A crise do coronavírus, por Yuval Harari.

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Extraído de HSM – 16/03/2020

O historiador, filósofo e autor dos best-sellers “Sapiens” e “Homo Deus – Uma breve história do Amanhã”, Yuval Noah Harari, trouxe à tona sua percepção da pandemia que a humanidade está enfrentando.
Trouxemos os principais pontos do artigo publicado na Revista Time, no último domingo (15).

“A melhor defesa que os seres humanos têm contra patógenos não é o isolamento – é a informação”

Muitas pessoas culpam a epidemia de coronavírus pela globalização e dizem que a única maneira de evitar mais surtos desse tipo é “desglobalizar” o mundo. Construa muros, restrinja viagens, reduza o comércio. No entanto, embora a quarentena de curto prazo seja essencial para interromper as epidemias, o isolacionismo de longo prazo levará ao colapso econômico sem oferecer nenhuma proteção real contra doenças infecciosas. Exatamente o oposto. O verdadeiro antídoto para a epidemia não é a segregação, mas a cooperação.

As epidemias mataram milhões de pessoas muito antes da era atual da globalização. No entanto, a incidência e o impacto das epidemias diminuíram drasticamente. Apesar de surtos horrendos, como AIDS e Ebola, no século XXI as epidemias matam uma proporção muito menor de humanos do que em qualquer outro período anterior à Idade da Pedra. Isso ocorre porque a melhor defesa que os seres humanos têm contra patógenos não é o isolamento – é a informação. A humanidade tem vencido a guerra contra epidemias porque, na corrida armamentista entre patógenos e médicos, os patógenos dependem de mutações cegas, enquanto os médicos dependem da análise científica da informação.

Ganhando a guerra contra patógenos
Durante o século passado, cientistas, médicos e enfermeiros em todo o mundo reuniram informações e, juntos, conseguiram entender o mecanismo por trás das epidemias e os meios para combatê-las. A teoria da evolução explicou por que e como surgem novas doenças e doenças antigas se tornam mais virulentas. A genética permitiu que os cientistas espiassem o próprio manual de instruções dos patógenos. Embora o povo medieval nunca tenha descoberto o que causou a Peste Negra, os cientistas levaram apenas duas semanas para identificar o novo coronavírus, sequenciar seu genoma e desenvolver um teste confiável para identificar pessoas infectadas.

Depois que os cientistas entenderam o que causa as epidemias, ficou muito mais fácil combatê-las. Vacinas, antibióticos, higiene aprimorada e uma infra-estrutura médica muito melhor permitiram que a humanidade ganhasse vantagem sobre seus predadores invisíveis. Em 1967, a varíola ainda infectou 15 milhões de pessoas e matou 2 milhões delas. Mas, na década seguinte, uma campanha global de vacinação contra a varíola foi tão bem-sucedida que, em 1979, a Organização Mundial da Saúde declarou que a humanidade havia vencido e que a varíola havia sido completamente erradicada. Em 2019, nenhuma pessoa foi infectada ou morta por varíola.

O que a história nos ensina para a atual epidemia de coronavírus?
Você não pode se proteger fechando permanentemente suas fronteiras. Lembre-se de que as epidemias se espalharam rapidamente, mesmo na Idade Média, muito antes da era da globalização. Portanto, mesmo que você reduza suas conexões globais ao nível da Inglaterra em 1348 – isso ainda não seria suficiente. Para realmente se proteger através do isolamento, ficar medieval não serve. Você teria que ficar na Idade da Pedra. Você pode fazer aquilo?

A história indica que a proteção real vem do compartilhamento de informações científicas confiáveis ​​e da solidariedade global. Quando um país é atingido por uma epidemia, deve estar disposto a compartilhar honestamente informações sobre o surto, sem medo de uma catástrofe econômica – enquanto outros países devem poder confiar nessas informações e devem estender a mão amiga, em vez de ostracizar a vítima. Hoje, a China pode ensinar aos países de todo o mundo muitas lições importantes sobre o coronavírus, mas isso exige um alto nível de confiança e cooperação internacional.

A cooperação internacional é necessária também para medidas efetivas de quarentena. Quarentena e bloqueio são essenciais para impedir a propagação de epidemias. Mas quando os países desconfiam um do outro e cada país sente que é o seu próprio país, os governos hesitam em tomar medidas tão drásticas. Se você descobrisse 100 casos de coronavírus no seu país, iria bloquear imediatamente cidades e regiões inteiras? Em grande medida, isso depende do que você espera de outros países. Bloquear suas próprias cidades pode levar ao colapso econômico. Se você acha que outros países irão ajudá-lo – será mais provável que você adote essa medida drástica. Mas se você pensa que outros países o abandonarão, provavelmente hesitaria até que seja tarde demais.

“Não se trata mais de nações, mas da espécie humana”
Talvez a coisa mais importante que as pessoas devam perceber sobre essas epidemias seja que a disseminação da epidemia em qualquer país ponha em perigo toda a espécie humana. Isso ocorre porque os vírus evoluem. Vírus como a corona se originam em animais, como os morcegos. Quando eles pulam para os seres humanos, inicialmente os vírus estão mal adaptados aos seus hospedeiros humanos. Enquanto se replicam em humanos, os vírus ocasionalmente sofrem mutações. A maioria das mutações é inofensiva. Mas, de vez em quando, uma mutação torna o vírus mais infeccioso ou mais resistente ao sistema imunológico humano – e essa cepa mutante do vírus se espalha rapidamente na população humana. Como uma única pessoa pode hospedar trilhões de partículas de vírus que sofrem replicação constante, toda pessoa infectada oferece ao vírus trilhões de novas oportunidades para se tornar mais adaptado aos seres humanos. Cada transportadora humana é como uma máquina de jogo que fornece ao vírus trilhões de bilhetes de loteria – e o vírus precisa comprar apenas um bilhete vencedor para prosperar.

Enquanto você lê essas linhas, talvez uma mutação semelhante esteja ocorrendo em um único gene no coronavírus que infectou uma pessoa em Teerã, Milão ou Wuhan. Se isso de fato está acontecendo, é uma ameaça direta não apenas aos iranianos, italianos ou chineses, mas também à sua vida. Pessoas de todo o mundo compartilham um interesse de vida ou morte em não dar ao coronavírus essa oportunidade. E isso significa que precisamos proteger todas as pessoas em todos os países.

Na luta contra vírus, a humanidade precisa proteger estreitamente as fronteiras. Mas não as fronteiras entre os países. Pelo contrário, precisa proteger a fronteira entre o mundo humano e a esfera do vírus. O planeta Terra está se unindo a inúmeros vírus, e novos vírus estão em constante evolução devido a mutações genéticas. A fronteira que separa essa esfera de vírus do mundo humano passa dentro do corpo de todo e qualquer ser humano. Se um vírus perigoso consegue penetrar nesta fronteira em qualquer lugar do mundo, coloca toda a espécie humana em perigo.

Ao longo do século passado, a humanidade fortaleceu essa fronteira como nunca antes. Os modernos sistemas de saúde foram construídos para servir de barreira nessa fronteira, e enfermeiros, médicos e cientistas são os guardas que a patrulham e repelem os invasores. No entanto, longas seções dessa fronteira foram deixadas lamentavelmente expostas. Existem centenas de milhões de pessoas em todo o mundo que carecem de serviços de saúde básicos. Isso coloca em perigo todos nós. Estamos acostumados a pensar em saúde em termos nacionais, mas fornecer melhores cuidados de saúde para iranianos e chineses ajuda a proteger israelenses e americanos também de epidemias. Essa verdade simples deve ser óbvia para todos, mas infelizmente ela escapa até mesmo às pessoas mais importantes do mundo.

Um mundo sem líder
Hoje a humanidade enfrenta uma crise aguda, não apenas devido ao coronavírus, mas também devido à falta de confiança entre os seres humanos. Para derrotar uma epidemia, as pessoas precisam confiar em especialistas científicos, os cidadãos precisam confiar nas autoridades públicas e os países precisam confiar uns nos outros. Nos últimos anos, políticos irresponsáveis ​​minaram deliberadamente a confiança na ciência, nas autoridades públicas e na cooperação internacional. Como resultado, agora estamos enfrentando esta crise desprovida de líderes globais que podem inspirar, organizar e financiar uma resposta global coordenada.

Xenofobia, isolacionismo e desconfiança agora caracterizam a maior parte do sistema internacional. Sem confiança e solidariedade global, não seremos capazes de parar a epidemia de coronavírus, e provavelmente veremos mais dessas epidemias no futuro. Mas toda crise também é uma oportunidade. Esperamos que a epidemia atual ajude a humanidade a perceber o grave perigo que representa a desunião global.

Neste momento de crise, a luta crucial ocorre dentro da própria humanidade. Se essa epidemia resultar em maior desunião e desconfiança entre os seres humanos, será a maior vitória do vírus. Quando os humanos brigam – os vírus dobram. Por outro lado, se a epidemia resultar em uma cooperação global mais estreita, será uma vitória não apenas contra o coronavírus, mas contra todos os patógenos futuros.

‘Coronavírus isolou líderes populistas’: Para Steven Levitsky

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Para Steven Levitsky, cientista político americano e coautor de ‘Como as Democracias Morrrem’, ignorar especialistas fez líderes como Trump e Bolsonaro reagirem tarde à pandemia
José Eduardo Barella / O Estado de S. Paulo 
29/03/2020

Acostumados a fazer dos adversários inimigos mortais e desprezar o que chamam de elite política, acadêmica, científica e cultural, muitos líderes populistas estão experimentando o próprio veneno. Pegos de surpresa pelo novo coronavírus, eles reagiram tarde à pandemia e estão às voltas com o aumento de casos e mortes, além da expectativa de uma gravíssima crise econômica. 

Para o cientista político Steven Levitsky, coautor do livro Como as Democracias Morrem, que mostra as razões da expansão populista nos últimos anos, o desprezo pela ciência e pela elite caiu por terra com o avanço da pandemia. Pegos de surpresa pelo surgimento do coronavírus, líderes populistas como Donald Trump, nos EUA, Jair Bolsonaro, no Brasil, e Andrés Manuel López Obrador, no México, correm risco de isolamento e de perder mais popularidade em razão da crise econômica.  

A pandemia, segundo Levitsky, é o maior desafio dos populistas. Primeiro, porque corrói a popularidade que os sustentam. Sem popularidade, fica mais difícil tomar medidas autocráticas para ameaçar a democracia. Em segundo lugar, por colocar a própria sobrevivência desses líderes em risco. “A pandemia está mostrando que o desprezo desses populistas pela ciência e pelos especialistas vai custar caro”, disse. A seguir, trechos da conversa com Levitsky. 

Por que populistas como Trump, Bolsonaro e Boris Johnson foram lentos ao reagir à pandemia?
Líderes populistas costumam se eleger atacando o establishment, dizendo ao povo que, uma vez no poder, varrerão a elite. Mas parte dessa elite é formada por especialistas – economistas, cientistas, técnicos, profissionais de saúde, como os que lideram agora o combate ao coronavírus. E a primeira resposta dos populistas à pandemia foi rejeitar os conselhos dos especialistas, recorrendo a pessoas próximas que não são do ramo. Bolsonaro preferiu ouvir conselhos dos filhos. Trump, do genro. Não é por acaso que Trump, Bolsonaro e (Andrés Manuel) López Obrador (presidente do México) demoraram a reagir. Já o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, é um caso à parte. Embora tenha demorado, ele acabou aceitando os conselhos de especialistas e foi mais rápido em adotar medidas. Mas ficou evidente que a inação inicial deve trazer consequências trágicas, como estamos vendo.  

