Estamos vivendo numa democracia? por Oded Grajew

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Que modelo é este que produz terríveis desigualdades?; mudanças no IR são justas, mas pobres continuarão a ser penalizados

Oded Grajew, Presidente emérito do Instituto Ethos, conselheiro do Instituto Cidades Sustentáveis e membro do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades

Folha de São Paulo, 02/12/2024

A democracia poderia ser definida como um regime político em que o poder é exercido de forma participativa pelos cidadãos, diretamente ou por meio dos seus representantes. Sendo assim, na democracia exercida em sua plenitude, as políticas públicas deveriam beneficiar de forma equitativa o conjunto da sociedade, resultando num país com poucas desigualdades.

Vejamos o quadro no Brasil: somos o sétimo país mais desigual do mundo, apesar de sermos a oitava maior economia. De acordo com o Observatório Brasileiro das Desigualdades, idealizado pelo Pacto Nacional Pelo Combate às Desigualdades, as nossas desigualdades econômicas, sociais, ambientais, regionais, de gênero e raça são enormes. Por exemplo: 1% da população detém 63% da riqueza do Brasil; os 10% mais ricos obtêm um rendimento médio mensal per capita 14,4 vezes maior que os 40% mais pobres; cerca de 7,6 milhões de brasileiros vivem com uma renda domiciliar per capita mensal menor do que R$ 150; a mulher negra ganha em média 42% do que recebe o homem não negro; as pessoas negras representam 76,9% das vítimas de mortes violentas intencionais e são 83,1% das mortes decorrentes de intervenções policiais; a taxa de mortalidade infantil é 59% maior na região Norte do que na região Sul.

Todos que têm o mínimo de conhecimento de como funciona o nosso sistema político sabem da enorme influência do poder econômico nas eleições e sobre os tomadores de decisões, nas várias instâncias de poder das nossas instituições públicas. Como resultado direto temos políticas e decisões políticas que beneficiam a minoria mais rica e consequentemente sustentam e alimentam as desigualdades brasileiras.

O nosso sistema tributário é um dos mais regressivos do mundo; o Brasil é um dos poucos países que não taxam lucros e dividendos e instituímos diversos mecanismos que fazem com que, atualmente, mais de 70% da renda dos super-ricos não seja tributada. As mudanças no Imposto de Renda anunciadas na semana passada são justas, mas os pobres continuarão a pagar proporcionalmente mais tributos que os ricos porque ainda taxamos muito o consumo e pouco a renda e o patrimônio.

Tudo isso apesar de a Constituição brasileira declarar que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. O que significa que o nosso sistema tributário deveria ser considerado inconstitucional!

O nosso terrível e vergonhoso quadro de desigualdades não foi construído por acaso, é resultado de decisões políticas. Alimenta a descrença na política e na democracia e reforça os movimentos políticos extremos e autoritários (vale lembrar que os Estados Unidos são o país mais desigual entre as nações mais desenvolvidas).

Se quisermos valorizar e defender a democracia e barrar seus detratores precisamos nos empenhar para que as políticas públicas se liberem da influência excessiva do poder econômico, respondam às necessidades de toda a população e não apenas aos interesses de uma minoria —e estejam dedicadas, como manda a Constituição, à redução das desigualdades. Caso contrário, poderemos estar sempre nos perguntando: Estamos vivendo numa democracia? Que democracia é esta que produz tantas e terríveis desigualdades?

O que há por trás dos boicotes, por Ana Paula Vescovi

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Reações acirradas de grupos franceses ao acordo UE-Mercosul demonstram o quão estratégico ele se tornou

Ana Paula Vescovi, Economista-chefe do Santander Brasil.

Folha de São Paulo, 10/12/2024

Uma carta aberta de uma das maiores redes varejistas francesas iniciou boicote quase despretensioso sobre a compra de carnes do Brasil; a resposta brasileira, vinda do setor produtivo, traz à tona o potencial destrutivo da guerra comercial.

Os produtores sujeitos às restrições impostas pela França reagiram deixando de vender carnes para a rede europeia no Brasil. O movimento foi tão forte que levou a empresa francesa a uma retratação.

O principal prejudicado? O consumidor, sempre.

A proximidade da reunião de presidentes do Mercosul, no Uruguai, na primeira semana de dezembro atraiu o furor de produtores rurais franceses. A diplomacia dos dois blocos —União Europeia e Mercosul— trabalha para pautar e votar pela aprovação do acordo birregional.

O Brasil tem demonstrado com ênfase o seu interesse na aproximação. Do lado europeu, os mais enfáticos são os alemães, os espanhóis e os portugueses. Além da França, Polônia, Áustria e Itália apresentaram algum nível de resistência.

O que está em jogo é uma frente de redução de tarifas, com definição de quotas em alguns casos, para intensificar a corrente de comércio e serviços entre as duas regiões.

Os ganhos de comércio são há muito tempo conhecidos na literatura. São um verdadeiro ganha-ganha. Os países podem se especializar na produção de bens e serviços em que são mais eficientes, levando ao aumento da produtividade geral, do nível de renda e da produção e revelando vantagens comparativas.

Ademais, o comércio internacional promove a concorrência e a contestação de mercados, o que contribui para preços mais baixos, melhor qualidade e práticas de produção e maior inovação. O acesso a mercados maiores permite que as empresas produzam em maior escala, reduzindo potencialmente os custos por unidade e que os consumidores tenham acesso a uma gama maior de produtos e serviços de diferentes países.

Pode facilitar a troca de conhecimento e tecnologia entre países, promovendo inovação e maior crescimento potencial, além de fomentar os investimentos estrangeiros.

Embora alguns empregos possam ser deslocados entre setores e regiões, o comércio internacional cria oportunidades de trabalho em setores exportadores e nas indústrias de apoio. E não apenas empresas grandes exportam.

Os consumidores, por sua vez, podem obter preços mais baixos e maior poder de compra. E os países, por fim, podem se beneficiar com a promoção de laços diplomáticos e a paz entre as nações por meio de uma saudável interdependência econômica.

Além da teoria, a realidade demonstrou isso. Após a entrada da China na OMC (Organização Mundial do Comércio), em 2001, e economia mundial vivenciou anos de crescimento robusto com inflação controlada e juros baixos. O aumento de renda ampliou a classe média global, movimento que foi mais forte nos países em desenvolvimento. Estimativas apontam crescimento de 50% na América Latina. O que deu errado tem sido objeto de muitos estudos, mas a crise financeira global de 2008/2009 foi uma inflexão, entre outros fatores.

O concreto é que tudo mudou desde então e, nos últimos anos, as guerras comerciais têm prevalecido. As recentes eleições presidenciais nos Estados Unidos sancionaram mais aumentos de tarifas e mais disputas comerciais, o que tende a escalar no próximo ano. Esse é um fator importante por trás da reação dos franceses. A integração comercial entre Mercosul e União Europeia ficou ainda mais estratégica, para os dois lados, depois da eleição dos Estados Unidos.

