Graeber narra o declínio da Ciência Econômica

0

David Graeber – Outras Palavras

Ela mantém-se aferrada aos dogmas – enquanto os problemas centrais ligados à produção e distribuição de riquezas mudaram. Contudo, tornou-se mais influente, ao se converter em ideologia do 1%. Que fazer: salvá-la ou destruí-la?

Há um sentimento crescente, entre aqueles que têm a responsabilidade de administrar grandes economias: o de que a disciplina de Economia não é mais adequada ao seu objetivo. Ela está começando a parecer uma ciência desenvolvida para resolver problemas que não existem mais.

Um bom exemplo é a obsessão pela inflação. Os economistas ainda ensinam aos alunos que o principal papel econômico do governo – muitos insistiriam que seu único papel econômico realmente adequado – é garantir a estabilidade de preços. Devemos estar constantemente vigilantes sobre os perigos da inflação. Para os governos, simplesmente imprimir dinheiro é, portanto, inerentemente pecaminoso. Se, no entanto, a inflação se mantiver muito baixa, por meio da ação coordenada do governo e dos banqueiros centrais, o mercado encontrará sua “taxa natural de desemprego” e os investidores, aproveitando os sinais claros de preços, serão capazes de garantir um crescimento saudável. Essas premissas vieram com o monetarismo da década de 1980, a idéia de que o governo deveria se restringir à administração do suprimento de dinheiro. Na década de 1990, passaram a ser aceitas como um senso comum tão elementar que praticamente todo debate político teve que partir de um reconhecimento ritual dos perigos dos gastos do governo. Continua a ser assim, apesar do fato de que, desde a recessão de 2008, os bancos centrais imprimiram dinheiro freneticamente na tentativa de criar inflação e obrigar os ricos a fazer algo útil com seu dinheiro, tendo fracassado retumbantemente em ambos os empreendimentos.

Agora vivemos em um universo econômico diferente do que vivíamos antes do crash. A queda do desemprego não eleva mais os salários. Imprimir dinheiro não causa inflação. No entanto, a linguagem do debate público e a suposta sabedoria transmitida nos livros econômicos permanecem quase inteiramente inalteradas.

Espera-se uma certa defasagem institucional. Hoje em dia, os economistas convencionais (orig.: mainstream) podem não ser particularmente bons em prever colisões financeiras, facilitar a prosperidade geral ou criar modelos para prevenir as mudanças climáticas. Mas quando se trata de se estabelecer em posições de autoridade intelectual, não afetadas por essas falhas, seu sucesso é incomparável. Alguém teria que olhar para a história das religiões para encontrar algo parecido. Até hoje, a economia continua a ser ensinada não como uma história de argumentos – não, como qualquer outra ciência social, como uma série de perspectivas teóricas muitas vezes conflitantes – mas como algo mais parecido com a física, a realização gradual de verdades matemáticas universais e intransponíveis. É claro que existem teorias “heterodoxas” da economia (institucionalista, marxista, feminista, “austríaca”, pós-keynesiana …), mas seus expoentes foram quase completamente excluídos do que são considerados departamentos “sérios”. Até mesmo rebeliões diretas de estudantes de economia (do movimento pós-autista na França até a economia do pós-colapso na Grã-Bretanha) foram incapazes de incluí-los no currículo básico.

Como resultado, os economistas heterodoxos continuam sendo tratados como quase malucos, apesar de frequentemente terem um histórico muito melhor de previsão de eventos econômicos do mundo real. Além disso, as suposições psicológicas básicas nas quais a economia convencional (neoclássica) baseia-se – apesar de há muito serem refutadas por psicólogos reais – colonizaram o restante da academia e tiveram um impacto profundo nas compreensões populares sobre o mundo.

Em nenhum lugar essa separação entre o debate público e a realidade econômica é mais dramática do que na Grã-Bretanha, e talvez por isso pareça ser o primeiro país em que algo está começando a quebrar. Na virada do século, foi o “novo” Partido Trabalhista, de centro-esquerda, que presidiu a bolha pré-colapso. A expulsão dos bastardos por parte dos eleitores trouxe uma série de governos conservadores, os quais logo descobriram que uma retórica de “austeridade” – a evocação churchilliana de sacrifício comum – caiu bem no público britânico. Garantiu ampla aceitação popular para políticas que reduziram o pouco que restava do estado social britânico e concentraram os recursos no andar de cima, junto aos ricos. “Não existe uma árvore mágica do dinheiro”, disse Theresa May durante a eleição de 2017 – praticamente a única linha memorável de uma das campanhas mais sem brilho da história britânica. A frase é repetida incessantemente na mídia, sempre que alguém pergunta por que o Reino Unido é o único país da Europa Ocidental que adota cobrança para a universidade ou se é realmente necessário ter tantas pessoas dormindo nas ruas.

O mais extraordinário da frase de May é que ela é falsa. Há muitas árvores mágicas de dinheiro na Grã-Bretanha, assim como em qualquer economia desenvolvida. Elas são chamados de “bancos”. Como o dinheiro moderno é simplesmente crédito, os bancos podem criar dinheiro literalmente do nada, simplesmente fazendo empréstimos. Quase todo o dinheiro que circula na Grã-Bretanha no momento é criado por bancos dessa maneira. O público não apenas não está ciente disso, mas uma pesquisa recente do grupo de pesquisa britânico Positive Money descobriu que 85% dos membros do Parlamento não tinham idéia de onde realmente vinha o dinheiro (a maioria parecia ter a impressão de que era produzido pela Casa da Moeda Real).

Os economistas, por razões óbvias, não podem ignorar completamente o papel dos bancos, mas passaram boa parte do século XX discutindo sobre o que realmente acontece quando alguém solicita um empréstimo. Uma escola insiste em que os bancos transferem os fundos existentes de suas reservas, outra afirma que eles produzem dinheiro novo, mas apenas com base em um efeito multiplicador (para que seu empréstimo de carro ainda possa ser visto como ancorado, em última análise no fundo de pensão de alguma avó aposentada). Somente uma minoria – principalmente economistas heterodoxos, pós-keynesianos e partidários da Teoria Monetária Moderna – defende o que é chamado de “teoria da criação de crédito do setor bancário”. Ou seja, a noção de que os banqueiros simplesmente acenam com uma varinha mágica e fazem o dinheiro aparecer, seguros e confiantes de que, mesmo que entreguem a um cliente um crédito de US$ 1 milhão, ao final das contas o destinatário o devolverá ao banco, para que, no sistema como um todo, os créditos e dívidas sejam cancelados. Em vez de os empréstimos serem baseados em depósitos, nessa visão, os próprios depósitos são o resultado de empréstimos

A única coisa que parecia nunca ocorrer a alguém era conseguir um emprego em um banco e descobrir o que realmente acontece quando alguém pede dinheiro emprestado. Em 2014, um economista alemão chamado Richard Werner fez exatamente isso e descobriu que, de fato, os agentes de crédito não verificam seus fundos, reservas ou qualquer outra coisa existente. Eles simplesmente criam dinheiro do nada, ou, como ele preferia dizer, da “poeira de fada”

Parece ter sido também naquele ano que elementos do notoriamente independente serviço público britânico decidiram que bastava. A questão da criação de dinheiro tornou-se um ponto crítico de discórdia. A grande maioria dos economistas do Reino Unido rejeitou a “austeridade”, por considerá-la contraproducente (o que, previsivelmente, quase não teve impacto no debate público). Mas, a partir de em certo momento, exigir que os tecnocratas encarregados de administrar o sistema baseiem todas as decisões políticas em suposições falsas sobre algo tão elementar quanto a natureza do dinheiro torna-se um pouco como exigir que os arquitetos continuem entendendo que a raiz quadrada de 47 é na verdade π. Os arquitetos sabem que os edifícios começarão a cair. Pessoas morreriam

Em pouco tempo, o Banco da Inglaterra (um banco central cujos economistas são mais livres para se expressar, uma vez que não fazem parte formalmente do governo) lançou um elaborado relatório oficial chamado “Criação de dinheiro na economia moderna”. Repleto de vídeos e animações, ele afirma o mesmo ponto: os livros didáticos de economia existentes, e particularmente a ortodoxia monetarista dominante, estão errados. Os economistas heterodoxos estão certos. Os bancos privados criam dinheiro. Os bancos centrais, como o Banco da Inglaterra, também criam dinheiro, mas os monetaristas estão completamente errados ao insistir que sua função adequada é controlar o suprimento de dinheiro. De fato, os bancos centrais não controlam de maneira alguma a oferta de moeda; sua principal função é definir a taxa de juros – determinar quanto os bancos privados podem cobrar pelo dinheiro que criam [no Brasil, nem isso – Nota de Outras Palavras]. Quase todo o debate público sobre esses assuntos é, portanto, baseado em premissas falsas. Por exemplo, se o que o Banco da Inglaterra estava dizendo era verdade, então os empréstimos tomados pelo governo não desviavam fundos do setor privado – eles criavam dinheiro inteiramente novo, que não existia antes.

Alguém poderia ter imaginado que tal admissão criaria uma espécie de respingo, e em certos círculos restritos, isso aconteceu. Os bancos centrais da Noruega, Suíça e Alemanha publicaram rapidamente documentos semelhantes. De volta ao Reino Unido, a resposta imediata da mídia foi simplesmente o silêncio. Segundo o meu conhecimento, o relatório do Banco da Inglaterra nunca foi mencionado em nenhum canal de notícias. Os colunistas de jornais continuaram a escrever como se o monetarismo estivesse evidentemente correto. Os políticos continuaram sendo questionados sobre onde encontrariam dinheiro para programas sociais. Era como se uma espécie de entente cordiale tivesse sido estabelecida, na qual os tecnocratas pudessem viver em um universo teórico, enquanto os políticos e os comentaristas de notícias continuariam a existir em outro, completamente diferente.

Ainda assim, há sinais de que esse arranjo é temporário. A Inglaterra – e o Banco da Inglaterra em particular – orgulha-se de ser o principal indicador das tendências econômicas globais. O próprio monetarismo começou sua respeitabilidade intelectual na década de 1970, depois de ter sido adotado por economistas do Banco da Inglaterra. A partir daí, foi finalmente adotado pelo regime insurgente de Thatcher, e somente depois por Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e posteriormente exportado para quase todos os lugares.

É possível que um padrão semelhante esteja se reproduzindo hoje. Em 2015, um ano após o aparecimento do relatório do Banco da Inglaterra, o Partido Trabalhista pela primeira vez permitiu eleições abertas para sua liderança. Sua ala esquerda do partido, sob a liderança de Jeremy Corbyn e do agora ministro da Fazenda paralelo, John McDonnell, assumiu o controle. Na época, a esquerda trabalhista era considerada ainda mais extremista marginal do que a ala de Margareth Thatcher no Partido Conservador em 1975. Também é (apesar dos constantes esforços da mídia em retratá-los como socialistas não-reconstruídos da década de 1970) o único grande grupo político no Reino Unido aberto a novas ideias econômicas. Enquanto praticamente todo o establishment político passou dos últimos anos gritando, uns contra os outros, sobre o Brexit, o gabinete de McDonnell – e os grupos de apoio da juventude trabalhista – estão realizando workshops e tomando iniciativas políticas sobre tudo. Propõem desde uma semana de trabalho de quatro dias e renda básica universal a uma Revolução Industrial Verde e ao “Comunismo de Luxo Totalmente Automatizado”. Convidam economistas heterodoxos a participar de iniciativas de educação popular destinadas a transformar as concepções de como a economia realmente funciona. O corbynismo enfrentou oposição quase histérica de praticamente todos os setores do establishment político, mas seria imprudente ignorar a possibilidade de que algo histórico esteja acontecendo.

Um sinal de que algo historicamente novo realmente surgiu será se os estudiosos começarem a ler o passado sob uma nova luz. Consequentemente, um dos livros mais importantes a sair do Reino Unido nos últimos anos teria que ser Money and Government: The Past and Future of Economics, de Robert Skidelsky. Aparentemente é uma tentativa de responder à pergunta de por que a economia dominante tornou-se tão inútil nos anos imediatamente anteriores e posteriores à crise de 2008. Na verdade, trata-se de uma tentativa de recontar a história da disciplina econômica através da consideração das duas coisas – dinheiro e governo – sobre as quais a maioria dos economistas menos gosta de falar.

Skidelsky está bem posicionado para contar esta história. Ele personifica um tipo exclusivamente inglês: o gentil dissidente. Está tão firmemente instalado no establishment que nunca lhe ocorre que talvez não seja capaz de dizer o que exatamente ele próprio pensa. Suas opiniões são toleradas pelo resto do establishment precisamente por isso. Nascido na Mandchúria, treinado em Oxford, professor de Economia Política em Warwick, Skidelsky é mais conhecido como autor da biografia definitiva em três volumes de John Maynard Keynes. Nas últimas três décadas, esteve na Câmara dos Lordes como Barão de Tilton, afiliado em momentos diferentes a vários partidos políticos e, às vezes, a nenhum deles. Durante os primeiros anos do primeiro ministro Tony Blair, foi um conservador e até serviu como porta-voz da oposição em questões econômicas na câmara alta. Atualmente, é independente, alinhado com a esquerda do Partido Trabalhista. Em outras palavras, ele segue sua própria bandeira. Geralmente, é uma bandeira interessante. Nos últimos anos, Skidelsky aproveitou sua posição no corpo legislativo de elite do mundo para realizar uma série de seminários de alto nível sobre a reforma da disciplina econômica; este livro é, em certo sentido, o primeiro produto importante desses empreendimentos.

O que isso revela é uma guerra sem fim entre duas amplas perspectivas teóricas nas quais o mesmo lado sempre parece vencer – por razões que raramente têm algo a ver com sofisticação teórica ou maior poder preditivo. O cerne da discussão sempre parece recair sobre a natureza do dinheiro. O dinheiro é melhor concebido como uma mercadoria física, uma substância preciosa usada para facilitar as trocas, ou é melhor vê-lo principalmente como crédito, como método de contabilidade ou circulação – de qualquer forma, um arranjo social? Esta é uma disputa que vem ocorrendo de alguma forma há milhares de anos. O que chamamos de “dinheiro” é sempre uma mistura de ambos, e, como eu próprio observei em Debit (2011), o centro de gravidade entre os dois tende a mudar de um lado para o outro ao longo do tempo. Na Idade Média, as transações cotidianas na Eurásia eram tipicamente realizadas por meio de crédito, e supunha-se que o dinheiro era uma abstração. Foi a ascensão dos impérios europeus globais nos séculos XVI e XVII, e a correspondente inundação de ouro e prata saqueados das Américas, que realmente mudou as percepções. Historicamente, o sentimento de que ouro é dinheiro tende a marcar períodos de violência generalizada, escravidão em massa e exércitos predadores – para a maior parte do mundo era precisamente a experiência dos impérios espanhol, português, holandês, francês e britânico. Uma inovação teórica importante que essas novas teorias de dinheiro baseadas em barras de ouro permitiram foi, como observa Skidelsky, o que passou a ser chamado de Teoria Quantitativa da Moeda (geralmente referida nos livros didáticos – já que os economistas se deleitam infinitamente nas abreviações – como QTM).