Se fosse possível formar um ranking, quem levaria a medalha de ouro em performance populista na reação ao coronavírus?
Todos cometeram erros, mas vale citar o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, cuja resposta à pandemia foi péssima – mas eu não chamaria ele de líder populista. Portanto, ele fica de fora dessa disputa. Sem sombra de dúvida, a medalha de ouro vai para Bolsonaro. Ele continua a desdenhar da crise. A maior parte do seu discurso (do dia 24) na TV continha inverdades que refletem um nível de ignorância que vai além da demonstrada por Trump. Vale notar que o desprezo do presidente brasileiro pelas recomendações de especialistas, parte da estratégia populista de rejeitar a elite, não tem precedentes na história recente do País. Políticos tradicionais, independentemente se eram de direita ou de esquerda, como José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Lula, tiveram ajuda de técnicos com experiência de governo. 

No seu livro, o senhor afirma que parte da estratégia dos populistas é ignorar o respeito mútuo e a tolerância. Numa crise profunda, adotar essa estratégia autoritária tende a levar os populistas ao isolamento? 
Depende do líder populista. Situações de emergência nacional, como guerras, desastres naturais e pandemias, exigem cooperação entre a classe política, entre o presidente e o Congresso, entre presidente, governadores e prefeitos, e entre governo e oposição. Os populistas costumam fazer de seus oponentes inimigos ferozes, o que dificulta esse tipo de cooperação durante uma crise.  

Essa disputa costuma levar o líder populista ao isolamento?
Normalmente, o populista cria uma espécie de ambiente tóxico na política entre ele e seus oponentes. Isso não torna impossível reunir a classe política para responder a uma crise, mas certamente é mais difícil. Muitas vezes, durante situações do tipo, é comum uma união em torno do presidente. Aparentemente, isso não está acontecendo com Bolsonaro, que parece ser um caso claro de isolamento. 

Tanto Trump quanto Bolsonaro culparam a China pela crise e evitaram adotar medidas drásticas, com medo de afetar a economia. Isso configura uma estratégia política populista?
Não sei se essa reação similar é coincidência ou o quanto Bolsonaro está copiando Trump. Mas não acredito que se trata de um movimento ideológico. Um dos mentores do trumpismo, Steve Bannon, foi defensor de uma resposta de saúde pública mais agressiva. Ou seja, neste aspecto, Bolsonaro agiu de forma diferente da preconizada pelo cérebro do trumpismo. Já Obrador, um populista de esquerda, agiu de forma semelhante à de Bolsonaro, criticando a paralisia da economia. Portanto, não acho que seja uma questão ideológica, e sim uma atitude intuitiva de um político personalista, nacionalista e, mais importante, antielitista. Um político com uma grossa camada narcisística, que acredita que ele mesmo, sozinho, sabe mais que os especialistas.  

A gravidade da crise pode estimular os populistas a acumular mais poder?
É provável que líderes autoritários respondam a essa crise com medidas para ampliar seu poder. Mas não está claro quantos serão bem-sucedidos se começarem a tomar essas medidas. Um político isolado, como Bolsonaro, tentar aproveitar a situação para acumular poder tem menos chance de obter sucesso. O mesmo vale para Trump. 

Mesmo numa situação especial como essa?
Sim. Se um líder não tem confiança do povo durante uma crise, deve evitar criar mais problemas para ele mesmo. É o que estamos começando ver no Brasil. Os brasileiros não estão respondendo bem a esse grande poder que o Bolsonaro tem para lidar com a pandemia.  

Então o temor de que Bolsonaro se aproveite da crise para obter mais poder é exagerado?
Se você imaginar o cenário daqui a seis meses, com a economia em situação mais delicada do que hoje, Bolsonaro provavelmente terá menos apoio do que tinha, o que torna arriscado tentar algum movimento fora do jogo democrático.  

É possível que o pronunciamento de Bolsonaro, no dia 24, tenha sido uma manobra para forçar uma situação que justifique medidas autoritárias?
Na crise em que o Brasil se encontra, não há nenhuma garantia de que Bolsonaro se comportará democraticamente. Precisamos nos preocupar todos os dias com o fato de Bolsonaro tentar quebrar as regras do jogo democrático. O fato de estar perdendo popularidade, e também porque muitos atores da política e da sociedade brasileira se recusam a apoiar uma aventura por parte dele, me leva a crer que, caso tente quebrar a ordem democrática, Bolsonaro fracassará. 

Por que os populistas sempre buscam a polarização, mesmo em uma crise grave como agora?
Líderes populistas tendem a usar a mesma estratégia que funcionou para eles no passado. Se você chegar ao poder como populista, provavelmente continuará usando essa estratégia no poder. 

Você ficou surpreso com o pronunciamento de Bolsonaro, indo na contramão das medidas de isolamento? 
O que me impressionou mais foi como ele está copiando Trump. O pronunciamento foi consistente com seu comportamento desde que comecei acompanhar sua trajetória. Fiquei chocado com seu grau de ignorância – e, para ser sincero, não sei se ele é de fato tão ignorante quanto demonstra, como quando afirma acreditar que 90% dos jovens não serão contaminados pelo coronavírus e, portanto, devem voltar às aulas. Mas é arrepiante ver os dois maiores países do hemisfério, Brasil e EUA, governados por presidentes que vivem mentindo, respondendo a essa crise dessa maneira ignorante e irresponsável. Infelizmente, é o custo que temos de pagar por tê-los escolhido. O mundo estará olhando para a eleição presidencial nos EUA deste ano com atenção redobrada.  

Com o impacto do coronavírus na economia, uma derrota de Trump sinalizaria que a onda populista pode murchar?
É o que espero. Tudo que Trump pretende agora é reviver a economia para que possa ganhar a reeleição – é com isso que ele se importa. Não há como prever os efeitos que ocorrerão nos próximos meses. De qualquer forma, a tendência é termos uma eleição muito disputada. 

Mesmo a economia tendo pouco tempo para se recuperar?
Antes do coronavírus, apesar de a economia estar indo bem e Trump tivesse boas chances de se reeleger, é importante lembrar que sua aprovação era de apenas 43%. Ele não é um presidente muito popular, mas tem uma base muito forte. Não sabemos o que vai acontecer com a economia. Mas há projeções que indicam uma forte queda no segundo trimestre, com recuperação ao fim do terceiro trimestre – o que ajudaria Trump. Mas os EUA são vistos como um modelo para o restante do mundo. Se um líder populista for tirado do poder aqui nos EUA, acho que será um duro golpe para o populismo. É o que espero. 

O coronavírus revelou o essencial: o professor. Por Alexandre Schneider

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Mesmo com escolas fechadas, o papel deles é central no desenho e implementação das políticas educacionais

Um momento de distração ao olhar pela janela a rua vazia é interrompido por um chamado de meu filho de 11 anos, às voltas com uma pesquisa sobre o confucionismo. Tomás, assim como seus mais de um milhão de colegas da rede pública da cidade de Nova York, iniciou a semana com uma nova experiência: suas aulas agora são à distância.
 
No Brasil e no mundo, escolas públicas e privadas estão enfrentando o desafio de manter o processo de aprendizagem em novas bases, com o fechamento das escolas por tempo indeterminado, uma das medidas de contenção do coronavírus. A medida já alcançou 157 países e cerca de 1,4 bilhão de alunos, segundo a Unesco.

Diante da necessidade de isolamento social, há duas decisões possíveis, a de antecipar as férias ou a de lançar mão do uso de plataformas digitais e do ensino à distância. Qualquer das escolhas depende de outros dois aspectos fundamentais: a existência de um bom planejamento pedagógico e, sobretudo, a liberdade de escolha pedagógica do professor.

Há inúmeras evidências na literatura educacional a demonstrar que, controlados os demais fatores, estudantes submetidos ao ensino à distância aprendem menos do que aqueles que frequentam aulas presenciais. Como agravante, os mais vulneráveis aprendem ainda menos.

A cidade de Nova York tomou a decisão de cancelar as aulas de sua rede pública na semana passada. O secretário de educação propôs que cada escola realizasse um plano de implantação de ensino à distância, a partir de sua realidade.
Umbigo do mundo capitalista, Nova York é uma cidade muito desigual. Dos cerca de 1,1 milhão de alunos, 300 mil não possuem um equipamento ou acesso a internet.

Para esses, a Prefeitura garantiu o empréstimo de computadores — em muitos casos os das próprias escolas— e o fornecimento de roteadores de acesso à internet com apoio de parceiros da iniciativa privada.

Conversei com estudantes, professores e gestores de escolas públicas e privadas da cidade. Os estudantes me revelaram que se sentem mais cansados no final do dia e que sentem falta dos colegas. Por outro lado, percebem que há continuidade entre o que vinham aprendendo nas aulas presenciais e nas aulas à distância.

O testemunho dos gestores e professores também é o mesmo: estão aprendendo enquanto fazem. Os princípios comuns são os de respeitar o planejamento previsto antes da crise, preparar materiais que provoquem reflexão e pesquisa dos estudantes e estarem preparados para mudar sua estratégia de acordo com a resposta dos mesmos.

Os pais de Helena, que tem 16 anos e estuda em uma disputada escola pública de ensino médio com foco em ciências e matemática, receberam o planejamento das aulas à distância e o calendário escolar no domingo anterior ao início das aulas em modo remoto. O mesmo ocorreu com Tomás, que tem 11 anos e estuda em uma middle school pública (o que equivale ao Fundamental 2 no Brasil).

As duas escolas já utilizavam uma plataforma de relacionamento com alunos e pais. Por ela, além de informações gerais, cada professor envia tarefas de casa, vídeos, materiais de apoio, avaliações dos alunos, realiza mentoria e acompanha se os estudantes estão ou não conectados e se dedicando às tarefas.

Nina tem a mesma idade de Helena e estuda em uma escola privada de qualidade alta. Sua experiência foi um pouco distinta. A escola escolheu utilizar uma plataforma de comunicação em vídeo para que os professores dessem aulas à distância nos mesmos horários em que ocorriam as aulas presenciais. A iniciativa não fez muito sucesso com os estudantes, que se disseram cansados com o método.

A escola rapidamente mudou o desenho, intercalando aulas à distância via plataforma de vídeo, tarefas, mentoria e trabalho em grupo.

No Brasil temos dois grupos de iniciativas. Nas escolas particulares, vêm sendo utilizados vários recursos, como o de vídeo ao vivo ou gravado, reproduzindo o ambiente de uma sala de aula, o envio de tarefas, a mentoria e sessões em grupos menores para tirar dúvidas dos alunos. Muitas vezes essas estratégias são combinadas.

O grande desafio que as escolas particulares terão caso as medidas de isolamento sejam prolongadas é sua sustentabilidade. Os pais precisam compreender que os custos não mudam e que a maior riqueza de uma escola é a qualidade de seus profissionais.

As melhores escolas públicas e privadas de Nova York, assim como as escolas de elite no Brasil, se basearam na continuidade do que foi planejado pelos professores e pelas escolas. Ninguém adotou soluções mágicas que batem à porta nesse momento, como a venda de sistemas, aplicativos e plataformas de apoio didático. Mais do que a tecnologia, as soluções se estruturaram na confiança do compromisso das pessoas que estão no coração do processo: os professores.

A escolas públicas brasileiras estão fechadas. Algumas redes anteciparam o recesso de julho, o que é uma decisão correta. É hora de os secretários estaduais e municipais discutirem com suas equipes pedagógicas as diretrizes para o retorno às aulas presenciais e o que fazer em caso de se optar pelas aulas à distância.

No caso de um prolongamento das medidas de quarentena, um sistema de comunicação simples entre as escolas, estudantes e pais, com a distribuição de materiais preparados pelos professores é suficiente. Para aqueles estudantes que não possuem computadores ou internet, poderia se adaptar espaços que respeitem as regras sanitárias de distância necessárias.