De um lado, uma região que produz automação industrial de excelência, capaz de impulsionar a modernização do parque industrial na América do Sul. De outro lado, uma região capaz de alavancar os objetivos da transição (e da segurança) energética na Europa. O Brasil produz o crédito de carbono com o menor custo do planeta.

No meio, estão os produtores de alimentos na França e em algumas outras localidades. São acostumados a pesados subsídios e a uma regulação ambiental severa, com estrutura fundiária diferente da nossa (menos concentrada).

A acidez e o tom ofensivo das manifestações na França revelam nada mais do que o tamanho da briga para manter o status quo. Simplesmente negligenciam os anos de avanços tecnológicos e na vigilância sanitária que tivemos. No Brasil, iniciativas no próprio setor privado têm assegurado políticas rigorosas de desmatamento ilegal zero com 100% de rastreabilidade nos seus negócios de exportação. E não somente para a Europa. O uso de satélites de rastreamento e da inteligência artificial já é uma realidade no monitoramento de fazendas exportadoras.

Mas toda crise traz aprendizados. O primeiro deles seria assegurar um caminho consistente de “acreditação” para os nossos exportadores, com avanços consistentes no desmatamento ilegal zero e melhora na aplicação e fiscalização do Código Florestal. E muita disposição para explicar os progressos. O Brasil já se estabeleceu como uma potência pecuária, temos uma das agriculturas mais modernas do planeta, com muitos avanços por vir na área da agroenergia.

Com efeito, há muito o que avançar. E as vantagens do comércio podem trazer fortes incentivos para compromissos de preservação ambiental. Se a Europa está fidedignamente engajada no desmatamento ilegal zero, então não há melhor política do que aprofundar a (saudável) interdependência comercial com os países da região amazônica.

O que vimos com os boicotes foi uma demonstração pedagógica dos efeitos do protecionismo, caminho errado a seguir.

 

 

A Europa prepara-se para a guerra, por Flávio Aguiar

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Flávio Aguiar – A Terra é Redonda – 27/11/2024

 Sempre que a Europa preparou-se para guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos

Um autêntico calafrio percorreu toda a Europa na semana passada. Noticiou-se com destaque que os governos da Suécia e da Finlândia divulgaram para seus cidadãos manuais sobre como proceder no caso de uma guerra contra terceiros.

O governo sueco distribuiu pelo correio uma brochura de 32 páginas. O finlandês disponibilizou uma publicação online.

Embora o nome não aparecesse, era óbvio que se tratava de uma guerra com a Rússia. A Suécia não tem uma fronteira terrestre com a Rússia. Há uma fronteira marítima entre ela e o enclave russo de Kaliningrado, espremido entre o Mar Báltico, a Lituânia e a Polônia. A Finlândia tem uma fronteira terrestre com a Rússia de 1.343 km.

Ambas mensagens abordam outras crises, como a ocorrência de pandemias, desastres naturais e ataques terroristas. Mas o destaque no noticiário foi para a guerra, graças à existência do conflito direto entre a Rússia e a Ucrânia, que tem o apoio da OTAN, de que não faz muito Suécia e Finlândia passaram a integrar.

Tanto na Suécia como na Finlândia as instruções envolvem a manutenção de estoques de alimentos, água, remédios e dinheiro, a guarda de cartões de crédito, conselhos sobre como se manter informado através do rádio, a busca de abrigos coletivos no caso de ataques aéreos ou nucleares, como neles se comportar ou onde se proteger caso seja impossível chegar até eles.

Logo no começo das instruções suecas, encontra-se a seguinte exortação patriótica: “Se a Suécia for atacada, nós nunca nos renderemos. Qualquer sugestão em contrário é falsa”.

Aos poucos surgiram informações complementares. Em ambos os casos, tratava-se de uma atualização de instruções anteriores. Também noticiou-se que outros governos, como os da Dinamarca e da Noruega distribuíam instruções semelhantes. Nada disto atenuou o impacto midiático do clima de preparação para uma guerra.

Para engrossar o caldo, a Alemanha entrou na dança. A mídia do país noticiou a existência de um documento do Exército até então secreto, com mil páginas sobre a possibilidade e os desdobramentos de uma guerra com a Rússia. Entre outras coisas o documento prevê que a Alemanha se transformaria num imenso corredor por onde passariam centenas de milhares de tropas da OTAN – norte-americanas e outras. O país se transformaria no grande organizador logístico do fluxo de tropas, suprimentos e armas de variada espécie para o conflito.

Outras informações vieram à tona. O Exército está disponibilizando instruções específicas para empresários sobre como adequar suas empresas à circunstância de uma guerra, com destaque para a questão dos transportes.

Para compreender o impacto destas informações, deve-se levar em conta a moldura em que surgiram e alguns antecedentes.

Concomitante a elas noticiava-se uma escalada de fato ou retórica em torno da guerra na Ucrânia e agora também em território russo, com a invasão da região de Kursk por tropas ucranianas.

Noticiou-se a presença de tropas norte-coreanas em território russo, em apoio a Moscou. O governo de Joe Biden autorizou a utilização pela Ucrânia de mísseis de longo alcance contra território russo, e o fornecimento de minas terrestres contra veículos e pessoas para o governo de Kiev. Este anunciou que a Rússia lançara um míssil de longo alcance, capaz de levar uma ogiva nuclear, contra seu território.

Moscou relaxou as normas para utilização se armas nucleares em caso de conflito, sobretudo se atacada por um país que tivesse o apoio de uma potência nuclear. França, Alemanha e Polônia anunciaram estarem aumentando significativamente seus orçamentos militares. O exemplo pode ser seguido por outros países. Os Estados Unidos anunciaram o restabelecimento de mísseis em território europeu.

A TV russa divulgou uma reportagem comentando quais cidades europeias poderiam ser alvo de ataques por mísseis de longo alcance. Não faz muito o governo de Joe Biden aumentou em 20% a presença de pessoal militar e conexo norte-americano no continente europeu, contingente que hoje passa de 120 mil, maior do que, por exemplo, todo o Exército do Reino Unido. Autoridades civis e militares alemãs já falaram abertamente que é possível haver uma guerra com a Rússia em cinco ou seis anos. Em suma, a Europa se prepara para a possibilidade da guerra.

Políticos que admitem o risco usam com frequência o dito popularizado em latim, “si vis pacem para bellum”, “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Entretanto lembremos que o currículo europeu na matéria não é bom. Sempre que a Europa preparou-se para guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos.

*Flávio Aguiar, jornalista e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).

 

Parceria Estratégica

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Com o retorno de Donald Trump ao comando da sociedade norte-americana encontramos muitas inquietações e incertezas nas políticas econômica e comercial, alguns analistas acreditam que o novo governo vai retomar os confrontos com a China, limitando a entrada de imigrantes e deportando milhares de ilegais, outros especialistas apostam no retorno de uma visão mais unilateral, nos moldes do conhecido América primeiro…. que podem levar as nações ao incremento de políticas protecionistas como forma de defender sua estrutura produtiva e seu emprego interno, mesmo sabendo que essa proteção pode gerar impactos preocupantes sobre a economia mundial.

