Os Estados Nacionais frente ao poder das grandes corporações globais

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A economia internacional vem passando por transformações das mais intensas nas últimas décadas, com elas estamos percebendo um fortalecimento do poder das grandes corporações globais e uma redução considerável da força dos Estados Nacionais, criando conflitos intensos entre os mercados e a democracia, fragilizando os governos e colocando em risco todo o sistema político institucional.

Nos anos recentes, os intelectuais, os jornalistas e os teóricos da ciência política estão levantando dúvidas referentes aos rumos que a democracia vem tomando nas mais variadas regiões do mundo, gerando grandes inquietações, medos e inseguranças na sociedade e levando ao acirramento dos ânimos entre grupos políticos e interesses econômicos, levando muitos setores a refletir sobre o enfraquecimento dos modelos de democracia vigentes.

Nesta crise ou dificuldade da democracia, percebemos que os Estados Nacionais estão perdendo espaço e estão vendo seu poder ser solapado pelo crescimento de outros setores econômicos e outras forças sociais novas e cuja força ainda é pouco compreendida pela sociedade, como as redes sociais que crescem e ganham espaço na sociedade global.

Se antigamente os Estados eram os grandes orquestradores das estratégias globais e das políticas de desenvolvimento, na atualidade as empresas, ou melhor, os grandes conglomerados econômicos estão ganhando espaços e poderes dentro do sistema econômico e produtivo, suplantando os Estados e definindo as regras de consumo, de produção e de acumulação, tornando-se o grande agente da organização social.

No pós-segunda guerra mundial, os Estados Nacionais eram os grandes atores das políticas e da estratégia de desenvolvimento, foram estes que construíram as regras e a institucionalidade, estimularam a expansão das empresas nacionais criando as chamadas multinacionais, foram deles também a estruturação das regras e dos comportamentos dos setores produtivos, organizando os trabalhadores e os sindicatos e disciplinando a atuação das empresas internacionais, criando acordos, parcerias e tratados entre países e regiões.

Este poder perdurou durante muitas décadas, colocando estes Estados em um papel central na coletividade, utilizando das políticas públicas para estimular, desenvolver e organizar as estruturas sociais, flexibilizando políticas econômicas em momentos de crise e expandindo políticas sociais em momentos de desequilíbrios entre os grupos sociais e políticos.

Com a ascensão dos atores privados, estimulados pelos Estados Nacionais, principalmente o norte-americano, as empresas iniciam um processo de expansão constante na economia internacional, levando para as outras regiões do mundo seus produtos, bens e mercadorias, além de disseminar o modelo de produção dominante, a língua, a moeda, as instituições, os gostos e os costumes, criando uma nova hegemonia no cenário internacional.

As primeiras grandes empresas, as chamadas multinacionais, são oriundas dos Estados Unidos, depois começam a surgir empresas da Europa, principalmente Alemanha, logo após surgem as grandes empresas japonesas e colocam as empresas asiáticas no radar, sendo seguidas pelas sul-coreanas e, na atualidade as chinesas e as empresas indianas.

Com a ascensão destas empresas, os Estados Nacionais começam a perder a centralidade, embora os Estados ainda sejam dotados de poderes importantes e seu controle continue sendo motivo de muitos conflitos, podemos destacar que as empresas passam a controlar a sociedade e, muitas vezes, a impor seus interesses e sua agenda sobre estes Estados, o que fragiliza a democracia e cria espaços para dúvidas e incertezas.

A ascensão das empresas multinacionais estimula uma difusão, em escalas globais, de uma cultura fortemente centrada em interesses econômicos e financeiros, estas empresas passam a ditar o comportamento das pessoas, as roupas que serão vestidas, os produtos consumidos, os filmes e os programas de televisão e das mídias em geral e dominam as estruturas sociais, estimulando fortemente o consumo e transformando os produtos em necessidades inadiáveis, impulsionando o consumo e a produção globais.

Entre 1950 e 1980, os Estados Unidos reinam sozinhos nesta economia internacional, impõem sua moeda, seus filmes, seus hábitos de consumo e sua vestimenta, criando um mundo a sua imagem e semelhança, com isso, novos mercados para suas empresas e expansão de suas bases culturais, hegemonizando o inglês e fortalecendo o dólar no cenário mundial.

Neste período, o Estado Nacional teve um papel central, estimulando as economias locais, expandindo crédito, disseminando princípios e investindo em capital humano, com isso, inúmeros países conseguiram se desenvolver e outros deram grandes passos em busca de um desenvolvimento, dentre eles o Brasil, cuja economia no início dos anos 1980 era a mais diversificada dos países emergentes, segundo informação extraída dos relatórios do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Nestes momentos, os Estados subsidiavam os investimentos, abriram portas para as empresas nacionais, concederam empréstimos subsidiados e auxiliaram no desenvolvimento de tecnologias, política esta existente até os dias atuais, com incentivos perpétuos para as pesquisas e treinamento e capacitação para a consolidação de mão de obra para melhorar os produtos e garantir novos mercados e retornos crescentes.

Com a desagregação da União Soviética e a debandada destes países para o capitalismo, as empresas passam a investir nas antigas regiões socialistas, aumentando a produção, construindo novas fábricas nestes locais e aos poucos, transferindo para o exterior as estratégias de produção e investimentos, reduzindo o poder da matriz e impulsionando novos modelos de produção, consolidando o modelo de produção flexível ou cadeias globais de produção, que passa a substituir o até então dominante modelo fordista.

A nova estratégia impacta diretamente sobre estes países, gerando consequências imediatas sobre a população e sobre seus Estados Nacionais, com as empresas se expandindo para novas regiões os empregos passam a ser criados em outros países, deixando um incremento no desemprego e um rastro de fragilização dos trabalhadores, que perdem renda e veem seus recursos sendo diminuídos de forma acelerada, gerando preocupações, medos e incertezas.