A principal lição desse momento é que mesmo com as escolas fechadas, o papel dos professores é central no desenho e implementação das políticas educacionais.

Para que eles consigam apoiar seus alunos em pleno exercício de suas capacidades, a sociedade precisa garantir-lhes recursos à altura dos desafios que a profissão lhes impõe, como uma carreira que possibilite a esses profissionais trabalhar em uma única escola, como ocorre nas melhores redes públicas do mundo e nas melhores escolas particulares do Brasil.

Deixo aqui sugestões mais gerais a quem está na linha de frente, gerenciando nossas redes públicas. Desenhem soluções capazes de garantir o melhor aos alunos mais vulneráveis de suas redes. Uma solução que os atenda será capaz de atender a todos.

Confiem nos seus profissionais. Peçam a cada uma das escolas um plano específico para esse momento difícil e criem um método de monitoramento dos mesmos. Por fim, deixem os professores livres para realizarem suas escolhas pedagógicas.

Alexandre Schneider
Pesquisador visitante e professor adjunto da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP, consultor e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

Uma depressão ainda maior? Por Nouriel Roubini

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Project Syndicate 
26 de março de 2020

Com a pandemia da covid-19 ainda fora de controle, o melhor resultado econômico que se pode esperar é uma recessão mais profunda do que aquela que se seguiu à crise financeira de 2008. Mas, dada a instabilidade das respostas políticas até agora, as chances de um resultado muito pior estão aumentando a cada dia.
NOVA YORK – O choque da covid-19 na economia global foi mais rápido e mais severo que a Crise Financeira Global de 2008 (GFC, na sigla em inglês) e até mesmo que a Grande Depressão. Nos dois episódios anteriores, as bolsas de valores caíram em 50% ou mais, os mercados de crédito congelaram, grandes falências se sucederam, as taxas de desemprego saltaram acima de 10% e o PIB se contraiu a uma taxa anualizada de 10% ou mais. Mas tudo isso levou cerca de três anos para acontecer. Na crise atual, resultados macroeconômicos e financeiros igualmente terríveis se materializaram em três semanas.

No início deste mês, foram necessários apenas 15 dias para o mercado de ações dos Estados Unidos despencar para um território de baixa (um declínio de 20% em relação ao pico, o mais rápido já registrado).

Agora, os mercados já caíram 35%, os mercados de crédito se paralisaram e os spreads de crédito (como os de títulos indesejados) subiram para os níveis de 2008. Até mesmo as empresas financeiras mainstream, como Goldman Sachs, JP Morgan e Morgan Stanley, esperam que o PIB americano caia a uma taxa anualizada de 6% no primeiro trimestre e de 24% a 30% no segundo. O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Steve Mnuchin, alertou que a taxa de desemprego pode subir para mais de 20% (o dobro do maior nível registrado durante a GFC).

Em outras palavras, todos os componentes da demanda agregada – consumo, investimento em bens de capital, exportações – estão em uma queda livre sem precedentes. Ainda que a maioria dos comentaristas prefira antecipar uma desaceleração em forma de V – com a produção caindo acentuadamente por um trimestre e se recuperando rapidamente no próximo –, agora já deveria estar bem claro que a crise da covid-19 é uma coisa completamente diferente. A contração que está em andamento não parece ter forma de V, nem de U, nem mesmo de L (desaceleração acentuada seguida de estagnação). Pelo contrário, parece um I: uma linha vertical que representa os mercados financeiros e a economia real em queda. 

Nem mesmo durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial a maior parte da atividade econômica foi literalmente fechada, como está ocorrendo na China, nos Estados Unidos e na Europa nos dias de hoje. O melhor cenário seria uma desaceleração mais severa que a GFC (em termos de redução da produção global), mas de vida mais curta, possibilitando um retorno ao crescimento positivo até o quarto trimestre deste ano. Nesse caso, os mercados começariam a se recuperar assim que aparecesse a luz no fim do túnel. 

Mas o melhor cenário pressupõe várias condições. Primeiro, os Estados Unidos, a Europa e outras economias fortemente afetadas precisariam implementar vastas medidas de teste, rastreamento e tratamento da covid-19, quarentenas forçadas e um bloqueio generalizado do tipo que a China implementou. E, como pode levar 18 meses para que uma vacina seja desenvolvida e produzida para toda a população, antivirais e outros medicamentos precisariam ser introduzidos em larga escala. 

Segundo, os formuladores de políticas monetárias – que já fizeram em menos de um mês o que demoraram três anos para fazer depois da CGF – precisariam continuar tirando da cartola medidas não convencionais para combater a crise. Isso significa taxas de juros zero ou negativas; intensificação do forward guidance [ou seja, mais clareza por parte dos bancos centrais na sinalização da trajetória futura da taxa de juros]; flexibilização quantitativa; e facilitação do crédito (compra de ativos privados) para ajudar bancos, instituições financeiras não bancárias, fundos do mercado monetário e até grandes corporações (commercial papers [notas promissórias comerciais] e títulos privados). O Federal Reserve dos Estados Unidos expandiu suas linhas de swaps para atender à enorme escassez de liquidez em dólar nos mercados globais, mas agora precisamos de mais instrumentos para incentivar os bancos a emprestar a pequenas e médias empresas sem liquidez, mas ainda solventes. 

Terceiro, os governos precisariam implantar estímulos fiscais maciços, inclusive por meio de “dinheiro jogado de helicóptero”, ou seja, transferências diretas em dinheiro para as famílias. Dado o tamanho do choque econômico, os déficits fiscais nas economias avançadas precisariam aumentar de 2 a 3% do PIB para cerca de 10% ou ainda mais. Somente os governos centrais têm balanços grandes e fortes o suficiente para impedir o colapso do setor privado. 

Mas essas intervenções financiadas pelo déficit devem ser totalmente monetizadas. Se elas forem financiadas por meio da dívida pública padrão, as taxas de juros subiriam acentuadamente e a recuperação morreria sufocada antes de sair do berço. Dadas as circunstâncias, as intervenções há muito propostas pelos esquerdistas da escola da Teoria Monetária Moderna, entre elas o “dinheiro de helicóptero”, tornaram-se mainstream. 

Infelizmente, a reação da saúde pública nas economias avançadas ficou muito aquém do necessário para conter a pandemia, e o pacote de políticas fiscais hoje em debate não está amplo nem rápido o suficiente para criar condições para uma recuperação oportuna. Assim, o risco de uma nova Grande Depressão pior que a original – uma Depressão Ainda Maior – aumenta a cada dia. 

A menos que a pandemia seja interrompida, as economias e os mercados do mundo todo continuarão em queda livre. Mas, mesmo que a pandemia seja mais ou menos contida, o crescimento geral não retornará até o final de 2020. Afinal, até lá, é provável que comece outra temporada de vírus, com novas mutações; intervenções terapêuticas com as quais muitos estão contando podem se mostrar menos eficazes do que se espera. Assim, as economias se contrairão mais uma vez, e os mercados cairão mais uma vez. 

Além disso, a resposta fiscal pode chegar a um limite se a monetização de déficits maciços começar a gerar inflação alta, especialmente se uma série de choques negativos na oferta, relacionados ao vírus, reduzir o crescimento potencial. E muitos países simplesmente não conseguem fazer esses empréstimos em sua própria moeda. Quem socorrerá governos, corporações, bancos e famílias em mercados emergentes? 

De qualquer forma, mesmo que a pandemia e as consequências econômicas forem controladas, a economia global ainda poderia se ver sujeita a vários riscos da chamada cauda de “cisne branco”. Com a eleição presidencial americana se aproximando, a crise da covid-19 dará lugar a novos conflitos entre o Ocidente e pelo menos quatro potências revisionistas: China, Rússia, Irã e Coréia do Norte, que já estão se valendo da ciberguerra assimétrica para minar os Estados Unidos por dentro. Os inevitáveis ataques cibernéticos ao processo eleitoral americano podem gerar contestação do resultado final, com acusações de “manipulação” e possibilidade de violência e desordem civil. 

De maneira similar, como já argumentei em outra ocasião, os mercados estão subestimando enormemente o risco de uma guerra entre os Estados Unidos e o Irã ainda este ano; a deterioração das relações sino-americanas vem se acelerando, pois um lado culpa o outro pela escala da pandemia da covid-19. É provável que a atual crise precipite a balcanização e o esfacelamento da economia global nos próximos meses e anos. 

Essa trindade de riscos – pandemias não contidas, arsenais de política econômica insuficientes e cisnes brancos geopolíticos – será o bastante para jogar a economia global em uma recessão persistente e produzir um colapso descontrolado do mercado financeiro. Depois do crash de 2008, uma resposta forte (ainda que demorada) afastou a economia global do abismo. Pode ser que não tenhamos tanta sorte desta vez. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

* Nouriel Roubini, professor de economia na Stern School of Business da Universidade de Nova York e presidente da Roubini Macro Associates, foi economista para assuntos internacionais do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca durante o governo Clinton. Ele trabalhou para o Fundo Monetário Internacional, o Federal Reserve dos Estados Unidos e o Banco Mundial. Seu site é NourielRoubini.com.

‘O Brasil precisa construir sua própria escada rumo ao desenvolvimento’, diz Ha-Joon Chang

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Jornal da Unicamp, 15/05/2018

Docente da Universidade de Cambridge, o economista sul-coreano fez duas conferências no Instituto de Economia e falou ao Jornal da Unicamp
O sul-coreano Ha-Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge, é considerado um dos mais proeminentes economistas heterodoxos da atualidade. Conhecido por ser um crítico do liberalismo econômico, Chang conta com muitos admiradores no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Prova disso foi o interesse demonstrado por estudantes e docentes da Unicamp nas duas conferências apresentadas por ele no Instituto de Economia (IE), nos últimos dias 8 e 9 de maio. Na primeira delas, o auditório superlotou e parte do público teve que se acomodar no chão. A presença de Chang na Universidade faz parte de uma série de eventos em comemoração aos 50 anos de criação do IE. 
Entre uma atividade e outra, o docente de Cambridge fez uma pausa para falar ao Jornal da Unicamp. Na entrevista que segue, ele aborda diversas questões, várias delas relacionadas ao desenvolvimento econômico. Segundo ele, ao contrário do que muitos pensam, as economias dos países ricos avançaram por causa da adoção de políticas protecionistas, e não porque se basearam no livre comércio. “Somente depois de que suas economias se fortaleceram foi que essas nações passaram a defender o livre comércio”, afirma.

Jornal da Unicamp – Esta é a sua segunda visita à Unicamp. Como avalia o contato com a comunidade universitária nesta oportunidade?
Ha-Joon Chang – Agradeço ao convite do Instituto de Economia da Unicamp para falar aos seus estudantes e professores. Não poderia ter ficado mais satisfeito com a presença e a participação do público nas minhas duas conferências. Os participantes fizeram perguntas de muita qualidade. Também fiquei feliz porque alguns dos meus livros são adotados para reflexão em disciplinas do Instituto de Economia. É um prazer estar aqui para participar deste momento no qual o Instituto comemora 50 anos de atividades.

JU – Em seu trabalho, o senhor afirma que os países ricos, embora defendam o livre comércio, desenvolveram suas economias a partir de políticas protecionistas. Como isso ocorreu?
Ha-Joon Chang – Os países ricos tiveram maior autonomia para implementar essas políticas protecionistas ao longo do Século XIX. Fizeram isso por meio de tratados de comércio desiguais em relação a economias mais frágeis. Já no Século XX, após a Segunda Guerra Mundial, abriu-se um novo espaço, diante do contexto geopolítico da Guerra Fria. Foi quando os países em desenvolvimento também adotaram políticas protecionistas para fomentar indústrias nascentes. Esse cenário vai se reverter a partir dos anos 1980 com a crise da dívida externa enfrentada por muitas economias em desenvolvimento. Em 1995, com a constituição da OMC [Organização Mundial do Comércio], reforça-se a política do livre comércio. Como consequência, nos últimos 20/30 anos, temos observado a deterioração da indústria em muitas economias.