Neste cenário, percebemos que os governos nacionais estão buscando instrumentos para defender seus sistemas econômico e produtivo, evitando a perda de espaço no mercado global, cujos impactos são negativos para as economias nacionais, podendo gerar graves constrangimentos sociais, com incremento do desemprego, queda maciça da renda agregada e desajustes macroeconômicos.

Vivemos numa economia altamente integrada, as estruturas produtivas estão totalmente interligadas e interdependentes, as políticas protecionistas adotadas em uma nação podem gerar represálias comerciais, levando ao aumento dos custos de produção, incrementando os preços e impactando sobre a inflação dos países, levando as Autoridades Monetárias a adotarem políticas mais restritivas, reduzindo a quantidade de moeda em circulação e elevando as taxas de juros, com impactos generalizados sobre o investimento produtivo e, posteriormente, reduzindo a geração de emprego e da renda agregada.

O Brasil, neste cenário, caminha para momentos de grandes decisões estratégicas, que podem impactar fortemente sobre a sociedade brasileira, abrindo novos espaços e novos horizontes de comércio internacional, criando novos laços afetivos e se integrando com novos polos comerciais, produtivos e culturais, mas precisa compreender que as escolhas podem trazer novos constrangimentos políticos e econômicos, além do afastamento de investimentos estrangeiros fundamentais. As decisões exigem maturidade política para fazer as escolhas corretas e precisas, além de ampla capacidade de compreender os inúmeros desafios contemporâneos e das fragilidades internas, que podem limitar nossa capacidade de reposicionarmos na economia mundial.

Neste momento, o governo federal adota políticas efetivas para a reconstrução da indústria nacional, setor estratégico e fundamental para todas as nações e, internamente, perdeu espaço desde os anos 1990, combalida pela desastrada abertura econômica e pela adoção do câmbio como instrumento de estabilização de preços. Atualmente, as relações comerciais com os países asiáticos podem trazer grandes investimentos e novos horizontes econômicos, mas precisamos salvaguardar a estrutura produtiva, entrar numa concorrência com a indústria asiática pode ser vista como o desaparecimento por completo da indústria nacional.

Estamos num momento imprescindível para adotarmos políticas mais agressivas e ambiciosas, somos detentores de grande potencial energético, temos capacidade alimentar que poucas nações possuem e somos vistos como detentores de grande potencial produtivo e cultural. Precisamos ter a maturidade política para exigir, nos fóruns internacionais, transferências de tecnologias, sociedade com atores nacionais e atração de tecnologias para movimentarmos nosso potencial econômico e transformar nossas potencialidades para melhorarmos as condições de vida da nossa população e reduzir as desigualdades que caminham com nossa história nacional, uma trajetória de pilhagem, exploração, concentração e escravização.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.  

 

Os CEOs da terra falida, por Giovana Madalosso.

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Tem criança que sabe falar dois idiomas mas não sabe arrumar a cama

Giovana Madalosso, Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

Folha de São Paulo, 25/11/2024

É final de ano e a cidade está cheia de anúncios de escolas chamando para matrículas. Umas oferecem educação com ênfase no amanhã. Outras sugerem desenvolver no aluno o espírito de liderança. Pelo jeito, desistimos de formar cidadãos para formar CEOs. Não é só culpa das escolas: é uma demanda dos pais, preocupados em garantir um futuro de estabilidade profissional e financeira para os filhos.

Só que a vida não é uma empresa. A sociedade não cabe em um organograma. E tampouco estamos sozinhos. Aqui nesta Terra, um sonho se sonha com oito bilhões de pessoas. E uma infinidade de outros seres vivos.

A festa do Cada Um Por Si já se mostrou um fracasso. Não há pulseira VIP que nos impeça de ver a dança mórbida do capitalismo tardio, com uma minoria se refestelando com a maior parte da riqueza.

Se a propaganda da escola fosse honesta, o globo terrestre exibido na mão do aluno sorridente estaria pegando fogo. A lupa não estaria apontada para uma florzinha e sim para uma amostra de microplástico ou de corais mortos pelo calor.

Fora do muro dessas escolas, há aproximadamente oito milhões de brasileiros passando fome. Duzentas mil pessoas em situação de rua. Uma floresta prestes a virar savana. Rios sendo contaminados com mercúrio. Novos poços de petróleo sendo abertos quando mais de duzentos milhões de pessoas já se deslocam pelo mundo por causa de desastres climáticos.

O futuro brilhante vendido pela propaganda tem grande chance de ser uma distopia. E, mesmo com essa perspectiva, há quem não se importe, pensando que, como sempre, o dinheiro irá safar os seus da desgraça coletiva.

E eu só me pergunto: que altura de portão nossos filhos terão que construir para se esconder de tanta tristeza? Haja bônus e pró-labore para tanto tijolo e para tanta cerca farpada. Haja catraca e cancela para se proteger de tamanha desigualdade. Haja dique para se resguardar de uma natureza em fúria. Haja espumante para se entorpecer de tudo e tanto.

Antes nossos heróis corporativos estivessem morrendo de overdose. Estão morrendo de estresse, depressão, ansiedade, pânico, solidão, anorexia. E, mesmo assim, continuamos mirando nesses exemplos. Desviando a luneta dos nossos filhos das Três Marias para mirar nessas cadeiras. Ou numa chair bem longe daqui.

Tem criança que sabe falar dois idiomas mas não sabe arrumar a cama. Antes de qualquer coisa, deveriam aprender a limpar a casa e a escola, a observar quanto lixo cada pessoa produz, a fazer a própria comida. A não depender do outro para realizar a tarefa mais primordial que existe: cuidar de si mesmo.

Só assim mais uma geração de brasileiros não passará pelo constrangimento de estudar em uma sala de aula que só tem crianças brancas, em uma escola que só tem crianças brancas, aspirando a cargos que só são ocupados por brancos, em um país onde a maioria da população é negra e, infelizmente, em parte ainda limpa e cozinha para os outros.

É desanimador mas, por outro lado, não é. Um mundo em crise é um mundo gritando para ser refeito. Um caminho repleto de possibilidades de se agir diferente. Tenho certeza de que essa geração irá encontrar ótimas saídas, desde que tenha a chance de olhar mais para os lados, e não só para o topo.

 

BPC: Caçada aos direitos dos vulneráveis, por Ion de Andrade.

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Governo aventa corte em benefício para idosos e pessoas com deficiência na miséria – única fonte de renda para muitos. E gerará “efeito rebote” no comércio local e geração de impostos que a proteção social estimula. Vale tudo para manter o arcabouço fiscal?

Ion de Andrade – OUTRAS PALAVRAS – 28/10/2024

Recentemente a mídia repercutiu medidas do Ministério da Fazenda dando conta de um plano de cortes que penaliza brutalmente, dentre outros direitos, o BPC.

