Carta aberta ao Conselho Monetário Nacional, por Vários autores.

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Meta de inflação excessivamente baixa coloca pressão adicional sobre setores cujos preços não apresentam essa rigidez; propomos mudar de 3% para 4%

Folha de São Paulo, 16/10/2024

VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

Nos anos de 2021 e 2022 a inflação anual atingiu, respectivamente, 10% e 5,8%, fazendo com que, em 2023, no início de um novo governo, houvesse grande cautela quanto à revisão da meta de inflação. O descontrole dos preços produz distorções econômicas e sociais.

Passados quase dois anos, porém, a meta de 3% está se mostrando disfuncional. Há no mundo um consenso de que o objetivo econômico de estabilidade de preços não corresponde a uma inflação zero, mas, sim, a uma inflação suficientemente baixa. A reflexão sobre qual número representa esse conceito deve ser encarada com naturalidade.

O saudável funcionamento de uma economia de mercado requer que exista flexibilidade para a variação de preços relativos. Entretanto diferentes países carregam diferentes legados de rigidez e indexação. Na economia brasileira ainda há muitos resquícios de indexação formais e informais, como no caso conhecido de aluguéis residenciais.

Em uma economia na qual os conjuntos de preços rígidos para baixo ou indexados à inflação passada correspondam a uma parcela importante dos índices de preços, uma meta de inflação excessivamente baixa coloca uma pressão adicional sobre os setores cujos preços não apresentem essa rigidez. Mais especificamente, para a inflação de serviços e preços monitorados cair de forma mais significativa, seria necessária uma economia mais desindexada.

A dificuldade em levar a inflação a 3% no Brasil consiste em que, mesmo com as taxas de juros reais elevadíssimas —atualmente entre 6% e 7%—, o consenso de mercado aponta que a inflação será de 4% em 2025, 3,6% em 2026 e 3,5% em 2027. Ou seja, não se trata de uma postura leniente do Banco Central, mas sim de uma resistência objetiva do sistema de preços do país.

Desde o início do regime de metas de inflação, em 1999, são raríssimos os períodos em que a inflação situou-se abaixo de 3%; em geral, isso só ocorreu quando o desemprego era bastante elevado. Soma-se a isso os efeitos da crise climática, com impactos sobre energia e alimentos, dificultando ainda mais a redução da inflação para este patamar.

A meta de inflação de 3% mostra-se assim excessivamente baixa para uma economia com as características da brasileira. Persistir com a atual meta requereria uma taxa de desemprego desnecessariamente elevada e manutenção de juros altos por tempo excessivo, com efeitos negativos sobre os indicadores sociais, o endividamento das famílias, a taxa de investimento e o crescimento econômico de longo prazo.

Assim, propomos que a meta de inflação passe de 3% para 4%, de modo a permitir um crescimento mais equilibrado da economia brasileira —sem abrir mão, todavia, do objetivo da estabilidade de preços.

As discussões sobre política monetária podem envolver diferenças teóricas e em relação a arcabouços de gestão monetária e mesmo quanto a prioridades dos objetivos de tal política. Esta carta não trata disso, mas propõe apenas um ajuste técnico dentro do arcabouço vigente; um ajuste pequeno e viável, mas necessário e de grande importância.

Luiz Gonzaga Belluzzo
IE/Unicamp

Carmem Feijó
UFF

Demian Fiocca
FEA/USP

Fernando Ferrari Filho
FCE/UFRGS

Gilberto Tadeu Lima
FEA/USP

Leda Paulani
FEA/USP

Lena Lavinas
IE/UFRJ

Luiz Fernando de Paula
IE/UFRJ

Nelson Marconi
Eaesp/FGV

 

O avesso da pele, de Jeferson Tenório

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 Por Marcos Rolim – Extra Classe – 15/03/2022

O Avesso da Pele permite compreender como é ser negro no Brasil, de uma forma como poucas vezes se conseguiu fazer. Nesse particular, talvez não estejamos apenas diante de um ótimo romance, mas de uma obra de importância histórica”

Desde o seu lançamento pela Companhia das Letras, em 2020, o livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, já recebeu várias resenhas elogiosas, além do reconhecimento nos meios literários brasileiros, tendo sido o grande vencedor do Prêmio Jabuti de 2021. Por que, então, retomar essa obra? Bem, os motivos são vários, mas o mais importante deles é que o tema do livro constitui um dos desafios centrais da civilização brasileira e, nesse sentido, podemos e devemos voltar a ele muitas vezes, para que mais pessoas descubram a prosa contundente e terna de Tenório, para que mais leitores possam ter o mesmo impacto de olhar o mundo pela perspectiva daqueles que são permanentemente deslocados do direito e do reconhecimento.

Avesso da Pele permite compreender como é ser negro no Brasil, de uma forma como poucas vezes se conseguiu fazer. Nesse particular, talvez não estejamos apenas diante de um ótimo romance, mas de uma obra de importância histórica, notadamente se tivermos presente a realidade cultural do Rio Grande do Sul, em que as contribuições das culturas de matriz africana têm sido sistematicamente desconsideradas, quando não apagadas pelo discurso oficial.

O romance reconstitui a trajetória de uma família negra, até a morte de Henrique, professor universitário, em uma estúpida ação policial. Nesse percurso, além das dificuldades vividas pelos personagens, temos o desvendamento de diferentes manifestações do racismo em situações do cotidiano, desde passagens que mostram o preconceito na linguagem, até a violência aberta, o que nos oferece um espelho dolorido onde é impossível não nos vermos. Nós, os leitores brancos, estamos ali o tempo todo; em cada comentário racista que já presenciamos e calamos; em cada ausência de pessoas negras que não nos perturbou; em cada surpresa diante de uma pessoa negra ocupando uma posição de destaque; em cada sentimento de medo diante dos riscos reais ou imaginários nas ruas; em cada desconhecimento sobre ações afirmativas e em cada idiotice repetida sobre “racismo reverso” e outros mitos que transitam pelos labirintos da irreflexão.