JU – Por falar em deterioração da indústria, o senhor também tem alertado para o risco da desindustrialização das economias emergentes. No caso do Brasil, quais os perigos de o país sustentar a sua economia na produção de commodities? 
Ha-Joon Chang – Esse fenômeno teve início nos anos 1980. É um fenômeno que um colega de Cambridge, Gabriel Palma, denomina de “desindustrialização prematura”. O termo classifica a queda da participação da indústria na economia antes mesmo de o processo de industrialização ter se consolidado totalmente. O Brasil teve uma das principais economias manufatureiras do mundo. Até o início dos anos 1980 a indústria respondia por quase 30% do PIB brasileiro. Depois disso, ocorreu um processo importante de deterioração. Atualmente, essa participação está em torno de 10%. A indústria tem uma importância grande no processo de desenvolvimento econômico. Uma vez desestruturado esse setor, fica muito difícil reconstruí-lo e torná-lo competitivo novamente. 

JU – Num passado recente, sempre que se discutia a necessidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil, a Coreia do Sul era apontada como exemplo a ser seguido. Esse modelo continua sendo válido?
Ha-Joon Chang – A Coreia do Sul continua sendo um importante investidor em P&D. Está entre os cinco principais investidores do mundo na área, junto com países como Suécia, Finlândia e Israel, quando consideramos os gastos com P&D em relação ao PIB. Uma questão importante é que, uma vez perdida a capacidade industrial, o país também reduz a demanda por investimentos em pesquisa e desenvolvimento. A indústria está muito atrelada ao desenvolvimento de novas tecnologias. Tanto é assim que nos Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, a indústria responde por 60% a 70% dos investimentos em P&D. 

JU – O senhor se autointitula um economista pragmático. Como é defender uma economia pragmática num mundo totalmente polarizado?
Ha-Joon Chang – Ser pragmático nos tempos de hoje, num mundo polarizado como você diz, é muito difícil porque as críticas surgem de todos os lados. É preciso entender que não existe um modelo único de desenvolvimento. Precisamos ser mais pragmáticos. A Suécia, que é um país igualitário, tem uma família que detém metade das corporações do país. Em Singapura, onde a economia é altamente desenvolvida, o Estado é que detém mais de 90% das terras. São modelos diferentes que responderam aos objetivos de cada sociedade.
JU – Falando em sociedade, o senhor considera que o bem-estar social deva ser premissa ou consequência do desenvolvimento?
Ha-Joon Chang – Penso que o desenvolvimento tem que contemplar as duas dimensões. É muito importante que as bases sociais sejam colocadas. Questões como saúde, educação e estabilidade social dos trabalhadores são fundamentais para que a sociedade possa se desenvolver. Ao mesmo tempo em que a economia avança, os indivíduos percebem que têm novos direitos e novas demandas. Nesse ponto, concordo com a vertente marxista que considera que as necessidades da população mudam conforme a sociedade se desenvolve. O desenvolvimento econômico pode trazer consequências positivas em termos sociais.

JU – No Brasil, seguidos governos demonstraram obsessão em relação ao controle da inflação. Foi criada até a figura de um dragão que precisava ser derrotado. O senhor, porém, critica essa sanha anti-inflacionária, dizendo que tão importante quanto controlar a inflação é promover a estabilidade da produção e do desenvolvimento. Pode explicar melhor essa sua posição?
Ha-Joon Chang – Obviamente, uma taxa de inflação muito elevada, na faixa dos 40% ou 50% ao ano, desencoraja os investimentos e compromete o horizonte de decisão. Muitos economistas, porém, dizem que uma inflação abaixo dos 20% não traria grande impacto para a economia, principalmente se o índice girar em torno dos 10%. Essa obsessão pelo combate à inflação prejudica outros setores. Por trás do interesse de manter a inflação baixa está o setor financeiro, que tem ganhos por meio de contratos e aplicações em valores nominais. Ou seja, inflação baixa é sinônimo de vantagem para o setor financeiro. As políticas que garantem a inflação baixa afetam negativamente a indústria. No Brasil, durante os governos do Partido dos Trabalhadores, governos de perfil progressista, houve continuidade dessa política que favoreceu mais o setor financeiro que o industrial. 

JU – Retomando a questão do protecionismo, em um dos seus livros, intitulado “Chutando a Escada – A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica”, o senhor diz que os países ricos utilizaram políticas protecionistas para desenvolver suas economias, mas depois chutaram a escada para que os países emergentes não galgassem o mesmo patamar. No caso do Brasil, o senhor considera possível que essa escada seja reposicionada?
Ha-Joon Chang – Todos os países, uma vez que conseguem alcançar um nível de desenvolvimento maior, acabam chutando a escada. Estados Unidos e Inglaterra fizeram isso. Hoje, a China também vem adotando essa prática. O que talvez caiba ao Brasil e a outras economias em desenvolvimento é pensar em como construir suas próprias escadas. Buscar outros campos, sobretudo no contexto do surgimento de novas tecnologias. As economias avançadas levam vantagem sobre as economias mais atrasadas, principalmente em relação às indústrias tradicionais existentes. Entretanto, as economias em desenvolvimento, inclusive a brasileira, podem buscar oportunidades em indústrias novas, principalmente nas áreas de bioenergia, novos materiais etc. 

JU – Para finalizar, uma questão que não está diretamente relacionada com a economia, mas que tem implicações sobre ela. Como cidadão sul-coreano, como o senhor vê o movimento de reaproximação entre Coreia do Sul e Coreia do Norte?
Ha-Joon Chang – Vejo esse movimento como positivo. Fico satisfeito em poder presenciar isso. A divisão, que persiste há 70 anos, ainda é resultado da Guerra Fria. Apesar dessa reaproximação ser positiva, há um caminho repleto de desafios pela frente. Mesmo que um tratado de paz seja assinado, vários fatores ainda precisarão ser trabalhados. Uma possível reunificação terá que enfrentar questões complexas como as distintas condições econômicas, os diferentes padrões de vida e as especificidades de cada regime político. Esse processo certamente vai requerer muito tempo e diálogo.
 

‘O Brasil está à deriva, não vejo nenhuma estratégia’, diz economista

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Para Eduardo Giannetti, presidente “encarna o corporativismo”, e governo precisa deixar claro conteúdo e cronograma de reformas

O Estado de São Paulo – 06/03/2020

Ainda é cedo para dizer que o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019 – que surpreendeu não tanto pelo crescimento fraco, de 1,1%, mas por sua composição, com baixo nível de investimento – vai se repetir em 2020, segundo o economista Eduardo Giannetti. A ausência de um plano econômico claro, com propostas e cronogramas definidos publicamente, no entanto, pode fazer com que isso volte acontecer, o que, por sua vez, frustraria a população.

“Aí voltamos a um ponto: a sequência de ondas de insatisfação que vem se manifestando na sociedade. O desapontamento com o (presidente Jair) Bolsonaro prepara o terreno para uma nova onda”, diz o economista.

Para ele, o País está “à deriva” – “não vejo nenhuma estratégia, nenhum plano definido” -, e uma possível perda de poder da ala liberal dentro do governo, além do coronavírus, acentuam a imprevisibilidade. A seguir, trechos da entrevista.

No fim do ano passado, o sr. falou que acreditava que 2020 não repetiria a decepção com o PIB registrada em 2018 e 2019. Ainda acha isso?

Em função de fatores externos e domésticos, estou menos convencido agora de que a recuperação cíclica é irreversível. Mas acho que é cedo para dizer que vamos repetir o que aconteceu nos últimos três anos.

Mas as revisões para baixo já começaram.

Já, mas acho que é cedo para determinar, diante de tantas incertezas, inclusive externas, qual vai ser o desempenho em 2020. O mundo está mais imprevisível. Nos últimos 12 meses, tivemos ameaça de guerra comercial, de guerra entre EUA e Irã e agora o coronavírus. Cada um desses eventos gera incerteza. Seria improvável um mundo em que eventos de baixa probabilidade nunca acontecessem. Eles acontecem. O que mudou é que antes eles eram locais e agora são globais. Isso torna o mundo mais imprevisível.

Três fatores aumentam a imprevisibilidade mundial. Primeiro, a maior interdependência. Quando teve a Sars, em 2003, a China era muito menor do que é hoje. Uma queda da produção da China hoje faz cair o preço das commodities e afeta os emergentes. A interdependência de comércio, finanças, pessoas e informação aumenta a imprevisibilidade. A segunda coisa é a tecnologia. Ninguém sabe qual será a estrutura econômica futura e se ela sancionará os atuais modelos de negócio que são vitoriosos. A indústria digital é um serial killer, mata um setor econômico de cada vez. Isso gera enorme insegurança nos tomadores de decisão e muita imprevisibilidade microeconômica. A terceira coisa é a polarização política. Estamos nas mãos de governos que agem de acordo com uma lógica que não era a estabelecida no sistema democrático de poucos anos atrás. Isso é uma novidade que aumenta a imprevisibilidade no processo decisório. Então, é bom a gente se preparar porque o mundo ficou mais imprevisível. Talvez esse seja o novo normal. O aumento da imprevisibilidade torna mais difícil o processo decisório e afeta investimentos.

A tendência, então, é uma queda geral de investimentos?

As pessoas vão ter de aceitar correr mais riscos. Não vão poder se ausentar completamente. Ao mesmo tempo, as taxas de juros estão baixas, o que leva os detentores de ativos a buscar alternativas para investir. São forças em direções contrárias.

E como o sr. vê a questão de previsibilidade doméstica?

Aí o governo Bolsonaro deixa muito a desejar, porque não está nem um pouco empenhado em dar sequência ao movimento reformista.

O presidente ou o governo como um todo?

É o governo como um todo. O Brasil está à deriva em termos de governo. Não vejo nenhuma estratégia, nenhum plano definido.

Não há um plano liberal sendo implementado?

Não vejo estratégia, comprometimento ou clareza. É espantoso que a equipe econômica não tenha, até agora, dito o que deseja de reforma tributária. Eles sabem da importância desse assunto para a vida empresarial e não se manifestam. A única coisa que aparece desse governo é corporativismo. É, por exemplo, liberar terra indígena para mineração. O presidente confunde defender os grupos de interesse que interessam a ele politicamente com o governo do Brasil. Ele defende os militares na reforma da Previdência, se omite na greve das polícias militares, defende os canais de televisão dos grupos de mídia que o apoiam liberando sorteios, quer abrir terras indígenas para garimpo para defender grupos até paralegais que atuam em mineração ilegal na região amazônica.

O corporativismo era tido como uma das grandes características do governo PT…

Ninguém encarna mais o corporativismo pequeno do que o nosso presidente. Ele não vê problema em usar o poder para favorecer aqueles que os apoiam.

O sr. já disse várias vezes que vê risco à democracia no Brasil sob Bolsonaro. Como o sr. avalia o fato de o presidente ter compartilhado um vídeo convocando para protesto contra o Congresso?

Concretamente, a linha não foi atravessada. Mas fica cada vez mais claro que o sentimento é de atropelar instituições. Temo que, num momento de crise, esse sentimento se transforme em ação. O risco é alto e tenho certeza de que a insegurança política gerada pelos pronunciamentos do Bolsonaro em nada contribui para a economia brasileira. Houve um rumor, pouco tempo atrás, de que o Paulo Guedes poderia sair do governo. E se o Bolsonaro resolve dar um cavalo de pau na economia e chamar um militar? Aliás, isso é curioso. Há três grupos no governo: o militar geopolítico, o liberal econômico e o familiar astrológico. Essa correlação de forças tem mudado e o familiar astrológico se enfraqueceu, enquanto o militar avançou e aparentemente está de olho na economia.