O argumento da QTM foi apresentado pela primeira vez por um advogado francês chamado Jean Bodin, durante um debate sobre a causa da forte e desestabilizadora inflação de preços que se seguiu imediatamente à conquista ibérica das Américas. Bodin argumentou que a inflação era uma simples questão de oferta e demanda: o enorme influxo de ouro e prata das colônias espanholas estava barateando o valor do dinheiro na Europa. O princípio básico, sem dúvida, teria parecido uma questão de senso comum para qualquer pessoa com experiência em comércio na época, mas na verdade baseia-se em uma série de suposições falsas. Por um lado, a maior parte do ouro e da prata extraídos do México e do Peru não acabaram na Europa e certamente não foram cunhados como moeda. A maior parte foi transportada diretamente para a China e a Índia (para comprar especiarias, sedas, chitas e outros “luxos orientais”). Seus eventuais efeitos inflacionários locais foram baseada em vínculos especulativos de um tipo ou de outro. Quase sempre é assim, quando aplica-se a QTM: a lógica parece evidente, mas apenas se você deixar de fora a maioria dos fatores decisivos.

No caso da inflação de preços do século XVI, por exemplo, a partir do momento em que se considera crédito, acumulação e especulação — sem mencionar o aumento das taxas de atividade econômica, investimento em novas tecnologias e níveis salariais (que, por sua vez, têm muito a ver com o poder relativo de trabalhadores e empregadores, credores e devedores) – torna-se impossível dizer com certeza qual é o fator decisivo. É a oferta monetária que impulsiona os preços ou os preços que impulsionam a oferta monetária? Tecnicamente, isso se resume a uma escolha entre o que é chamado de teorias exógenas e endógenas do dinheiro. O dinheiro deveria ser tratado como um fator externo, como todos os dobrões espanhóis supostamente varrendo Antuérpia, Dublin e Gênova nos dias de Felipe II? Ou deveria ser imaginado, antes de tudo, como um produto da própria atividade econômica, extraído, cunhado e colocado em circulação – ou, mais frequentemente, criado como instrumentos de crédito, como empréstimos, a fim de atender a uma demanda – o que, é claro, significaria que as raízes da inflação estão em outro lugar?

Para ser franco: A QTM está obviamente errada. Dobrar a quantidade de ouro em um país não afetará o preço do queijo, se você der todo o ouro às pessoas ricas e elas o enterrarem em seus quintais, ou preferir usá-lo para fazer submarinos folheados a ouro [é por isso, aliás, que o quantitative easing (flexibilização quantitativa), a estratégia de comprar títulos públicos de longo prazo para colocar dinheiro em circulação, também não funcionou]. O que realmente importa é o gasto.

No entanto, desde a época de Jean Bodin até o presente, quase toda vez que houve um grande debate sobre políticas, os defensores da QTM venceram. Na Inglaterra, o padrão foi estabelecido em 1696, logo após a criação do Banco da Inglaterra, com uma discussão sobre inflação em tempo de guerra, entre o secretário do Tesouro William Lowndes, Sir Isaac Newton (então diretor da casa da moeda) e o filósofo John Locke. Newton concordara com o Tesouro, em que as moedas de prata tinham que ser desvalorizadas oficialmente para evitar um colapso deflacionário; Locke assumiu uma posição monetarista extrema, argumentando que o governo deveria se limitar a garantir o valor da propriedade (incluindo moedas) e que alterar seu valor confundiria os investidores e fraudaria os credores. Locke venceu. O resultado foi um colapso deflacionário. Um forte aperto no suprimento de dinheiro criou uma contração econômica abrupta, que tirou centenas de milhares de pessoas do trabalho e criou penúria em massa, tumultos e fome. O governo rapidamente moderou sua política (primeiro, permitindo que os bancos monetizassem as dívidas de guerra na forma de notas bancárias e, eventualmente, removendo completamente o padrão prata). Porém, na retórica oficial, a ideologia de Locke – favorável um governo reduzido, pró-credor e ortodoxa em relação ao papel da moeda – tornou-se o fundamento de todo o debate político.

Segundo Skidelsky, o padrão iria se repetir continuamente: em 1797, nas décadas de 1840, 1890 e, na transição entre as décadas de 1970-80, com a adoção do monetarismo por Thatcher e Reagan. Sempre ocorre a mesma sequência de eventos:
(1) O governo adota políticas monetárias ortodoxas (moeda exógena) como uma questão de princípio.

(2)Um desastre se segue.

(3) O governo abandona discretamente as políticas ortodoxas.

(4) A economia se recupera.

(5) A filosofia monetária ortodoxa, no entanto, torna-se senso comum universal ou, se já o era, consegue se fortalecer ainda mais.

Como foi possível justificar uma série tão notável de fracassos? Boa parte da culpa, segundo Skidelsky, pode ser atribuída ao filósofo escocês David Hume. Um dos primeiros defensores da QTM, Hume também foi o primeiro a introduzir a noção de que choques de curto prazo – como os produzidos por Locke – criariam benefícios a longo prazo se tivessem o efeito de liberar os poderes de autorregulação do mercado:

Desde Hume, os economistas distinguem entre os efeitos de curto e de longo prazo da mudança econômica, incluindo os efeitos de intervenções políticas. A distinção serviu para proteger a teoria do equilíbrio, permitindo que ela fosse enunciada de uma forma que levasse em conta a realidade. Em Economia, o curto prazo agora normalmente representa o período durante o qual um mercado (ou uma economia de mercado) se desvia temporariamente de sua posição de equilíbrio de longo prazo sob o impacto de algum “choque”, como um pêndulo temporariamente desalojado de uma posição de descanso. Esse modo de pensar sugere que os governos devem deixar que os mercados descubram suas posições de equilíbrio natural. As intervenções do governo para “corrigir” os desvios adicionarão apenas camadas extras de ilusão à original.

Existe uma falha lógica em qualquer teoria desse tipo: não há maneira possível de refutá-la. A premissa de que os mercados sempre se endireitam no final só pode ser testada se alguém tiver uma definição comum de quando será o “fim”. Mas para os economistas, essa definição acaba sendo “o tempo que leva para chegar a um ponto em que posso dizer que a economia voltou ao equilíbrio”. (Da mesma forma, é impossível demonstrar o erro de afirmações como “os bárbaros sempre vencem no final” ou “a verdade sempre prevalece”, pois na prática elas apenas querem dizer“ sempre que os bárbaros vencerem, ou que a verdade prevalecer, declararei a história terminada”).

Nesse ponto, todas as peças estavam no lugar: políticas de aperto monetário (que beneficiavam credores e ricos) podiam ser justificadas como “remédio severo” para apagar os sinais de preço, de modo que o mercado pudesse retornar a um estado saudável de equilíbrio de longo prazo. Ao descrever como tudo isso aconteceu, Skidelsky está nos fornecendo uma extensão digna de uma história que Karl Polanyi começou a traçar nos anos 1940: a história de como os mercados nacionais supostamente auto-regulados eram o produto de cuidadosa engenharia social. Parte disso envolvia a criação de políticas governamentais conscientemente projetadas para inspirar ressentimentos contra o “big government” (“Estado inchado”). Skidelsky escreve:

Uma inovação crucial foi o imposto de renda, cobrado pela primeira vez em 1814 e renovado pelo [primeiro-ministro Robert] Peel em 1842. Entre 1911 e 14, ele se tornou a principal fonte de receita do governo. O imposto de renda teve o duplo benefício de fornecer ao Estado britânico uma base de receita segura e alinhar os interesses dos eleitores ao governo barato, uma vez que apenas os contribuintes tiveram o direito ao voto…. “Probidade fiscal”, sob Gladstone, “tornou-se a nova moralidade”.

De fato, não há absolutamente nenhuma razão para um Estado moderno se financiar pela apropriação de uma proporção dos ganhos de cada cidadão. Existem muitas outras maneiras de fazer isso. Muitas – como impostos sobre terras, riquezas, comércio ou sobre o consumidor (qualquer um dos quais pode ser tornado mais ou menos progressivo) – são consideravelmente mais eficientes, além do que a criação de um aparato burocrático capaz de monitorar os assuntos pessoais dos cidadãos no grau exigido pelo sistema de imposto de renda e, em si, enormemente caro. Mas isso não leva ao ponto real: o imposto de renda deve ser intrusivo e irritante. Precisa produzir pelo menos certa sensação de injustiça. Como grande parte do liberalismo clássico (e do neoliberalismo contemporâneo), é um truque político engenhoso — uma expansão do Estado burocrático que também permite que seus líderes finjam advogar por um Estado mínimo.

A única exceção importante a esse padrão foram os meados do século XX, que passaram a ser lembrados como a era keynesiana. Foi um período em que as democracias capitalistas, apavoradas com a Revolução Russa e a perspectiva de rebelião em massa de suas próprias classes trabalhadoras, permitiram níveis sem precedentes de redistribuição – o que, por sua vez, levou à prosperidade material mais generalizada da história da humanidade. A história da revolução keynesiana da década de 1930 e a contra-revolução neoclássica da década de 1970 já foi contada inúmeras vezes, mas Skidelsky dá ao leitor uma nova sensação do conflito subjacente.

O próprio Keynes era um anticomunista convicto, mas em grande parte porque achava que o capitalismo era mais propenso a impulsionar o rápido avanço tecnológico, de modo a eliminar amplamente a necessidade de trabalho material. Ele desejava o pleno emprego não porque achava que o trabalho era bom, mas porque, em última análise, desejava acabar com o trabalho, imaginando uma sociedade em que a tecnologia tornaria obsoleto o trabalho humano. Em outras palavras, ele assumiu que o terreno estava sempre movendo-se sob os pés dos analistas; o objeto de qualquer ciência social era inerentemente instável. Max Weber, por razões semelhantes, argumentou que nunca seria possível aos cientistas sociais inventar algo remotamente parecido com as leis da física, porque no momento em que chegassem perto de reunir informações suficientes, a própria sociedade e aquilo que os analistas sentiam ser importante saber sobre ela, teria mudado tanto que as informações se tornariam irrelevantes. Os oponentes de Keynes, por outro lado, estavam determinados a enraizar seus argumentos em algo que consideravam como princípios universais.

É difícil para não especialistas ver o que realmente está em jogo aqui, porque o argumento passou a ser recontado como uma disputa técnica entre os papéis da micro e macroeconomia. Os keynesianos insistiram que o primeiro é apropriado para estudar o comportamento de famílias ou empresas individuais, que tentam ampliar sua vantagem no mercado; mas que, assim que se começa a olhar para as economias nacionais, está se mudando para um nível de complexidade totalmente diferente, onde diferentes tipos de leis se aplicam. Assim como é impossível entender os hábitos de acasalamento de um porco-espinho analisando todas as reações químicas em suas células, os padrões de comércio, investimento ou flutuações nas taxas de juros ou emprego não eram apenas o agregado de todas as microtransações que pareciam produzi-los. Os padrões tinham, como diriam os filósofos da ciência, “propriedades emergentes”. Obviamente, era necessário entender o nível micro (assim como era necessário entender a química que compunha o porco-espinho) para ter alguma chance de entender o nível macro. Mas isso não era, por si só, suficiente.

Os contra-revolucionários – começando com o antigo rival de Keynes, Friedrich Hayek e os vários luminares que se juntaram a ele na Sociedade Mont Pelerin – apostaram diretamente nessa noção de que as economias nacionais não são nada mais que a soma de suas partes. Politicamente, observa Skidelsky, isso se deveu a uma hostilidade à própria ideia de Estado (e, em um sentido mais amplo, a qualquer bem coletivo). As economias nacionais poderiam de fato ser reduzidas ao efeito agregado de milhões de decisões individuais e, portanto, todos os elementos da macroeconomia precisavam ser sistematicamente “micro-fundados”.

Uma razão pela qual essa posição era tão radical é a de que ela foi tomada exatamente no mesmo momento em que a própria microeconomia estava completando uma profunda transformação – que havia começado com a revolução marginalista do final do século XIX. Passava de uma técnica, para entender como aqueles que operavam o mercado tomam decisões, a uma filosofia geral da vida humana. Foi capaz de fazê-lo, de modo notável, propondo uma série de suposições que até os próprios economistas estavam felizes em admitir que não eram realmente verdadeiras. “Vamos supor”, diziam eles, “sujeitos puramente racionais, motivados exclusivamente pelo interesse próprio, que sabem exatamente o que querem, nunca mudam de ideia e têm acesso completo a todas as informações relevantes sobre preços”. Isso lhes permitiu fazer equações precisas sobre exatamente como se deveria esperar que os indivíduos agissem…

Certamente não há nada de errado em criar modelos simplificados. Pode-se argumentar que é assim que qualquer ciência dos assuntos humanos deve proceder. Mas uma ciência empírica passa a comparar esses modelos com o que as pessoas realmente fazem, para então ajustar seus modelos. Isso é precisamente o que os economistas não fizeram. Em vez disso, descobriram que, se alguém envolvesse esses modelos em fórmulas matemáticas completamente impenetráveis para os não iniciados, seria possível criar um universo no qual essas premissas nunca pudessem ser refutadas. (“Todos os atores estão envolvidos na maximização da utilidade. O que é utilidade? O que quer que seja que um ator pareça estar maximizando”). As equações matemáticas permitiram aos economistas afirmar de forma plausível que a disciplina deles era o único ramo da teoria social que avançara para algo como uma ciência preditiva (mesmo que a maioria de suas previsões bem-sucedidas fosse do comportamento de pessoas que haviam sido treinadas em teoria econômica).

Isso permitiu que o Homo economicus invadisse o restante da academia, de modo que, nas décadas de 1950 e 1960, quase todas as disciplinas acadêmicas no negócio de preparar jovens para posições de poder (ciência política, relações internacionais, etc.) haviam adotado alguma variante de “teoria da escolha racional” – em última análise, extraída da microeconomia. Nas décadas de 1980 e 1990, havia-se chegado a um ponto em que nem mesmo os chefes de fundações de arte ou organizações de caridade seriam considerados totalmente qualificados se não estivessem ao menos amplamente familiarizados com uma “ciência” dos assuntos humanos que partia da suposição de que os humanos eram fundamentalmente egoístas e gananciosos.

Essas eram, então, as “microfundações” às quais os reformadores neoclássicos exigiam que a macroeconomia retornasse. Aqui eles foram capazes de tirar proveito de certas fraquezas inegáveis nas formulações keynesianas. Acima de tudo sua incapacidade de explicar a estagflação da década de 1970, de afastar a superestrutura keynesiana restante, para retornar à mesma política de dinheiro duro e Estado enxuto que havia sido dominante no mundo do século XIX. O padrão tradicional se seguiu. O monetarismo não funcionou; no Reino Unido e depois nos EUA, essas políticas foram rapidamente abandonadas. Mas ideologicamente, a intervenção foi tão eficaz que, mesmo quando “novos keynesianos” como Joseph Stiglitz ou Paul Krugman voltaram a dominar o debate sobre macroeconomia, eles ainda se sentiam obrigados a manter as novas microfundações.