O racismo, ao contrário do que se consolidou no senso comum, não pode ser compreendido como a expressão de ações ou valores assumidos por “pessoas racistas”. Muito além do mal que, eventualmente, pessoas racistas podem produzir, o racismo é uma estrutura da sociedade brasileira, tão operante quanto outras como a desigualdade social, por exemplo. No centro do racismo estrutural, há a noção de “outridade”, como utilizada por Grada Kilomba, como materialização dos significados reprimidos da sociedade branca. Nesse processo, a pessoa negra é percebida como “a diferente”, como “a outra”, o que lhe assegura imediatamente o espaço da intrusa, como alguém “fora do lugar”. O negro/a negra são o outro da branquitude, sendo, na verdade, definidos por ela, porque as pessoas só se percebem negras quando nomeadas como tal, o que pressupõe relações sociais em que há o poder dessa designação. Chimamanda Ngozi Adichie, em Americanah, traduz essa noção pela protagonista do romance que só passou a se conceber como negra quando foi morar nos Estados Unidos. Antes disso, vivendo na Nigéria, era apenas uma pessoa como todas as demais. Nós, os brancos, não nos concebemos como brancos, porque vivemos em uma sociedade em que nossa cor nos assegura privilégios, e esse é um processo que dispensa pessoas racistas, porque se nutre de uma estrutura social racista.

Jeferson Tenório constrói seu enredo com uma linguagem cristalina, com a qual vai mostrando a saga de pessoas negras sempre em movimento e que, mesmo sendo parte do universo da inclusão social, como integrantes das classes médias, seguem expostas ao preconceito e às possibilidades trágicas da violência. O “avesso” diz respeito àquilo que o pai, Henrique, possui de substancialmente humano e, por extensão, àquilo que todas as pessoas negras – no lado inverso das características racializadas – são como pessoas.

Além da história, como ocorre com as grandes obras, o texto de Tenório agrega um potencial reflexivo autônomo a partir de determinadas “janelas”. Assim, por exemplo, na página 85, o narrador assinala: “Quando uma pessoa branca nos elogia, nunca saberemos se aquilo é sincero, ou apenas uma espécie de piedade, ou para não se sentir culpada, ou mesmo para não ser acusada de racismo. Não sabemos avaliar nosso fracasso. Porque é tentador atribuir todas as nossas fraquezas e nossas falhas ao racismo”. Para, logo adiante, concluir: “E essa é a perversidade do racismo. Porque ele simplesmente te impede de visitar os próprios infernos”. Há outros momentos luminosos como esse, em que a história respira para que o autor possa trançar suas próprias ferramentas teóricas.

No momento em que o Brasil testemunha a reiteração da brutalidade racial e a naturalização do assassinato de corpos negros e indígenas, resultados cada vez mais decorrentes de uma necropolítica, o livro de Tenório adquire um significado ainda maior, como arte transformadora, expressão do casamento da beleza com a promessa emancipatória.

Marcos Rolim é jornalista, doutor em Sociologia. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

 

Equívocos da crítica à financeirização, por Fernando Nogueira da Costa

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 A Terra é Redonda – 14/10/2024

Uma crítica mais bem fundamentada requereria considerar não apenas aspectos negativos, mas também benefícios potenciais da dita “financeirização”

A literatura de denúncia crítica à “financeirização” — o processo pelo qual os mercados, as instituições e as motivações financeiras se tornariam predominantes na economia — questiona os efeitos do crescimento do classificado por ela como “setor” financeiro (e não um sistema econômico-financeiro emergente de interações entre todos os agentes econômicos) sobre a produção, distribuição de renda e desigualdade. Alguns equívocos ou simplificações são frequentes nas abordagens críticas à financeirização e merecem, por sua vez, ser criticados.

Um erro comum é supor a financeirização se referir simplesmente ao aumento do tamanho do setor (sic) financeiro em relação à economia real, isto é, o setor produtivo para os denunciantes. A crítica, demonstrando preconceito moralista ou religioso medieval (antes da Teologia da Prosperidade), trata qualquer crescimento nas atividades financeiras como inerentemente negativo.

Ora, desde quando foi emergindo o sistema capitalista, a partir de fundações de bancos para financiar o comércio – a Casa di San Giorgio, fundada em 1406 na cidade de Gênova, na Itália, um importante centro comercial no início da Renascença, é considerada a primeira instituição financeira dessa história ocidental –, houve a interpenetração do capital financeiro em outras atividades econômicas, incluindo empresas não financeiras, famílias, governos e o “exterior”.

O crescimento dos mercados financeiros e o recurso aos instrumentos financeiros não são, por si só, problemáticos. Eles produzem bons resultados econômicos ao permitir maior liquidez, diversificação e proteção (por exemplo, via hedge cambial) de riscos, além de financiamento para alavancagem financeira de investimentos produtivos. A soma de recursos de terceiros aos recursos próprios resulta em maior economia de escala. O novo lucro operacional, superando as despesas financeiras, propicia maior rentabilidade patrimonial sobre o capital próprio.

No entanto, os críticos contumazes acham a financeirização favorecer a acumulação de capital financeiro às custas da produção real. Essa visão subestima o papel crucial do sistema financeiro na intermediação de recursos entre poupadores e investidores. Ao mobilizar a poupança aplicada em investimentos financeiros (fontes de funding) em direção a crédito para empreendimentos produtivos, o sistema financeiro é fundamental para o crescimento econômico.

A financeirização, analisada em sua dimensão positiva, permite a mais segura alocação de capital, com a avaliação de riscos ao financiar inovações e o desenvolvimento de novas tecnologias. É necessário diferenciar entre a negociação de ativos existentes (estoque de patrimônios privados) e a criação de ativos novos, geradores de empregos e fluxos de renda. Ambos acontecem de maneira cíclica.

Quando o valor de mercado não bem fundamentado cai abaixo do custo de produzir novos ativos, o crescimento estanca, em depressão, devido a esse custo de oportunidade. Quando o valor de mercado de ativos existentes volta a superar o custo de produção de ativos novos, a economia retoma o crescimento. Atos voluntários de todos os agentes resultam nesse ciclo econômico.