Os Estados Nacionais atuaram diretamente no fortalecimento das empresas locais, vendo neste fortalecimento, uma forma de angariar recursos econômicos e trazer estes para suas economias, gerando impostos maiores e uma maior peso político para estes países no cenário internacional, garantindo benefícios indiretos para toda coletividade.

Outro ponto importante que devemos destacar, os Estados desenvolvidos, principalmente, foram muito fortes no estímulo aos setores produtivos, produzindo tecnologias e as transferindo para empresas privadas, estes fatos são amplamente conhecidos e estão registrados em varias obras, onde destacamos O Estado Empreendedor, de Mariana Mazzucato. Nesta obra, a economista italiana destaca inúmeros produtos e tecnologias que foram desenvolvidas por entidades públicas norte-americanas, como a NASA – Agência Espacial Norte-Americana.

O mais interessante nestes investimentos, muito bem relatados no livro acima, é que os Estados Nacionais atuam diretamente na construção de modelos de negócios e no desenvolvimento de produtos, bancando pesquisas caríssimas e pesquisadores renomados e quando estes fazem descobertas interessantes, as empresas privadas entram no negócio, patenteiam os produtos e vendem nos mercados, garantindo retornos crescentes para estes agentes que fizeram poucos investimentos em detrimento dos gastos públicos, ou seja, a grosso modo, socializa-se os prejuízos e os lucros são privatizados, garantido alta lucratividade ao capital privado.

Neste novo ambiente global, a ascensão das grandes empresas acaba impactando diretamente sobre as economias, reduzindo o poder dos Estados Nacionais e criando novos e perigosos constrangimentos para os sistemas democráticos reinante nos países. Como as corporações são mais fortes financeiramente do que muitos Estados Nacionais, estas passam a ditar os rumos das sociedades, controlar a lógica política, elegem representantes e influenciar os atores políticos, estimulando políticas e criando incentivos variados, garantindo o fortalecimento de seu poder econômico e a manutenção de seus privilégios, muitos deles obtidos através de isenções fiscais e tributárias, cujos recursos poderiam ser investimentos em melhoras e benefícios para a sociedade.

O poder econômico está dando a estes conglomerados uma força política até então inexistente, sua força se estrutura em seu peso econômico e seu poderio financeiro, garantindo a seus executivos encontros privilegiados com governantes dos mais variados matizes ideológicos, influenciando na política local e desequilibrando o jogo democrático dentro dos países.

Os donos do poder controlam as estruturas da economia mundial, dominam os grandes conglomerados, comandam as mídias, as farmacêuticas, as empresas de alimentos, as produtoras de carros e de aparelhos eletrônicos, as varejistas e estão presente na vida e na cultura de todos os países e regiões, dominando mentes, influenciando emoções e controlando os corações.

Os Estados Nacionais perderam, com este novo modelo de produção, baseado nas cadeias globais, a capacidade de tributar estes conglomerados, quando tentam impor a estas empresas uma tributação mais austera, estas migram para outros países, os chamados paraísos fiscais, cuja tributação é reduzida e as exigências são bastante limitadas, obrigando os Estados Nacionais a reverem os modelos tributários mais agressivos.

A situação descrita acima está gerando grande deterioração nas democracias, estas empresas estão no centro de muitas irregularidades, desde a compra de parlamentares até o pagamento de propina para autoridades públicas e funcionários governamentais, que usam seu poder para angariar benesses financeiras e privilégios em detrimento da população.

Neste ambiente, percebemos o crescimento das ideias liberais, descritas como mais racionais, estas teorias pregam a inviabilidade das empresas estatais e a posterior privatização, percebemos ainda, que estas empresas e estes empresários que defendem as políticas liberais estão, na maioria das vezes, por trás das empresas e dos conglomerados que sonegam impostos e atuam diretamente para fragilizar estas empresas públicas e, num momento posterior, adquirir estas empresas a preços reduzidos e em condições privilegiadas.

Os grandes conglomerados dominam a economia internacional, controlam os fluxos financeiros e seguem uma política de oligopolização crescente das cadeias globais de produção, recentemente fomos surpreendidos com o anúncio da parceria entre a Volkswagen e a Ford, outra parceria neste mercado que tende, se for efetivado, a criar o maior produtor mundial de carros, juntando FIAT Chrysler (FCA) com o consórcio Renault, Mitsubishi e Nissan, esta é a tendência global, a junção de empresas e o fortalecimento dos grupos em detrimento do poder dos Estados Nacionais que definham rapidamente.

Embora saibamos que toda esta junção de empresas é uma tendência global que afeta todas as economias do mundo, temos que compreender que os Estados Nacionais de países desenvolvidos são menos afetados por esta novidade, pois são mais fortes e consolidados e suas populações estão mais capacitadas para compreender estas mudanças e se preparar para estas políticas, em contrapartida, os Estados Nacionais de países mais frágeis ficam fragilizados e perdem espaço e poder perante estas organizações e veem sua população em condições degradantes e marginalizadas na economia internacional.

Neste cenário, o controle dos grandes conglomerados econômicos e financeiros significa o controle das finanças sobre a política, significando ainda, a predominância do dinheiro sobre a democracia, neste ambiente de incertezas onde as decisões não são mais baseadas em eleições e em discussões políticas nos parlamentos ou nos congressos nacionais, mas em conselhos de administração, onde os lucros são os instrumentos mais importantes e desejáveis no momento das decisões estratégicas, mesmo que estes lucros sejam produzidos sobre a pilhagem e a exploração de pessoas e grupos sociais variados, o que vale é o lucro.