Mas o que é o BPC? O site do próprio Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome explica:

O Benefício de Prestação Continuada – BPC, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, é a garantia de um salário mínimo por mês ao idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou à pessoa com deficiência de qualquer idade. No caso da pessoa com deficiência, esta condição tem de ser capaz de lhe causar impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (com efeitos por pelo menos 2 anos), que a impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. O BPC não é aposentadoria. Para ter direito a ele, não é preciso ter contribuído para o INSS. Diferente dos benefícios previdenciários, o BPC não paga 13º salário e não deixa pensão por morte. Para ter direito ao BPC, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja igual ou menor que 1/4 do salário-mínimo.1

Noutras palavras o BPC é o benefício de R$1.412,00 pago a (a) idosos que, sempre subempregados e egressos da miséria, nunca contribuíram para a previdência e (b) portadores de deficiência que sejam pobres.

Esses brasileiros serão alvo do pente fino do Ministério da Fazenda para economizar parte dos 25,9 bilhões de reais previstos.

Vale ressaltar que há pessoas sem receber o BPC, mesmo fazendo jus a ele; por condições de não cidadania e de precariedades imensas nesse contingente populacional, incontáveis brasileiros e brasileiras, idosos miseráveis e portadores de deficiência, por vezes inclusive em situação de rua que estão invisibilizados.

Muitos dos que o recebem, reforçando essa ideia da exclusão social desses beneficiários, foram ajudados por terceiros de boa vontade, preocupados com a miserabilidade extrema daquele ser humano singular, no entanto elegível para receber o BPC.

Ora, se for subtraído do benefício dificilmente, muitos dos que o recebem atualmente reunirão novamente as condições para reivindicar a revisão da decisão negativa, pois precisarão atender a uma burocracia estatal perante a qual estão antecipadamente derrotados.

Recebendo o BPC está portanto, é bom que se diga, a federação dos excluídos e dos miseráveis, gente com distúrbios mentais, idosos que nunca contribuíram, gente que não sabe ler, pessoas simples e vulneráveis de todos os matizes, razão porque muitos dos que têm direito legal não o recebem.

A prova da existência desses invisíveis é o que nos informa o elogioso artigo da Folha de São Paulo em relação às medidas do governo, intitulado “Corte de R$ 25,9 bi prometido por Haddad prevê fim de brechas legais que impulsionaram benefícios” que foi publicado em 5 de julho de 2024, alusivo à iniciativa de cortes do governo. Diz a Folha:

“O gasto com o BPC é um dos que mais preocupam a equipe econômica. O programa tem hoje quase 6 milhões de beneficiários — dos quais 1 milhão foi incluído nos últimos dois anos. A despesa com o programa está prevista em R$ 105,1 bilhões neste ano e poderá crescer mais R$ 10 bilhões no ano que vem se nada for feito. As concessões do benefício tiveram uma aceleração considerável a partir do segundo semestre de 2022. Até então, o público do programa oscilava entre 4,6 milhões e 4,7 milhões, com pequenas variações mensais. Em julho daquele ano, o governo habilitou 93 mil novos beneficiários. No mês seguinte, mais 90 mil. Desde então, as concessões têm se mantido superiores a 50 mil por mês.”2

Ou seja, a aceleração das concessões provavelmente se deve ao fato de que o governo Lula vem identificando, através do MDS mais situações de pessoas não atendidas do que o governo Bolsonaro. A que senhor o Ministério da Fazenda serve?

Carta Capital em 20 de agosto de 2024, nos traz o que pensa o ministro responsável pela pasta sobre o assunto, arrematando o que segue:

“Não podemos correr o risco de tirar do mercado quem pode trabalhar, por uma distorção de um programa mal gerenciado.” Rever as condições do BPC é parte significativa do pacote anunciado por Haddad para cortar 25,9 bilhões de reais em gastos do governo em 2025.3

Ora, com o valor de R$1.412,00 por BPC, cada bilhão de reais amealhados por ano pelo Ministério da Fazenda implicará no corte de, segue a fórmula, (1.000.000.000/1.412,00 = 708.000 benefícios)/12 meses ou 708 mil/12 meses perfazendo 59 mil beneficiários excluídos do benefício por ano.

Isso tem implicações econômicas óbvias: o BPC, quer as famílias tenham ou não os seus dados cadastrais atualizados, conforme estabelece a lei, serve essencialmente para cobrir despesas de sobrevivência indo para a economia assim que é recebido, utilizado que é em compras de comida, medicamentos e gêneros de primeira necessidade…

Isso significa que parte das despesas do governo com o pagamento do BPC volta imediatamente aos cofres públicos, sob a forma de impostos, barateando, portanto e muito o próprio BPC.

Esse BPC barateado, volta para o governo, no entanto, não sem antes ter dado vitalidade à combalida pequena economia local do entorno da moradia dos beneficiários, pois, é a isso que servem. De fato, os beneficiários do BPC não poupam os recursos recebidos, nem o enviam como parte dos lucros ao exterior.

Ao fim do ano fiscal, portanto, aqueles R$1.412,00 investidos no consumo dos pobres e na economia local, terão sido deduzidos fiscalmente de muito do que custaram ao governo, pois terão gerado a arrecadação que está atrelada ao consumo, gerado empregos e renda, configurando um multiplicador keynesiano.

Isso significa que além dos idosos pobres e dos portadores de deficiência pobres os cortes também atingirão a padaria e o mercadinho das favelas e periferias do Brasil, produzindo desemprego e insolvência. Um golaço! Só que contra.

Por que isso está sendo feito?

Como tudo tem que ter um mínimo de legitimidade para ser levado adiante e produzir o devido consenso, o BPC tem algumas atualizações a serem feitas, sobretudo no que se refere aos benefícios pagos por ocasião da covid que talvez pudessem ser suspensos. Diz a Folha:

Um dos casos mais emblemáticos é uma portaria da época da pandemia de covid-19 que permite a concessão do BPC (Benefício de Prestação Continuada) a pessoas que não estão no Cadastro Único ou não comprovam o enquadramento no limite de renda para acessar o benefício.

A medida foi adotada no momento em que o isolamento social era necessário para conter uma doença para a qual ainda não havia vacina. Mais de um ano após a declaração do fim da emergência de saúde pública, o texto segue em vigor.

Mais adiante o artigo arremata, com a verdadeira justificativa que explica tudo:

O governo articula incluir as propostas no projeto de lei que trata da desoneração da folha de 17 setores empresariais e dos municípios de até 156 mil habitantes. O texto tem o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), como relator. Parte da economia de despesas pode inclusive ajudar a compensar o impacto das renúncias fiscais.2

Ou seja, por ser responsável do ponto de vista fiscal, e é, parabéns, o governo tem, para assegurar a sustentabilidade das renúncias fiscais com as quais está plenamente comprometido, que tirar, quanto mais melhor (por isso o pente fino cadastral) o dinheiro minguado das compras famélicas dos mais pobres dos pobres, esgarçando o já frágil tecido econômico das periferias.