Muitas análises críticas da financeirização tratam o fenômeno como algo autônomo, ignorando sua relação com o processo de globalização econômica. Na realidade, a financeirização está profundamente interligada com a globalização, por esta ter ampliado os fluxos de capital entre fronteiras e facilitado a participação acionária de estrangeiros, destacadamente investidores institucionais como fundos de pensão de trabalhadores ou fundos de investimentos de famílias.

Desconsiderar essa relação global resulta em uma visão limitada das causas e efeitos da financeirização na economia contemporânea. Parte dela é uma resposta à necessidade de gestão de riscos, em um ambiente globalizado, onde empresas e governos enfrentam pressões para se proteger diante flutuações cambiais, crises de crédito e volatilidade de mercados internacionais.

Um problema monetário difícil de superar é a dupla assimetria cambial: moeda nacional apreciada (barateadora de importação) diante outra moeda nacional depreciada (favorável à exportação) como a da China. Evita a inflação importada no Brasil, mas as indústrias transnacionais aqui instaladas não conseguem gerar aumentos de produtividade capazes de superar as vantagens de preço conferidas por altos diferenciais de câmbio entre as moedas dos países.

Outro equívoco recorrente é achar todas as empresas não financeiras adotarem a financeirização de maneira homogênea, supostamente priorizando a maximização de valor para os acionistas em detrimento de investimentos produtivos. Essa dinâmica varia amplamente entre setores produtivos e tipos de empresas, por exemplo, familiares fechadas ou sociedades abertas.

Empresas multinacionais utilizam estratégias financeiras avançadas como hedge cambial ou gestão de fluxo de caixa sem comprometer investimentos produtivos. Portanto, reduzir a financeirização corporativa à simples priorização de dividendos ou recompra de ações ignora as necessidades de complexas interações entre estratégias financeiras e decisões produtivas na economia globalizada como onde é vantajoso produzir máquinas e equipamentos e onde importá-los.

É comum a crítica atribuir à financeirização a um avanço no aumento da desigualdade socioeconômica. A pobreza (carência de fluxo de renda) é superável, mas a desigualdade em termos de acumulação de estoque de riqueza não é.

Esta desigualdade é resultado de múltiplos fatores, por exemplo, desigualdade educacional, mudanças tecnológicas, fases de vida com tempo de acumulação de juros compostos, heranças etc. A financeirização contribui para a concentração de riqueza entre os detentores de capital, mas é resultante do incentivo ao trabalho, em sociedade capitalista, ser o acúmulo de reservas financeiras para a aposentadoria e o pagamento de cuidadores da demência sofrida na velhice.

Além disso, a financeirização permite o acesso ao crédito para famílias adquirir moradias e veículos e/ou empreender em pequenas empresas. Oferece oportunidades de mobilidade social e desenvolvimento humano.

Muitas abordagens críticas focam apenas nos bancos e nas empresas, negligenciando o fato de a financeirização envolver famílias e consumidores como participantes ativos, especialmente, por meio do crédito ao consumo, financiamento imobiliário e investimentos pessoais. A conquista da cidadania financeira aumentou o acesso das famílias a crédito, gestão do dinheiro com produtos financeiros e sistemas de pagamentos, ampliando o bem-estar social.

A crítica muitas vezes simplifica o conceito de financeirização, associando-o exclusivamente à especulação e à criação de bolhas de ativos. Embora esses fenômenos ocorram, a financeirização também inclui a criação de mecanismos de gestão de risco, como derivativos, para estabilização dos fluxos de capital.

Focar apenas no aspecto especulativo ignora os avanços positivos em termos de inovação financeira para melhorar a capacidade de gestão de risco das empresas e governos. A visão puramente negativa da financeirização obscurece a razão.

As críticas à financeirização tratam o sistema financeiro como uma entidade monolítica. No entanto, ele é composto por uma variedade de instituições (bancos comerciais, bancos de investimento, fundos de pensão, seguradoras, fintechs etc.), cada qual operando de formas distintas e com diferentes incentivos. Essa diversidade é ignorada ao tratar tudo como fosse um único fenômeno.

Além disso, o comportamento financeiro varia de acordo com as estruturas regulatórias e culturais de diferentes países. Países com sistemas financeiros mais regulados, como Alemanha ou Japão, apresentam uma relação diferente entre o setor financeiro e a economia real, em comparação com economias mais liberalizadas, como a da economia de mercado de capitais dos Estados Unidos.

A crítica à financeirização fica perplexa diante os efeitos potencialmente desestabilizadores ou cíclicos de um sistema econômico-financeiro, especialmente quanto à especulação descolada de fundamentos, crises de inadimplência no crédito e aumento da desigualdade com enriquecimento financeiro.

Há vários equívocos recorrentes ao simplificar a complexidade do fenômeno, como confundir financeirização com a simples expansão do sistema financeiro, subestimar o papel positivo da intermediação financeira, e ignorar a diversidade de comportamentos entre empresas, famílias, governos, instituições financeiras e economia globalizada.

Uma crítica mais bem fundamentada requereria considerar não apenas aspectos negativos, mas também benefícios potenciais da dita “financeirização”, especialmente quando adequadamente regulada e supervisionada pelo Banco Central. Em economia capitalista, não é possível encontrar um equilíbrio contínuo entre inovação financeira e estabilidade econômica, mitigando os riscos sistêmicos, ao restringir o papel positivo dos instrumentos financeiros na economia. A vida financeira é cíclica e difícil. É necessário saber lidar com ela…

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP).

 

Dia dos professores!

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Nesta data comemoramos o Dia dos Professores.

Neste momento recebemos inúmeras homenagens pelas redes sociais, mensagens que mostram a importância e a centralidade da profissão dos professores na sociedade contemporânea.

Sabemos da relevância do profissional da educação e do conhecimento, vivemos numa sociedade que muitos especialistas descrevem como a Era do Conhecimento, onde a educação é fundamental para o desenvolvimento do ser humano, mas neste cenário, percebemos que entre o discurso e a prática encontramos um grande hiato.