O problema, como Skidelsky enfatiza, é que, se suas suposições iniciais forem absurdas, multiplicá-las por mil vezes dificilmente as tornará menos absurdas. Ou, como diz, de maneira menos gentil, “premissas lunáticas levam a conclusões malucas”:

A hipótese do mercado eficiente (EMH), popularizada por Eugene Fama … é a aplicação das expectativas racionais aos mercados financeiros. A hipótese das expectativas racionais (REH) diz que os agentes utilizam de maneira ideal todas as informações disponíveis sobre a economia e a política instantaneamente para ajustar suas expectativas….

Assim, nas palavras de Fama, … “Em um mercado eficiente, a concorrência entre os muitos participantes inteligentes leva a uma situação em que … o preço real de um título será uma boa estimativa de seu valor intrínseco”. [Grifo de Skidelsky]

Em outras palavras, éramos obrigados a fingir que os mercados não poderiam, por definição, estar errados. Se, na década de 1980, o terreno em que o complexo Imperial em Tóquio foi construído, por exemplo, era mais valorizado do que a de todos os terrenos de Nova York, então isso teria que ser porque era o que realmente ele valia. Se houver desvios, eles são puramente aleatórios, “estocásticos” e, portanto, imprevisíveis, temporários e, em última análise, insignificantes. De qualquer forma, atores racionais irão rapidamente intervir para varrer quaisquer ações subvalorizadas. Skidelsky observa secamente:

Há um paradoxo aqui. Por um lado, a teoria diz que não há sentido em tentar lucrar com a especulação, porque as ações sempre são precificadas corretamente e seus movimentos não podem ser previstos. Mas, por outro lado, se os investidores não tentassem lucrar, o mercado não seria eficiente porque não haveria mecanismo de autocorreção.

Em segundo lugar, se as ações sempre tiverem preços corretos, bolhas e crises não poderão ser geradas pelo mercado….

Essa atitude entrou na política: “funcionários do governo, começando com Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, não estavam dispostos a estourar a bolha precisamente porque não estavam dispostos a sequer julgar que se tratava de uma bolha”. Isso impossibilitou a identificação de bolhas porque descartou-as a priori.

Se houver uma resposta para a famosa pergunta da rainha da Inglaterra, sobre por que ninguém previu a grande crise, será essa.

Neste ponto, chegamos ao círculo completo. Após um embaraço tão catastrófico, os economistas ortodoxos recorreram ao seu forte apelo – política acadêmica e poder institucional. No Reino Unido, um dos primeiros movimentos da nova coalizão entre Conservadores e Liberal-democratas, em 2010, foi reformar o sistema de ensino superior triplicando as mensalidades e instituindo um regime de empréstimos estudantis ao estilo norte-americano. O senso comum poderia sugerir que, se o sistema educacional estivesse funcionando com êxito (apesar de todos os seus pontos fracos, o sistema universitário britânico era considerado um dos melhores do mundo), enquanto o sistema financeiro estava operando tão mal que quase destruía a economia global, o mais sensato seria reformar o sistema financeiro para parecer um pouco mais com o sistema educacional, e não o contrário. Um esforço agressivo para fazer o oposto poderia ser apenas um movimento ideológico. Foi um ataque total à própria ideia de que o conhecimento poderia ser outra coisa senão um bem econômico.

Movimentos semelhantes foram feitos para solidificar o controle sobre a estrutura institucional. A BBC, outrora orgulhosamente independente, sob os Conservadores, passou a assemelhar-se cada vez mais a uma rede de radiodifusão estatal. Seus comentaristas políticos recitavam quase literalmente os últimos pontos de discussão do partido no poder – que, pelo menos economicamente, tinham como premissa as próprias teorias que acabavam de ser desacreditadas. O debate político simplesmente supunha que o “remédio” usual e a “probidade fiscal” gladstoniana eram a única solução. Ao mesmo tempo, o Banco da Inglaterra começou a imprimir dinheiro como louco, efetivamente entregando-o ao 1%, em uma tentativa malsucedida de desbaratar a inflação. Os resultados práticos foram, para dizer o mínimo, pouco inspiradores. Mesmo no auge da “recuperação”, no quinto país mais rico do mundo, algo como um cidadão britânico em cada doze experimentou fome, inclusive passando dias inteiros sem comida. Se uma “economia” deve ser definida como o meio pelo qual uma população humana se provê de suas necessidades materiais, a economia britânica é cada vez mais disfuncional. Esforços frenéticos por parte da classe política britânica para mudar de assunto (Brexit) dificilmente poderão durar para sempre. Em algum momento, os problemas reais terão que ser abordados.

A teoria econômica, tal como existe, assemelha-se cada vez mais a um galpão cheio de ferramentas quebradas. Isso não quer dizer que não haja informações úteis, mas fundamentalmente a disciplina existente é projetada para resolver os problemas de outro século. O problema de como determinar a distribuição ideal do trabalho e dos recursos, para criar altos níveis de crescimento econômico, simplesmente não é o mesmo problema que estamos enfrentando agora: isto é, como lidar com o aumento da produtividade tecnológica, a redução da demanda real de trabalho e o manejo eficaz dos trabalhos relacionando ao cuidado, sem também destruir a Terra. Isso exige uma ciência diferente. As “microfundações” da economia atual são precisamente o que está impedindo isso. Qualquer ciência nova e viável terá que recorrer ao conhecimento acumulado do feminismo, economia comportamental, psicologia e até antropologia para apresentar teorias baseadas em como as pessoas realmente se comportam, ou mais uma vez abraçar a noção de níveis emergentes de complexidade – ou, provavelmente, ambos.

Intelectualmente, isso não será fácil. Politicamente, será ainda mais difícil. Romper com o bloqueio da economia neoclássica nas principais instituições e seu domínio quase-teológico sobre a mídia – para não mencionar todas as maneiras sutis para definir nossas concepções de motivações humanas e os horizontes das possibilidades humanas – é uma perspectiva assustadora. Presumivelmente, algum tipo de choque seria necessário. O que é preciso? Outro colapso no estilo de 2008? Alguma mudança política radical em um grande governo, de repercussão mundial? Uma rebelião global da juventude? Seja como for, livros como este – e possivelmente este livro de Skidelsky – terão um papel crucial.

 Moral, ética e os valores da sociedade contemporânea

0

            O poder cada vez maior do dinheiro, do capital e dos recursos monetários estão gerando grandes transformações no indivíduo, mudando hábitos, costumes e comportamentos, causando constrangimentos, medos e desesperanças, mas ao mesmo tempo, criando um grande laboratório para que se compreenda os seres humanos, seus valores e sua natureza.

Um dos grandes males da expansão do capitalismo na sociedade mundial é que, neste sistema, tudo pode ser comercializado, tudo se compra, tudo se vende, o local deste comércio é conhecido como mercado, que passa a ter um poder incomensurável, se parecendo mais como uma religião, como um grande Deus ou uma divindade, do que como um espaço de trocas e de satisfações pessoais, o mercado ganha um status sobrenatural e todos os indivíduos devem se adaptar a esta nova realidade, sob pena de ser condenado ao esquecimento eterno, ao purgatório do desemprego, a exclusão social e a desesperança com relação ao futuro.

Neste mundo baseado e estruturado na matéria, a Doutrina Espírita surge como um grande oásis de reflexão sobre a vida, a partir da Terceira Revelação os indivíduos passaram a perceber que o mundo não se restringe apenas a vivência material, somos espíritos imortais, nascemos e vivemos em vários corpos e em inúmeras oportunidades, nascemos várias vezes, fomos homens ou mulheres, ricos ou pobres, dotados de conhecimentos ou não, somos um misto de muitos indivíduos dentro de um mesmo espírito, vivemos várias vidas e trazemos todas elas dentro de nosso íntimo, com isso, começamos a compreender muitos dos desequilíbrios e desajustes que cultivamos intimamente e que não conseguiremos compreender em apenas uma única existência, por isso estamos em constantes momentos de vida, uns no mundo material e outras no mundo imaterial.

No mundo contemporâneo estamos sendo testados todos os momentos, o poder do dinheiro, do capital e do luxo é imenso, todos somos atraídos pelos seus encantos, pelo seu glamour e pela sua ostentação, tudo isso nos gera prazer e nos coloca em evidência e revive nossos mais mesquinhos desejos e vontades. Vivemos numa sociedade onde as pessoas são avaliadas pelo que possuem, pelos seus recursos monetários, pelas suas propriedades e pelos seus títulos, muitos conceituam-na como meritocracia, mas na verdade é uma sociedade centrada na exclusão e na exploração, o que muitos não querem enxergar, é que quem hoje explora amanhã pode ser o explorado.

A Doutrina Espírita nos mostra, claramente, que somos frutos de uma constante evolução, estamos sempre progredindo, uns acumulam mais conhecimento, outros se elevam moralmente, outros evoluem em seus desprendimentos, mas estamos evoluindo, esta é a lei criada por Deus. A evolução é estimulada pelas leis naturais, em alguns momentos acreditamos que tudo está perdido, que estamos regredindo e andando para trás, tudo não passa de uma visão limitada e enganosa, se não estamos evoluindo por nós mesmos, os amigos espirituais estimulam a evolução, inspirando ações, enviando espíritos mais evoluídos para nos direcionar e nos mostrando caminhos mais consistentes e solidificados, com isso, somos impelidos ao crescimento, mesmo sabendo que muitos se comprazem com a situação atual, para estes as dores, as doenças e os vazios existenciais, as dúvidas constantes e os medos servem como uma verdadeira alavanca que nos impulsiona para a reflexão, para a busca e para as novas descobertas que passam a dar mais sentido à vida e consistência para nossas ações e comportamentos.

Estas dores, embora causem fortes constrangimentos aos indivíduos, nos forçam para uma busca mais consciente da existência humana, muitas pessoas buscam as casas espíritas e os conhecimentos oriundos da Doutrina dos Espíritos para compreenderem questões íntimas e pessoais, tristezas, mágoas e ressentimentos acumulados. Quantos irmãos se veem em dores morais e em vazios existenciais e buscam compreender o porquê estão solitários, qual a raiz de sua solidão e qual o sentido de suas existências no mundo material. A maioria dos indivíduos vive por viver, acorda sem refletir, se alimenta por se alimentar, trabalha por trabalhar e não se questiona o significado de todas estas atividades cotidianas, estes indivíduos tendem, ao desencarnar, não compreenderem sua situação no mundo imaterial, vivendo na ignorância, no desconhecimento e na escuridão, são indivíduos que sempre viveram atrelados a matéria, aos valores do dinheiro e não se preocuparam com a grandeza da existência humana.

Na atual existência física precisamos estar conscientes de que somos seres deveras imperfeitos, todos cometemos equívocos variados, nossa trajetória de vidas passadas se mostra muito espinhosas, cometemos erros terríveis, agredimos, ultrajamos, vilipendiamos, caluniamos, muitos cometeram inúmeros crimes e assassinatos, além de termos, em muitas existências abandonamos pessoas que na atualidade estão ao nosso lado para o reajuste, afinal, não podemos nunca nos esquecer de que somos imperfeitos. Diante de tudo isso, devemos evitar os julgamentos, quando apontamos o dedo para outro indivíduo, quando menosprezamos aqueles que cometeram equívocos, quando nos colocamos como superiores de nossos colegas ou conhecidos, estamos nos esquecendo de nosso passado, de nossos crimes e de nossos desequilíbrios. Embora queiramos esconder este passado nos vãos de nosso subconsciente, ele está mais vivo do que imaginamos e sempre ressurgirá quando nos colocarmos como superiores e julgarmos nossos irmãos em queda, tenhamos misericórdia e oremos por estes irmãos, afinal, todos nós, com certeza, gostaríamos que os outros agissem desta forma conosco em nossas quedas e em nossos inúmeros deslizes.

Na contemporaneidade vivemos um discurso preocupante sobre valores morais e éticos, nos colocamos sempre do lado do bem e degradamos todos aqueles que agem de uma forma equivocada, muitas vezes os agredimos para mostrar nossa superioridade moral, alardeando os valores cristãos, mas no íntimo agimos sempre de acordo com nossos interesses e deixamos de lado os valores mais sólidos e consistentes, lembremos sempre dos ensinamentos de Jesus: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos e de toda imundície. Assim também vos exteriormente pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade”.

Os julgamentos devem ser evitados a todos os momentos, a Doutrina Espírita nos mostra claramente que somos indivíduos, com muitas existências físicas, nestas vivências cometemos equívocos que, se tomássemos consciência na atualidade, estaríamos internados em hospitais psiquiátricos, nossos erros foram tremendos e estão dentro de nossa intimidade e a qualquer momento podemos acessar estes desequilíbrios e os resultados seriam desastrosos, levando-nos a desajustes emocionais severos. Sabendo destes ricos e pormenores da vida de cada um, o espiritismo nos mostra que, ao renascer no corpo material, passamos a esquecer momentaneamente este passado sombrio, ficam encastelados em nossos subconscientes para que, aos poucos, possamos compreender, digerir e expiar de forma consciente para que alcancemos o progresso espiritual e o tão almejado desenvolvimento espiritual.

Muitos irmãos nascem em famílias com graves desequilíbrios emocionais e espirituais, vivem em situações difíceis, passam por privações materiais e recebem em seu ventre crianças especiais, indivíduos dotados de grande inteligência, mas que se equivocaram em vidas anteriores e, na atualidade, nascem com deficiências físicas ou sensoriais, estão expiando seus erros pregressos, nasceram nestes lares e com estes familiares, porque estes, em algum momento de sua existência anterior contribuíram para agravar estes desajustes.

A Doutrina Espírita nos mostra claramente que não existe acaso, todos os nossos atos são computados no grande computador da vida, quando agimos bem e de forma carinhosa, quando somos caridosos e atenciosos com os indivíduos, recebemos da vida este mesmo carinho e esta mesma atenção, a vida nos retorna tudo aquilo que nós damos e, com isso, nosso caráter e nossos valores são elevados a uma categoria maior, denotando nossa evolução.

Numa das passagens mais interessantes do livro Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier e ditado pelo espírito do médico André Luiz, o autor espiritual nos mostra que poucas pessoas oraram para ele quando este se encontrava encarnado, sua mãe e uma senhora cujo marido tinha sido atendido algumas vezes de graça em seu consultório, como retribuição esta senhora orou por ele pedindo proteção e agradecendo as consultas, estas preces foram muito importantes no mundo físico e também no mundo espiritual, auxiliando em suas dificuldades e limitações. Neste episódio, o Espiritismo nos mostra como a prece é um instrumento fundamental para que consigamos nos equilibrar espiritualmente e serve como um instrumento de auxílio e proteção aos outros e de agradecimento a Deus, a oração mostra nossa humildade e disseca nossos sentimentos mais íntimos e pessoais.

Fujamos sempre de julgar os outros indivíduos, o que não queremos para nós não devemos fazer para as outras pessoas, se julgarmos nossos semelhantes estamos abrindo caminho para que sejamos julgados e neste julgamentos, com certeza, seremos condenados, afinal, precisamos compreender que estamos encarnados em um mundo de expiação e de prova, nascemos neste planeta porque somos atraídos pelas energias emanadas deste local, se são energias negativas e atrasadas, é porque ainda trazemos muito destas energias desequilibradas dentro de cada um de nós.

A melhor forma de progredirmos espiritualmente neste mundo marcado pelo atraso moral e pelos valores do dinheiro, é nos vigiarmos e mantermos sempre a disciplina, o comportamento reto e a vigilância de nossos pensamentos. Controlar os nossos sentimentos não é algo fácil e imediato, para que consigamos devemos entender que tudo deve ser visto como um grande processo, devemos exercitar estes sentimentos e pensamentos, devemos fazer caridade, devemos cultivar o hábito da oração, devemos compreender que a natureza não dá saltos, tudo acontece ao seu tempo, mas devemos nos dedicar, estudar, refletir e compreender que evoluímos paulatinamente nas várias oportunidades que a espiritualidade nos concede, entendamos tudo isso e, com certeza, viveremos melhor e seremos luzes para o progresso de todos que nos ladeiam, o progresso individual leva a comunidade a um progresso coletivo e o indivíduo a progredir para mundo melhores, onde a violência se reduz, a solidariedade aumenta e a proximidade com o progresso se faz mais evidente em cada ser humano.

Liberalismo e Conservadorismo no Brasil Contemporâneo

0

Estamos vivendo um momento único de grande apreensão na sociedade brasileira, depois de cinco anos de crise econômica, incremento acelerado do desemprego, redução sistemática nos salários e na renda agregada, estamos retomando algum crescimento econômico, ainda muito lento e reduzido, mas a economia começa a dar sinais de retomada, gerando aplausos e comemorações de um lado e fortes preocupações do outro, com isso, estamos vivendo mais um dos inúmeros paradoxos da economia brasileira.

A agenda liberal parece estar sendo blindada pelos grandes grupos econômicos que defendem este governo, as medidas liberalizantes parecem ser o ideal a ser conquistado, privatizar empresas estatais, acelerar a abertura da economia, desregulamentar o sistema econômico, diminuir os custos do trabalho e facilitar os investimentos privados como forma de incrementar o empreendedorismo e a inovação. São medidas que estão sendo fortemente implementadas pelo governo federal, acreditando que, desta forma, a economia brasileira tende a encontrar o caminho para o crescimento econômico, para a redução das desigualdades sociais e para uma melhora no ambiente de negócio, atraindo recursos externos e dinamizando o desenvolvimento econômico do país.

São medidas ousadas, algumas delas nos parecem bastante necessárias e fundamentais para destravar a economia brasileira, que durante muitas décadas se viu envolta em discussões desnecessárias, onde o Estado ganhou um protagonismo exagerado, abrindo espaço para que grupos organizados parasitassem os escaninhos do poder em busca de subsídios excessivos, além de benefícios fiscais e orçamentários, contribuindo para a degradação dos serviços públicos e, ao mesmo tempo, mantendo elevados os serviços da dívida pública que os beneficiavam com retornos financeiros altos em detrimento da desestruturação do Estado Nacional. Uma reconfiguração deste Estado deve ser uma das prioridades da sociedade brasileira, como os governos ditos de esquerda não tiveram coragem de encarar esta missão, outros governos devem se candidatar a cumprir com estes objetivos, embora saibamos que neste momento as políticas a serem adotadas pelo governo devem beneficiar alguns grupos em detrimento de outros, os grandes empresários e o setor financeiro aparecem como ganhadores, enquanto os grupos mais vulneráveis da sociedade serão os grandes perdedores deste novo modelo, quem sobreviver poderá constatar, depois da euforia vamos nos encontrar com a realidade.

A agenda econômica está centrada na diminuição do papel do Estado, segundo integrantes do governo, devemos privatizar tudo, este seria o grande objetivo dos economistas liberais liderados pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, com isso, reduziríamos a dívida pública e teríamos recursos para investimentos sociais, recuperando a capacidade de investimento do Estado atualmente em situação de insolvência e penúria fiscal, habilitando o governo a uma atuação mais efetiva na regulação, embora discreta dos mercados, deixando para os grupos econômicos o comando dos setores produtivos, reduzindo os incentivos fiscais e financeiros para os grupos industriais, além da redução do papel do BNDES e da diversificação dos mercados externos, aumentando os acordos comerciais e, se necessário, saindo do Mercosul, visto com desdém pelas lideranças que comandam a economia do país, estas medidas devem ser vistas como uma grande revolução para a economia brasileira, com medidas extremas e necessárias e outras marcadas pelo fanatismo e pelo excesso de pendor ideológico. Depois de um governo mais afeito aos pensamentos da esquerda, da intervenção e do Estado grande, estamos em um momento onde estamos colocando um governo mais sensível ao pensamento da direita, menos intervencionista e mais centrado na iniciativa privada.

Diminuir o papel do Estado é uma medida essencial e deve ser adotada com urgência, transferindo a atuação direta da produção para a regulação e melhorando os serviços públicos, racionalizando o uso do dinheiro público, dando transparência a todos os recursos investidos e criando a cultura, inexistente no Brasil, de avaliar todos os serviços e atividades prestadas pelos entes governamentais, analisando se os recursos estão trazendo os benefícios desejados e esperados pela sociedade. Sem avaliações positivas estes serviços devem ser substituídos ou melhorados de forma a gerar os benefícios para a comunidade de uma forma geral, sem viés ideológico nos programas e enfoque na eficiência das políticas, para isso, cabe ao governo e a sociedade civil se transformarem em agentes ativos na avaliação e no controle das políticas públicas.

A forte aproximação com ideias liberais pode trazer transtornos futuros para o governo, como estamos vendo em sociedades que fizeram ajustes duros, privatizaram todas as empresas e transferiram os serviços para grupos e conglomerados privados, esta visão pode conter um forte equívoco cujos impactos podem ser bastante negativos, vide o caso do Chile, de exemplo de políticas liberais e melhoria nos ambientes de negócio, até uma posição de agitação social e movimentos de rua sem controle, cujas reclamações envolvem os graves desequilíbrios gerados pelas políticas para os setores populares. A adoção de políticas visando diminuir os custos de contratação devem ser encaradas como positivas, mas estas medidas não devem culminar em mais desequilíbrios na Previdência Social ou no fundo de garantia, muito menos devem ser bancadas com descontos sobre o seguro desemprego de trabalhadores desempregados. Estes recursos devem ser extraídos de impostos mais efetivos sobre heranças e aplicações financeiras e, principalmente, sobre as isenções fiscais e tributárias que são concedidas para os grandes grupos econômicos nacionais, que de um lado criticam o governo e sua ineficiência de forma veemente enquanto do outro se utiliza de seu poder econômico e de seu forte lobby político para extrair da sociedade isenções fiscais e ganhos tributários elevados.

Encontramos muitas falas desprezíveis, deselegantes e desnecessárias e que poderiam ser evitadas para que se crie o ambiente salutar para atrair os grandes investimentos nacionais e internacionais, para que o país consiga construir uma recuperação econômica mais sólida e consistente, fugindo dos voos rasteiros e alçando novos horizontes. Nestas falas encontramos pensamentos preconceituosos, gestos tresloucados, comentários maldosos e opiniões precipitadas que interditam o debate, constrangem os contendores e espalham ventos de intolerância, violência e agressividades.

Percebemos também uma crescente falta de tato de integrantes do governo com postagens agressivas nas redes sociais, pessoas estimulando ódios e ressentimentos, debates eivados de violência e de intolerância, além de ofensas pessoais e palavras de baixo calão. Nestes debates encontramos discussões que servem apenas para criar um ambiente de constantes confrontos, estimulando grupos organizados e exércitos de difamação que trabalham exaustivamente para que os debates sejam interrompidos e todos que pensam de forma contrária sejam acusados de esquerdistas e comunistas, vendo nestas pessoas figuras deletérias, corruptas e que não comungam com o bem do país e o progresso do povo brasileiro, devendo portanto, ser aniquilados e trucidadas pelos agentes do bem e da ordem.

Estamos vendo o crescimento de uma agenda conservadora ultrapassada, grupos religiosos intolerantes e defensores de ideias retrógradas estão ganhando espaço dentro do Estado Nacional. Estamos vivenciando no Brasil contemporâneo discursos agressivos e contrários aos homossexuais, às lésbicas e aos gays, fomentamos discursos intolerantes com os grupos indígenas e suas terras demarcadas, preconceitos com negros e intolerâncias generalizadas, estamos regredindo em termos civilizatórios, estamos retomando pensamentos arcaicos e nos deixando levar pela obscuridade crescente que alimentamos durante muitos anos. Neste momento tudo é possível e aceitável, até mesmo aprovar o excludente de ilicitude e estimular as mortes, desde que elas ocorram nas favelas e nas comunidades pobres e miseráveis, como estamos vendo todos os dias.

Estamos vivendo a introdução de uma agenda conservadora agressiva e intolerante marcada por pitadas de liberalismo econômico, neste casamento por conveniência um dos lados deve se conscientizar de que a convivência será impossível. Para muitos o liberalismo pressupõe democracia, pluralidade e discussões democráticas, enquanto o conservadorismo que estamos presenciando se caracteriza por forte componente ideológico, radical e intolerante. Saímos de um pensamento ideologizado de esquerda e estamos rumando para um pensamento ideologizado de direita, no Brasil, podemos dizer, com certeza, que a direita se assumiu enquanto tal e saiu do armário, intensificando o conflito e aumentando os desafios políticos no caos contemporâneo.

Os valores liberais tendem a divergir rapidamente dos valores conservadores, criando espaços de dissensos ou se adaptando para garantir seus ganhos políticos imediatos. Os liberais acreditam ser defensores da democracia, mas aceitam regimes de exceção, como no governo de Augusto Pinochet, no Chile, desde que estes adotem políticas racionais, entendendo racionais como as políticas que atuam para liberar os mercados dos braços fortes dos Estados, incrementar as privatizações, garantindo aos atores privados novos horizontes de investimentos, espaços para jogatinas e desregulamentação financeira, mesmo que estes gerem degradação social, aumento da desigualdade e da exclusão social, afinal se acreditam melhores, pois são frutos da meritocracia, como se existisse meritocracia em uma sociedade marcada por exclusão social e pobrezas crescentes.

As políticas liberais estão seduzindo a elite econômica brasileira, grupos de classe média alta acreditam piamente que as medidas adotadas pelo ministério da Economia tendem a garantir forte crescimento econômico. Quando estas medidas começarem a fazer efeito e o Estado perder toda a capacidade de atuação, quando as barreiras protecionistas forem abolidas e quando os resultados econômicos não vierem da forma como muitos acreditam, o entusiasmo com o governo tende a arrefecer e as críticas tendem a aumentar, com sérios riscos de o sistema entrar em colapso e os tão temidos movimentos sociais poderão se tornar uma realidade, como estamos vendo em vários países do mundo e, principalmente, em países da América Latina, como Chile, Colômbia, Peru e Bolívia.

As medidas que estão em estudo pelo governo federal tendem a diminuir fortemente a proteção aos grupos nacionais, além de reduzir muitos repasses de recursos para políticas sociais, contingenciando recursos para saúde e educação, com isso, os conglomerados privados tendem a ganhar novos espaços nestas áreas. Na educação, recentemente, o ministro propôs que as próprias instituições particulares passassem a se regular, diminuindo a atuação do Ministério e garantindo maiores espaços para os grupos privados, com isso, teríamos no médio prazo poucos agentes dominando todo o setor educacional, que para atuar demitiriam todos os professores com mestrado e doutorado e contratariam especialistas e profissionais sem experiência, diminuindo custos, aumentando a quantidade de diplomados e garantindo mão de obra barata e teoricamente qualificada para as empresas de entrega, tais como Uber, com isso teríamos a chamada uberização da economia, empregos precários, salários reduzidos e ausência de proteção social.

Muitos grupos estão atuando fortemente nas redes sociais e defendendo as políticas liberalizantes, como se estas fossem trazer os ganhos imaginados pela população brasileira, muitos foram para as urnas e votaram no novo, acreditaram no discurso da racionalidade e da segurança, embora todos desejamos a melhora do país e o tão sonhado crescimento econômico, estamos num momento onde a distância dos países desenvolvidos tende a aumentar rapidamente, nunca estivemos tão distante deste mundo tão sonhado, que sabe que todos compreendamos que, ao invés de sonhar, estamos mesmo em um pesadelo, e pior, este pesadelo parece estar apenas no seu início.

 

 

 

 

 

Fundamentalismo de mercado pode ser calcanhar de Aquiles de Bolsonaro

0

Laura Carvalho argumenta que, no Brasil, conservadorismo moralista se uniu à agenda da Faria Lima 

Folha de São Paulo, 01/12/2019.

Laura Carvalho

[RESUMO] A eleição do populismo autoritário de direita como rejeição ao establishment político uniu, no Brasil, a agenda do conservadorismo moralista ao fundamentalismo de mercado.

Ao cogitar um novo AI-5 como resposta a eventuais protestos contra seu ambicioso pacote de reformas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, desenhou para quem ainda se recusava a enxergar que o governo Bolsonaro não tem duas alas distintas: Estado mínimo na proteção social pede Estado máximo no encarceramento e na repressão, como bem alertou Loïc Wacquant em seu livro “As Prisões da Miséria” (Zahar).

No entanto, ainda que a associação íntima entre fundamentalismo de mercado e autoritarismo não seja nenhuma novidade para quem conhece o entusiasmo de Guedes e do próprio presidente Jair Bolsonaro pelo governo de Augusto Pinochet no Chile, essa agenda destoa de outros movimentos de extrema direita do mundo atual.

No caso da guerra comercial promovida por Donald Trump ou do brexit no Reino Unido, ficam muito claros a incompatibilidade com os princípios do liberalismo econômico e o contraste com a própria agenda de Guedes, que defende uma abertura comercial indiscriminada e unilateral no Brasil. Mas e o governo de Viktor Orbán na Hungria, que vem sendo fonte de um vasto repertório de ideias autoritárias adotadas pelo bolsonarismo como forma de interferir nos meios de comunicação e no Judiciário do país?

Em artigo publicado no jornal The New York Times em 16/10, intitulado “The case for populism” (a defesa do populismo), Maria Schmidt, historiadora e ex-assessora de Viktor Orbán, faz questão de distinguir a plataforma do primeiro-ministro húngaro e o que chama de “agenda econômica neoliberal de Bruxelas” imposta ao país nas décadas que sucederam o fim do comunismo.

“Entusiasmados em recuperar o controle de nosso destino e emergir da Cortina de Ferro, nós, húngaros, ingenuamente acreditamos que a Europa Ocidental fosse partilhar de nossa exaltação […] Em vez disso, nós fomos forçados a nos adaptar ao Ocidente”, escreve Schmidt.

Sobre os motivos da vitória de Orbán em 2010, afirma: “As elites políticas que preferiram manter o status quo durante a crise financeira de 2008 deixaram a classe média da Hungria, bem como a maior parte de seus cidadãos mais necessitados, totalmente desamparados”.

“Desde então, o sr. Orbán colocou os interesses da Hungria em primeiro lugar ao elaborar suas políticas econômicas […], impôs taxas especiais sobre empresas multinacionais e bancos para distribuir o peso da crise tão proporcionalmente quanto possível entre os agentes de mercado que a causaram (e lucraram a partir dela) e os cidadãos húngaros”, argumenta.

Voltando aos EUA, cabe ressaltar que, apesar de o governo Trump ter aprovado um grande plano de redução de impostos que beneficiou também os mais ricos, sua plataforma eleitoral de 2016 tinha explorado as relações próximas de sua oponente Hillary Clinton com doadores de Wall Street para dissociar-se não apenas do establishment político mas também do establishment econômico que, desde a década de 1980, produz desigualdades crescentes e crises financeiras ao redor do mundo.

Da mesma forma, no Reino Unido, o apoio de agentes do setor financeiro à permanência na União Europeia foi muito utilizado na campanha a favor do brexit para opor o interesse dos bancos ao da maioria.

Nesse contexto, e diante da importação pelo bolsonarismo de tantas outras táticas adotadas por essas plataformas políticas no que tange ao papel de redes sociais, fake news, anti-intelectualismo, guerra cultural e criminalização da política institucional, cabe perguntar: por que sua plataforma combinou o conservadorismo moral tão típico desses movimentos com o fundamentalismo de mercado da Faria Lima? E indo além: seria esse seu trunfo ou seu calcanhar de Aquiles?

São inúmeros —e pouquíssimo surpreendentes— os estudos empíricos atestando o papel de uma melhora ou piora na economia para o resultado de processos eleitorais ao redor do mundo.

Contudo, quando o tema é o atual fortalecimento da extrema direita, uma parte da literatura, que está bem representada pelos estudos de Pippa Norris, da Harvard Kennedy School, e Ronald Inglehart, da Universidade de Michigan, tem defendido a predominância do que chamam de “cultural backlash”— a expressão, título do livro que a dupla lançou neste ano, indica uma reação de setores conservadores ao progressismo cada vez maior da sociedade no campo dos valores.

A partir de dados amostrais individuais que englobam 31 países europeus, nos anos de 2002 a 2014, os autores chegam à conclusão de que valores culturais predizem melhor o voto em partidos populistas do que o que chamam “insegurança econômica”, medida por indicadores de desigualdade social, renda e emprego.

Ainda que não se possa estabelecer causalidade nesse tipo de exercício, tais evidências vêm servindo de contraponto à visão que atribui aos efeitos colaterais da globalização comercial e às desigualdades crescentes observadas nos países ricos desde os anos 1980 um papel central na explicação desses fenômenos.

Porém, como apontou o economista Dani Rodrik, da Harvard Kennedy School, no artigo “Populism and the economics of globalization” (populismo e a economia da globalização), de 2017, fatores culturais e econômicos podem não ser passíveis de separação: o mal-estar econômico e social gerado pela globalização comercial e pela imigração pode ter criado as bases para que políticos populistas explorassem uma divisão cultural da sociedade, atribuindo aos imigrantes e a outras minorias a responsabilidade pela deterioração da situação material experimentada por boa parte da população.

Essa hipótese parece obter sustentação em artigos recentes na literatura econômica, que encontraram evidências de que distritos ou regiões mais expostas à importação de produtos chineses são mais propensas a apoiar partidos de extrema direita nos EUA e Europa ocidental.

Só que, no caso brasileiro, ainda que produtos chineses também tenham contribuído para a perda de postos de trabalho, a globalização comercial e o crescimento acelerado da China também foram responsáveis por um superciclo de commodities nos anos 2000, que elevou substancialmente o preço de produtos que exportamos, como petróleo, soja e minério de ferro.

Como sabemos, esse cenário externo favorável viabilizou uma agenda que trouxe muitos ganhos para a base da pirâmide (ainda que sem reduzir a alta concentração de renda no topo) por meio de forte expansão de investimentos públicos, benefícios sociais e empregos formais em setores de serviços e construção civil.

O crescimento da arrecadação de impostos —devido ao crescimento da economia, ao boom de commodities e à formalização das relações de trabalho— permitiu que esse processo fosse compatível com uma redução da dívida pública em relação ao PIB.

Nesse sentido, as condições econômicas mais estruturais identificadas por parte da literatura como fundamentais para a emergência do populismo de direita nos EUA e na Europa não parecem ter vigorado da mesma forma no Brasil, onde a globalização comercial teve um efeito, no mínimo, ambíguo.

A American Economic Review —principal revista científica de economia— publicou em sua última edição de novembro um artigo que leva em conta um prazo mais curto, o do pós-crise de 2008.

Em “Did austerity cause brexit?” (a austeridade causou o brexit?), o autor, Thiemo Fetzer, professor da Universidade de Warwick, utiliza estimativas de incidência dos cortes feitos a partir de 2010 em dez programas sociais em todos os distritos do Reino Unido, além de dados individuais que documentam se o eleitor recebe algum benefício social e qual seu voto (ou intenção de voto) declarado.

Fetzer conclui que a redução nos programas sociais aumenta substancialmente a declaração de votos pró-brexit, bem como a concordância com afirmações do tipo “o governo não se importa [comigo]”.

Ainda carecemos de estudos como esse para estimar o papel da recessão de 2015-16 e do ajuste fiscal executado desde então para a eleição de Jair Bolsonaro. Mas é de se esperar que a frustração crescente da população com o alto desemprego e a perda de renda em meio a uma das crises mais profundas da nossa história tenha sido crucial também para o processo eleitoral.

Mesmo que a recessão tenha se originado pelo fim do boom das commodities e por erros de política econômica pré e pós-2014, a percepção em meio aos sucessivos escândalos da Operação Lava Jato passou a ser que a corrupção era também a causa da crise para a maior parte da população (67% segundo pesquisa do Datapopular realizada em 2015).

Nesse contexto, em vez de culpar imigrantes ou a invasão de produtos chineses pelo colapso da economia, como fez o populismo de direita nos países ricos, atribuiu-se a responsabilidade pela crise ao PT, à gastança desenfreada e ao Estado corrupto.

Em um primeiro momento, as falsas promessas de retomada centraram-se, portanto, no impeachment de Dilma Rousseff e em sua substituição por um governo supostamente comprometido com o corte de gastos públicos e a diminuição do papel do Estado na economia. A reforma trabalhista e a aprovação do teto de gastos trariam de volta os empregos e a confiança dos investidores.

Mas a campanha presidencial de 2018 acabou se dando após sucessivas frustrações nas projeções de crescimento, um consequente aprofundamento dos desequilíbrios fiscais e escândalos de corrupção envolvendo o governo Temer. A culpa já não era mais só do PT, era de todo o establishment político.

Assim, a combinação da agenda de conservadorismo moral com a de fundamentalismo de mercado, que marca o bolsonarismo, se encaixou como uma luva: livrar-se da corrupção e da crise econômica exigia livrar-se do próprio Estado em todos os seus papéis que não o de combate ao crime.

Passados dois anos e meio desde o início da mais lenta recuperação da nossa história —que nem sequer chegou à base da pirâmide—, já deveria estar claro que o aprofundamento da agenda centrada no corte de gastos públicos e na redução de encargos e obrigações trabalhistas não é capaz de nos tirar do quadro de estagnação desigual em que nos metemos.

Não à toa, o próprio governo já começou a recorrer à liberação de recursos do FGTS, ao barateamento do crédito habitacional via bancos públicos e à transferência de recursos do pré-sal para estados e municípios como tentativa de estimular a economia.

No entanto as restrições cada vez maiores impostas ao Orçamento pelo teto de gastos —e pelas novas medidas anunciadas pelo governo, caso aprovadas— devem causar um sucateamento ainda maior dos serviços públicos e um desmantelamento de redes de proteção social que já têm sido insuficientes para impedir o rápido aumento da pobreza no país.

Assim, Bolsonaro não deve contar, em 2022, com o baixo desemprego e o crescimento dos salários que atualmente contribuem, por exemplo, para aumentar a popularidade de Donald Trump nos EUA ou a de Viktor Orbán na Hungria.

Para fazer frente ao forte apelo do populismo político no atual cenário, Dani Rodrik também tem defendido a adoção do que chama de bom populismo econômico, ou seja, o retorno da justiça social para o centro de uma agenda antiestablishment de política econômica. É o que têm feito Elizabeth Warren e Bernie Sanders nas primárias do Partido Democrata americano.

Se o governo Bolsonaro não abrir mão de dobrar a aposta na agenda que vem excluindo a maioria dos brasileiros do crescimento econômico, talvez seja hora de o campo democrático dedicar-se a construir um plano alternativo, capaz de canalizar o acúmulo de frustrações da população para o enfrentamento de conflitos distributivos evitados até aqui pelo Executivo e pelo Congresso.

É claro que o ganha-ganha dos anos 2000 já não é possível em meio ao atual cenário de desaceleração global. Isso significa que a disponibilidade maior de recursos para saúde, educação, infraestrutura e proteção social dependerá da redução de benefícios tributários (como isenção de Imposto de Renda sobre dividendos, Simples, desonerações e deduções de despesas com saúde e educação privadas), da eliminação de remunerações do funcionalismo acima do teto constitucional e do aumento da alíquota de imposto sobre a renda e o patrimônio do 1% mais rico da população.

A boa notícia é que um programa como esse também poderia funcionar como um motor de retomada da economia, na medida em que redistribui renda de quem poupa uma fração elevada para quem consome quase tudo o que ganha.

A insegurança econômica da população, quando combinada ao fundamentalismo de mercado, pode tornar-se o calcanhar de Aquiles de Bolsonaro. As ultrajantes ameaças de edição de um novo AI-5 por parte de seu clã, temeroso de uma nova onda de protestos de rua, deixam isso bastante evidente.

Laura Carvalho professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, é autora de ‘Valsa Brasileira: Do Boom ao Caos Econômico’ (Todavia).

Novo capitalismo dará resposta a desafios ambientais e sociais, por Klaus Schwab.

1

Grandes empresas deveriam compreender que elas são partes muito interessadas em nosso futuro comum

Folha de São Paulo, 30/11/2019.

Que tipo de capitalismo desejamos?  Essa pode ser a questão definitiva de nossa era. Se desejamos sustentar nosso sistema econômico para as gerações futuras, é preciso que a respondamos corretamente.

Em termos gerais, temos três modelos entre os quais escolher. O primeiro é o “capitalismo de acionistas”, adotado pela maior parte das grandes empresas ocidentais, que propõe que o objetivo de uma companhia deve ser a maximização dos lucros.

O segundo é o “capitalismo de Estado”, que confia ao governo a tarefa de estabelecer a direção da economia e ganhou proeminência em muitos países emergentes, entre os quais se destaca a China.

Mas, comparada a essas duas opções, a terceira é a que tem mais a recomendá-la. O capitalismo de “stakeholders” [partes interessadas], modelo que propus inicialmente meio século atrás, posiciona as empresas privadas como curadoras dos interesses sociais e claramente representa a melhor resposta aos atuais desafios sociais e ambientais.

O capitalismo de acionistas, o modelo hoje dominante, começou a ganhar terreno nos EUA na década de 1970 e expandiu sua influência em todo o mundo nas décadas seguintes. Sua ascensão não deixa de ter méritos. Durante seu período de maior influência, centenas de milhões prosperaram em todo o mundo, à medida que empresas abriam novo mercados e criavam novos empregos, em busca do lucro.

Mas essa não é toda a história. Os defensores do capitalismo de acionistas, entre os quais Milton Friedman e a Escola de Chicago, negligenciaram o fato de que uma empresa de capital aberto não é apenas uma entidade que busca lucros, mas também um organismo social. Somado às pressões do setor financeiro por resultados melhores em curto prazo, o foco obsessivo no lucro levou o capitalismo de acionistas a se desconectar mais e mais da economia real.

Muitos percebem que essa forma de capitalismo já não é sustentável. A questão é por que as atitudes quanto a ele só começaram a mudar agora.

Um provável motivo é o efeito “Greta Thunberg”. A jovem ativista sueca da causa do clima nos fez recordar que a adesão ao atual sistema econômico representa uma traição às futuras gerações, por sua falta de sustentabilidade ambiental.

Outro motivo (correlato) é que os membros da geração milênio e da geração Z já não querem trabalhar para, investir em, ou comprar de companhias cujos valores se limitem a pregar a maximização do valor para os acionistas.

E, por fim, executivos e investidores começaram a reconhecer que seu sucesso em longo prazo está estreitamente ligado ao de seus clientes, empregados e fornecedores.

O resultado é que o capitalismo de “stakeholders” vem ganhando terreno rapidamente. A mudança de direção era necessária havia muito tempo. Descrevi o conceito inicialmente em 1971, ao criar o Fórum Econômico Mundial com o objetivo de ajudar líderes empresariais e políticos a implementá-lo. Dois anos mais tarde, os participantes da reunião anual do fórum assinaram o “manifesto de Davos”, que descreve as responsabilidades dos dirigentes de uma empresa para com todas as partes interessadas.

Deveríamos aproveitar o momento para garantir que o capitalismo de “stakeholders” se mantenha como novo modelo dominante. Para esse fim, o Fórum Econômico Mundial está lançando um novo “Manifesto de Davos”, que diz que as empresas devem pagar seu justo quinhão de impostos, mostrar tolerância zero à corrupção, sustentar os direitos humanos em toda a extensão de suas cadeias mundiais de suprimento e defender a igualdade de condições para concorrência, especialmente na “economia de plataformas”.

Mas, para defender os princípios do capitalismo de “stakeholders”, as empresas precisarão de novos indicadores. Para começar, um novo indicador de “criação de valor compartilhado” deveria incluir metas “ecológicas, sociais e de governança” (ESG) como complemento aos indicadores financeiros padronizados. Felizmente, uma iniciativa para o desenvolvimento de um novo padrão que atenda essa necessidade já está em curso, com apoio das “quatro grandes” companhias de auditoria e liderada por Brian Moynihan, presidente do Conselho Internacional de Negócios e do Bank of America.

O segundo indicador que precisava ser reajustado se refere à remuneração dos executivos. Da década de 1970 para cá, a remuneração dos executivos disparou, em geral para “alinhar” a tomada de decisões pelos gestores aos interesses dos acionistas. No novo paradigma do capitalismo de “stakeholders”, os salários deveriam se alinhar, em lugar disso, com o novo indicador referente à criação de valor compartilhado em longo prazo.

Por fim, as grandes empresas deveriam compreender que elas são partes muito interessadas em nosso futuro comum. Elas deveriam trabalhar com outras partes interessadas a fim de melhorar a situação do mundo em que operam. Na verdade, esse deveria ser seu propósito definitivo.

Os líderes empresariais têm uma oportunidade incrível. Ao dar significado concreto ao capitalismo de “stakeholders”, podem ir além de suas obrigações legais e cumprir seu dever para com a sociedade. Eles têm a capacidade de aproximar o mundo da realização de metas compartilhadas, como as delineadas sob o Acordo de Paris quanto ao clima e na Agenda de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Se eles realmente desejam deixar sua marca no planeta, não existe alternativa.

Riqueza e Pobreza na visão da Doutrina Espírita

3

Vivemos em uma sociedade onde os contrastes crescem de forma acelerada e causam grandes constrangimentos para toda a sociedade, riquezas convivendo lado a lado com a pobreza, fama e anonimato, belezas e feiuras, saúde e doença, o mundo é um acumulado constante de contradições que nos impacta diretamente e convivemos com estas contradições como se estas fossem naturais e devessem ser aceitas por todos os indivíduos.

No mundo contemporâneo encontramos inúmeras contradições, mas gostaríamos de destacar aquelas vinculadas a convivência cotidiana de riquezas materiais, poder e luxo, convivendo ao lado de pobreza, miséria e degradação, nestas contradições percebemos como o nosso planeta ainda se ressente de estruturas morais mais sólidas, com tantas tecnologias, máquinas e equipamentos materiais, uma parcela considerável da população vive na indignidade, nos levando a questionar nossos valores éticos e morais.

Dados recentes divulgados pelo economista francês Thomas Piketty, autor do livro Capital no Século XXI, nos revela que 1% da população mundial possui mais de 25% de toda a renda mundial, com isso, percebemos uma casta de pessoas que vivem em condições altamente privilegiada, enquanto outros grupos vivem em condições precárias, passando provações da mais variadas, desde a ausência do alimento do cotidiano, até a ausência de esperanças e perspectivas, onde a desesperança, o medo e as incertezas ganham espaços crescentes na coletividade, afastando-os de Deus e os colocando num limiar muito tênue entre uma vida honesta e a marginalidade.

A Doutrina Espírita não critica a riqueza e a acumulação, embora acredite que estes valores afastam os seres humanos dos valores mais consistentes da vida, levando-o a adotar e a viver valores altamente materiais e a deixar de lado os valores espirituais. Neste momento onde a riqueza ganha força no coração dos seres humanos e a busca por valores monetários passa a se transformar na tônica geral dos indivíduos, tudo que é excessivo não se deve estimular na visão espírita, excesso de dinheiro, excesso de trabalho, excesso de consumo, excesso de gastos, todos são vistos como excessos materiais e devem ser evitados para que não contamine os valores mais sólidos dos indivíduos.

O dinheiro é positivo na sociedade, deve ser visto como um grande instrumento de geração de bem-estar social, auxilia na construção de um futuro digno para os indivíduos, melhora as condições alimentares da população e abre novas perspectivas para indivíduos que, muitas vezes, vivem em condições em que até mesmo o sonho não lhe é possível. Usar o dinheiro de forma correta e equilibrada é algo fundamental e deve ser estimulado, pena que em muitos casos as pessoas não mais controlam os recursos monetários, mas são por eles controlados como se fossem marionetes submetidas aos seus desejos mais íntimos.

Na questão de número 814 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec fez a seguinte pergunta ao Espírito da Verdade: Por que Deus a uns concedeu as riquezas e o poder, e a outros, a miséria? “Para experimentá-los de modos diferentes. Além disso, como sabeis, essas provas foram escolhidas pelos próprios Espíritos, que nelas, entretanto, sucumbem com frequência”.

Neste mundo marcado pelo poder e pela força da matéria, muitos indivíduos desprovidos de recursos financeiros se revoltam contra Deus, a maioria não se lembra que quando estavam no mundo espiritual, foram eles que escolheram a privação financeira como forma de conseguir êxito na nova encarnação. Tanto a prova da pobreza quanto a da riqueza são difíceis testes para o indivíduo. Enquanto a miséria pode provocar a revolta com a Providência Divina, a riqueza incita aos excessos de toda ordem, o culto aos valores materiais e o afastamento das promessas feitas anteriormente.

Dispondo de maiores recursos financeiros e meios para fazer o Bem, o rico não o fazendo, torna se egoísta, orgulhoso e insaciável, acumulando dívidas no retorno ao mundo espiritual. Deus experimenta o pobre pela resignação, quando este se rebela passa a acumular mais desequilíbrios espirituais. O rico é experimentado pelo emprego que dá aos seus bens e ao seu poder econômico e financeiro. Pelas facilidades que a riqueza e o poder proporcionam ao ser humano, muito espinhosa torna-se esta prova, pois normalmente incita-o em apegar se à matéria e o afasta da perfeição espiritual.

Muitos pobres não acreditam ou não o querem fazer, mas a prova da riqueza é mais difícil de ser superada com êxito do que a prova da privação. Entre os extremos da riqueza e da miséria, a grande maioria das criaturas transita nas reencarnações terrenas em estágios intermediários, sempre com vistas ao seu progresso espiritual.

Muitas famílias que acumularam grandes fortunas no decurso do tempo, com propriedades e recursos financeiros e monetários que garantiria a todos os seus membros viveram em ótimas condições durante muitas existências, tem sua fortuna degradada em poucos anos, quando vivenciam esta situação sempre encontram culpados, as gerações mais novas que depredaram o patrimônio, a má gestão dos administradores de plantão, as crises econômicas, as novas transformações na lógica produtiva da economia internacional, dentre outras desculpas para o disparate. A Doutrina dos Espíritos nos mostra, com clareza e determinação, que muitas destas fortunas e riquezas acumuladas somente o foram através de espoliação, exploração e violência, muitos patrimônios gigantescos foram se degradando em curto período de tempo, levando os herdeiros a insolvência e a revolta generalizada.

Seja qual for, portanto, as nossas possibilidades materiais, saibamos usufruir corretamente dos bens que o Senhor nos concede, na certeza de que a desigualdade das riquezas visa acima de tudo, ao nosso aprendizado espiritual e a exemplificação cristã. Se utilizarmos bem de tudo que nos é concedido, se tivermos temperança e responsabilidade com nossas posses, se compreendermos que tudo que existe na natureza e na sociedade cotidiana pertence a um Deus maior, misericordiosamente justo e bom, entenderemos que só nos pertence aquilo que nós conseguirmos acumular dentro de nossos corações e mentes, nossos sentimentos, nossos conhecimentos, nossos valores morais e éticos e nossos exemplos edificantes de vida. Os recursos monetários e financeiros são importantes e não devemos negar sua relevância, são instrumentos fundamentais para nosso progresso, mas devem ser vistos sempre como meios para que atinjamos o progresso de forma mais consistente e nunca deve ser visto como um fim em si mesmo, quando o enxergamos assim, estamos nos desvirtuando dos verdadeiros valores da vida, muito bem exemplificados pelo Mestre de Nazaré.

Na história da humanidade, quando impérios desmoronaram por completo, quantas dinastias foram dizimadas e quantos conglomerados foram a falência, nestes casos encontramos muitas situações em comum, muitos destes empreendimentos foram construídos através de degradação, de corrupção generalizada e de uma exploração colossal, gerando dramas, lágrimas e dores que culminaram em ressentimentos, mágoas e, no pior dos casos perseguições espirituais. Famílias inteiras se transformaram em “vítimas” e foram perseguidas por espíritos revoltados que se sentiram traídos, humilhados, explorados ou roubados materialmente e em sua mais íntima dignidade.

O dinheiro tem grande relevância na sociedade contemporânea, mas todos devemos nos precaver dos prazeres oriundos da posse excessiva das moedas, ela nos abre portas, nos traz facilidades e amores ilusórios, comprometendo nossos valores mais íntimos e pessoais. Além disso, num mundo marcado pela força do capital, o poder nos é dado de forma direta, com este em mãos muitos podem se deixar corromper ou degradar suas formas de pensar, levando-o a impor aos outros seus pensamentos e transformando estes indivíduos em verdadeiros ditadores, seres desprezíveis e autoritários, que se utilizam de seu poder para impor suas ideias e pensamentos, degradando a democracia. Estes irmãos ao chegarem no mundo dos espíritos depois de seus desencarnes, tendem a se arrepender de suas escolhas equivocadas e imediatistas, suas lembranças serão fortes e estarão vivas na mente e no espírito, se materializando em lágrimas, cobranças e num remorso intenso e degradante, levando o espírito ao desequilíbrio.

As leis de Deus são eternas e verdadeiras, estamos encarnados no melhor local para nossa evolução, nascemos na família correta e com as características e habilidades necessárias para nosso crescimento espiritual, quando nos rebelamos diante das dificuldades da vida e bradamos contra a justiça divina estamos cometendo um sério equívoco. Superar as adversidades e construir um futuro melhor é fundamental para nosso crescimento espiritual, tendo a consciência de que Deus está sempre conosco, nós é que, na maioria das vezes, nos equivocamos e escolhemos atalhos que nos causam constrangimentos futuros, muitos destes constrangimentos nos acompanham durante muitos anos ou séculos, gerando dores violentas, mágoas intensas e severos ressentimentos.

A riqueza e a pobreza que vivemos no mundo material deve ser encarada como uma etapa para nossa evolução, neste momento estamos sendo chamados pela justiça divina para prestar um testemunho individual, onde tomamos consciência de nossas quedas e pavimentamos um caminho mais seguro e consistente. Muitos irmãos dotados de grandes habilidades intelectuais e posses materiais viveram apenas buscando prazeres materiais, deixaram que seus talentos trouxessem benefícios apenas para si e deixaram de lado os irmãos sofredores e desamparados, distorceram os ideais de auxílio e crescimento conjunto e transformaram suas vidas em um eterno acumular recursos monetários, prazeres materiais e gozos sexuais, num mundo marcado pela pobreza moral e pela indigência espiritual.

Muitos destes irmãos retornaram à matéria em situações degradantes, alguns em regiões pobres e miseráveis, outros sem a capacidade intelectual que anteriormente os caracterizavam, tiveram encarnações de expiação e quando desencarnaram foram socorridos pelos bons espíritos e voltaram para o mundo espiritual de uma forma mais consciente, estes evoluíram e estão em franco progresso espiritual, enquanto outros sucumbiram ao desânimo e a desesperança, se revoltaram contra as leis divinas e postergaram seu progresso espiritual.

Num mundo centrado nas aparências materiais, a prova da riqueza nos parece mais interessante, ter recursos financeiros pode apresentar vantagens aparentes e atrair inúmeras entidades, mas ao mesmo tempo, pode nos afastar dos verdadeiros ideais da espiritualidade maior e comprometer ainda mais nossa realidade espiritual. Entendamos verdadeiramente os pressupostos da vida e compreendamos que, onde estivermos, devemos valorizar as coisas simples e verdadeiras da vida, muitos cultivam falas sofisticadas e passam a impressão de grandes conhecimentos, aparentemente tudo nos parece perfeito, mas internamente somos ainda muito pequenos e precisamos labutar muito em busca dos verdadeiros ideais da vida, nesta caminhada, a Doutrina Espírita pode nos auxiliar muito mais do que imaginamos, que iniciemos nossa jornada.

Ironias do pinochetismo brasileiro, por Roberto Simon

0

Novo culto a Pinochet revela mais do que ignorância histórica – FSP – 23/11/2019

Depois de “o nazismo foi de esquerda”, a nova temporada na série de falsificações históricas do bolsonarismo tem o ditador chileno Augusto Pinochet como herói principal. O pinochetismo é outra ideologia que, depois de bem velhinha, veio morar no Brasil: a direita chilena hoje no poder, a começar pelo próprio presidente Sebastian Piñera tenta ao máximo se afastar do pesadelo dos anos Pinochet.

Não por acaso, quando Jair Bolsonaro atacou o pai da ex-presidente Michelle Bachelet, torturado e assassinado pela ditadura chilena, Piñera — recém chegado de Brasília, no auge da crise dos incêndios na Amazônia — foi forçado a ir à TV se distanciar do aliado brasileiro.

A ironia maior é que Pinochet representa a antítese de vários valores que o bolsonarismo diz representar.

Aos lavajatistas roxos, por exemplo, vale lembrar que Pinochet foi talvez o líder mais corrupto da história do Chile. Quem descobriu isso não foi Cuba, mas o Senado e o Departamento de Justiça dos EUA —o mesmo que ajudou o Ministério Público brasileiro a derrubar o cartel das empreiteiras, na era petista.

Quando os EUA apertaram o cerco contra lavagem de dinheiro, no pós-11 de setembro, encontraram milhões de dólares de Pinochet em um arquipélago global de contas secretas e offshores. A investigação acabou por destruir o Riggs Bank, de Washington, que ajudava o ditador a esconder a fortuna.

Aos saudosistas do regime militar brasileiro: seis meses após o golpe no Chile, Pinochet já havia se tornado uma figura tão tóxica que o novo presidente Ernesto Geisel, por meio do Itamaraty, pediu explicitamente que não viesse à sua posse, em Brasília. Ele veio mesmo assim, mas Geisel recusou convites insistentes para uma visita oficial ao Chile.

As repressões chilena e brasileira colaborariam —agentes da Dina, a polícia secreta chilena, chegaram a ser treinados no Brasil—, mas o país terminaria por boicotar os planos mais ambiciosos de Pinochet, sobretudo na Operação Condor.

Trumpistas brasileiros talvez se esqueceram de que Pinochet ordenou um atentado terrorista no coração de Washington, com o carro-bomba que matou o ex-ministro Orlando Letelier e dois cidadãos americanos. Aliás, Ronald Reagan, herói conservador, tinha péssimas relações com o ditador.

Os EUA ajudaram a destruir a democracia chilena, em 1973, mas também pressionaram pela saída de Pinochet, em 1990.

Quem defende pena de morte a traficante faria bem em saber que a Dina, sob ordens de Pinochet, tornou-se um cartel da cocaína aliado aos narcos colombianos. Segundo o chefe da agência, Manuel Contreras, uma de suas inovações foi a chamada “coca negra”, supostamente à prova de cães farejadores.

Chicago Boys (ou “Olders”) deveriam ver a nova literatura sobre história econômica do Chile. Resumo: Salvador Allende destruiu o país, mas o chamado “milagre chileno” é um mito e, sob a democracia, o Chile cresceu muito mais e acelerou a melhora de todos os indicadores sociais. Claro, isso foi possível porque a esquerda incorporou parte da agenda da direita —mas, pelas últimas notícias de Santiago, os custos desse programa foram gravemente subestimados.

E, mais ainda, como pode alguém que diz defender valores judaico-cristãos, a família e a castidade adular um regime que perseguiu líderes religiosos, desapareceu crianças e usou o estupro como arma?

Talvez o pinochetismo tupiniquim seja fruto da ignorância histórica, da política feita de memes e gritaria online —e espero que as informações acima tragam alguma luz. Mais provável, porém, é que Pinochet esteja sendo celebrado no Brasil de hoje justamente pelo que, de fato, foi: um assalto à democracia, ao Estado de direito, às liberdades e à condição humana.

Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.

A terra treme, por Mário Sérgio Conti

0

Do Chile à Argélia, a rebelião se espalha; e Bolsonaro se arma – FSP 23/11/2019

É tanta revolta que, para não esquecer nenhuma, é bom botá-las em ordem alfabética. Em um mês, houve rebeliões na Argélia, Catalunha, Chile, Colômbia, Equador, Haiti, Hong Kong, Irã, Iraque e Líbano. Milhões e milhões de pessoas querem mudar de vida. Agora, e não depois.

Diferentes entre si, os motins têm traços insurrecionais pela duração (desde fevereiro, Argel fecha para protestos às sextas-feiras), pela abrangência (em Santiago, mais de um milhão de pessoas participaram de uma passeata) e pela coragem (centenas de mortos em Teerã e Bagdá).

Na regra, os levantes começaram com demandas particulares que logo se alastraram. Secundaristas pularam catracas do metrô para se insurgir contra o aumento das passagens —e em dez dias uma greve geral parou o Chile.

O governo libanês quis impor uma taxa para mensagens de WhatsApp — e 12 dias depois o primeiro ministro se demitiu. O reajuste da gasolina desencadeou quebra-quebras em Quito. A corrupção alimentou convulsões em Bagdá e Teerã.

As reivindicações foram atendidas e as praças não se aquietaram. A China voltou atrás na intenção de querer que o Partido Comunista julgasse os dissidentes de Hong Kong. Mas, como quando da renúncia do presidente argelino, a contestação só fez aumentar.

Com o quebra-quebra, governo chileno teve que convocar plebiscito sobre constituinte. No Líbano, a palavra de ordem passou a ser a unidade nacional, acima das divisões religiosas. O separatismo ganhou força na Catalunha e em Hong Kong.

É preciso aguardar os desdobramentos para avaliar a insurgência. Dá para dizer, contudo, que ela lembra as revoluções europeias de 1848 e tem algo da explosão do stalinismo, em 1989-1991. Parece um segundo momento da Primavera Árabe de 2011, só que agora em vários cantos do globo.

Embora o seu alcance geográfico seja muito maior, as explosões não pegaram em cheio os países centrais. Mas, também neles, algo fermenta: coletes amarelos na França; passeatas pró e contra o brexit na Inglaterra; a greve da GM nos Estados Unidos.

O que fermenta é a insatisfação com a política apodrecida. Com o status quo criado pela economia neoliberal. Com a ordem mundial sino-americana. Com a espoliação de milhões por um punhado de bilionários. O combustível da turbulência é a desigualdade social.

As multidões sabem o que repudiam. Mas apenas intuem o que querem: justiça, democracia, igualdade.

Os poderes constituídos têm horror a isso. Sua reação automática foi cair de pau na plebe rude.

A teocracia tirou a internet do ar no Irã e, segundo a Anistia Internacional, matou mais de cem. O exército encarcerou dezenas de dissidentes na Argélia, a começar pela médica Louisa Hanoune. A polícia chilena atirou na cabecinha e cegou dezenas de insatisfeitos.

As multidões cantam seus mutilados e mártires. E os bens de vida zelam para que os pés-rapados não se aposentem nunca, os desempregados sejam taxados e o agronegócio queime a Amazônia: é cultural, tá oquei?

Bolsonaro vem se armando para enfrentar eventuais revoltas. Pôs 2.500 militares em ministérios e cargos de chefia (Folha de 14/10). Moro quase dobrou o contingente verde-oliva no Ministério da Justiça; e toda a milicada trabalha fardada às quartas-feiras.

Agora, o presidente mandou ao Congresso um projeto de lei que isenta de punições policiais e militares que, em defesa da lei e da ordem, “cometem excessos”. Na prática, inocenta previamente soldados e meganhas que cegarem, aleijarem ou matarem quem protestar contra Bolsonaro.

Por fim, lançou a Aliança pelo Brasil. Seu manifesto de fundação fala em “ordem nova”, “degeneração moral” e de “livrar o país dos larápios, dos espertos, dos demagogos e dos traidores”. É explícito: não usa nunca a palavra democracia.

A Aliança não precisa disputar as próximas eleições, como admitiu. Seu objetivo implícito é juntar a banda podre das polícias, do Exército, das seitas, das milícias e de toda a corja lúmpen numa organização de combate — de luta ideológica e física, nas ruas.

Enquanto os bem-pensantes batem papo sobre 2022, e avaliam as chances de Huck e Haddad, Bolsonaro se prepara. Tem o apoio de empresários e de Guedes, de moralistas e de Moro, de generais e de Villas Bôas, de pastores e do bispo Macedo, do “império” e de Trump.

Continuará a provocar arruaças, a destruir direitos e a solapar as liberdades públicas. Se a revolta vier e tiver condições, Bolsonaro posará de salvador da pátria, de Bonaparte. Tentará um golpe.

Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de “Notícias do Planalto”.

A cegueira espiritual do homem contemporâneo

0

             Os indivíduos vivem em constantes conflitos na sociedade contemporânea, estes conflitos são das mais variadas origens, de um lado percebemos desajustes internos, medos, traumas e desesperanças e, de outro, os desajustes externos, desemprego e pouca empregabilidade, relacionamentos fracassados, religiões materializadas e violências generalizadas, neste momento os seres humanos se encontram cegos, a cegueira humana impede e dificulta que os indivíduos enxerguem melhor as verdades e os valores mais sólidos da vida.

Numa sociedade que premia e valoriza os valores materiais, os indivíduos buscam de todas as formas aumentar seus recursos financeiros, se sujeitando aos mais variados trabalhos e atividades cotidianas, deixam sua ética de lado e adotam valores flexíveis, aceitando tarefas pouco éticas desde que a remuneração seja atraente e lhes garanta ganhos consideráveis, o poder material está criando uma nova sociedade, nesta os indivíduos poucos se preocupam com os valores espirituais e, sem eles, acabam vitimado pelas dores mais agressivas da alma humana, a depressão, a ansiedade, os transtornos mentais e, no limite, o suicídio, que na atualidade aumenta de forma acelerada, gerando rastros de rancores e ressentimentos.

A Doutrina Espírita, como a Terceira Revelação, vem com o intuito de nos mostrar a amplitude da vida e de nossas relações sociais e espirituais, segundo esta doutrina iluminadora, todos vivemos juntos e compartilhamos os mesmos locais, teorias que a física quântica vem nos mostrando com detalhes maiores. Nesta convivência, encontramos encarnados e desencarnados vivendo e sobrevivendo lado a lado, neste conviver passamos a compreender as realidades mais significativas da vida, que nos auxiliam na compreensão do mundo, abrindo nossos olhos e nos angariando instrumentos teóricos para nosso crescimento espiritual cotidiano.

A Doutrina Espírita acabou com a morte, um dos maiores medos e tabus da humanidade, mostrando-nos que a separação é temporária e bastante subjetiva, afinal nos encontramos próximos uns dos outros e nos reencontraremos lado a lado em algum momento de nossa caminhada, tomara que este encontro seja num local iluminado de paz e de progresso, onde possamos receber energias e sentimentos melhores, mais saudáveis e consistentes, onde possamos compreender melhor nossas potencialidades e nossas limitações, trabalhando estes últimos no intuito de angariar um crescimento mais sólido, auxiliando nosso progresso espiritual.

O grande escritor português José Saramago, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1998, tem uma frase bastante interessante e ilustrativa, segundo o escritor português:  “A pior cegueira é a mental, que faz que não reconheçamos o que temos a frente”. A frase nos mostra claramente que somos cegos para muitas realidades da vida, mas quando nos cegamos mentalmente para os novos conhecimentos e para as novas descobertas da ciência, deixamos de compreender melhor os significados da vida, muitas vezes perpetuando nossos desequilíbrios. Muitos são os motivos que nos levam a manter nossa mente fechada, dentre eles podemos destacar o comodismo, a ignorância e a falta de conhecimentos, os medos de descobertas, dentre outros, variando de indivíduo para indivíduo.

Quantas pessoas vivem em uma grande redoma, onde se escondem de outras pessoas, se fecham e temem relacionamentos afetivos e sentimentais, se tornando indivíduos frios e calculistas e passam a olhar os indivíduos como verdadeiros adversários ou inimigos, se escondendo e se limitando a relacionamentos superficiais e transitórios. Neste cenário, estes indivíduos se cegam com relação as realidades da vida, vivem em um verdadeiro EU S/A, mergulhando em uma cegueira que os impossibilita de compreender suas dores mais íntimas, levando para outras experiências físicas, desequilíbrios maiores, medos e desesperanças crescentes.

Na Bíblia encontramos algumas histórias referentes a cegueira, num dos episódios conhecidos como o cego de Jericó e outro descrito como o cego de nascença, dois momentos que Jesus nos mostra sua superioridade moral, seus valores mais caros e sua importância para a transformação que todos os indivíduos, nos dois episódios as falas do Mestre de Nazaré estimulam os indivíduos a compreenderem seus respectivos potenciais, afinal a cura e a obstinação estavam nas mãos de cada um, desde que compreendessem suas potencialidades.

Somos cegos espirituais, algumas pessoas enxergam muitas das realidades da vida material, conhecem várias culturas e acumularam grande conhecimento, mas, ao mesmo tempo, desconhecem valores e sentimentos dos mais intensos, desconhecem sua realidade espiritual, se debruçam no trabalho material e percebem nele a satisfação de suas necessidades, o responsável por seus recursos monetários e desconhecem os valores do espírito. Mergulham no trabalho material, ficam horas e mais horas em seu emprego, deixando de lado corações sensíveis, postergando a compreensão dos mais consistentes valores da vida, a nossa miséria espiritual incrementa e eterniza sofrimentos que trazemos de outras oportunidades e vivências.

No livro Memórias de um suicida, de Yvonne do Amaral Pereira, conhecemos a história de Camilo Cândido Botelho, cuja cegueira material, originada de um tresloucado suicídio o auxiliou na descoberta de uma outra realidade desconhecida, a cegueira física lhe abriu caminho para compreender realidades que até então eram por eles desconhecidas. A cegueira espiritual, como nos mostra a obra, era intensa em todos aqueles que, como Camilo, eram conhecidos como intelectuais e conhecedores de ciência e da racionalidade, mas na verdade, eram cegos sobre as mais importantes da realidade, a realidade da vida.

A cegueira física é uma das maiores dificuldades e desafios pelas quais um indivíduo pode passar, sua incapacidade de enxergar pelas vias físicas o leva a desenvolver outras habilidades para construir sua sobrevivência cotidiana, uma limitação o leva a evoluir espiritualmente, contribuindo imensamente para o desenvolvimento do espírito, dando-lhe suportes muitas vezes inimagináveis para pessoas que apresentam seu aparelho visual considerado normal, nestes casos percebemos a superação do indivíduo, seu crescimento e seu desenvolvimento.

Como nos diz Divaldo Pereira Franco no livro Ilumina-te, ditado pelo espírito Joanna de Angelis, “a cegueira física é uma dificuldade pessoal dentro do esquema da Lei de Causa e Efeito, constituindo um drama interior doloroso, facultando a alguns Espíritos resignados a conquista da iluminação pessoal, não se lhe tornando, de forma alguma, razão de desgraça ou de infelicidade. Antes, pelo contrário, não são poucos aqueles que conseguem superá-la, trabalhando eficazmente em benefício próprio graças aos inestimáveis serviços que realiza”. Na obra, o autor destaca a figura extraordinária da americana Hellen Keller, que se tornou uma verdadeira missionária do bem, da sabedoria e do amor, embora os limites da visão, da audição e da fala.

Muitos indivíduos considerados normais, detentoras de uma ampla capacidade de enxergar os movimentos humanos, as cores e os objetos, podem ser descritos como cegos de realidades imateriais. Muitas destas pessoas vivem a reclamar, invejando a vida de outras pessoas, lastimando por dificuldades passageiras e colocando a culpa de suas desditas em terceiros, estes sim são os verdadeiros culpados pelos seus desequilíbrios e por suas quedas, com estas atitudes estão se condenando a viver uma vida medíocre, sem progresso intelectual, elevação espiritual e com graves sequelas éticas e morais.

A Doutrina dos Espíritos insiste em mostrar para os indivíduos uma realidade diferente, nos mostra a reencarnação como instrumento para compreender a justiça de Deus, nos mostra a inexistência da morte, a pluralidade das existências e nos ensina que não existe vítima, somos todos culpados e muito culpados, nestas vivências nos deparamos com crimes e violências, matamos, roubamos e fomos desonestos, apanhamos e revidamos, xingamos e fomos xingados, agredimos e fomos asperamente agredidos e ainda, muitas vezes, nos colocamos como vítimas e nos acreditamos verdadeiros. Muitas pessoas nos indagam sobre o porque das dificuldades, perguntam quais os motivos das aflições e querem respostas imediatas, acreditando que estes questionamentos devem ser respondidos por outras pessoas e se esquecem que as vivências são nossas, as dores são nossas, o passado é uma herança individual e as respostas para nossas aflições estão no nosso íntimo e para encontrar estas respostas devemos mergulhar em nossos sentimentos e desejos e, com isso, descobriremos nossas desditas. Neste mergulho interior, devemos destacar, que vamos descobrir coisas ainda escondidas e vamos nos deparar com sequelas de nossos gestos, de nossos atos e de nossas atitudes, se somos difíceis de compreensão na atualidade, imagina como éramos a alguns séculos anteriormente.

A cegueira espiritual nos leva a deixar de lado o enxergar com o coração, visualizamos apenas o aparente, o transitório, a beleza externa e superficial, adoramos os prazeres do sexo e mergulhamos numa busca incansável pelo corpo mais sarado, pelo abdômen mais sequinho, mostramos nossa beleza física e deixamos que ele se torne o cartão de visita de nossa realidade existencial, acreditamos nos poderes da matéria, vivemos na busca por este prazer e acreditamos que, ao morrer, ficaremos esperando um momento onde seremos julgados pelos nossos atos e realizações, para que consigamos a salvação nutrimos alguma compaixão com nossos semelhantes, fazemos alguma caridade e doamos um pouco do que ganhamos para os mais necessitados, neste instante acreditamos que seremos salvos e vamos acordar num local parecido com um paraíso, ledo engano.

Como nos mostra a vasta literatura espírita, a morte não existe, estamos com uma veste física e quando nos despedirmos do mundo material, passamos a usar outra veste material, quando desencarnamos e acordamos passamos pelo primeiro julgamento, onde vamos acordar? A resposta para esta indagação nos mostrará o que somos na intimidade, o que cultivamos no interior, se riquezas sólidas e verdadeiras que as traçam não comem ou se valores materiais que se esvaem com o transitar da vida material para a do espírito. A coleção A vida no mundo espiritual, composta de treze obras, psicografia de Francisco Cândido Xavier e ditada pelo espírito de André Luiz, nos leva a um mergulho no mundo dos espíritos, nesta coleção os autores nos mostram realidades da existência humana, falando sobre obsessões, reencarnações, medos, traumas e alegrias, o conhecimento presente na literatura espírita é uma grande benção de Deus para que consigamos deixar nossa ignorância de lado e passemos a cultivar pensamentos, hábitos e vontades mais consistentes.

Encontramos muitos indivíduos na atualidade clamando por provas quando o assunto é a realidade espiritual da vida, são cegos espirituais que sentem prazer em negar tudo quanto não lhes convém aceitar, porquê, se assim procedessem, teriam que alterar completamente o comportamento moral, adotando novos métodos existenciais de comportamentos. Estão sempre em busca de provas, como se todas as demonstrações dos séculos, das pesquisas honestas de mulheres e homens de alta importância nas várias ciências, examinando cuidadosamente os fenômenos mediúnicos, de nada valessem.

Neste cenário encontramos muitos cegos guiando outros cegos, muitos se dizendo verdadeiros profetas e angariando um séquito de seguidores, antes na casa das dezenas, quem sabe centenas, hoje com as redes sociais encontramos milhões de seguidores, pessoas que pouco enxergam se colocam como os condutores, o resultado desta atrocidade é uma grande catástrofe que estamos mergulhados, precisam enxergar as realidades da vida para depois começarmos o auxilio para aqueles que não conseguem visualizar, mas para que consigamos enxergar precisamos ter a coragem de seguir Jesus e ter a humildade de compreender que éramos cegos e agora vemos…

Um balanço da economia brasileira nos tempos de Bolsonaro

0

Depois de quase 11 meses de governo Jair Messias Bolsonaro, muitos analistas se esforçam para fazer um balanço dos sucessos e dos fracassos deste governo na seara econômica. De um lado alguns comentaristas destacam as boas medidas econômicas, exaltando o governo e tentando mostrar que o país encontrou seu caminho e estamos iniciando um ciclo de forte crescimento econômico, para este grupo estamos iniciando num mini milagre na economia brasileira. De outro lado encontramos analistas detonando as medidas de cunho econômico, destacando a visão liberal deste governo e suas políticas a favor do mercado e contra a classe trabalhadora, num verdadeiro antagonismo cuja verdade nem sempre é apregoada como deveria, as crenças ideológicas, as vontades e os desejos se sobrepõem aos fatos na maioria das vezes.

