Os invisíveis

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A pandemia está mostrando as marcas das violências que existem na sociedade brasileira, o incremento das desigualdades sociais, o crescimento do desemprego, as desilusões mais íntimas e o aumento dos chamados invisíveis, pessoas que sobrevivem em situação de degradação social, pessoas vivendo nas ruas, comendo alimentos estragados e sem condições sanitárias dignas. Vivemos uma verdadeira contradição, de um lado uma grande parte da população em péssimas condições de vida e, de outro lado, um país marcado por riquezas incalculáveis, espaço geográfico e meio ambiente exuberantes. Vivemos num país que se destaca como o celeiro do mundo, responsável pela produção de grande quantidade de alimentos, alimentando uma parte substancial da população global, mas que mantém, ainda e recorrentemente, uma grande leva de cidadãos na fome e na indignidade.

Os invisíveis brasileiros estão sem ocupação, estão longe dos centros financeiros e dos condomínios de luxo, são pessoas que se alimentam de forma precária, pessoas desesperançadas que percebem do Estado apenas as mãos da repressão, recebendo educação e saúde degradadas, se utilizando de postinhos cheios e sucateados, pessoas esquecidas por uma elite degradada e predatória e uma classe política que se lembra da população mais carente nos momentos eleitorais, fazendo promessas e criando um universo paralelo, distante da maior parte da população. Nesta invisibilidade brasileira destacamos mais de 38 milhões de pessoas, contingente cada vez mais distante do desenvolvimento econômico. Neste momento, estamos cada vez mais próximos dos pelotões intermediários do desenvolvimento, atualmente os dados nos mostram que caímos para 12® lugar dentre as maiores economias do mundo.

A pandemia desmascarou a desigualdade brasileira, muitas pessoas estão acreditando que somos pobres e miseráveis, ledo engano, somos um país rico e dotado de grandes riquezas naturais e uma população empreendedora, somos dotados de sonhos e carecemos de oportunidades. Necessitamos de investimentos públicos em todos os rincões do país, educação de qualidade, estimulando as habilidades socioemocionais, fomentando o pensamento crítico, a diversidade, o respeito pela ciência e pela pesquisa científica.

Precisamos investir na construção de uma sociedade melhor e mais solidária, não apenas a poucos afortunados, dotados de sobrenomes pomposos e heranças garantidas e investimentos improdutivos. Precisamos garantir recursos públicos para os grupos mais fragilizados e garantir serviços para os mais vulneráveis, sabemos que os recursos são escassos, mas para os grupos econômicos os recursos sempre aparecem e aumentam seus lucros e enriquecem seus detentores. Na pandemia percebemos que os grandes desafios deste país são políticos, num mundo marcado pelo desenvolvimento tecnológico e da era da informação, percebemos que para superar as dificuldades precisamos construir um consenso em prol da vida e da solidariedade, deixando os interesses mesquinhos e pensarmos nos grupos mais degradados.

Neste momento estamos próximos de uma convulsão social, as mortes se sucedem em escalas colossais, os pobres e os miseráveis crescem de forma acelerada. A revista Fortune, publicada recentemente, destacou o crescimento do número de bilionários brasileiros, que cresceram de 45 para 65 pessoas, em plena pandemia seus patrimônios cresceram, ao mesmo tempo em que o país ruma para sermos um pária mundial, sem vacinas, sem alimentos, sem perspectivas e sem governos.

A pandemia exige decisões emergenciais, a crise econômica desagregou as cadeias produtivas, levando muitas indústrias a interromperem sua produção. Neste momento, precisamos reconstruir os laços sociais, incrementando o emprego, estimulando os investimentos produtivos e retomando a economia, sem estes, dificilmente conseguiremos nos reconstruir como nação, num momento de desalento, indignidade e desesperança.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Especialista em Economia, Mestre, Doutor em Sociologia/Unesp e Professor Universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 14/04/2021.

EUA precisam empoderar trabalhadores novamente, por Paul Krugman.

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Os sindicatos não são obsoletos, e precisamos recuperá-los

PAUL KRUGMAN – THE NEW YORK TIMES – PUBLICADO NO UOL – 12/04/2021.

Os ativistas pró-trabalhadores esperavam que a votação sobre a sindicalização no armazém da Amazon em Bessemer, no Alabama, fosse um ponto de inflexão, uma inversão na tendência de décadas de declínio dos sindicatos. O que a votação mostrou, porém, foi a persistente eficácia das táticas usadas repetidamente pelos empregadores para derrotar os esforços de organização.

Mas os defensores dos sindicatos não devem desistir. O ambiente político que deu espaço livre aos patrões antissindicais pode estar mudando —o declínio da sindicalização foi acima de tudo político, e não uma consequência necessária de uma economia em transformação. E os EUA precisam de um renascimento sindical se quisermos ter alguma esperança de inverter a espiral de desigualdade.

Comecemos falando sobre por que a afiliação aos sindicatos diminuiu, em primeiro lugar, e por que ainda é possível esperar um renascimento.

Os Estados Unidos já tiveram um poderoso movimento trabalhista. A afiliação aos sindicatos cresceu muito entre 1934 e o fim da Segunda Guerra Mundial. Nos anos 1950, aproximadamente um terço dos trabalhadores não agrícolas eram sindicalizados. Ainda em 1980 os sindicatos representavam aproximadamente um quarto da força de trabalho. E os sindicatos fortes tinham um grande impacto mesmo sobre os trabalhadores não sindicalizados, definindo normas de pagamento e colocando os empregadores antissindicais sob aviso de que deviam tratar seus empregados relativamente bem ou enfrentariam o movimento organizado.

Mas a participação nos sindicatos despencou, especialmente no setor privado, durante os anos 1980, e continuou caindo desde então.

Por que isso aconteceu? Muitas vezes encontro afirmativas de que o declínio foi inevitável diante da automação e da globalização —basicamente, que os sindicatos não podiam conseguir salários mais altos quando os patrões tinham a opção de substituir trabalhadores arrogantes por robôs ou mudar a produção para o exterior. Mas a evidência sugere outra coisa.

Apesar de falarmos muito sobre robôs hoje em dia, o progresso tecnológico foi na verdade mais rápido durante a maré alta da sindicalização do que nos últimos anos; a produção por trabalhador-hora aumentou duas vezes mais depressa de 1947 a 1973 do que depois de 2007. Isso não impediu os sindicatos de terem uma grande influência nos salários.

O impacto da globalização também é frequentemente exagerado. Cerca de três quartos do emprego nos países avançados são em atividades que não podem ser transferidas para outros países, proporção que não mudou muito com o tempo.

Na verdade, a Amazon é um caso típico: enquanto muitos dos produtos que se podem comprar online são importados, a posição de mercado da Amazon repousa sobre um enorme sistema de armazéns —como o de Bessemer— que empregam centenas de milhares de trabalhadores. E esses armazéns não podem ser transferidos para o exterior; seu objetivo é manter os estoques próximos dos grandes mercados, para que a Amazon possa entregar as coisas em poucos dias.

Se o setor de serviços fosse sindicalizado, os empregadores não achariam fácil substituir trabalhadores empoderados por robôs ou produção offshore. De fato, outras economias avançadas como a Dinamarca, que são tão globalizadas quanto nós, ainda têm forças de trabalho amplamente sindicalizadas; até o Canadá mantém um movimento sindical muito maior que o nosso.

Por que os sindicatos são tão fracos nos EUA? Enquanto os detalhes são discutíveis, a política americana deu uma virada rápida contra os sindicatos sob Ronald Reagan, incentivando os empregadores a jogar duro contra os sindicalistas. Isso significou que, enquanto o centro de gravidade da economia americana mudava da manufatura para os serviços, os trabalhadores nos setores em crescimento ficaram amplamente desorganizados.

E esse declínio na sindicalização teve consequências terríveis. Em seu momento áureo, os sindicatos foram uma força poderosa a favor da igualdade; sua influência reduziu a desigualdade geral dos salários e também reduziu as disparidades salariais associadas a diferentes níveis de educação e até à raça. O aumento da afiliação aos sindicatos parece ter sido um fator chave na “Grande Compressão”, a rápida redução da desigualdade que ocorreu entre meados dos anos 1930 e 1945, transformando os EUA em um país de classe média.

Inversamente, o declínio dos sindicatos teve um grande papel no aumento da desigualdade e na estagnação dos salários. E os trabalhadores perderam o poder de negociação conforme políticas antitruste permitiram que as corporações ganhassem cada vez mais poder de mercado.

Mais uma coisa: não precisamos de sindicatos fortes só para nivelar o campo de jogo econômico.

Embora seja animador ver o governo Biden propor uma reversão dos presentes dados pelo governo Trump às empresas, ainda é verdade que o dinheiro grande tem enorme influência política. Não é simplesmente uma questão de contribuições de campanha. Os interesses corporativos também conseguem definir os termos do debate por meio de sua capacidade de oferecer empregos lucrativos a ex-políticos e autoridades, apoio generoso a grupos de pensadores amigos, etc.

A força de trabalho organizada costumava oferecer um contrapeso à influência corporativa. Os sindicatos nunca estiveram em posição de se equiparar ao poder do dólar corporativo, mas podiam oferecer às pessoas poder —a capacidade de mobilizar seus membros e seus amigos e vizinhos de um modo que as corporações não podiam. E mais que nunca precisamos desse poder compensador.

Então esperemos que os ativistas trabalhistas tratem Bessemer como uma experiência de aprendizado, e não um motivo de desespero. Ainda precisamos recuperar os sindicatos fortes.

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

A pandemia trará o apartheid global? por Joseph Stiglitz.

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Ao Norte, créditos ilimitados e bem-estar social. Ao Sul, endividamento e o inferno da “austeridade”. Mas vírus é ameaça mundial – e saídas devem ser coletivas. Uma delas pode vir de lugar improvável: os bilhões da reserva do FMI

Joseph Stiglitz e outros – Outras Palavras – 31/03/2021

“Os líderes políticos do mundo desenvolvido deveriam reconhecer que ninguém estará seguro até que todos estejam seguros e que uma economia global saudável não é possível sem uma forte recuperação mundo afora.” Um relatório importante do Institute for New Economic Thinking está trazendo a dimensão mundial dos nossos desafios. De certa forma, está em jogo a tradicional estratégia dos países ricos resolverem os seus problemas às custas do resto do mundo:

“Atraso da vacinação das pessoas pelo mundo afora aumenta as possibilidades de mutações do vírus, reduzindo a habilidade de controlar a pandemia até em países ricos que embolsaram as vacinas.”

O artigo curto em português traz o link de relatório em inglês, sobre temas tão chave como repensar patentes, perdoar dívidas e usar o FMI para financiar os mais frágeis. Temos de pensar globalmente.

Os Estados Unidos esperam poder “comemorar a independência” da covid-19 até o dia da Independência (4 de julho), quando as vacinas terão sido disponibilizadas para toda a população adulta. Mas, para muitos países em desenvolvimento e mercados emergentes, o fim da crise ainda está bem distante. Como mostramos em um relatório para a Comissão de Transformação Econômica Global do Instituto do Novo Pensamento Econômico (INET), alcançar uma rápida recuperação global requer que todos os países possam declarar independência do vírus.

Como o coronavírus sofre mutações, se ele continuar se desenvolvendo em qualquer lugar do planeta, colocará o mundo inteiro em risco. Portanto, é fundamental que vacinas, equipamentos de proteção individual e medicamentos terapêuticos sejam distribuídos em todos os lugares, o mais rapidamente possível. E como as atuais restrições de oferta são resultado de um regime de propriedade intelectual internacional muito mal projetado, elas são basicamente artificiais.

Embora a reforma sobre a Propriedade Intelectual (PI) permanece defasada, o mais urgente agora é a suspensão ou agrupamento dos direitos de PI vinculados aos produtos necessários para combater a covid-19. Muitos países imploram por isso, mas os lobbies corporativos nos países ricos resistem — e seus governos sucumbiram à miopia. A ascensão do “nacionalismo pandêmico” expôs uma série de deficiências no comércio global, nos investimentos e regimes de PI (que a Comissão do INET tratará em posterior relatório).

Nações desenvolvidas, especialmente os EUA, agiram com força para restabelecer suas economias e apoiar empresas e famílias vulneráveis. O país aprendeu, mesmo que apenas muito recentemente, que a austeridade é profundamente contraproducente durante crises. A maioria dos países em desenvolvimento, entretanto, luta para obter fundos e manter os programas de apoio existentes, sobretudo para absorver os custos adicionais impostos pela pandemia.

Enquanto os EUA gastaram cerca de 25% do PIB para manter sua economia (e conter em grande parte a magnitude da retração), os países em desenvolvimento só puderam gastar uma pequena fração dessa quantia.

Nossos cálculos, com base nos dados do Banco Mundial mostram que, com quase US$ 17 mil dólares per capita, os gastos dos Estados Unidos foram cerca de oito mil vezes mais altos do que os dos países menos desenvolvidos.

Além de ativar seu poder de fogo fiscal, os países ricos ajudariam a si mesmos e à recuperação global adotando três políticas. Primeira: devem pressionar por uma grande emissão de direitos de saque especiais (DES), o ativo de reserva global do Fundo Monetário Internacional (FMI). Do jeito que as coisas estão, o FMI poderia emitir imediatamente cerca de US$ 650 bilhões em DES, sem precisar da aprovação dos representantes dos estados-membros. E o efeito expansionista poderia ser aumentado significativamente, se os países ricos transferissem suas alocações desproporcionalmente maiores para os países que precisam de dinheiro.

O segundo conjunto de ações também envolve o FMI, dado o seu grande papel na formulação de políticas macroeconômicas no mundo em desenvolvimento, especialmente nos países que buscam ajuda para resolver problemas na balança de pagamentos. Em um sinal encorajador, o FMI tem apoiado ativamente a busca por pacotes fiscais sólidos e prolongados pelos Estados Unidos e pela União Europeia, e até mesmo reconheceu a necessidade de aumentar os gastos públicos nos países em desenvolvimento, apesar das condições externas adversas.

Mas, quando se trata de definir os termos dos empréstimos a países que enfrentam problemas na balança de pagamentos, as ações do FMI nem sempre condizem com suas declarações. Uma análise da Oxfam International sobre recentes acordos em espera e em andamento conclui que, entre março e setembro de 2020, 76 dos 91 empréstimos do FMI negociados com 81 países, exigiram cortes nas despesas públicas que poderiam prejudicar os sistemas de saúde e as pensões, congelar os salários dos trabalhadores do setor público (incluindo médicos, enfermeiras e professores) e reduzir o seguro-desemprego, auxílio-doença e outros benefícios sociais. A austeridade – especialmente, com cortes nessas áreas vitais – não deve funcionar melhor para os países em desenvolvimento do que funcionaria para os desenvolvidos. E mais assistência, incluindo as propostas de DES discutidas acima, daria a esses países um respiro fiscal extra.

Por último, os países desenvolvidos poderiam orquestrar uma resposta abrangente aos enormes problemas de dívida que muitos países enfrentam. O dinheiro gasto com o pagamento da dívida é dinheiro que não está ajudando os países a combater o vírus nem a reiniciar suas economias. Nos estágios iniciais da pandemia, esperava-se que uma suspensão do pagamento da dívida para os países em desenvolvimento e mercados emergentes fosse suficiente. Mas já se passou mais de um ano e alguns países precisam de uma reestruturação abrangente dela, em vez dos habituais curativos que apenas preparam o terreno para outra crise daqui a alguns anos.

Existem várias maneiras pelas quais os governos credores podem facilitar essas reestruturações e induzir uma participação mais ativa do setor privado, que até agora tem sido relativamente recalcitrante. Como o relatório da Comissão do INET enfatiza, se há um momento para reconhecer os princípios de força maior e necessidade, agora é a hora. Os países não devem ser forçados a pagar o que não podem pagar, especialmente porque isso causaria enorme sofrimento.

As políticas descritas aqui seriam de enorme benefício para o mundo em desenvolvimento e teriam pouco ou nenhum custo para os países desenvolvidos. Na verdade, é de interesse próprio desses países fazer o que puderem pelas pessoas nos países em desenvolvimento e nos mercados emergentes, especialmente quando o que eles podem fazer já está disponível imediatamente e traria enormes benefícios para bilhões de pessoas. Os líderes políticos do mundo desenvolvido deveriam reconhecer que ninguém estará seguro até que todos estejam seguros e que uma economia global saudável não é possível sem uma forte recuperação mundo afora.

Guerras produtivas

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O mercado globalizado gerou grandes transformações nas nações, com impactos sobre todos os grupos sociais, incrementando a tecnologia, sofisticando as estruturas produtivas, estimulando o aumento da qualificação dos trabalhadores e intensificou a competição entre todos os agentes econômicos e sociais. A tecnologia ganhou espaço na sociedade, alterando o comportamento dos indivíduos, alterando o consumo, moldando as relações sociais, aproximando os contatos sociais digitais e, ao mesmo tempo, afastando os contatos físicos.

Nesta nova sociedade, percebemos novos modelos produtivos que, anteriormente, estavam centrados no fordismo, marcados por grandes unidades de produção, alto contingente de trabalhadores, salários elevados e produção em série. Este modelo perdeu força nos anos 1970, sendo substituído por um modelo mais flexível, marcado pela desagregação produtiva, alta tecnologia e redução do contingente de trabalhadores, incrementando setores de comunicação e de informática.

Os países mais dinâmicos e flexíveis foram aqueles que se saíram melhores nesta transição de modelo da estrutura global, enquanto aquelas nações que foram mais inflexíveis e menos dinâmicos, perderam espaços na economia internacional, diminuíram suas participações nos mercados globais e foram superados por outras nações, perderam riquezas e se tornaram mais pobres, incremento da pobreza e das desigualdades.

Os grandes ganhadores da economia internacional no período 1990/2020 foram aquelas economias que conseguiram construir projetos de desenvolvimento, centrados numa ideia de nação, adotaram um planejamento estratégico, investindo em educação de qualidade, protegendo suas estruturas produtivas, estimularam a competitividade nos mercados internacionais, adotaram políticas industriais efetivas e dinâmicas, garantindo a compra de produtos nacionais e exigindo dos produtores locais o incremento da qualidade dos produtos nacionais, garantindo financiamentos subsidiados e garantindo aumento da qualidade das mercadorias locais. Embora muitos críticos defenestrem as políticas industriais e as políticas de proteção, vistas como uma intervenção excessiva na estrutura produtiva, todas as nações que conseguiram dar um salto no desenvolvimento econômico adotaram políticas intervencionistas, centradas em planejamento, subsídios e concorrência.

Investimento em educação de qualidade é fundamental para o desenvolvimento econômico e para a melhoria da qualidade de vida da população, além de políticas de incentivos científicos e tecnológicos são cruciais para garantirem autonomia no mercado internacional. Mas precisamos entender que é fundamental atrelarmos investimentos em capital humano com políticas de desenvolvimento industrial, garantindo compras governamentais, incentivos maciços para inovação e estímulos para competição no mercado internacional, melhorando a estrutura produtiva e garantindo novos mercados no ambiente global. A proteção deve ser acompanhada de incremento na produtividade e ganho de mercados externos e maior lucratividade.

Os países que investiram excessivamente nos setores financeiros perderam espaços na economia global, nações que deixaram de lado os setores industriais colheram desindustrialização, piora dos meios de trocas, redução dos salários, degradação das estruturas produtivas, incrementando do desemprego e da desigualdade. Os pacotes econômicos do novo governo norte-americano devem servir de norte para a economia nacional.

Não se constrói uma nação pensando no curto prazo, não se constrói uma nação pensando nos interesses imediatos de corporações e de grupos organizados, não se constrói uma nação criando desemprego, desesperança e exclusão, não se constrói uma nação sem solidariedade. Todos os países que conseguiram vencer o desafio do desenvolvimento conseguiram vencer os conflitos internos, as contradições mais imediatas, vencendo todos os males que pululam nas almas daqueles que acreditam que o indivíduo é mais importante do que o coletivo. Na pandemia, neste momento de dificuldades, de incertezas e desesperanças, estamos percebendo que não se faz uma nação deixando um rastro de degradação, de desigualdade e de exclusão social.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no Jornal da Região, Caderno Economia, 07/04/2021.

Os ‘genocidas’ do mercado financeiro, por João Roberto Lopes Pinto.

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Instituições comandam o cassino financeiro, drenando para os seus acionistas e cotistas a riqueza gerada pela população

Folha de São Paulo, 05/04/2021

João Roberto Lopes Pinto
Professor de ciência política da Unirio e da PUC-Rio, e coordenador do Instituto Mais Democracia

O Brasil vive um dos momentos mais trágicos da sua história, mas em 2020, que terminou com 195 mil mortos pela Covid-19 e um PIB (Produto Interno Bruto) que encolheu 4%, a movimentação financeira na Bolsa de Valores (B3) bateu recorde de pontos e de volume negociado.

O Índice Bovespa ultrapassou a marca inédita de 120 mil pontos, e o volume negociado foi de R$ 35 trilhões, quase cinco vezes o PIB do ano.

Como isso foi possível?

O CAPITALISMO FINANCEIRO BRASILEIRO

No caso brasileiro, o pacote do Banco Central de socorro ao sistema financeiro no valor de R$ 1,2 trilhão, anunciado em março de 2020, contribuiu para que os ganhos financeiros crescessem na mesma proporção das mortes por Covid-19 no país.

Vale dizer que a justificativa para o tal pacote era garantir a liquidez dos bancos nas suas operações com os clientes.

Estudo do Instituto de Economia da Universidade de Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que pouco mais de 10% desse valor foi efetivamente disponibilizado para o crédito a empresas com dificuldades, em meio à pandemia.

Antonio Gramsci já havia constatado que a função política do fascismo é colocar a pequena burguesia e seu discurso antissistema, bases do movimento fascista, a serviço do capital monopolista financeiro, em tempos de crise.

O “neofascismo” do atual presidente, Jair Bolsonaro, com seus 20 a 30% de seguidores na população e a condução econômica do ministro Paulo Guedes parecem confirmar o diagnóstico gramsciano.

O que constatamos hoje no capitalismo brasileiro vem sendo gestado desde a crise de 2008, que chega ao Brasil somente com a queda dos preços das commodities em 2011.

Assistimos, a partir daí, a um duplo movimento que redundou no golpe de 2016: o aprofundamento da financeirização em escala global e no Brasil; e uma renovada expansão do capital monopolista internacional sobre a economia brasileira.

Em meio a um ambiente global de enormes massas de capital excedente em busca de valorização, o Brasil se viu sob a pressão de grandes grupos econômicos por desnacionalizações, privatizações, flexibilização das relações de trabalho e aprofundamento do ajuste fiscal –a tal “agenda de reformas”, segundo a mídia, ou simplesmente “agenda ultraneoliberal”, em curso desde o governo de Michel Temer.

Não por acaso, o volume negociado na Bolsa mais que dobrou nos últimos quatro anos, descolando-se aceleradamente da economia real.

Em 2016, ano do golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, somava um pouco mais de duas vezes o PIB, alcançando hoje a cifra já mencionada de quase cinco vezes.

OS AGENTES DO MERCADO FINANCEIRO

No controle dos grupos econômicos (estrangeiros e domésticos) estão, normalmente, instituições financeiras como bancos, holdings e fundos de investimento.

São essas instituições que comandam o cassino financeiro, drenando para os seus acionistas e cotistas a riqueza gerada pela população, por meio do seu trabalho e do pagamento de dívidas, taxas e tributos.

Elas se veem, hoje, plenamente representadas no Ministério da Economia de Paulo Guedes (ex-sócio fundador do BTG Pactual) e no agora “autônomo” Banco Central de Roberto Campos Neto (ex-agente de mercado do Santander).

São elas, portanto, que sustentam Bolsonaro e sua camarilha das Forças Armadas, comandadas hoje por uma oficialidade, da geração de 1964, intelectualmente indigente e politicamente servil à agenda neoliberal.

É, pois, na “Faria Lima”, avenida de São Paulo que reúne a nata do setor financeiro, que estão os principais responsáveis, juntamente com o títere Bolsonaro, pelo estado de calamidade em que já se contam mais de 300 mil mortos por covid-19, fruto do negacionismo bolsonarista.

Em nome das tais “reformas econômicas”, eles se dispõem a sacrificar princípios liberais democráticos e a sustentar saídas autocráticas.

Até porque sabem que o caráter antissocial destas reformas exige um governo capaz de impô-las a ferro e fogo à sociedade, a exemplo da aprovação pelo governo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial que, em troca de um auxílio emergencial de míseros R$ 250, asfixia ainda mais o gasto público.

Certamente, os da Faria Lima atuam para o “genocídio” da população brasileira há tempos, porém hoje o escancaramento desse “necrogoverno” que sustentam impõe que não haja meias palavras sobre a responsabilidade deles.

Mas quem são eles?

Uma pista é olhar para as instituições financeiras que se reúnem em torno da Associação Nacional de Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima). A Anbima é responsável por autorregular o mercado financeiro, juntamente com a autarquia pública, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A REGULARIZAÇÃO DO MERCADO FINANCEIRO COMO TAREFA PENDENTE

Já se tornou comum chamar a atenção para a elite financeira como aquela que, de fato, dá as cartas na vida política. Mas, diante da situação extrema que vivemos no país, isso se mostra insuficiente.

É preciso nomear, chamar à responsabilidade.

Os endinheirados se acostumaram a ver seus rendimentos se multiplicarem sem se interessarem por saber como tal
multiplicação se faz no mundo real –como alguém já disse, na órbita financeira não há qualquer coágulo de humanidade.

Em uma rápida olhada na composição da diretoria da Anbima, identificamos algumas dessas instituições que comandam a banca.

Destaque para os representantes domésticos Itaú/Unibanco, BTG Pactual, Bradesco, XP Investimentos, Votorantim e Safra; no caso de grupos estrangeiros, Santander, Blackrock, Brookfield, Credit Suisse, JP Morgan e BNP Paribas.
Trata-se de instituições poderosíssimas, algumas delas com o capital bem maior que o PIB brasileiro, mas por isso mesmo precisam ser expostas.

Retiremos, pois, o véu do chamado “mercado financeiro”, que nada mais é do que uma organização que, sob a justificativa do direcionamento de poupança interna e externa para o setor produtivo, atua efetivamente como um parasita que corrói o organismo hospedeiro.

Não se tem a expectativa de sensibilizar os agentes financeiros.

Como diz, também, Gramsci, é um erro esperar que a própria burguesia faça resistência ao fascismo. Seria o mesmo que reconhecer que na recente iniciativa da “Carta Aberta à Sociedade Referente a Medidas de Combate à Covid”, a chamada “carta de economistas e banqueiros”, houvesse um sentido de oposição ao governo Bolsonaro.

Trata-se de uma carta tardia que se limita, em meio ao colapso no sistema de saúde, a apontar gargalos na gestão da pandemia, conhecidos e propalados há muito tempo.

As proposições para garantir renda e proteção social são superficiais, se considerarmos que se tratam de economistas.

Talvez isso se deva ao fato de que tais propostas os levariam a ter que expor sua defesa intransigente da redução, neste momento tão crítico, do gasto público.

Já o intuito aqui é bem menos pretensioso. Simplesmente nomear, tirar da sombra, responsabilizar publicamente a elite financeira, para que o debate se instale, pelo menos, de forma mais clara e direta.

Com a palavra universidades, organizações e movimentos sociais, sobre a urgência de se exercer um controle, um monitoramento social do mercado financeiro.

Ditadura militar foi empreendimento de ódio ao povo brasileiro, por Silvio Almeida.

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São várias as mentiras sobre o regime que mergulhou o Brasil em caos e sangue por 21 anos

Folha de São Paulo, 02/04/2021.

São várias as mentiras contadas sobre a ditadura militar que mergulhou o Brasil em caos e sangue por 21 anos.

Algumas dessas mentiras são mais conhecidas, outras menos.

Das mais conhecidas, destaco duas: 1) a de que o golpe de Estado e a ditadura que se seguiu foram os únicos meios de defender o Brasil de uma suposta “ditadura comunista”; 2) A de que na ditadura militar não houve corrupção.
Sobre isso, além da corrupção primordial que foi o próprio ato de tomar à força as instituições, rasgar a Constituição e trair o povo brasileiro, os golpistas —militares e civis— se envolveram em diversos casos de desvio de dinheiro público e favorecimento pessoal.

Além dessas, há outras mentiras sobre o golpe militar de 1964, menos reproduzidas, provavelmente porque ultrapassam as justificativas morais do golpe. Refiro-me às inverdades que envolvem as consequências politicas e econômicas da ditadura. Com isso, não quero dizer que os aspectos morais não devam ser considerados. A ditadura é em muito responsável pela degradação moral do país.

Está na conta dos golpistas e seus apoiadores a normalização de um padrão de sociabilidade que faz da corrupção, da tortura, do autoritarismo e da desigualdade parte integrante da vida social. Definitivamente, ao apoiador do golpe, da ditadura militar e da tortura —praticada, inclusive, em crianças— não cabe denominação outra que a de aberração moral.

Mas é importante que a conformação política e econômica do golpe militar seja destacada, pois o silêncio sobre esses pontos é que permite que mentalidades e práticas oriundas da ditadura continuem infectando nosso cotidiano.

Ademais, o foco específico na moralidade permite que alguns dos antigos e dos novos apoiadores do regime militar continuem na cena pública apenas inserindo as palavras “democracia” e “legalidade” no meio de um discurso. É com esse expediente retórico que podem, sem sujar as mãos, continuar fornecendo suporte aos dois pilares da ditadura: desigualdade social e entreguismo.

Não foi a delirante ameaça comunista nem a defesa da família que motivou o golpe, mas sim interesses econômicos e políticos contrários à soberania nacional. Pesquisas sobre a economia brasileira têm demonstrado que aquilo que mais orgulha os próceres da ditadura militar, o tal “milagre econômico”, período de significativo crescimento, foi também o momento em que as desigualdades sociais se acentuaram.

Ao final da ditadura militar, como nos mostra o pesquisador Pedro Ferreira de Souza, o 1% mais rico da população detinha 30% de toda a renda do país. Para que a equação crescimento econômico e concentração de renda pudesse funcionar foi necessário temperar a exploração do trabalho com intensa violência politica contra trabalhadores, sindicatos, movimentos sociais e opositores em geral.

Por fim, a ideia de que os golpistas eram nacionalistas e patriotas é outra grande balela. O que se viu em 1964 foi a devastação da soberania nacional e a quebra do dever de lealdade para com o povo brasileiro. Colocou-se a economia a serviço de ricos e estrangeiros, destruiu-se a democracia, conspurcou-se a Constituição.

Com o golpe militar foram destruídas as esperanças de um Brasil altivo e soberano. E como bem lembrou Octávio de Barros em seu Twitter, o golpe foi também contra a inteligência brasileira, contra a ciência, contra a universidade, contra o desenvolvimento nacional, resultando no exílio ou assassinato de muitos professores ou cientistas, casos de Anisio Teixeira, Mario Schenberg, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Luiz Hildebrando Pereira da Silva, Ruy Mauro Marini, Vladimir Herzog, Ana Kucinski, Iara Iavelberg, Alberto Guerreiro Ramos, Abdias do Nascimento, Álvaro Vieira Pinto, Luiz Roberto Salinas Fortes e tantos outros.

Não chegamos até aqui à toa: centenas de milhares de mortos, fome, desemprego, desmonte do sistema de proteção social, um governo incompetente e irresponsável. A ditadura militar de 1964 foi um empreendimento de ódio ao povo brasileiro. Por isso, que não pairem dúvidas sobre como pensa e o que quer para o Brasil quem celebra uma ditadura que nos mergulhou em tantas tragédias.

China dobra aposta em tecnologia, por Tatiana Prazeres.

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País mobiliza grandes investimentos para projetos de tecnologia em estágios iniciais

Folha de São Paulo, 02/04/2021

Volumes fabulosos de recursos já foram investidos no desenvolvimento de semicondutores e, apesar disso, a China segue altamente dependente da importação desses insumos.

Anos de expectativas frustradas incomodam o governo chinês. Não apenas porque isso evidencia a dificuldade de transformar desejos em realidade, mas também porque coloca a China numa posição vulnerável do ponto de vista tecnológico.

Do total de semicondutores que consome, a China produz apenas 30% e importa o restante, numa proporção que há anos insiste em não se alterar.

A China depende de chips para produzir outros bens, para exportar e para inovar. Produtores de carros chineses, por exemplo, importam 90% dos semicondutores de que necessitam.

Os EUA enxergaram na fragilidade chinesa uma oportunidade. Adotaram medidas para restringir suas exportações de semicondutores para a China. Foram além e criaram dificuldades para que empresas estrangeiras mesmo fora dos EUA vendessem, para a China, equipamentos e software para a produção de chips.

Ainda que em escala menor, histórias parecidas se repetem em outras tecnologias. É extensa a lista de empresas chinesas proibidas de fazer negócios com firmas americanas. Com isso, limita-se o acesso chinês a certos insumos estratégicos.

Qual a consequência do outro lado do mundo? O Estado-investidor chinês aumenta seu apetite pelo risco. Pequim passa a atuar como um “venture capitalist” —como argumentou Arthur Kroeber num webinário organizado pelo Cebri e Conselho Empresarial Brasil-China nesta semana.

Claro, investimentos em política industrial, em tecnologia e mesmo em autossuficiência não são novidade na China. No entanto, agora Pequim mais que dobrou a aposta.

O que há de novo são a ousadia na maneira de investir, o volume de recursos envolvidos na empreitada e a coerência estratégica da intervenção do Estado, segundo Kroeber.

Pequim passa a mobilizar grandes investimentos em setores intensivos em tecnologia, especialmente para vários projetos em estágios iniciais —arriscados, mas potencialmente promissores.

Como é típico do modelo de “venture capitalism”, nem todas as apostas vão se revelar acertadas. Mas, claro, a ideia é de que haja vencedores suficientes para compensar os investimentos que inevitavelmente fracassarão.

Apesar de tudo, o sucesso não é garantido. As dificuldades normalmente associadas a política industrial estão presentes também na China. Há espaço para desperdício, favorecimentos, distorções e corrupção.

Quando, no ano passado, Pequim definiu novos incentivos para o desenvolvimento de semicondutores, empresas de todos os tipos se aprontaram para pleitear benesses. O governo precisou agir para evitar abusos. Definiu três “nãos”.

Empresas sem experiência, sem tecnologia e sem capital humano na área não deveriam se aventurar aí —não com recursos públicos.

Se o intervencionismo estatal tem seus riscos, a lógica do relacionamento entre Estado e mercado na China, no entanto, sempre foi diferente. O setor público é visto sobretudo como parte de solução e não como o problema na economia.

Expressões como China Inc. e capitalismo de Estado, por exemplo, representam o esforço de capturar a essência deste modelo híbrido —e que também se transforma. Mas enquanto o resto do mundo aponta para as contradições, os chineses enxergam as sinergias da relação.

Nas atuais circunstâncias, a dependência tecnológica da China e o ambiente internacional difícil para o país contribuem para a ousadia do Estado-investidor. Não por acaso o recém-adotado plano quinquenal prioriza autossuficiência tecnológica.

Se fosse um investidor privado, a China de hoje teria perfil arrojado. O risco é alto, mas o retorno também pode ser. Em jogo, estão os rumos da competição tecnológica, econômica e geopolítica. Com bolsos mais fundos que no passado, Pequim está disposta a pagar para ver.

A reforma revolucionária de Biden, por Nelson Barbosa.

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Se proposta tiver sucesso, acabará o festival de planejamento tributário nos EUA

Nelson Barbosa – Folha de São Paulo, 02/04/2021

O governo Biden mais uma vez mostrou o caminho para sair da crise, confirmando o que vários economistas heterodoxos vêm dizendo, há décadas, nos EUA e por aqui. Aos números.

Depois de aprovar um “programa de resgate” de US$ 1,9 trilhão, focado em transferência de renda aos mais pobres e mais recursos para saúde e educação, Biden lançou um “programa de emprego” de US$ 2,3 trilhões nesta semana.

O valor da segunda iniciativa se divide em: US$ 621 bilhões em infraestrutura de transporte (incluindo rede de energia para veículos elétricos), US$ 689 bilhões em habitação e serviços públicos (como saúde, educação e creches), US$ 578 bilhões em inovação e geração de empregos (política industrial e tecnológica) e US$ 400 bilhões para expandir e melhorar o cuidado de idosos e pessoas portadoras de necessidade especiais.

Somando os planos de resgate e emprego, o “Pacote Biden” está em US$ 4,2 trilhões. O valor parece alto, mas como o programa de emprego será distribuído em oito anos, seu impacto imediato na economia não é grande. Por esse motivo Biden já recebeu críticas da extrema-esquerda dos EUA, que desejava um valor maior.

Biden foi “comedido” no programa de emprego porque foi ousado no programa de resgate. O US$ 1,9 trilhão já aprovados pelo Congresso terá impacto maior em 2021-22, ajudando os EUA a sair rapidamente da crise.

A ideia do plano de emprego é suceder as ações de resgate, de modo crescente a partir de 2022, gerando sustentação econômica, social e política para um novo ciclo de desenvolvimento dos EUA. Por este motivo, o pacote Biden já seria revolucionário, mas tem mais.

Para pagar o aumento do gasto, Biden também propõe ampla revisão tributária, cobrando mais do “andar de cima”. Rompendo a lógica de desoneração do capital que domina a política econômica desde 1980, Biden quer aumentar a tributação sobre o lucro das empresas e das famílias mais ricas, desfazendo parte da desoneração regressiva adotada por Trump.

Mais importante, o novo governo dos EUA discute que, acima de um valor anual mínimo, toda renda pessoal do capital seja taxada pela mesma alíquota de imposto de renda aplicada à renda do trabalho. E como se isso não fosse suficientemente progressista, Biden também quer alíquota mínima de imposto de renda sobre empresas, tanto sobre lucros domésticos (de 15%) quanto sobre lucros no exterior (de 21%).

Se a proposta tributária de Biden tiver sucesso (tomara que tenha), acabará o festival de planejamento tributário nos EUA, com efeito altamente positivo sobre todo o mundo ocidental.

Há 40 anos, o movimento Thatcher-Reagan gerou grande desoneração do capital, com aumento da desigualdade e volatilidade econômica, culminando na crise financeira de 2008 e estagnação econômica da década seguinte.

Agora, seja por demanda popular, seja por pressão da competição com a China, os EUA finalmente parecem se mover na direção contrária do neoliberalismo, adotando tributação mais progressiva e aumento do investimento público, com “pegada” ambiental e social.

Não sei se Biden terá sucesso. O plano de resgate já foi aprovado pelo Congresso, mas haverá oposição ferrenha de Wall Street e do Vale do Silício às iniciativas tributárias anunciadas nesta semana.

Torço e até rezo para que Biden prevaleça sobre a Faria Lima deles, pois isso melhorará a situação da maioria da população norte-americana e abrirá possibilidade de que outros países sigam o mesmo caminho.

Armadilhas

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A pandemia está trazendo grandes transformações para a sociedade, criando novos desafios, novas oportunidades e novas preocupações. A sociedade global vive um momento de desesperança, para muitos especialistas, a globalização era uma realidade inexorável e todas as nações deveriam se adaptar, abrir suas economias e se integrar os fluxos de comércio e de finanças. Se não nos adaptássemos aos ventos da globalização seríamos deixados de lado diante do progresso e renegados do desenvolvimento econômico. Na verdade, com as mudanças contemporâneas, alguns mitos estão perdendo espaço, levando a novas estratégias e novas formas de planejamento, não apenas centrados nos governos, mas na integração entre os governos e os mercados. Neste momento, todas as nações que estão superando este momento de incertezas e instabilidades são os que conseguiram construir um projeto nacional.

A pandemia deixou claro para a sociedade que é fundamental um setor industrial moderno e dinâmico, sem isso, nossa dependência será mais visível, deixando claro a nossa pouca autonomia. Sem desenvolver o setor industrial, somos uma nação dependente de insumos farmacêuticos, dependentes da importação de produtos hospitalares, respiradores e outros insumos fundamentais para a tão proclamada independência nacional.

Estamos numa situação de crescimento da dependência externa, somos importadores de produtos que, anteriormente, éramos autossuficientes. Deixamos de lado os sucessivos investimentos em ciência e tecnologia, reduzimos os recursos para os centros de pesquisas e passamos a acreditar que, num momento de instabilidade, seríamos socorridos pelos parceiros internacionais. Ledo engano, percebemos que precisamos construir nossas tecnologias e, para isso, não existe fórmulas rápidas e imediatas, demandam investimentos, focos na pesquisa científica, na formação de capital humano qualificado, ensino da ciência e o estímulo constante ao desenvolvimento da investigação científica.

Sem estes recursos, sem uma política pública concatenada pelos gestores públicos e pelos investimentos privados, vamos continuar formando profissionais de alta qualificação, cujos custos são elevados e, na maioria das vezes são formados por instituições públicas e, sem oportunidades internas e digna remuneração, são contratados por outras nações, cujos investimentos são valorizados no desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas.

A globalização nos trouxe grandes transformações, alterou a estrutura produtiva, aumentou os investimentos em ciência e tecnologia, mas ao mesmo tempo, deixou claro a necessidade de um projeto nacional, um plano concatenado que deve unir todos os setores da sociedade e estimulando a construção de um setor produtivo consolidado e diversificado. Nesta empreitada, percebemos que é fundamental a construção de um consenso político, consciente de que os entraves são violentos, tanto internos e externos. De um lado, encontramos grupos ganhadores desta situação de degradação social e pobreza crescentes, pessoas e grupos socais que ganham fortunas com a miséria que degrada a sociedade. De outro lado, países que sempre atuaram para impedir o desenvolvimento das potencialidades deste país, estimulando a perpetuação desta situação de desgoverno, desigualdade e degradação da sociedade.

Precisamos estimular a reflexão e a reconstrução da sociedade, a globalização reduziu os poderes nacionais e transferiu poder para os grandes grupos econômicos e financeiros, reduziu os poderes dos trabalhadores e criando espaços de dependência que ultrapassam as autonomias nacionais, aumentando as fragilidades e reduzindo a soberania.

Neste momento, precisamos retomar o controle dos rumos da sociedade, reconstruindo as estruturas industriais e consolidando nossa soberania. Nesta pandemia, percebemos o incremento da dependência externa, precisamos urgentemente de um grande projeto de desenvolvimento, fortalecendo os setores produtivos, investimento em capital humano e mostrando a importância da ciência nacional, retomando espaços de destaque na sociedade global.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp, professor universitário. Publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 31/03/2021.

Pesquisador critica fetiche pelo novo e o ‘discurso ilusório’ do Vale do Silício

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Em entrevista à Folha, Lee Vinsel argumeta que inovação nem sempre é positiva, já que pode criar expectativas irreais

Bárbara Blum – Folha de São Paulo, 29/03/2021 – SÃO PAULO

‘Mova-se rápido e quebre as coisas”. O mote da gigante de tecnologia Facebook resume o tom que dita a conversa sobre inovação hoje: é importante ser disruptivo. A hipervalorização dessa abordagem, comum ao modelo de startups, porém, nem sempre produz inovação de fato e pode prejudicar setores da economia e profissionais que não se pautam pela ruptura para medir o sucesso.

Essa é a leitura que faz Lee Vinsel, historiador especializado em tecnologia, no livro “The Innovation Delusion: How Our Obsession with the New Has Disrupted the Work That Matters Most” (“A ilusão da inovação: como nossa obsessão pelo novo corrompeu o trabalho que mais importa”, em tradução livre), publicado em 2020 nos Estados Unidos.

Vinsel argumenta que é importante distinguir entre inovação real e o discurso sobre inovação —marcados pelo léxico e por valores da indústria da tecnologia que incluem destruição criativa, velocidade e uma mente brilhante por trás das novidades. Para o pesquisador, a inovação nem sempre é positiva, já que pode destruir empregos e criar expectativas irreais.

Como distinguir inovação de verdade de ilusão de inovação? Existe a diferença do que chamo no livro de inovação de fato e o discurso da inovação. O primeiro seria a introdução de novos métodos, produtos e tecnologias na sociedade.
O discurso de inovação, por outro lado, é a forma como falamos e pensamos sobre essas mudanças. Quando pensamos na história da palavra inovação, ela não era tão usada antes da Segunda Guerra e os anos 1960.

Como esse discurso de inovação se tornou dominante na vida cotidiana? Parte da minha teoria sobre o assunto é que o discurso sobre disrupção é um produto dos anos 1990. Acredito que essa forma de falar ascendeu junto com a internet. Existem áreas de disrupção clássica que vieram com a internet, como o streaming, que acabou com as grandes redes de locação de filmes. Houve uma fase em que se pensava que todos os aspectos da vida seriam alterados pela internet. E é um processo ligado ao Vale do Silício, justamente porque são pessoas interessadas em usar a internet para quebrar uma ou outra indústria. Mas hoje já vimos que nem todas podem sofrer esse processo. É difícil pensar na disrupção via aplicativo da indústria de aço e de biocombustível. Houve muito hype envolvido nesse discurso. A geração constante de novidades em métodos e produtos não se aplica a todos os campos de produção.

No livro você menciona a importância da manutenção e do cuidado, setores importantes, mas desvalorizados, caso dos serviços de enfermagem, cuidado com idosos, reparos em estruturas físicas. Como a pandemia impactou as percepções sobre os trabalhos de cuidado e manutenção?
A pandemia trouxe à tona a importância dos trabalhos essenciais. O discurso nos Estados Unidos é a favor dos trabalhadores essenciais. Porém, não há conversas sobre mudanças estruturais capazes de melhorar a vida dessas pessoas, e muitos desses trabalhos são mal pagos. Existe um impacto maior disso nas mulheres e minorias étnicas. É um problema profundamente conectado com a desigualdade. Quando falamos em cuidado, estamos falando em mulheres, especialmente pertencentes a minorias. Seria possível usar o discurso dos trabalhadores essenciais para discutir essas desigualdades.

Empresas de tecnologia não têm interesse em investir em manutenção? É um desinteresse movido por razões econômicas ou ligado à ideia de manter inovações em curso? 
As empresas não apenas não estão interessadas em manutenção, como fecham as iniciativas que aparecem. Com certeza isso é movido por lucro, mas em um nível mais profundo é uma questão cultural. Nós nos tornamos uma sociedade ‘‘throw-away’’ (do desperdício). Existe uma conspiração entre consumidores e as grandes empresas que sabotam o reparo e a manutenção. Consumidores não querem se incomodar com o reparo, preferem comprar um item novo.

Como é construída a relação entre as ocupações ligadas a cuidados e as características sociais desses trabalhadores — principalmente mulheres? O trabalho é desvalorizado por causa do grupo que o realiza ou os grupos que o realizam têm acesso a ele por já ser culturalmente desvalorizado? 
Existe uma hierarquia de status de trabalho e, a partir disso, criamos ideias de quais tipos de pessoas realizam cada tipo de trabalho.

Existe um discurso da manutenção da mesma forma que existe um discurso da inovação? No livro, decidimos não fazer uma lista de recomendações de políticas para manutenção. Trabalhamos com níveis diferentes: nacional, de organizações e individual. Fazer com que líderes de organizações pensem mais a longo prazo, respeitem mais os responsáveis por manutenção. Precisamos de melhorias na infraestrutura e na manutenção dela, precisamos de mudanças de legislação que encorajem organizações a pensar no longo prazo. Existem estruturas hoje que nos fazem pensar em crescimento e lucro. Precisamos do pensamento a longo prazo.

O discurso de inovação, no livro, é focado no gênio, no indivíduo que tem sozinho novas ideias. É uma figura nova? Mesmo no início do século 20 era possível identificar alguns CEOs carismáticos, como Henry Ford. Mas após a Segunda Guerra Mundial, que é quando a obsessão com crescimento emerge, companhias estão sempre procurando aquela novidade que vai colocá-los na frente de todo mundo. Existe um sistema de recompensa que incentiva esse comportamento. Mas existe uma performance do inovador, e se forma uma estrutura de trabalho na qual pessoas precisam se apresentar dessa forma. Tem até um visual, um código de conduta.

Você diz que a relação entre inovação e crescimento não é quantificável e que talvez não deveríamos incentivar tanto o crescimento. Pode aprofundar essa análise? 
O avanço tecnológico é ligado ao crescimento econômico. Mas, embora falemos cada vez mais em inovação, não é verdade que estejamos inovando cada vez mais. Talvez seja até possível falar em redução da inovação desde os anos 1970. Existe uma desconexão entre o discurso e a coisa em si, mesmo em negócios que querem ser grandes inovadores. Só o discurso não vai levá-los à inovação.

Na política, é mais importante inaugurar projetos do que fazer manutenção dos antigos? 
Vivemos uma cultura de cortar o laço: inauguramos estradas, pontes. É fácil receber crédito fazendo coisas novas, e não é tão fácil receber crédito por manter o bom funcionamento. É um incentivo ao pensamento a curto prazo.

Existe um descompasso entre a forma como o discurso da inovação aparece na educação e as funções que os jovens de fato vão realizar na vida profissional? 
Quando olhamos para disciplinas STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática), tudo ali é voltado a inovação. Estudantes de engenharia fazem competições de robôs. Essa abordagem pode ser prejudicial para a autoestima dos jovens, pois esse não é o tipo de trabalho que eles vão fazer quando se formarem. Vemos muito burnout nesses campos, não surpreende que esses jovens fiquem deprimidos. Precisamos de uma representação mais fiel do tipo de trabalho que existe. Além disso, a figura do inovador é excludente para grupos como mulheres e minorias raciais. Se apostássemos nas figuras do cuidador, do provedor, em detrimento do inovador seria mais apelativo. É o cuidado com o mundo. Talvez não seja tão sexy quanto a figura do inovador, mas é muito importante.

De fato, numericamente nem todos podem ser líderes inovadores. Mas o discurso do que é desejável profissionalmente é voltado para a inovação. Com certeza. É matematicamente impossível que todos os estudantes em uma sala sejam CEOs. Ignorar que os trabalhos são majoritariamente de manutenção é a ilusão de inovação da qual falo no livro. É ignorar o lugar de onde estamos falando, ignorar o mundo ao redor. Temos que lidar com desigualdade, mudança climática. E não vamos conseguir sem olhar para as coisas pequenas. Por exemplo, se uma estrada está se deteriorando, se vamos envelhecer com conforto… Precisamos colocar os pés no chão.

RAIO-X
Lee Vinsel, 41
Professor da universidade Virginia Tech, nos EUA, onde leciona sobre sociedade, ciência e tecnologia. Fundou o grupo The Maintainers (Os mantenedores), dedicado à pesquisa sobre manutenção e trabalho cotidiano com tecnologia. É autor de “Moving Violations” (Johns Hopkins University Press, 2019) e “The Innovation Delusion’’ (Currency, 2020), este com Andrew L. Russell.

Remédio amargo

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O termo lockdown ganhou espaço no vocabulário nos últimos meses, podemos defini-lo como a versão mais rígida do distanciamento social e quando a recomendação se torna obrigatória. Neste período muitos especialistas destacaram-na como a forma de auxiliar no combate ao coronavírus, responsável por uma das maiores crises sanitárias do país.

Neste momento precisamos construir laços sociais, políticos e econômicos para garantir o isolamento de todos os grupos sociais, empresas e instituições, levando-as para, literalmente, reduzir suas atividades. Nos exemplos mais exitosos de Lockdown, todos os grupos sociais atenderam ao chamado das autoridades, cabendo ao poder público construir uma estratégica de comunicação eficiente, garantindo auxílios monetários e financeiros, aumento e rapidez da vacinação. Na sociedade brasileira, marcada por grandes desigualdades e crises de emprego e queda da renda, percebemos que os conflitos são generalizados, confrontos políticos, falsos argumentos e incompetência na gestão, com isso, percebemos que caminhamos rapidamente para o colapso e para as convulsões. O lockdown é necessário e imprescindível, depois de contabilizarmos 300 mil mortes, com uma gestão pública caótica, adotá-lo é a única forma de diminuir o colapso que se avizinha para a sociedade. Além do lockdown, precisamos acelerar o auxílio emergencial e acelerar a vacinação. Sem organização e na ausência de liderança os problemas tendem a piorar rapidamente.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia. Publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 28/03/2021.

Invisíveis, por Fernando Schuller,

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A desigualdade é ‘funcional’ no Brasil, e isso vem travando as políticas de isolamento

Fernando Schuller – Folha de São Paulo, 25/03/2021

Ele trabalha na segurança do prédio. Está sempre lá, cedo de manhã, o João. Nunca soube de onde ele vem e como chega até aqui. Um dia perguntei. “Pego um ônibus, embarco no metrô” e depois caminho um pedaço de Moema pra chegar aqui.”

Me lembrei do João quando vi um comunicador reclamando que a cidade andava “quase normal”, no meio de pandemia, com o transporte lotado e tal. Perguntei de onde as pessoas imaginam que surgem os entregadores de pizza, diaristas, motoristas, frentistas e porteiros que atendem o andar de cima, silenciosamente, todos os dias?

Alguém me disse que a pergunta era inconveniente e podia servir de boicote às medidas de isolamento. Era melhor manter essa coisa meio “invisível”. Achei curioso. Naquela visão, devíamos fingir que o problema não existia, ou quem sabe nem bem aquelas pessoas todas existiam. E irmos pra cama tranquilos depois de um filme na Netflix.

O problema da autoilusão é que você dá um drible na realidade, xinga seu adversário pra disfarçar, mas o mundo frio dos indicadores e as estações lotadas continuam lá, todas as manhãs. Os dados mostram que a taxa de isolamento social em São Paulo caiu a apenas 43%, agora no auge da pandemia. A pergunta é por que, e quem está pagando a conta.

Uma pista foi dada no estudo publicado no Journal of Population Economics, mostrando como diferenças de renda afetam as pessoas na pandemia. O grupo de maior renda tem até 54% a mais de chances em relação ao de menor renda de tomar medidas de proteção como o distanciamento social.

Há muitas pesquisas apontando nessa mesma direção. Uma das mais cruéis mostrou que a pandemia tem sido muito letal entre a população negra, no estado de São Paulo. Se estivéssemos na Dinamarca ou na Suécia, com uma estrutura social mais homogênea, medidas de isolamento atenderiam a todos de modo mais uniforme. Mas estamos no Brasil, com seu enorme contingente de pobreza. E aí as coisas se complicam.

Dan Ariely usou um termo difícil pra explicar o fenômeno. Sugeriu que a vulnerabilidade econômica leva as pessoas a fazer um “desconto hiperbólico”, priorizando os temas ligados à subsistência em detrimento de regras e cuidados com o futuro.

Meu ponto é que pouca gente parece de fato disposta a sair da retórica e encarar o problema. A maior probabilidade é de irmos levando. Podemos até fazer de conta que o auxílio emergencial vai resolver o problema, mas ele não vai.

Seu alcance é, quando muito, amenizar a situação de quem vive abaixo da linha de pobreza.

A verdade é que se trata, em boa medida, de um problema sem solução. O sistema político até poderia ter feito um ajuste duro e gerado uma transferência de renda mais robusta, mas não o fez. A elite do funcionalismo abriu mão de ganhar acima do teto? Os partidos abriram mão do fundão? Alguém topou discutir redução temporária de jornada na área pública, em meio à maré de demissões no lado privado?

Contar com a disposição da sociedade para isso é uma quimera. A mistura de pobreza e desigualdade é “confortável” no Brasil. Que percentual de famílias com maior renda deixa que a empregada fique em casa? Dias atrás vi o oposto: a família demite a empregada que precisava acompanhar o pai na UTI. Ela agora está “na batalha”, como me disse dia desses, no elevador. O risco da Covid não é o primeiro item de sua escala de urgências.

Escutei muita gente boa sobre como lidar com o problema. Há quem imagine que a solução é ir ao Supremo e aumentar o valor do auxílio. Quem sabe o STF ajude também a achar a fonte do recurso. Um interlocutor me falou de “pequenas medidas práticas”, como ampliar frotas de transporte e evitar aglomeração. “Não há bala de prata”, me disse ainda outro, “e já é quase tarde demais para tentar alguma coisa”.

Talvez ele esteja certo e o que nos resta, enquanto esperamos pela vacina, é exercitar a raiva política (quem sabe nossa grande especialidade) e evitar as perguntas inconvenientes. A opção seria ter liderança. Pactuar medidas duras e acelerar o fim dessa tragédia, mas não vejo disposição de quase ninguém nesta direção.

Oportunidades pós-pandemia

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O mundo vive momentos de ansiedade e preocupações, a pandemia está redefinindo as estruturas da sociedade, levando os indivíduos, as empresas e os governos a se reinventarem, buscando novos horizontes e perspectivas para a coletividade, reconstruindo novos espaços de produção e solidariedade dos seres humanos. Neste momento de crise sanitária global, ainda não conseguimos enxergar os horizontes que devem ser abertos para a sociedade global no período posterior a pandemia, mesmo assim, algumas características estão nítidas, criando desafios inéditos, preocupações crescentes e novas oportunidades, onde os atores mais preparados, ágeis e flexíveis, tendem a ganhar espaços na economia internacional.

Muitos acadêmicos estão refletindo sobre a sociedade internacional nos momentos posteriores da pandemia, cada um defende suas teses para compreenderem o comportamento dos consumidores, das empresas e governos dos próximos anos. Diante disso, percebemos que a grande maioria dos teóricos acreditam que o mundo pós pandemia será mais desigual e com novas formas de globalização, com novos modelos de produção, novos modelos de negócios e um aprofundamento da desigualdade e da exclusão social entre todas as regiões do mundo, exigindo uma atuação mais efetivas dos Estados Nacionais.

A indústria brasileira perdeu espaço na economia nacional, deixando claro a dependência de insumos importados, faz-se necessário um novo consenso entre todos os agentes econômicos e políticos para a reconstrução da indústria nacional. Reestruturando urgentemente os setores que foram impactados, tais como a indústria da saúde, que das últimas décadas perderam espaço na economia. Este fortalecimento reduzirá a dependência de parceiros internacionais, que num momento de crise, como a que vivenciamos, privilegiam sua produção interna e o bem-estar de sua população, reduzindo nossa autonomia. Neste momento, precisamos reconstruir nossa estrutura industrial e garantir forças produtivas autônomas e capacitadas para sobreviver e garantir a sobrevivência em momentos de crises, sejam sanitárias, econômicas, políticas e convulsões sociais. E fundamental aprendermos com a pandemia, que pode nos legar melhoras na estrutura econômica e produtiva, melhorando emprego e diminuindo a dependência internacional.

A pós-pandemia prescinde de uma consolidação da economia digital, que precisamos para concorrer e sobreviver no cenário internacional, onde as potencialidades das nações devem exigir investimentos adicionais na formação de capital humano, além de garantir investimentos científicos e tecnológicos, sem estes recursos as posições nos rankings educacionais e de produtividade tendem a piorar e perpetuar as péssimas condições de vida da população.

As novas tecnologias estão gerando grandes transformações na sociedade, neste momento precisamos construir as tecnologias 5G, estimular estas tecnologias e diminuir os hiatos crescentes com as nações desenvolvidas. No futuro devemos compatibilizar modelos híbridos entre atividades presenciais e digitais, exigindo a capacitação dos trabalhadores, estudos crescentes e contínuos, exigindo investimentos em inclusão digital, sem esta inclusão as desigualdades tendem a crescer, fragilizando o capital humano e diminuindo o desenvolvimento econômico.

O mundo pós pandemia exige uma maior cooperação entre as nações, internamente percebemos que vivemos num momento preocupante, existem inúmeras oportunidades para todos os agentes econômicos e políticos, mas faz-se necessário uma união e a busca de um consenso imediato. Neste momento se faz necessárias ações urgentes, precisamos reconstruir a indústria brasileira, esta reconstrução deve estimular a produção interna, a capacitação do capital humano, os investimentos de agências de fomento público, investimentos em pesquisas, ciência e tecnologia e políticas de proteção nacional, centrado no estímulo local e estímulo da concorrência global, com metas sólidas de vendas externas e incremento da produtividade. Sem atuações efetivas, serenas e imediatas, a sociedade tende a amargar outra década perdida.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp, Professor Universitário. Artigo publicado no Jornal Diário de Região, Caderno Economia, 24/03/2021.

A carta tardia do PIB, por Cristina Serra.

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Entenderam que não adianta ter dinheiro para pagar UTI aérea para Miami?

Cristina Serra – Folha de São Paulo, 23/03/2021

Quer dizer que foi preciso um ano de pandemia, quase 300 mil cadáveres, o colapso dos hospitais e um tombo colossal na economia para que parte expressiva do PIB se manifestasse publicamente sobre a catástrofe humanitária que nos põe de joelhos? Tirante honrosas exceções que assinam a carta divulgada neste fim de semana, a maioria permanecera em indiferente pachorra.

São mais de 500 assinaturas; alguns sobrenomes reluzentes, de banqueiros, empresários, ex-ministros, ex-dirigentes do Banco Central e economistas que, até outro dia, clamavam pela urgência das reformas, mas não mostravam a mesma preocupação com a premência de salvar vidas.

Muitos até devem ter achado, como disse o famoso animador de auditório, que Bolsonaro teria uma “chance de ouro de ressignificar a política”, seja qual for o sentido disso no dialeto da Faria Lima. Agora, com as UTIs dos hospitais privados lotadas, parecem ter despertado do modo “repouso em berço esplêndido”.

O que mudou? Entenderam que não adianta ter dinheiro para pagar UTI aérea para Miami? Que não somos bem-vindos em nenhum país porque cevamos um criadouro de variantes agressivas do vírus? Que estamos todos na mesma tormenta, embora milhões a enfrentem agarrados a um pedaço de pau e pouquíssimos em um transatlântico? Simplesmente perceberam que Paulo Guedes não tem força para demolir o Estado, como esperavam? Ou a soma disso tudo?

Com tal carta, nossa elite mostra como é elástica sua tolerância diante de uma tragédia que atinge principalmente os mais pobres. Ao ler o documento, procurei menção a, quem sabe, aumento de imposto sobre suas imensas fortunas. Nenhuma palavra. Apesar de tardia, a carta pode até ajudar a controlar rompantes autoritários de Bolsonaro. Daí a conter o genocídio que nos abate há longa distância. Para isso, é preciso combinar com os mercenários e franco atiradores do centrão. E enquanto você lê esse texto, mais um coração brasileiro parou de bater.

Negação, negacionismo e má-fé, por Vera Iaconelli.

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Vera Iacoconelli – Folha de São Paulo, 23/03/2021.

Normalidade não é coisa de humanos, mas há casos e casos

Lembra aquela sua amiga que te ligou para falar que ia se separar do marido monstro, te deixando com a certeza de que, finalmente, ela ia se livrar daquele pequi roído? Você se sentiu aliviada(o) pensando como foi ótimo ter confessado tudo que você pensava dele há anos. Pois é… não só ela nunca se separou dele, como nunca mais atendeu seus telefonemas.

Entre belos discursos – “vou me separar”— e as fantasias inconscientes — “amar é sofrer”, por exemplo —, cada um de nós tem que lidar com sua divisão interna. O mecanismo de negação nos protege de realidades desagradáveis e permite que sigamos no dia a dia sustentando desejos conflituosos dentro de nós.

Uma das genialidades de Freud foi apontada por Philippe van Haute e Tomas Geyskens em “Psicanálise Sem Édipo: Uma antropologia clínica da histeria em Freud e Lacan” (Autêntica, 2016), na qual os autores recuperam a via que denominaram de “patoanalítica” da psicanálise. Isso significa dizer que eles resgatam a ideia freudiana de que normalidade não é coisa do mundo humano e o que chamamos de loucura, neurose e perversão é mais da ordem do grau do que da diferença absoluta. Caetano já teorizava, “de perto…”.

Agora imagina que a amiga, que volta deliberadamente para os braços do boy lixo e que sempre foi criticada por fazer isso, encontra um grupo na igreja que acredita que a mulher tem que se submeter ao marido, comungando com sua fantasia inconsciente. E que fazendo parte desse grupo ela se sinta importante pela primeira vez e ainda se veja representada na figura da primeira-dama e de mulheres em cargos importantes do governo. Junte-se a isso que seu ódio ao marido —e a si mesma— possa ser desviado para fora, sendo projetado em feministas, esquerdistas, comunistas…

Negacionismo foi um termo criado para falar de negações de eventos específicos como Holocausto ou certezas científicas. Para sustentar tamanha negação e ter efeitos sociais importantes, os sujeitos precisam se separar de quem contradiz suas interpretações da realidade e se unir a quem pensa igual. Aí entra um ingrediente desconhecido de Freud: as redes sociais, nas quais negacionistas encontram milhares de pessoas que pensam como eles. Não se trata mais de se dirigir pessoalmente à Hofbräuhaus em Munique para ouvir um tal de Hitler discursar contra judeus e homossexuais. Basta um clique para você encontrar seus pares e confirmar que a Terra é plana, óbvio.

Além disso, os laços de reconhecimento mútuo que pessoas usualmente preteridas pela sociedade fazem nesses grupos costumam ser carregados de afetos e de sentido de reconhecimento e pertencimento. O amor que une as bolhas se sustenta na condição de se destilar ódio aos outros. Quando essas bolhas encontram um líder que as represente de forma pública, temos a tempestade perfeita. O amor ao líder e o ódio projetado no inimigo comum permitem que negacionistas briguem menos entre si, criando a patota dos cidadãos de bem.
Já na má-fé o sujeito sabe muito bem qual é a realidade dos fatos, mas explora a miséria e o negacionismo de outros. Entre os exemplos que pululam, temos o dado pelo “pastor” Edir Macedo.

Enquanto prega que seus fiéis não precisam se vacinar —pois o vírus só contaminaria homens de pouca fé— corre para tomar a vacina recém-liberada nos EUA, onde mora.

Reconhecer a importância da vacina e, deliberadamente, desmenti-lo em público para obter vantagens —e, ato contínuo, tomá-la— é traço inequívoco de psicopatia.

Dito isso, que fique claro que Bolsonaro é um negacionista de segunda, mas genocida de primeira.

Esquerda e direita têm demonstrado, ao longo da pandemia, o lixo que são, por Pondé.

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Peste prova que a humanidade não evolui moralmente um centímetro, apesar de o marketing vender o contrário

Luíz Felipe Pondé – Folha de São Paulo, 22/03/2021

Máximas vindas do coração da peste:
1) Os idiotas da peste estão por toda parte. Seguem seu mito. Fazem pancadão e churrasco na cobertura do prédio. São responsáveis, indiretamente, em parte, pelas mortes ao dar sustentação a um governo irresponsável. Alguém ainda duvida de como nossa espécie é irracional?

2) A vacinação centralizada no Estado é coisa de gente atrasada. Muita dessa gente atrasada tem diploma e é especialista em epidemiologia. Já temos mercado paralelo, corrupção, nepotismo e truques oportunistas de gente que se encosta em quem de fato está na linha de frente para faturar vacina furando a fila. A vacina virou mais um mercado para a corrupção. Quem quiser ver verá: nasce um canalha a cada instante.

3) Quanto mais a mídia esfregar na cara das pessoas um alto número de mortos, mais indiferente elas ficarão. Grandes calamidades são monótonas. Nunca subestime a potência da monotonia como causadora de indiferença ao sofrimento alheio. Faltou inteligência aos jornalistas: correndo atrás de “opiniões científicas” a todo custo, acabaram por ingressar no frenesi do excesso de dados.

4) A peste se tornou um grande mercado para oportunistas (com ou sem diplomas) virarem celebridades vendendo o terror. Revistas científicas de renome buscando furos. Artigos sem revisão pelos pares saem na mídia como verdade última acerca da não eficácia de vacinas. Cientistas buscando seus 15 minutos de sucesso. O vírus é parceiro da vaidade.

5) Grande parte do país é composta de retardados mentais em todos os espectros sociais e econômicos. Do pancadão à cobertura do prédio, a saturação de gente boçal é gigantesca.

6) Os burocratas do Judiciário só querem aparecer, inclusive atrapalhando no que for necessário para desfilar o poder da sua caneta sobre nós mortais.

7) Os militares perderam uma grande chance de mostrar autonomia em relação ao mito e se tornar uma força clara no combate à peste. As Forças Armadas hoje são uma sombra atrás do mito, que as chama de “Meu Exército”.

8) A classe política brasileira, em grande parte, mais uma vez mostrou seu oportunismo, politizando a peste, o tratamento e a vacina, fazendo do Brasil uma república das bananas.

9) Em outras épocas, as igrejas —fossem de que denominação for— eram agentes claros de civilização e combate a pestes. Pergunto: para além da preocupação com seus “dízimos”, o que as igrejas têm feito como protagonismo no combate da peste?

10) A peste já deveria ter derrubado Bolsonaro da Presidência, se as Casas Legislativas tivessem um mínimo de vergonha na cara.

11) O STF tampouco tem sido um agente exemplar na peste. Indiferente a ela, tenta furar a fila da vacina e finge estar preocupado com o país exigindo um “plano de vacinação” do inútil Ministério da Saúde, como se essa exigência tivesse alguma validade efetiva contra as mortes. Bravatas togadas.

12) No Brasil, a burocracia durante a peste tem demonstrado o quanto ela pode ser um entrave na solução dos problemas, mesmo quando essa burocracia vem de especialistas em saúde pública e vacinas.

13) O Brasil é um país, em grande parte, de ladrões e oportunistas. E essa gente mau caráter pesa sobre os ombros de quem luta no dia a dia, na peste e mesmo além dela, para fazer do Brasil um país menos canalha. Eventos como a peste deixam claro o mau-caratismo de uma população. Em meio a esses ladrões e oportunistas tem gente com ou sem casaca, com ou sem colarinho branco, com ou sem diploma, de todos os espectros ideológicos.

14) Esquerda e direita têm demonstrado, ao longo da peste, o lixo que são.

15) No Brasil, se você for inteligente, você será corrupto, político ou juiz.

16) As redes sociais brilham com a luz do Hades. Entre os mais adictos nelas estão os veículos de mídia que podem destruir sua credibilidade à medida em que rezam no altar do “deus engajamento”.

17) A peste prova que a humanidade não evolui moralmente um centímetro, apesar de o marketing vender o contrário.

18) A melhor coisa a fazer é não acompanhar mais o ruído. O silêncio e o quietismo são hoje formas de higiene pessoal.

Fareed Zakaria oferece dez lições para o mundo pós-pandemia

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Escritor prevê que desigualdade deve aumentar, e globalização, continuar.

Folha de São Paulo – Rafael Balago – 20/03/2021 – SÃO PAULO

O mundo deve sair da pandemia de coronavírus mais desigual e com novas formas de globalização, aposta o escritor Fareed Zakaria. Produtos digitais, afinal, circulam entre as fronteiras com muito mais facilidade do que itens físicos e se tornaram muito mais buscados no último ano.

No livro “Dez Lições para o Mundo Pós-Pandemia”, o autor faz uma série de reflexões sobre como a crise sanitária deve trazer mudanças e debate questões políticas, econômicas e culturais da atualidade. A obra, escrita em meados de 2020, foi lançada recentemente no Brasil.
Zakaria, 57, nasceu em Mumbai, na Índia. É doutor em ciência política pela Universidade Harvard (EUA), colunista do Washington Post e apresentador da CNN americana. Abaixo, algumas de suas conclusões:

1. APERTEM OS CINTOS
As inovações tecnológicas avançaram muito nas últimas décadas, e as sociedades foram mudando depressa, sem se preocupar com medidas de segurança. Zakaria faz uma comparação: é como se estivéssemos construindo um carro cada vez mais veloz, mas que não possui airbag, cinto de segurança ou seguro, e disputando corridas sem nos preocupar com os riscos. Assim, após desviarmos de vários pequenos perigos, a pandemia gerou um acidente grave. Os danos teriam sido minimizados caso tivéssemos menos desigualdade social e mais medidas de prevenção a epidemias, por exemplo.

2. O QUE IMPORTA NÃO É QUANTO, MAS COMO O GOVERNO INTERVÉM
Os EUA são um exemplo de governo que gastou muito, mas não conseguiu conter a propagação do vírus —é o país com mais casos e mortes acumulados até agora — nem retomar rapidamente a economia. Apesar dos auxílios muitas pessoas pobres demoraram a receber seus cheques, enquanto pessoas de classe média e alta também foram beneficiadas. Zakaria também avalia que ideologias como esquerda e direita ficaram obsoletas. “Os governos com atitudes mais relaxadas, que não funcionaram bem, foram os do Brasil [direita] e do México [esquerda], governados por populistas ferrenhos.”

3. MERCADOS NÃO SÃO SUFICIENTES
A pandemia mostrou a importância do Estado para atuar em uma emergência, de uma maneira que os mercados sozinhos não teriam interesse em fazer. Não se trata apenas de oferecer assistência médica a quem não pode pagar, mas dar apoio a desempregados e financiar pesquisas de vacinas.

4. AS PESSOAS DEVERIAM OUVIR MAIS OS ESPECIALISTAS, E VICE-VERSA
Zakaria aponta que muitos especialistas são vistos apenas como parte da “elite” e do “sistema”, o que gera desconfiança entre pessoas com menor escolaridade. Nos últimos anos, políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro passaram a atacar pesquisadores para reforçar sua imagem antissistema. Assim, ser contra a ciência se tornou um fator de identidade política.

Para serem mais ouvidos, a recomendação aos especialistas é que se aproximem mais das pessoas de outros grupos sociais e proponham soluções factíveis à realidade delas. As determinações de lockdown são um exemplo claro da dificuldade de transpor uma recomendação teórica para a realidade.

5. A VIDA É DIGITAL, E O TRABALHO DEVE VOLTAR A SE LIGAR COM A VIDA DOMÉSTICA
A tecnologia necessária para trabalho, educação, consultas médicas e entretenimento a distância já existia há anos, mas faltava um empurrão para serem adotadas em massa. Zakaria avalia que o futuro deverá ter um modelo híbrido entre atividades presenciais e digitais mais intenso do que no pré-pandemia.

Por isso, o trabalho volta a ser mais conectado à vida doméstica, como foi na maior parte da história humana. Era comum que um agricultor morasse perto das terras que cultivava ou que um comerciante morasse em cima de sua loja, por exemplo.

6. SOMOS ANIMAIS SOCIAIS, E AS CIDADES SEGUEM VANTAJOSAS
Apesar de a tecnologia facilitar o isolamento físico, a vida nas cidades segue mais interessante, diz Zakaria, já que temos mais pessoas por perto para trocar experiências em meio à convivência cotidiana, muitas vezes de modo informal. Assim, a pandemia mostrou o quanto alunos e funcionários perdem em conhecimento ao deixarem de interagir pessoalmente. E, mesmo em tempos de comércio fechado, o morador de uma metrópole tem muito mais opções do que o de uma cidade menor.

7. A DESIGUALDADE VAI AUMENTAR
Países ricos têm condições de conseguir dinheiro para a retomada pós-pandemia. Já as nações pobres terão mais dificuldade para se endividar e, assim, ajudar seus cidadãos. Em tempos de crise, investidores preferem lugares considerados mais seguros, como EUA e Europa, em um ciclo que os torna ainda mais seguros, enquanto enfraquece as economias de países da América Latina e da África. Grandes empresas também têm mais facilidade para se financiar do que os pequenos negócios, o que poderá aumentar seu poder e tirar comerciantes menores do mercado.

8. A GLOBALIZAÇÃO NÃO MORREU
Apesar dos fechamentos de fronteiras para viajantes, a troca de produtos entre os países seguiu forte na pandemia. O modelo é muito firme, pois as cadeias de produção são integradas, e os produtos, montados com peças de várias partes do mundo. Além de produtos, serviços digitais também viajam muito mais facilmente entre as fronteiras.

Assim, um exame de raio-x feito nos EUA pode ser analisado por médicos na Índia com ajuda de um software em Singapura, e a globalização vai ganhando novas formas.

9. O MUNDO ESTÁ SE TORNANDO BIPOLAR
Durante a pandemia, a China seguiu com crescimento econômico, enquanto os EUA enfrentam uma crise, com alto desemprego. Esse movimento favorece a ascensão do país asiático rumo ao posto de maior potência mundial. No entanto, este mundo bipolar será diferente do da Guerra Fria, pois as economias dos dois países estão profundamente integradas. Portanto, há um risco bem menor de conflito do que no caso da União Soviética, conclui o autor. Ainda assim, Xi Jinping segue com uma política agressiva para conquistar mais espaço no cenário internacional, como, por exemplo, com a Iniciativa do Cinturão e Rota.

10. UMA GRANDE CRISE ABRE ESPAÇO PARA IDEALISTAS
Após a Segunda Guerra, os países vencedores investiram na cooperação internacional, que incluiu a criação da ONU para estimular o desenvolvimento dos países e manter a paz. É uma visão contrária à de que cada país deve buscar seu sucesso por conta própria, sem se preocupar com os outros, e que ganhou espaço nos últimos anos estimulada por Trump. Zakaria avalia que os EUA não terão como recuperar o posto de líder global incontestável, pois muitas outras nações buscam protagonismo, mas que a pandemia abre caminho para resgatar a ideia de que, se todos cooperarem, todos terão mais ganhos.

Pandemia é chance para país desenvolver tecnologia de saúde, diz Monica de Bolle

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Para economista, Brasil tem potencial para ser referência em mundo no qual convivência com vírus será permanente

Eduardo Cucolo – Folha de São Paulo, 15/03/2021

Mundo pandêmico

A realidade que a gente tem pela frente não é uma realidade em que vai poder declarar um fim da pandemia. A fase aguda da pandemia vai passar, a gente não vai ficar no estágio em que está agora, mas esse estado de alerta permanente vai continuar conosco. Isso tem implicações em como os países, as pessoas e a economia vão se adaptar. Mercado de trabalho, ambiente de trabalho, aglomerações de todos os tipos, como eventos esportivos, viagens, todas essas coisas estão alteradas, e a gente não vai voltar ao que tinha antes.

No segundo semestre de 2021, a gente vai relaxar medidas restritivas, medidas sanitárias, em várias partes do mundo. Mas, supondo que todas essas vacinas deem conta dessas variantes, as que existem e as que vão surgir, a gente só consegue ter um contingente no mundo vacinado em quantidade suficiente para conseguir respirar com algum alívio, com certo otimismo, lá para o final de 2022.

Eu passei os últimos dois anos fazendo uma série de especializações em medicina em Harvard e calhou da pandemia acontecer. Para mim, pela natureza desse vírus, ele vai permanecer entre nós. A gente vai ter de se adaptar a conviver com isso, passar por surtos, por várias vacinas que vão ter de ser atualizadas recorrentemente e continuar com algum grau de cautela nas nossas vidas. Você vai ter sempre um repositório de Sars-Covid-2 em algum lugar do mundo sofrendo mutações.

Mudança na economia

O setor de serviços vai ter de se reinventar. Já havia uma pressão para se pensar novos modelos de trabalho e na pandemia isso teve de acontecer. Você pode pensar pelo lado negativo, algumas pessoas vão perder permanentemente os empregos que tinham porque eles vão desaparecer. Por outro lado, há mudanças que geram uma flexibilidade maior, muitas pessoas não voltarão aos escritórios, e isso gera um ganho de eficiência enorme.

Para um país poder se sair melhor que outro vai ter de investir muito na área de saúde. Em tudo: testagem, equipamento de proteção pessoal, capacidade de vigilância genômica, que requer vários laboratórios com equipamentos de ponta e uma rede que converse entre si e esteja rastreando no país inteiro.

Nova agenda para o Brasil

A agenda para mim no Brasil hoje, se tivesse um governo com visão estratégica, seria a saúde pública. É onde a gente tem uma vantagem natural, pelo sistema de saúde que a gente tem.
Você vê a Índia exportando vacina para muitos países e também exportando medicamente, produtos químicos. A China, a mesma coisa. A Rússia está tendo o mesmo tipo de posicionamento. Se você olhar para esses países [do Brics], tirando o B [de Brasil], o resto dos Brics estão todos fazendo esse reposicionamento. O Brasil teria uma posição muito privilegiada para fazer isso. Já fomos grandes produtores de medicamentos e vacinas, mas abrimos mão dessa vantagem.

A agenda de longo prazo deveria ser essa. Dessas coisas começam a vir inovações, tecnologias, inserção global, capacidade de estar mais envolvido nas cadeias de produção globais, tudo pela via da saúde pública.

Quais são as reformas que a gente precisa fazer para alcançar esses objetivos? Aí você faz as reformas com esses objetivos em mente. Vamos fazer uma reforma administrativa que atenda a esse objetivo, uma reforma tributária de modo a alcançar esse objetivo.

Estados Unidos da América

Colocar a saúde pública no centro das discussões faz com que essas oportunidades fiquem mais visíveis e você começa a mudar um pouco o debate no Brasil. Aqui nos EUA, vai acontecer a mesma coisa. O setor de saúde aqui tem uma precariedade que o Brasil não tem. Tem muitas escolas de medicina de ponta, mas o sistema de saúde vai ter de ser reinventado.

O envelhecimento populacional é outro aspecto importante do porquê investir em saúde pública. E tem as sequelas da própria Covid. O número de pessoas que vão precisar dessa área para continuar sendo produtivas… Algumas vão ter sequelas para sempre, que as torna dependentes de centros de reabilitação.

Aqui nos EUA, todos os hospitais têm centro de reabilitação para quem teve Covid. A gente já tinha essa realidade de envelhecimento populacional somada a uma carga de doenças crônicas cada vez maior. Agora, além disso, tem o efeito que vem com as sequelas da Covid.

A triste solidão da educação brasileira, por Débora Garofalo.

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Precisamos discutir um processo qualificado, igualitário e comprometido

Débora Garofalo
Mestra em educação, é professora na rede pública de São Paulo; em 2019, foi a primeira sul-americana a disputar o Global Teacher Prize, sendo considerada uma das dez melhores professoras do mundo

Folha de São Paulo, 18/03/2021

Temos vivido tempos difíceis na educação. O agravamento da pandemia e a ausência de uma coordenação do Ministério da Educação para os problemas em diferentes regiões do nosso país fazem com que uma das queixas recorrentes dos educadores seja lidar com a falta de infraestrutura, além do sentimento de solidão na sala de aula —não observado apenas neste ambiente, mas sim em todo o processo educativo.

Com o início da pandemia, vimos a educação parar no chão da escola. O que pensávamos que duraria poucas semanas foi substituído por um longo e angustiante período que já soma um ano, com consequências graves à aprendizagem de crianças e jovens e nos colocando no topo do ranking dos países que não conseguem controlar a pandemia e com o maior tempo de escolas fechadas. A epidemia de Covid-19 não só aumentou as desigualdades, mas a evidenciou de uma maneira brusca.

A escola não pode ser vista apenas como um local para aprendizagem. Muitas vezes ela é a extensão da casa dos estudantes, que cumpre e integra a rede de proteção da infância e adolescência nos papéis de garantir alimentação, convívio social, assistência médica e psicológica; ou seja, é reconhecida a necessidade de caminharmos para uma educação com valores integrais.

Há um ano com aulas mediadas por tecnologia ou distribuição de materiais didáticos, podemos destacar que a educação brasileira está solitária. Assistimos à inércia do MEC e à ausência de orientações para aulas no formato híbrido, além da falta de ações para o retorno presencial seguro e o fomento a políticas públicas, como o investimento em programas como o Educação Conectada. Fatores que deveriam ser prioridade para a elaboração de diretrizes básicas, com o objetivo de orientar redes e governos.

O novo Fundeb aprovado no final do ano passado, não será suficiente para superar os desafios e assegurar o retorno seguro e híbrido das aulas presenciais. Constantemente sofremos com ameaças de corte na pasta da Educação, mostrando ausência de diálogo e prioridade no setor. Erros que se somam ao passado recente e que novamente afetarão milhares de crianças e jovens.

No centro do processo, deve-se destacar o protagonismo docente, que materializou o planejamento e a gestão das ações nas unidades escolares, mostrando o importante papel social de construir saberes e o desenvolvimento integral que fundamenta a sociedade. Para planejar e executar as reaberturas das unidades escolares são necessários investimentos e, mais do que isso, fomentar diálogos com o território educativo e com quem faz a educação na ponta —gestores, professores e estudantes, com construção de protocolos locais, constituídos de maneira democrática.

Problemas educacionais também são problemas de desigualdade social. Promover a inclusão e a democracia digital a professores e estudantes é essencial para criar vínculos e pertencimento com o cognitivo, além da necessidade de ressignificar a educação. Caminhar para a educação híbrida é essencial para atender e cumprir os protocolos de saúde e de distanciamento social para o retorno gradual e, em paralelo, contribuir para a recuperação da aprendizagem.

Um dos maiores aprendizados desta pandemia é o de que nada substitui as aulas presenciais. E, para reinventar o processo educacional, é necessário se guiar de ações pertencentes, que envolvam a comunidade escolar e contemplem o risco de evasão —muitos jovens foram obrigados a emergir no mundo informal do trabalho. Não só a economia deve ser priorizada, mas também a educação.

Conseguimos descobrir a vacina para a Covid-19. Agora é preciso reunir esforços para transformar e priorizar a educação brasileira. O caminho passa pelo trabalho coletivo, escuta ativa, investimentos relevantes e aposta na educação como transformação da sociedade. Não basta apenas tecer discussões sobre voltar ou não, precisamos discutir a partir da crise: como não termos um processo isolado, mas sim qualificado, igualitário, comprometido com a aprendizagem e com políticas factíveis para todos.

Desagregação familiar, pandemia e neoliberalismo

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A pandemia está desnudando as grandes dificuldades existentes em todas as sociedades, em todas as nações estamos percebendo desafios assustadores, desequilíbrios emocionais, desagregações familiares, angústias e preocupações crescentes, exigindo políticas públicas para reconstruir as convivências sociais e a reconstrução dos laços afetivos e emocionais, num momento marcado pelas políticas sociais se fragilizando e o pensamento neoliberal, mesmo perdendo forças, ainda é hegemônico.

A pandemia está mostrando as pobrezas das sociedades, os desajustes econômicos e sociais estão num crescente, a consolidação do individualismo, da concorrência desigual, do crescimento do mito da meritocracia, medos e desesperanças que levam os indivíduos às depressões e às ansiedades, muitos deles mais fragilizados e desequilibrados recorrem ao suicídio, como forma de fuga das desesperanças, acreditando que este caminho o levará para acalmarem seus sentimentos mais íntimos e pessoais.

As famílias estão desagregadas, os lares estão devastados pelos desequilíbrios financeiros, as perspectivas são preocupantes, a pandemia está desnudando as estruturas. Os seres humanos estão no limite, de um lado, percebemos desequilíbrios emocionais centradas na ausência da inteligência emocional e, de outro lado, as perspectivas financeiras são assustadoras, as alterações no mundo do trabalho geram preocupações crescentes, gerando conflitos internos, conflitos familiares e medos generalizados.

Neste ambiente, percebemos o crescimento de movimentos fundamentalistas e religiosos, que estimulam os cultos e os rituais exteriores, marcados pelas interações centradas em falas superficiais e bem orquestradas, que estimulam o empreendedorismo e os negócios, marcados pela busca do enriquecimento, pelo entesouramento e o crescimento da meritocracia. Estes movimentos crescem de forma acelerada, transformando antigos espaços fechados de cinemas ou estruturas industriais desativadas de cidades médias e grandes em locais de cultos e louvações religiosas.

O mundo do trabalho passa por alterações crescentes, as atividades impactadas pelas tecnologias não mais se restringem aos trabalhos repetitivos e mecanizados, impactando para variadas atividades profissionais liberais, com isso, os movimentos de degradação dos trabalhadores da classe média, gerando perdas de rendas e das riquezas, fragilizando a classe média, cuja importância na sociedade sempre foi relevante e imprescindível.

Destacamos ainda, a fragilização das famílias, muitas degradadas por problemas financeiros e monetários, sem fontes de recursos adicionais acabam abandonando os convênios médicos e as escolas particulares, impactando vários setores da economia, fragilizando escolas e setores de saúde que perdem recursos e precisam fechar suas instalações ou aceitar promessas pouco atraentes pelos grupos maiores e mais estruturados. As famílias, acossados pelas crises financeiras, se entregam aos empregos existentes e, nesta busca acelerada pela sobrevivência com alguma dignidade, se percebem desintegrados, seus filhos cresceram, os espaços de convivência familiar se reduziram, os recursos monetários diminuíram e as surpresas negativas crescem, gerando decepções, medos e desesperanças.

Destacamos o incremento das drogas e as más companhias, que geram preocupações dos pais e dos familiares, crianças que cresceram e se transformaram em adolescentes, cheios de conflitos e desequilíbrios, criando constrangimentos com os pais, muitos deles se entregam aos pequenos furtos para bancar seus consumos internos, muitos, mais audaciosos e arrojados, começando negócios maiores, se aventurando no mundo das drogas e da delinquência. Estes relatos são naturais na sociedade contemporânea, onde as crises dos valores crescem aceleradamente, onde as religiões perdem a capacidade de construir novos espaços de sociabilidade, onde as escolas se limitam a construção de consumidores e os mercados se reduzem a locais do consumismo, da vaidade e de hedonismo.

No mundo da pandemia, as realidades são destrutivas, as famílias se entregam a conflitos abertos, os divórcios crescem de forma acelerada, as violências nos lares aumentam, gerando conflitos abertos entre pais e filhos, levando a assassinatos, agressividades e violências, as famílias perderam os laços de solidariedade, de respeito e de construções sociais, emocionais e afetivas.

A desagregação das famílias está impactando fortemente nas escolas e nas instituições de ensino, de um lado percebemos o abandono dos adolescentes pelas famílias, que mergulham nas atividades cotidianas de trabalho e justificam suas atitudes de descaso e de abandono, para trabalhar e conseguir acumular recursos monetários para garantir escolas de qualidade e a compra de bens, produtos e mercadorias para satisfazerem os desejos e as necessidades dos filhos. Os resultados imediatos estão sendo sentidos nos anos posteriores, desequilíbrios crescentes, desajustes emocionais, imaturidades e inseguranças, adultos imaturos e incertos sobre os rumos futuros e, muitas vezes, altamente dependentes dos pais e de seus familiares.

Neste momento de degradação, percebemos a hegemonia da ideologia neoliberal, centrada nos conceitos da redução do papel do Estado na sociedade, visto como o grande agente gerador de degradação e da putrefação da sociedade. Pelo pensamento neoliberal, quanto menor intervenção do Estado na sociedade, melhor para o crescimento econômico que, segundo este pensamento, os grandes indutores do desenvolvimento devem estar sempre centrados nos mercados e nos investimentos privados, sempre mais eficientes e produtivos para a coletividade.

O pensamento neoliberal se difunde pelos pensadores do capital, indivíduo ou pessoas que pensam através dos preceitos do capital, difundindo para a toda a coletividade as teses da aversão ao intervencionismo do Estado. Defendendo a competição e a busca crescente da concorrência, como a única forma de estimular o sistema ao desenvolvimento. Para o neoliberalismo os investimentos acreditam ou difundem para a coletividade que o grande responsável pelo desemprego da sociedade é o alto emaranhado de leis e regras que limitam o empreendedorismo, diante desta análise, a forma de estimular o mercado de trabalho é a redução dos benefícios trabalhistas, reduzindo os custos trabalhistas e estimulando novos investimentos. Seguindo estes preceitos, em novembro de 2017 a Reforma Trabalhista entrou em funcionamento e, ainda não gerou todos os benefícios para a coletividade, as promessas foram inúmeras, mas as realizações não aconteceram. Hoje o Brasil amarga mais de 14% de desempregados, se somando os subempregados e os desalentados, os números ultrapassam mais de 30%.

O mundo contemporâneo vive momentos de grandes inquietações, medos e desesperanças, as famílias sentem os impactos econômicos, políticos e culturais, levando as pessoas a instabilidades e incertezas crescentes, que demandam atenções maiores para evitar constrangimentos e convulsões em todos os países. O predomínio do econômico é um grande equívoco da sociedade, o enfoque do lucro e do enriquecimento geram cobranças crescentes, levando os indivíduos a desequilíbrios emocionais e psicológicos, levando a sociedade reconstruir os laços de afetividade e solidariedade, sem estes, o caos pode crescer e os desajustes conjunturais tendem a crescerem e se tornarem estruturais.

Vivemos momentos de grandes dificuldades em todos os quadrantes do mundo, os desafios são crescentes, as desigualdades crescem de forma acelerada, as famílias estão desestruturadas, o consumo e a acumulação estão se transformando em uma religião, a política está sendo criminalizada, os setores financeiros dominam a sociedade e adota sua agenda, defendendo seus interesses imediatos, diante isso, a sociedade precisa repensar seus interesses e preservar os valores que fazem dos seres humanos um indivíduo melhor e mais solidário, sem repensarem nossos caminhos e as escolhas, estaremos se afastando dos verdadeiros valores que constroem uma coletividade melhor.