As grandes descobertas do conhecimento pavimentaram espaços sagrados do desenvolvimento da tecnologia, novos produtos, mercadorias e bens estão circulando na sociedade mundial, com avanços da logística internacional, dos novos modelos de negócios e dos novos materiais que estão revolucionando as sociedades e as comunidades locais e regionais.

Vivemos numa sociedade em que poucos querem aprender, poucos querem encarar o desafio do conhecimento, poucos querem fazer esforços continuados para alçar novos espaços profissionais, na maioria os cidadãos querem colher sem esforço, querem uma boa condição financeira sem se debruçar na busca do conhecimento humano, da ciência e das reflexões críticas.

Invejamos os chamados empreendedores dotados de grande mérito e resiliência, que seus casos circulam todos os dias nos meios de comunicação, sendo estudo de caso de sucesso e de perseverança, mas nos esquecemos dos milhares de indivíduos que se esforçam cotidianamente e não conseguem acesso aos espaços do enriquecimento, de fama e de projeção social. Diante disso, para onde estamos caminhando com essas escolhas cotidianas….

Todas as nações que conseguiram alçar espaços de desenvolvimento econômico fizeram, antes de mais nada com fortes investimentos em educação e formação de mão-de-obra qualificada e altamente capacitada, neste momento que percebemos a relevância do professor, como educador, como exemplo e como instrumento de capacitação da sociedade, garantindo condições dignas e decentes para os cidadãos e novas formas perspectivas para um futuro imediato, marcado por incertezas crescentes e grandes instabilidades.

Algumas nações, infelizmente, não conseguiram compreender o papel central da educação e do professor neste cenário, como forma de construir cidadãos, adotando políticas de degradação dos salários dos profissionais da educação, afugentando profissionais altamente qualificados para outras atividades, criando bônus inatingíveis, cargas horárias de trabalhos escorchantes, situações inóspitas de trabalhos e condições indignas, com isso, a educação perde sua relevância social e contribuem ativamente para a perpetuação das desigualdades sociais.

Neste momento, embora recebamos inúmeras mensagens de estímulos e valorização, os professores se encontram num momento inóspito para a categoria, nosso sindicato perde relevância todos os momentos, o poder do capital destrói os instrumentos de solidariedade, transformando trabalhadores que brigam uns com os outros, deixando rastros de desesperança, de rancores e ressentimentos… Triste as nações que perdem as capacidades de construir sonhos e desenvolver esperanças, estamos caminhando a passos largos a degradações morais. A educação tem condição de melhorar o ambiente e criar novos espaços de desenvolvimento civilizacional, nunca esqueçamos disso!

Ary Ramos da Silva Júnior, Doutor em Sociologia e professor universitário a vinte sete anos.

 

 

 

 

Riqueza é distribuída pelo mérito ou pelo privilégio? por Michael França

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Parte considerável da alocação dos recursos pouco tem a ver com o trabalho duro

Michael França, Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford

Folha de São Paulo, 15/10/2024

A vida não é apenas o que você faz, mas também de onde você começou. Imagine um jovem que cresceu em um bairro rico, com escolas de qualidade, desfrutando de bons contatos e amplo apoio financeiro.

Agora pense em outro que nasceu em uma família pobre, frequentou escolas ruins e está imerso em um ambiente que pouco contribui para seu desenvolvimento pessoal. Esses dois jovens podem ter os mesmos sonhos e a mesma capacidade, mas as probabilidades estão fundamentalmente a favor de um deles.

A questão é que esse tipo de vantagem não é conquistada, ela é herdada. Isso não significa que muitos daqueles que estão em uma posição favorecida não se esforçaram. No entanto, significa que eles tiveram um empurrãozinho a mais. E, enquanto chamarmos essa vantagem de “meritocracia”, estaremos negligenciando as verdadeiras forças das desigualdades que moldam nossas vidas.

Grande parte dos recursos não é distribuída com base no esforço individual. Ela é distribuída por um sistema que, por décadas e gerações, favoreceu alguns em detrimento de outros. A isso chamamos de privilégio.

Mas não me entendam mal. O mérito é importante. A ética do trabalho é importante. Contudo precisamos reconhecer que as portas do progresso nunca foram realmente abertas para os brasileiros que perderam na loteria do nascimento. Precisamos admitir que essas portas não dependem de o quão forte você bate, mas de quem segurava as chaves desde o começo.

Apesar disso, algumas vezes ouvimos histórias sobre pessoas que conseguiram superar adversidades e realizar grandes feitos. E não há dúvidas de que essas pessoas são admiráveis. Elas nos inspiram, mostrando o poder da resiliência e do esforço. No entanto, precisamos ser honestos e encarar a realidade.

A realidade é que, para cada história de sucesso que ouvimos, existem milhares que não tiveram a mesma sorte. Há milhares que deram o melhor de si e trabalharam duro, mas enfrentaram dificuldades que os deixaram pelo caminho.

Quando alguém consegue avançar, devemos celebrar. Porém também precisamos lembrar que essas pessoas são a exceção, não a regra. Quando olhamos apenas para as exceções, estamos nos enganando. E um país que se engana nunca conseguirá progredir.

Se focarmos apenas nas poucas histórias de sucesso, correremos o risco de ignorar os muitos que ficaram para trás. Estamos falando aqui de milhares de mulheres e homens talentosos, jovens cheios de sonhos, que não conseguiram alcançar seu potencial. E não foi por falta de vontade.

O verdadeiro desafio de uma nação não é produzir alguns exemplos para dizer que o sistema funciona. O desafio é reformar o sistema para que ele funcione para todos. Para que não precisemos mais nos contentar com as poucas histórias de exceção, mas possamos nos orgulhar da construção de um país onde qualquer um, independentemente do local de nascimento, tenha as mesmas chances de sucesso em suas escolhas.

 

China – qual socialismo? por Elias Jabbour

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 A Terra é Redonda – 20/07/2021

Considerações sobre a natureza da formação econômico-social chinesa.