O sr. dizia que o familiar o preocupava. Como vê essa mudança?

A força que me parecia menos ameaçadora era a econômica. O enfraquecimento dela é mais um elemento de incerteza.

Voltando ao PIB, o resultado de 2019 e a possível debilidade que deve haver neste ano ameaçam a agenda reformista?

Pouca reforma foi feita até agora, mas uma conquista é que o Brasil saiu da UTI fiscal. Isso começou no governo Temer e teve continuidade neste início do governo Bolsonaro.

Mas isso é algo que a população não sente. As pessoas percebem o desemprego.

Está faltando essa agenda de reforma administrativa, tributária, de marco regulatório adequado para investimento em infraestrutura e de um governo que tranquilize, em vez de hostilizar. Um governo que mostre seriedade e compromisso em criar um ambiente estável para que as pessoas possam se sentir confiantes em relação ao futuro. O governo Bolsonaro não contribui em nada para isso. Essa maluquice que fez, se recusando a comentar os números do PIB, é um desastre para a credibilidade. Mas as reformas não foram feitas ainda. Se forem feitas e não derem resultado, aí tem duas possibilidades: elas podem ser necessárias, mas não suficientes, ou se mostrarem contraproducentes. Mas, se acontecer uma boa reforma tributária, isso só pode contribuir para o melhor desempenho da economia brasileira. Não tem como piorar.

O que mais precisa ser feito?

Reforma administrativa. A questão do pacto federativo é importante. Temos de descentralizar as decisões em relação ao uso de recursos públicos no Brasil. Essa é uma boa agenda que a equipe econômica do governo Bolsonaro tem, mas não está acontecendo. O governo tem de apresentar propostas, apresentar um cronograma de encaminhamento da reforma administrativa, definir uma agenda exequível de iniciativas. Isso não está acontecendo. E a impressão que dá é que eles (ala liberal do governo) estão se enfraquecendo dentro daquele arranjo tripartite de forças do governo.

Sem propostas e cronograma, além dessa ala perdendo força, o que podemos esperar para os próximos três anos?

Vamos continuar nessa frustração e aí voltamos a um ponto: a sequência de ondas de insatisfação que vêm se manifestando na sociedade. Tivemos junho de 2013, a quase vitória da Marina (Silva) na eleição de 2014 foi um sentimento anti-establishment violento, o impeachment da Dilma também foi uma onda anti-establishment, a greve dos caminhoneiros e a própria eleição do Bolsonaro. Bolsonaro capturou na eleição esse sentimento anti-político. O desapontamento com o Bolsonaro prepara o terreno para uma nova onda. As pessoas vão começar a ficar muito inquietas, insatisfeitas e aí um acontecimentozinho pode deflagrar, com as novas tecnologias, uma nova onda (de protestos).

Como o sr. vê a ameaça do coronavírus?

Tem dois cenários. Um de que é um fenômeno de grande impacto, mas de curto prazo, que, no segundo semestre, haverá uma volta à normalidade e até um movimento de recuperação do que se perdeu no primeiro semestre. A mais pessimista é de que é um choque de oferta, como foi o do petróleo nas décadas de 70 e 80, que tem implicações duradouras e que vai gerar problemas de demanda também. O choque de oferta interrompe cadeias produtivas, leva à queda de suprimentos, a fechamento de fábricas, ao aumento do desemprego, á perda de renda. E aí você tem uma recessão. O fato de o BC americano ter se precipitado e usado boa parte da sua munição tão rápido. mostra que ele está assustado e que pode ter usado rápido e cedo demais a pouca munição que tem para baixar juros.

Em qual desses cenários o sr. apostaria?

Esses cenários dependem de coisas difíceis de se modelar, quanto mais de ter um resultado para o qual se possa atribuir probabilidade. Qualquer resposta muito confiante em relação a isso mostra ignorância.

Joseph Stiglitz: ”Em todas as dimensões, o neoliberalismo foi um fracasso incontestável”

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O Prêmio Nobel de Economia dispara contra Donald Trump e afirma que o mundo está passando por uma crise tripla hoje

O Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz acredita que estamos passando por uma crise tripla: de capitalismo, do clima e de valores. E ele atribui isso à crença em mercados irrestritos, ao neoliberalismo seguido desde o governo de Ronald Reagan nos Estados Unidos.

Pouco antes de viajar de Nova York ao Vaticano, para participar de um simpósio sobre economia justa, o ex-economista-chefe do Banco Mundial e consultor econômico de Bill Clinton conversou dias atrás com o La Vanguardia sobre seu novo livro, “Capitalismo progressista para uma era de descontentamento”, no qual ele dispara contra Donald Trump e diz que os EUA está em guerra consigo mesmo, que a classe média mais poderosa do planeta não para de perder poder de compra. E levanta a necessidade de retornar a um capitalismo de prosperidade compartilhada, no qual a política controla a economia e assume que a educação e, a criatividade e a produtividade dos cidadãos são a base da riqueza de um país.

La Vanguardia – Taxas de juros negativas, manifestações, populismo, crise climática… O que acontece?

Joseph Stiglitz – É o efeito cumulativo de vários fatores, e um é claramente o aumento da desigualdade. A crise financeira criou muita insegurança e a maneira como ela foi resolvida sugere a muitos que o sistema está quebrado. Na Europa, a crise do euro levou ao desencanto com o funcionamento da União Europeia. Há uma sensação de falta de poder diante de problemas muito sérios. E isso é combinado com problemas de desindustrialização em muitos países, de transformação estrutural, com perda de empregos e sistemas inadequados para as pessoas passarem dos empregos antigos para a nova economia.

Às quatro décadas de revolução neoliberal, desde Reagan, cumpriram o que prometeram?

Não, e a evidência é muito sólida de que o crescimento tem sido muito mais lento após o início do reaganismo e thatcherismo que antes. E praticamente todo esse crescimento foi para as pessoas que são mais ricas. Além disso, a crise de 2008 mostrou a instabilidade do sistema. Em todas as dimensões, o neoliberalismo foi um fracasso.

Por que falhou?

O principal fator é que os mercados desregulados muitas vezes levam à exploração e à ineficiência. Os benefícios são alcançados, mas não produzindo produtos melhores a preços melhores, mas tirando vantagem de outros, como temos visto com os bancos. E há um fenômeno relacionado, que é subestimar a necessidade de ação coletiva. Muitos dos sucessos da pesquisa básica em ciência e tecnologia são financiados pelo governo e, se você cortar seus fundos, diminuirá o crescimento. Vemos isso de maneira extrema nos EUA. agora com Trump propondo cortar um terço no orçamento da ciência. O Congresso não permitiu, mas é visível sua falta de compreensão do que leva ao progresso.

Você disse que Trump é como reaganismo, mas com esteroides.

(risos) É. Reagan em seu orçamento de 1981 não se preocupou com o déficit fiscal, que foi o início de grandes déficits. Em 1986, ele tentou corrigi-lo, porque estava claro que a redução de impostos não aumentara a renda como ele acreditava. Em vez disso, a irresponsabilidade de Trump em seu corte de impostos em 2017 foi que ele já sabia o que ia acontecer. E se Reagan reduziu os impostos corporativos, Trump fez muito mais. No que Reagan tentou ser razoável, embora errado em seguir a economia do lado da oferta do neoliberalismo, Trump não estava ciente de nenhum limite. Também existem diferenças importantes. O reaganismo, o republicano padrão, acredita no livre mercado. Trump, em protecionismo. E Reagan não tentou a desinformação que parece o centro da política de Trump. É por isso que estou falando sobre esteroides: é pegar todos os princípios do padrão neoliberal, exacerbá-los e adicionar ingredientes muito piores que os republicanos tradicionais.

Reagan foi melhor?

Com ele, pessoas como Eisenhower parecem santas. Até Reagan parece muito melhor, não tínhamos percebido o quanto as coisas poderiam ficar ruins. Até Nixon criou leis ambientais, como água limpa. Trump nega as mudanças climáticas e tenta piorar o meio ambiente a qualquer custo. Mesmo quando empresas como Ford dizem que poderiam e gostariam de assumir padrões ambientais mais altos, ele diz que não deveriam. É fenomenal. Não sei se houve um caso assim.

Mais do que um conservador, ele diz, Trump é um revolucionário.

Está derrubando muitas normas básicas da sociedade. O funcionamento da economia e da política baseia-se em regras e convenções como a de que o presidente é civilizado. Baseia-se no funcionamento das leis, separação de poderes, burocracia independente. Ele está minando as instituições que ajudamos a criar durante mais de 200 anos para dar estabilidade à sociedade e dar voz às pessoas e contribuir para a eficiência econômica.

Qual é o seu objetivo?

Em parte, ele não tem estrutura intelectual e é incapaz de trabalhar com conselheiros: os razoáveis são demitidos ou vão embora. E todo presidente precisa de pessoas com experiência no governo e na execução de projetos produtivos e criativos. Mas ele vem do setor imobiliário, um setor que não é exatamente criativo ou líder, e era conhecido por seu mau comportamento e falências, por tirar proveito de fornecedores e trabalhadores, por ser basicamente desonesto. Ele não é o empresário com quem você negociaria, e é por isso que os bancos dos EUA o rejeitaram e daí seu relacionamento com o Deutsche Bank e com os russos. Ele tem muito pouco entendimento e um narcisismo que dificulta sua orientação. Ninguém esperava que ele fosse melhor do que ele é, mas ele seria controlado pelo partido republicano. Esse foi o grande engodo. Isso o transformou em um partido pelo nativismo populista extremo que divide os americanos. Trump não apenas não entende o que é necessário para fazer a democracia funcionar, nem que a maioria dos líderes tenta criar coesão social. Em vez disso, sua vontade é governar dividindo o país.

O impeachment foi justo?

Sem dúvida. O impeachment é que o Congresso o acuse de crimes e ofensas graves. Outra questão é sua destituição. Ele deveria ter sido destituído, o que ele fez é inadmissível, mas a mesma liderança republicana que se rendeu a ele disse que não haveria um julgamento justo e decidiu absolvê-lo sem sequer ouvir evidências não disponíveis antes.

Os democratas podem derrotá-lo?

Ainda é possível. Há ruido nas divisões do Partido Democrata, mas em seus objetivos elas são muito pequenas, existe um grande consenso no controle de armas, nos direitos reprodutivos das mulheres, no salário mínimo, na saúde para todos e na educação. Existem diferenças na melhor maneira de alcançá-las. E, acima de tudo, Trump não cumpriu, é outra mentira. A economia criou menos empregos mensais do que no segundo mandato de Obama. Ele não superou seu rival.

Vivemos um crescimento surpreendentemente lento em uma economia tão inovadora. Por quê?

Tem a ver com desigualdade. Investimos bem abaixo do necessário em pesquisa, educação e infraestrutura, porque aqueles que estão da faixa 1% mais rica não querem um governo que impõe impostos mais altos. E também, quando você redistribui o dinheiro da base para o topo e dá mais dinheiro aos ricos, eles gastam menos de sua renda, o que diminui o crescimento.

A classe média se apaixona pelo neoliberalismo ou pela tecnologia?

O problema básico é o neoliberalismo, o mercado irrestrito. A falta de uma política adequada contribuiu para moldar a tecnologia. Qualquer um que olhe o desejável em termos de nossos investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento) diria que precisamos fazer coisas que ajudem contra as mudanças climáticas, não precisamos de inovação que tente criar mais desemprego, como agora.

Peça um papel maior do governo. Qual?

Precisamos de melhores regulamentações para proteger o meio ambiente e contra a exploração, contra o poder de mercado em uma série de áreas onde [a competição] não funciona. Depois, mais investimento público em educação, infraestrutura e tecnologia. Precisamos mudar as regras da economia, que agora minam os direitos dos trabalhadores, aumentam o poder das corporações, permitem a poluição excessiva e os gerentes extraem muito dinheiro das empresas. Precisamos de mais ação coletiva.

A globalização como foi feita foi um erro?

Nossos acordos comerciais são feitos principalmente de maneira tendenciosa em favor das corporações e muitos precisam mudar. Por outro lado, há áreas em que são necessários mais acordos, como a tributação das multinacionais. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que a globalização ajudou muitos países em desenvolvimento, como China e Índia, embora tenha prejudicado alguns dos mais pobres da África.

Que responsabilidade os economistas têm no que aconteceu?

Muitos jovens economistas estão convencidos de que o caminho da profissão estava errado, havia muita fé nos mercados, mais baseada na ideologia do que na ciência econômica. É por isso que eles exploram novas áreas, como economia comportamental. Para pessoas que dedicaram 40 anos de vida ao neoliberalismo, é mais difícil mudar.

O mercado não será mais rei?

Há uma desilusão real com os mercados. Como as empresas se comportam: a indústria farmacêutica e a crise dos opioides, a indústria de alimentos e a crise do diabetes infantil, os bancos e a crise financeira. E que o capitalismo não funcionou para uma grande faixa da sociedade, que a expectativa de vida nos EUA caiu, a decepção aumenta. A ideia de que o mercado é rei não é mais verdadeira, principalmente entre os jovens. Eles procuram outra forma de economia. Por isso escrevi este livro.

Nada se compara ao parasita brasileiro, por Ladislau Dowbor.

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A economia está parada. Há 50 milhões de desempregados e precários. A fome voltou e os sem-teto estiram-se nas calçadas. Duzentos homens engordam suas imensas fortunas, sem nada produzir. Coincidência? Como nos livraremos deles?

Primeiro, a coisa óbvia: nosso problema não é falta de dinheiro. Com um PIB de 6,8 trilhões de reais e uma população de 210 milhões, o que produzimos hoje representa 11 mil reais por mês por família de quatro pessoas. Com o que produzimos hoje, mesmo sem procurar uma igualdade opressiva, apenas uma desigualdade menos obscena, dá para todos viverem de maneira digna e confortável. Nosso problema não é pobreza, e sim desgoverno. Ou, para dizê-lo de maneira hoje atualizada, é falta de governança, de fazer o conjunto funcionar.

Na minha modesta aritmética econômica – sou avesso à econometria – faço as contas, follow the money por assim dizer, apresentando o fluxo financeiro integrado. Calculando o quanto se tira da capacidade de compra das famílias por meio do absurdo nível de juros sobre o cheque especial, do rotativo do cartão, dos crediários e do empréstimo bancário, somando os juros sobre os créditos concedidos às empresas, chegamos a 1 trilhão de reais. Dado que coincide com os cálculos das financeiras, apresentados na manchete dominical do Estadão de 18 de dezembro de 2016: “Crise de crédito tira R$1 tri da economia e piora recessão”. São 15% do PIB esterilizados, transformados em lucros financeiros. Acrescentem a isso os R$ 300 a R$ 400 bilhões transferidos para os que aplicam as suas fortunas em títulos da dívida pública, e chegamos a 20% do PIB, alimentando fortunas. A taxa Selic baixou, realmente, mas é cobrada sobre um estoque da dívida muito maior. Em 2018 o Estado foi desfalcado em R$ 320 bilhões. São lucros e dividendos que, uma vez distribuídos, desde 1995 sequer pagam impostos. É um dreno poderoso.

Thomas Piketty abriu a caixa do capitalismo moderno para constatar que no século XXI rende mais fazer aplicações financeiras do que investir na produção. E o dinheiro segue naturalmente para onde rende mais. O capitalismo do século passado, que tanto criticávamos por explorar os trabalhadores, pelo menos investia, produzia bens e serviços de razoável utilidade, gerava empregos e pagava impostos. O do século XXI não investe, não produz e sequer paga impostos. David Harvey diz corretamente que não se trata de “capital no século XXI” e sim de patrimônio, porque não retorna ao processo produtivo senão marginalmente.

Sem entrar em excessivos detalhes, lembremos que a tributação no Brasil não só não corrige os desequilíbrios, como os agrava, pela estrutura regressiva na cobrança dos impostos e favorecimento dos mais ricos na alocação. E também que, segundo o Tax Justice Network, o Brasil tem cerca de 520 bilhões de dólares em paraísos fiscais, mais de 2 trilhões de reais que nem produzem nem pagam impostos. Acrescentem o vazamento que representam as seguradoras, as pensões complementares e os planos de saúde – fundos que “aplicam” em vez de investir, e temos aqui mais uma obviedade: a nossa economia está vazando por todos os lados. Apresentamos esses dados, com detalhes e fontes, no nosso A Era do Capital Improdutivo, em texto impresso, online, em vídeos e em plataformas de discussão. É aritmética, só não vê quem não quer. Aliás, a capacidade de não ver pode ser impressionante.

Os americanos nos ajudam a ver. A revista Forbes, em edição especial de 2019, traz em detalhe quem são os 206 bilionários brasileiros. A importância deste levantamento é óbvia. Primeiro, porque é confiável, a revista é americana e entende de bilionário, a imprensa brasileira não faz levantamentos deste tipo. Segundo, é um artigo em que os donos das fortunas, felizes em aparecer na Forbes, em vez de se esconder e de esconder como chegam às fortunas, aparecem sorridentes e orgulhosos. Afinal, é uma a revista que já explicita para quem é escrita: acima das manchetes, recomenda-se aderir à “Forbeslife – carros, jatos e iates: chegou a hora de escolher o seu”. Sim, caro leitor, o artigo que aqui analiso não foi escrito para você, foi escrito para eles mesmos, os bilionários. A nós interessa muito, pois este grupinho de bilionários constitui o lastro do poder real, o deep power do país. E representa um poder impressionante de sucção dos recursos financeiros.

Tomemos o número 2 da lista, Joseph Safra. Hoje, Joseph “tem um império bancário que leva seu nome: é dono do Banco Safra (Brasil), do J. Safra Sarasin (Suíça) e do Safra National Bank (EUA). É dono, ao lado do bilionário José Cutrale, da gigante Chiquita Brands, maior produtora de bananas do mundo”. Ter um pé na Suíça é ótimo para um banco, todos eles hoje têm pés em paraísos fiscais. Outro pé nos Estados Unidos ajuda, faz parte da articulação com a nossa economia. E Chiquita é o nome simpático hoje adotado pela antiga United Fruit, que de tantos crimes, golpes e mortes – é a empresa de bananas que aparece em Cem Anos de Solidão – decidiu mudar de nome. Mas o essencial para nós é que o patrimônio do Joseph Safra é de R$ 95,04 bilhões, e que nos meses entre março de 2018 e março de 2019 aumentou em R$ 19,31 bilhões. Sem precisar produzir nada, apenas amealhando dividendos. É o que Marjorie Kelly (e tantos outros) hoje chamam de “capitalismo extrativo”. São 19 bilhões, dois terços do Bolsa Família, em 12 meses, para uma pessoa.

O artigo apresenta a imagem de conjunto: em 2012, tínhamos no Brasil 74 bilionários, que dispunham de uma fortuna total de 346 bilhões de reais. Em 2019, são 206 bilionários, com uma fortuna total de R$ 1.205,8 bilhões (17,7% do PIB brasileiro). Como se acelerou de maneira tão dramática o enriquecimento dos bilionários no Brasil? Implicaria, imaginamos, um crescimento dinâmico da economia? Sabemos, na realidade, que desde 2013, que é quando, com manifestações e boicote, começa o ataque generalizado ao modelo distributivo, o PIB do Brasil não só não cresceu como, depois de dois anos de recessão em 2015 e 2016, continua paralisado.

Estão, para dizê-lo claramente, se entupindo de dinheiro. Não ver a relação entre o enriquecimento dos mais ricos e a paralisia da economia sugere analfabetismo econômico. O dinheiro não pode simultaneamente alimentar ganhos especulativos e evasão fiscal e financiar investimentos produtivos. Entre março 2018 e março 2019, os bilionários brasileiros aumentaram a sua fortuna em R$ 230,2 bilhões, 8 vezes o Bolsa Família. A economia brasileira cresce menos de 1%, sequer acompanha a progressão demográfica, implicando uma queda do PIB per capita do país. Há seis anos disseram que estariam “consertando” a economia. Na realidade, estão drenando.

Analisando um por um os bilionários, é impressionante a dificuldade de se encontrar alguém que produza algo. Seguindo as classificações do próprio artigo, basicamente, trata se de donos de bancos, de holdings financeiras, de acionistas e controladores acionários, de fundos de investimento (no sentido virtual de “investimento”, naturalmente), de donos de cotas acionárias, de holdings familiares, de “investidores”, e aparece até um “proprietário de terras cultivadas” (fortuna 118). Naturalmente não se trata de Jorge Luiz Silva Logemann, dono desta fortuna de R$ 2,68 bilhões, efetivamente se aproximar das terras cultivadas…

Já vimos acima como em 12 meses Joseph Safra aumentou a sua fortuna em R$ 19 bilhões. Mas a instituição de Roberto Balls Sallouti, a BTG Pactual Holding, “só no segundo trimestre de 2019, anunciou um salto de 56% no lucro líquido, para R$ 971 milhões. Sallouti é membro do conselho de administração do Mercado Livre” (fortuna 116). Associar este pequeno clube de magnatas financeiros que drenam as capacidades produtivas do país ao conceito de “mercado livre” é de causar arrepios a quem já leu Adam Smith. Aliás, vários bilionários aumentaram as suas fortunas na esfera do BTG Pactual. É bom lembrar que o banco tem 38 filiais em paraísos fiscais, e tem como atividade principal gestão de fortunas, tecnicamente asset management.

A análise detalhada das 206 fichas que este dossiê da Forbes apresenta é muito produtiva, pois constatamos que não só se trata de gigantes de intermediação, na realidade atravessadores das atividades produtivas, como estão intensamente interligados. Vamos encontrar, no imenso dreno econômico que representa o Itaú, pelo menos 13 das grandes fortunas apresentadas no relatório. No conjunto, são poucas famílias, muito interligadas, e constituindo um poderoso cluster de poder financeiro e político. Drenam as capacidades econômicas da população, das empresas produtivas e do próprio Estado. A leitura deixa claro por que este país com tantos ricos está paralisado.

Frente ao dreno geral deste capital improdutivo, atribuir os nossos problemas aos velhinhos que envelhecem demais e criariam problemas no orçamento é francamente um insulto à inteligência elementar. Lembrando que temos apenas 33 milhões de pessoas formalmente empregadas no país, para uma força de trabalho de 105 milhões – ou seja, só 31% do total. E temos 37 milhões em atividades informais, o que somado aos 13 milhões de desempregados, significa que 50 milhões de trabalhadores estão fora do sistema. A solução não está no apertar o cinto, austeridade para os que já estão na austeridade, mas cobrar os impostos devidos dos que ganham sem produzir, pois talvez, ao ver as suas fortunas tributadas, se interessem por fazer algo de útil. No essencial, o que precisamos é produzir. O empresário efetivamente produtor não precisa de discurso ideológico ou de “confiança”: precisa de famílias com poder de compra, para ter para quem vender, e de juros baixos para poder investir. Neste Brasil de grandes parasitas, ele não tem nem uma coisa nem outra.

 

 

Agenda liberal deste governo é tropicalizada, não vale para empresário, diz Edmar Bacha

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Para economista, é preciso dar uma chacoalhada no setor privado para aumentar a produtividade, a partir da abertura comercial

Joana Cunha

Folha de SÃO PAULO – 25/02.2020

Com o diagnóstico de que “a máquina quebrou” no Brasil, o economista Edmar Bacha vê um caminho difícil pela frente. Segundo sua avaliação, é preciso chacoalhar o empresariado para elevar a produtividade, mas o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes (Economia) parecem postergar a solução.

“Dependemos, basicamente, de dar uma chacoalhada no setor privado brasileiro. O passo fundamental é a abertura comercial, que foi para as calendas, tanto do ponto de vista da percepção de Guedes, que diz que só vai fazer isso depois que resolver a reforma tributária e reduzir o custo Brasil, quanto do ponto de vista de Bolsonaro, que está se aliando a Paulo Skaf [presidente da Fiesp].”

Para Bacha, um dos formuladores do Plano Real, a agenda liberal do governo é tropicalizada, ou seja, vale para trabalhadores e aposentados, mas poupa os empresários.

Na reforma tributária Bacha considera que Guedes “tem culpa no cartório” pelo avanço da defesa da CMPF por grupos específicos, bandeira levantada pelo setor de serviços contra a proposta da Câmara. “Sempre foi fixação dele.”

Como o sr. avalia a economia hoje?

Está se comportando de uma forma com poucas experiências históricas anteriores comparáveis. Quando houve recessão mais profunda, a recuperação em geral foi quase em forma de V. Hoje, estamos patinando em L e não conseguimos sair.

Acho que é cedo para ter diagnóstico preciso, mas eu imagino que tenha algo como: a máquina quebrou e tem que trocar. Nesse processo de substituir uma máquina estatizada por uma privatizada, não estamos conseguindo achar o caminho. E este governo não ajuda.

Como não ajuda?

Por um lado, tem toda essa atitude. O pessoal antigamente dizia que o governo era de coalizão no tempo do Fernando Henrique e o Lula transformou em governo de cooptação. Agora o Bolsonaro está fazendo governo de colisão. Está batendo de frente com todos, Câmara, Senado, governadores. Bolsonaro dá muita insegurança.

Essa insegurança é só por Bolsonaro? E o perfil combativo de Guedes?

Paulo Guedes fala demais. Ele sempre foi assim e nunca teve experiência no setor público. Acho que até agora não sentou na cadeira direito. E o fato de ter alguém como Bolsonaro como presidente dele não ajuda muito em termos de estilo. Além disso, tem uma questão da agenda, porque é uma agenda liberal tropicalizada.

Como o sr. avalia essa agenda liberal?

Acho que vale para os trabalhadores, para os aposentados, para os funcionários, mas não vale para os empresários. Para aumentar a produtividade, dependemos, basicamente, é de dar uma chacoalhada no setor privado.

E o passo fundamental é a abertura comercial, que foi para as calendas, tanto do ponto de vista da percepção do Guedes, que diz que só vai fazer isso depois que resolver a reforma tributária e reduzir o custo Brasil, quanto do ponto de vista do Bolsonaro, que está se aliando a Paulo Skaf.

Há uma agenda complexa de reformas de que o Brasil precisa e que depende fundamentalmente da boa vontade do Rodrigo Maia e do Senado.

Na declaração sobre dólar alto e domésticas na DisneyGuedes fala de substituir importação. Soou protecionista?

Tirando a grosseria, substituir proteção tarifária por cambial é um avanço. Na hora em que a gente baixar as tarifas, em vez de ter a proteção tarifária, tem o câmbio para poder compensar o aumento das importações com o aumento das exportações. Nesse sentido não é protecionista, porque é um protecionismo cambial.

Não é protecionismo no sentido de que distorce a alocação de recursos, porque vale para todo o mundo.

Algumas pessoas dizem que Guedes acerta no conteúdo, mas erra na forma como fala as coisas.

Acho que isso era nos bons tempos. Ultimamente ele anda extravasando.

E os juros?

Ainda não vimos o efeito total do juro baixo.

E a reforma tributária? O setor de serviços questiona a proposta da Câmara. Como fica?

Aí eu acho que o Guedes tem culpa no cartório porque esse negócio de CPMF sempre foi uma fixação dele. Não era só do Marcos Cintra [ex-secretário da Receita].

Há uma dificuldade de aceitar que a proposta relevante é a do Bernard Appy [que tramita na Câmara]. Tem um problema sério porque o setor de serviços está reagindo com força. Na hora em que você passa de uma tributação tão variada por setores para uma uniforme, quem era menos tributado antes vai chiar.

A proposta do Appy é muito avançada, usa o princípio básico da uniformidade da taxação independentemente de setor e faz efeito distributivo com isenção para os pobres. Tudo o que afeta empresário…

Fazem choradeira?

E o governo não tem, aparentemente, disposição de enfrentar.

O setor de serviços fala em desonerar a folha com CPMF. Qual é a alternativa e como explicar para o leigo?

Desonerar a folha é outro assunto. Desonerar com imposto sobre movimentação financeira é fazer o bem com o mal. Não sei qual é o resultado líquido disso porque você está tributando atividade econômica.

A CPMF tributa sem existir renda, valor adicionado, tributa tudo indiscriminadamente e, portanto, tende a travar a economia. Não é um bom meio de financiar a eventual desoneração da folha. Talvez se consiga fazer isso quando mexer com a tributação do IR.

Em 2020 tem eleição, é pouco tempo para reforma administrativa, tributária e privatizar. Como o governo deveria escolher prioridades?

Tem tempo. Pelas experiências anteriores de eleições municipais, se consegue fazer o Congresso trabalhar até agosto.

Mas 2019 ficou todo na Previdência.

Fizeram a reforma da Previdência e não entraram com a tributária logo em seguida porque não conseguiram se entender. Deixaram passar o fim do ano passado e o começo deste. A tal da comissão que ia discutir o assunto ficou para as calendas.

Neste governo, há um problema de articulação política e de uma ideia clara sobre as prioridades e a sequência de ações, além de bate-cabeça no BNDES e na Secretaria de Privatização. Eles não conseguem formular o modelo adequado.

E o Banco Central (BC)?

É um oásis, porque nessa questão do confronto com os empresários, em que a Economia está tímida na questão da abertura, o BC enfrenta os banqueiros de uma maneira audaz para forçar o aumento da concorrência e com medidas muito substantivas.

Está reagindo à revolução do setor?

Ele está permitindo que essa revolução aconteça, porque ele precisa abrir o caminho para as fintechs entrarem. E os bancos reclamam porque dizem que é concorrência desleal, porque eles são regulados, e as fintechs, não. Mas acho que, na medida em que elas crescerem, terão de ter as mesmas regras.

Para economista, é preciso dar uma chacoalhada no setor privado para aumentar a produtividade, a partir da abertura comercial

 

 

 

 

 

Claudio Ferraz: “Congresso não consegue conter todo o avanço autoritário do Governo Bolsonaro”

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Economista avalia que Governo enfraquece democracia no Brasil e diz que principal falha da equipe de Paulo Guedes é ignorar o debate sobre desigualdade no país

Heloísa Mendonça – El Pais – 15/02/2020.

O Brasil voa hoje às cegas com o Governo de Jair Bolsonaro, em que vigoram políticas públicas baseadas em achismos, contrárias à ciência e à evidência empírica. A cada ataque diário à imprensa, às minorias ou a cada recusa a prestação de contas e manipulação de dados, a atual gestão vai minando a democracia. A avaliação é do economista brasileiro Claudio Ferraz, professor da Universidade de British Columbia, em Vancouver no Canadá. Ferraz, que também é professor da PUC-Rio e especialista em medir o impacto da implementação de medidas e programas, diz que, em sua visão, nem o contrapeso do Congresso é capaz de conter todo o avanço autoritário imposto pelo Planalto. “Não acho que estamos em um momento em que você possa acordar e achar que a democracia não sofre perigo nem probabilidade sofrer algo mais drástico”, pontua.

Morando há mais de seis meses fora do país e sem data para voltar, o professor acredita que a visão atual do exterior é que o Brasil hoje é governado por um presidente autoritário com políticas esdrúxulas, o que afugenta os investidores estrangeiros em um momento em que a economia brasileira caminha para sua recuperação em passos lentos. O economista, que se declara como de centro-esquerda, acredita que parte do discurso da equipe econômica vai na direção correta, mas critica a falta de uma discussão sobre desigualdade na pasta comandada pelo Paulo Guedes, que nesta semana chocou mais uma vez o país com suas declarações sobre empregadas domésticas e consumo.

Pergunta. Muito se discute se o Governo de Jair Bolsonaro representa hoje um risco para a democracia brasileira. Qual a sua avaliação?

Resposta. A dificuldade de conversar sobre risco à democracia é conseguir medir o que significa exatamente esse risco. Se levarmos em conta as perguntas que cientistas políticos usam para medir índices de democracia —se há eleições livres, se há liberdade de imprensa, de formar partidos etc.—, o Brasil não está em risco. Mas é uma forma de ver muito ruim e tosca, porque mesmo se você olhar para países onde claramente a democracia já está ameaçada e tem sido deturpada constantemente, como Hungria e Turquia, percebemos que esses índices não capturam esses fenômenos. Muitos analistas e acadêmicos estão chegando à conclusão que, desde que Donald Trump e outros populistas de direita chegaram ao poder ao redor do mundo, a democracia já não se rompe como antes, com um grande golpe de Estado em que chegam militares ao poder ou algum outro grupo. A democracia vai se enfraquecendo devagar, com pequenos desvios, usurpação de poder, com quebras institucionais, que, muitas vezes, você não consegue nem perceber. Em um ano de poder de Bolsonaro há vários quesitos em que isso está acontecendo. Desde ataques contínuos à imprensa, manipulação para quem se dá a informação, negação de prestação de contas, manipulação de quem vai estar à frente da Polícia Federal. Podemos ver ataques a grupos minoritários feitos diretamente pelo presidente e por vários ministros do Governo, sejam ataques diretos ou indiretos que têm efeitos nas políticas públicas. Todos são exemplos de ataques à democracia diários.

Pergunta: Mas todos eles representam um perigo real à democracia brasileira ou ela é forte o suficiente para aguentar?

As opiniões diferem. Algumas pessoas interpretam, por exemplo, algumas falas do Rodrigo Maia e o papel que o Congresso tem tido em contrabalancear algumas das loucuras do presidente e dos ministros como um sinal de que a democracia está funcionando. Ou seja, que hoje temos uma separação de poderes de forma que o Legislativo consegue conter alguns avanços do Executivo contra a democracia. A minha percepção é que isso funciona em algumas dimensões, principalmente nas políticas grandes, que geram grandes impactos. Mas existem mais políticas e medidas adotadas diariamente que não passam pelo Congresso. Funciona em parte, não controla todo o avanço autoritário. Observar o que está acontecendo agora também não quer dizer que, eventualmente, em algum momento essa corda não vá se romper de uma forma ou outra. Acho que foi o [cientista político] Cláudio Couto que usou essa analogia de você descer a serra de carro e ir freando até que em um dado ponto o freio já não funciona. Acho que o grande perigo é que tudo que aconteceu até agora foi em apenas um ano. São quatro de Governo. Até quando a democracia brasileira sustenta esses constantes puxões? Eu não acho que estamos em um momento que você possa acordar e achar que está tudo ótimo e que a democracia não sofre perigo nem probabilidade sofrer algo mais drástico.

Pergunta: Você estuda bastante sobre os impactos de políticas públicas. Uma das que gerou bastante crítica recentemente foi a campanha da ministra Damares Alves que incentiva abstinência sexual para a prevenir a gravidez na adolescência. Quais os efeitos práticos de uma medida como essa?

R. Há algo muito ruim nesse Governo, que é uma visão do mundo onde ciência e evidência empírica não são importantes para a tomada de decisões de políticas públicas. Não estou falando só da Damares. É algo mais amplo, que passa pelo Ministério da Educação, pela forma de combate ao crime, pela posição com relação a Amazônia e a mudança climática, o papel de radares de velocidade de reduzir mortes no trânsito. As políticas públicas deste Governo, com muitas raras exceções, como as do Ministério da Economia, são uma falta completa de diagnóstico de problemas, de estudos do que pode ser feito olhando para outras experiências exitosas, tanto realizadas em municípios e Estados brasileiros como em outros países. No final, há uma falta completa de avaliação para essas políticas públicas. No momento em que você não acredita em ciência e números verdadeiros, não tem porque avaliar uma política pública. O grande perigo é você voar num avião cego, sem nenhum mapa sobre o que fazer. Vira uma política pública de achismos. E o mais grave é que é um Governo conservador, com uma grande influência de ideias religiosas. Em várias dimensões que pode vir desde “a gente não deve ter educação sexual dentro de escola” ou abstinência ou como pensar em Amazônia. A grande gravidade em termos de políticas públicas é essa visão totalmente ideológica em relação ao que fazer.

Pergunta: Você elogiou o Ministério da Economia. Acredita que a equipe de Paulo Guedes está na direção correta, apesar da verborragia do ministro?

Resposta. Não sei se correta. Tanta proposta já foi feita e tão pouca coisa implementada no sentido do que se fala e do que se fez. A minha visão de fora é que existem duas coisas, o que acho que o ministro e o Ministério da Economia querem fazer e, por outro lado, o que muita gente já imaginava que ia acontecer, que o presidente não tem muito de liberal. Se você olhar o histórico como deputado e mesmo diversas falas ao longo da história, ele está muito longe de liberal. Acho que esse conflito entre favores para grupos específicos da sociedadevis à vis liberalismo vai estar intrínseco no Governo durante o tempo que existir um ministro como o Guedes e um presidente como o Bolsonaro. No final, vai ser um equilíbrio político, um toma lá, dá cá. Alguma concessão de um lado em troca de outras políticas de outro lado. Eu acho que em termos de algumas ideias e políticas do Ministério da Economia a visão é acertada.

Pergunta: Quais?

R. Por exemplo, o aumento de concorrência, no sentido da necessidade de liberalização comercial no Brasil. Hoje o país é um dos mais fechados do mundo. A necessidade de aumento da produtividade na economia, de reduzir má alocação de recurso, de simplificação tributária. Todas essas propostas vão eventualmente na direção correta.

Pergunta: A recuperação econômica em curso é a mais lenta da história e oferece um paradoxo. Fatores muito positivos são insuficientes para estimular o crescimento. A inflação e os juros estão baixos, a nova Previdência foi aprovada no ano passado. O desemprego ainda segue alto. Quais políticas faltam para reativar a economia?

R. É complicado. As políticas de criação de emprego muitas vezes no curto prazo podem ser inimigas das políticas de geração de crescimento e desenvolvimento no longo prazo. A desoneração é um exemplo disso. A gente sabe que no Governo de Dilma Rousseff foi tentado, mas não deu certo e continua no menu. Porque existe uma percepção de que se você reduzir a carga tributária de empresas específicas e incentivar a contratar mão de obra, vão contratar gente. No longo prazo, o que a gente precisa são de políticas que aumentem a produtividade da economia brasileira. Nenhum país cresce no longo prazo de forma sustentável sem aumento da produtividade. Uma política que aumente emprego no curto é a melhor para o país crescer no médio. E é onde essa pressão populista de entregar resultado no curto pode ser complicada. Você pode pensar a mesma coisa sobre a discussão de liberalização comercial, ela é complexa. Apesar dos economistas gostarem dessa ideia como um choque na economia pelo aumento da concorrência, por outro lado há evidências bastante concretas que aberturas de mercado criam desempregos em algumas áreas e quebram empresas. Ela pode, inclusive, no curto prazo, aumentar a desigualdade. Então políticas boas no longo prazo têm um custo de transição no curto. Em um momento em que você possui uma taxa de desemprego e está saindo lentamente da crise, os incentivos e as pressões políticas para não adotarem algumas dessas políticas é ainda mais forte. Acho que o que falta na verdade na equipe econômica é uma discussão de que a desigualdade importa. Falta comunicação entre Ministério da Economia e da Educação, de proteção social. A princípio você gostaria de ter um Governo em que essas coisas caminhassem juntas.

Pergunta: Acredita que desigualdade no país também emperra o crescimento?

R. Essas coisas estão ligadas, porque parte da desigualdade brasileira —e existe um mea culpaa ser feito pelo Governo do PT— é que a política industrial implementada no Brasil desde a crise de 2008 favoreceu grandes empresas. Grandes grupos, campeões nacionais se beneficiaram de forma desproporcional comparado a pequenas e micro empresas que poderiam ter ativado a dinâmica econômica e gerar redistribuições. Apesar das pessoas falaram que a JBS, por exemplo, cria milhares de empregos, proporcionalmente o custo para o Governo da política industrial e de crédito do BNDES para criar esses empregos é altíssimo e ineficiente. Não faz o menor sentido. E outro lado que é uma das grandes causas de desigualdade no Brasil e que, eventualmente, também gera grandes ineficiências é o setor público com alguns salários exorbitantes, como no caso do Judiciário. Mas não é só o Judiciário.

Pergunta: O próprio Banco Mundial mostrou em estudo que hoje muitos dos salários públicos não são compatíveis com o da iniciativa privada.

R. Com certeza. Mas o grande perigo é que também não podemos ir para o outro lado. Existe uma grande correlação entre a qualidade da burocracia, a qualidade de implementação de políticas e o desenvolvimento e crescimento econômico. Esse Governo, depois de um ano, é um estudo de caso de diversos ministérios. Não estou só falando da catástrofe do Enem, mas existem vários exemplos que ter gente ruim no Governo tem impacto direto e custosíssimo para a implementação de políticas públicas. Então não adianta dizer que vai cortar salário de todo mundo do Governo. Não é só cortar salário. É gerar responsabilização, criar incentivo dentro do Governo para as pessoas trabalharem, melhorar salário baseado em produtividade e mérito. Mas mais uma vez se entra em choque. Há o que o ministério quer, com proposta de reforma administrativa, mas que politicamente é muito custosa.

Pergunta: O investimento público baixo é inevitável dado o momento crítico das contas públicas?

R. Eu acho que não tem como fugir. Investimento baixo é uma consequência do momento, mas mesmo dentro do investimento público existem escolhas que sempre são feitas. Há como escolher na margem onde colocar o dinheiro. Você ter na cabeça que há restrição orçamentária é importante também, não dá para fingir que ela não existe. Existe uma discussão eterna sobre quanto o investimento público faz a economia girar ou não. Se está investindo pouco ou se você deveria estar investindo mais para gerar emprego, que é uma discussão controversa. Dentro dos gastos públicos existem escolhas e ela deveria ser feita com base em onde na margem seu dinheiro dá mais retorno em termos de política pública. Em vários ministérios, essa escolha não está sendo feita dessa forma.

Pergunta: Estamos mergulhados em uma polarização gigante no Brasil. O quanto isso afeta o momento político econômico?

R. Acho que afeta muito, é péssimo. A polarização faz com que você se permita fechar os olhos e passar o pano sobre absurdos que acontecem porque caso contrário o outro time chegaria ao poder. Os republicanos passam pano sobre os absurdos do Trump porque senão corre o perigo de chegar um comunistacomo Bernie Sanders ao poder. A mesma coisa no Brasil. Muitas pessoas que não se consideram bolsonaristas de carteirinha, mas ignoram os absurdos do presidente em relação gênero, LGBTs, indígenas e o que for, porque, caso contrário, Lula, o grande corrupto, irá voltar ao poder e o que será de nós? A polarização dá uma carta branca pra quem está no poder e ela acaba fazendo coisas que em outras circunstâncias não seriam admitidas. E, de certa forma, ela tem um efeito forte na economia, porque gera muito incerteza. O mundo polarizado é um mundo em que quem está no poder importa muito. As políticas variam muito. Se o Trump ganhar ou perder tem um efeito enorme nas políticas públicas e na economia dos EUA.

Pergunta: No caso do Brasil é um ingrediente a mais para esse momento de lenta recuperação?

R. Acho que sim. Não sei se a polarização em si, mas certamente essas atitudes autoritárias do Governo elas afugentam investidores estrangeiros. Em geral, as pessoas sentem medo das loucuras do Bolsonaro. Isso afeta a percepção de estrangeiros. Se ele é louco em diversas coisas, como vou saber que amanhã ele não fará algo que irá me afetar. A visão internacional hoje é que o Brasil tem um presidente autoritário com políticas esdrúxulas em relação a várias áreas: educação, passando por meio ambiente e Amazônia, até cultura, minorias.

Perguta. Você defende mais as análises dos dados micro para responder às grande questões da macroeconomia brasileira. O que o país ou os economistas deveriam estar discutindo?

R. Infelizmente, essa revolução da macroeconomia aqui fora de usar dados micros para responder questões macros ainda não chegou no Brasil. São poucos os acadêmicos que usam microdados de empresas de empregos etc. para responder perguntas. Acho que há muitos questionamentos em aberto, desde impacto de políticas implementadas até perguntas como por que o país está demorando tanto para sair da crise. Para isso seria preciso aprofundar em microdados do IBGE de empresas. Quais são as companhias que sobreviveram tanto tempo em épocas de bonança de crédito de bancos públicos? Será que são as mais ineficientes? Será que em parte porque as mais ineficientes sobreviveram elas não conseguem contratar porque não conseguem vender seus produtos? Quem está contratando agora? Maiores ou menores? Há varias coisas da dinâmica de produtividade e dinâmica de emprego de emprego no Brasil que não são discutidas. Não é porque o pesquisador brasileiro é pior em nenhuma dimensão, mas sim porque no país temos menos dados e são mais difíceis de acessar. Para ver os microdados do IBGE é complexo, você precisa estar lá, há uma sala de sigilo, você precisa apresentar um projeto, demora. O acesso é mais difícil.

Pergunta: Entre economistas heterodoxos e ortodoxos, onde o senhor se posiciona? E no espectro político, esquerda ou direita?

R. Honestamente, essa discussão dos economistas é inexistente aqui fora. No Brasil, ela também é deturpada. O que muita gente chama de economista ortodoxo no Brasil é o que usa modelos neoclássicos e matemáticos e que utiliza técnicas estatísticas e econométricas. Essa coisa do heterodoxo no Brasil surgiu um pouco contra o uso de modelos matemáticos. E as críticas são deturpadas. “Os economistas heterodoxos acreditam que os agentes são racionais e é só isso que você olha” ou “O economista ortodoxo não olha para a desigualdade”. Eu me posiciono como centro esquerda. Acho que existe uma confusão no Brasil que se você é um economista ortodoxo e usa modelos matemáticos, você é de direita, e se você é heterodoxo, você é de esquerda e não usa estatística. Existe uma série de economistas que se consideram ortodoxos no sentido da metodologia que usam, mas podem ser considerados de centro esquerda, no sentido de preocupações sociais e desigualdades. E esse tipo de economista no Brasil é mal visto. As pessoas pedem essa polarização entre esquerda e direita, ortodoxo e heterodoxo. Eu acho que isso é uma deturpação ruim para economistas, onde as pessoas não vêem que você pode usar métodos neoclássicos, estatísticos, econometria e mesmo assim fazer trabalhos importantes para pensar em grandes questões que tem a ver com igualdade de oportunidades, desenvolvimentos e coisas afins.