Neste debate encontramos tantas rivalidades e intolerâncias que, muitas vezes, evitamos de participar mais ativamente em decorrência do fanatismo e da agressividade dos contendores, onde devemos destacar que esta intolerância não se restringe a um dos lados, ambos estão eivados de sentimentos de agressividade e buscam impor suas ideias e pensamentos, muitas vezes se utilizando de notícias falsas, as chamadas fake News, ou denegrindo aqueles que defendem teses e pensamentos diferentes, gerando confrontos que, em muitos momentos, descambam para violência física e agressividade verbal.

Analisando as ideias econômicos deste governo, podemos salientar que muitas delas são importantes e trarão benefícios para a sociedade, a desburocratização e a redução do papel do Estado na economia olham para o norte correto, estas medidas tendem a atacar alguns feudos que sempre se beneficiaram com a ineficiência do setor público, gerando dificuldades para vender facilidade, alimentando a corrupção e abrindo espaço para seus ganhos imediatos e elevados, extraindo da sociedade seus vultosos patrimônios financeiros e monetários.

O Estado tem um papel importante e fundamental na economia brasileira, muitas das conquistas só foram possíveis graças a atuação direta no planejamento, na regulação e nos investimentos em infraestrutura e no fomento industrial. Neste período nos tornamos uma das maiores economias do mundo, mas infelizmente nos fechamos e passamos a gerar graves constrangimentos internos, com benefícios a grupos organizados e pouca efetividade em políticas de inclusão, este Estado se tornou obeso, caro e ineficiente, mantê-lo assim importa pouco aos grupos mais fragilizados da sociedade.

Neste período algumas medidas foram propostas pelo atual governo, onde destacamos um amplo programa de desburocratização, onde foram reduzidos muitos processos e informatizados outros, dando maior celeridade as demandas da população e incrementando a produtividade do setor público e da economia de uma forma geral. As políticas desburocratizantes sempre estiveram na pauta dos governos anteriores, todos sabemos da necessidade desta desburocratização, a grande dificuldade da implementação destas medidas é a força política dos governos para aprovar estas propostas, sabendo que grupos que mais ganham são muito organizados e muito bem estruturados politicamente, num momento de perigo vão se unir para impugnar estas mudanças, pois sabem que serão fortemente afetados pelas medidas, como os funcionários públicos, os donos de cartórios, os advogados e escritórios que prestam estes tipos de serviços e ganham muito com esta burocracia exagerada que extrai recursos da população que busca estes serviços.

Nas discussões sobre desburocratização, que acreditamos ser bastante necessária, encontramos um viés muito voltado para os setores empresariais, muito para o mundo dos negócios e pouco para os trabalhadores, neste caso, percebemos um desequilíbrio em prol das forças do mercado que podem cobrar seu preço num dos momentos futuros. Os empresários acreditam que a liberalização beneficia os trabalhadores, que terão mais empregos, isto nem sempre acontecem e se acontecer, o que percebemos, é a criação de empregos degradados, com cargas de trabalho elevadas e ganhos reduzidos. Na medida provisória conhecida como Liberdade Econômica encontramos propostas de trabalho nos finais de semana e nos feriados, reduzindo com isso, o poder dos acordos coletivos e dos sindicatos, fragilizando os trabalhadores e aumentando a precarização no mercado de trabalho. Recentemente alguns tribunais chancelaram estas medidas criando uma jurisprudência perigosa para a sociedade. Reclamamos da fragilidade e da desagregação das famílias, mas adotamos e estimulamos a implementação de medidas que aumentam a carga horária de trabalho, degrada as condições dos trabalhadores e depois nos perguntamos: o que está acontecendo com as famílias brasileiras? Na verdade, foram degradadas pelas forças de um capitalismo selvagem, que mata o trabalhador e degrada seus rendimentos, mas ao mesmo tempo consegue produzir mais a preços reduzidos, gerando um desequilíbrio estrutural que já nos foi contado no século XIX, todos sabemos dele, mas continuamos a ignorar de forma veemente.

O viés pró mercado deste governo pode agradar a muitos empresários e banqueiros que querem extrair lucros e ganhos ascendentes na sociedade, mas estas medidas desequilibram as forças de poder e criam condições para problemas futuros, como estamos encontrando em outros locais da sociedade internacional, um exemplo mais próximo está em nosso vizinho, o Chile, mas outros países apresentam situação parecida, como Bolívia, Hong Kong, dentre outros. No momento em que escrevemos este texto, encontramos nos jornais informações de que as manifestações chegaram a Colômbia, onde a população se anima e sai as ruas com reivindicações variadas. O Chile sempre foi visto por muitos como um exemplo de políticas liberais, marcadas pela meritocracia e pelo reconhecimento dos esforços individuais, neste país encontramos todos os serviços públicos privatizados e transferidos para a iniciativa privada, famílias endividadas e jovens sem perspectivas, consequência de uma política que olha apenas para a oferta e deixa de lado a demanda, o poder aquisitivo e as perspectivas de trabalho dignos e decentes para seus trabalhadores, vistos como consumidores e não mais como cidadãos.

Uma proposta que surgiu recentemente e gerou grandes críticas foi a Medida Provisória do Contrato Verde e Amarelo, conhecida como uma mini reforma Trabalhista, nela o governo reduz a tributação para as empresas que contratarem jovens de 18 a 29 anos em primeiro emprego. A queda na arrecadação será bancada pela cobrança da contribuição previdenciária de quem recebe seguro desemprego, esta cobrança gerou graves constrangimentos para o governo, que sofreu duras críticas da oposição e dos especialistas.

As privatizações se transformaram em uma grande celeuma, sobre este tema encontramos divergências imensas, de um lado o governo propõe uma desestatização geral de empresas públicas, onde foram listadas mais de 600 empresas estatais ou com participação do Estado. Pelas propagandas do governo, a venda destas empresas liberaria bilhões de reais para a redução da dívida pública, com isso, as taxas de juros se reduziriam de forma mais consistente e sobrariam recursos para os investimentos em melhorias na infraestrutura física e em questões sociais, tais como educação, saúde e segurança pública, setores muito mal avaliados pelos governos brasileiros de uma forma geral. De outro lado encontramos grupos políticos que se opõem muito fortemente as privatizações, acreditam que muitas destas empresas são estratégicas para o país e sua venda só interessaria para os donos do capital e para os grandes oligopólios internacionais que, quando adquirirem estas empresas, terão papel significativo nas decisões estratégicas do país, que perderá a autonomia e a soberania sobre seu sistema produtivo.

Nesta discussão, percebemos um forte teor ideológico, vender empresas estatais e abrir espaço para o capital privado deve ser visto como uma estratégia de fortalecimento do capitalismo nacional, mas faz-se importante entendermos quais são as empresas que serão repassadas aos grupos privados e quanto será arrecadado com esta alienação? Outro ponto que deve ser pensado é como o Estado Nacional conseguirá regular estes setores que forem repassados a iniciativa privada, mantendo seu poder e ainda garantindo espaços de lucratividade e o interesse dos conglomerados estrangeiros.

Se temos mais de 600 empresas estatais ou participação em empresas estatais, precisamos analisar os ganhos que estas empresas estão trazendo ao setor público, será que a manutenção destes conglomerados está gerando os retornos necessários que a sociedade almeja? Para responder estas indagações, faz-se necessário aumentar as pesquisas científicas, feitas pelos institutos vinculados aos governos e órgãos privados e analisar os retornos que estas empresas estão trazendo para a coletividade. Se o saldo for positivo estas empresas devem ser fortalecidas e estruturadas para que se reduzam as influências políticas perniciosas que tantos constrangimentos trouxeram ao capitalismo nacional. Nesta discussão, os debates que estão sendo levantados pelo governo são saudáveis, pena que os grupos estão indo para o debate defendendo ideias e teorias antigas e ultrapassadas, as privatizações devem acontecer e não devem mais ser postergadas mas cabe a sociedade encontrar um caminho mais consistente para que consigamos encontrar os horizontes do progresso e do desenvolvimento inclusive que beneficie a todos e não um crescimento que gerava benesses para poucos grupos sociais organizados e estruturados.

O governo está propondo medidas liberais, muitas delas fazem sentido e visam dar uma maior eficiência para a estrutura produtiva, estas propostas movimentarão muito a sociedade e trarão impactos gigantescos, mas devem ser debatidos de forma democrática e inclusiva. O apoio incondicional as medidas privatizantes tiram o espaço para as discussões críticas e intensificam a intolerância, podendo levar os debates a confrontos mais do que verbais, podendo gerar conflitos físicos e intransigências. O modelo que embalou a sociedade brasileira nos últimos séculos está sendo reformado de uma forma bastante estrutural, de um modelo centrado nos recursos governamentais e na solidariedade entre classes e grupos sociais (embora controversos), está sendo todo transformado e o que está sendo colocado no lugar apresenta muitos pontos críticos que podem gerar graves desequilíbrios na sociedade brasileira, deixando grupos mais expostos e fragilizados socialmente.

Reduzir o tamanho e o papel do Estado na sociedade é algo difícil na sociedade brasileira, mas estamos num momento único para fazer esta redução, a crise econômica e as deficiências fiscais estão levando os governos a encampar propostas mais ousadas, muitas são necessários mas devemos ficar atentos, porque até o momento as medidas impactam muito mais rapidamente sobre os grupos mais vulneráveis da sociedade e, como estamos vendo, nada de medidas mais agressivas que impactem diretamente sobre os grandes grupos econômicos. A reforma mais importante aventada pelo governo é a reforma tributária, reverter o modelo injusto e concentrador de benesses para os grupos mais abastados deve ser um dos nortes mais importantes a serem adotados pelos governos, sem uma reforma tributária que deixe de lado os indicadores degradantes que sempre nos caracterizou, dificilmente vamos conseguir superar nosso subdesenvolvimento.

Com o pacote trazido a público recentemente, o governo traz uma discussão nova e bastante polêmica, envolvendo o chamado pacto federativo, com a proposta de acabar com cidades menores de cinco mil habitantes que geram menos de 10% dos recursos utilizados para cumprir com suas despesas. Por esta proposta, o governo angariou muitos desafetos, prefeitos e vereadores destes municípios, além de funcionários de órgãos públicos que viram nesta medida uma ameaça a seus empregos e a seus rendimentos futuros. No Brasil temos mais de 5,5 mil municípios, destes mais de 1,2 mil se encaixam na situação citada acima, com isso, correm sérios riscos de perder o status de municípios. Embora a medida possa ser vista como polêmica por muitos cidadãos, este assunto deve ser discutido mais intimamente pela sociedade, muitas destas cidades não conseguem sobreviver sem a ajuda dos governos estadual e federal, com isso, muitas delas deveriam voltar a condição de distritos e seus recursos deveriam ser investidos na melhora dos serviços públicos, na desburocratização e nas questões sociais, como educação, saúde e segurança pública.

A aprovação da reforma da previdência deve ser vista como algo positivo, a sociedade e os agentes econômicos comemoraram de forma efusiva, se adentrarmos numa discussão mais efetiva sobre o tema, devemos destacar que sua aprovação está mais relacionada aos esforços do poder legislativo do que ao empenho do Executivo, que ainda permanece muito frágil na composição e na articulação política, tendo grandes dificuldades para aprovar seus projetos, o que pode comprometer a governabilidade no médio prazo e enviar aos agentes econômicos uma péssima imagem do governo, comprometendo projetos importantes num futuro próximo. Os avanços desta reforma mostraram para a sociedade que estamos em condições de fazer uma discussão mais consistente sobre temas econômicos complexos, deixando de lado medidas salvacionistas e colocando discussões sérias na mesa de debate, convocando os grupos envolvidos e construindo consensos para a melhora dos indicadores econômicos.

Os grupos de esquerda atuam como atuaram no governo Fernando Henrique Cardoso (1995/2002), sendo implacáveis com as propostas trazidas pelo governante, se fossem propostas pelo presidente eram medidas neoliberais e que serviam apenas para beneficiar os banqueiros e os donos do dinheiro, prejudicando os trabalhadores e as classes menos abastadas. Mas para a alegria do governo Bolsonaro e seus apoiadores, neste momento as esquerdas não possuem o mesmo poder que já tiveram nos anos 90, com isso, o governo se mostra muito pouco eficiente e consegue bater cabeça todos os dias, sem articulação política e marcado por falas preconceituosas, postagens agressivas e comentários chulos e degradantes. As medidas liberais estão sendo propostas e sendo levadas a frente, alegrando os donos do dinheiro e gerando perspectivas incertas no futuro, neste momento, percebemos que a elite econômica brasileira deixou de lado valores mais civilizatórios para apoiar grupos políticos de direita que conseguissem entregar as reformas liberalizantes em curso. Na verdade, como dizia Nicolau Maquiavel, os fins justificam os meios.

Sem oposição organizada, os governistas conseguem, eles mesmos, dificultar a condução do governo, no meio ambiente encontramos medidas que aumentaram a devastação, os órgãos de pesquisas foram desacreditados pelo governo, as organizações não governamentais (ONGs) foram colocadas como responsáveis pelos nossos equívocos anteriores e vistas como inimigas e aproveitadoras. Com isso, mostramos ao mundo que não temos projeto algum para o meio ambiente, assim como para outras áreas, tais como a educação e os direitos humanos, estamos realmente numa nau sem rumo governada por lunáticos que se dizem conservadores nos costumes e liberais na economia.

Na Educação, percebemos um movimento preocupante, propostas oriundas do Ministério da Educação propõem que as faculdades privadas, elas mesmas se regulamentem, ou seja, o MEC deixa que as próprias faculdades criem instrumentos de regulação. Este movimento nos preocupa, se nossos indicadores estão defasados e as desigualdades crescem de forma acelerada, imaginem se, a partir de agora, as próprias instituições educacionais forem as responsáveis pelas regras e pelas regulações de seus mercados?

Um balanço do governo Bolsonaro me parece muito prematuro, muitas de suas políticas econômicas foram implementadas no governo anterior, de Michel Temer, e estão trazendo frutos no momento atual, dentre as propostas em curso, acreditamos que muitas delas são interessantes e só seriam implementadas por governos com perfis mais liberais, coisa não imaginada nos governos petistas, como as privatizações, concessões, redução do papel do Estado e desregulamentações. Neste balanço, o que mais me preocupa é que, quando os investidores apoiam e aplaudem com veemência, os resultados não demoram muito a chegar, num boom inicial de crescimento seguido por momentos de estagnação e crise econômica, onde reforçamos nossos mais tenebrosos estigmas de colônia dependente e periférica, que Deus tenha piedade deste país.