Sim pois:

“O plano do governo é, no primeiro momento, convocar para atualização cadastral 900 mil beneficiários do BPC que estão há mais de quatro anos sem passar por reavaliação, bem como aqueles que estão fora do CadÚnico, acima do limite de renda ou tiveram o benefício concedido pela via judicial.”2

Vamos observar aqui que a concessão do benefício por via judicial é tomada pelo Ministério da Fazenda como graciosa, quando esse tipo de situação decorre muitas vezes da costumeira negativa do Poder Constituído de honrar benefícios para evitar os gastos públicos (em cima dos mais pobres, claro). A justiça só pode atuar a bem de assegurar um benefício garantido pela lei…

Entretanto, é claro que o controle do gasto público deve imperativamente ser feito pelo governo, não com o propósito de cortar para reduzir, mas de, sendo o caso, de cortar para garantir que os que realmente fazem jus (e como vimos, nem todos ainda foram cobertos) não sejam em qualquer circunstância prejudicados.

Portanto, se há gente recebendo e que não deveria receber, corte-se o benefício, por dever de ofício e não para ajudar a pagar as renúncias fiscais do próprio governo.

Essa auditoria prevista dos 900 mil, uma blitzkrieg, se dará portanto, para essa gente excluída de tudo, sob a espada da perda do que para muitos deles é a sua única fonte de renda!

Considerando que o propósito não é o da gestão dos direitos do programa para a garantia do que a lei estabelece, mas a da garantia dos benefícios a outro projeto social do governo (a renúncia fiscal dos ricos), estaríamos diante do constrangimento ilegal de centenas de milhares de beneficiários?

O lógico, obviamente, deveria ser o oposto, ou seja:

(a) para assegurar a continuidade do BPC e

(b) a inclusão dos novos contingentes, que fazem jus ao mesmo, mas estavam até aqui invisibilizados pela miséria e adversidade, o governo Lula fará:

(c) uma revisão dos benefícios eventualmente injustificáveis como os da COVID ou de quem recebe e tem renda mais alta e

(d) complementarmente fará também uma blitz krieg em cima das renúncias fiscais dos tais 17 setores da economia beneficiados.

Ora, além desse aparente desvio de finalidade (enxugar para beneficiar terceiros) a caça da renda de sobrevivência dessa gente, é uma grande jogada, porque se quando os orçamentos do SUS foram ameaçados os movimentos da Saúde, pintados de guerra, visitaram o Ministério da Fazenda para dizer um “vem que tem”, desse contingente o Brasil só terá notícia no cruzamento das grandes cidades onde provavelmente haverá mais idosos mendicantes, além de portadores de deficiência em cadeiras de roda implorando a caridade pública.

O pacote ainda inclui uma revisão da multa do FGTS para os demitidos sem justa causa, restrições ao Seguro Desemprego e, escrito com bom humor, também pretende limitar os super salários do funcionalismo público, o que inclui os do Judiciário.

A esquerda não foi bem nas eleições municipais, mas parece não precisar de oposição.

Notas:

1 BRASIL, MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO E ASSISTÊNCIA SOCIAL, FAMÍLIA E COMBATE À FOME, disponível em (https://www.mds.gov.br/webarquivos/assistencia_social/bpc/Perguntas%20Frequentes%20BPC.pdf)

2 Folha de São Paulo, Corte de R$ 25,9 bi prometido por Haddad prevê fim de brechas legais que impulsionaram benefícios” que foi publicado em 05 de julho de 2024 disponível em (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/07/corte-de-r-259-bi-prometido-por-haddad-preve-fim-de-brechas-legais-que-impulsionaram-beneficios.shtml)

3 Carta Capital Haddad defende rever ‘distorções’ no BPC e diz não se tratar de corte em gasto social, disponível em (https://www.cartacapital.com.br/economia/haddad-defende-rever-pagamentos-do-bpc-e-diz-nao-se-tratar-de-corte-em-gasto-social/)

 

A finalidade do trabalho, por Silvane Ortiz

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Silvane Ortiz – A Terra é Redonda – 24/11/2024

O impacto do neoliberalismo na subjetividade do trabalhador, sob a lente de Ken Loach

“Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são finalmente forçados a encarar sem ilusões a sua posição social e suas relações com os outros homens.” (Marx e Engels. Manifesto do partido comunista).

As condições das relações de trabalho, mediadas e formalizadas pelo direito, sendo ele o organizador e possibilitador da manutenção das relações de produção vigentes em determinada formação social, são índices importantes acerca da conjuntura econômico-política. É possível se depreender muito do espírito de um tempo, quando analisamos as condições das relações laborais daquele período.

No filme Sorry We Missed You (2019) de Ken Loach, conhecido diretor de obras que aprofundam questões sociais candentes, tem-se retratado o panorama do avanço do neoliberalismo (pós-fordismo) em paulatina implantação no Reino Unido desde a década de 1980, com especial atenção aos efeitos deste quanto à degeneração das políticas de bem-estar social, surgidas no período pós-Segunda Guerra Mundial. A social-democracia do período, com seus laivos humanistas, também foi uma forma de contraponto ocidental ao socialismo em desenvolvimento, sobretudo na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Sendo, então, mais uma frente na disputa ideológica crescente, que veio a deflagrar os desdobramentos do período da guerra fria.

Na obra do cineasta britânico, temos um quadro do asselvajamento do atual modo de produção neoliberal. Jogando luz no que por vezes não percebemos, por se dar de forma contínua e gradual, o filme choca ao enfocar o contexto de degradação de uma família, colapsada em seus afetos, pela materialidade de sua condição econômica.

A verossimilhança ali presente causa desconforto por conta do reconhecimento que gera em quem acaba por se reconhecer nos abusos constantes perpetrados sob a tutela dos direitos, na reprodução da sociabilidade. Fazer com que essa relação seja estabelecida e que o encoberto pelo automatismo de sua reprodução seja visto às claras, pode ser um papel da arte, quando firmemente calcada na crítica social.

A crítica ao sujeito de direito, como organizador máximo das relações sociais sob o capitalismo, remonta ao fenômeno de contratualização liberal, onde funda-se a ideia de existência de uma igualdade subjetiva entre os sujeitos, baseada na liberdade contratual. Contudo, seu garantismo formal nunca conseguiu atrelar um conteúdo de igualdade material a essa subjetividade liberal.

Mesmo em momentos de estabilidade econômica, pressuposto crasso para manutenção da estabilidade político-social sob o capitalismo, a discrepância das condições econômico-sociais enfrentadas entre quem detém ou não capital é patente. E a balança jurídico-legal, por seu construto estrutural, é tencionada a pender na maioria das vezes para o mesmo lado.

Nessa formação social, onde granjeiam campo as relações sócio-produtivas do capitalismo neoliberal, há um enfraquecimento das políticas públicas e, por extensão, do próprio Estado. E em seu lugar, nesse movimento reacionário-liberal – dicotomia na abordagem de pautas de costumes e das relacionadas à economia – o mercado é alçado a mediador máximo destas relações. E, uma vez que a legislação protetiva encontra-se rebaixada, a dignidade tende a passar ao largo de todas as relações sociais.

