Crises no mundo: uma pequena análise dos Estados Unidos.

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Recentemente as discussões econômicas internacionais estão todas atreladas ao perigo de moratória de países desenvolvidos, principalmente alguns membros da União Européia (Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália) e os Estados Unidos da América, que vivem um período de instabilidades econômicas, que geram na sociedade internacional grande especulação e incertezas, além de medos e riscos crescentes.

Este mundo está realmente muito mudado, muito transtornado e cheio de paradoxos, imagina uma situação onde os países ricos e poderosos, detentores do poder econômico e da força política, países que até muito recentemente eram conhecidos como os grandes fomentadores da economia internacional, criadores da riqueza e exemplo concreto de boa gestão, com responsabilidade social e práticas sustentáveis, estes países estão em crise, e pior, em situação terminal, ameaçando entrar em default, ou seja, o vulgarmente conhecido como calote.

Mas como países tão corretos e dignos, com histórico de riqueza e boas práticas de gestão, conseguiram chegar nesta situação tão negativa e inusitada, quais caminhos percorreram suas economias para atingir tão deplorável situação econômica e produtiva, e quais serão os impactos sobre a sociedade internacional, perante risco tão elevado de calote financeiro destes países? E o Brasil, como esta crise, ou posterior default vai impactar sobre a saúde e sustentabilidade macroeconômica do país, será que sentiremos uma crise internacional com impactos severos ou uma mera marolinha?

Todos nós estamos vivenciando um período de grandes mudanças geopolíticas, econômicas e estratégicas, o centro do poder mundial está sendo substituído e os resultados ainda são incertos e qualquer julgamento prematuro, o Atlântico está perdendo espaço para o Pacífico, a Ásia está em franca ascensão, alguns países desta região estão ganhando cada dia mais espaço no cenário externo, ameaçando antigas potências e desafiando práticas antigas e arraigadas, tudo isso é motivo de expectativas e instabilidades, mas também nos abrem novas possibilidades.

A economia dos Estados Unidos apresenta algumas graves deficiências estruturais, o poder acumulado nos últimos 100 anos apresenta sinais claros de enfraquecimento, o dinamismo interno, a capacidade empreendedora e o sonho americano que sempre seduziram os outros povos estão em franca decadência. Agora, será que esta decadência é inexorável ou pode ser revertida como aconteceu nos anos 80? Isto só o tempo pode responder.

O desemprego atual nos Estados Unidos atingiu 9%, historicamente um número assustador, comparável apenas á crise dos anos 30 e aos ajustes econômicos dos 80, ainda mais para uma sociedade empreendedora, dinâmica e flexível, este desemprego mostra claramente algumas das grandes dificuldades do país, dentre elas destacamos a dívida pública crescente, os desajustes no sistema financeiro e a perda de competitividade da economia.

Nos últimos quarenta anos o trabalhador norte-americano vem perdendo espaço na economia internacional, a renda média deste trabalhador está diminuindo devido á competição dos trabalhadores de outros países, principalmente os emergentes asiáticos e recentemente, os latino americanos e do leste europeu, tudo isto gera um empobrecimento da população e, principalmente, uma fragilização da classe média norte-americana.

A ascensão da China na economia internacional ocorrida nos anos 70 foi um subproduto da estratégia das empresas e do governo norte-americano para continuar comandando as estratégias mundiais, neste período, o todo poderoso Henry Kissinger, Secretário de Estado dos EUA, costura uma aproximação com a China, depois que os asiáticos se afastam de forma definitiva da União Soviética, por esta estratégia de aproximação as empresas do Tio Sam se instalariam no país asiático, se beneficiando do grande contingente de trabalhadores e do imenso mercado consumidor, levando suas grandes empresas, suas técnicas produtivas e seus modelos de gestão, transformando de forma estrutural o ambiente de negócios chinês.

Esta estratégia foi tão exitosa, que hoje a China é a economia que mais cresce no mundo, este crescimento gera e consolida uma interdependência entre os dois países, fazendo com que um se torne atrelado ao outro, embora encontremos grandes reclamações de empresários norte-americanos com o protecionismo chinês, principalmente com relação ao câmbio, percebemos que esta reclamação não passa de um grande jogo de cena dos produtores norte-americanos, que tem em mãos instrumentos para punir os chineses, ou para coibir o suposto abuso, mas evitam fazer porque sabem que indiretamente ganham e muito com este modelo de desenvolvimento adotado pelo país asiático.

O ataque terrorista de 11 de setembro e as guerras patrocinadas pelo governo Bush intensificaram os gastos bélicos e criaram uma grande armadilha para o país, com gastos militares descontrolados que pressionam a política fiscal e aumentam a dívida pública, obrigando o governo a aumentar a captação de recursos nos mercados financeiros, aumentando, com isso, a dívida pública que em agosto próximo baterá no teto de US$ 14 trilhões, exigindo do Congresso Nacional a autorização para que o governo possa aumentar o limite de endividamento, sob pena de calote ou default, o que afetaria toda a economia internacional, com impactos diretos sobre o Brasil, isto porque somos, na atualidade, um dos maiores credores dos Estados Unidos, com créditos de mais de US$ 220 bilhões.

A crise de 2008, detonada pelo setor imobiliário dos Estados Unidos e que se espalhou para todo o setor financeiro e produtivo, tanto nacional como internacional, obrigando o governo a aprovar gastos emergenciais da ordem de US$ 1,5 trilhão, resgatando bancos, instituições financeiras e grandes empresas, tal como no setor automobilístico, ainda permanecem esperando uma solução definitiva por parte da sociedade, o governo Obama, que inicialmente se apresentou como algo novo e moderno e inovador, se mostrou frágil para as grandes transformações exigidas pela sociedade norte-americana, que exige mudanças estruturais, minando seu grande capital político e condenando o país a uma discussão política medíocre e preconceituosa, abrindo com isso, espaço para o surgimento de movimentos políticos conservadores, onde destacamos o Tea Party, que pode ser descrito como uma facção direitista e conservadora, ou melhor, ultraconservadora, dentro do partido Republicano, que se movimenta e ganha força e legitimidade com ideias e pensamentos de perfil fortemente conservador, é importante destacar que este movimento tem legitimidade dentro da sociedade norte-americana.

O mundo na atualidade se encontra, do ponto de vista econômico, apreensivo com duas situações perigosas e preocupantes, cujos impactos sobre todo setor produtivo e financeiro mundiais pode ser desastroso, um calote norte-americano pode ter consequências imprevisíveis, algo inusitado e de difícil mensuração, que poderia afetar todos os países e regiões, gerando retração econômica e desequilíbrios nos países, isto porque, mesmo apresentando sinais de esgotamento, a economia dos Estados Unidos é ainda a mais importante economia do mundo.

A crise deve levar os Estados Unidos a adotarem uma política fiscal mais conservadora, uma redução dos gastos públicos é uma medida que o governo discute abertamente como uma forma de reduzir o endividamento público, agora nesta discussão encontramos grande dificuldade para encontrarmos um consenso político em que tipo de gasto o governo vai reduzir, os Republicanos apostam nos gastos sociais, principalmente, saúde e previdência; enquanto os Democratas preferem redução de gastos militares e aumento de impostos dos setores mais ricos da sociedade, este impasse pode gerar graves problemas de governabilidade para o presidente Obama e, principalmente, aumentar a agonia dos setores produtivos norte-americanos.

A sociedade norte-americana está na berlinda internacional, o calote representará para todos um grande constrangimento, as agências de classificação de risco preparam o rebaixamento dos títulos dos Estados Unidos, que sempre se destacaram pela solidez e credibilidade, um rebaixamento seria um grande golpe ao capitalismo norte-americano, com graves impactos sobre a sociedade internacional, obrigando os americanos a se comportarem reduzindo gastos e equilibrando o orçamento, para muitos traria aos cidadãos norte-americano um choque de realidade, fazendo-os lembrar que não são mais os donos do mundo, agora, é importante se destacar, que quando estes cidadãos, movidos a consumo, se contraírem o mundo todo vai sentir, as economias todas receberão impactos variados, e principalmente aquelas que são dependentes do mercado norte-americano, destacamos imediatamente dentre muitos o México e a Alemanha, sendo esta última a grande mola propulsora da União Européia, que neste caso poderia se inviabilizar em definitivo.

O Brasil também sentiria a crise como todos os países, mas sua dependência com relação à economia norte-americana, que até os anos 80 e 90 foi muito grande, no século XXI diminuiu, novos mercados foram abertos e perspectivas interessantes surgiram e se avolumaram, abrindo novas oportunidades para o mercado nacional, mas mesmo assim, não podemos nos enganar, crises nos Estados Unidos são sempre emblemáticas e geram dificuldades e constrangimentos para todos os agentes econômicos, mas agora estamos mais preparados, nos encontramos em um momento econômico bastante interessante, as crises externas nos afetam, como a todos os outros, mas não mais nos levam ao nocaute como nos levou anteriormente.

Mudança e transição no mundo moderno

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Nos últimos anos a sociedade mundial se encontra assustada com as grandes mudanças em todos os setores sociais, na ordem econômica e na lógica política institucional, que geram impactos diretos sobre o futuro imediato causando medos e fobias, preocupações e desesperanças crescentes, levando muitos a acreditarem que tais transformações são muito mais complexas do que imaginamos, estão ligadas a questões maiores, o mundo estaria passando por mudanças espirituais, dirigidas por espíritos superiores que comandam os rumos da humanidade.

O mundo contemporâneo nos mostra grandes desafios nas mais diferentes áreas, o clima se transforma rapidamente, gerando medos e inquietações, locais caracterizados por clima propícios para a agricultura se encontram em transformação, levando muitos trabalhadores a migrarem com seus familiares em busca de uma região mais adequada para sua sobrevivência, gerando pressão sobre os governos locais e exigindo novos investimentos em políticas públicas.

Terremotos, furações, vulcões, maremotos, tsunamis e chuvas torrenciais levam medo e ansiedade para muitas populações, são novos comportamentos do planeta que assustam e geram inquietações, todas estas transformações foram geradas pelo ser humano, o homem racional é responsável por contrastes e paradoxos, criam e desenvolvem novas tecnologias e ao mesmo tempo, são responsáveis pela destruição de matas, poluição do ar e devastação do meio ambiente, para progredir materialmente geram a destruição de patrimônios da natureza e comprometem o planeta que os abriga de forma segura e confortável.

Muitos são os motivos de inquietação, estes levam muitos seres humanos a indagarem porque Deus deixa que o homem, supostamente racional, destrua a natureza, gere um ambiente poluído e devastado e lucre com esta espoliação? São várias as indagações, o ser humano se exime de sua responsabilidade e, mais uma vez, coloca a culpa em Deus, afinal alguém deve ser culpado por esta situação, cuja culpa está no ser humano, este sim o grande culpado, pois é ele quem coloca o lucro antes das pessoas, os bens materiais antes dos bens espirituais e colhe as conseqüências de suas escolhas imediatas e ilusórias.

Encontramos guerras devastando homens e mulheres em todas as partes do mundo, países e regiões inteiras se matam como se vivêssemos nas grandes arenas romanas, como na época dos gladiadores, neste local onde os mais fortes usam seu poderio econômico, que se manifesta pela força destruidora de suas armas de destruição em massa, que quando acionadas destroem histórias, famílias e comprometem encarnações e esperanças de vários espíritos e grupos sociais, gerando mortes, destruições, lágrimas e ressentimentos que, muitas vezes, perduram por muitos séculos, ultrapassando a morte do corpo físico e se concentrando em vinganças terríveis no mundo dos espíritos, que prejudicam a todos e mostra claramente como o ser humano ainda não consegue dar um passo maior rumo ao esclarecimento e ao Amor a humanidade e a seus semelhantes.