A natureza do processo de desenvolvimento chinês por si é motivo de imensas e apaixonadas polêmicas, sendo a principal delas a que se refere à natureza de sua formação econômico-social. Socialismo ou capitalismo. Não seria demais advertir que a colocação da questão nestes termos não tem sentido marxista, pois se remete mais ao “princípio da identidade” de Kant do que à “correlação múltipla dos fenômenos”.

Uma realidade não é capitalista ou socialista à priori. Ela é fruto da combinação de diferentes modos de produção coetâneos, mas não contemporâneos dando forma e conteúdo a formações sociais específicas. O socialismo de mercado chinês, a nós, seria uma tipologia nova de formações econômico-sociais.

Tomar a realidade partindo deste nível de abstração demanda visão de processo histórico como antídoto aos famosos “check-lists” positivistas que encerram a velha mania da ciência social ocidental (incluindo os influenciados por Marx) de buscar classificar e organizar critérios para todo fenômeno diante de si. O contrário seria o correto: o conceito se realiza no movimento real. Neste sentido não seria nenhum exagero afirmar que a China, e o movimento que seu processo de desenvolvimento encerra, acumula material suficiente para voltarmos a problematizar o socialismo em termos dialéticos, por dentro do real e não como um ideal abstrato.

No fundo a questão não é refazer o que Marx (não) fez quando o assunto é socialismo. O problema é encontrarmos a forma histórica presente mais próxima daquilo que ele definiu um dia como socialismo (superação da divisão social do trabalho, abolição das classes e da propriedade privada). O preço a se pagar politicamente por se fixar em arquétipos é muito alto.

É o preço de se esquivar diante da realidade que devemos transformar. O que na verdade os comunistas chineses estão conseguindo com muita capacidade. De país mais pobre do mundo em 1949 ao fim da pobreza extrema em um país com as peculiaridades geográficas e diferenciais regionais de produtividade não é algo qualquer. Talvez seja o maior feito da história humana em séculos. Fruto de uma força política chamada Partido Comunista e que reivindica a si o comando de um processo que eles dão o nome de socialismo.

Voltando à questão da natureza da formação econômico-social chinesa. O critério primário para isso é o poder político. Encontrar alguma formação econômico-social onde o poder político está comprometido e dispõe dos elementos essenciais para alcançar determinados objetivos. Poder político não se exprime em “novas relações sociais de produção”. Poder político se exprime em novas relações de propriedade. O banimento de Hegel no ocidente levou a uma apropriação utopista do marxismo feita por acadêmicos e marxistas ocidentais. Ao colocar o pensamento à frente da matéria, percebe-se que uma nova sociedade já nasce sob bases próprias, ou relações sociais avançadas na primeira hora. Quando na verdade a grande questão é a base material que serve de suporte ao poder político.

Trata-se de uma forma sútil de negar a política e se refugiar no “ardil do conceito” hegeliano. Novas relações sociais não surgem fora dos marcos da propriedade pública e essa propriedade deve ter um grau de produtividade do trabalho maior que a propriedade privada. O próprio Marx nos adverte sobre o fato de novas relações sociais não surgirem sem antes as forças produtivas que a sustentam não terem se esgotado. Do ponto de vista político impor relações sociais novas em forças produtivas inexistentes abre campo à reação e ao fascismo. Mas esse é um outro ponto, do qual poderemos nos concentrar em outro momento tamanha a sua importância.

Muitos dos problemas do socialismo decorrem desta forma equivocada, tomando a nuvem por Juno. O papel do poder político de novo tipo é elevar o grau das forças produtivas, montar uma muralha de aço para sua autodefesa. As relações de produção têm relação de efeito a este movimento. Trata-se de pontos interessantes para começar a pensar a China como uma gigantesca experiência socialista.

Por exemplo, por que não pensar na grande empresa ou corporação empresarial estatal mediada e voltada para grandes tarefas postas pelo Partido Comunista como uma interessante forma histórica de propriedade? E como caracterizar uma formação econômico-social onde o núcleo da economia é este tipo de propriedade (no caso chinês, 96 conglomerados empresariais estatais)?

E onde é este tipo de propriedade a geradora dos ciclos de acumulação na economia em oposição às formações econômico-sociais de tipo capitalista onde o Estado induz, mas é o setor privado o gerador destes ciclos? As possibilidades abertas por um poder exercido pelo Partido Comunista baseado na grande produção e finanças estatais não seria uma forma histórica orientada a superação de antigas formas, baseadas na grande propriedade privada? Ou nos refugiaremos no “super-trunfo” para quem os problemas do socialismo se resolvem, à priori (nada positivista…) com “poder operário” e “democracia”?

Nos últimos 20 anos a China construiu cerca de 40 mil quilômetros de trens de alta velocidade. Ao lado disso tecnologias disruptivas (plataforma 5G, Big Data e Inteligência Artificial) surgidas no seio dos grandes conglomerados empresariais estatais elevaram em demasia a capacidade de planificação do Estado chinês. Em outras palavras: elevou-se a capacidade humana de intervir na natureza, o que significa mudança qualitativa no modo de produção dominante àquela formação econômico-social com o surgimento de novas regularidades a serem decifradas pela ciência social moderna. A China, literalmente, arrasta para frente a fronteira das ciências humanas e sociais.

Pensar em termos científicos a formação econômico-social chinesa passa necessariamente pela apreensão do fato de diferentes modos de produção coabitarem em uma verdadeira unidade de contrários. O socialismo enquanto forma histórica que se realiza na grande propriedade pública e na planificação em nível superior não está alheios às contradições de ordem capitalista que por ali coexistem. Fetiche da mercadoria, consumismo, surgimento de bilionários e precarização do trabalho são fenômenos reais, não imaginários.

Talvez são estas contradições que servem de motor ao surgimento de novas soluções políticas e econômicas a determinadas questões. A elevação da regulação estatal sobre as fintechs e a aceleração de compras de ativos de empresas privada pelo Estado não demonstra somente ação política. Em movimento significa o próprio surgimento de novas formas históricas de propriedade não previstas em nenhum manual.

Finalizando esta breve discussão, fica uma questão e uma breve resposta. Qual a forma histórica correspondente ao socialismo em nosso tempo apontada pela experiência chinesa? Não tenho dúvidas que a elevação da capacidade de planificar a economia e basear a planificação no sentido de elaborar e executar grandes projetos pode ser a chave que nos encaminhe para um socialismo que tem na razão uma forma histórica em oposição à irracionalidade capitalista. Não estaríamos ressuscitando o velho Ignacio Rangel e observando na China o surgimento de uma “Nova Economia do Projetamento”? O projeto de uma ponte, viaduto ou milhares de linhas de trens de alta velocidade não passam de uma operação contábil ou em sua essência não estaria a realização do socialismo enquanto transformação da razão em instrumento de governo?

O socialismo é uma ciência. E como ciência devemos encará-lo. Ou não?

*Elias Jabbour é professor dos Programas de pós-graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ. Autor, entre outros livros, de China Hoje – Projeto Nacional Desenvolvimento e Socialismo de Mercado (Anita Garibaldi).

 

O mito do desenvolvimento econômico, por Luiz Carlos Bresser-Pereira

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A Terra é Redonda – 13/10/2024

Considerações sobre o livro de Celso Furtado.

Em 1974, quando Celso Furtado publicou O mito do desenvolvimento econômico, ele estava preocupado com o problema dos recursos naturais não-renováveis que estabeleciam um limite para o crescimento da renda e do consumo no mundo – preocupação que se apoiava no livro recém-publicado, The limits of growth, preparado por um grupo interdisciplinar do M.I.T. para o Clube de Roma.[i]

No primeiro ensaio, que é também o mais importante do livro, o autor discute as mudanças que vêm ocorrendo no capitalismo e, em particular, o papel das grandes empresas, as corporações, nesse capitalismo. Mas esta discussão tem como objetivo mostrar como o caminho do desenvolvimento capitalista estava se transformando em um mito.

Logo no início do livro, Celso Furtado cita mitos como o do bon sauvage de Rousseau, a ideia do desaparecimento do Estado de Marx, a concepção walrasiana do equilíbrio geral, e afirma que “os mitos operam como faróis que iluminam o campo de percepção do cientista social, permitindo-lhe ter uma visão clara de certos problemas e nada ver de outros, ao mesmo tempo que lhes proporciona conforto, pois as discriminações valorativas que realiza surgem ao seu espírito como um reflexo da realidade objetiva” (p. 15).

A questão que Celso Furtado se põe é o que acontecerá para e economia mundial se o desenvolvimento econômico, que desde a Segunda Guerra Mundial se tornou o objetivo para o qual se voltam todos os povos, vier a ser bem-sucedido e lograr estabelecer um padrão de vida semelhante ao existente no mundo rico para todos. E sua resposta é clara: “se tal acontecesse a pressão sobre os recursos não-renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem que o sistema econômico mundial entraria necessariamente em colapso” (p. 19). Bastaria substituir ‘poluição’ por ‘aquecimento global’ e o problema se agravaria muito.

Para ele, seria ingênuo acreditar que o progresso tecnológico resolveria o problema. Sua aceleração está antes o agravando do que o resolvendo.

Para Celso Furtado, o capitalismo que surgiu depois da Segunda Guerra Mundial caracterizou-se pela unificação do centro, sob o comando dos Estados Unidos. Já se esboçava então, pela ação persistente do GATT, o processo de liberalização comercial que ganharia força total com a virada neoliberal de 1980. Ele observa que “não pode se afirmar que as transformações estruturais que então aconteciam hajam sido desejadas e muito menos planejadas pelos centros econômicos e políticos dos Estados Unidos” (p. 36). Foram antes pensadas, acrescentaria eu, por economistas neoclássicos e da escola austríaca que haviam ficado fora do mainstream acadêmico em 1930, ansiavam pela volta ao poder nas universidades. Eles encontraram um espaço favorável criado pela crise dos anos 1970.

Celso Furtado dá grande importância ao surgimento das grandes empresas internacionais e suas novas relações com a periferia. Ele afirma que “a evolução do sistema capitalista, no último quarto de século, caracterizou-se pela homogeneização e integração do centro, um distanciamento crescente entre o centro e a periferia e uma ampliação considerável do fosso que, dentro da periferia, separa uma minoria privilegiada e as grandes massas da população” (p. 46).

O pós-guerra foi um período de crescimento no centro e na periferia. “A intensidade do crescimento no centro condiciona a orientação da industrialização na periferia, pois as minorias privilegiadas desta última procuram reproduzir o estilo de vida do centro” (p. 46). Esta é uma afirmação que Celso Furtado repetirá muitas vezes em toda a sua obra. Para conquistar e manter esse privilégio, estas minorias passarem a se associar antes com a maioria privilegiada do centro do que com seus concidadãos. Dessa maneira, perdido o apoio da classe média e mesmo dos empresários industriais, o nacionalismo econômico ou desenvolvimentismo, que caracterizara o Brasil desde os anos 1930, começava a ser ameaçado.

Mas Celso Furtado está então mais preocupado com a pressão que o desenvolvimento no centro e na periferia estava fazendo sobre os recursos não-renováveis. Esta pressão decorre principalmente do consumo crescente de toda a população. Ele faz, então, uma série de cálculos sobre o montante desse consumo nos anos 1970 – nos quais ele estava.

Preocupa-se com a tendência da minoria privilegiada na periferia que representava 5% da população de mudar para 10%, e preocupa-se muito mais com a hipótese da homogeneização do consumo para todo o mundo. “A hipótese de generalização, no conjunto do sistema capitalista, das formas de consumo hoje prevalescentes nos países cêntricos não tem cabimento dentro das possibilidades evolutivas aparentes desse sistema… O custo, em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de o generalizar levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização” (p. 75).

É a partir daí que Celso Furtado conclui que o desenvolvimento econômico é um mito. “Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que ia o atual centro do regime capitalista. Cabe, portanto, afirmar que a ideia do desenvolvimento econômico é um simples mito” (p. 75).

Note-se que o mito não é o próprio desenvolvimento econômico, mas a “ideia” de que o desenvolvimento incluindo o alcançamento possível para os países da periferia do capitalismo. Esta ideia é uma parte importante da ideologia neoliberal que o centro transfere para a periferia. Se o Sul Global adotar o liberalismo econômico e rejeitar o desenvolvimentismo, ele estaria no caminho do melhor dos mundos possíveis do Dr. Pangloss.

Não estaria Celso Furtado sendo pessimista nessa matéria? Creio que sim. Para chegar à sua conclusão, ele se baseou em uma hipótese que não está se realizando e não terá condições de se realizar. Um grande número de países não está realizando o alcançamento (o catching up) aos níveis de desenvolvimento do centro. Desta maneira, a ideia de que todos os países se desenvolveriam e alcançariam o nível dos mais desenvolvidos, que é a base do seu argumento sobre o mito, jamais se realizarão.

Não importa aqui discutir as causas desse fracasso; afirmo apenas que elas incluem o imperialismo do Norte Global e sua determinação de impedir que os países periféricos se industrializem e realizem o alcançamento. Além disso, é preciso considerar que, passados 50 anos, os recursos naturais reprodutivos não deram sinal de esgotamento não obstante os abusos a que foram submetidos.

O desenvolvimento econômico não é, portanto, um mito, mas uma ideia força que orienta os povos e os governos. Ele continua a ser possível – ou continuava na época em que Celso Furtado escreveu. Depois disso, porém, surgiu um novo e muito grave problema que talvez confirme o limite ao crescimento: o aquecimento global, que representa uma ameaça à sobrevivência da humanidade. Este problema surgiu do aumento da produção global por habitante – do desenvolvimento econômico, portanto.

E levou certo número de intelectuais a defender o decrescimento. Mas essa tese não encontrou nenhuma repercussão no mundo político. Porque mesmo nos países ricos há ainda muito pobres. E também por uma razão objetiva; para lutar contra o aquecimento global os indivíduos precisam mudar seus hábitos de consumo (comer menos carne, viajar menos, cultivar sobriedade no consumo), que não exigem investimentos.

Já os países precisam fazer grandes investimentos na transição energética na mudança das máquinas, equipamentos e imóveis para que consumam menos energia. O desenvolvimento econômico torna-se, assim, o instrumento para o problema – o aquecimento global – que ele próprio criou.

Celso Furtado foi o maior dos economistas brasileiros, ainda que suas ideias tenham deixado de coincidir com a política econômica que passou a ser praticada no Brasil a partir de 1990, no governo Collor, quando este promoveu a abertura econômica e a financeira. Seu protesto surgiu cedo, com seu livro de 1992, A construção interrompida.

Dez anos depois, para explicar como o desenvolvimento econômico foi então interrompido, eu e um grupo de economistas brasileiros começamos a definir o “novo desenvolvimentismo”, uma nova teoria econômica e economia política baseada no desenvolvimentismo estruturalista de Celso Furtado e na teoria econômica pós-keynesiana. Para nós o desenvolvimento econômico não é um mito; é algo que pode ser alcançado. Já a ideia do desenvolvimento é um mito porque o alcançamento que o mito propõe estar acontecendo não está na verdade se realizando, exceto em alguns países do Leste, Sudeste e Sul da Ásia.

*Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Autor, entre outros livros, de Em busca do desenvolvimento perdido: um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (Ed. FGV)

 

Tributos, uma questão política.

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Neste momento, o governo brasileiro está preparando um projeto de lei para taxas os milionários, com alíquotas entre 12% a 15% que vai impactar fortemente no bolso dos detentores de grandes fortunas, algo em torno de 250 mil pessoas que conseguiram esta isenção tributária, isenção esta que contribuiu e contribui fortemente para aumentar seus ganhos e suas fortunas e, ao mesmo tempo, evitando que o governo nacional aumente sua arrecadação.

Especialistas em tributação calculam que mais de R$ 1,6 trilhão de pessoas físicas isentas de pagamentos de impostos, garantindo a poucos brasileiros esse benefício que não existe em nações civilizadas e que contribuem ativamente para que o sistema tributário nacional fosse regressivo, beneficiando poucos cidadãos em detrimento de uma grande massa da população do país.

O Brasil criou um instrumento legal, pouco original e imoral para garantir isenções tributárias que degradam o sistema tributário nacional, este benefício foi oficializado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, gerando ganhos substanciais, garantindo aplausos dos donos do poder, que contribuiu ativamente para concentrar a renda e aumentar os índices de desigualdades sociais.

Embora, entendamos que esta medida é urgente e deveria ser tomada com urgência, acreditamos que o governo deveria ser mais ousado na defesa desta tese, usando toda sua força política para garantir que este projeto se transforme em realidade, angariando grandes somas monetárias e financeiras para investir num conjunto de medidas que melhorem as condições de vida dos grupos mais pauperizados, que infelizmente cresce de forma acelerada.

Vale destacar, que muito menos uma Presidenta da República, eleita e reeleita legitimamente foi impedida de governar, neste cenário, percebemos que se faz necessário conscientizar a população para proteger estas medidas tributárias que visam dar mais progressividade ao sistema tributário nacional e garantir melhoras substanciais para os desfavorecidos.

 

Grau de investimento

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Muitos economistas com formação mais ortodoxas destacam as dificuldades fiscais do governo brasileiro, destacando o crescimento dos gastos públicos, a chamada “farra fiscal” e fazem críticas severas aos condutores da política econômica, exigindo a resolução de desequilíbrios históricos num curto espaço de tempo, deixando de lado análises técnicas e nos concentrando em visões puramente ideológicas, acreditando na livre concorrência e no equilíbrio do mercado, criando e difundindo uma realidade enviesada, individualista e concentrada no curto prazo.