A estrutura da sociedade capitalista é montada para a irrefreável produção de valor. E a relação que entrega esse almejado produto é aquela derivada da venda da mercadoria que todos dispõe, de forma inata, para participar do mercado perante a lei. A força de trabalho é a mercadoria que produz, de forma germinal, o (mais) valor. Assim sendo, com a decadência do balizamento estatal para a proteção da parte mais fraca – pois descapitalizada – dessa relação de produção, a exploração máxima e descomprometida é a concretude que vigora.

Afinal, sob o estágio neoliberal do capitalismo, o trabalhador é um livre prestador de serviço, que contrata em pé de igualdade com pequenas empresas ou megacorporações transnacionais.

No contexto brasileiro isso não é diferente. As constantes reformas que deformam a legislação trabalhista, em contraponto à imutabilidade dos instrumentos que codificam as relações civis, são sinais claros da deterioração das atuais condições sociais dos trabalhadores. Institutos como a Lei 13.874/19, da liberdade econômica e, sobretudo, a lei 13.467/2017, da reforma trabalhista, são pensados e implantados para fomentar o chamado empreendedorismo – quase sempre de si, desregulamentado as relações de trabalho.

Contudo, poucas são as discussões levadas a cabo para a garantia de condições dignas aos trabalhadores e, menos ainda, àqueles que se encontram à margem da proteção conferida pela CLT. A defesa de sua normatividade é, inclusive, tida por anacrônica por alguns analistas, por sua implantação ter se dado no auge do projeto de industrialização da Era Vargas, ainda amalgamado ao ideal de bem-estar social então vicejante.

Essa desconstituição paulatina dos direitos trabalhistas ganhou um novo capítulo com a recente apresentação do Projeto de Lei Complementar nº 12/24, para a regulação das atividades de motoristas por aplicativos. No PL apresentado pelo governo, tem-se replicado o conteúdo proposto pelos representantes das plataformas. O que, portanto, acaba por conferir chancela legal à precarização das condições destes trabalhadores, que ficam, assim, de pronto, reconhecidos como trabalhadores autônomos, abrindo margem para a crescente plataformização do trabalho.

Pois, uma vez reconhecida a inexistência de vínculo trabalhista entre motorista e plataforma, o que passa a subsistir é uma relação de intermediação, o que não guarda lastro na concretude da subordinação do trabalhador à plataforma. E isso configura mais um passo no caminho que vem sendo pavimentado para o esvaziamento da Justiça do Trabalho. Essa desfaçatez do caráter trabalhista de tais relações acabam por retirar de seu foro, lides de cunho evidentemente trabalhista.

Não à toa, com a insegurança gerada por relações de trabalho a cada dia mais instáveis e asselvajadas, as doenças emocionais são o mal que assola o nosso tempo – tempo esse absolutamente líquido, com jornadas sem início ou fim. Esse sujeito acelerado, progressivamente individualizado, quase convertido em pleno autômato, deixa de ver sentido nos laços que o conformam como ser social. E sem horizonte de mudança, não repara na absurdez de ter a vida centrada em relações sociais mediadas pela forma mercadoria (fôrma matriz) e suas derivações.

Estas relações tornam-se, então, assimiladas e são reproduzidas como a realidade da vida, o que acaba realizando o estulto mantra neoliberal de que a sociedade trata de uma ficção. O que passa a existir, concretamente, é o indivíduo e este sofre os sintomas de uma sociedade fantasmagórica.

O que se pode depreender dessa análise é que a real ficção resta na crença de que o ser humano, historicamente entendido como animal que somente prosperou como espécie por sua natureza social e mutualista, pode viver – vida aqui conceituada por um fazer-existir balizado para muito além de uma concepção de utilidade – em um sistema que tem por premissa estruturante a concorrência predatória entre os homens e sua predação concorrente sobre a natureza.

*Silvane Ortiz é graduanda na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Referências

ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão. São Paulo: Boitempo, 2018.

ANTUNES, Ricardo. Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0. São Paulo: Boitempo, 2020.

FAUSTINO, Deivison. LIPPOLD, Walter. Colonialismo Digital. São Paulo: Boitempo, 2023.

FISHER, Mark. Realismo Capitalista. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.

KRENAK, Ailton. A Vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

MARX, Karl. O Capital: crítica da Economia Política. Livro 1. São Paulo: Boitempo, 2013.

SORRY we missed you. Direção: Ken Loach. Produção: Sixteen Films, France 2, Canal +, Le Films du Fleuve. Reino Unido. Le Pacte, Entertainment One. 2019. Amazon Prime.

 

Para onde caminha a humanidade? por Márcia Castro

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Janela de oportunidade para a virada da chave climática ainda está aberta

Márcia Castro, Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

Folha de São Paulo, 23/11/2024

Nas últimas duas semanas, dois fóruns multilaterais, o G20 e a Conferência do Clima (COP 29), pautaram agendas sobre mudanças climáticas. No centro das discussões estava o apoio financeiro para que países em desenvolvimento implementem medidas de adaptação.

Um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, publicado neste mês, mostra uma lacuna no atual financiamento concedido por países desenvolvidos para implementação de ações de adaptação em países em desenvolvimento.

A estimativa feita por um grupo de 130 países em desenvolvimento é que é necessário US$ 1,3 trilhão. A Declaração de Líderes de Rio de Janeiro ressalta a necessidade de aumentar o financiamento climático de bilhões para trilhões.

Entretanto, as negociações na COP29 não parecem chegar a um consenso, já que números propostos pelos países desenvolvidos giram em torno de US$ 200 a 300 bilhões.

A contradição entre documentos de dois fóruns multilaterais que ocorreram concomitantemente questiona o real compromisso ou capacidade de líderes em cumprir aquilo que assinam. Basta ver o Acordo de Paris.

Um relatório publicado neste mês mostra que, sem mudanças nas atuais metas climáticas, podemos chegar a um aumento de 2,7°C (em relação aos níveis pré-industriais) até 2100. Para que a meta de 1,5°C do Acordo de Paris seja alcançada, o Brasil precisa reduzir suas emissões em cerca de 85% abaixo dos níveis de 2005 até 2035.

Essa redução seria de 25% se não houvesse emissões associadas ao uso da terra e incêndios florestais. Fica nítida a importância da preservação ambiental.

A meta climática divulgada pelo governo brasileiro na COP29, entretanto, está abaixo do necessário. O governo propôs reduzir emissões entre 59% e 67% abaixo dos níveis de 2005 até 2035.

Além de metas climáticas abaixo do esperado, mudanças de liderança em nações podem reverter compromissos previamente assumidos. Não deveriam, afinal são questões que afetam toda a humanidade.

Por exemplo, com a eleição de Donald Trump nos EUA, participação na COP, mobilização em torno de metas climáticas e muito mais serão deixadas de lado. Essa postura não afetará apenas os Estados Unidos, mas todo o planeta, e pode levar outras nações a desacelerarem suas metas climáticas.

Em um cenário em que os EUA se ausentem das discussões (apesar de ser o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo), União Europeia, China e Brasil precisam se unir e assumir a liderança.

A COP30 será em Belém, capital do Pará. Ainda não se sabe quem presidirá o evento.