As guerras são travadas intimamente pelos indivíduos, em lares marcados pela violência entre os integrantes, onde pais e mães não se acertam, onde o respeito entre cônjuges não mais existem, locais marcados pela violência afetiva e espiritual, propício para o encontro de entidades de baixo padrão moral, que se compraz na dor e na humilhação dos indivíduos. Nos locais de trabalho encontramos uma situação muito similar, a concorrência estimulada pelos mercados se caracteriza por uma verdadeira busca pela maximização do lucro, que deixa o indivíduo entregue a uma competição sem amarras éticas e morais, ou melhor, uma ética bastante elástica, que leva as pessoas a se destruírem mutuamente num verdadeiro darwinismo social, onde os mais fortes sobrevivem e os menos são destruídos e relegados ao esquecimento eterno, o resultado desta balbúrdia toda são seres humanos ansiosos, depressivos, obesos e angustiados, que enchem os consultórios psiquiátricos e desafiam os conhecimentos e as teorias psicológicas, de Freud à Jung, passando por Lacan e Melanie Klein.

Diante desta situação, que poderíamos acrescentar a corrupção desenfreada entre os indivíduos, empresas e países, que gera graves prejuízos para a coletividade, que extrai recursos escassos da coletividade e os direcionam para o bolso de indivíduos inescrupulosos, deixando sem saúde, educação e saneamento básico milhares de indivíduos, e pior, condenando seres humanos a indignidade e a exploração, esquecendo-se, de que, um dia, terão que prestar contas de suas atitudes e comportamentos a suas consciências.

Todas estas situações que parecem, para muitos, um exemplo de que o mundo está completamente descontrolado, onde as forças do mal dominam todas as áreas e setores, controlando e manipulando as decisões e influenciando mentes, pensamentos e comportamentos nos parecem superficial e equivocado, uma afronta a inteligência da espiritualidade maior, que controla todos os movimentos da coletividade, como nos diz os evangelhos, nenhuma folha cai sem a autorização do Pai, Deus está no controle de tudo, não acreditar nisto é rejeitar o poder do bem e superestimar a força do mal, que mesmo usando todos os artifícios possíveis sempre se curva ao poder de Deus, que controla e direcionam todos os passos da sociedade, mesmo alguns movimentos que nos parecem negativos e vistos por muitos como um castigo do Pai, na verdade é fruto das escolhas dos seres humanos, que são dotados de livre arbítrio e são senhores de suas escolhas, mas devem arcar com suas conseqüências, que tem um preço e este é cobrado imediatamente, como dizia o economista norte-americano Milton Friedman: não existe almoço grátis.

Muitos espíritos estão reencarnando neste mundo com missões muito importantes para a coletividade, são espíritos com grande desenvolvimento moral e intelectual, capacitados para transformar os rumos da sociedade, contribuindo para a melhoria do ambiente terrestre e capacitando todos os seres humanos para presenciarem um mundo melhor, onde o Amor reina de forma clara e verdadeira.

O mundo espiritual controla tudo de uma forma geral e abrangente, neste exato momento percebemos que todas estas crises fazem parte de uma grande transformação do mundo, de provas e expiações para um mundo de regeneração, este movimento não tem data para terminar, mas começou e está em pleno curso, afetando todos os indivíduos e nos mostrando claramente, que nesta transformação do planeta Terra muitos espíritos estão tendo a sua última chance de reencarnar neste mundo e condenados a reencarnar em outros mundos, são espíritos que, na sua maioria, conseguiram acumular uma grande bagagem intelectiva, dominam muitas ciências e conhecem várias áreas do conhecimento, mas que, infelizmente, deixaram de lado a questão moral, essencial para garantir um crescimento verdadeiro para o espírito eterno e imortal, ninguém vai conseguir evoluir sem consolidar dois grandes eixos do desenvolvimento humano, o científico e o moral, ambos dão ao ser humano a capacidade de compreender de uma forma mais ampla e sustentada o verdadeiro significado da vida, garantido uma capacidade evolutiva maior, aproveitando suas oportunidades e abrindo caminho para novos vôos na vida, como nos disse Chico Xavier em suas andanças pelo mundo: quem sabe pode muito, quem ama pode mais, nunca nos esqueçamos destes ensinamentos de um indivíduo que nos legou muitas mensagens de amor e superação.

Os desafios da gestão de pessoas na sociedade globalizada

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Autor Ary Ramos da Silva Júnior e Deise Maria Marques da Silva Ramos, artigo publicado na Revista Olhar Tecnológico, Vol. 3, numero 1 – Catanduva/SP – ISSN 2358-470X, paginas 37/45.

A relação entre empreendedorismo e desemprego no sistema capitalista

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AUTOR: Ednéia dos Santos Campos; Rosemary Alves do Amaral; Ary Ramos da Silva Júnior, artigo publicado na Revista Olhar Tecnológico, volume 2, número 1 – Catanduva/SP – ISSN 2359 6015, páginas 24-35.

O milagre econômico chinês: principais determinantes internos

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Autor: Eduardo Costa Pinto – Revista Carta Maior – Novembro 2013.

A estratégia de desenvolvimento da China gerou uma dinâmica interna puxada por investimentos, sobretudo públicos em infraestrutura.

Em 1793, Lorde Macartney e sua comitiva desembarcaram em terras chinesas com a missão de criar um canal comercial entre a Grã-Bretanha e a China que até aquela altura nunca tinha se aberto a outra nação. O imperador Qianlong refutou duramente a proposta e a reação da Grã-Bretanha foi arrombar as portas. Essa derrota chinesa garantiu o domínio inglês no Sudeste Asiático no século XIX.

Alain Peyrefitte, ao refazer o caminho de Macartney em 1960, constatou que muito do que havia sido descrito pela comitiva britânica, há quase dois séculos, se manteve quase intacto. O império chinês permaneceu imóvel entre 1793 e 1960 (nota 1).

Na década de 1990, o próprio Peyrefittealertara que a China estava saindo de sua imobilidade em virtude da era Deng Xiaoping, implementada a partir de 1978. Em outras palavras, o dragão estava despertando de sua longa hibernação e provocando profundas transformações econômicas no sistema internacional, como previra Napoleão Bonaparte há quase duzentos anos ao afirmar em 1816 que: “Quando a China despertar, o mundo tremerá”.

A China saiu da condição de Império Imóvel para se tornar o país mais dinâmico no início do século XXI, transformando-se na locomotiva mundial. Ascensão impressionante!

A economia chinesa cresce 10% ao ano há mais de trinta anos (entre 1978 e 2012), o que a alçou à condição de segunda maior do mundo (atrás apenas dos Estados Unidos), de “fábrica do mundo” (nota 2), de maior exportador e importador mundial.

Esse crescimento esteve e está associado ao impressionante desenvolvimento de sua indústria e de seu rápido processo de modernização (passagem do mundo rural ao urbano) que geraram profundas modificações em sua estrutura produtiva e social.

Em 1978, a China tinha uma população de cerca de 956 milhões de habitantes e era um país rural. Daquele ano até os dias atuais, a população chinesa saltou para 1,338 bilhão de pessoas em 2010 (20% da população mundial) e passou a morar cada vez mais nas cidades.

Essa dinâmica vem provocando um aumento no consumo de energia, de bens duráveis e não duráveis e de alimentos na China. Apesar disso, esse país ainda está distante do padrão de consumo por habitantes dos países desenvolvidos.

Existe um amplo debate a respeito dos determinantes do milagre econômico chinês. Apresentaremos aqui os seus condicionantes internos, sem negar a importância da dimensão externa (nota 3), que não será aqui tratada dado o escopo deste texto.

Em 1978, após a 3ª Plenária do 11º Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC), configurou-se uma nova rota para o modelo de desenvolvimento da China – idealizada por Deng Xiaoping – pautada pelas reformas (nota 4) e pela abertura ao exterior.

Essa mudança buscou deslocar a luta de classe como princípio aglutinador do partido e do Estado colocando em seu lugar o princípio do desenvolvimento econômico como elemento que possibilitaria a ampliação das condições materiais da população chinesa e a manutenção do socialismo com características chinesas.

As diretrizes gerais dessa nova rota chinesa foram: 1) a descentralização das decisões econômicas (redefinição do planejamento e do mercado) por meio da ampliação do papel dos mercados e por meio da delegação de poder para as províncias locais; 2) a adoção de padrões tecnológicos e de modelos de gestão empresarial do mundo capitalista; e 3) o princípio estratégico da abertura ao mundo exterior e da evolução pacífica.

Para Deng Xiaoping, a China só seria respeitada quando se tornasse rica. Em suas palavras: “Só se pode falar alto quando se tem muito dinheiro”. Para ele, isso só seria alcançado por meio da absorção de conhecimento gerenciais e tecnológicos do ocidente capitalista. Era necessário absorver mais capital externo, segundo Deng à época.

A estratégia institucional para criar esse espaço de aprendizado das práticas estrangeiras foi a configuração das Zonas Econômicas Especiais – Zonas de Processamento de Exportações. Elas foram estruturadas para atrair investimentos estrangeiros (dados os benefícios concedidos) que, em contrapartida, introduziriam métodos modernos de administração e tecnologias no território chinês.

Essas reformas foram sendo construídas paulatinamente, entre 1978 e 1989, em virtude da forte resistência do segmento marxista-lenisnista do PCC. O período de maior tensão foi entre 1989 e 1991. Fatores políticos internos, articulado a queda do Partido Comunista da União Soviética, fortaleceram essa corrente que tomou o poder em 1991.

Para evitar essa nova direção do partido e do Estado, Deng voltou de sua aposentadoria para travar, entre 1991 e 1992, uma ampla batalha para restabelecer suas diretrizes, bem como acelerá-las.

Depois de enfrentamentos e jogadas políticas, Deng, apoiado pelos líderes provinciais do partido e pelo Exército de Libertação do Povo (ELP), conseguiu costurar em 1992 um amplo acordo – denominado o “Grande Compromisso” – entre os segmentos do PCC (anciões, marxistas-leninistas, pró-abertura, líderes locais, tecnocratas e o ELP) para garantir e acelerar o processo de reformas e abertura. O fio condutor do acordo foi a ideia de transformar a China numa nação rica e poderosa até a metade do século XXI.

A estratégia de desenvolvimento nacional gerou dois eixos articulados propulsores do crescimento da China.

De um lado, a dinâmica exportadora promovida pela configuração das ZEEs e pela política cambial (manutenção do iuan desvalorizada em relação ao dólar) e, do outro, a dinâmica interna puxada pela expansão dos investimentos, sobretudo os públicos em infraestrutura.

A expansão pela via do investimento foi possível em decorrência da reforma do sistema financeiro chinês, realizada em 1985, que tanto ampliou o funding (recursos financeiros) como criou instrumentos para direcioná-los para o investimento. Expandiu-se a participação do setor privado, mas o controle do sistema bancário foi mantido na administração pública, possibilitando o direcionamento da poupança das famílias e das empresas para as corporações públicas e privadas que desejam investir.

Além dessas reformas, o crescimento chinês também vem sendo impulsionado por uma condução gradualista da política macroeconômica (monetária e fiscal) que combina a busca pelo controle inflacionário e pela manutenção do ritmo de crescimento estável e relativamente rápido, que garante a legitimidade interna do PCC.

