente se reflete sobre o fato de que esses eventos têm como epicentro o ponto mais avançado de desenvolvimento do capitalismo mundial e que a Primeira Guerra Mundial ocorre no auge do primeiro processo de “globalização capitalista” da história.

Sem entrar aqui em uma análise detalhada das origens da Primeira Guerra Mundial, é útil lembrar que a fase que a antecede e prepara pode ser perfeitamente enquadrada em uma moldura que somos capazes de reconhecer. Por volta de 1872, inicia-se uma fase de estagnação na economia europeia. Essa fase impulsiona decisivamente a busca por recursos e força de trabalho no exterior, principalmente nas formas de imperialismo e colonialismo.

Todos os principais momentos de crise internacional que antecedem a Primeira Guerra Mundial, como o incidente de Fachoda (1898), são tensões decorrentes da disputa internacional pela apropriação de áreas de exploração. A primeira grande iniciativa de rearmamento na Alemanha guilhermina ocorre com o objetivo de criar uma frota capaz de contestar o domínio marítimo (que é domínio comercial) da Inglaterra.

Mas por que a guerra deveria representar um horizonte de solução para as crises geradas pelo capital? A resposta, neste ponto, é bastante simples. A guerra representa uma solução ideal para as crises de “queda da taxa de lucro” sob quatro aspectos principais.

Em primeiro lugar, a guerra surge como uma força não negociável para investimentos massivos, capazes de revitalizar uma indústria enfraquecida. Grandes encomendas públicas, justificadas pelo “sagrado dever da defesa”, conseguem extrair os últimos recursos disponíveis no setor público e direcioná-los para encomendas privadas.

Em segundo lugar, a guerra representa uma grande destruição de recursos materiais, infraestruturas e vidas humanas. Tudo isso, que do ponto de vista do senso comum humano é uma tragédia, do ponto de vista das perspectivas de investimento é uma oportunidade magnífica. De fato, trata-se de um evento que “recarrega o relógio da história econômica”, eliminando a saturação das possibilidades de investimento que ameaça a própria existência do capitalismo.

Após uma grande destruição, abrem-se vastas oportunidades para investimentos fáceis, que não exigem nenhuma inovação tecnológica: estradas, ferrovias, sistemas de abastecimento de água, habitações e todo o setor de serviços associado. Não é por acaso que, há muito tempo, enquanto uma guerra ainda está em curso – do Iraque à Ucrânia –, já se observa uma corrida preliminar para garantir contratos para a futura reconstrução. A maior destruição de recursos de todos os tempos – a Segunda Guerra Mundial – foi seguida pelo maior boom econômico desde a Revolução Industrial.

Em terceiro lugar, os grandes detentores de capital, especialmente o capital financeiro, consolidam comparativamente seu poder sobre o restante da sociedade. O dinheiro, por ter uma natureza virtual, permanece intocado por qualquer grande destruição material (desde que não seja um aniquilamento planetário).

Em quarto e último lugar, a guerra congela e interrompe todos os processos potenciais de revolta e todas as manifestações de descontentamento das classes mais baixas. A guerra é o mecanismo definitivo, o mais poderoso de todos, para “disciplinar as massas”, colocando-as em uma condição de submissão da qual não podem escapar, sob pena de serem identificadas como cúmplices do “inimigo”.

Por todas essas razões, o horizonte bélico, embora atualmente distante dos sentimentos predominantes nas populações europeias, é uma perspectiva que deve ser levada extremamente a sério. Quando hoje alguns afirmam – com razão – que não existem as bases culturais e antropológicas para que a sociedade europeia se predisponha seriamente à guerra, gosto de lembrar o momento em que Benito Mussolini, captando os humores das massas, passou em poucos anos do pacifismo socialista ao famoso encerramento de seu artigo no Il Popolo d’Italia, em 15 de novembro de 1914: “O grito é uma palavra que eu jamais teria pronunciado em tempos normais e que agora elevo forte, em alta voz, sem disfarces, hoje, com fé segura: uma palavra assustadora e fascinante: guerra!”.

*Andrea Zhok é professor de filosofia na Universidade de Milão. Autor, entre outros livros, de Critica della ragione liberale: Una

 

Crise Global

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A economia internacional vem passando, nos últimos dias, por momentos de grande apreensão e dificuldades, levando os governos nacionais a repensarem suas estratégias construídas anteriormente, empresas nacionais e organizações globais buscam a reestruturação de suas variadas atuações em seus mercados e os trabalhadores aguardam, assustados e ansiosos, o desenrolar das movimentações do mundo contemporâneo, que geram preocupações, medos e constrangimentos financeiros.

Neste momento, estamos nos aproximando rapidamente de uma grande crise global, cujos impactos são impossíveis de serem mensurados, afetando a estrutura do comércio internacional, impactando sobre todas as regiões do mundo, afetando governos nacionais, atores globais e gerando incertezas crescentes, que tendem a afugentar os investimentos produtivos e obrigando os Bancos Centrais a atuarem para impedir uma crise global, cujo potencial destrutivo é elevado para a economia mundial.

Na economia contemporânea, marcada pelo desenvolvimento tecnológico, crescimento da integração e da interdependência entre empresas e governos nacionais, é fundamental ter previsibilidade, credibilidade e confiança, onde os atores econômicos e produtivos constroem estratégias para garantir novos mercados e encarar os concorrentes, motivando fortes investimentos em inovação, em pesquisa científica e desenvolvimento de novos produtos, garantindo lucros em ascensão.

As políticas protecionistas adotadas pelo governo dos Estados Unidos têm impactos generalizados para todas as nações e para todos os setores produtivos. Como destacou a revista inglesa The Economist, as medidas adotadas pelo governo norte-americano aumentaram a alíquota comercial de 2% para 24%, algo impensável numa sociedade que sempre estimulou e propagandeou o livre comércio, o liberalismo e a redução das intervenções estatais nos setores produtivos.

Neste momento, percebemos que a adoção de medidas unilaterais por parte do governo norte-americano, políticas estas que impactam sobre as nações e empresas locais e estrangeiras, enterram toda a estrutura econômica e produtiva mundial inaugurada no pós segunda guerra mundial, quando foram criadas instituições mundiais, com regras comerciais e financeiras, com instrumentos de regulação e fiscalização, diante disso, os atores econômicos globais estão assustados com os ventos futuros e as medidas protecionistas que podem criar mais incertezas, volatilidades e constrangimentos variados.

Vivemos num momento de preocupações crescentes na economia internacional, as Bolsas globais apresentam grandes desvalorizações, ações de grandes conglomerados apresentam perdas históricas, setores inteiros vivem momentos de medos e desesperanças, que podem culminar no aumento do desemprego, degradação da renda agregada e perda de poder de compra dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, mais injustiças, pobrezas e desigualdades, afinal, como aconteceu na última crise global, ocorrida em 2007/2008, os grandes capitalistas, agentes maiores da crise financeira, foram salvos com injeção de trilhões de dólares dos recursos governamentais, lembrando-os que os mesmos governos que alardeavam o neoliberalismo e a defesa contumaz da redução do papel do Estado na economia e, no clamor da crise financeira, adotaram práticas corruptas e  patrimonialistas para salvar seus apaniguados.

Neste instante, podemos estar às portas de uma crise global, cujos impactos financeiros são impossíveis de serem mensurados, empresas entrarão em bancarrota, desempregos tendem a aumentar, o medo e a desesperança devem crescer e os donos do poder, novamente, demandarão um cheque mais polpudo para evitar perdas financeiras homéricas e a conta, mais uma vez, sabemos quem vai arcar com o prejuízo de mais uma crise financeira global.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.

 

Incerteza no comércio internacional, por Cecília Machado

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Com ou sem negociações de tarifas, maiores incertezas sobre o comércio internacional já trouxeram consequências adversas para a economia global

Cecília Machado, Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

Folha de São Paulo, 08/04/2025

Há pouco menos de uma década, o referendo do brexit –que pôs fim a uma parceria comercial de muitos anos do Reino Unido com demais países da Europa– e as tarifas impostas sobre a China no primeiro governo de Donald Trump sinalizaram uma importante reversão no apoio ao livre comércio. Recentemente, o segundo governo Trump confirmou essa tendência, impondo tarifas de reciprocidade de pelo menos 10% a todos os países.

Por mais que os prejuízos da restrição ao comércio sejam todos bem conhecidos –incluindo redução da inovação, dos ganhos com economias de escala na produção, da competição de mercado, do acesso a novos produtos e da ampliação das possibilidades de consumo–, mudanças tão drásticas como as que estão sendo vistas trazem consequências econômicas adicionais, que vão além da restrição ao comércio em si.

Desde 2016, a incerteza com relação ao comércio global aumentou substancialmente, conforme revelam os indicadores construídos com base em notícias de jornais e na cobertura da mídia sobre o assunto (Caldara et al., 2020). O índice, gerado com base em textos que possuem palavras como “risco”, “ameaça” e “incerteza” relacionados a termos como “tarifas”, “impostos de importação” e “barreiras alfandegárias”, está fortemente associado a menção dessa incerteza na divulgação de resultados das empresas, mostrando aderência do indicador ao contexto econômico.

Quando as empresas tomam decisões de investimentos que são irreversíveis, incertezas sobre a economia, sobre o ambiente de negócios ou sobre a demanda por seus produtos as fazem adiar essas decisões. Há valor na espera. Uma incerteza elevada cria fortes incentivos para que as empresas esperem para ampliar seus negócios, realizar novas contratações e fazer inúmeras outras grandes decisões de gastos cuja reversão, caso o cenário se revele adverso, se mostre custosa.

É nesse sentido que aumentos no índice de incerteza de política comercial influenciam a decisão das firmas que envolvem custos elevados e irrecuperáveis. Tais efeitos foram estudados na guerra comercial de 2018, contexto no qual o aumento da incerteza resultou em queda de investimentos e em menor crescimento econômico.

Após a recente divulgação das novas políticas comerciais do segundo governo Trump, o indicador de incerteza de política comercial alcançou o maior valor da série histórica, em patamar que chega a ser quase quatro vezes maior ao máximo observado na guerra comercial de 2018. Esta, que é a mudança mais expressiva da política comercial americana das últimas décadas, deixa no ar ainda mais dúvidas sobre o futuro do comércio internacional. Os países atingidos pelas novas tarifas irão retaliar? Os Estados Unidos recuarão? Ou aplicarão medidas protecionistas ainda mais extremas?

Com ou sem negociações sobre as tarifas, o fato é que o futuro se tornou mais incerto. São empresas investindo menos, mas também pessoas mais cautelosas, consumindo menos e poupando mais.

Reconquistar a confiança em momentos de mudanças tão radicais pode se mostrar extremamente difícil, especialmente quando as mudanças de política econômica não se limitam apenas ao comércio e abarcam também mudanças regulatórias, nas finanças públicas, nas políticas de imigração.

A incerteza deixa todos em modo de espera, trazendo menos dinamismo e menos crescimento para a economia, o contrário do que se pretendia.

 

Tarifas são como um retrocesso tecnológico, por Bernardo Guimarães

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Elas visam substituir cadeias de produção produtivas por um processo menos eficiente

Bernardo Guimarães, Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

Folha de São Paulo, 09/04/2025

Na semana passada, o rei da confusão, Donald Trump, fez história ao anunciar sua insana política comercial com sua patética tabela de tarifas.