Paira a dúvida de como Belém vai acomodar o número esperado de participantes (de 50 a 80 mil). Atualmente, a capacidade hoteleira da cidade é de pouco mais de 12 mil leitos.

Além disso, o Pará é o campeão de desmatamento e garimpo ilegal na Amazônia. E, em breve, Belém abrigará a maior refinaria de ouro do país, a North Star, cujos grandes acionistas são acusados ou já foram condenados por comércio ilegal de ouro, segundo reportagem do site Pará Terra Boa.

Incoerências gigantescas.

De nada adiantará mais um evento com “belos” discursos e acordos não cumpridos.

A janela de oportunidade para a virada da chave climática ainda está aberta. Mas o vento para fechá-la não para de soprar.

 

Jayati Ghosh: Como, agora, taxar os super-ricos?

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 Proposta brasileira foi aprovada por consenso no G20. E agora? Haverá fuga de capitais? E os paraísos fiscais? Como enfrentar declarações fraudulentas? Economista indiana explica os mecanismos para tributar, e redistribuir, 250 bilhões de dólares ao ano

Entrevista à Andy Robinson, OUTRAS MÍDIAS, 22/11/2024

A cúpula do G20, que se realizada nos dias 18 e 19 de novembro sob a presidência brasileira no Rio de Janeiro, está prestes a chegar a um consenso sobre uma proposta ousada de aplicação de um imposto sobre a riqueza ou o rendimento dos chamados “super ricos” do planeta, uma das prioridades do Governo Lula. Se isto acontecer, os Estados poderão ter entre 200 e 250 bilhões de dólares em rendimentos adicionais em todo o mundo. Neste momento, como destacou Lula no seu discurso no início da cúpula, 3 mil pessoas têm uma riqueza superior a 13 bilhões de dólares – mais do que o PIB agregado da América e da América Latina – enquanto 733 milhões de pessoas passam fome. Apenas um dos 19 países reunidos esta semana se opõe à proposta: a Argentina, cujo presidente, Javier Milei, chegou ao Rio após participar do banquete oferecido por Donald Trump em sua residência em Mar-a-Lago, em Palm Beach, para comemorar sua vitória e em que foi fotografado com o apresentador e com o homem mais rico do mundo, Elon Musk.

Nesta entrevista, realizada no mês passado em Washington, a economista Jayati Ghosh, uma das promotoras da ideia do imposto para os super-ricos, explica porque é necessário e como seria concebido. Nascida na Índia em 1955, Ghosh é uma especialista em desenvolvimento da escola heterodoxa, que após 35 anos na Universidade Jawaharlal Nehru, em Deli, ingressou no departamento iconoclasta de Ciências Econômicas da Universidade de Amherst, em Massachusetts, juntamente com Bob Pollin e Isabella Weber.

Eis a entrevista

Como você definiria o termo super rico?

Pois bem, Gabriel Zucman, da Escola de Economia de Paris, que elaborou o relatório sobre o imposto para o G20 no Brasil, propôs aplicá-lo aos bilionários. Mas existem apenas 3 mil bilionários em todo o mundo. Então eu diria que seria para pessoas com 70 ou 50 milhões. Estamos falando de pessoas muito, muito, muito ricas.

Quantos impostos os super-ricos pagam?

Menos que nós. Jeff Bezos, por exemplo, não paga um centavo de imposto de renda. Todos os super-ricos têm consultores fiscais e contabilísticos que os aconselham a contrair dívidas de consumo para pagar juros dedutíveis de impostos e registrar perdas. Deixe-os declarar ganhos de capital não realizados. Então eles não pagam impostos. Existem estudos rigorosos sobre o assunto nos EUA, Canadá e França. E, para os super-ricos, verifica-se que a taxa média de imposto está entre zero e 0,5%. Compare isso com os impostos que você e eu pagamos.

O imposto sobre os super-ricos seria cobrado em cada país separadamente, certo?

Sim. Seriam impostos totalmente nacionais. Temos que gerar nossos próprios recursos fiscais. Os governos de todo o mundo precisam desesperadamente deles. Especialmente países em desenvolvimento como o meu, onde a desigualdade é obscena. Precisamos dele para a proteção social, para o desenvolvimento, para as alterações climáticas. Para tudo. E sabemos que a riqueza, o patrimônio, está distribuído de forma extremamente desigual, ainda mais que o rendimento.

Os bilionários já estão entrando diretamente no poder político.

Sim. A riqueza vem com o poder. Uma vez rico, você terá muito poder para o bem social e econômico. Você pode influenciar governos, comprar uma plataforma de mídia porque gosta da ideia e depois mudá-la da maneira que desejar. Você pode voar para a lua se quiser. Isso é muito poder. Portanto, temos de moderar esse excesso de poder que provém do excesso de riqueza.

Como se explica o aumento da riqueza dos super-ricos?

Nada justifica este excesso de riqueza. Não é resultado da produtividade, mas sim das instituições que criamos. E a razão pela qual a situação está piorando é que os super-ricos podem influenciar essas mesmas instituições para as mudarem a seu gosto. Portanto, por muitas razões, um imposto sobre a riqueza é muito importante.

Há muito apoio à proposta?

É enorme. Houve uma pesquisa do Clube de Roma, do qual sou membro. Fizemos um estudo com a Gallup e 68% das pessoas entrevistadas em 17 países da OCDE apoiam um imposto sobre os super-ricos. Apenas 11% acham que é uma má ideia. Na Índia, o apoio foi de 80% porque temos níveis francamente obscenos de desigualdade de riqueza.

Então qual é a ideia?

Cada super-rico deveria pagar um mínimo de 2% de sua riqueza como impostos. Isso não significa que seja um imposto sobre a riqueza. Pode ser tributado sobre rendimentos de dividendos ou sobre algum outro ganho de capital não realizado. Como tributamos não importa. Quer dizer, existem diferentes maneiras de fazer isso, em diferentes contextos. O FMI acredita que é melhor tributar o rendimento do capital do que a riqueza. E não tenho nenhum problema com isso. A questão principal é que os super-ricos devem pagar 2% dos seus ativos. O economista francês Gabriel Zucman afirmou isso no relatório que preparou para o governo brasileiro visando a sua presidência do G20. Faz parte da agenda brasileira do G20.

Existe algum precedente?

Sim. A ideia é a mesma da taxa mínima de imposto sobre as sociedades de 15% que foi aprovada na OCDE. Isto serve para contrariar o truque empresarial de transferir os lucros das multinacionais para paraísos fiscais. Você sabe, quando, por exemplo, o Google diz ao governo espanhol: “Sinto muito. Eu não gero nenhum lucro em seu país. Tenho que pagar royalties sobre a propriedade intelectual e isso vai para a Irlanda. É uma pena, mas não posso pagar impostos aqui.” E a Irlanda tem uma taxa de imposto muito baixa, apenas 12,5%. É a famosa tática. Mas com o novo plano adotado pela OCDE, o país onde essa empresa opera pode dizer: “Tudo bem, mas se pagar apenas 12,5% na Irlanda, vamos tributar-lhe os restantes 2,5% aqui”.