Articulada aos elementos macroeconômicos, a política industrial foi e é também um instrumento importante para a dinâmica chinesa. Dentre as medidas nessa área, podemos destacar: i) o crédito subsidiado para as empresas estatais por meio dos bancos públicos; ii) os incentivos voltados aos investimentos estrangeiros de alta tecnologia;iii) as barreiras não tarifárias e tarifárias, sendo que estas últimas caíram após a entrada da China na OMC em 2001;iv) as políticas que estimulam a transferência de tecnologia por meio de mecanismo que requer a produção de conteúdo por empresas locais; e v)os múltiplos instrumentos que tem como objetivo criar empresas nacionais – privadas ou públicas – de classe mundial que possam concorrer com as empresas multinacionais.

Em suma, essas medidas em conjunto (reformas e políticas) – que conformaram uma estratégia nacional de desenvolvimento – foram os determinantes internos do crescimento da China.

Crescimento que já dura mais de trinta anos e vem provocando transformações estruturais na própria China e na economia mundial. Quais foram os impactos desse crescimento para a população chinesa? Como a ascensão da China vem transformando a economia mundial, a América Latina e o Brasil? Quais são as lições da China que podemos aproveitar para o desenvolvimento brasileiro? Essas são questões que tentaremos responder nos próximos artigos.

Notas

(1) PEYREFITTE, A. O império imóvel. Casa Jorge Editorial: Rio de Janeiro, 1997.

(2) Em 2011, a China tornou-se o país com a maior participação do valor adicionado da indústria de transformação mundial (20,7%) ultrapassando os Estados Unidos.

(3) Dentre os principais determinantes externos, podemos destacar: i) a aproximação entre os Estados Unidos e a China no final dos anos 1970; ii) a ofensiva comercial americana contra o Japão por meio do Acordo de Plaza em 1985; iii) o acesso da China na OMC em 2001; e iv) configuração do eixo sino-americano na década de 2000.

(4) As principais características das reformas foram: i) transformação da utilização da terra por meio do sistema de responsabilização por contrato familiar que possibilitou a comercialização do excedente agrícola; ii) transição gradual de um sistema de preços controlado centralmente (determinado pelo planejamento centralizado) para um sistema misto de preços regulados, controlados e de mercado; iii) reformulação do setor público por meio de reformas, privatizações de boa parte das empresas públicas e o fortalecimento de algumas empresas estatais que atuavam em setores estratégicos; iv) abertura ao mundo exterior por meio da criação das zonas economias especiais; e v) promoção de empresas coletivas (empresas de vilas, etc.)

Eduardo Costa Pinto é professor de economia política do Instituto de Economia da UFRJ. E-mail: eduardo.pinto@ie.ufrj.br

Governo Lula: algumas considerações sobre um período importante da Sociedade Brasileira

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Autor: Ary Ramos da Silva Júnior – Revista do Agronegócio – Reagro, Jales, v. 3, n. 1, p. 13-31, jan./jun. 2013.

O texto, escrito para a Revista do Agronegócio – Reagro, da Faculdade de Tecnologia (Fatec) de Jales, analisa o governo Luís Inácio Lula da Silva, seus avanços e retrocessos.

 

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Como a defesa da austeridade se desfez – Valor Econômico

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Autor: Paul Krugman

A crise da Grécia veio bem a calhar para os antikeynesianos; mas o FMI acabaria por reconhecer que os efeitos das medidas de austeridade impostas ao país foram além da conta.

Em tempos normais, um erro aritmético em um estudo econômico passaria completamente despercebido aos olhos do mundo. Mas, em abril de 2013, a descoberta de um desses erros – na verdade, um erro de codificação em uma planilha, juntamente com vários outros erros na análise – não só se tornou o assunto mais comentado entre os economistas, como também chegou às manchetes dos jornais. Pode-se concluir, mesmo, que esse erro mudou o rumo dos modos de fazer política econômica.

Por quê? Porque o “paper” em questão, “Crescimento em Tempos de Crise”, dos economistas de Harvard Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, havia se transformado em um marco no debate sobre política econômica. Desde que começou a circular, os “austerianos” – defensores da austeridade fiscal, de cortes imediatos e severos nos gastos do governo – vinham citando as supostas constatações de Reinhart-Rogoff para defender sua posição e atacar seus críticos. Repetidas vezes, alegações de que, como disse John Maynard Keynes, “o boom, e não a retração, é o momento certo para a austeridade” – ou seja, os cortes deveriam esperar até que as economias estejam mais fortes – foram confrontadas com declarações de que Reinhart e Rogoff haviam demonstrado o oposto, ou seja, esperar dias melhores seria desastroso, e as economias caem no abismo quando a dívida do governo supera 90% do PIB.

O “paper”de Reinhart e Rogoff possivelmente teve influência mais imediata no debate público do que qualquer outro estudo na história da economia. A afirmação dos 90% foi citada como o argumento decisivo a favor da austeridade por figuras que iam de Paul Ryan, o ex-candidato à Vice-Presidência dos Estados Unidos, que hoje preside a Comissão do Orçamento da Câmara dos Representantes, a Olli Rehn, a principal autoridade econômica da Comissão Europeia, ao conselho editorial do jornal “The Washington Post”. Então, a revelação de que o suposto limite de 90% era um produto de erros de programação, omissão de dados e técnicas estatísticas peculiares subitamente fez um número considerável de notáveis parecerem tolos.

No entanto, o verdadeiro mistério estava, antes de mais nada, na razão de Reinhart e Rogoff terem sido levados tão a sério, a ponto de se tornarem canônicos. Desde o começo, críticos se mostraram muito preocupados com a metodologia e as conclusões do “paper”, preocupação que deveria ser suficiente para fazer qualquer um parar para pensar. Além disso, o “paper” de Reinhart e Rogoff foi, na verdade, o segundo tomado como evidência decisiva em favor da austeridade econômica, para cair por terra quando submetido a escrutínio cuidadoso. Algo bastante parecido, embora de maneira menos espetacular, aconteceu depois que os “austerianos” ficaram encantados com um “paper” de Alberto Alesina e Silvia Ardagna, que se propunha mostrar que o corte de gastos governamentais teria pouco impacto adverso sobre o crescimento econômico, podendo até mesmo ser expansionista. Essa experiência certamente deveria ter inspirado uma certa cautela.

Então, por que não houve mais cautela? A resposta, como está documentado em livros resenhados aqui (1) e é involuntariamente ilustrado por outros, está na política e na psicologia: o argumento da austeridade era, e é, algo em que muita gente poderosa quer acreditar, o que as leva a se apegarem a qualquer coisa que pareça uma justificativa. Falarei sobre esse desejo de crer mais adiante neste artigo.

Antes, porém, será útil percorrer a história recente da austeridade como doutrina e como experiência de política.
“O argumento da austeridade seduz muita gente poderosa, que se apega a qualquer coisa que pareça uma justificativa”.

1- No princípio era a bolha. Muitos, muitos livros foram escritos sobre os excessos dos anos de boom – na verdade, livros demais. Pois, como veremos, a compulsão por explicar os detalhes fantásticos do boom, em vez de se buscar compreender a dinâmica da retração, é um problema recorrente para a economia e a política econômica. Por ora, basta dizer que, no começo de 2008, os Estados Unidos e a Europa caminhavam para uma queda. Haviam se tornado excessivamente dependentes de mercados imobiliários aquecidos demais, suas famílias estavam profundamente endividadas, seus setores financeiros estavam subcapitalizados e superdimensionados.

Tudo que era preciso para fazer esse castelo de cartas desabar resumia-se a algum tipo de choque adverso. A implosão dos títulos atrelados a hipotecas subprime nos Estados Unidos fez justamente isso. No outono de 2008, as bolhas imobiliárias dos dois lados do Atlântico haviam estourado, e toda a economia do Atlântico Norte foi pega em uma “desalavancagem”, processo em que muitos devedores tentam pagar suas dívidas ao mesmo tempo – ou são forçados a isso.

Por que isso é um problema? Por causa da interdependência: seu gasto é minha receita, e meu gasto é sua receita. Se ambos tentarmos reduzir nossas dívidas cortando gastos, nossas receitas caem – e receitas em queda podem piorar ainda mais nosso endividamento, ao mesmo tempo que também produzem desemprego em massa.

Foi com um estremecimento que estudiosos da história da economia observaram o processo se desenrolar, em 2008 e 2009, porque estava óbvio que se tratava do mesmo processo que provocou a Grande Depressão. De fato, no começo de 2009, os historiadores econômicos Barry Eichengreen e Kevin O’Rourke produziram gráficos chocantes, que mostravam o primeiro ano da queda de 2008-2009 no comércio e na produção industrial como perfeitamente comparável ao primeiro ano da grande depressão mundial de 1929 a 1933.

Então, uma segunda Grande Depressão estava para começar? A boa notícia foi que tínhamos, ou achávamos ter, várias grandes vantagens em relação aos nossos avós, o que ajudaria a limitar os danos. Você pode dizer que algumas dessas vantagens eram estruturais, integradas à maneira como as economias modernas operam, e não exigiam nenhuma medida especial da parte dos formuladores de políticas. Outras eram intelectuais: certamente, havíamos aprendido algo desde a década de 1930 e não repetiríamos os erros de política de nossos avós.
Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart tentaram defender seu trabalho, “mas suas respostas foram inconsistentes, na melhor das hipóteses, e evasivas, na pior”.

No lado estrutural, provavelmente a maior vantagem sobre os anos de 1930 era a maneira como os impostos e os programas de seguridade social – muito maiores do que em 1929 – agiam como “estabilizadores automáticos”. Os salários poderiam cair, mas a renda geral não cairia na mesma proporção, tanto por que a arrecadação tributária se reduziria, como por que os cheques do governo continuariam seguindo para a Previdência Social, o Medicare, o seguro-desemprego e tudo mais. Na verdade, a existência do moderno Estado do bem-estar social impôe um piso aos gastos totais e, desse modo, impediu que a espiral de queda da economia fosse longe demais.

No lado intelectual, os modernos planejadores econômicos conheciam a história da Grande Depressão, e a tinham como um alerta; alguns, incluindo Ben Bernanke, haviam sido grandes estudiosos da Grande Depressão. Aprenderam com Milton Friedman a tolice de permitir que corridas aos bancos provocassem o colapso do sistema financeiro, e a conveniência de inundar a economia de dinheiro em períodos de pânico. Aprenderam com John Maynard Keynes que, em condições de depressão, os gastos do governo podem ser uma forma eficaz de criar empregos.

Aprenderam com a desastrada virada de Franklin Delano Roosevelt em direção à austeridade, em 1937, que abandonar cedo demais o estímulo monetário e fiscal pode ser um erro muito grande.

Como resultado, onde o início da Grande Depressão foi acompanhado de políticas que intensificaram a retração – alta dos juros, como tentativa de manter as reservas em ouro; corte nos gastos, como tentativa de equilibrar orçamentos -, 2008 e 2009 foram caracterizados por políticas monetária e fiscal expansionistas, especialmente nos Estados Unidos. O Federal Reserve (Fed) não só cortou as taxas de juros, como foi aos mercados para comprar de tudo, de “commercial papers” a dívidas do governo de longo prazo. O governo Obama promoveria um programa de corte de impostos de US$ 800 bilhões e aumento de gastos. Na Europa, as medidas foram menos dramáticas – mas os “welfare states” mais avantajados reduziram consideravelmente a necessidade de estímulos deliberados.

Alguns economistas (e me incluo entre eles) afirmaram desde o começo que essas medidas monetárias e fiscais, embora oportunas, eram insuficientes, dada a gravidade do choque econômico. De fato, no fim de 2009, estava claro que, embora a situação houvesse se estabilizado, a crise econômica era mais grave do que os formuladores de políticas admitiam, e provavelmente se mostraria mais persistente do que haviam imaginado. Portanto, era de se esperar uma segunda rodada de estímulo para enfrentar o problema.

“A crença de que está havendo gastos governamentais desenfreados é falsa – pelo contrário, estão bem abaixo da tendência normal”.

Mas o que, na verdade, aconteceu foi uma reversão súbita.
2-“The Alchemists”, de Neil Irwin, trata de um momento e um lugar em que as economias mais avançadas passaram do estímulo para a austeridade. O momento é o começo de fevereiro de 2010; o lugar, de uma forma meio bizarra, é o remoto povoado de Iqaluit, no Ártico Canadense, onde os ministros do G-7 realizaram uma de suas reuniões regulares. Às vezes (frequentemente) esses encontros são pouco mais que ocasiões cerimoniais, e naquele também houve muita cerimônia, incluindo carne crua de foca servida no último jantar (todos os visitantes estrangeiros declinaram). Mas dessa vez algo importante aconteceu. “No isolamento da natureza selvagem canadense”, escreve Irwin, “os líderes da economia mundial concordaram em que o grande desafio que enfrentavam havia mudado. A economia parecia estar reagindo; era o momento de voltarem suas atenções para além do estímulo ao crescimento. Nada mais de estímulos.”

A que ponto a mudança de política foi decisiva? O gráfico 1, tirado do mais recente [relatório] “Perspectivas Econômicas Mundiais”, do Fundo Monetário Internacional (FMI), mostra como os gastos reais dos governos se comportaram nesta crise em comparação a recessões anteriores; no gráfico, o ano zero é o ano antes da recessão global (2008, na atual retração), e os gastos estão comparados com seu nível naquele ano-base. O que se vê é que a crença disseminada de que está havendo gastos governamentais desenfreados é falsa – pelo contrário, após uma alta breve, em 2009, começaram a cair na Europa e nos Estados Unidos e agora estão bem abaixo da tendência normal. A virada para a austeridade foi bem real, e bem grande.

Diante disso, aquela foi uma mudança de política bem estranha. Os manuais de economia afirmam que a redução de gastos públicos faz diminuir a demanda geral, o que leva a uma produção menor e a uma taxa de emprego menor. Isso pode ser desejável se a economia está muito aquecida e a inflação está em alta; alternativamente, os efeitos adversos da redução dos gastos públicos podem ser compensados. Os bancos centrais (o Fed, o Banco Central Europeu ou seus congêneres de outros países) podem cortar as taxas de juros, para, assim, induzir um aumento dos gastos privados. Entretanto, nenhuma dessas condições ocorreu no começo de 2010, e não estão ocorrendo agora. As economias mais avançadas estavam e estão muito deprimidas, sem nenhum sinal de pressão inflacionária. Enquanto isso, as taxas de juros de curto prazo, que estão mais ou menos sob controle do banco central, estão próximas de zero, e deixam pouco espaço para a política monetária compensar a redução dos gastos do governo. Portanto, o manual diria que toda essa austeridade que estamos vendo é bastante prematura, e seria preciso esperar até a economia se mostrar mais forte.

A questão, então, está em saber por que os líderes econômicos jogaram os manuais pela janela tão prontamente.

Uma resposta é que, em primeiro lugar, vários deles nunca acreditaram em manuais. O “establishment” político e intelectual da Alemanha nunca fez muito uso da economia keynesiana, assim como a maior parte do Partido Republicano nos Estados Unidos. No calor de uma crise econômica aguda – como aconteceu no outono de 2008 e no inverno de 2009 – essas vozes discordantes puderam, até certo ponto, ser caladas; mas, assim que as coisas se acalmaram, voltaram com tudo.

Uma resposta mais ampla é a de que falaremos adiante: os motivos políticos e psicológicos que levam muitas figuras influentes a odiar as noções de gasto público e dinheiro fácil. Mais uma vez, assim que a crise ficou menos séria, passou a haver mais espaço para ceder a esses sentimentos.

Além desses fatores, porém, no começo de 2010 havia dois outros aspectos contingenciais da situação: a nova crise na Grécia e o aparecimento de uma pesquisa econômica aparentemente rigorosa e de alta qualidade que dava suporte à posição “austeriana”.

A crise grega foi um choque para quase todo mundo, especialmente para o governo que assumiu em outubro de 2009. As novas autoridades sabiam que tinham pela frente um déficit fiscal – mas somente após tomarem posse descobriram que o governo anterior estava maquiando os números, e que o déficit e o estoque de dívida acumulado eram muito maiores que o imaginado. Com as notícias chegando aos investidores, a Grécia, primeiro, e depois a Europa, viram-se mergulhadas em um novo tipo de crise – aquela em que não eram os bancos que quebravam, mas sim os governos, incapazes de tomar recursos emprestados nos mercados internacionais.

A crise grega foi uma dádiva para os antikeynesianos. Eles vinham alertando para os perigos do déficit público; o desastre grego parecia mostrar a que ponto a devassidão fiscal pode ser perigosa. Até hoje, qualquer pessoa que argumentar contra a austeridade fiscal, quanto mais sugerir que precisamos de outra rodada de estímulo, pode esperar ser atacada por alguém que transformará os Estados Unidos (ou o Reino Unido, conforme o caso) na nova Grécia.

Se a Grécia proporcionou a lição óbvia ao mundo real, Reinhart e Rogoff parecem ter fornecido a matemática. Seu “paper” parecia mostrar que a dívida não só prejudica o crescimento, como também há um “limite”, um tipo de gatilho, quando o endividamento supera 90% do PIB. Seus números sugerem que, se um país for além desse ponto, o crescimento econômico para. A Grécia, é claro, já estava com um endividamento maior que o número mágico. Mais precisamente, grandes economias, incluindo os Estados Unidos, estavam com grandes déficits fiscais e se aproximando do limite. Colocando a Grécia e Reinhart-Rogoff juntos, parecia haver uma necessidade clara de uma virada brusca e imediata em direção à austeridade.
Mas uma virada dessas em uma economia ainda deprimida pela desalavancagem do setor privado não teria um impacto negativo imediato? Não há com que se preocupar, dizia outro estudo acadêmico bastante influente, “Grandes Mudanças na Política Fiscal: Impostos versus Gastos”, de Alberto Alesina e Silvia Ardagna.

Uma das coisas particularmente boas em “Austerity: The History of a Dangerous Idea”, de Mark Blyth, é a maneira como acompanha a ascensão e queda da ideia da “austeridade expansionista”, a proposição de que o corte nos gastos leva a um PIB maior. Blyth demonstra que essa é uma ideia associada a um grupo de economistas italianos (que ele chama de “the Bocconi boys”, em alusão à Universidade Luigi Bocconi, de Milão), que a defendeu em uma série de ensaios que, ao longo do tempo, foram ficando mais estridentes e menos qualificados, culminando na análise de Alesina e Ardagna em 2009.

Em suma, Alesina e Ardagna fizeram um ataque frontal à proposição keynesiana de que cortar gastos públicos em uma economia debilitada produz mais fraqueza. Assim como Reinhart e Rogoff, dispuseram evidências históricas de modo a dar sustentação a seus pontos de vista. Segundo Alesina e Ardagna, grandes cortes de gastos em países avançados sempre foram, em média, seguidos de expansão, e não de contração. O motivo, diziam, é que a austeridade fiscal resoluta criava confiança no setor privado, e essa maior confiança mais do que compensava qualquer empecilho representado por gastos menores do governo.

Conforme Mark Blyth documenta, essa ideia se espalhou como fogo. Alesina e Ardagna fizeram uma apresentação especial, em abril de 2010, ao Conselho de Assuntos Econômicos e Financeiros do Conselho Europeu de Ministros; a análise rapidamente chegou aos pronunciamentos oficiais da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu (BCE). Assim, em junho de 2010, Jean-Claude Trichet, então presidente do BCE, rebateu as preocupações de que a austeridade poderia afetar o crescimento: “Em relação à economia, a ideia de que medidas de austeridade podem desencadear a estagnação é incorreta… Na verdade, nessas circunstâncias, tudo que ajuda a aumentar a confiança das famílias, empresas e investidores na sustentabilidade das finanças públicas é bom para a consolidação do crescimento e a criação de empregos. Acredito piamente que, nas atuais circunstâncias, políticas que inspirem a confiança estimularão o crescimento econômico, e não prejudicarão, porque o principal fator hoje é a confiança”. Algo totalmente Alesina-Ardagna.

No verão de 2010, uma ortodoxia da austeridade havia tomado forma, tornando-se dominante nos círculos políticos europeus e influente neste lado do Atlântico. Como as coisas correram nos quase três anos decorridos desde então?

3-É difícil ter evidências claras dos efeitos das políticas econômicas. Geralmente, os governos mudam as políticas com relutância e é difícil distinguir os efeitos das medidas tímidas que adotam de todas as outras coisas que acontecem no mundo. O estímulo Obama, por exemplo, foi temporário e bem pequeno em comparação ao tamanho da economia dos Estados Unidos, jamais ultrapassando 2% do PIB, e entrou em vigor em uma economia assolada pela maior crise financeira em três gerações. Bem ou mal, quanto do que ocorreu em 2009-2011 pode ser atribuído ao estímulo? Ninguém sabe realmente.

No entanto, a virada para a austeridade após 2010 foi tão drástica, especialmente nos países endividados da Europa, que os alertas usuais perderam a maior parte de sua força. A Grécia impôs cortes nos gastos e aumento de impostos correspondentes a 15% do PIB; Irlanda e Portugal ficaram com cerca de 6%; e, ao contrário dos esforços tíbios de estímulo, esses cortes foram sustentados e na verdade se intensificaram ano após ano. Cabe perguntar de que modo a austeridade funcionou de fato.

Economistas italianos, os “Bocconi boys”, fizeram sua parte, difundindo a ideia de que existe uma “austeridade expansionista”.

A resposta é que os resultados foram desastrosos, como qualquer pessoa teria previsto consultando manuais de macroeconomia. O gráfico 2, por exemplo, mostra o que aconteceu com uma seleção de países europeus. O eixo horizontal mostra as medidas de austeridade – cortes nos gastos públicos e aumento de impostos – como proporção do PIB, conforme estimado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O eixo vertical mostra a mudança porcentual no PIB real. Como se pode ver, os países que foram forçados a adotar medidas de austeridade severas experimentaram recessões bastante severas, que foram mais ou menos proporcionais ao grau de austeridade.
Foram feitas algumas tentativas para explicar esses resultados, especialmente na Comissão Europeia. Mas o FMI analisou a fundo os dados e não só concluiu que a austeridade teve grandes efeitos econômicos adversos, como também emitiu o que pode ser classificado como um “mea culpa”, por ter subestimado esses efeitos adversos.(2) Há uma alternativa à austeridade? E o que dizer dos riscos do endividamento excessivo?

No começo de 2010, com o desastre grego ainda vivo na memória de todos, os riscos do endividamento excessivo pareciam óbvios; esses riscos pareciam ainda maiores em 2011, depois que Irlanda, Espanha, Portugal e Itália entraram para o clube dos países que precisavam pagar grandes ágios de juros. Mas uma coisa engraçada aconteceu a outros países com endividamento elevado, incluindo Japão, Estados Unidos e Reino Unido: apesar dos grandes déficits e do aumento acelerado das dívidas, os custos dos empréstimos para esses países continuavam muito baixos. A diferença crucial, conforme apontou o economista belga Paul DeGrauwe, parecia ser que esses países tinham suas próprias moedas, e tomavam emprestado nessas moedas. Esses países não ficam sem dinheiro porque podem imprimi-lo se necessário e, fora o risco de um aperto monetário, as nações avançadas evidentemente podem arcar com patamares elevados de endividamento sem mergulhar numa crise.

Decorridos três anos desde a virada para a austeridade, tanto as esperanças como os medos dos “austerianos” mostram-se fora de lugar. A austeridade não levou a um aumento da confiança; os déficits não levaram à crise. Mas o movimento em favor da austeridade não estava embasado em pesquisas econômicas sérias? Na verdade, viu-se que não estavam – as pesquisas que os “austerianos” mencionavam eram bastante falhas.

A primeira coisa a soçobrar foi a noção de austeridade expansionista. Antes mesmo do anúncio dos resultados da experiência da Europa com a austeridade, o “paper” Alesina-Ardagna ruía sob análises rigorosas. Pesquisadores do Roosevelt Institute observaram que nenhum dos exemplos alegados de austeridade que levariam à expansão da economia ocorreram em meio a uma retração econômica; pesquisadores do FMI constataram que a medida Alesina-Ardagna de política fiscal tinha pouca relação com as mudanças de políticas reais. “Na metade de 2011”, escreve Blyth, “o apoio empírico e teórico à austeridade expansionista estava desaparecendo.” Lentamente, com pouco estardalhaço, toda a noção de que a austeridade pode estimular as economias deixou a cena pública.
Ben Bernanke e outros economistas aprenderam com Friedman, Keynes e Roosevelt, mas as medidas que tomaram contra a crise iriam mostrar-se insuficientes
Reinhart-Rogoff duraram mais tempo, muito embora questionamentos importantes tenham sido feitos sobre o trabalho dos dois bem no início. Já em julho de 2010, Josh Bivens e John Irons, do Economic Policy Institute, haviam identificado um erro claro – uma interpretação equivocada dos dados da economia americana imediatamente após a Segunda Guerra Mundial – e um grave problema conceitual. Reinhart e Rogoff não ofereceram evidências de que a correlação ia do endividamento elevado para o crescimento baixo, em vez de fazer o caminho contrário, e outras evidências sugeriram que o segundo caso era mais provável. Mas essas críticas tiveram pouco impacto; pode-se dizer que, para os “austerianos”, Reinhart-Rogoff foram uma história boa demais para ser conferida.

Então, a revelação, em abril de 2013, dos erros de Reinhart e Rogoff veio como um choque. Apesar da influência de seu “paper”, Reinhart e Rogoff não fizeram uma distribuição ampla de seus dados – e pesquisadores que trabalharam com dados aparentemente comparáveis não conseguiam reproduzir seus resultados. Até que puseram suas planilhas à disposição de Thomas Herndon, estudante de pós-graduação da Universidade de Massachusetts em Amherst – e ele as achou muito estranhas. Havia, na verdade, um erro de codificação, que pouco contribuíra para as conclusões de Reinhart e Rogoff. Mais importante é que os dados por eles empregados não serviam para incluir as experiências de vários países aliados – Canadá, Nova Zelândia e Austrália – que emergiram da Segunda Guerra Mundial com endividamento alto, e ainda assim apresentaram crescimento sólido. E usaram um sistema de ponderação estranho, em que cada “episódio” de endividamento elevado era considerado da mesma forma, tivesse ocorrido durante o ano de crescimento ruim ou durante 17 anos de crescimento bom.

Além desses erros e esquisitices, ainda havia uma correlação negativa entre dívida e crescimento – mas isso poderia ser, e provavelmente era, principalmente uma questão de baixo crescimento levando a endividamento elevado, e não o contrário. E o “limite” de 90% desapareceu, solapando as histórias assustadoras que estavam sendo usadas para vender austeridade.
Não surpreende que Reinhart e Rogoff tenham tentado defender seu trabalho; mas suas respostas foram inconsistentes, na melhor das hipóteses, e evasivas, na pior.

O mais notável é que continuam escrevendo de uma maneira que sugere, sem declarar diretamente, que o endividamento de 90% do PIB é um tipo de limite a partir do qual coisas ruins acontecem. Na verdade, mesmo se alguém ignorar a questão da causalidade – se o crescimento baixo causa o endividamento elevado, ou o contrário -, os efeitos aparentes sobre o crescimento da dívida a partir de, digamos, 85% a 95% do PIB, são bem pequenos e não justificam o pânico com o endividamento que tem sido uma influência tão poderosa sobre políticas econômicas.

A esta altura, portanto, a economia da austeridade está muito mal. Suas previsões mostraram-se totalmente erradas; os documentos acadêmicos produzidos não só perderam o status canônico, como se tornaram alvo de zombaria. Mas, como afirmei, nada disso (exceto aquele erro no Excel) deveria ser surpresa: a macroeconomia básica deveria ter dito a todos que esperassem o que de fato aconteceu, e os estudos que agora caíram em descrédito obviamente apresentavam falhas desde o começo.

“Economistas que disseram à elite o que ela queria ouvir foram celebrados, apesar das muitas evidências de que estavam errados”.

Isso levanta a questão óbvia: por que a economia da austeridade exerceu poder tão grande sobre a opinião da elite logo de início?

4-Todos gostam de uma representação moral. “Pois o salário do pecado é a morte” é uma mensagem muito mais satisfatória do que “merda acontece”. Todos queremos que os acontecimentos tenham um significado.

Quando aplicada à macroeconomia, essa compulsão pela busca de um significado moral cria em todos nós uma predisposição a acreditar em histórias que atribuem as consequências de uma recessão aos excessos do boom que a precedeu – e, talvez, também torne natural ver as consequências como necessárias, parte de um processo inevitável de limpeza. Quando Andrew Mellon pediu a Herbert Hoover que deixasse a Depressão seguir seu curso, para “purgar a podridão” do sistema, ele estava oferecendo um conselho que, por mais ruim que fosse economicamente, tinha uma ressonância psicológica junto a muitas pessoas (e ainda tem).

Em contraste, a economia keynesiana se baseia fundamentalmente na premissa de que a macroeconomia não é uma representação moral – as depressões são essencialmente uma disfunção técnica. Com o agravamento da Grande Depressão, Keynes fez a famosa declaração de que “temos um problema de magneto” – ou seja, os problemas da economia são como os de um automóvel com um defeito pequeno, mas crítico, em seu sistema elétrico, e o trabalho do economista é descobrir como consertar esse problema técnico. A obra-prima de Keynes, “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, é notável – e revolucionária – por não dizer quase nada do que acontece nos booms econômicos. Teóricos pré-keynesianos do ciclo de negócios adoravam explicar os excessos chocantes que ocorrem em épocas de vacas gordas, ao mesmo tempo em que tinham relativamente pouco a dizer sobre o que exatamente faz com que esses excessos abram espaço para os períodos de vacas magras, ou o que você deveria fazer quando eles fazem isso. Keynes inverteu essa prioridade; quase toda sua atenção estava voltada para a maneira como as economias ficam deprimidas e o que pode ser feito para deixá-las menos deprimidas.

Eu diria que Keynes estava certíssimo nessa abordagem, mas não há dúvida que ela é bastante insatisfatória para muitos, como uma questão emocional. Assim, não deveríamos nos surpreender com o fato de muitas interpretações populares de nossos problemas atuais retornarem, sabendo disso ou não seus autores, ao estilo instintivo e pré-keynesiano de discorrer sobre os excessos do boom, em vez das falhas da retração.

“The Great Deformation”, de David Stockman, deve ser visto sob esse prisma. O livro é uma arenga extremamente longa contra os excessos de vários tipos, com todos eles, na visão de Stockman, tendo culminado na atual crise. Aos olhos de Stockman, a história é uma série de “farras”: “uma farra de tomada insustentável de empréstimos”, uma “farra de repressão dos juros”, uma “farra de engenharia financeira destrutiva” e, repetidamente, “uma farra de impressão de dinheiro”. Isso porque, no mundo de Stockman, todos os males da economia derivam do pecado original do abandono do padrão-ouro. Toda a prosperidade que achamos que tivemos desde 1971, quando Nixon abandonou o último elo com o ouro, ou talvez até mesmo desde 1933, quando Franklin Delano Roosevelt nos tirou o ouro pela primeira vez, foi uma ilusão destinada a terminar em lágrimas. E, é claro, qualquer política que quiser aliviar a atual recessão só vai piorar as coisas.

Jean-Claude Trichet, ex-presidente do Banco Central Europeu: “piamente” convencido de que austeridade leva à confiança, que leva ao crescimento econômico
Por si só, o livro de Stockman não é importante. Além de alguns ataques aos republicanos, consiste basicamente de declarações bombásticas de analistas que recomendam o ouro. Mas a atenção que o livro despertou, a maneira como impressionou muita gente, incluindo até mesmo alguns liberais, sugere quanto ainda é forte a compulsão de se ver a economia com um auto de moralidade, três gerações após Keynes ter tentado nos mostrar que não é nada disso.

E de maneira nenhuma autoridades poderosas estão imunes a essa compulsão. Em “The Alchemists”, Neil Irwin analisa os motivos de Jean-Claude Trichet, então presidente do Banco Central Europeu (BCE), ao defender políticas duras de austeridade: “Trichet abraçou um ponto de vista, especialmente comum na Alemanha, que estava embasado em um tipo de moralismo. A Grécia havia gastado demais e se endividado muito. Precisava cortar gastos e reduzir déficits. Se mostrasse coragem e determinação política, os mercados iriam recompensá-la com custos menores na tomada de empréstimos. Ele depositou muita fé no poder da confiança…”

Dado esse tipo de predisposição, seria de admirar que a economia keynesiana tenha sido jogada pela janela, enquanto Alesina-Ardagna e Reinhart-Rogoff foram instantenamente elevados à condição de canônicos?
Então, o impulso “austeriano” seria apenas uma questão de psicologia? Não. Há também uma boa pitada de interesse próprio envolvido. Como já notaram vários observadores, um afastamento do estímulo fiscal e monetário pode ser interpretado, se você quiser, como conceder aos credores prioridade sobre os trabalhadores. Inflação e juros baixos são ruins para os credores, mesmo que promovam a criação de empregos; reduzir déficits do governo numa situação de desemprego em massa pode agravar uma depressão, mas aumenta a certeza dos detentores de bônus de que seus títulos serão totalmente pagos. Não acredito que alguém como Trichet estivesse cínica e conscientemente servindo a interesses de classe à custa do bem-estar geral; mas certamente não há por que ignorar que seu senso de moralidade econômica tenha se encaixado tão perfeitamente nas prioridades dos credores.
Também vale notar que, embora pareçam em grande medida um fracasso lamentável, as políticas econômicas adotadas desde a crise financeira não têm sido tão ruins para os ricos. Os lucros tiveram uma forte reação mesmo com a persistência de uma taxa de desemprego sem precedentes no longo prazo; os índices de ações dos dois lados do Atlântico voltaram aos patamares anteriores à crise mesmo com o rendimento médio fraco. Pode ser um exagero dizer que aqueles que fazem parte do 1% mais rico na verdade se beneficiam de uma depressão contínua, mas certamente não estão sendo tão prejudicados, e isso provavelmente tem a ver com a disposição dos formuladores de políticas de permanecer no curso da austeridade.

5-Como isso pôde acontecer? Essa é a pergunta que muitos faziam quatro anos atrás; e ainda é a pergunta que muitos fazem hoje. Mas o “isso” mudou.

Já em julho de 2010, economistas haviam identificado um erro de interpretação e um grave problema conceitual no “paper” de Reinhart e Rogoff.

Há quatro anos, o mistério era como uma crise financeira tão terrível havia acontecido, com pouco aviso prévio. As lições duras que tivemos de aprender envolveram a fragilidade das finanças modernas, a estupidez de confiar a regulação dos bancos a eles mesmos, e os perigos de supor que arranjos financeiros pomposos eliminaram, ou mesmo reduziram, problemas de risco muito antigos.

Eu diria, no entanto – por mais egoísta que possa parecer (alertei sobre a bolha imobiliária, mas não tinha nenhuma noção do tamanho do colapso que se seguiria quando estourasse) -, que o fracasso na previsão da crise foi um pecado relativamente menor. As economias são complicadas, entidades em eterna mutação; ficou entendido que poucos economistas perceberam até onde os empréstimos de curto prazo e a securitização de ativos, como as hipotecas subprime, recriaram velhos riscos que caberia ao seguro de depósitos e à regulamentação bancária controlar, conforme previsto quando de sua criação.
Para mim, o que aconteceu depois – a maneira como os formuladores de políticas econômicas voltaram suas costas para praticamente tudo que os economistas aprenderam sobre como enfrentar depressões, a maneira como a opinião da elite se apoderou de tudo que pudesse ser usado para justificar a austeridade – foi um pecado muito maior. A crise financeira de 2008 foi uma surpresa, e aconteceu muito rápido; mas fomos aprisionados em um regime de baixo crescimento e desemprego desesperançadamente alto que já dura anos. Durante todo esse tempo, os formuladores de políticas ignoraram as lições da teoria e da história.

É uma história terrível, principalmente por causa do imenso sofrimento resultante desses erros de política. Também é muito preocupante para aqueles que gostam de acreditar que o conhecimento pode fazer uma diferença positiva no mundo. Até onde os formuladores de políticas e a opinião da elite em geral fizeram uso das análises econômicas, fizeram-no, como diz o ditado, da maneira que um bêbado usa um poste de rua: pelo apoio, e não pela iluminação.

“Papers” e economistas que disseram à elite o que ela queria ouvir foram celebrados, apesar das muitas evidências de que estavam errados; os críticos foram ignorados, não importando a frequência com que estivessem certos.

O fracasso de Reinhart-Rogoff fez surgir alguma esperança, entre os críticos, de que a lógica e as evidências finalmente estão começando a ter importância. Na verdade, é cedo demais para dizer se o domínio da economia da austeridade sobre políticas econômicas vai diminuir de maneira significativa, diante dessas revelações. Por enquanto, a mensagem mais geral dos últimos anos continua sendo a de que poucos benefícios podem resultar do saber. (Tradução de Mario Zamarian).

(1) “The Alchemists: Three Central Banks and a World of Fire”, de Neil Irwin (Penguin); “Austerity: The History of a Dangerous Idea”, de Mark Blyth (Oxford University Press); “The Great Deformation: The Corruption of Capitalism in America”, de David A. Stockman (Public Affairs).

(2) Ver “Growth Forecast Errors and Fiscal Multipliers,” de Olivier Blanchard e Daniel Leigh, IMP Working Paper, Janeiro de 2013.

Paul Krugman, professor na Universidade de Princeton, é Prêmio Nobel de economia

Keynes em Bretton Woods

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Autor: Sylvia Nasar

RESUMO Com toques romanescos e rigor jornalístico, a norte-americana Sylvia Nasar compôs, em “A Imaginação Econômica”, uma vibrante narrativa da evolução das ideias econômicas, de Marx e Engels a Amartya Sen. Leia capítulo sobre um dos protagonistas, J. M. Keynes. A Companhia das Letras lança o livro no final do mês.

O economista britânico John Maynard Keynes descreveu a viagem transatlântica com sua mulher Lydia no Queen Mary, em junho de 1944, semanas antes da conferência monetária internacional de Bretton Woods, New Hampshire, “como um momento extremamente tranquilo, mas também extremamente atarefado”.

Viajava na companhia de Friedrich von Hayek e do agora amigo íntimo Lionel Robbins, além de 12 agentes governamentais britânicos. Keynes presidiu mais de 13 encontros a bordo e teve destaque na escrita de dois “rascunhos de bordo” sobre as duas principais instituições que administrariam os acordos monetários do pós-Guerra: o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Nos momentos de folga, ele se estirava numa espreguiçadeira no convés e lia livros. Com uma nova edição da “República”, de Platão, e uma biografia de seu ensaísta preferido, Thomas Babington Macaulay, ele leu “O Caminho da Servidão”, de Hayek.

Em contraste com seus discípulos mais doutrinários, Keynes era um gênio capaz de defender, em pensamento, duas verdades opostas: “Moral e filosoficamente”, ele escreveu numa longa carta a Hayek, “eu me vejo de acordo com quase tudo o que você escreveu; e não apenas de acordo, mas é um acordo que me envolve profundamente”.
Hayek pode não ter sido bem-sucedido “em demarcar satisfatoriamente a linha entre a liberdade e o planejamento”, e, assim sendo, não poderia ser um guia útil para percorrer o “caminho do meio” na elaboração de uma política, mas ele articulava valores que Keynes considerava essenciais para “levar uma boa vida”. Robbins ponderou: Keynes, “tão radical no que diz respeito a temas puramente intelectuais, em temas relativos à cultura é um verdadeiro conservador, à la [Edmund] Burke”.

Keynes afirmou que Hayek se precipitava demais ao descartar a possibilidade de que algum planejamento era compatível com a liberdade, particularmente se tal planejamento fosse feito por alguém que compartilhasse seus valores: “Atos perigosos podem ser praticados com toda segurança numa comunidade que pensa e sente corretamente qual seria o caminho que conduz ao inferno, caso tais atos fossem executados por aqueles que pensam e sentem de modo errado”.

Ele queria dizer com isso que uma guerra econômica desfechada por Churchill ou Franklin Roosevelt provavelmente não conduziria a um Estado totalitário, embora as guerras empreendidas por Stálin e Hitler tivessem desembocado naquela situação.

BRETTON WOODS Keynes e Lydia foram levados às montanhas Brancas de New Hampshire por um trem especial. O hotel Mount Washington, em Bretton Woods, era uma “grande dame” da virada do século, com a intenção de evocar “grandes dames”, como o hotel Majestic de Paris, onde Keynes se hospedou no fim da última guerra, só que tinha 350 quartos com banheiro, um salão de baile, uma piscina coberta e um pátio plantado com palmeiras, além de venezianas de cristal Tiffany.

Porém, o estabelecimento, um pouco maltratado e cujos dias de glória ficaram para trás, estava mal preparado para acolher 730 delegados de 44 países aliados. “As torneiras escorrem o dia inteiro, as janelas não abrem nem fecham, o encanamento desentope e volta a entupir, e ninguém pode ir a lugar algum”, Lydia escreveu à sogra.

O casal estava instalado numa enorme suíte, vizinha à do secretário do Tesouro dos EUA, Henry Morgenthau. Ao contrário da viagem de navio, a conferência era “um manicômio”, observou Lydia, “e a maioria das pessoas trabalham mais do que é humanamente possível”. Roosevelt enviara os convites e Morgenthau atuava como anfitrião titular, mas os principais arquitetos, planejadores e contatos eram seu assistente, Harry Dexter White, e Keynes. Os principais delegados tinham ideias e interesses divergentes e, em muitos casos, agendas ocultas.

O hotel estava repleto de espiões. Os delegados não tinham autoridade para assumir compromissos em nome de seus governos, mas os organizadores da conferência reconheceram que eles teriam de garantir uma recuperação econômica, e ela não poderia acontecer sem cooperação. Eles partilhavam da determinação expressa por Roosevelt em seu discurso sobre o Estado da União no sentido de não repetir os erros cometidos após a Primeira Guerra Mundial e de adotar uma abordagem global, multilateral, “ao estilo Nações Unidas”.

O próprio fato da realização da conferência refletia uma redefinição radical e uma ampliação da responsabilidade dos governos. Assim como Washington, Londres e Paris agora aceitavam a responsabilidade de manter elevado o nível de emprego, praticamente todos os governos ocidentais aceitaram alguma medida de responsabilidade para manter o emprego em alta também nas economias de seus parceiros comerciais.

As características da nova ordem refletiam uma visão comum em relação ao que não dera certo da última vez e uma convicção de que levar as coisas a bom termo tinha desdobramentos além dos econômicos. Roosevelt, Churchill, Keynes e seus discípulos americanos acreditavam que as patologias econômicas -a inflação e o desemprego- produziram o fascismo e debilitaram fatalmente muitas democracias.

Acreditavam com igual convicção que a fragmentação da economia global que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, causada pelas frenéticas tentativas de cada nação de isolar-se da crise econômica que se espalhara pelo mundo inteiro, e o consequente declínio no comércio mundial foram parcialmente responsáveis pela guerra mundial. A rivalidade econômica poderia conduzir à guerra. […]

INOVAÇÃO A grande inovação dos anos 1920 e 1930 -a economia do todo, desenvolvida por Fisher, Keynes e, em menor grau, Schumpeter e Hayek- ensinou que o que era bom para uma nação podia facilmente ser mau para as demais.

Desvalorizar a moeda, erguer barreiras comerciais e impor controles sobre a remessa de capitais podiam ser eficazes ao reduzir deficits da balança de pagamentos, deter o fluxo de ouro para o exterior e elevar as rendas do governo. Porém, se todos adotassem as mesmas táticas, o resultado seria empobrecimento e desemprego em escala universal.
Nos anos 1930, o comércio mundial caiu à metade, e o comércio prosseguiu sobretudo no interior de certos blocos, como o da libra esterlina, no Império Britânico, o da esfera soviética e o bloco de comércio bilateral estruturado pelo dr. Hjalmar Schacht, ministro da Economia de Hitler.

Agora já se reconhecia que manter a livre empresa funcionando globalmente exigia a mão visível do governo. De certo modo, enfatiza o biógrafo Robert Skidelsky, as novas disposições arquitetadas por White e Keynes eram o keynesianismo aplicado globalmente.

O objetivo da conferência de Bretton Woods era reavivar o comércio mundial, estabilizar as moedas e lidar com as dívidas de guerra e os mercados de crédito, então congelados. A guerra deixou grande parte do mundo dramaticamente mais pobre, e os países precisavam ter a capacidade de retomar o caminho da prosperidade.

No sentido mais amplo, a recuperação implicava reedificação e reconstrução, voltar à globalização anterior a 1913, mas sem retomar a premissa do período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, segundo a qual o maquinário econômico funcionava automaticamente. Para o Ocidente, isso significava aprender com o passado a fim de evitar os erros do entreguerras -lição que os marxistas alegavam que os capitalistas não conseguiam aprender- e restaurar a credibilidade moral e material.

A estabilidade econômica era a chave da estabilidade política, e o crescimento econômico era a condição necessária, quando não suficiente, para a sobrevivência do Ocidente no longo prazo. As sociedades modernas não poderiam sobreviver se esse engenhoso mecanismo funcionasse mal ou quebrasse, assim como as grandes cidades não conseguiriam sobreviver sem eletricidade nem trens.

Ao contrário de pensadores britânicos que se batiam pelo livre-comércio nos anos 1840, nem Keynes nem Fisher (nem Schumpeter e Hayek) acreditavam na tendência automática à paz e ao progresso, como tantos assumiram com efusão durante a Belle Époque.

Os governos tinham de intervir; a cooperação internacional era necessária. Nenhum sistema era autorregulador nem gerado espontaneamente, conforme se dava por certo antes de 1914. Para criar um sistema, tornava-se necessária a participação da única superpotência que ainda existia no Ocidente e a dos impérios europeus, outrora poderosos, mas agora rebaixados. A alternativa era impensável. […]
White e Keynes partilhavam os temores de George Orwell, Gunnar Myrdal, Schumpeter, Hayek e muitos outros, mas não eram nem escravos do determinismo econômico, nem radicalmente suspeitosos do governo. Não estavam preparados para acreditar que agora os governos não poderiam ser convencidos a evitar a depressão e a guerra ao estabelecerem uma estrutura comum de cooperação.

Acreditavam que os governos democráticos podiam aprender com os erros do passado e rejeitavam o conceito marxista da necessidade histórica e o pressuposto tradicional da rivalidade entre as Grandes Potências.

Certamente não partilhavam a convicção de Stálin de que a guerra fazia parte do DNA do capitalismo. O verdadeiro teste, é claro, não era se o Ocidente podia aprender com a história, mas se, mediante a ajuda de seu engenhoso mecanismo, aprenderia as lições corretas. […]

RETOMADA Os Aliados aprenderam com a experiência. Admitiam que a paz dependia da retomada econômica. Em 1918, tal premissa era partilhada por poucos -entre eles, Schumpeter, Keynes e Fisher-, mas dificilmente pelos líderes das nações vitoriosas ou por seu eleitorado. A situação de falência da Grã-Bretanha e sua dependência financeira dos EUA significavam que os americanos determinariam em grande parte o desfecho, ainda que sob aparência de cooperação.

Por seu lado, embora Morgenthau, secretário do Tesouro, ocupasse nominalmente o cargo, seu representante, Harry Dexter White, era o único com “pleno conhecimento da questão”, que podia “impedir um voto relativo a qualquer tema que ele não queira que seja votado”. White orquestrava tudo, desde entrevistas coletivas até ordenar que os comunicados fossem datilografados e distribuídos.
Keynes quase não se deu ao trabalho de disfarçar o fato de que estava enfiando suas opiniões goela abaixo do comitê sobre os bancos que ele presidia, o que era bem característico dele. Morgenthau teve de se ir à suíte de Keynes “e solicitar que, por favor, agisse mais devagar, falasse mais alto e pusesse em ordem em seus papéis”.

Skidelsky frisa que, se Keynes não era aberto, pelo menos era eficiente, e que sua pressa em discutir a programação refletia a exaustão e a crescente determinação de partir o quanto antes. Ele pronunciou o discurso final durante um banquete e, ao chegar, todos os presentes se levantaram, esperando que sentasse à cabeceira.

URSS “A URSS é um país que está chegando, a Grã-Bretanha é um país que está indo embora”, White disse a Keynes a certa altura de suas longas e dificultosas negociações. Como assinala Skidelsky, Keynes de vez em quando ficava intrigado com a obsessão de White pela Rússia e volta e meia sentia-se indignado com sua hostilidade para com a Grã-Bretanha.

Ele aparentemente não desconfiava que seus discípulos americanos mais influentes -e muitas vezes seus adversários na mesa de negociação- passavam segredos do governo para a URSS e ajudavam os soviéticos a espionar a ele e aos outros delegados. No grupo de economistas que White levou a Bretton Woods, uma dúzia ou mais de funcionários da Divisão de Pesquisa Monetária do Tesouro eram informantes de agentes da KGB.
A aliança dos tempos da guerra, o heroísmo e o sacrifício dos soviéticos ao derrotarem os alemães, o papel dos comunistas europeus na resistência, tudo isso explica por que as primeiras revelações de que os soviéticos montaram uma operação de espionagem em larga escala pareciam inicialmente inacreditáveis e, depois, chocantes.

O mais perturbador era a confiança depositada pelos soviéticos numa quinta-coluna de cidadãos americanos, que evocava a estratégia nazista, extremamente bem-sucedida, de se apoiar numa rede de simpatizantes na Europa.

A imagem recentemente retocada da URSS explica não apenas por que Roosevelt e Truman mostravam lentidão em aceitar que a Segunda Guerra Mundial seria seguida por uma Guerra Fria, mas também aquilo que hoje parece inescrutável: como alguns dos mais brilhantes e competentes funcionários se dispuseram a atuar como espiões e apologistas de um regime estrangeiro, e por que a maioria aparentemente não se arrependia disso? Agiram como agiram pelo bem da “humanidade”.

Jamais, nos piores momentos da Grande Depressão [anos 1930], o Partido Comunista dos EUA (CPUSA) alcançou, nem remotamente, o status de movimento político de massa, e menos ainda de independência. A participação partidária atingiu o auge em 1944 -cerca de 80 mil seguidores-, e a grande maioria afastou-se em menos de um ano. O partido exerceu escassa influência em uns poucos bairros da Bay Area, Boston e Nova York e em sindicatos. Em alguns casos os espiões eram pobres ou economicamente precários, e muitas vezes foram os primeiros da família a frequentar uma universidade.

Muitos se disfarçavam sob a capa do antissemitismo e do esnobismo. A ascensão de Hitler e Franco, com sua ameaça explicitamente anti-intelectual e militarista à civilização, conferiu ao partido algum prestígio nas universidades. Lutar contra a Grande Depressão tornou-se um movimento político, como o dos Direitos Civis, nos anos 1950 e 1960. Assim como os físicos do Projeto Manhattan se viam como parte do esforço de guerra, elaborar previsões no Tesouro fazia parte da luta para derrotar o fascismo.

Nos anos 1930, Lauchlin Currie foi auxiliar de ensino na Universidade Harvard e coautor de vários manifestos do New Deal, programa de recuperação econômica de Roosevelt, com seu melhor amigo, Harry Dexter White. Em 1939 tornou-se um dos seis assistentes administrativos da equipe do presidente Roosevelt e logo o aconselhava em relação a questões momentosas, como mobilizar a economia para a guerra, o orçamento dos tempos da guerra e disponibilizar a Lei de Empréstimo e Arrendamento para a China.

Currie organizou os Tigres Voadores. Foi ele quem cuidou da Lei de Empréstimo e Arrendamento para os chineses e participou intimamente das negociações de empréstimos dos EUA para a Grã-Bretanha e para a Rússia, bem como dos entendimentos que resultaram na conferência de Bretton Woods.

MANOBRAS Provas eloquentes, recolhidas em fontes independentes, mostram que Currie e White não foram vítimas inocentes de sujas manobras políticas contra o New Deal, e certamente não foram vítimas do macarthismo. As acusações contra eles foram formuladas por duas fontes independentes e corroboradas por cabogramas interceptados e decodificados pelo governo dos EUA muito antes de o senador Joseph McCarthy desfechar suas sensacionais acusações. Tudo foi confirmado décadas mais tarde, com base em material procedente dos arquivos da KGB.

A acusação contra Currie foi a de que ele, possivelmente por ordem do presidente, pressionou o OSS [Office of Strategic Services] a devolver aos soviéticos mensagens cifradas e a suspender as operações de decodificação. A prova contra Harry Dexter White foi particularmente danosa.

De acordo com dois de seus biógrafos, David Rees e R. Bruce Craig, Whittaker Chambers, editor da “Time” e ex-agente do GRU, o serviço secreto da URSS, que forneceu ao assistente do secretário de Estado, em 1939, o nome de outros agentes soviéticos, revelou que White e Currie eram agentes.

Chambers entregou cópias de um documento do Tesouro que White lhe confiara para encaminhar ao GRU. Suas acusações foram confirmadas independentemente por dois ex-agentes pelo menos. Um cabograma datado de 1944, entregue por Nathan Gregory Silvermaster, diz respeito a uma oferta à esposa de White para ajudar a pagar as taxas da faculdade onde a filha do casal White estudava. Dois outros cabogramas documentam conversas não autorizadas entre White e um general da KGB, Vitaly Pavlov, incluindo uma de 1941, enquanto eles almoçavam num restaurante de Washington.

Embora Moscou os valorizasse como espiões, a verdadeira importância de Currie e White estava na influência que exerciam. Eles ocupavam posições de grande suscetibilidade, abrangência e autoridade, tomavam iniciativas e promoviam medidas que podem ou não ter atendido aos interesses de seu governo, mas que, em definitivo, tinham a intenção de promover os interesses da URSS.

A ironia é que nenhum dos dois tinha a menor pista sobre as intenções dos soviéticos, assim como os mais ingênuos políticos americanos. Ao contrário de Roosevelt e Truman, cujas posições mudaram drasticamente após a conferência de Yalta, em 1945, aqueles homens dúplices, calculistas e duros reagiram como se fossem amantes enganados e incompreendidos quando Stalin os fez de bobos.

A geração que ingressou na economia durante ou logo após a Grande Depressão apegou-se à mensagem contida na “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” com a sofreguidão de afogados que se agarram a uma boia. Keynes era seu herói, e eles eram seus discípulos -quer dizer, discípulos intelectuais. O rótulo “keynesiano” não implicava apoio às medidas preconizadas por Keynes, muito menos à sua filiação política. Alguns eram conservadores, no plano da política, e alguns, particularmente na Europa, eram socialistas. A maioria se encaixava no espectro definido pelos partidos mais relevantes.

O fato de alguns terem atingido posições de poder e influência, usando-as para executar tarefas ocultas, devido a sua lealdade a um regime totalitário, diz muito a seu respeito e a sua época, mas muito pouco sobre as ideias keynesianas e ainda menos sobre o homem Keynes -exceto, talvez, que, como todo mundo, ele não podia imaginar como homens tão inteligentes podiam ser tão estúpidos ou tão maus.

O Hotel Mount Washington, um pouco maltratado e cujos dias de glória ficaram para trás, estava mal preparado para acolher 730 delegados de 44 países aliados

A inovação dos anos 1920 e 30 -a economia do todo, por Fisher, Keynes, Schumpeter e Hayek- ensinou que o que era bom para uma nação podia ser mau para as demais.
O heroísmo e o sacrifício dos soviéticos na guerra explicam por que a revelação do esquema de espionagem soviética parecia inacreditável e chocante

O rótulo “keynesiano” não implicava apoio às medidas preconizadas por Keynes, muito menos à sua filiação política. Alguns eram conservadores e alguns eram socialistas

A origem da corrupção

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Autor: Stephen Kanitz

O Brasil não é um país intrinsecamente corrupto.
Não existe nos genes brasileiros nada que
nos predisponha à corrupção, algo herdado,
por exemplo, de desterrados portugueses.

A Austrália que foi colônia penal do império britânico, não possui índices de corrupção superiores aos de outras nações, pelo contrário. Nós brasileiros não somos nem mais nem menos corruptos que os
japoneses, que a cada par de anos têm um ministro que renuncia diante de denúncias de corrupção.

Somos, sim, um país onde a corrupção, pública e privada, é detectada somente quando chega a milhões de dólares e porque um irmão, um genro, um jornalista ou alguém botou a boca no trombone, não por um processo sistemático de auditoria. As nações com menor índice de corrupção são as que têm o maior número de auditores e fiscais formados e treinados. A Dinamarca e a Holanda possuem 100 auditores por 100.000 habitantes. Nos países efetivamente auditados, a corrupção é detectada no nascedouro ou quando ainda é pequena. O Brasil, país com um dos mais elevados índices de corrupção, segundo o World Economic Forum, tem somente oito auditores por 100.000 habitantes, 12.800 auditores no total. Se quisermos os mesmos níveis de lisura da Dinamarca e da Holanda precisaremos formar e treinar 160.000 auditores.

Simples. Uma das maiores universidades do Brasil possui hoje 62 professores de Economia, mas só um de auditoria. Um único professor para formar os milhares de fiscais, auditores internos, auditores externos, conselheiros de tribunais de contas, fiscais do Banco Central, fiscais da CVM e analistas de controles internos que o Brasil precisa para combater a corrupção.

A principal função do auditor inclusive nem é a de fiscalizar depois do fato consumado, mas a de criar controles internos para que a fraude e a corrupção não possam sequer ser praticadas. Durante os anos de ditadura, quando a liberdade de imprensa e a auditoria não eram prioridade, as verbas da educação foram redirecionadas para outros cursos. Como consequência, aqui temos doze economistas formados para cada auditor, enquanto nos Estados Unidos existem doze auditores para cada economista formado. Para eliminar a corrupção teremos de redirecionar rapidamente as verbas de volta ao seu devido destino, para que sejamos uma nação que não precise depender de dedos duros ou genros que botam a boca no trombone, e sim de profissionais competentes com uma ética profissional elaborada.

Países avançados colocam seus auditores num pedestal de respeitabilidade e de reconhecimento público que garante a sua honestidade. Na Inglaterra, instituíram o Chartered Accountant. Nos Estados Unidos eles têm o Certified Public Accountant. Uma mãe inglesa e americana sonha com um filho médico, advogado ou contador público. No Brasil, o contador público foi substituído pelo engenheiro.

Bons salários e valorização social são os requisitos básicos para todo sistema funcionar, mas no Brasil estamos pagando e falando mal de nossos fiscais e auditores existentes e nem ao menos treinamos nossos futuros auditores. Nos últimos nove anos, os salários de nossos auditores públicos e fiscais têm sido congelados e seus quadros, reduzidos – uma das razões do crescimento da corrupção. Como o custo da auditoria é muito grande para ser pago pelo cidadão individualmente, essa é uma das poucas funções próprias do estado moderno. Tanto a auditoria como a fiscalização, que vai dos alimentos e segurança de aviões até os direitos do consumidor e os direitos autorais.

O capitalismo remunera quem trabalha e ganha, mas não consegue remunerar quem impede o outro de ganhar roubando. Há quem diga que não é papel do Estado produzir petróleo, mas ninguém discute que é sua função fiscalizar e punir quem mistura água ao álcool. Não serão intervenções cirúrgicas (leia-se CPIs), nem remédios potentes (leia-se códigos de ética), que irão resolver o problema da corrupção no Brasil. Precisamos da vigilância de um poderoso sistema imunológico que combata a infecção no nascedouro, como acontece nos países considerados honestos e auditados. Portanto, o Brasil não é um país corrupto. É apenas um país pouco auditado.

Publicado na Revista Veja, edição 1600, ano 32, nº 22, de 2 de junho de 1999, página 21

A pobretologia a serviço dos Estados Unidos da América: O imperialismo brando do Banco Mundial

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Autor: Eleonora de Lucena

A despeito dos diferentes discursos que assumiu ao longo de seus quase 70 anos, o Banco Mundial sempre coadunou sua atuação à política externa dos EUA, diz autor de estudo sobre a história política e ideológica do banco, num projeto de “imperialismo brando” que visava ao desenvolvimento capitalista da periferia.

O FIM DE SEMANA foi marcado por mais uma reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird) com a nata do poder econômico. Banqueiros, ministros de Estado e economistas terão avaliado as projeções de crescimento, os números de déficits, o estágio da guerra das moedas. Até o velho tabu do controle de capitais foi trazido à mesa.
A atual crise financeira revigorou a importância dessas duas criações da conferência de Bretton Woods (1944), que moldou o mundo no pós-Guerra. Há pouco tempo, FMI e Bird eram classificados como decadentes por alas da esquerda e da direita nos EUA. O vento mudou.
O FMI nunca emprestou tanto e tão rapidamente como na segunda metade de 2008. Os desembolsos do Banco Mundial pularam de US$ 24,7 bilhões (R$ 39 bi) em 2008 para US$ 58,7 bilhões (R$ 93 bi) em 2010. Ao mesmo tempo, a disputa por poder nas instituições foi intensificada.
Ao receber Barack Obama, em março, a presidente Dilma Rousseff falou da “lentidão das reformas nas instituições multilaterais que ainda refletem um mundo antigo”. Em recente declaração, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, também defendeu mudanças no FMI e no Bird.

INTERESSES Para entender o que está por trás desses movimentos e os interesses que explicam a história da dupla FMI-Bird, é muito esclarecedora a leitura de “O Banco Mundial Como Ator Político, Intelectual e Financeiro” [Civilização Brasileira, 504 págs., R$ 59,90], de João Márcio Mendes Pereira, 33. O livro é resultado de sua pesquisa de doutorado em história na Universidade Federal Fluminense (UFF). Mostra como, desde a sua origem, o Banco Mundial serviu aos interesses da expansão capitalista liderada pelos EUA, metamorfoseando-se conforme os ditames da potência.
Assim, atuou para ajudar empresas norte-americanas na reconstrução dos países devastados pela guerra. Depois, virou propagandista de ações na periferia para bloquear revoltas, criando o que o autor chama de “pobretologia”. Incorporando uma retórica de esquerda, passou a financiar ONGs e aderiu ao discurso verde. Ao mesmo tempo, disseminou o Consenso de Washington, alardeando privatizações.
Se nas organizações da ONU cada país tem um voto, no Banco Mundial o poder foi sempre balizado pelo dinheiro, sem considerar, por exemplo, o tamanho das populações.
Pereira assinala que “o poder de voto de cada membro está condicionado pela sua subscrição de capital”, refletindo as desigualdades mundiais. Ou ainda: “A posição de cada membro é resultado da relação complexa entre a dinâmica internacional da acumulação capitalista e o exercício do poder político”.

DÓLAR A partir daí, o historiador narra várias fases do banco. Conta como a Grã-Bretanha, logo no início, teve que assumir sua nova posição, subalterna aos EUA, para que o Bird fosse estabelecido e enviasse dinheiro para a reconstrução europeia. O dólar passava a mandar. Veio o Plano Marshall.
De início desconfiada em relação ao novo banco, Wall Street logo percebeu que os empréstimos seriam lucrativos para as empresas norte-americanas e úteis para a política externa -marcas que continuam firmes até hoje.
Nos primeiros anos, o banco se preocupou em abrir mercados para produtos e capital norte-americano, buscando também matérias-primas. Muitos empréstimos foram então destinados a áreas coloniais de interesse das metrópoles. Nenhum dólar era desembolsado para hospitais, escolas, saneamento básico.
A Guerra Fria mudou esse quadro e trouxe a retórica do desenvolvimento. A ordem era investir na periferia para evitar a sedução por mudanças. Foi a época dos projetos para a agricultura, voltados para irrigação em grandes propriedades e que abriram os mercados para fertilizantes e pesticidas.
Era a “revolução verde” promovida pelo banco, que, no entanto, desprezava temas como reforma agrária, distribuição de riqueza e ensino fundamental de massa. É uma fase bem detalhada pelo autor, que também escreveu “A Política de Reforma Agrária de Mercado do Banco Mundial: Fundamentos, Objetivos, Contradições e Perspectivas” (Hucitec, 2009).

POBREZA ABSOLUTA Sob o impacto do desastre no Vietnã, Robert McNamara assumiu o banco preocupado com segurança e com a força política do campesinato. O ex-secretário de Defesa dos EUA e arquiteto daquela guerra quis dar ênfase ao combate à pobreza, especialmente a rural, para minar as rebeliões que rondavam os países pobres. No banco, a discussão sobre equidade foi substituída pela da “pobreza absoluta”. Foi quando apareceu a questão do “foco” na abordagem social. Os negócios continuaram como sempre.
Para Pereira, “o banco se tornou uma agência capaz de articular e veicular um projeto mais abrangente de desenvolvimento capitalista para a periferia, ancorado a um só tempo na ‘ciência da pobreza’ e na ‘ciência da gestão política da pobreza’, pela via do crédito e não da filantropia”.
Dissecando a miríade de projetos, ele conclui que os recursos beneficiaram, quase que diretamente, a acumulação privada de capital. Do ponto de vista político, o alinhamento com Washington era total: empréstimos negados a Allende saíram para Pinochet.
O arrefecimento da Guerra Fria fez o banco engavetar os projetos da área social. Nos anos 1980, fica clara a posição de vanguarda ideológica da instituição. O Bird traz temas como a reforma do Estado. Receita a liberalização do comércio, desvalorizações cambiais, endividamento.

NEOLIBERALISMO A crise mexicana (1982) e a estagnação da periferia provocam uma nova adaptação no discurso. Depois da queda do Muro de Berlim (1989), o neoliberal Consenso de Washington se instalou sem pejo, propagandeando a desregulamentação financeira, a privatização em massa e o aniquilamento de direitos sociais.
Até hoje, com alguma reciclagem, de acordo com o autor, essas seguem sendo as diretrizes do banco. Mas há nuances. Uma delas foi a incorporação do discurso ambientalista, que atraiu e domesticou ONGs pasteurizadas. Pereira classifica esse movimento de “imperialismo brando”, que “consiste em manter uma vasta rede de ONGs presas às planilhas de pagamento”.
A adesão ecológica aconteceu depois de vários fiascos de seus projetos no terreno ambiental. Um dos mais ruinosos foi em Rondônia, a mesma que vivenciou recentemente a rebelião dos peões da construção civil.
Lá, escreve Pereira, o Bird financiou devastação, violência e concentração fundiária ao dar seu apoio ao Polonoroeste e à construção da rodovia BR-364, no início dos anos 1980.

CÁUSTICO Pereira, professor adjunto de história da América contemporânea da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, é bastante cáustico ao relatar desde os critérios para concessão de créditos até a produção intelectual do banco. Condena também a falta de transparência. Desanca a elaboração de relatórios e estudos, mostrando direcionamentos, censuras internas, omissões e erros.
Conta, por exemplo, como o ponto de vista japonês -que dá ênfase ao poder estatal- foi sabotado em trabalhos do banco, que acabavam sendo feitos sob encomenda dos interesses norte-americanos.
Nesse ponto, Pereira relata as ginásticas feitas pelo Bird sobre a alardeada contradição entre Estado e mercado. Sua opinião: “O rechaço à tese do ‘Estado mínimo’ [em 1997] foi uma manobra política inteligente, pois fez crer, para muitos, que estava em julgamento algo que, na verdade, nunca existiu. […] A reestruturação capitalista neoliberal foi menos um desmantelamento e mais um redirecionamento da ação do Estado em favor da fração financeira mais globalizada do capital e da ofensiva capitalista contra direitos sociais e trabalhistas”.
Falta ao livro um mergulho na relação Brasil-Banco Mundial. Afinal, o país é um dos principais clientes do banco e pouco se conhece sobre os bastidores dos sucessivos governos com a instituição. Em entrevista à Folha, Pereira reconhece essa lacuna e conta que está esboçando uma nova pesquisa a respeito.

FEUDOS BUROCRÁTICOS O historiador ressalta como o banco criou nos países feudos burocráticos simpáticos a suas políticas.
Mostra como seduziu, com sua aura científica, lideranças políticas, empresariais e a mídia, usando o mote de promover uma “engenharia institucional amistosa com o mercado”.
Essa faceta ideológica segue sendo primordial para o banco. Se o montante de dinheiro desembolsado cresceu com a crise, ele ainda é relativamente pequeno. Basta lembrar que a soma de todos os empréstimos realizados pela instituição desde 1947 é de US$ 639 bilhões (R$ 1 tri), menor que o socorro dos EUA aos bancos em 2008, de US$ 700 bilhões (R$ 1,1 tri).
Aqui, como em todo lugar, a política se sobrepõe.

Desconfiada em relação ao novo banco, Wall Street logo percebeu que os empréstimos seriam lucrativos

Os recursos beneficiaram a acumulação privada de capital. Do ponto de vista político, o alinhamento com Washington era total