Diante disso, o cenário é nebuloso e as perspectivas são preocupantes, para enfrentar esta situação perigosa, faz-se necessário uma atuação conjunta em prol de uma consolidação da democracia de países como o Brasil, um fortalecimento dos Estados Nacionais e uma política de desenvolvimento que pense o país nos próximos cinquenta anos, deixando de lado as políticas anteriores que se restringiam a pensar a sociedade para o próximo mês ou, no mais tardar, no próximo ano.

Bolsonaro só faz sentido no Twitter, diz Francisco Razzo

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Professor de filosofia afirma que Bolsonaro subverte pilares da ideologia, como prudência e ceticismo

Francisco Razzo

[RESUMO] Conservador, autor defende que grupo que ascendeu com a vitória de Bolsonaro subverte princípios basilares do conservadorismo, como prudência e ceticismo, ao construir imagem do presidente como guardião soberano da vontade do povo e tentar sobrepor ideias reguladoras à experiência concreta dos brasileiros.

Os termos direita e esquerda não são bons para quem pretende pensar a política com seriedade. Há debates muito mais instigantes do que escolher um lado no plano ideológico.

Longe de mim querer determinar o que as pessoas devam pensar a respeito de seus posicionamentos políticos —para ser sincero, eu só gostaria de lembrar que uma das mais difíceis e arriscadas perguntas em política não é saber qual a melhor forma de administrar o Estado a fim de usar seu poder para combater a pobreza, fazer distribuição de renda, garantir saúde, Previdência social, segurança, educação e paz.

Ninguém duvida que todas essas coisas sejam boas e desejáveis em si mesmas. Da mesma maneira, todos concordam, com a exceção de libertários e anarquistas, que o Estado cumpra importante função nisso. Minha dúvida é de outra natureza.

Antes do debate, liberais versus socialistas, das opções entre defender uma economia de mercado ou ser mais intervencionista, das rivalidades ideológicas que nos forçam a tomar partido entre direita ou esquerda, há um problema na base de qualquer debate a respeito dos limites da ação do Estado. A depender de nossa resposta, dividirá a todos em dois grandes e irreconciliáveis grupos: conservadores e progressistas.

Eis a pergunta crucial: a coesão harmônica de uma sociedade, aquilo que nos torna efetivamente membros de uma comunidade moral, é de ordem superior ou nós humanos não passamos de meras entidades materiais tentando sobreviver, cada um à sua maneira, nessa terra sem sentido? Ao estabelecer alguns parâmetros, ficará fácil perceber que não é possível analisar e criticar a onda conservadora no poder se não observarmos que ela oferece uma resposta ao problema.

Concorde ou não com a resposta, apenas assim será possível entender como os atuais conflitos políticos são demarcados, como a escalada aos extremos se desenvolve e que tipo de epidemia é a violência que toma conta da atmosfera cultural.

Para começo de conversa, deixemos bem claro que um conservador defende a primeira opção, enquanto um progressista, a segunda. Para conservadores, o que mantém a sociedade coesa, o que dá sentido, consistência e faz a vida digna de ser vivida não vem de interesses individuais ou coletivos imediatos, nem das relações de trabalho e do dinheiro: não tem origem no sentimento de afeto e nas redes de solidariedade identitárias entre os seres humanos; não são bens materiais, psicológicos ou sociais sujeitos a uma existência vazia e efêmera.

O que assegura o fundamento da sociedade vem de uma ordem outra de valores. Para progressistas, essa conversa não passaria dos efeitos metafóricos do ópio.

Sejam cínicos demagogos ou cidadãos piedosos, o fato é que os atuais conservadores que chegaram ao poder não oferecem uma teoria a respeito da democracia e de como o Estado deva ser administrado —para eles, essa não é a questão mais importante da política. Os atuais conservadores, na verdade, almejam uma transformação dos fundamentos da ordem social moderna mediante a mobilização política do povo.

Paradoxalmente, a onda conservadora passa a ser vista como populista e revolucionária, mas não no sentido em que essas categorias são adotadas pela ciência política liberal-progressista, que qualifica, numa tacada só, todo movimento conservador como manifestação de extremistas reacionários.

Para entender o conservadorismo de um modo geral, e o conservadorismo no poder em particular, é preciso um pouco de caridade hermenêutica e fazer as distinções corretas. Está equivocado quem julga os conservadores como se fossem um bloco único guiado por interesses de uma elite política que só deseja o poder pelo poder, aproveitando-se de uma suposta ingenuidade do povo.

Não, as coisas não funcionam mais assim, menos ainda para o populismo e as radicais transformações em curso. O povo, hoje, também tem orgulho de se dizer conservador.

Na eleição do ano passado, o cidadão votou no primeiro que conseguiu oferecer uma resposta sobre a crise dos fundamentos da ordem social. Os eleitores de Jair Bolsonaro se sentiam traídos por uma elite corrupta que prometeu liberdade, prosperidade e segurança, mas entregou desemprego, dívidas e 60 mil homicídios por ano.

Nesse quadro, desintegrou-se o valor básico que assegurava a relação entre a ordem social e a ordem política. A crise política é, antes, uma crise de confiança. O sentimento generalizado é de que as elites políticas, econômicas e intelectuais são todas corruptas.

Antes de prosseguir, gostaria de distinguir quem é quem nessa onda, porque nem todo conservador quer o Estado se intrometendo na vida das pessoas e da cultura. Em linhas gerais, conservadores são divididos da seguinte maneira: quanto à natureza do fundamento social e com relação à crença na política.

Em relação ao fundamento, há dois tipos de conservadores. Os que defendem uma ordem de valores superior transcendente, isto é, algo mais metafísico e ligado a um sentimento religioso, e os que sugerem que esta ordem se consolida pelos aspectos históricos da experiência humana, sem apelo ao transcendente.