Na atualidade, percebemos indicadores econômicos positivos na economia nacional, forte crescimento do PIB neste segundo trimestre, deflação de 0,02% em agosto, arrecadação federal crescendo 9,5% em termos reais no decorrer do ano, aumento significativo do emprego e da renda agregada, incremento das exportações e aumento dos superávits comerciais, melhora das contas externas e incremento das reservas internacionais.

Neste cenário, a Moody’s, uma das três grandes agências de classificação de risco, as duas outras são a Fitch e a Standard & Poors, que orientam os investidores no momento de alocação de recursos financeiros, aumentou a nota da economia brasileira, aproximando-a do chamado grau de investimento, um verdadeiro selo positivo concedido pelas empresas que classificam os riscos soberanos, garantindo a solvência deste investimento e mostrando, no mercado financeiro global, que esse agente econômico tem capacidade de endividamento, condições de pagamento e boas perspectivas para o futuro. Neste momento de grandes intempéries na sociedade mundial, marcado por guerras crescentes e conflitos monetários entre nações que buscam a hegemonia global, este selo chancelado pela agência Moody’s traz grande alívio para os detentores do título do Brasil.

Embora saibamos que o Brasil precisa urgentemente transformar sua estrutura econômica e produtiva, com fortes investimentos em infraestruturas material e imaterial, o incremento da nota brasileira deveria ser vista como algo positiva e, auxiliar na compreensão dos grandes e reais desafios para a sociedade nacional, deixando de lado discussões equivocadas e estimulando as políticas mais consistentes para configurar uma nova economia, mais próxima dos anseios e compromissos do século XXI, centrado na automatização, na inteligência artificial e no mundo digital que estão dominando as economias globais, deixando de lado investimentos que permearam a economia brasileira dos séculos anteriores mas, que ainda controlam fortemente as estruturas de poder que perpetua uma visão atrasada e reacionária do Brasil contemporâneo.

A economia brasileira vem passando por grandes alterações, a melhora da nota por uma agência de classificação de risco nos traz horizontes positivos, perspectivas de taxas de juros menores e prazos mais elevados, desta forma, a entrada destes recursos podem auxiliar nos grandes desafios econômicos nacionais, melhorando na transição energética, na descarbonização produtiva e consolidando um papel estratégico na sociedade global, fortalecendo nossa autonomia energética e, ao mesmo tempo, investindo mais fortemente para garantir uma soberania tecnológica que nunca tivemos, historicamente somos sempre importadores de tecnologias e exportadores de produtos primários de baixo valor agregado. Quem sabe, neste momento de grandes transformações na estrutura produtiva mundial, o Brasil consegue enxergar instrumentos para melhorar a nossa inserção global e voltarmos a cultivar o sonho do desenvolvimento.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Gestor Financeiro, Especialista em Economia Comportamental, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

Por que os EUA apostam nas armas? por Breno Altman

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Dinâmica da acumulação capitalista se degrada em extrema concentração de renda e riqueza, empobrecimento de trabalhadores e colapso ambiental

Breno Altman, Jornalista, é fundador do site Opera Mundi.

Folha de São Paulo, 10/10/2024

O mundo vive a crise da ordem estabelecida em 1991, após o colapso da União Soviética e a quebra do campo socialista. Vencida a Guerra Fria, os Estados Unidos conquistaram a hegemonia planetária em todos os terrenos: militar, político, econômico e cultural.

Parecia tão indestrutível esse novo contexto que, para muitos, fazia todo o sentido a afirmação de Francis Fukuyama, renomado cientista político norte-americano: chegara-se ao “fim da história”, não haveria alternativa além da democracia liberal e da economia de mercado.

Trinta anos depois, esse horizonte de pedra está abalado. Os Estados Unidos lutam para manter seu comando, acantonados por fatores degenerativos internos e externos. A dinâmica da acumulação capitalista se degrada em extrema concentração de renda e riqueza, empobrecimento das classes trabalhadoras, colapso ambiental e adoecimento físico-mental. O regime político perde legitimidade e funcionalidade, dissociado de qualquer perspectiva sustentável de prosperidade. A coesão social se desfaz a olhos vistos.

Apesar das imensas reservas de poder, os EUA acompanham seu protagonismo ser ameaçado pelo desenvolvimento chinês, cuja aceleração seduz países de quase todos os continentes. Novas articulações e instituições multipolares, além de nações e blocos ambicionando autonomia, despontam à margem da arquitetura imperialista erigida após a Segunda Guerra. Dois dos pilares hegemônicos fundamentais são confrontados: a dominância do dólar nos fluxos financeiros e o monopólio da guerra sobre as relações internacionais.

Uma coalizão heterogênea de Estados vai sendo tecida para superar a ordem pós-soviética. A coluna vertebral dessa aliança está na crescente associação entre a pujança econômica da China e o reerguimento do exército russo. Torna-se cada vez mais difícil a manutenção do modelo copérnico estabelecido no final do século 20, pelo qual todas as nações deveriam girar ao redor de um centro único ou sofrer as consequências por qualquer indisciplina.

O certo é que as classes dirigentes dos EUA estão decididas a pagar qualquer preço para impedir que a decadência se transforme em bancarrota. Contam com a solidariedade incondicional de seus vassalos, especialmente europeus e japoneses, para uma luta de vida ou morte.

Mas não é na economia que o Ocidente imaginário localiza sua principal plataforma de sobrevivência, mas sim na guerra. Seus dirigentes acreditam que ainda conservam posição predominante no aspecto militar, capaz de impor limites a seus oponentes, além de impulsionar um dos setores mais lucrativos, o complexo bélico-industrial.

A sustentação da Ucrânia e do Estado de Israel, armados até os dentes pelos Estados Unidos e a União Europeia, comprova a opção de incentivar potências regionais como cabeças de ponte que ajudem a preservar ou conquistar, na marra, liderança sobre zonas estratégicas.

No outono de sua hegemonia, a Casa Branca empurra a humanidade para a beira do precipício. Sem ilusões com republicanos e democratas, somente uma firme posição anti-imperialista, em defesa da paz e da soberania, poderá livrar países como o Brasil de acabarem sequestrados por um sistema que prefere a guerra e a destruição como mapa da estrada.