Para entender por que essas tarifas são um tiro no pé e uma facada no mundo, pense em como é feita uma simples caneta. Ela custa 12 segundos de trabalho de quem recebe o salário médio nos Estados Unidos. Doze segundos! Esse valor paga todo o processo de produzir a caneta, desde a extração dos minerais usados até a montagem do produto, incluindo o custo de usar as máquinas e equipamentos.

A caneta custa tão pouco porque o processo de produção é dividido em várias etapas, executadas por empresas diferentes. Da extração da matéria-prima à montagem, incluindo a produção dos equipamentos, o processo vai incluir dezenas de países.

Crucialmente, esse processo de produção não foi arquitetado por um planejador: cada empresa foi buscando fornecedores mais baratos, encontrando maneiras mais eficientes de produzir, e assim, com o tempo, chegamos a uma altíssima produtividade, que faz a caneta custar 12 segundos do trabalho de um norte-americano médio.

As tarifas vêm para matar esse processo produtivo. Trump quer que a produção de bens consumidos nos Estados Unidos aconteça no país. Esse é o maior erro.

Substituir cadeias de produção altamente produtivas, escolhidas pela mão do mercado, por um processo que não aproveitará as vantagens comparativas de cada país tem efeito similar ao de um retrocesso tecnológico. Caem a produção e a renda.

O argumento usual para proteger a indústria é que essas perdas são compensadas por algum aprendizado que estimulará uma indústria nascente e gerará ganhos futuros. Mesmo quem é simpático a esse argumento deve concordar que os Estados Unidos não precisam aprender a fazer meias e bicicletas.

Os Estados Unidos podem produzir camisetas, telefones e carros sem negociar com o exterior. Só que os salários seriam muito menores ou os preços dos bens seriam muito maiores (dá no mesmo).

E para quê?

O segundo problema, como explicou a coluna de Cecília Machado desta semana, é que ninguém vai investir para montar esse novo processo de produção 100% americano se ninguém sabe como serão as tarifas no ano que vem.

A parte patética é que as tarifas foram calculadas para punir países com os quais os Estados Unidos têm déficit comercial mais alto. Isso faz tanto sentido quanto o dono da pizzaria querer punir o produtor de tomates porque compra mais tomates do que vende pizzas para ele. A conclusão inescapável é que Trump tem uma visão mercantilista extremamente rudimentar da economia.

Em retrospectiva, é fácil ver que mercados foram excessivamente otimistas ou benevolentes com Trump. Talvez ainda estejam sendo.

É ridícula a crença de que Trump impôs essas tarifas para forçar outros países a eliminarem barreiras comerciais. Quem entende os benefícios do comércio internacional jamais tomaria essa medida, por entender o enorme custo que as tarifas impõem à própria economia americana.

Agora o mundo quer saber se Trump vai voltar atrás. O problema é que Trump não vai dizer que errou, era brincadeira. Ele precisa cantar vitória. A resposta da China –impor mais tarifas aos Estados Unidos– atrapalha demais esse caminho.

 

As tarifas de Trump vão prejudicar o mundo, por Martin Wolf

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Os déficits comerciais permanecerão praticamente inalterados, e o mundo apenas acabará mais pobre

Martin Wolf, Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Folha de São Paulo/ Financial Times – 08/04/2025

Agora sabemos qual economia é a maior ameaça aos Estados Unidos depois da China: Lesoto. Atualmente, a China tem uma tarifa combinada de 54% sob o novo plano de Donald Trump. Mas, aparentemente, Lesoto merece uma tarifa “recíproca” de 50% sobre suas exportações para os EUA, logo à frente dos 49% sobre o Camboja e 46% sobre o Vietnã, seguidos por 32% sobre a Indonésia e Taiwan, 26% sobre a Índia e 20% sobre a UE. O Reino Unido escapa com 10%.

O que talvez seja mais extraordinário sobre a derrubada de quase um século de política comercial é que ninguém, aparentemente, informou ao presidente que um procedimento que coloca Lesoto no degrau mais alto faria os EUA parecerem ridículos. Mas fez —e fez isso porque esse procedimento era ridículo.

Não houve uma análise sutil de todas aquelas supostas barreiras tarifárias e não tarifárias das quais, diz Peter Navarro, ecoando seu chefe, os EUA explorados têm sofrido tão terrivelmente. Não, foi muito mais simples e estúpido. As tarifas propostas são proporcionais ao déficit comercial bilateral dividido pelas importações bilaterais.

A suposição implícita é que, em um mundo justo, o comércio se equilibraria com cada parceiro individual. Isso é uma completa loucura. No entanto, agora se tornou a base intelectual da política comercial do país mais poderoso do mundo —infelizmente, pobre coitado, aparentemente vítima de uma conspiração comercial global.

Não é apenas loucura. É perversidade. Pense na história do envolvimento dos EUA no Vietnã. No entanto, agora, os EUA decidiram tentar interromper seu desenvolvimento econômico. O Vietnã não está sozinho em buscar explorar os benefícios da abertura. De fato, a política comercial convergiu para o liberalismo nas economias emergentes de forma bastante ampla. Eles estavam respondendo a uma promessa que os EUA agora retiraram.

Isso não é nem mesmo todo o trabalho de Trump. Canadá e México ainda são vítimas de suas “tarifas de fentanil”. Há uma tarifa de 25% sobre automóveis e as tarifas sobre aço e alumínio também foram aumentadas.

No entanto, as tarifas não fecharão os déficits comerciais. Nos anos 1970, trabalhei na economia indiana, então uma das economias mais protegidas do mundo. Ela tinha grandes superávits comerciais? Não. Sim, tinha uma proporção pequena de importações em relação ao PIB. Mas tinha uma renda ainda menor de exportações. Isso se devia ao impacto adverso da proteção na competitividade das exportações.

Isso agora acontecerá com os EUA: as importações encolherão, mas as exportações também. Os déficits, determinados pela renda e pelo gasto, permanecerão praticamente inalterados. O mundo apenas acabará mais pobre. Como argumenta o Instituto Kiel da Alemanha, os maiores efeitos negativos provavelmente recairão sobre os EUA: a proteção geralmente [e um tiro no próprio pé.

As pessoas que fundaram o sistema de comércio global nas décadas de 1930 e 1940 experimentaram os resultados do protecionismo empobrecedor nas décadas de 1920 e 1930. O sistema que criaram foi baseado, por boas razões, nos princípios de não discriminação, liberalização através de negociações recíprocas, vinculação de tarifas e adjudicação imparcial de qualquer uso das cláusulas de escape no sistema.

Tudo isso foi projetado para criar um regime comercial previsível, transparente e liberal. Ao longo de oito rodadas de negociações concluídas, o resultado se tornou uma economia mundial aberta e dinâmica. Isso foi um produto da diplomacia dos EUA. Trump não apenas trouxe a proteção dos EUA a níveis não vistos em um século, mas destruiu tudo o que seus predecessores buscaram alcançar. Isso é um ato de guerra contra o mundo inteiro.

O debate sobre se devemos levar Trump a sério acabou. Ele agora aprendeu a ser o tirano que sempre desejou ser, isso levou um tempo. Mas, com a ajuda que recebeu, ele chegou lá. Sua administração está engajada em um ataque abrangente à república americana e à ordem global que ela criou. Sob ataque doméstico estão o Estado, o Estado de direito, o papel do Legislativo, o papel dos tribunais, o compromisso com a ciência e a independência das universidades.

Todos esses eram os pilares sobre os quais a liberdade e a prosperidade dos EUA repousavam. Agora, ele está destruindo a ordem internacional liberal. Em breve, presumo,  Trump estará invadindo países enquanto prossegue para restaurar a era dos impérios.

A aplicação de todas essas tarifas é um símbolo perfeito do que Trump representa. Ele apelou para uma “emergência” inexistente, permitida por um Legislativo tolo, para impor um aumento de impostos altamente regressivo que pesará particularmente sobre sua própria base política, em parte para financiar uma extensão que estoura o orçamento de seu próprio corte de impostos altamente regressivo de 2017.

Parece inevitável que essas tarifas, além da incerteza criada pelo novo ambiente político não ancorado e, portanto, imprevisível, prejudicarão o mundo e os EUA tanto agora quanto a longo prazo. Nossas economias estão muito mais abertas do que nunca.

Aumentos enormes e repentinos na proteção terão efeitos econômicos correspondentes maiores do que antes. Os mercados de ações estão certamente certos ao supor que uma boa parte do estoque de capital produtivo de hoje se tornará sucata: a contínua turbulência do mercado é provável.

Isso oferece um tipo perverso de esperança. A tentativa de Trump e seus associados de minar a república levaria tempo. Agora é mais provável que ele fique sem tempo. Imagine que, como resultado de toda essa turbulência, a economia realmente vacile e, assim, os republicanos sejam derrotados nas eleições de meio de mandato. Isso tornaria o projeto Maga muito mais difícil de realizar. Quem sabe? As instituições dos EUA podem começar a mostrar um pouco de coragem. Acima de tudo, a próxima eleição presidencial pode realmente ser justa.

Enquanto Maga dominar a direita americana, o potencial dos EUA para um comportamento imprevisível, irracional e pernicioso permanecerá. Isso é, infelizmente, um grande presente para a China. Mas quanto pior ficar agora, mais provável é que Maga seja um interlúdio, não o destino da América. Isso é um consolo e uma esperança.

 

Como as tarifas de Trump jogam a favor da China, por Thomas Friedman

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Em vez de fazer uma batalha dos EUA contra o mundo todo, Trump deveria ter unido todas as democracias industriais, lideradas por Washington, contra Pequim

Thomas Friedman, Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

Folha de São Paulo/The New York Times – 08/04/2025

Após duas viagens à China nos últimos quatro meses, tenho tentado dizer isso de todas as formas que posso: pessoal, vocês simplesmente não entendem.

A Covid teve efeitos terríveis na saúde humana e na mortalidade, mas também teve um efeito devastador na nossa capacidade de entender os chineses. Executivos americanos e europeus saíram da China em massa no início da pandemia. Muito, muito poucos deles voltaram depois. Eles confiaram seus negócios na China a gerentes locais. Enquanto estavam ausentes, Pequim deu um grande salto à frente na manufatura avançada que o mundo não tinha. Criou um motor de manufatura como talvez nunca foi visto na história.

A China já controla um terço de toda a manufatura global (em 2000, eram 6%) e, quer se fale de carros, robôs ou telefones, o que está saindo da China hoje não é apenas mais barato e rápido. É mais barato, mais rápido, melhor e mais inteligente — e tudo isso está prestes a ser dramaticamente potencializado pela corrida desenfreada de Pequim para colocar inteligência artificial em tudo o que fabrica.

Isso é produto de décadas de investimentos maciços do governo em educação, infraestrutura e pesquisa, por trás de muros de proteção — em uma sociedade onde as pessoas estão prontas para trabalhar das 9h às 21 horas sete dias por semana. Enquanto a China estava construindo isso, a maior nova indústria dos EUA era a polarização política e viciar seus filhos no TikTok e Instagram.

“Dados recentes do banco central da China mostram que bancos controlados pelo Estado emprestaram um adicional de US$ 1,9 trilhão a mutuários industriais nos últimos quatro anos. Nas periferias de cidades por toda a China, novas fábricas estão sendo construídas dia e noite, e fábricas existentes estão sendo atualizadas com robôs e automação. Os investimentos e avanços da China na manufatura estão produzindo uma onda de exportações que ameaça causar fechamentos de fábricas e demissões não apenas nos Estados Unidos, mas também ao redor do mundo. “O tsunami está vindo para todos”, disse Katherine Tai, que foi representante de Comércio dos Estados Unidos para o ex-presidente Joseph R. Biden Jr.”

É por isso que a estratégia do presidente Trump é tão insensata. Em vez de impor tarifas ao mundo inteiro, deveríamos estar buscando alinhar todos os nossos aliados industriais em uma frente unida para dizer à China: você não pode fazer tudo para todos. Enquanto a China é um terço da produção manufatureira global, ela representa apenas 13% do consumo global. Isso não é sustentável — e não está apenas assustando os EUA e a Europa, mas também o Brasil, a Indonésia, a Índia e outros; até mesmo a Rússia, de repente, reduziu as importações de automóveis da China.

Em vez de fazer nossa estratégia ser os EUA contra o mundo inteiro em tarifas, Trump deveria ter feito com que todas as democracias industriais, lideradas por Washington, se unissem contra Pequim. O objetivo seria negociar efetivamente um caminho a seguir que obrigasse a China a redirecionar suas energias para dentro — investindo em sua escassa rede de segurança social e sistema de saúde, estimulando sua demanda doméstica — enquanto convida a China a construir novas fábricas não em Hanói, mas em Hamtramck (Michigan), e a transferir suas tecnologias e cadeias de suprimentos para nós em joint ventures 50/50.

Infelizmente, nosso presidente e vice-presidente estavam tão ocupados exibindo seus músculos na Groenlândia, demitindo nossos principais generais por não serem suficientemente submissos ao nosso Querido Líder e insultando nossos aliados europeus por serem muito progressistas, que desperdiçaram a alavancagem de que precisávamos para lidar efetivamente com esse formidável mecanismo chinês.

Mas aqui está o que os líderes empresariais americanos realmente não entendem: Trump e J. D. Vance assustaram a China e a UE com seu comportamento errático. Quando veem um presidente dos EUA simplesmente ignorar um acordo comercial com o México e o Canadá que ele mesmo negociou, eles se perguntam: como podemos confiar em qualquer acordo que fizermos com ele? Isso pode aproximar a China e a União Europeia.

Ouço meus compatriotas americanos dizerem: só precisamos chegar às eleições de meio de mandato e fazer os democratas recuperarem a Câmara, e estaremos bem. Desculpem, pessoal, não podemos esperar tanto tempo. Mais 20 meses ou mais dessa liderança errática e nosso país estará irremediavelmente quebrado. Precisamos de um punhado de republicanos na Câmara e no Senado — agora mesmo — para cruzar o corredor e pôr fim a esse devastador desastre econômico feito pelo homem.

 

FHC supunha ser marxista nos anos 60, mas já era liberal, por Bresser Pereira

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Marxistas neoliberais se viam como revolucionários e combateram desenvolvimentismo, mas subordinaram Brasil ao império

Luiz Carlos Bresser Pereira, Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)

Folha de São Paulo, 06/04/2025

[RESUMO] Autor, ministro no primeiro governo FHC, qualifica como marxistas neoliberais os líderes do seminário de “O Capital”, objeto de estudo do sociólogo Fábio Mascaro Querido em livro recente. Para Bresser-Pereira, FHC e intelectuais de seu entorno elegeram o desenvolvimentismo como adversário e abandonaram o marxismo ainda nos anos 1970 para, na década de 1990, se tornarem neoliberais, se associarem ao império e levarem a economia brasileira ao estado de quase estagnação.

Fábio Mascaro Querido acaba de publicar “Lugar Periférico: Ideias Modernas”, no qual estuda o que denomina marxismo acadêmico da USP —um grupo de sociólogos que, nos anos 1960, se aproximou do marxismo, que havia emergido com força na Europa no pós-guerra e alcançado o Brasil.

Esses sociólogos, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, criaram um seminário para estudar Marx e “O Capital”. Quando Cardoso assumiu a Presidência em 1995, o seminário se tornou célebre, sempre citado pela imprensa conservadora de maneira simpática porque os autores envolvidos já haviam abandonado havia tempos o marxismo. Querido afirma que esse foi o mito fundador do grupo.

O núcleo do grupo —aqueles que proponho chamar de marxistas neoliberais— foi constituído por Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Giannotti e Francisco Weffort.

Trata-se de um oximoro que se aplica bem a eles, que se encantaram com o marxismo nos anos 1960, quando ainda estava viva a esperança na revolução socialista, tornaram esse marxismo menos contraditório e revolucionário, definiram o desenvolvimentismo como o adversário e abandonaram o marxismo já nos anos 1970, enquanto Cardoso desenvolvia a teoria da dependência associada, que implicou a subordinação do Brasil ao império. Em síntese, nos anos 1960, eles supunham ser marxistas, mas já eram liberais; nos anos 1990, se tornaram neoliberais.

A denominação marxismo neoliberal naturalmente não se aplica a Roberto Schwarz e Francisco de Oliveira, que eram do grupo, nem a Octavio Ianni e Florestan Fernandes, que não eram realmente do grupo.

Florestan foi o mestre de todos, o maior sociólogo que a USP já teve. Inicialmente, se associou à sociologia da modernização e, depois, indignado com o que via no Brasil, se tornou um marxista revolucionário. Querido, naturalmente, não usa essa expressão, porque ele era antes um admirador que um crítico do marxismo neoliberal.

Querido distingue Roberto Schwarz dos demais, alguém que permaneceu marxista ao longo dos anos e, como escreve, “radicalizou a dimensão ‘negativa’ da crítica”. Como crítico literário e escritor, Schwarz não se preocupou em propor políticas nem fez concessões para ser aceito no seu entorno. Ao contrário do núcleo duro do grupo, Schwarz continuou nacionalista como havia sido antes dele seu grande mestre, Antonio Candido, e se associou a Paulo Arantes, um crítico do marxismo neoliberal.

Entre todos, Schwarz é o único que, no plano teórico, é reconhecido internacionalmente. (A teoria da dependência associada teve repercussão internacional, mas, além de ser equivocada, não pode ser considerada uma teoria —é apenas uma sofisticada e pouco clara justificação de subordinação.)

Querido usou o pensamento de Schwarz como referência ou fio condutor do livro e lhe dedicou dois excelentes capítulos. Salientou o amplo papel que teve Adorno em seu pensamento, como também a crítica da modernização realizada por Robert Kurz em 1991, um momento em que a União Soviética entrava em colapso.

Querido deu pouca importância ao nacionalismo do crítico, o que contradiz a sua perspectiva negativa, mas, no final do segundo ensaio, cita um texto significativo: “A última palavra não pertence à nação, nem à hegemonia ideológica internacional, mas pertence ao presente conflituado que as atravessa”. Este presente conflituado é o da luta de classes dos grupos de interesse específicos para esse ou aquele problema.

Nos anos 1960 e 1970, o núcleo neoliberal marxista e, mais amplamente, a esquerda antivarguista combateram o desenvolvimentismo nacionalista porque pretendiam ser revolucionários, enquanto o desenvolvimentismo implicava um compromisso da classe trabalhadora e da esquerda social-democrata com a burguesia.

O núcleo acadêmico neoliberal marxista seguiu o mesmo caminho: ao contrário da visão desenvolvimentista, pretendia não fazer concessões e acabou concedendo tudo nos anos 1990, quando se tornou neoliberal. A esquerda anti-Vargas o combateu porque definiu um “culpado interno” pela derrota: haviam sido os desenvolvimentistas, que, em vez de serem revolucionários, haviam apostado em um acordo da classe trabalhadora com a burguesia industrial intermediado pela burocracia pública.

O núcleo só passou a ter alguma relevância a partir do golpe militar de 1964, a grande derrota da social-democracia desenvolvimentista. Derrotados os adversários sem que fosse preciso lutar contra eles, estava agora na hora dos sociólogos da USP assumirem o comando intelectual da esquerda.

No capítulo “A revanche dos paulistas”, Querido relata a nova fase. Revanche por quê? Ele não explica, porque não foi realmente uma revanche. Na partida anterior, nossos amigos não tinham sido derrotados: eles estavam simplesmente fora do jogo. Em 1964, entraram no jogo e se tornaram bem conhecidos. Os que estavam no jogo até então eram os nacional-desenvolvimentistas social-democratas como Celso Furtado, Guerreiro Ramos, Helio Jaguaribe e Ignacio Rangel. Na época, eu já era desenvolvimentista, discípulo dos últimos.

Eles estavam fora do jogo, mas desesperados para entrar, especialmente para derrotar os dois mais importantes sociólogos dos anos 1950, Guerreiro Ramos e Gilberto Freyre. O golpe militar se encarregou de derrotar Guerreiro ao cassar seu mandato de deputado federal e seu direito de se recandidatar. Enquanto Celso Furtado foi exilado, ele e seus companheiros do Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) Jaguaribe e Rangel foram submetidos a intenso ataque pela esquerda alienada, para a qual o nacional-desenvolvimentismo associado a Getúlio Vargas era inaceitável. Isto além do ataque pela direita.

O próximo passo foi o livro de Cardoso e Enzo Faletto, “Dependência e Desenvolvimento na América Latina” (1969), no qual a dependência se torna a causa do desenvolvimento, em vez de obstáculo. Era a teoria da dependência associada que surgia. A nova verdade, que se espalhou rapidamente por toda a esquerda intelectual, afirmava taxativamente que uma coalizão de classes desenvolvimentista associando os empresários industriais às esquerdas e à classe trabalhadora era impossível.

A burguesia não existia nem poderia existir (na verdade, a burguesia industrial desenvolvimentista existiu no Brasil em dois breves períodos: 1950-1964 e 1967-1980), mas a falta de uma burguesia nacionalista não era problema, porque o chamado império era na verdade apenas um “hegemon” benevolente —suas empresas multinacionais estavam contribuindo para o desenvolvimento do país e bastava que o Brasil se associasse a ele que se desenvolveria.

Não foi isso que aconteceu: em 1990, a submissão aconteceu e, em 1995, se aprofundou. O país entrou em quase estagnação.

Não se imagine, porém, que os intelectuais nacionalistas e desenvolvimentistas tenham escapado do ataque de Cardoso e Faletto, ainda que esse ataque não fosse perfeitamente claro.

Em um primeiro momento, a Cepal de Raúl Prebisch e Furtado percebeu que estava sob ataque e não quis publicar o livro por meio do Ilpes (Instituto Latino-americano e do Caribe de Planejamento Econômico e Social). Mais tarde, porém, ela se adaptou à crítica, se acomodou ao império e perdeu qualquer relevância no plano das ideias.

A Cepal somente existiu como uma ideia —a do desenvolvimentismo estruturalista clássico voltado para a industrialização— entre 1949 e 1963, sob o comando de Raúl Prebisch. Em 1964, os desenvolvimentistas foram derrotados e obrigados a ficar em silêncio. No começo dos anos 1970, a Cepal abandonou o desenvolvimentismo.

Nos anos 1970, essa mesma esquerda, desprevenida, se deixou envolver pelas ideias propostas por Cardoso e Falleto. No plano econômico, essas ideias foram aceitas provavelmente porque a ideia de associação ao império não estava clara no livro e nos trabalhos que seguiram —e porque a esquerda estava ressentida com o golpe de 1964.

Por outro lado, a versão realmente marxista da teoria da dependência, a teoria de André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos, também era equivocada porque contava com a revolução socialista na América Latina a curto prazo.

Essa versão sofreu um ataque violento e injusto em artigo assinado por José Serra e o próprio Cardoso. Creio que a iniciativa tenha sido mais de Serra que de Fernando Henrique, porque este é um homem da melhor qualidade e cuja personalidade é incompatível com uma atitude como essa.

Em 1969, sob a liderança de Cardoso e com apoio da Fundação Ford, o Cebrap foi criado. Logo, ele se tornou o grande centro de estudos em defesa da democracia e de crítica à desigualdade.

Foi nessa época em que fui convidado a ser membro do conselho da nova entidade de pesquisa e me juntei a eles. Estava isolado na Fundação Getulio Vargas e precisava de diálogo. Percebia que minhas ideias desenvolvimentistas não eram ali bem-vistas, mas fui muito bem recebido e me associei à luta do Cebrap, onde, além dos intelectuais já citados, estavam figuras notáveis como Chico de Oliveira e Paul Singer. Lutávamos todos contra o regime militar.

Nessa época, porém, muitas das coisas que estou narrando aqui não estavam claras para mim. Entre 1995 e 1999, participei do governo FHC e, sob influência do que me envolvia, minhas convicções desenvolvimentistas e meu interesse pelo marxismo diminuíram por algum tempo.

Fiquei, porém, decepcionado com o caráter neoliberal que assumiu a direção da economia e, em 2003, revi minha posição em relação a meu amigo Fernando Henrique. Voltei a ler seu livro com Faletto e escrevi o ensaio “Do Iseb e da Cepal à teoria da dependência”, publicado em 2005, cuja primeira cópia entreguei a ele. Não era um rompimento pessoal, mas intelectual. Havia compreendido o sentido de sua obra e de seu pensamento.

Estimulado pelo excelente livro de Querido, decidi, nesta resenha, voltar agora ao tema da história intelectual. Uma resenha mais crítica do que fora o artigo de 2005, uma crítica ao marxismo neoliberal. Afinal, me pergunto: qual foi a contribuição ao Brasil desse grupo de sociólogos, cientistas políticos e filósofos? Como compará-la com a contribuição dos desenvolvimentistas social-democratas?

Os desenvolvimentistas se associaram a Vargas, ainda que ele tenha sido um ditador entre 1937 e 1945, porque ele foi o grande estadista que promoveu a industrialização e o grande desenvolvimento econômico do Brasil. Os principais desenvolvimentistas tiveram uma influência significativa na realização da revolução capitalista brasileira, que aconteceu entre 1930 e 1980. Alguns deles eram socialistas, mas sabiam que a revolução socialista não era uma possibilidade realista.

Enquanto isso, nossos marxistas neoliberais flertaram com a revolução sem muito empenho e, mais tarde, se associaram ao império e se tornaram neoliberais.

Na conclusão de “Lugar Periférico, Ideias Modernas”, Querido afirma que, enquanto os intelectuais do ciclo nacional-desenvolvimentista popular das décadas de 1950 e 1960 estavam interessados em um projeto de modernização nacional (anti-imperialista, acrescentaria), “os acadêmicos paulistas expressavam a redefinição entre intelectuais e política ocorrida na esteira das transformações pelas quais passaram tanto a sociedade quanto a universidade brasileira, a partir dos anos 1970”.

Ou seja, eles lograram se adaptar à realidade social e política que os circundava em vez de tentar mudá-la. Algumas vezes, vi Fernando Henrique, enquanto presidente da República, agir procurando se adaptar em vez de procurar moldar o que estava acontecendo. Ele e seus companheiros eram mais sociólogos que agentes republicanos.

O livro de Querido é uma notável contribuição à história intelectual do Brasil.

Lugar Periférico, Ideias Modernas: aos Intelectuais Paulistas as Batatas. Preço R$ 64 (288 págs.); R$ 54,90 (ebook). Autoria Fabio Mascaro Querido. Editora Boitempo

 

 

É a segurança, estúpido! por Oscar Vilhena Vieira

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É fundamental que todos compreendam que a questão se tornou uma prioridade absoluta para a população

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de “Constituição e sua Reserva de Justiça” (Martins Fontes, 2023).

Folha de São Paulo, 05/04/2025

Os altos índices de criminalidade constituem o principal problema do país, conforme os dados da última pesquisa de opinião realizada pela Genial/Quest. Pela primeira vez, na série histórica, o tema da violência superou questões como desemprego, saúde ou a economia. O dado não surpreende. Milhões de brasileiros são expostos diariamente ao medo e à brutalidade da violência. Apesar da gravidade e persistência desse problema, os esforços para conter a criminalidade ao longo das últimas décadas foram insuficientes.

A responsabilidade pela violência endêmica que nos afeta deve ser atribuída a boa parte dos políticos, em especial aos governadores. Salvo louváveis exceções, pouco se fez para enfrentar os interesses corporativos e modernizar o sistema de segurança e justiça no Brasil. Governos de centro, de direita e de esquerda foram, no mínimo, omissos na promoção das necessárias reformas.

Nesta quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal foi mais uma vez obrigado a suprir a omissão de sucessivos governos do Rio de Janeiro, que têm submetido a população ao persistente domínio do tráfico, das milícias e do arbítrio dos agentes públicos, proferindo decisão unânime sobre a condução de operações policiais nas favelas do estado.

As medidas cautelares, corajosamente proferidas pelo ministro Edson Fachin, contribuíram para a redução da violência policial, para a diminuição das mortes de policiais, assim como para o declínio nos índices de criminalidade. Ao corpo político, no entanto, cumpre a responsabilidade por corrigir os rumos do desastre.

Embora governantes do campo progressista ou liberal devam ser responsabilizados por não darem a devida atenção à questão da segurança, tem sido o “partido da bala” quem mais contribui para o desastre de nossa segurança pública. São os partidários do populismo penal que bloqueiam reformas e implementam as mais contraproducentes políticas, como temos testemunhado em São Paulo.

De acordo com o relatório da Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança, publicado também nesta semana, uma em cada três crianças ou adolescentes mortos em São Paulo foram assassinados pela polícia. Essa é apenas a face mais perversa de uma concepção de segurança, baseada na violência, no arbítrio e no descontrole dos agentes do Estado, que tem contribuído para o homicídio de cerca de 1 milhão de pessoas nos últimos 20 anos, no Brasil.

Essas políticas obtusas não apenas fomentaram o crime organizado e as milícias, como degradaram as instituições policiais e o sistema prisional, promovendo verdadeiras espirais de violência que afetam a vida de todos os brasileiros, em especial dos mais pobres e mais negros.

É fundamental que todos compreendam que a questão de segurança se tornou uma prioridade absoluta para a população. Que a omissão será punida pelo eleitor, intimidado pela violência. Que os únicos beneficiários serão os criminosos, além de políticos oportunistas, que ocupam o espaço deixado por liberais, progressistas e mesmo conservadores, para vender soluções mágicas que, no mais das vezes, apenas agravam a situação.

É urgente que o campo democrático conceba e implemente políticas consistentes de segurança. Que integre as esferas federal, estaduais e municipais; modernize as corporações policiais; valorize e capacite os profissionais de segurança; empregue intensivamente tecnologia e inteligência no combate ao crime organizado; reforme o sistema penitenciário; adote protocolos de conduta; além de submeter a ação dos agentes do Estado aos estritos parâmetros da lei.

Esse o desafio. A omissão custará muitas vidas. E, quem sabe, o próprio estado democrático de direito.

 

Alunos de Gestão Empresarial – Fatec Catanduva, 2025

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Incertezas

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 Numa sociedade global marcada por grandes mutações, onde os agentes econômicos se digladiam como forma de garantir novos espaços de crescimento, onde os modelos de negócios se transformam diuturnamente, onde as tradições estão em constante movimento, onde os seres humanos sofrem num ambiente de incertezas crescentes, onde os conflitos crescem de forma acelerada, tudo isso impulsiona as instabilidades emocionais, ansiedades e depressões.

As decisões econômicas impactam fortemente sobre os seres humanos, os investimentos produtivos impulsionam a geração de emprego, com melhoras substanciais da renda dos trabalhadores, aumentando o consumo e movimentando os setores produtivos, impactando fortemente para toda a comunidade. As decisões econômicas melhoram as condições de vida da coletividade, capacitando e qualificando os setores produtivos para aumentarem a produtividade do trabalho, preparando a economia para desafios e vislumbrando espaços valiosos de crescimento econômico e perspectivas de desenvolvimento.

Vivemos numa sociedade onde a economia ganhou uma relevância exagerada, a ciência econômica se restringe apenas a questões financeiras, todos os indivíduos pensam como empresas, se vendem como se fossem mercadorias, buscando apenas lucros imediatos, melhorando suas imagens externas como uma grande estratégia de marketing pessoal e transformando o networks em um espaço de novos negócios e ganhos monetários, estimulando uma concorrência crescente e exagerada, deixando de lado a ética e os valores em prol dos ganhos materiais, desta forma colhemos incertezas crescentes, amizades interesseiras, belas imagens externas, com corpos sarados e vazios emocionais, cultuando a ignorância e rechaçando a ciência.

Nesta sociedade, dominada pelos interesses do dinheiro, centrada no imediatismo, no individualismo e no narcisismo crescentes, percebemos que os ganhos materiais são a tona da organização social contemporânea, os valores democráticos perdem espaço quando os interesses do capital estão em risco, desta forma compram consciências, derrubam governantes, destroem reputações, contratam profissionais qualificados porém desprovidos de valores morais, adquirindo instituições e acreditando que o dinheiro domina a sociedade, rechaçando o pensamento crítico, usando o seu poderio econômico e sua força política para perpetuar seus privilégios e, se necessitar de força física para impor seus interesses, sem pestanejar, usam os aparatos repressivos do Estado para garantir seus benefícios.

Vivemos na sociedade contemporânea um conflito aberto e cada vez mais escancarado, governos que sempre adotaram políticas em prol dos interesses dos capitalistas não mais escondem suas escolhas imediatas, repassam grandes somas do orçamento público para seus financiadores e restringem recursos para políticas públicas dos setores mais vulneráveis da sociedade, aumentando os espaços de conflitos entre setores da sociedade, aumentando as polarizações, incrementando as desigualdades sociais e aumentado as incertezas, os medos e os ressentimentos, que podem culminar em graves desequilíbrios políticos.

Vivemos numa sociedade marcada pelo crescimento da degradação do meio ambiente, embora muitos grupos rechacem previsões catastróficas, percebemos claramente que o clima está diferente, as estações do ano mudaram, a temperatura aumentou sensivelmente e tudo isso está associado a um modelo econômico excludente, gerador de desigualdades e explorações constantes. A economia se faz imprescindível para a convivência social, mas nunca devemos nos esquecer, que esta ciência não é autônoma e está fortemente atrelada às questões políticas.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e professor un