Nesse caso, os primeiros acreditam que Deus garante os fundamentos últimos da justa e boa vida social. O segundo tipo, por outro lado, pensa a sociedade a partir dos vínculos simbólicos de uma tradição que se manifesta na cultura — a religião seria um aspecto importante, mas não decisivo.

Com relação à crença política, há conservadores para quem o Estado é a principal entidade capaz de manter a harmonia social. Eu discordo. Por isso faço parte do grupo daqueles mais céticos: os que negam essa finalidade ao Estado e à política.

Os primeiros pensam a sociedade a partir de uma relação mais profunda entre Estado e nação, quase uma relação de identidade. Vou chamá-los de conservadores otimistas. Por sua vez, os mais céticos depositam suas crenças na experiência cultural.

Para nós, o importante é estabelecer limites bem definidos ao poder político, coisa que só a esfera moral e cultural pode fazer. Somos pessimistas quanto à política, já que o poder sempre corrompe.

Os conservadores que chegaram ao poder com Bolsonaro acreditam, ou fingem acreditar, na ordem superior transcendente e no Estado. São fiéis à causa política e religiosa. Acham que a força do destino deu a eles o poder soberano de guardiões da vontade do povo. Trata-se de uma crença poderosa, que dispensa as mediações de sociedade civil, cultura, religião e política.

Em teoria, para esses conservadores o político no poder cumpre um destino glorioso, representa a grandeza da nação e, mais que isso, a vontade divina. A identidade entre povo, nação e Estado consistiria na única força capaz de garantir que uma sociedade não se degenere.

Ao contrário do pacto social da moderna teoria contratualista — noção abstrata de um suposto ato voluntário que tira o homem do estado de natureza e garante a sua entrada na sociedade civil—, na expectativa de um conservador a sociedade é a comunhão contínua entre pessoas reunidas numa unidade orgânica: o povo. Não é uma abstração filosófica, mas uma paixão que deseja preservar valores que mereçam ser preservados.

O que resulta num sentimento profundo e perigoso de responsabilidade que autoriza rechaçar tudo aquilo que coloca esses valores em risco. Nesse ponto chave, o conservadorismo otimista pretende reabilitar a relação substancial entre ordem metafísica, ordem moral e ordem política, que foi quebrada pelos liberais e materialistas modernos —tanto individualistas quanto coletivistas—, esvaziada pelos progressistas e deformada por racionalistas.

Por esse prisma, o inverso desse tipo de conservadorismo otimista não admite que uma realidade transcendente possa ser determinada por critérios políticos. No máximo, essa experiência deve ficar reservada ao âmbito da vida cultural.

Sim, estamos nos limites da religião; e em geral as elites progressistas, tanto liberais quanto socialistas, cometem os mesmos erros ao tratarem todos os religiosos como ingênuos e ameaças à ordem pública. O problema não é a religião se manifestar na ordem pública, mas sim assumir a estrutura da realidade política. Os devotos políticos são perigosos.

Esse é o ponto crucial que estabelece uma diferença irreconciliável entre conservadores otimistas e pessimistas. Para estes últimos, jamais deveríamos acreditar que o ser humano possa alcançar, mediante seus próprios esforços, uma vida perfeita. A redenção vem do “alto”, não da vontade do povo representada pelo presidente da República.

Há uma concepção muito singular no conservadorismo pessimista: nossa condição humana será sempre propensa a falhas graves. Numa palavra: somos imperfeitos e insuficientes, e não podemos transformar nossa natureza. Uma resposta um tanto melancólica, eu confesso, para o fato de saber que se é mortal e aspirar, ainda assim, à imortalidade.

Esse seria o lado “trágico” do conservadorismo, que pode se subverter em nacionalismos perigosos devido à incapacidade de políticos — seres humanos propensos a erros— lidarem com o caráter trágico da experiência humana.

A propensão a criar desordem e descambar para violência só é compensada pela capacidade de criar obras de arte magníficas, de realizar grandes descobertas científicas e ainda, eu espero, buscar os pequenos gestos de gratidão, bondade, altruísmo e caridade.

Os conservadores jamais poderiam aceitar qualquer tipo de pretensão em forjar um novo homem, um novo país, uma nova nação, sobretudo via política. A consequência lógica dessa premissa é que a perfeição da sociedade não passa de fantasia. Podemos buscá-la, mas não realiza-la. Pelo menos não nessa terra devastada por egoísmo, ódio e desejo de poder.

Em termos de promessas políticas, a única virtude que deveria orientar a vida de um conservador é o ceticismo. O termo pode ser substituído por um mais ligado à vida moral e política: prudência.

O que é ceticismo ou prudência? Ser cético ou prudente, neste contexto, tem a ver com a disposição da inteligência prática. Um jeito de pensar antes agir, frear as paixões e fazer de tudo para não meter os pés pelas mãos.

Em outros termos: a disposição cética nos fornece senso de proporção e reconhecimento de que a natureza nos predispôs para realização de coisas boas e coisas não boas: as coisas boas são difíceis de conquistar e fáceis de perder; as não boas, fáceis de conquistar e difíceis de esquecer. Tentar escapar dessa tensão presente em nossa vida é enganar a si mesmo e naufragar em expectativas absurdas.

Com isso quero dizer que o ceticismo é humilde ao reconhecer o tremendo esforço necessário para vencermos certas inclinações potencialmente desastrosas. Isso não elimina o acaso e o erro, mas nos torna mais amadurecidos e virtuosos. Trata-se, portanto, de uma formação moral mediante a consolidação de uma segunda natureza em nós, conhecida como hábito, que se adquire por meio de um longo condicionamento dos apetites e um árduo processo de interiorização de valores.

Trata-se de um bem tão público quanto privado, que parte do postulado de que o ser humano está propenso a cometer erros terríveis e nunca alcançar um estado de perfeição e plenitude.

A prática política conservadora dos últimos meses subverteu a virtude da prudência. Primeiro por não ser capaz de reconhecer a mais difícil de todas exigências impostas a alguém que pretenda um governo conservador para o Brasil: afinal, o que significa ser brasileiro? Qual ordem superior permanente dá coesão a nossa comunidade moral brasileira?

Não é óbvio e não adianta importar teorias estrangeiras, pois um dos postulados básicos do conservadorismo, como vimos, exige o respeito às próprias tradições culturais.

Aqui considero um dos maiores riscos do atual conservadorismo no poder: criar ideias reguladoras transcendentes de nação, povo e destino e sobrepor essas ideias à experiência concreta dos brasileiros. O que seria o “Brasil acima de todos”, senão o próprio esvaziamento da nossa experiência pessoal como brasileiros?  Enquanto país, o Brasil não passa por uma crise política, mas de identidade —e o maior de todos os erros é achar que a solução passa por conferir mais poder ao Estado.

Na específica forma mental dos conservadores no poder, a “ordem superior permanente” se tornou uma mistura poderosa para quem se sentiu traído pelas elites progressistas e agora redescobriu que o povo brasileiro também representa os verdadeiros valores da civilização ocidental —que, aliás, estaria prestes a ruir por causa de ideologias perniciosas que corroeram as suas bases por dentro.

O sentimento de que a família, a escola, a universidade, a imprensa, o Congresso, o tribunal e a Igreja estão sendo destruídos e degenerados vem daí. Todas as instituições sociais e políticas foram corrompidas por “ideologias Inimigas” (curiosamente, todas são ocidentais).

Gostaria de mencionar apenas dois exemplos de como essa jornada espiritual pelos valores da civilização autoriza os novos conservadores no poder a combaterem seus inimigos: o ataque a professores de esquerda nas universidades e o ataque à imprensa. Ambos, aliás, alimentados pelo mesmo clima de linchamento nas redes sociais, que reflete bem a alma desses conservadores.

Com a desculpa de que a universidade é neutra e não lugar de militância partidária, o governo Bolsonaro tem empreendido um verdadeiro clima de perseguição. Afirma-se que as universidades, sobretudo de humanidades, são verdadeiras usinas de esquerdistas.

Ora, ainda que a maioria dos professores seja realmente de esquerda, não cabe ao governo determinar como deve se comportar, pensar e refletir em sala de aula. Isso não é um problema do Estado. No entanto, não foi André Mendonça, advogado-geral da União, que defendeu operações policiais nas universidades para coibir viés ideológico de professores em ambientes públicos?

A universidade, como instituição social responsável por preservar e compartilhar conhecimento e cultura, não responde a poder político nenhum. Professores e alunos devem satisfação a seus pares e a mais ninguém. Se os conservadores querem mudar isso, deveriam tentar pelos meios institucionais, e não pegar atalhos via força do Estado.

O ataque a jornalistas que criticam o governo já se tornou escancarado. Em 16 de maio, um dia após as manifestações contra cortes de verbas na educação, Bolsonaro rebateu a pergunta de uma jornalista da Folha sobre o tema dizendo que ela deveria entrar “numa faculdade que presta e fazer bom jornalismo”. E disse ainda que a Folha “não pode contratar qualquer uma para ser jornalista, ficar semeando a discórdia e perguntando e publicando coisas nojentas por aí”.

Mais que o tom grosseiro de um presidente pouco polido, a atitude revela o sentimento que anima os conservadores no poder: a imprensa foi corrompida por ideologias inimigas. O fundamento do ataque é o mesmo, a imprensa deve ser neutra. Não, a imprensa deve ser uma instituição livre. Cabe aos jornalistas se movimentarem nos limites morais de suas convicções, com responsabilidade, coragem e transparência.

O conservadorismo brasileiro no poder se deixou contaminar por um sentimento otimista de hostilidade a tudo o que se opõe a sua causa: essa poderosa mistura de nostalgia pelo passado e expectativa sobre o futuro de uma grande nação.

A nova era política conservadora se tornou uma triste e imprudente cruzada pela preservação de um ideal difuso de ordem social superior transcendente, a cada dia mais distante dos brasileiros. Só faz sentido no twitter do presidente e de seus seguidores.

O maior risco é usarem o poder do Estado para invadir esferas nas quais, por princípio, o Estado jamais deveria se meter. Esse seria o efeito colateral de quem está seduzido pela própria verdade —único caso de verdade que, em vez de libertar, poderá nos arruinar.

Francisco Razzo é professor de filosofia e autor dos livros “Contra o Aborto” e “A Imaginação Totalitária” (Record)

 

Embates entre matéria e espírito numa sociedade em transformação

Vivemos em uma sociedade dominada pelo poder do dinheiro, numa sociedade onde os ideais econômicos e financeiros são colocados acima dos interesses espirituais e morais, na verdade estes interesses praticamente não existem nesta sociedade, neste mundo os valores dominantes controlam uma moral mercantilizada, compramos de tudo nesta sociedade marcada pelo hedonismo, pelos mais variados prazeres, relacionamentos relâmpagos e fúteis, carros luxuosos, casas maravilhosas, propriedades e amores, isto mesmo, vivemos em uma sociedade onde adquirimos amores, não tão efetivos e verdadeiros, mas compramos todos os amores que o dinheiro pode pagar, o mundo virou um grande negócio e somos negociados todos os dias, num destes dias valemos mais e em outros momentos valemos muito pouco, tudo dependerá da nossa cotação nos mercados.

A economia, como muitas das ciências, das artes e dos instrumentos de organização social, foram dominados, ou melhor, foram comprados pelo poder do dinheiro, que compra o pensamento e transforma o pensador em um sujeito vinculado aos ideais imediatistas do capital, utilizando mercadorias e produtos variados para satisfazer seus desejos de consumo e reprodução material, deixando de lado valores humanísticos, valores morais mais sólidos, valores que sustentam as relações sociais e garantem um processo de solidariedade entre os indivíduos.

A economia como ciência foi constituída pelo teórico escocês Adam Smith, quando em 1776 publica A Riqueza das Nações, nasce para satisfazer as necessidades dos seres humanos, todos somos dotados de necessidades, elas são ilimitadas. Para racionalizar estas necessidades precisamos compreender que os recursos existentes na sociedade são limitados e para servir a todos, faz-se necessário, distribuir um pouco para cada um, sem exageros e excessos todos podem usufruir dos benefícios econômicos, quando um dos grupos possui em demasia o outro grupo passa por privações e necessidades, criando constrangimentos e desigualdades.

Na sociedade contemporânea, o poder do capital destrói todos os setores que se aproxima, utilizando como justificativa a profissionalização destes setores, o dinheiro corrói as estruturas, influencia negativamente os grupos sociais e imprime um processo de concorrência que gera uma competição cada vez maior entre os agentes econômicos e sociais, para profissionalizar acaba desagregando e criando um ambiente de constantes conflitos por poder e por dinheiro.

O poder do capital ganhou tanta relevância sobre a sociedade contemporânea, que passou a dominar e controlar os agentes estatais e governamentais, utilizando-os para aumentar seus benefícios, melhorar seus rendimentos e a usufruir de suas instituições para aumentar seus lucros e seus ganhos adicionais, gerando mais poderes políticos e controlando os recursos econômicos e financeiros, satisfazendo-se deles ao seu bel prazer.

O Espiritismo surge justamente para combater o materialismo, uma das grandes chagas da humanidade, que se dissemina na sociedade rapidamente, as ideias materialistas sustentam que a vida se restringe apenas a este mundo material e que todos devemos buscar o máximo de prazer possível, de que a competição é mola criadora, mas estas mesmas ideias deixam de lado o poder destrutivo da concorrência quando envolve grupos, pessoas e empresas que se encontram em situações desiguais, neste ambiente, muitos destes lucros são auferidos de forma degradante e degeneradas, pois são oriundos da pilhagem da natureza e da exploração dos trabalhadores, uma sociedade cujo poder do dinheiro domina mentes e corações incautos, transformando-os em autômatos controlados e sem capacidade de reflexão e de pensamento.

As famílias estão no centro destas transformações, antigamente o provedor financeiro era o homem e as mulheres eram conhecidas como as rainhas do lar, neste ambiente as famílias estavam sempre próximas e integradas, com o crescimento do sistema econômico capitalista, todos os membros das famílias passaram a trabalhar fora de casa, gerando desencontros constantes e desconhecimento das atividades e comportamentos, gerando conflitos e confrontos degradantes, que reduz os laços familiares a laços econômicos e sociais, sem profundidade e sem relevância para seus membros..

Estes ideais disseminados na sociedade estão dominando as mentes e os corações, controlando as mídias, os grandes jornais e as mais influentes revistas que destacam um tempo muito reduzido para questões do espírito, mesmo sabendo que este mundo dominado pelos interesses do capital está destruindo os indivíduos, criando zumbis programados para acumular recursos financeiros e utilizá-los para comprar produtos, mercadorias, bens e serviços mas, ao mesmo tempo, se degradar com doenças e patologias emocionais e espirituais.

Mesmo percebendo um verdadeiro boicote a questões espirituais, o mundo corporativo já percebeu a importância das religiões para o crescimento e equilíbrio dos indivíduos, ao perceberem que esta competição generalizada estava criando doentes e transtornos variados, as corporações passaram a adquirir organizações religiosas e a transformar estas organizações em grandes instrumentos de acumulação de recursos financeiros e materiais, através de dízimos e pagamentos constantes, se transformaram em templos com instalações luxuosas e cercadas de muito dinheiro que, para muitas delas está diretamente associado ao sucesso, estas organizações estão impactando fortemente sobre as coletividades e, atualmente, adentrando até na lógica política, com isso, vem transformando os indivíduos, levando-os a reflexão espiritual, mesmo sabendo que estas reflexões são bastante superficiais.

A busca constante por enriquecimento está levando os indivíduos a atitudes egoístas e imediatistas, muitos destes indivíduos deixam de lado valores aprendidos na infância e transmitidos por seus pais e familiares e passam a adotar as regras do mercado como se este fosse o grande mantra da humanidade, acumulam recursos financeiros destruindo reputações, enriquecem mergulhando funcionários em dívidas e acumulam débitos imensos, quando desencarnam e chegam ao mundo espiritual se deparam com uma realidade surpreendente, mesmo estando em outro plano da vida acreditam que sua posição na vida terrestre pode lhe garantir privilégios e boas posições nesta nova sociedade e recorrem constantemente a frase clássico: Você sabe com quem você está falando?