E o mesmo sistema se aplicaria a indivíduos com alto patrimônio líquido e às empresas, correto?

Sim. É a mesma ideia aplicada aos indivíduos. Ou seja, o princípio deste imposto mínimo foi aceito pela OCDE para as empresas. Também deve ser feito para pessoas super ricas.

Como isso seria aplicado aos indivíduos?

A ideia é esta: que cada país aplique um imposto mínimo de 2% sobre a riqueza dos super-ricos. Se disserem que todo o seu dinheiro está nas Ilhas Cayman, bem, o país onde você reside diz: “Mas você não está pagando nenhum imposto nas Ilhas Cayman, então, de acordo com os novos regulamentos, posso tributar 2% de seus ativos.”

Não haveria problemas com mudanças e fuga de capitais?

Não, porque o Zucman tem outra ideia, que acho muito boa. É verdade que você costuma fazer isso e todo mundo ameaça se mudar. Está ocorrendo na Inglaterra neste momento com o fim do regime “non dom” (residentes temporários). Portanto, Zucman propõe um imposto de saída com base no tempo de permanência no país e na quantidade de riqueza que acumulou enquanto esteve nesse país. Em outras palavras, os super-ricos têm que pagar mesmo que saiam do país.

Mas como seria aplicado um imposto de saída?

Vejamos o caso de Gérard Depardieu. Você se lembra que em 2012 ele se mudou para a Bélgica porque achava que a taxa de imposto francesa era muito alta? Na medida em que ainda tenha alguns negócios em França, essa taxa de partida seria aplicada se quisesse regressar a Paris, por exemplo, para jantar. Antes de regressar à Bélgica, teria de pagar.

Como é que o G20 vai implementar isto?

Já sabe que as cúpulas do G20 são locais onde as pessoas mais falam do que agem. E tudo bem porque é melhor conversar do que ir para a guerra. Mas isso não leva necessariamente a nada. No entanto, o que aconteceu globalmente é que ocorreram duas grandes mudanças. Uma delas foi em 2016, quando conseguimos a troca automática de informações bancárias. 142 países assinaram. Todas as informações bancárias são trocadas automaticamente entre jurisdições fiscais. Muitos paraísos fiscais ficaram de fora; Os Estados Unidos ficaram de fora. Mas isso é o suficiente para começar.

Qual é a outra mudança?

Conseguimos, graças à União Africana, um acordo para criar uma convenção fiscal da ONU. O que é uma grande conquista. Sim. Isso não significa que todos os países terão de implementar os mesmos impostos. Estabelecer apenas os princípios nos quais as leis fiscais podem se basear. Então é uma espécie de harmonização. A transferência de lucros e tudo isso vai ficar muito mais difícil. São avanços muito importantes.

O que resta fazer?

São grandes avanços e o imposto para os super-ricos será outro. Mas os super-ricos não tendem a guardar dinheiro em seus próprios nomes. Eles usam relações de confiança. Portanto, precisamos de registros de ativos que identifiquem os proprietários beneficiários de todos os trustes. Normalmente, o truste é controlado por seu contador ou advogado. A UE introduziu esse regulamento, onde é necessário identificar o beneficiário efetivo. O problema é que eles não compartilham as informações com outras pessoas. Assim, se um bilionário na Índia tiver um truste, a UE poderá saber quem é o beneficiário efetivo. Mas o governo indiano não saberá. Precisamos compartilhar. Cada país deve fazer este registro de ativos e depois partilhar essa informação. Se as pessoas soubessem, exigiriam isso. Não há barulho suficiente sobre isso. Deve ser melhor comunicado. E este é o trabalho de meios de comunicação como o seu.

 

China X EUA

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Neste espaço, analisamos algumas das grandes transformações da sociedade internacional, destacando as mudanças nos modelos de negócios, transformações motivadas pelos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, modificações no mundo do trabalho e as grandes agitações da lógica geopolítica, onde encontramos um novo confronto entre duas grandes nações, ambas vislumbrando a hegemonia do século XXI, buscando o domínio das estruturas econômicas e políticas. Neste novo século, encontramos uma rivalidade crescente entre os Estados Unidos e a China, deste conflito perceberemos o nascimento de uma nova sociedade global.

A hegemonia norte-americana foi incontestável no período pós segunda guerra mundial, onde os Estados Unidos liderou a recuperação da economia internacional, injetando bilhões de dólares nas estruturas econômicas ocidentais, exportando seu modelo produtivo, levando suas empresas para todas as regiões do mundo, internacionalizando seus valores centrados na concorrência, no individualismo e no imediatismo, liderando a construção de organizações multilaterais, tais como o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional, além de outras agências mundiais e impondo à sociedade global a sua moeda como o instrumento monetário e financeiro, transformando o dólar na moeda mais importante do mundo, responsável pelos fluxos comerciais e financeiros globais, garantindo para os Estados Unidos um privilégio exorbitante.

Nos anos 1980, a sociedade chinesa começa um processo de reestruturação interna, abertura econômica, centralização política, com forte planejamento do Estado Nacional, com grandes estímulos nos setores exportadores, centrados em políticas industriais ativas, atraindo interesses estrangeiros e exigindo a transferência de tecnologias para reestruturar os seus modelos econômicas e produtivos, ao mesmo tempo, o governo nacional incrementou os investimentos em educação, pesquisa científica e o desenvolvimento de novas tecnologias, copiando produtos, aprendendo modelos e aprimorando setores econômicos, ganhando mercados externos, com fortes estímulos fiscais e financeiros, levando a economia chinesa a crescer de forma acelerada e se transformando na indústria do mundo.

Na contemporaneidade, percebemos o embate entre dois grandes atores econômicos globais. A China se transformou na indústria do mundo, detentora de grandes tecnologias, retirando mais de 800 milhões de pessoas da indigência, um recorde global, além de criar empresas transnacionais que crescem de forma acelerada e é vista como uma nação marcada por grande disciplina, flexibilidade, autoconhecimento e grande capacidade de transformação nacional. Do outro lado, encontramos uma nação dividida, com forte crescimento das desigualdades, dotada de grande potencial bélico e militar, forte desenvolvimento tecnológico, detentora da moeda mais importante das finanças globais, que vem recorrendo ao protecionismo comercial como forma de evitar o crescimento do grande rival global e evitando a perda de espaço na economia internacional.

Neste ambiente de confrontos geopolíticos, o Brasil precisa compreender a importância de adotarmos uma política externa pragmática, flexível e responsável, fortalecendo a autonomia nacional e consolidando sua soberania política, conversando com todos as nações, negociando com todos os atores internacionais, fortalecendo seu setor industrial, participando dos fóruns globais, exigindo transferências de tecnologias, atraindo grandes empresas estrangeiras em parceria com conglomerados nacionais, fortalecendo a política industrial, incrementando os investimentos em educação, saúde, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, reduzindo a dependência externa e fortalecendo setores inovadores e que apresentam grande potencial de desenvolvimento econômico.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário