Pandemia, Planejamento, Reindustrialização e sociedade em degradação

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Nestes momentos de pandemia, a sociedade global se encontra em momentos de grandes instabilidades, medos e desesperanças, todos esperando pelo surgimento de uma vacina com potencial de imunização em escala planetária, levando os indivíduos a um momento de normalidade cotidiana, mesmo sabendo que a normalidade total nunca vai retornar, a noção de fragilidades humanas e das fraquezas sociais e emocionais tendem a rever comportamentos e pensamentos que, sem uma situação de pandemia e finitude, os cidadãos dificilmente serão levados a estas reflexões, se surgirem estas reflexões coletivas esta epidemia global terá impacto positivo para a coletividade mundial.

Nesta pandemia, percebemos a ausência generalizada da cidadania, uma palavra de grande importância, muitas vezes são utilizados constantemente, seu significado é sublime e expressivo, mas sua efetividade prática está sendo colocada ao lado, percebemos os consumidores e deixamos de lado os cidadãos. Neste momento de isolamento social, marcado pelo afastamento social, visto como os cientistas e estudiosos como a única forma de diminuir as infecções e evitar que os casos cresçam de forma incontroladas, levando um aumento dos óbitos e uma grande destruição social e econômica.

A cidadania está centrada em uma sociedade marcada por baixos graus de desigualdade social, onde os indivíduos apresentam condições de sobrevivência dignas, marcados por empregos e remunerações decentes, estes elementos estão distantes de nossa sociedade. Percebemos um país marcado pela ausência da cidadania, pessoas excluídas da sociedade de consumo, indivíduos em situação de degradação, indígenas em condições insalubres, negros e homossexuais em condição de abandono, marcados pelos mínimos princípios de civilizacionais, neste ambiente estamos vivendo um caos generalizado, neste ambiente somos mais de 60 mil brasileiros chorando pelos seus familiares e sem condições de viver seus lutos, seus sofrimentos, vazios emocionais e espirituais.

Neste ambiente percebemos que os laços de solidariedade entre os indivíduos se limitam de forma crescente, empresas fecham as suas portas sem recursos financeiros para honrar seus compromissos financeiros, famílias se encontram em situação de falência generalizada, indivíduos que sentem na pele as dores do desemprego, a falta de expectativas futuras positivas, levando desesperanças crescentes a aumento das depressões e das patologias sociais, aumentando os suicídios, as ansiedades e violências generalizadas.

Na sociedade, durante séculos, as instituições sociais e políticas construíram estruturas para garantir estabilidades e equilíbrios para seus cidadãos, criando Estados de Bem-Estar social para proteger os mais desprovidos e fragilizados, neste momento percebemos a importância da solidariedade, do amparo dos que possuem mais em detrimento daqueles que nada possuem, estes valores humanos mostram a importância daquilo que chamamos de civilização. Estes valores são fundamentais para a construção de uma sociedade de sucesso que sobrevivem ao lado do caos e da destruição, neste momento, percebemos os verdadeiros valores morais da sociedade, sem estes valores de equidade e solidariedade, a sociedade se degradará por muitos anos, gerando destruições e degradações, esta nos mostra muito claro na sociedade brasileira contemporânea.

Na pandemia, percebemos na sociedade mundial a adoção de políticas centradas nos Estados Nacionais, seu papel ficou mais imprescindível para o bem-estar social, cabendo aos governos o incremento de políticas sociais e públicas nas áreas de saúde, educação e infraestrutura, além de investimentos sociais em segurança pública e logísticas, investimentos no combate a pandemia, organização e gestão dos setores sociais e coordenação de políticas nacionais com as organizações estatais e privadas, além de órgãos e setores do terceiro setor, visando um combate eficiente e reestruturação produtiva, pensando na coordenação no período pós-pandemia, uma união entre todos os agentes dos entes federativos.

Internamente, percebemos na sociedade brasileira, grandes dificuldades dos agentes públicos e fragilidades de gestão, neste momento não temos um Ministro da Saúde a quase dois meses e, a poucos dias estamos substituindo no ministério da Educação, os dois maiores orçamentos do governo federal encontramos sem ministros titulares, com isso, percebemos como estamos num momento de caos generalizados e desorganização, com quedas consideráveis nos recursos nestas áreas centrais, levando o Tribunal de Contas da União (TCU), em relatório recente, a destacar a incompetência do governo federal na gestão da pandemia, colocando-nos nos piores posições, dentre as sociedade mundial, no combate a pandemia.

No ambiente econômico percebemos problemas terríveis, um primarismo gigante, um Ministro da Economia obcecado com privatização e aberturas econômicas, adotando políticas de redução das políticas sociais e proteção dos trabalhadores. Um conjunto de políticas liberalizantes que estão em curso desde a Reforma Trabalhista e, posteriormente, a Reforma Previdência, cujos motes eram na questão fiscal, reduzindo mais os déficits públicos e desequilíbrios do governo federal. Os discursos estão sempre centrados na redução do Estado, que advogam na redução do governo como forma de estimular o empreendedorismo nacional, sem Estado os investidores nacionais e estrangeiros serão retomados e a economia se expandisse de forma crescente, gerando novos empregos, incremento da renda, dos salários e uma melhora nas condições de vida da classe trabalhadora.

Os discursos da equipe econômica são belos e encantadores, marcados pela racionalidade e eficiência e efetividade, levando as elites econômicas nacionais e internacionais a se compraz de seus retornos, infelizmente, os resultados não se efetivam, desde a aprovação das reformas trabalhistas os empregos não se foram efetivados, os desempregados aumentaram de forma acelerada e os benefícios foram aos pequenos grupos detentores de mais recursos financeiros e especulativos, mostrando-nos que em nosso país, os ganhadores mais são aqueles que vivem de riquezas crescentes sem precisarem de passar pela produção e dos empregos das classes trabalhadores.

Neste modelo pensado pela equipe econômica não se sustenta para a economia brasileira, pela lógica do governo com menos atuação e intervenção no mercado de trabalho só gera mais empregos, investimentos e crescimento econômico, neste raciocínio sem atuação do governo as relações serão rapidamente para as relações entre capital e trabalho. Neste cenário, os investimentos na economia brasileira serão feitos pelas empresas privadas, este sim os grandes estimuladores da produção, da geração de empregos, das rendas e, com conseguinte, o agente fomentador do crescimento econômico.

A lógica do pensamento liberal é atraente, o Estado é o agente burocrático e ineficiente, sua retirada da economia será o grande agente estimulador do desenvolvimento econômico. Na história econômica brasileira este pensamento não se efetivou, sem os investidores governamentais a sociedade nunca se transformou no século passado, principalmente entre 1930/1990, quando os investimentos estatais foram fundamentais, devidos aos riscos acelerados e crescentes  dos investidores privados, além das dificuldades de maturação dos investimentos, no Brasil, os investidores privados estão sempre esperando os investidores governamentais, aguardando a diminuição dos dispêndios dos Estados, posteriormente, somados por investimentos privados nacionais e internacionais.

Sem investidores do Estados na coordenação da economia brasileira, somados a uma abertura do país, os impactos seriam generalizados, incrementando nossa desindustrialização e uma reprimarização da estrutura econômica e estrutura, consolidando o país como um país mais dependente e marcados por uma menor soberania, cujos impactos sobre o emprego seriam altamente negativos para a sociedade, aprofundando o modelo chamada de uberização, com altas cargas de trabalhos, sem proteção trabalhista e degradação social. Estamos num momento de grandes desafios enquanto civilização, instituindo nosso modelo de subcidadania, violências, pobrezas, explorações e exclusão social.

Os recursos destinados pelo governo federal foram significativos, mas cujos impactos sobre a economia foram reduzidos, com isso, percebemos que as quebradeiras sobre as empresas, principalmente pequenas e empresas, cresceram rapidamente. Embora os recursos foram canalizados pelos canais governamentais, a demora da liberação de recursos foi elevada, as garantias para os empréstimos foram reduzidas e dificultaram a chegada nas empresas, com isso, muitos empregos foram perdidos, empresas foram para a falência, reduzindo as arrecadações públicas e ampliando os déficits dos governos municipais e estaduais, incrementando os desequilíbrios dos setores públicos.

Na economia brasileira contemporânea, encontramos alguns desafios crescentes, um governo caracterizado pelo pensamento fiscalista e liberal, caracterizado pelo discurso da austeridade fiscal e pela redução dos repasses dos governos. Estamos próximos de termos o maior déficit público da nossa história econômica, estamos aproximando de um déficit de 1 trilhão de reais, um recorde histórico. Quando o assunto é o déficit público deste ano, muitos argumentos dos defensores dos pensamentos liberais estão perdendo força, ou seja, os economistas ortodoxos que muitos anos alardearam que o Estado Nacional estava quebrado e que o dinheiro tinha acabado, percebemos que a conjuntura econômica está se mostrando que existem mais espaços fiscais. O Estado não está falido como muitos querem demonstrar, cabendo aos gestores públicos utilizarem os recursos para investimentos mais planejados e bem estruturados, com melhores retornos sociais, políticos e econômicos fundamentais, numa conjuntura marcado por pandemia generalizada e desagregação social.

Nesta pandemia, percebemos uma discussão entre os economistas, uns advogam que a economia brasileira terá uma recuperação em V, ou seja, depois do fundo do poço a economia vai retomar o crescimento, com novos surtos de crescimento e investimentos produtivos estimulados pelos agentes econômicos privados. De outro lado, não estamos dando mostras de recuperação econômico, estamos próximos de um modelo L, ou seja, depois do fundo do poço vamos demorar muito para retomar o crescimento, com grande sofrimento para toda a sociedade, com levas de desempregados e subempregados, com incremento na informalidade, na queda da renda e dos salários.

Neste momento de pandemia, marcados por mais de 60 mil óbitos, os governos deveriam estar construindo uma nova estrutura nacional, repensando o planejamento e buscando a construção de um projeto de país, reestruturando os setores industriais, canalizando recursos do BNDES para uma reindustrialização, fortalecendo as estruturas econômicas, com fortes investimentos em ciência e tecnologia, estímulos crescentes para a inovação e para educação nacional, melhorando os indicadores educacionais, sem estas melhoras nas áreas do conhecimento, o futuro da sociedade brasileira vai ser mais medíocre, percebendo nossas desigualdades crescentes e uma piora dos indicadores sociais.

Vivemos um momento único para a sociedade global, neste momento de grandes instabilidades e incertezas, faz-se necessário uma atuação dos Estados Nacionais, deixando de lado críticas em erros e equívocos anteriores, sabendo que estes erros aconteceram e ainda acontecem, mas os sucessos anteriores também devem ser  destacados, mesmo assim, sua atuação devem ser necessárias e fundamentais para deixar em instante de dúvidas e medos dirimidos, auxiliando nossos futuros de um período de mais solidariedade, equilíbrio e bem-social.

A democracia vai fracassar se não pensarmos como cidadãos, por Martin Wolf

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Pandemia da Covid-19 pode ser choque transformador para sociedades ocidentais 

Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

07/07/2020 – Folha de São Paulo

LONDRES | FINANCIAL TIMES

“Está claro, então, que a melhor parceria em um Estado é aquela que opera através da classe média, e esses Estados em que a classe média é maior e mais forte, se possível, que as outras duas classes somadas, ou pelo menos, em que ela é mais forte que qualquer das outras duas isoladamente, terão todas as chances de ter uma Constituição bem gerida.”
​“Política”, de Aristóteles.

A covid-19 está sendo um choque global. Mas será um choque transformador? A resposta é que ela pode ser um evento transformador para várias sociedades ocidentais, especialmente os Estados Unidos e o Reino Unido.

Para as democracias liberais ocidentais, a era do pós-Segunda Guerra Mundial pode ser dividida em dois sub-períodos. O primeiro, mais ou menos entre 1945 e 1970, foi a era de um consenso “social democrata”, ou, como os americanos talvez dissessem, um consenso “New Deal”. A segunda, que começou por volta de 1980, foi a do “mercado livre global”, ou “o consenso Thatcher-Reagan”.

Entre esses dois períodos houve um interregno –a década de 1970, marcada pela inflação alta. Parece que agora estamos vivendo outro interregno, que começou com a crise financeira global.

Essa crise prejudicou a ideologia do livre mercado. Mas esforços valorosos foram feitos em todo o mundo ocidental para restaurar o “ancien régime”, com o resgate do sistema financeiro, a adoção de regulamentação financeira mais rigorosa e a austeridade fiscal.

O coronavírus expôs fragilidades de nosso modelo econômico e social.

Na verdade, a ascensão do nacionalismo populista veio depois desta tentativa de restauração. Com seu protecionismo e bilateralismo, sua promessa de preservar a previdência social e a sua ênfase inicial (desde então esquecida) sobre a reconstrução da infraestrutura, Donald Trump tornou-se líder de seu partido justamente por não ser um republicano tradicional, defensor do livre mercado.

Com sua promessa de ajudar as regiões mais pobres e suas referências favoráveis ao “New Deal” de Franklin Delano Roosevelt, também Boris Johnson vem indicando um novo rumo a seguir.. Esses líderes enterraram Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

O coronavírus, agora, causou um retorno ainda mais dramático ao papel central do governo do que o que se viu com a crise financeira. Isso pode assinalar o fim do segundo período de transição do pós-guerra.

Em torno de qual ideia a política, a sociedade e a economia podem girar agora? A resposta deveria ser a cidadania, um conceito que remete às cidades-Estado dos gregos e de Roma. Isso é mais do que uma mera ideia política.

Como Aristóteles também disse, “o homem é um animal político”. Para ele, só somos plenamente humanos quando somos participantes ativos em uma comunidade política.

Em uma democracia, as pessoas não são apenas consumidores, trabalhadores, empresários, poupadores ou investidores. Somos cidadãos. Esse é o elo que vincula as pessoas em uma empreitada comum.

No mundo de hoje, a cidadania precisa ter três aspectos: lealdade às instituições políticas e legais democráticas e aos valores de diálogo aberto e tolerância mútua que as sustentam; preocupação com a capacidade de todos os concidadãos levarem uma vida realizada; e o desejo de criar uma economia que permita o florescimento dos cidadãos e de suas instituições.

A razão mais importante para se enfatizar a cidadania hoje é a que foi delineada por Aristóteles quase dois milênios e meio atrás.

Uma condição necessária à estabilidade de qualquer democracia constitucional é uma classe média robusta (é isso o que se quer dizer quando se fala das pessoas na parte do meio da distribuição de renda).

Na ausência dela, o Estado corre o risco de se converter em plutocracia, demagogia ou tirania.

Com o esvaziamento da classe média, até mesmo as democracias liberais arraigadas agora correm perigo. Como argumentam Eric Lonergan e Mark Blyth em “Angrynomics”, a combinação de novas realidades econômicas adversas e injustiças manifestas deixou muitas pessoas enfurecidas.

Em “Deaths of Despair and the Future of Capitalism” (mortes de desespero e o futuro do capitalismo), Anne Case e Angus Deaton argumentam que essas novas realidades também estão levando muitas pessoas a sofrer problemas graves de saúde.

Eles destacam que os índices de letalidade dos brancos americanos de classe média vêm subindo desde 2000. Algo semelhante parece estar ocorrendo mais recentemente no Reino Unido.

“As mortes provocadas pelo desespero”, eles sugerem, “são prevalentes entre aqueles que foram deixados para trás, cuja vida não se desenrolou como eles previam”.

Como foi que chegamos aqui? Como a Covid-19 se encaixa nisso? E de que modo nossas ideias e políticas públicas precisam mudar?

O acordo do pós-guerra funcionou bem por algum tempo. Era igualitário e economicamente dinâmico, especialmente em países que haviam sido devastados pela guerra.

Os governos ocidentais assumiram um papel ativo na gestão de suas economias domésticas e, ao mesmo tempo, ampliaram e liberalizaram o comércio externo.

Intelectualmente falando, essa deveria ser chamada a Era de Keynes. Mas ela morreu com a alta da inflação, que precipitou a insatisfação trabalhista e o desaquecimento econômico dos anos 1970.

A era keynesiana foi seguida pela de Milton Friedman, caracterizada pela globalização, os mercados liberalizados, impostos marginais baixos e foco sobre o controle da inflação.

Essa nova era levou a grandes conquistas, notadamente reduções na desigualdade global e na pobreza de massa. Foi também uma era de inovações importantes, especialmente na tecnologia da informação.

Não menos importante, também, ela foi a era em que o comunismo soviético desabou e o ideal de democracia se propagou pelo mundo.

No entanto, vários grandes pontos fracos vieram à tona. O crescimento econômico nos países de alta renda tendia a ser baixo em relação ao que foi conquistado na era do pós-guerra.

A distribuição de renda e riqueza foi ficando mais desigual. O valor econômico da mão de obra relativamente pouco instruída caiu em relação à de pessoas com formação universitária.

Os mercados trabalhistas ficaram mais “flexíveis”, mas os ganhos se precarizaram. Quanto mais desigual a sociedade, menor é a mobilidade social.

Nas culturas que enfatizam a obrigação de cada um cuidar de si, a desigualdade, enquanto tal, pode não ser tão social e politicamente desestabilizadora.

Mas a percepção de que as perspectivas que as pessoas têm para si mesmas e para seus filhos estão deteriorando tem muita importância. E um senso forte de injustiça, também.

É aqui que ganha relevância a ideia de “capitalismo manipulado” ou “fraudulento”. Um aspecto disso é o crescimento excessivo do setor financeiro.

Outro é a transição para a maximização do lucro dos acionistas como meta única das empresas e a tendência associada de recompensar os diretores de empresas em proporção com os preços das ações.

Outro aspecto é o declínio da concorrência, documentado, no que diz respeito aos EUA, por Thomas Philippon em seu livro. Também é relevante a sonegação de impostos, notadamente por corporações.

Permitiu-se que multinacionais americanas declarassem uma parte enorme de seus lucros no exterior em pequenas jurisdições onde os impostos são baixos.

Essas oportunidades e muitas outras em diferentes áreas não estão apenas sendo aproveitadas. Estão sendo criadas ativamente, por meio do trabalho de lobby.

Por mais conveniente que seja colocar a culpa em outros países, não são eles os culpados. O comércio internacional, especialmente o crescimento repentino das importações de bens manufaturados da China na primeira década deste século, provocou choques locais.

Mas o economista de Harvard Elhanan Helpman conclui uma revisão da literatura especializada dizendo que “a globalização, sob a forma de comércio externo e da transferência de operações de empresas para outros países, não contribuiu muito para a desigualdade crescente”.

Muito mais importante que isso vêm sendo as transformações tecnológicas. Tem sido especialmente significativo o aumento rápido da produtividade no setor manufatureiro, como argumenta Martin Sandbu em “The Economics of Belonging” (a economia do pertencimento). Outro fator importante tem sido a demanda crescente por mão de obra qualificada em relação à não qualificada.

O declínio do setor manufatureiro como fonte de emprego vem tendo efeitos adversos em cidades e regiões em que esse setor se concentrava.

Quando fábricas são fechadas ou demitem uma parte grande de sua força de trabalho, a economia local mais ampla também é adversamente afetada.

Essas regiões “deixadas para trás” viraram um elemento crucial nas coalizões dos insatisfeitos. Enquanto isso, as cidades, especialmente as grandes metrópoles, são centros dinâmicos que atraem pessoas altamente instruídas e novas atividades, como notou o economista Paul Collier, da Universidade Oxford.

A crise financeira global foi fruto da liberalização financeira no contexto dos desequilíbrios macroeconômicos crescentes, como argumentam Matthew Klein e Michael Pettis em “Trade Wars are Class Wars” (guerras comerciais são guerras de classe).

As consequências mais importantes foram o colapso econômico repentino, os resgates ao setor financeiro, a ênfase subsequente em frear os gastos governamentais e o desaquecimento do crescimento econômico pós-crise. Na zona do euro, isso tudo foi exacerbado pelo modo como os países credores pregaram sermões aos países em dificuldades, criticando-os por sua alegada irresponsabilidade.

Donald Trump tornou-se presidente dos Estados Unidos e Boris Johnson virou primeiro-ministro do Reino Unido porque conseguiram incorporar em suas coalizões conservadoras o ressentimento daqueles que se sentem “deixados para trás”. Isso, por sua vez, foi em parte uma reação de grandes setores das antigas classes trabalhadoras à transformação das legendas tradicionais da esquerda (Trabalhista, no Reino Unido, e Democrata, nos EUA) em partidos mais representativos dos eleitores cosmopolitas com instrução universitária e das minorias étnicas e culturais.

Alguns argumentam que enxergar essas mudanças políticas em termos econômicos é um erro.

Eles propõem que essas mudanças são reações a transformações culturais, como a imigração, o novo papel exercido pelas mulheres e os novos usos e costumes sexuais.

Isso não é muito convincente, por duas razões: primeiro, porque transformações culturais e econômicas não podem ser vistas em separado, e, segundo, porque a cultura não muda em tão pouco tempo.

O que precisa ser explicado são as mudanças no comportamento de eleitores. A resposta está nas lealdades mutantes de pessoas que passaram a sofrer de ansiedade em relação à sua própria situação –o medo de estarem vivendo à beira de um abismo econômico ou já estarem caindo nesse abismo.

No meio desta situação já tensa e difícil chegou a tempestade da Covid-19. Esta, por sua vez, vem tendo pelo menos cinco efeitos importantes.

Em primeiro lugar, ela causou um fechamento econômico para frear a propagação da doença. Isso se deu às expensas dos jovens, relativamente imunes aos efeitos do vírus, e em favor dos idosos, mais vulneráveis.

Em segundo lugar, a crise do coronavírus tende a atingir as mulheres mais fortemente que os homens, e os trabalhadores não qualificados mais que os qualificados.

Isso se explica pela relativamente alta participação de mulheres em alguns setores de serviços fortemente atingidos pela crise (e de alto risco) e pela capacidade de uma parcela maior de profissionais qualificados poderem trabalhar de suas casas, em segurança.

Em terceiro lugar, o coronavírus parece exacerbar muitas desigualdades anteriores. Parte do maior apoio foi dado ao setor financeiro, como aconteceu na crise financeira.

Em quarto lugar, a pandemia impôs gastos fiscais muitíssimo maiores, mesmo em comparação com a crise financeira. Isso agora levanta a pergunta de como essa dívida será administrada e quem vai pagá-la.

Em quinto lugar, o vírus mostrou o poder e os recursos disponíveis do Estado. Reagan costumava dizer que “as 9 palavras mais assustadoras da língua inglesa são: ‘eu sou do governo e estou aqui para ajudar’”.

Era a frase que resumia melhor a filosofia da era que ele ajudou a criar. Hoje está de volta a demanda não apenas de ajuda do governo, mas de ajuda de um governo competente.

Então o que pode significar um retorno à ideia da cidadania, neste novo contexto?

Não significa que o Estado não deve se preocupar com o bem-estar dos não cidadãos. Tampouco significa que o Estado enxerga o sucesso de seus próprios cidadãos como contrapartida do fracasso de outros.

Pelo contrário – ela busca relações mutuamente benéficas com outros países.

A ideia de cidadania não quer dizer que os países devem se isolar de intercâmbios livres e frutíferos com outras sociedades. Corretamente regulamentados, o comércio internacional, a circulação de ideias, a circulação de pessoas e a circulação de capital podem todos ser altamente benéficos.

Essa ideia não significa que os países devem evitar cooperar estreitamente com outros países para alcançar metas compartilhadas. Isso se aplica sobretudo às ações que visam proteger o meio ambiente global. O que ela significa é que a primeira preocupação dos Estados democráticos é o bem-estar de todos seus cidadãos. Para que isso vire realidade, determinadas condições devem estar presentes.

Cada cidadão deve ter a possibilidade razoável de alcançar uma educação que lhe permita participar o mais plenamente possível na vida de uma economia moderna altamente qualificada.

Cada cidadão também precisa desfrutar a segurança necessária para prosperar, mesmo que sofra o infortúnio da doença, deficiência física ou outros.

Cada cidadão precisa desfrutar a proteção no trabalho necessário para não ser sujeito a abusos, tanto físicos quanto mentais. Cada cidadão também deve poder cooperar com outros trabalhadores para a proteção de seus direitos coletivos.

Os cidadãos bem-sucedidos devem prever pagar impostos que sejam suficientes para sustentar essa sociedade. As corporações precisam entender que têm obrigações para com as sociedades que possibilitam sua existência.

As instituições políticas precisam estar abertas à influência de todos os cidadãos, não apenas dos mais ricos. As políticas públicas devem ter o objetivo de criar e conservar uma classe média vigorosa e ao mesmo tempo assegurar uma rede de segurança para todos.

Todos os cidadãos têm direito a tratamento igual, independentemente de raça, etnia, religião ou gênero.

Os cidadãos têm o direito de decidir quem é autorizado a vir para seus países e trabalhar neles e quem tem o direito de dividir com eles as obrigações e os direitos dos cidadãos.

A política deve tratar exatamente de como essas metas podem ser alcançadas. Mas isso não significa um retorno aos anos 1960. O mundo já se transformou profundamente demais desde então, na maioria dos aspectos para melhor.

Não vamos voltar para um mundo de industrialização em massa, onde a maioria das mulheres com instrução superior não trabalhava, onde havia hierarquias étnicas e raciais claras e onde os países ocidentais dominavam.

Ademais, além da mudança climática, enfrentamos a ascensão da China e a transformação do trabalho pela tecnologia de informação, desafios muito diferentes.

Mas algumas coisas continuam iguais. Os humanos precisamos agir coletivamente, além de individualmente. Em uma democracia, agir juntos significa agir e pensar como cidadãos. Se não o fizermos, a democracia vai fracassar. É dever de nossa geração assegurar que isso não aconteça.

Tradução de Clara Allain

 

“Enxergar e Ver”, por Lília Schwarcz.

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Reflexão sobre monumentos e estátuas leva historiadora e antropóloga Lilia M. Schwarcz a uma análise mais profunda sobre o racismo estrutural no Brasil: ‘Não teremos democracia enquanto continuarmos racistas’

‘Por que será que todos os nossos heróis são homens e brancos?’

Entrevista com Lilia Moritz Schwarcz

Estado de São Paulo – 14/06/2020 – Daniel Fernandes

Enxergar é biológico. Ver é opção cultural. O Brasil descrito por Lilia Moritz Schwarcz, historiadora, antropóloga e autora de livros como ´Sobre o Autoritarismo Brasileiro´ e ´Lima Barreto: Triste visionário´, é o de heróis brancos e masculinos, nunca negros, nunca femininos. É o Brasil inserido na civilização ocidental que, mais uma vez, enxerga e não vê quais deveriam ser seus monumentos e esculturas. É o Brasil que não vê que perpetuou a escravidão por todo o seu território – mais de 4,8 milhões de pessoas foram privadas de liberdade. É o mesmo país que, segundo a escritora, não vê que a morte de Marielle matou também um outro Brasil, com mais oportunidade. Um país que enxerga mas não vê que enquanto for racista não terá democracia. A seguir, a entrevista concedida por telefone ao Estadão.

A minha pergunta inicial seria: você é contra ou a favor da retirada desses monumentos, dessas estátuas de escravocratas? Mas não sei se é tão simples assim se posicionar de um lado ou de outro. Mas queria começar com essa pergunta.

Eu acho que a questão é equivocada, que não se trata de ser contra ou a favor porque não se trata de abrir ou fechar um partido político que seja a favor ou contra esse tipo de manifestação. Eu sou a favor da reflexão em cima desse tipo de manifestação. Eu sou absolutamente a favor porque nós crescemos com uma historiografia que se chama de universal, mas que não é universal. É uma historiografia que se detém sobretudo nas conquistas e nos feitos das sociedades européias e depois norte-americanas. Um bom exemplo aqui é por que será que no Brasil, que foi colonizado por portugueses, mas também indígenas e várias Áfricas, vários africanos, não temos na nossa história uma referência a todas essas origens? Ou seja, não se fala das inúmeras Áfricas que chegaram ao Brasil, as tecnologias, as filosofias, as culturas materiais, as religiões que vieram nos navios negreiros. Também não comentamos os inúmeros povos indígenas que estavam no Brasil quando os portugueses chegaram.

Falamos de descobrimento de uma terra que já estava densamente povoada. Os historiadores mostram que nas Américas, na América do Sul sobretudo, a população respondia, em termos de quantidade, à população da Península Ibérica no mesmo contexto. Mas, mesmo assim, falamos de descobrimento. O que isso revela? Revela uma narrativa histórica muito marcada por uma só experiência. Por que será que toda a nossa imaginação é uma imaginação branca? Por que será que todos os nossos heróis são homens e brancos? Quase não temos mulheres, quase não temos heróis negros. Se as imagens dos heróis podem ser inventadas, isso é o que acontece com boa parte dos monumentos, não sabemos como eram as imagens dessas pessoas, assim como não sabíamos qual era a imagem de Tiradentes. Ela foi criada entre o final do Império e o começo da República para que ele figurasse um herói branco, republicano, mas também religioso, por isso Tiradentes hoje na imaginação se parece tanto com Jesus Cristo. Por que será que nós não criamos uma imaginação negra?

Então, voltando a sua pergunta, porque ela está equivocada. Porque o que a gente não percebe é que esses monumentos, essas esculturas, reforçam uma imaginação somente ocidental. Mais ainda: uma imaginação, por vezes, muito violenta. Nós apaziguamos a violência. Eu sou absolutamente a favor da retomada crítica desses espaços simbólicos porque eu sou historiadora e antropóloga e eu acredito piamente na eficácia simbólica para o poder político. Ou seja, não se trata de ingenuamente contar com uma escultura de um traficante de escravos. Se trata de glorificar e enaltecer essa figura. De lembrar para esquecer. O que você lembra? Que ele foi do parlamento – estou me referindo ao caso mais gritante no momento, inglês. E o que se esquece? Que ele traficou vidas humanas durante muito tempo. E também, o que se esquece? Que a Inglaterra, a Grã-Bretanha, não era só essa grande civilização. Ela compactou com a barbárie. Então, esse é o meu a favor.

Penso sim que recuperar esses espaços simbólicos é um ato muito significativo. Como nós vamos recuperar é uma outra questão. Eu, particularmente, acho que não é o caso de destruir apenas. Eu faria, por exemplo, um memorial crítico da escravidão. um memorial crítico da colonização. Ou então, colocaria ao lado dessas, esculturas que tensionem esses regimes de verdade. Esculturas que digam o oposto sobre essa pessoa. Existem muitos mecanismos de fazê-lo, mas, por vezes, é preciso começar radicalizando para que a sociedade preste atenção. Porque o que acontece no nosso cotidiano, nós não vemos. Existe uma diferença muito grande entre enxergar e ver. Enxergar é uma faculdade biológica, ver é uma opção cultural. Eu penso que os brasileiros e de uma maneira geral a civilização ocidental enxerga, não vê. É isso que fazemos diante dessas esculturas, desses monumentos.

Eu li no New York Times uma entrevista do professor (do John Jay College of Criminal Justice) Erin Thompson. Ele diz que a queda das estátuas é um sinal de que o que está em questão não é apenas o nosso futuro, mas também o passado como nação, sociedade e mundo. Nesse sentido, eu pergunto se isso é sinal de que precisa haver uma ruptura. Você entende que é um olhar para o passado tudo isso que está acontecendo a partir do movimento de Black Lives Matter?

Eu digo lá no meu livro Sobre o Autoritarismo (Sobre o Autoritarismo Brasileiro, Companhia das Letras, 2019) que o nosso presente está cheio de passado. Ou seja, que nós vivemos entre fantasmas. Disse o poeta Carlos Drummond de Andrade que toda história é remorso. O que nós fazemos com isso? Nós silenciamos os nossos fantasmas, não queremos viver com eles. O que nós estamos vivendo, não só nesse momento, também provocado pelo Black Lives Matter, mas não só, é um movimento de revisão da história. Isso não quer dizer apagamento da história. Isso quer dizer que deveríamos falar de ‘histórias’ no plural. Nós temos que ter muitas histórias para contar e não uma história para contar.

Então, o que sou totalmente contra é com essa ideia de que vamos apagar totalmente a história. Ninguém apaga. A história é assim: o historiador Jacques Le Goff falou, e também o historiador (Achille) Mbembe, que a história é feita a partir das nossas perguntas. Ou seja, por que será que a história do final do século 19 foi uma história eminentemente política e a história do começo do século 20, uma história eminentemente social? A história que nós vivemos foi uma história muito cultural e por que agora vamos viver este momento em que a história se detém sobre direitos civis? Porque essa é uma linguagem que vai nos socializando. Então, um documento nunca diz nada para um historiador. Um documento só diz a partir das perguntas que nós fizemos a ele.

Essas perguntas têm a ver com os tempos que nós presenciamos. Vou dar um exemplo prático: quando eu escrevi a biografia do Lima Barreto (Lima Barreto: Triste Visionário, Companhia das Letras, 2017), já existiam biografias fundamentais sobretudo a de Francisco de Assis Barbosa, que praticamente recriou o Lima Barreto. Eu considero que o Lima Barreto não existiria sem Francisco de Assis Barbosa. O que eu fiz lá? Fiz uma pergunta nova para o mesmo objeto, ou seja, de que maneira a tensão racial impacta a biografia de um escritor como Lima Barreto? Até dizer que Lima Barreto morreu com 41 anos e que no atestado de morte devia estar escrito assim: morreu de racismo.

Os documentos estão lá, claro, cada um acha novos documentos, mas a pergunta é que é diferente. Aquilo que nós queremos saber é que é diferente. Os arquivos da escravidão são violentos, são arquivos silenciosos e o que está acontecendo agora grandemente no Brasil e em outros países? Nós voltamos a esses arquivos coloniais e fazemos outras perguntas a eles e com isso nós achamos outros personagens, outras realidades. Escravizadas que compravam sua liberdade, e compravam a dos seus filhos também. Descobrimos tantas insurreições, tantas rebeliões, tantos atos. Não que eles não estivessem lá, eles estavam lá, mas nós precisamos fazer outras perguntas para encontrar um projeto de história que seja mais amplo, mais generoso e mais plural.

Você escreveu com Flávio Gomes na introdução do ´Dicionário de Escravidão e Liberdade´ (Companhia das Letras, 2018) que projetando um futuro moderno se inventava um passado distante. Lá atrás, lá distante, tinha ocorrido a escravidão. Eu queria te perguntar o seguinte: o quanto da Lei Áurea, que vocês mesmo escrevem que foi breve e sem inclusão social, você acha que contribui para um racismo estrutural hoje no Brasil?

O Brasil não foi apenas o último país a abolir a escravidão mercantil, porque eu sei que existem outras formas de escravidão vigentes hoje em dia, mas foi também aquele que recebeu o maior número de escravizados e escravizadas. Dos 12 milhões de africanos e africanas que deixaram compulsoriamente o continente africano, hoje se diz que 10 milhões desembarcaram nas Américas e no Caribe. Desses, 4,8 milhões tinham como destino final o Brasil. Pelos portos do Recife, do Rio de Janeiro, Salvador, pouco importa aqui. Mas o Brasil recebeu praticamente metade dos escravizados.

Nós tivemos, diferente de outros países escravocratas, escravidão em todo o nosso território. Isso fez da escravidão mercantil mais do que uma força de trabalho, fez da escravidão mercantil uma espécie de linguagem social. E essa linguagem traz muitas consequências para nós. Eu entendo sua pergunta, que é excelente, mas eu não acho que a gente tem que dizer que tudo é culpa da Princesa Isabel. Nós tivemos trabalho escravizado em todas as partes do Brasil. Nós também não tivemos, como diz uma certa mitologia, uma escravidão pacífica. Isso seria uma contradição em seus termos porque o sistema que pressupõe a posse de uma pessoa por outra pessoa não pode ser pacífico, não é?

Nós tivemos também uma Lei Áurea, a lei de 1888, quando o Brasil aboliu a escravidão depois dos Estados Unidos, depois de Cuba, depois de Porto Rico, portanto, estávamos na lanterninha do movimento abolicionista. E fizemos uma lei muito curta e muito conservadora, uma lei que tinha uma intenção política de dar à Isabel um terceiro reinado, que acabou não acontecendo. O plano falhou. Mas o fato é que na época existiam outros projetos correndo muito mais inclusivos, que previam ressarcimentos, que previam trabalho, que previam educação, mas a nossa lei saiu curta, saiu muito breve e saiu muito conservadora. ‘Não existem mais escravos no Brasil’.

Quais são os problemas disso? Primeiro, nós divulgamos a ideia de que a Princesa Isabel nos deu a liberdade. A pergunta é a seguinte: alguém pode dar a liberdade uma vez que esse é um direito de toda a humanidade? Ninguém pode lhe dar isso. Esse foi um processo de luta, um processo que teve muito ativismo negro e a Lei Áurea foi apenas o ponto final. Mas o que acontece a partir de então? Nós temos um longo período do pós-abolicionismo que tem data para começar e não tem data para terminar. E mesmo assim, já nesse momento, você vê várias práticas discriminatórias. Ao mesmo tempo, você vê o surgimento dos artistas negros, dos jornais negros, enfim, de personagens negros que se elegem para a política, de cantores que falam das mazelas, de teatrólogos que denunciam a escravidão e assim vamos. Então, o que acontece, é que a Lei Áurea tem um papel nesse nosso racismo estrutural e institucional, este é um legado pesado que nós temos.

Mas sua questão é muito boa porque não dá para dizer que é tudo culpa do passado porque, se não, nós fazemos a coisa que nós mais gostamos, ou seja, nós nos aliviamos da nossa culpa. E não é coisa do passado, ela é coisa do nosso presente porque no momento em que eu você conversamos aqui o Brasil pratica um racismo estrutural e institucional. Ele é estrutural porque ele está na estrutura, na base da nossa sociedade. A escravidão legou essa linguagem social muito perversa. Então, ela está na base da nossa sociedade de que forma? Nos dados sobre emprego, nos dados sobre subemprego, nos dados da saúde – na atual pandemia nós já temos dados mostrando que são as populações negras as que estão sendo mais afetadas. Nos dados da educação, porque nós sabemos que são as populações negras que menos conseguem cumprir com o ciclo básico obrigatório. É estrutural porque nós nos acostumamos a ir nos espaços sociais e não convivermos com as pessoas negras. Nós não temos uma lei do Apartheid, mas na nossa prática vivemos em cidades divididas. Não só a Lei Áurea, mas o que essa grande mitologia da democracia racial fez entre nós?

Ela naturalizou o racismo e naturalizou a diferença. O racismo também é institucional porque nós não vemos pretos e pardos, que segundo categorias do IBGE correspondem a quase 56% da nossa população, em instituições em posições de mando, de direção; ela é absolutamente desequilibrada em relação a esse porcentual. É institucional porque eu não vejo negros nas direções das escolas, quase não vemos negros no ambiente corporativo, quase não vemos negros e negras na indústria da moda, quase não vemos negros e negras nas nossas esculturas e monumentos públicos, então, isso é um racismo institucional e essa é a perversão do racismo institucional, porque ele naturaliza e faz com que as pessoas enxerguem, mas não possam ver.

Você fala que o racismo é uma questão presente. E tivemos, nos Estados Unidos, a partir de um caso, uma ruptura. As pessoas vão às ruas mesmo em meio a uma pandemia. Essa ruptura talvez seja o começo de uma mudança. Olhando para o Brasil, como você acha que pode se dar essa ruptura? Ela é uma ruptura traumática, nos sentido de que pode ser violenta, ou é uma coisa de crescimento da sociedade para olhar e mudar esse presente?

Essa situação já existe há muito tempo, não é de hoje que a polícia brasileira é considerada uma das mais violentas do mundo e não é de hoje que estamos praticando um genocídio da população negra, jovem e que vive nas nossas periferias. Eu sei que o termo genocídio aplica-se a situações de guerra, mas os números são tão fortes, eu mostro no Sobre Autoritarismo que nós temos em guerras civis, como a guerra civil no Afeganistão e a guerra civil na Síria. Só que mais uma vez nós enxergamos, mas não vemos.

Há quem pergunte assim: por que será que nos Estados Unidos, que têm uma população negra que corresponde de 11% a 12%, um evento como esse do George Floyd em Mineápolis causa muito mais comoção do que aqui no Brasil a morte de Miguel, a morte de João Pedro? Eu acho que, mais uma vez, a pergunta está errada. Me lembra muito aquela conversa que Lewis Carroll faz entre Humpty Dumpty e a Alice, quando ela precisa tomar um líquido para diminuir e entrar no País das Maravilhas. E ela só tem um rótulo, que está escrito ‘Beba-me’ e ela fala como é que eu vou saber qual é o certo se o rótulo diz a mesma coisa. E o Humpty Dumpty responde: um, aquele que acredita em rótulos, em geral, se engana. Dois, aquele que faz perguntas erradas recebe respostas erradas. Eu acho que a questão é outra. A questão é que não é que a população negra no Brasil não se manifesta, mas se a gente pensar a primeira revolução republicana, que foi a Revolta da Vacina de 1904, já era uma revolta negra contra as medidas autoritárias da república.

A pergunta certa seria: por que será que a sociedade brasileira, e a mídia brasileira, de uma forma geral, não cobrem esses eventos com a devida responsabilidade que deveriam ter? De novo é uma questão de cegueira cultural. Porque nos Estados Unidos, o que acontece, essa linguagem dos direitos civis, a linguagem do direito, a diferença na universalidade é um ganho do século 20. Democracia sim, é projeto inconcluso. Mas é certo que nós só chegamos nessa linguagem dos direitos civis como nação no final da década de 1970. Então, eu acho que o que está acontecendo aqui no Brasil, no mundo também, é essa ideia de prestar atenção às nossas invisibilidades, prestar atenção para os nossos tantos silêncios. E os silêncios em relação às questões raciais são silêncios muito profundos.

Outro dia uma amiga minha negra estava me falando sobre as colunas sociais, e é verdade. As colunas sociais até pouquíssimo tempo e ainda continuam a ser esse espaço da branquitude. O que é a branquitude, e eu falo como branca, é o privilégio de poder estar em qualquer lugar, é o privilégio de não ser parado pela polícia, é o privilégio de não ter de entrar pelo elevador de serviço, é o privilégio de frequentar o restaurante que quiser sem que as pessoas fiquem olhando, é uma política de privilégios e essa política de privilégios será mantida se as elites não quiserem ter atitudes antirracistas.

Não é possível prever se teremos uma convulsão social, se teremos um aprimoramento da nossa cidadania, mas com os ativismos negros que eu convivo não me parece que a posição é bélica, a posição é de construir aliados. Na minha opinião o que a sociedade branca pode fazer: primeiro, mais do que dizer ‘eu não sou racista’, prestar atenção e dizer eu quero ser antirracista. A questão não é moral. A questão não é culpa. Culpa não leva longe. A questão, na minha opinião, é de responsabilidade. Ou seja, ser antirracista é adotar atos e fazer ações antirracistas. Abrir espaço nas redações de jornais para mais editores negros e prepará-los; abrir espaço nas universidades para mais negros não só na graduação, mas na pós-graduação; abrir espaço nas empresas, nos nossos consultórios, tomar atitudes antirracismo.

Se a sociedade brasileira se mobilizar, nesse sentido, quem sabe nós teremos um aprimoramento da nossa sociabilidade e não exatamente uma guerra, mas muitas vezes é preciso enfrentar, tomar atos para que as pessoas saiam da sua posição de passividade. E reflitam. Cidadania é assim, é de cada um. Não vale dizer você tem que fazer. Cidadania é feito de grandes atos e de pequenos atos, é feito do nosso cotidiano. E é preciso que a sociedade brasileira – essa sociedade  que está vivendo uma crise que é social, que é política, que é econômica e que é moral, na minha opinião, como historiadora nunca vista antes – entenda também, e se pudesse eu grifava o também, que nós não teremos uma democracia enquanto continuarmos tão racistas. Ou seja, racismo não funciona com democracia e é essa luta por direitos que nós vamos ter que encampar.

Eu vou citar uma frase do Lima Barreto, que eu pesquei do seu livro, e gostaria que você fizesse uma reflexão do momento a partir dela. A frase é a seguinte: ‘Nós, os brasileiros, somos como Robinsons: estamos sempre à espera do navio que nos venha buscar da ilha a que um naufrágio nos atirou.’

Lima Barreto era uma pessoa muito contrária aos estrangeirismos da sociedade brasileira, acreditava que os brasileiros tinham mania de Madame Bovary – ele usava uma teoria do (filósofo Jules de) Gaultier chamada Bovarismo que ele dizia que nós brasileiros sempre queremos estar no lugar a que não pertencemos e sempre queremos nos imaginar em outro lugar. Lima Barreto estava coberto de verdade. Ele brincava que a nossa imaginação era grega, vamos espalhar colunas dóricas e jônicas pelo Rio de Janeiro. Mas do que ele reclamava nessa circunstância?

Dessa ideia de que os brasileiros não conseguem se apalpar, não conseguem ver o que eles são de fato. Era isso que ele criticava, que as lojas têm mania de Paris, que as ruas têm mania de Roma, de alguma forma dizendo como nós temos dificuldade de nos apalpar, de nos escutarmos e, sobretudo, de nos acolhermos nas nossas sublimes diferenças e nas nossas sublimes similitudes. Nesse momento que nós estamos vivendo uma pandemia, que pegou o Brasil de jeito, ou seja, um governo muito autoritário, um governo que sonega informações, o que é péssimo para nós planejarmos e projetarmos nosso futuro, mas essa questão do racismo, de tantos ´João Pedros´, de tantas Ágatas´, de tantos meninos Miguel, de tantas Marielles, precisa entrar na nossa agenda urgentemente. Quando Marielle morreu, eu penso que um sonho de Brasil, um sonho de Brasil mais cidadão, mais generoso, morreu com ela.

Por que que eu digo isso? Porque Marielle simbolizava um Brasil que conseguia incluir. Um Brasil difícil. Marielle usou de todas as franjas do sistema para fazer uma escola, entrar na universidade, fazer um mestrado, ser eleita como uma das vereadoras mais populares do Rio de Janeiro, ela sendo favelada, negra, gay, enfim, isso mostrava um outro Brasil, sinalizava uma outra possibilidade de Brasil.

Quando Marielle morre e nós ficamos, e continuamos, tanto tempo sem saber quem mandou matar Marielle isso fala da nossa amnésia coletiva. Isso fala muito da nossa forma de lidar com o racismo tentando escondê-lo, isso fala muito de uma perspectiva brasileira de que todos os brasileiros dizem que são contra o racismo, mas ninguém se diz racista. Então, enquanto nós não assumirmos esse lugar antirracista essa agenda vai continuar urgente e ela não pode mais ser postergada para um futuro indeterminado.

 

Prioridades para a economia Covid-19, por Joseph Stiglitz

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Os gastos públicos bem direcionados, particularmente os investimentos na transição verde, podem ser oportunos, intensivos em mão-de-obra (ajudando a resolver o problema do aumento do desemprego) e altamente estimulantes

Joseph Stiglitz – Project Syndicates – GGN – 09/07/2020

Com as esperanças de uma recuperação acentuada da recessão induzida pela pandemia, os legisladores devem fazer uma pausa e fazer um balanço do que será necessário para alcançar uma recuperação sustentada. As prioridades políticas mais urgentes são óbvias desde o início, mas exigirão escolhas difíceis e uma demonstração de vontade política.

NOVA YORK – Embora pareça história antiga, não faz muito tempo que as economias do mundo inteiro começaram a fechar em resposta à pandemia do COVID-19. No início da crise, a maioria das pessoas antecipou uma rápida recuperação em forma de V, supondo que a economia apenas precisasse de um curto intervalo de tempo. Depois de dois meses de carinho e montes de dinheiro, ele continuaria de onde parou.

Foi uma ideia atraente. Mas agora é julho, e uma recuperação em forma de V é provavelmente uma fantasia. É provável que a economia pós-pandemia seja anêmica, não apenas nos países que não conseguiram administrar a pandemia (a saber, nos Estados Unidos), mas mesmo naqueles que se deram bem. O Fundo Monetário Internacional projeta que, até o final de 2021, a economia global será um pouco maior do que era no final de 2019, e que as economias dos EUA e da Europa ainda serão cerca de 4% menores.

As perspectivas econômicas atuais podem ser vistas em dois níveis. A macroeconomia nos diz que os gastos cairão devido ao enfraquecimento dos balanços das famílias e das empresas, uma onda de falências que destruirão o capital organizacional e informacional e um forte comportamento de precaução induzido pela incerteza sobre o curso da pandemia e as respostas políticas a ela.  Ao mesmo tempo, a microeconomia nos diz que o vírus age como um imposto sobre atividades que envolvem contato humano próximo. Como tal, continuará a conduzir grandes mudanças nos padrões de consumo e produção, o que, por sua vez, trará uma transformação estrutural mais ampla.

Sabemos, tanto pela teoria econômica quanto pela história, que apenas os mercados não são adequados para administrar essa transição, especialmente considerando o quão repentina foi. Não há uma maneira fácil de converter funcionários de companhias aéreas em técnicos da Zoom. E mesmo que pudéssemos, os setores que agora estão se expandindo são muito menos intensivos em mão-de-obra e mais intensivos em habilidades do que os que estão suplantando.

Também sabemos que amplas transformações estruturais tendem a criar um problema keynesiano tradicional, devido ao que os economistas chamam de efeitos de renda e substituição. Mesmo que os setores sem contato humano estejam em expansão, refletindo melhorias em sua atratividade relativa, o aumento de gastos associado será superado pela diminuição nos gastos que resulta da queda de renda nos setores em retração.

Além disso, no caso da pandemia, haverá um terceiro efeito: aumento da desigualdade. Como as máquinas não podem ser infectadas pelo vírus, elas parecerão relativamente mais atraentes para os empregadores, principalmente nos setores de contratação que usam relativamente mais mão-de-obra não qualificada. E, como as pessoas de baixa renda devem gastar uma parcela maior de sua renda em bens básicos do que aquelas que estão no topo, qualquer aumento da desigualdade causado pela automação será contracionista.

Além desses problemas, há duas razões adicionais para o pessimismo. Primeiro, embora a política monetária possa ajudar algumas empresas a lidar com restrições temporárias de liquidez – como ocorreu durante a Grande Recessão de 2008-09 -, ela não pode resolver problemas de solvência, nem estimular a economia quando as taxas de juros já estão próximas de zero.

Além disso, nos EUA e em alguns outros países, objeções “conservadoras” ao aumento dos déficits e níveis de dívida impedirão o estímulo fiscal necessário. Para ter certeza, as mesmas pessoas ficaram mais do que felizes em cortar impostos para bilionários e corporações em 2017, socorrer Wall Street em 2008 e ajudar os gigantes corporativos este ano. Mas outra coisa é estender o seguro-desemprego, assistência médica e apoio adicional aos mais vulneráveis.

As prioridades de curto prazo estão claras desde o início da crise. Obviamente, a emergência de saúde deve ser tratada (por exemplo, garantindo suprimentos adequados de equipamentos de proteção individual e capacidade hospitalar), porque não pode haver recuperação econômica até que o vírus seja contido. Ao mesmo tempo, políticas para proteger os mais necessitados, fornecer liquidez para evitar falências desnecessárias e manter vínculos entre os trabalhadores e suas empresas são essenciais para garantir um reinício rápido quando chegar a hora.

Mas, mesmo com esses fundamentos óbvios na agenda, há escolhas difíceis a serem tomadas. Não devemos resgatar empresas – como varejistas tradicionais – que já estavam em declínio antes da crise; fazer isso criaria apenas “zumbis”, limitando, em última análise, dinamismo e crescimento. Também não devemos resgatar empresas que já estavam endividadas demais para poderem suportar qualquer choque. A decisão do Federal Reserve dos EUA de apoiar o mercado de títulos não desejados com seu programa de compra de ativos é quase certamente um erro. De fato, esse é um caso em que o risco moral é realmente uma preocupação relevante; os governos não devem proteger as empresas de sua própria loucura.

Como o COVID-19 provavelmente permanecerá conosco a longo prazo, temos tempo para garantir que nossos gastos reflitam nossas prioridades. Quando a pandemia chegou, a sociedade americana estava devastada por desigualdades raciais e econômicas, padrões de saúde em declínio e uma dependência destrutiva de combustíveis fósseis. Agora que os gastos do governo estão sendo desencadeados em grande escala, o público tem o direito de exigir que as empresas que recebem ajuda contribuam para a justiça social e racial, melhoria da saúde e a mudança para uma economia mais verde e baseada no conhecimento. Esses valores devem refletir-se não apenas na maneira como alocamos dinheiro público, mas também nas condições que impomos a seus destinatários.

Como meus co-autores e eu indicamos em um estudo recente, os gastos públicos bem direcionados, particularmente os investimentos na transição verde, podem ser oportunos, intensivos em mão-de-obra (ajudando a resolver o problema do aumento do desemprego) e altamente estimulantes – gerando muito mais barato do que, digamos, cortes de impostos. Não há razão econômica para que países, incluindo os EUA, não possam adotar programas de recuperação grandes e sustentados que afirmem – ou os aproximem – das sociedades que afirmam ser.

 

Tecnologia com humanidade, por Alice Ferraz.

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A mudança na comunicação a partir da existência dessas ferramentas é uma revolução no modo como conversamos e interagimos no nosso dia a dia

Alice Ferraz, O Estado de S.Paulo – 05 de julho de 2020

Há anos, trabalho no estudo da comunicação via mídias sociais e no desenvolvimento de narrativas que envolvem a transmissão de mensagens de maneira assertiva em plataformas nas quais a história deve ser construída em imagens fixas ou em takes de até 15 segundos. A mudança na comunicação a partir da existência dessas ferramentas é uma revolução no modo como conversamos e interagimos no nosso dia a dia – e também como somos impactados por informações veiculadas muitas vezes em uma única imagem ou frase que pode atingir milhões de pessoas. Entender e respeitar a força e o poder desses novos veículos que estamos todos aprendendo a usar faz parte do estar alinhado com um novo mundo. Em mais uma semana de trabalho, e assistindo ao avanço de fake news e de ataques de extrema violência nessas mídias, vou trazer para nossa conversa semanal as virtudes necessárias em 2020. A justiça é um importante ponto de reflexão para os dias de hoje.

Segundo pesquisa recente feita pelo Ibope, mais de 90% dos brasileiros afirmam que deveria haver leis que regulamentem as redes sociais para combater a disseminação de notícias falsas. Além disso, a pesquisa mostra a vontade da população para que as contas que não são de pessoas de verdade, sejam rotuladas como robôs. Um projeto de lei, que já está no Senado, pretende transformar em crime o uso de contas falsas nas redes sociais ou de robôs sem o conhecimento das plataformas. Ok, Alice, mas o que isso tem a ver com nossa busca pelas virtudes, assunto proposto para este mês de reflexões? Explico. Em cada notícia falsa disparada ou postada, existe um fator humano que colabora de maneira decisiva para que ela ganhe escala e cause estragos. Algo que explicam como “efeito manada”, termo usado para descrever o comportamento de indivíduos que reagem todos da mesma forma quando estão em grupo, mesmo sem análise ou informação suficientes para tomarem determinada decisão. Centenas e até milhares de pessoas, em efeito manada, contribuem para a dispersão das fake news. A informação falsa, distribuída via mídias sociais para grupos de amigos e seguidores, pode vir acompanhada de ataques violentos. Com esses comportamentos, as pessoas deixam de usar a Justiça, uma das mais importantes virtudes humanas. O termo virtude, segundo o dicionário, é a disposição do indivíduo de praticar o bem, são hábitos constantes que regulam nossos atos, ordenam nossas emoções e guiam nossa conduta.

Olhando por esse ângulo, cometer uma injustiça é abrir mão de uma virtude. A própria Justiça. E no mundo atual, em que informações falsas sobre quaisquer assuntos têm o poder de prejudicar a saúde, destruir relações, carreiras e negócios, como deixar só a cargo da lei e tirar nossa própria responsabilidade do que ocorre nas mídias sociais?

Como podemos, enquanto indivíduos, não nos dar conta de que cada notícia falsa e criminosa tem em nossas próprias atitudes sua plataforma de amplificação? Pessoas que compactuam com o efeito manada, munidas de suas próprias ferramentas, atacam e compartilham histórias falsas e inventadas sem pensar que podem estar cometendo injustiças. “A Justiça só existirá se a fizermos, se existem justos para defendê-la”, dizia Alain, pseudônimo do filósofo e pacifista francês Émile Chartier (1868-1951). A regra de ouro para se entender de maneira simples o lugar da Justiça é se colocar no lugar do outro. Usar a tecnologia disponível para a comunicação para disseminar informações sem comprovação seria um lugar onde nenhum de nós gostaria de estar se essas fake news fossem sobre nós e nossas famílias. Então por que agir diferente quando o assunto é com quem não conhecemos?

Mais de 150 empresas se uniram nos Estados Unidos e na Europa na campanha Stop Hate for Profit (pare de dar lucro ao ódio, em tradução livre), em que elas pretendem suspender a publicidade em algumas plataformas de mídia social como protesto pela falta de ação contra o discurso de ódio nessas redes. No Brasil, que possui a audiência mais engajada do mundo em redes sociais, liderando também os rankings de tempo de conexão diária, podemos, com mais consciência e uma busca de mais justiça, mudar o cenário de raiva para o de cuidado, usando outra virtude pouco falada, a prudência. “A ética da responsabilidade, que se preocupa com as consequências das nossas ações”, diria Max Weber. Agir e reagir de maneira impulsiva e sem prudência ou bom senso como é costume quando estamos no espaço das mídias sociais leva à injustiça. Individualmente, temos o poder para realizar essa mudança.

 

Federico Finchelstein: ‘Brasil abdicou de sua liderança regional’

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Segundo especialista, preocupa a intolerância do governo Bolsonaro e a falta de interesse pelos outros países da região

Entrevista com: Federico Finchelstein, diretor do depto. de estudos sobre América Latina da New School for Social Research

Paulo Beraldo, O Estado de S.Paulo – 05 de julho de 2020

Em vez de liderar a América do Sul, como no passado, o Brasil tem se desinteressado pelo continente, afirma o professor Federico Finchelstein, diretor do departamento de estudos sobre América Latina da New School for Social Research, de Nova York. Argentino radicado nos EUA, ele é autor do livro Do Fascismo ao Populismo na História e analisa o avanço desses movimentos nos últimos anos. A seguir, trechos da conversa de Finchelstein com o Estadão.

Como o sr. vê o momento da relação entre Brasil e Argentina?

A diferença entre Alberto Fernandez e Jair Bolsonaro não é só uma questão de posição política. Tem a ver com o conceito de democracia. O Brasil, claramente o país mais importante da região, e sobretudo o mais importante para a Argentina, seu grande sócio, é visto com preocupação entre os argentinos, e não somente pela esquerda, mas também pela direita. Há preocupação com a falta de responsabilidade do governo, com a intolerância, com as políticas e esse desinteresse total por tudo que acontece no restante da região.

Como o sr. vê o papel do Brasil como líder da América do Sul? 

Os países estão coordenando uma resposta ao coronavírus e o Brasil não participa porque, em nível federal, nega até a problemática do vírus. O Brasil deveria ser o líder da região e essa falta de liderança é muito ruim. Do lado da Argentina, que é um país onde todos estão sempre brigando, com uma grande dose de instabilidade, sempre se olhava para o Brasil como um país estável. Agora, parece que o Brasil está mais argentino que a Argentina, com grande instabilidade. A liderança do Brasil é muito importante e necessária para a região, mas o que vemos é, para dizer em termos de futebol, um país que sempre jogava em equipe e agora prefere jogar sozinho. Essa é uma percepção em muitos países da América do Sul. O Brasil deixou de ser líder e se tornou um país desinteressado pela região.

O sr. ainda acha que Bolsonaro é um dos líderes populistas mais próximos do fascismo? 

Não só continuo com a avaliação como, lamentavelmente, minha preocupação se aprofundou. Cada vez ele se aproxima mais do fascismo ao passar do autoritarismo para tentativas de destruição da democracia, que são típicas de ditaduras e do fascismo. Os exemplos são as ideias de fechar o Supremo Tribunal Federal, o Congresso e estabelecer um tipo de pretorianismo (influência abusiva do poder militar) nada democrático e tampouco típico do populismo.

O sr. diz que esses movimentos populistas estão se reformulando ao longo dos anos. Como se dá esse processo? 

Os elementos centrais do fascismo não são centrais no populismo, de esquerda ou de direita. De Perón a Vargas, de Cristina Kirchner a Silvio Berlusconi, não vemos elementos como violência política ou racismo, mas sim um desprezo pelas instituições, um certo autoritarismo, mas sempre em democracia. Com o surgimento de líderes como Donald Trump (EUA), Narendra Mori (Índia), Viktor Orbán (Hungria) e Jair Bolsonaro, eles retomam elementos que haviam ficado no passado. Trump se lançou na campanha com diversos termos racistas contra mexicanos e imigrantes. Bolsonaro fez campanha imitando um revólver na mão. Ou seja, a glorificação da violência como símbolo da política.

Como o racismo se encaixa dentro desse populismo?

Com a glorificação da violência voltam o racismo, a discriminação, a xenofobia, o fazer política com intolerância contra as minorias. Isso vira um eixo central da política. São argumentos fascistas. O elemento que falta, para passar de populismo para fascismo, é a destruição da democracia e a instauração de uma ditadura. Depende dos brasileiros resistir aos ataques contra a democracia. Também é fundamental o trabalho das instituições e do jornalismo, para que mostre os fatos para a população.

Na polarização, qualquer crítica ao governo é taxada de comunista. Como o sr. vê essa argumentação?

Essa pergunta é importantíssima para entender o fenômeno. Quando escutava falar de Bolsonaro durante a campanha, me lembrava dos discursos de Goebbels, o grande mentiroso das campanhas nazistas. Há outro elemento central desse novo populismo: são grandes mentirosos. Mas mentirosos não em um sentido cotidiano, mas em termos da técnica de propaganda. Todos que conhecessem história sabem o que é comunismo. Estamos falando de fatos históricos. Mas eles não estão falando disso, e sim de fantasias, de mitos, de propaganda que eles mesmos creem e utilizam para enganar a população. Por isso, tanto ódio ao jornalismo, porque os jornalistas mostram os fatos para os cidadãos interpretarem. E mostrar fatos vai contra as fantasias oficiais. Bolsonaro diz que o vírus é uma gripezinha, mas é uma pandemia global como vimos, a maior em cem anos.

Qual o papel de quem não está no poder? 

É importante que, frente a esse ataque, as diferenças entre setores políticos sejam menores. É preciso haver uma frente de defesa da democracia, não importa o nome. O importante é que os políticos do lado da democracia, os cidadãos e os funcionários do Estado devem defendê-la. Não é como em outros tempos. A história deixa a lição de que o fascismo venceu quando isso não aconteceu.

Pesquisas mostram a dificuldade de Trump conseguir a reeleição. Uma derrota dele enfraqueceria o movimento?

A defesa de democracia, atacada em nível global, tem de ser global. É preciso colocar evidência nas mentiras de Trump e em seu autoritarismo, suas políticas contra a ciência que provocaram mais mortes na pandemia. Isso é uma tarefa global. Então, uma derrota de Trump, já que muitos copiam o que ele faz, seria importante. Mas faltam muitos meses. No fundo, é importante que prevaleça uma defesa das instituições de Estado.

Vamos ter uma alteração estrutural da economia no pós-covid, diz Edmar Bacha

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Integrante da equipe que criou o Plano Real disse que recuperação do Brasil será lenta, mas abrirá espaço para a questão da distribuição de renda do País e o aumento dos gastos públicos

Entrevista com Edmar Bacha, economista

Vinicius Neder, O Estado de S. Paulo, 29/06/2020

Estamos em meio à recessão, mas há espaço para recuperação em “V”?

Nos Estados Unidos, como reportou a Marcelle (Chauvet, professora da Universidade da Califórnia, integrante do Codace, na reunião da última sexta-feira, 26), foi feita uma pesquisa muito interessante com economistas sobre a forma da retomada. Já houve duas rodadas da pesquisa. Na primeira, a maior parte dos economistas colocou o “V”, e, agora, todo mundo mudou do “V”, para algo que começa com um “V” inclinado, mas logo depois atinge um platô. E essa questão do platô é fundamentalmente por causa do esgotamento dos impulsos fiscal e creditício que o governo está dando. Quando isso acabar, como vai ficar? Depois, do lado do vírus, tem a questão de que isso vai exigir uma realocação muito pronunciada da atividade econômica. O mundo pós-covid não vai ser o mesmo. Vai ser bastante diferente. A natureza da atividade econômica vai ser muito distinta, com setores que vão ser beneficiados e os setores que vão ser prejudicados. Vamos ter uma alteração estrutural, se não permanente, pelo menos prolongada na estrutura das atividades econômicas.

No caso do Brasil, o quadro é diferente, já que o espaço fiscal para manter medidas é menor?

Obviamente, o Brasil tem bastante menos espaço fiscal do que os países que têm moeda-reserva. (…) Com esse agravamento do quadro fiscal, estamos indo para uma relação dívida pública sobre PIB de 100%. Agora, se temos menos espaço fiscal, temos um pouquinho mais de espaço monetário. Os juros lá (nos países desenvolvidos) já estão em zero. Isso é uma questão complexa, que vai depender muito da capacidade que temos de reestabelecer o ânimo empresarial e a disposição dos consumidores a gastar.

Os impulsos ficais ajudam no consumo das famílias, não?

Nos Estados Unidos, por causa das transferências, houve uma retomada muito forte, praticamente no nível anterior, do consumo das classes mais pobres. O consumo que está retraído é o consumo dos 25% mais ricos, do pessoal que fugiu de Manhattan. Esse consumo vai voltar quando o medo passar. O curso do vírus é que vai determinar um pouco esse processo de retomada do consumo da parte mais substantiva do total. Embora seja menos gente (os 25% mais ricos), o poder de compra é muito maior.

Isso vai acontecer no Brasil ainda?

Com certeza. Não temos ainda esse tipo de dado. Nos Estados Unidos é um pouco mais fácil porque aqui as pessoas mais pobres ainda gastam em dinheiro. Isso é mais difícil de traçar.

Diante disso, deveríamos investir na manutenção dos auxílios emergenciais?

O ideal seria a gente encontrar um espaço fiscal para fazer uma ampliação do Bolsa Família. Esse é um tema que está em discussão muito ampla, tem propostas pipocando para todo lado, algumas mais fantasiosas, outras mais realistas. Há uma coisa emergencial, que é o prolongamento do auxílio dado que o vírus não se abateu no período que estávamos com esperança que se abatesse. A outra questão é como será o formato mais ou menos prolongado desse processo.

O sr. é favorável a uma ampliação das transferências?

Acho importante, temos que discutir isso. Podemos fazer desta crise uma oportunidade para uma discussão séria sobre distribuição de renda no País.

É possível fazer isso sem reformas, como a administrativa e a tributária?

A alternativa a isso seria aumentar brutalmente os impostos, o que não é o caso. Já estamos com uma carga tributária, para nosso nível de renda, bastante alta. Temos que conseguir um jeito é de redistribuir o gasto. E tem que melhorar a qualidade dos impostos, obviamente.

Qual a consequência de continuar aumentando a dívida pública?

Isso seria autodestrutivo, porque a retomada depende do restabelecimento de um ambiente de negócios. As oportunidades estão aí. A do saneamento está sendo criada (com a aprovação, na semana passada, do novo marco regulatório para o setor). A questão é saber se o pessoal (os investidores) vai vir. Para vir, precisa ter confiança no ambiente de negócios e em tudo o mais. Num País que está com a dívida descontrolada, quem vai ser louco (de investir)?

Como fazer as reformas?

Vai ter que fazer uma redistribuição. Então, vai haver perdedores, sem dúvida. Não é fácil. Não é uma coisa para fazer do dia para a noite. Vai precisar de um debate amplo na sociedade, para ter uma avaliação muito clara para as pessoas do que se trata. Não vai chover dinheiro. Vamos tirar dinheiro de um lado e colocar no outro. É importante que esse debate seja bastante amplo, porque se depender só dos lobbies que pressionam o Congresso, não vamos chegar a lugar algum.

O sr. está mais pessimista ou otimista com os rumos da economia?

Estamos numa situação extremamente difícil. Normalmente, os períodos de expansão são muito mais prolongados do que os períodos recessivos. É uma característica do ciclo econômico tradicional. Agora, pega essa última leva. Tivemos um período recessivo, de 2014 a 2016, que é praticamente da mesma extensão (11 trimestres) que a expansão que tivemos até o ultimo trimestre do ano passado (de 12 trimestres). Só isso já é uma sinalização bastante clara da precariedade. A economia já estava andando de lado. Essa expansão não foi nada para ficar muito entusiasmado. A economia já não vinha bem das pernas. Precisamos ter um conjunto de mudanças muito substantivas para uma retomada mais vigorosa e para termos um espaço mais amplo para essa discussão dos sistemas redistributivos, que são tão importantes no Brasil.

As medidas dos países desenvolvidos podem beneficiar o Brasil com um crescimento global maior?

Já estamos nos beneficiando da retomada na Ásia. As exportações brasileiras para a Ásia estão indo muito bem, obrigado. Nesse sentido, sim, mas isso olhando para os próximos meses. A questão que se coloca mais à frente, pós-covid, é como vai ser essa reestruturação, a recomposição da economia mundial, toda essa questão do protecionismo e do papel das organizações internacionais. Isso vai depender muito do resultado das eleições (presidenciais) americanas (marcadas para novembro).

Paulo Guedes, coautor do desastre por Paulo Nogueira Batista Jr.

Jornal GGN, 30/06/2020

O presidente Bolsonaro sofre rejeição e críticas crescentes. Curiosamente, a área econômica do seu governo nem tanto. Pode até escapar de um eventual naufrágio. Para alguns setores influentes (nem preciso dizer quem são), tudo se passa como se o ministro da Economia e sua equipe estivessem em uma esfera à parte e precisassem ser preservados de alguma maneira. Mas é uma ginástica e tanto. Bolsonaro e Guedes são dois lados da mesma moeda.

A fragilidade da tentativa de separá-los salta aos olhos. Bolsonaro vem caprichando no esforço de desorganizar e desestabilizar o país, não há dúvida. Poucos se equiparam ao presidente em matéria de talento destrutivo. Como ignorar, entretanto, que ele conta com a sincera colaboração da sua equipe econômica? São muitas as contribuições do ministério da Economia ao rebaixamento do Brasil. Não só na área econômica doméstica, mas também – aspecto menos notado – na área internacional. Pretendo tratar neste texto dos dois aspectos, mas principalmente do segundo, que tem recebido pouca atenção.

Antes de prosseguir, quero deixar claro que o que me move a tratar criticamente desse tema não é nenhuma animosidade pessoal contra o ministro e sua equipe. De forma alguma. Nem conheço a grande maioria deles. Mas, convenhamos: não é por acaso que Guedes se tornou ministro da Economia de Bolsonaro. As afinidades são visíveis. Os dois são extremistas por vocação e trajetória. E o que temos em Brasília hoje é nada mais nada menos do que o casamento do extremismo político com o extremismo econômico.

O radicalismo do presidente é notório. O do ministro da Economia talvez seja um pouco menos conhecido, mas tem raízes antigas. Paulo Guedes é um adepto da escola de Chicago, onde estudou na década de 1970. Essa escola é a vertente radical da economia ortodoxa. Os traços centrais da ortodoxia aparecem ali magnificados e exacerbados. A começar pela propensão a superestimar, de maneira dogmática, o papel das forças de mercado e do setor privado. E a subestimar, em contrapartida, a necessidade que têm as economias modernas de um Estado atuante no campo econômico. Problemas centrais como distribuição de renda são negligenciados ou tratados de forma insuficiente. A questão nacional é ignorada ou vista como mero anacronismo.

É o chamado “fundamentalismo de mercado”, vício que leva economistas supostamente científicos a defender com fervor religioso teses no mínimo discutíveis, às vezes claramente falsas, sobre o que fazer ou não fazer na condução das políticas públicas. Já deveríamos saber, a esta altura, que a economia é uma ciência inexata, que se presta mal à defesa rígida e fervorosa de propostas específica. Mas vá tentar, leitor, convencer os seguidores dessa seita de que ceticismo e distanciamento críticos são sempre necessários para lidar com temas econômicos – temas que são sempre políticos e sociais ao mesmo tempo. A ideologia, como dizia Maria da Conceição Tavares, é uma plataforma precária.

Chicago em Brasília

O espírito crítico foi para o espaço. No Brasil, os xiitas da economia se uniram aos xiitas da política. E ficamos então submetidos, desde 2019, à aplicação de certo tipo de teoria econômica. Já tive ocasião de escrever a esse respeito em artigos publicados na minha coluna na revista Carta Capital (elas podem ser encontradas na minha página na internet: www.nogueirabatista.com.br). A ideia central de Guedes e cia era submeter a economia brasileira a reformas ditas estruturais, a começar pela da Previdência, acelerando e radicalizando o que vinha sendo feito no governo Temer. O objetivo era – e ainda é – reduzir o tamanho do Estado, via mudanças constitucionais e outras medidas, privatizar o que fosse possível – inclusive as estatais estratégicas – e tentar reduzir o déficit fiscal rapidamente, sem levar na devida conta os efeitos desse ajustamento sobre a economia, o emprego e a distribuição da renda.

Um ajustamento regressivo, em suma. Os resultados foram pífios. Como se podia prever, não se confirmou a promessa de que o “choque de confiança” provocado por políticas radicais traria uma recuperação econômica liderada pelo setor privado. A economia continuou se arrastando, crescendo pouco ou nada em termos de PIB per capita. Antes da chegada do novo coronavírus, a tendência para o nível de atividade em 2020 era, na melhor das hipóteses, mais um voo de galinha. Guedes perdeu credibilidade quando garantiu, repetidamente e sem a mínima base, que a economia brasileira estava “decolando”.

Veio então a pandemia e aí foi um verdadeiro deus nos acuda. A inadequação da equipe econômica aos desafios de uma crise dessa magnitude ficou totalmente escancarada. Não sei se o leitor se recorda, mas houve um momento em que a mensagem que se tentou passar era de que a melhor “vacina” contra o vírus era, no plano econômico, a continuação das reformas estruturais! O suprassumo do ridículo nacional.

A participação do Estado na economia, sempre necessária em alguma medida, se torna urgente e indispensável em momentos de crise aguda. Prisioneira de dogmatismos e preconceitos, Guedes e sua equipe resistiram ao óbvio e demoraram a reagir. Quando o fizeram, as medidas foram incompletas, mal formuladas ou implementadas sem convicção. Resultados: a economia mergulhou em recessão profunda, empresas brasileiras estão sendo destruídas, o desemprego cresceu de forma alarmante, a renda nacional se concentrou e aumentou a pobreza. O FMI, por exemplo, prevê agora queda de 9,1% no PIB brasileiro em 2020. Uma recessão sem precedentes na história das contas nacionais brasileiras.

Para ser justo, é preciso dizer que, nas circunstâncias, uma recessão era inevitável e que qualquer ministro da Economia governo teria enorme dificuldade de enfrentar o desafio. Não se pode tampouco botar toda a culpa pelo que vem ocorrendo em 2020 na conta da equipe econômica. O resto do governo deu a sua contribuição – e notável – ao colapso da economia, em especial com a atuação tumultuada e incompetente na área da saúde pública.

Atuação na área financeira internacional

Mas não foi só no campo da macroeconomia que Paulo Guedes e seus auxiliares se destacaram negativamente. Diferentemente do que às vezes se imagina, a política externa do país não é prerrogativa apenas do Itamaraty. O ministério da Economia e outros ministérios também têm responsabilidades importantes na área internacional.

Uma das razões que levam o ministro da Economia a ter protagonismo na política externa é o fato de ele ser o principal representante político do país em organismos financeiros internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Novo Banco de Desenvolvimento. No jargão adotado nessas instituições, ele é o “governador” do Brasil. Com essas alavancas nas mãos, pode-se fazer muito de positivo – e também, claro, muito estrago. O atual ministro, infelizmente, vem se notabilizando pelos estragos que faz no campo financeiro multilateral.

É um tema que conheço bem, pois trabalhei por mais de dez anos em instituições multilaterais, em Washington e Xangai, entre 2007 e 2017. O Brasil era outro, bem sei, principalmente até 2014. Depois veio a decadência política do governo Dilma, seguida do medíocre governo Temer. Mas nada, nada mesmo, se compara ao que tem feito o atual governo nesse campo. Nem mesmo a indigência manifesta da equipe econômica de Temer se compara ao que temos hoje.

Banco dos BRICS

Alguns exemplos. Ao Brasil tocava, em 2020, indicar o segundo presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), mais conhecido como Banco dos BRICS, para um mandato de 5 anos a partir de julho. Foi o resultado de uma difícil negociação, concluída na cúpula dos líderes dos BRICS, em Fortaleza, em 2014. A presidente Dilma Rousseff queria muito que o Brasil indicasse o primeiro presidente. A Índia insistia em garantir para si essa possibilidade. Depois de muita discussão, o Brasil concordou em ceder e ficou com o direito de indicar o presidente seguinte. Na delegação brasileira, eu fui um dos que argumentaram que era mais importante assinar logo o acordo de criação do NBD, em Fortaleza, do que continuar insistindo em indicar o primeiro presidente.

Em retrospecto, parece claro que foi um erro. A Índia acabou indicando um presidente apagado, o banqueiro K.V. Kamath, de carreira ilustre, mas já em idade avançada e em regime de pré-aposentadoria. Durante os seus 5 anos no comando do NBD, sobressaiu-se pela inércia. (Uma avaliação crítica da fase inicial do banco, do qual fui vice-presidente até fins de 2017, pode ser encontrada no livro que publiquei no final do ano passado, O Brasil não cabe no quintal de ninguém, pela editora LeYa.) Quando estávamos em Fortaleza, finalizando a dura negociação do NBD, nunca em nossos piores pesadelos poderíamos imaginar, leitor, que 6 anos depois o Brasil teria como presidente um personagem caricato como Jair Bolsonaro e, como ministro da Economia, o inefável Paulo Guedes. Se tivéssemos bola de cristal, teríamos talvez preferido indicar o terceiro ou quarto presidente do banco!

Mas aqui estamos. Guedes exerceu o direito de indicar e escolheu um certo Marcos Troyjo, figura relativamente obscura e sem experiência relevante. Espero estar errado, mas o que se sabe sobre o novo presidente do NBD não nos autoriza a esperar grande coisa. Dificilmente será capaz de proporcionar a reorientação e o impulso requeridos para uma instituição que começou mal sob a presidência de K.V. Kamath. O leitor pode imaginar a minha frustração ao ver um banco promissor, do qual fui um dos fundadores, passar das mãos de um presidente indiano inerte a um presidente brasileiro aparentemente despreparado para o cargo.

Banco Mundial 

A atuação de Paulo Guedes como governador do Brasil em instituições sediadas em Washington também se mostra altamente problemática, para dizer o mínimo. O caso mais comentado é o da diretoria executiva do Brasil no Banco Mundial. Guedes deixou a posição desocupada por cerca de sete meses para depois, a pedido de Bolsonaro, indicar o ex-ministro Abraham Weintraub, nome escandalosamente inadequado. Desnecessário frisar o rebaixamento do Brasil que resulta dessa indicação. Weintraub como diretor executivo do Banco Mundial é coisa de Quarto Mundo!

O pior é que fizemos, em anos recentes, um esforço considerável, do qual eu mesmo participei, para assegurar a posição de diretor executivo exclusivamente para o Brasil, sem ter que compartilhá-la com outros países do nosso grupo no Banco Mundial.

Explico em poucas palavras. Quando cheguei a Washington, em 2007, para assumir a posição de diretor executivo pelo Brasil e outros países no Fundo Monetário Internacional, o Brasil apresentava uma vulnerabilidade importante: o nosso poder de voto no FMI era insuficiente para garantir com segurança a posição de diretor executivo para o país. A solução encontrada por meus antecessores tinha sido negociar com os países do nosso grupo nas instituições em Washington – grupo que era essencialmente o mesmo no FMI e no Banco Mundial – o seguinte arranjo: o Brasil reteria o comando exclusivo no FMI, mas aceitaria uma rotação na posição de diretor executivo no Banco Mundial com Colômbia e Filipinas. Os meus antecessores acreditavam, com razão, que o FMI era mais importante do que o Banco Mundial, valendo assim a pena aceitar a rotação na diretoria executiva desse último para garantir exclusividade na diretoria do primeiro.

Mas esse arranjo não era satisfatório. Geralmente, eram fracos, às vezes muito fracos, os nomes indicados por Colômbia e Filipinas para a rotação no cargo de diretor executivo, e a nossa atuação no Banco Mundial sofria com isso. No meu período em Washington, negociamos a duras penas, com sacrifício e não sem muitos embates, um aumento sem precedentes do poder de voto do Brasil no FMI. Tudo isso está relatado em detalhes no livro acima referido, que publiquei recentemente. Graças a esse fortalecimento na nossa posição no FMI, foi possível em seguida dispensar a rotação no Banco Mundial com Colômbia e Filipinas – não sem desagradar esses países, claro, que insistiam em conservá-la.

Pois bem, o que faz Paulo Guedes? Primeiro, deixa o cargo desocupado por cerca de 7 meses, como mencionei. E, depois, indica o deplorável Abraham Weintraub. Foi para isso que o Brasil tanto insistiu em manter o comando permanente do nosso grupo de países no Banco Mundial?

Banco Interamericano de Desenvolvimento

Absurda, também, foi a atuação no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Trata-se de banco importante para a América Latina e o Caribe, que tem condições de mobilizar volume expressivo de recursos para projetos de investimento e desenvolvimento econômico e social na região. Haverá em breve eleição para a presidência do BID. Existe uma regra não escrita, mas sempre respeitada desde a criação do BID, em 1959, de que presidência fica com um latino-americano. Da mesma forma, regras não escritas reservam a presidência do Banco Mundial para um americano, e a do FMI para um europeu.

Guedes resolveu apresentar candidato brasileiro, escolhendo um nome praticamente desconhecido da área bancária privada. Contava aparentemente com apoio americano, em razão da relação supostamente especial entre Trump e Bolsonaro. Não funcionou. O governo Trump atropelou a candidatura posta por Guedes e resolveu apresentar candidato próprio, Mauricio Claver-Carone, um cidadão americano, de ultradireita, integrante do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. Trump mostrou assim disposição de violar a regra sempre respeitada por todos os países membros, inclusive os Estados Unidos, de que a presidência cabia a um latino-americano.

O que faz então Guedes? Cúmulo da indignidade, emite uma nota conjunta com o chanceler Ernesto Araújo, dando boas-vindas à candidatura americana! Ou seja, concordando com a disposição dos Estados Unidos de violar a regra não escrita que favorece a América Latina e, na prática, jogando o candidato brasileiro ao mar. Como observou alguém, a definição de vira-lata foi atualizada com sucesso.

A bem verdade, a metáfora de Nelson Rodrigues – o célebre complexo de vira-lata que caracteriza o comportamento do brasileiro diante de americanos e europeus – já nem mais dá conta do grau de subserviência exibido pelos integrantes do governo brasileiro, a começar pelo próprio Bolsonaro.

Há um agravante, que ainda não foi noticiado no Brasil. Em entrevista à agência EFE, publicada em 17 de junho, Claver-Carone afirmou que a ideia da candidatura americana teria partido, por incrível que pareça, do próprio Bolsonaro: “Em uma chamada telefônica, casual, há duas semanas”, disse ele, “o presidente Bolsonaro havia dito ao presidente Trump que estava pensando em um candidato (para o BID), mas que apoiaria um candidato norte-americano, se fosse apresentado. E com isso começamos a pensar nas circunstâncias, e se era factível fazê-lo nesses momentos excepcionais”.

Talvez não seja verdade, mas faço o registro. Caberia apurar. Custo a crer que um presidente brasileiro, mesmo Bolsonaro, se rebaixe dessa maneira. A ser verdadeira essa informação, já não estaríamos diante de vira-latismo ou complexo de inferioridade, como mencionei, mas da mais pura e abjeta vassalagem.

 

A nossa infelicidade, volto a dizer, é a combinação letal do pior governo da nossa história com a pior crise da nossa história. E ninguém deve se iludir ou tentar iludir outros: Paulo Guedes e sua equipe constituem parte integrante – e destacada – desse desastre.

A parte inicial deste texto foi publicada como artigo na revista Carta Capital, em 26 de junho de 2020.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países. Lançou no final do ano passado, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata.

Pandemia, desorganização social e futuro desolador  

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Desde o começo de março a sociedade brasileira se vê à volta com a maior crise sanitária de sua história recente, nesta situação de pandemia as nossas entranhas estão as mostras, a desigualdade assombrosa escancara as dificuldades das questões sociais, nossos medos mais íntimos e pessoais e as expectativas de um futuro melhor e mais convincente se tornam cada vez mais distantes, estamos afogados numa crise sanitária, somada a uma grande crise econômica e, uns falam em uma queda de mais de 5% do produto interno bruto, outros falam em mais de uma queda ainda maior, para piorar as condições sociais, tão degradadas nos anos recentes, uma enorme crise política e rumamos para um risco institucional, cujas repercussões ainda não podem ser mensuradas.

Como a situação atual, percebemos um Estado absurdamente incompetente e sem organização, onde os gestores responsáveis pelas políticas públicas estão dando-nos mostras claras de desculpas esfarrapadas marcadas pela incompetência, com isso, percebemos uma sociedade indefesa e assustada, reféns de um vírus assustador, levando milhares de pessoas ao falecimento iminente, gerando na sociedade marcas e sentimentos sinceros de que as coisas poderiam ser evitadas, desde que as ações fossem organizadas, planejadas e imediatas.

A situação econômica do país é assustadora, o incremento no desemprego é uma realidade cruel, muitos empresários e empreendedores que precisam fechar suas portas marcadas por uma pilha imensa de boletos não pagos e dívidas crescentes, crianças presas em casas e impedidos de suas brincadeiras, levando um aumento da depressão, da ansiedade e de todos os mais violentos transtornos mentais e emocionais, gerando uma coletividade agressiva e desesperança, onde a solidariedade se torna uma forma de uma seleção social, diferenciando pessoas e comportamentos dos indivíduos.

Neste ambiente, percebemos que a grande maioria dos países do mundo estão recorrendo aos recursos do Estado, criando instrumentos monetários para aumentar a quantidade de liquidez, dos créditos e dos investimentos, para evitar que a solução se aprofundem, levando recursos para todos os grupos e coletividades para que morram de inanição e da desesperança. Diante desta situação marcada pelo caos social e econômica, os grupos mais ortodoxos e liberais, defensores do Estado mínimo e a pouca intervenção do Estado na lógica dos defensores dos interesses da superioridade dos Mercados, sendo obrigados a defenderem política que não acreditam, fazendo-as de forma tímida e sem empolgações, passando uma imagem de desorganização e inconsistência, abrindo espaços para instabilidades e incertezas.

Neste ambiente marcado pelas necessidades de isolamento social, quarentena e pouco social, os indivíduos são impulsionados ao medo e para as preocupações de um futuro marcado pelas incertezas, que se somam aos medos contemporâneos já existentes, levando as pessoas a buscar crescentes, gerando desequilíbrios emocionais e problemas variados existenciais, nesta sociedade os seres humanos se encontram em uma grande encruzilhada, onde as escolhas devem ser feitas com calma e paciência, mesmo sabendo que vivemos em uma sociedade que exija respostas rápidas e decisões imediatas e dinâmicas.

A crise do coronavírus, vitimada pelo covid-19, leva a economia global a desequilíbrios crescentes, pela primeira vez, estamos vivenciando um momento marcado por crises que afetam, concomitantemente, os dois lados da teoria econômica, impactando os lados da oferta e da demanda, gerando um grave desequilíbrio nas cadeias globais de produção, gerando desabastecimento na estrutura produtiva, obrigando países e regiões a terem suas produções reduzidas e de forma abruptas, diante disso, a crise local se espalha para todos os polos da economia internacional. Nesta situação de instabilidades, movimentos marcados pelo nacionalismo e pelo populismo ganham espaço na sociedade, gerando o surgimento de movimentos fascistas e autoritários, que passam a enfraquecer as democracias contemporâneas, levando a críticas ácidas e agressivas à ciência e a racionalidade científica, muitos destes movimentos pressionam as forças da globalização e uma defesa pela desglobalização, a um fechamento econômico e de estímulos as políticas protecionistas.

Neste ambiente marcado por milhões de mortes vitimadas pelo covid-19 em escalas internacionais, os governos devem se unir em escala global e ao mesmo tempo, os governos locais devem se fortalecer em prol dos seus concidadãos, aumentando os investimentos em saúde e pela defesa da vida, máquinas e tecnologias médicas, estas devem ser vistas como a situação racional, necessária e urgente de um governo nacional e consciente das necessidades da sua população.

Na sociedade brasileira, percebemos inúmeros desajustes na atuação desta crise sanitária, de um lado governantes que acreditam que o coronavírus deve ser visto como uma gripezinha, mesmo sabendo que o poder de destruição é violento, de outro lado, suas decisões são lentas e inoperantes, recursos canalizados para as micros, pequenas e médias empresas demoram a se efetivar, levando muitos grupos a insolvência e a falência generalizadas, fortalecendo um ambiente marcado pelos generosos privilégios para uma parte da coletividade, enquanto a grande massa da população se encontram chafurdando na degradação e da desesperança, sem créditos, sem empregos e sem futuros, caminhando rapidamente para o caos econômico e pelas insolvências social e moral.

Os socorros chegam rapidamente quando os poucos afortunados estão demandando recursos do governo nacional, neste momento surgem créditos suplementares que brotam em contas correntes de polpudos afiliados dos privilegiados, neste momento bilhões e bilhões de reais abastecem seus negócios, enquanto os mais desprovidos de recursos esperam meses e meses para ter acesso a fundos criados para garantir recursos futuros, que rendem valores irrisórios e vexaminosos, perpetuando uma situação de degradação social e exploração crescente e incessantes.

O Brasil vive uma situação sui generis, percebemos na contemporaneidade um aumento da degradação do meio ambiente, que cresce de forma acelerada e estimulando muitos investidores internacionais a reduzirem os investimentos no nosso país, neste momento percebemos que um grupo de gestores de fundos de investimentos, responsáveis pela administração de mais de 17 trilhões de dólares, publicando uma carta endereçada ao governo federal, com ameaças de diminuir os investimentos na economia brasileira, na carta os fundos criticam fortemente o aumento da devastação da floresta Amazônica, o desprezo com o meio ambiente e o incremento da devastação do clima, com isso, percebemos uma imagem do Brasil no cenário bastante negativo, com fortes prejuízos para a sociedade nacional, ainda mais, no momento de auge da pandemia e das dificuldades econômicas, sanitárias, sociais e políticas.

Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU), apresentou um relatório da atuação do governo federal diante na situação de pandemia, onde ficamos conhecendo como o quadro é sombrio e assustador, cujas políticas públicas se caracterizaram pelo amadorismo e incompetência, sem organização e ausência de planejamento, gastos desnecessários e políticas ineficiente, neste ambiente de tremendo desastre, o balanço do combate do coronavírus apresenta graves deficiências, que se materializam em mais de 1,2 milhão de infectados e mais de sessenta mil mortos, um verdadeiro genocídio, com impactos devem povoar a sociedade durante muito tempo.

Nesta sociedade, alguns se especializaram na espoliação da esperança da população, na conjuntura de caos generalizado, percebemos projetos que persistem em entrar na pauta dos grupos mais amoedados, persistem em reformas equivocadas, mudanças que aumentam os privilégios de uma minoria em detrimento de uma grande parte da sociedade, uma elite imediatista, hipócrita e degradante que nos conduz para um retrocesso civilizatório, com matanças de populações indígenas, de negros e de pobres.

O grande inimigo é o vírus, a crise está sendo agravada pelas atitudes equivocadas e limitadas, embora percebamos muitas pressões sociais pela abertura das atividades, a abertura sem encontrarmos um pico de infectados, veremos uma situação marcada por abertura alternadas por fechamentos, gerando maiores prejuízos na sociedade, mortalidades em alta, falências generalizadas e apreensão de todos os grupos sociais. Nesta sociedade, o vírus nos mostra, como somos uma sociedade pobre e desigual, embora tenhamos um produto interno bruto algo na casa dos 6,7 trilhões de reais, temos uma estrutura social marcada por fortes desigualdades, neste ambiente, uma parte significativa da sociedade não pode ficar alguns meses em casa, pois correm o risco de morrer sem alimentos, sem esperanças, sem perspectivas e vitimado pela depressão.

Numa sociedade onde o governo federal demora a estruturar formas de socorro da sociedade e, principalmente, dos grupos de menos recursos monetários, percebemos um verdadeiro genocídio, que levam grandes levas de cidadãos a inanição e desesperança. Neste ambiente, uma intervenção governamental é fundamental para evitarmos mortes crescentes, recursos devem ser injetados na economia, políticas públicas devem ser construídas em caráter de emergência, sem estas atuações urgentes e necessárias, o país brevemente se tornará o grande líder dos infectados e seus impactos econômicos, sociais e políticos seriam incomensuráveis.

Estamos vivenciando um grande retrocesso civilizatório, depois de um incremento de políticas direcionadas a grupos e minorias, vivemos uma reversão de políticas inclusivas, reduzindo de investimentos sociais generalizados e uma convicção centrada em austeridades, redução dos gastos sociais e aumento dos gastos de dívidas públicas, uma verdadeira estrutura de criar degradação social, pobrezas crescentes e medos generalizadas. Depois de forte crescimento econômico e políticas inclusivas, que levaram revistas internacionais, dentre elas destacamos a célebre capa da revista The Economist que retratava o Cristo Redentor decolando, percebemos a morte da esperança e do crescimento da desesperança, do medo e da redução da solidariedade, onde uns poucos controlam as estruturas políticas, os recursos econômicos e financeiros, vivemos na atualidade uma tempestade perfeita.

Desde 2015/2016, a economia brasileira vivemos de grande degradação, neste ambiente rumamos para um incremento acelerado do desemprego, cujas perspectivas estamos caminhando para mais de 25 milhões de cidadãos sem empregos, sem políticas claras e emergentes, nosso futuro comem deve ser tornar mais nebuloso, do desemprego rumamos para um incremento no subemprego e na informalidade, cujos impactos são a violência e a exclusão social, uma verdadeira degradação social e emocional, com aumento na depressão, na ansiedade, no suicídio e transtornos variados.

A sociedade está se degradante de forma  acelerada, muitos governos estão querendo terceirizar as suas responsabilidades, empresários gananciosos e imediatistas pressionam para a abertura atabalhoada e uma população fortemente amedrontada, uma sociedade marcada pela ausência da cidadania e de carências crescentes, neste momento precisamos de um norte, um rumo, uma liderança consistente e confiável para buscarmos novas expectativas e maiores perspectivas de uma construção interrompida, sem estes instrumentos políticos, nossa sociedade viverá mais do que uma década perdida, mas um século de atrasos e desesperanças.