Se relembrarmos o clássico livro espírita Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier e ditado pelo espírito de André Luiz, neste livro, em um de seus capítulos, o médico desencarnado destaca que se utilizou deste expediente para não precisar fazer trabalhos considerados por ele como inferiores, alegando ter sido médico quando encarnado, como se esta condição sublime pudesse lhe garantir privilégios nesta nova etapa da vida, neste momento é importante destacar, que como nos demonstrou Bezerra de Menezes no livro Voltei, escrito por Frederico Figner, no mundo espiritual o que vale são os valores morais e as obras mais edificantes que construímos, nada de apadrinhamento, nada de jeitinho brasileiro e nada de intermediários, o que vale são os valores que trazemos na alma. Nesta obra clássica, Figner se decepciona ao chegar no mundo espiritual, no seu íntimo acreditava que seria recebido com polpa e reconhecimentos, mas a realidade o surpreendeu rapidamente, sua decepção o estimulou a buscar o crescimento e uma melhora mais intensa em seu interior.

Somos muito propensos a fazer a mesma coisa que André Luiz, muitas vezes adotamos valores e temos comportamentos éticos e morais diferentes, quando nós ou um dos nossos cometemos algum desvio ético ou moral, consideramos a situação como um verdadeiro desvio ou um equívoco, mas quando esta conduta for de outra pessoa ou de outro grupo social, enxergamos o fato de forma diferente e nos entregamos ao julgamento fácil e a posterior condenação, adotamos dois pesos e duas medidas quando nos convém diretamente, diante desta posição nos mostramos cada vez mais como seres contraditórios e dotados de valores morais limitados.

Neste mundo de aparências, as pessoas se entregam aos cultos e as reuniões religiosas de forma parcial, assistimos as palestras ou as pregações, nos emocionamos com palavras bonitas e edificantes, mas acreditamos constantemente que são as outras pessoas que precisam rever posições, alterar comportamentos e mudar algumas condutas equivocadas, nós estamos agindo corretamente, afinal o mundo é uma grande selva e estamos inseridos nesta grande batalha da vida, onde os valores são definidos pelo mercado.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra que o mundo físico e o mundo espiritual estão umbilicalmente interligados, a vida não termina com a morte do corpo físico, muito pelo contrário, a verdadeira face da vida é no mundo dos espíritos, somos espíritos encarnados em corpos materiais, quando desencarnamos a vestimenta física se desintegra, mas o espírito se liberta e ao se libertar busca locais afeitos a seus sentimentos e valores mais íntimos. Muitos livros da literatura espírita nos mostram muito claramente o momento do acordar no mundo espiritual de espíritos que foram ovacionados quando estavam vivos, como grandes gestores ou homens de negócios fantásticos, mas ao desencarnar se viram em situações de grandes desequilíbrios e desesperanças, isto acontece porque estes homens se escondiam em máscaras e em personagens, a morte do corpo físico os revela, os mostra intimamente e ao fazê-lo, percebe que somos todos muito pobres e insignificantes, a morte revela esta verdadeira faceta do indivíduo.

Muitos relatos nos levam a compreender histórias fascinantes de imperadores e rainhas que quando estavam encarnadas eram dotadas de grande poder material e ao desencarnar se depararam com uma realidade diferente e surpreendente, muitas  foram resgatados de regiões abissais por seus servos, muitos deles escravos que foram por elas humilhados e maltratados, mas superaram estes rancores e ressentimentos e deixaram se dominar pelo verdadeiro amor, pelos sentimentos mais nobres e enriquecedores, mostrando-se muito melhores e desenvolvidos espiritualmente do que seus patrões ou superiores.

O momento do acordar no mundo espiritual nos revela coisas que, para a grande maioria da sociedade se encontra desconhecido e encoberto, é neste momento que os verdadeiros valores da vida e os sentimentos acumulados se mostram mais claramente, se tivemos nesta vivência física uma boa conduta,  recebemos energias e sentimentos intensos, vibrações de paz e de solidariedade agora, se cultivamos valores pobres e deficientes, vamos receber tudo aquilo que construímos em nossos corações, podemos compreender isto como a lei do retorno, se construirmos estruturas sólidas de amor e de solidariedade, mas se fizermos o contrário, vamos colher exatamente tudo que plantamos.

O mundo material nos seduz de forma intensa, somos todos os dias treinados para buscar profissões que nos garanta sucesso material e benesses financeiras e nunca para que busquemos aquilo que nos enobrece e nos gera riquezas espirituais, diante disso, vivemos numa sociedade que cria riquezas em escalas crescentes e, infelizmente, as concentra nas mãos de poucos, gerando desigualdades entre as classes sociais, impulsionando conflitos e violências que destroem as relações entre as pessoas e promove uma verdadeira disputa entre os indivíduos, oficializando um individualismo avassalador e responsável por grande parte das desagregações sociais.

O dinheiro se transformou no mais importante instrumento de visibilidade social, ter recursos financeiros contribui para abrir portas e facilitar muitas negociações, garantindo relações sociais privilegiadas e novas oportunidades de negócios. O dinheiro possibilita transitar por um meio marcado pelo poder, pelo luxo e pela ostentação, neste ambiente as relações são superficiais e os seres humanos se comportam como atores que se colocam como artífices de grandes emoções e felicidades. Neste mundo de sonhos e mentiras onde todos convergem para exposição exagerada em redes sociais, afinal todos tem que conhecê-lo e invejá-lo, mesmo sabendo que a naturalidade e a espontaneidade se compram no mercado e estão disponíveis para todos os indivíduos que tiverem recursos para pagar.

A dominação financeira na sociedade, baseada do fortalecimento dos ideais econômicos sobre os espirituais, leva a uma busca constante por redução de custos, buscando com isso diminuir o preço dos produtos e aumentar as vendas, angariando novos consumidores para suas mercadorias e um aumento considerável em suas margens de lucro. O grande problema desta estratégia, é que para reduzir os custos as empresas atuais atuam diretamente no salário e na renda dos trabalhadores, reduzindo seus rendimentos e aumentando as exigências profissionais, obrigando estes trabalhadores a se atualizarem constantemente, despendendo tempo e energias físicas e emocionais que poderiam ser empregadas para consolidar relacionamentos familiares e construir laços mais sólidos de amizade e de solidariedade.

A sociedade mundial nunca produziu tantas riquezas, o produto interno bruto (PIB) está na casa dos 80 trilhões de dólares, para uma população estimada em mais de 7 bilhões de pessoas, com estas riquezas, cada pessoa poderia sobreviver com valores bastante razoáveis no seu cotidiano, algo em torno de US$ 10 mil anualmente, mas infelizmente, não é isto que percebemos, na realidade uma grande parcela da população vive ou sobrevive com muito menos do que isso, gerando grandes desigualdades, pobreza e misérias variadas.

Todas estas riquezas foram criadas no decurso da humanidade, todas estas tecnologias que animam o mundo contemporâneo não são frutos de um único ser humano, fazem parte de esforços, estudos e investigações científicas da comunidade, estas descobertas devem estar disponíveis para auxiliar a todos que precisarem, não devem ser vistas apenas como instrumento de lucro e acumulação financeira, mas como prova de que a Ciência é um bem universal e seus benefícios uma forma de sentir a presença de Deus na vida e no cotidiano de todos os indivíduos.

O dinheiro e o capital são instrumentos fundamentais para o progresso da humanidade, não devem ser vistos como um fim único, mas como um meio de progredir e de auxiliar as pessoas e a coletividade, o emprego e o salário não podem ser analisados como um custo, mas como uma forma de garantir a sobrevivência digna das famílias e auxiliar no desenvolvimento de todos os espíritos que vierem habitar este planeta, entidades enviadas por Deus, dotadas de experiências, valores e comportamentos variados. O Meio Ambiente não pode continuar a ser depauperado e explorado como vem sendo nos últimos séculos, onde muitos acreditam que devam extrair dele as riquezas necessárias para a sobrevivência, a convivência integrada e respeitosa é uma das características que mostram a racionalidade e a evolução do ser humano, que mesmo dotado de grandes instrumentos tecnológicos ainda se esquecem de que seus valores mais íntimos e pessoais passam pela preservação de sua casa e de sua convivência comum.

A Doutrina dos Espíritos nos leva a compreender, em seus capítulos referentes a reencarnação, porque muitos espíritos reencarnam com inteligências aviltadas e fragilizadas, muitos destes casos nos mostram espíritos que, mesmo sendo dotados de grande perspicácia intelectual, utilizaram mal seus atributos e os utilizaram de forma negativa, buscando prazeres materiais e usurpando de outros seres humanos menos capacitados intelectualmente. Muitos se comovem com as situações de degradação e pobreza em variadas regiões do mundo, ao verem pessoas passando provações primárias, defendem a inexistência de Deus, como pode existir e manter estas condições indignas e aviltantes? Na verdade, a reencarnação é a prova cabal da existência de Deus, descrita por Allan Kardec como “A inteligência suprema, causa primária de todas as coisas…” Todos que retornam em condições adversas e em países atrasados só foram lá colocados para que possam sentir na pele as dores que foram por eles orquestradas, devemos ver esta situação não como punição, mas como um processo educativo que serve para auxiliar positivamente no crescimento e no desenvolvimento de valores sólidos e consistentes.

Atualmente, percebemos que as pessoas estão cada vez mais entusiasmadas com o desenvolvimento da tecnologia, a chamada Quarta Revolução Industrial está se tornando, para muitos a verdadeira panaceia da humanidade, a resolução completa de todos os problemas mais relevantes do ser humano, apesar de nos empolgarmos com as inovações e as suas potencialidades, acreditamos que o grande responsável por estes problemas são os seres humanos, dotados de grandes contradições, apenas eles podem refletir intensamente sobre seus desequilíbrios e dificuldades mais íntimas e escolher os mais sólidos caminhos que querem seguir.

O Espiritismo nasce como um instrumento para mostrar para a sociedade, que o dinheiro não deve ser demonizado, seu uso é que deve ser racionalizado, os mesmos recursos que são investidos em prazeres degradantes podem ser utilizados para construir creches e hospitais que atendam as pessoas e melhorem suas condições sociais, a nova revelação destaca ainda, que a vida não termina na matéria, estamos numa corrida de muitos quilômetros, nesta jornada passamos por um momento de transformações, mas trazemos no espírito os ideais mais sinceros e verdadeiros que acumulamos durante muitos séculos de vivências nos dois lados da vida, reviver estes ideais e construir um mundo melhor é algo que deve animar a todos os indivíduos em todas as regiões do mundo.

 

Desemprego, desenvolvimento tecnológico e recuperação econômica

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A economia brasileira vem passando por crises fiscais intensas nos últimos cinco anos, elevando o desemprego a níveis estratosféricos, gerando grandes instabilidades, desequilíbrios e desagregações sociais constantes, os indicadores fiscais são alarmantes, o desemprego se tornou uma epidemia nacional, os investimentos caem de forma acelerada e as propostas do governo, por mais que possam ser defensáveis, estão sempre mirando no médio e no longo prazo, enquanto a desagregação dos lares com membros desempregados é intensa e acontece todos os dias, gerando desespero e desesperança.

Estamos envoltos em uma situação de grandes incertezas, neste ambiente, os investimentos se reduzem, os investidores internacionais temem que o crescimento da dívida pública possa inviabilizar os pagamentos futuros do Estado, levando-o a bancarrota, os trabalhadores estão receosos de compras e prestações maiores, temem o desemprego e se retraem como consumidores, deixando seus dispêndios para um futuro com mais certezas e menores instabilidades. Os gastos públicos estão em retração, a piora na situação fiscal obriga o governo a contingenciamentos constantes, gerando o agravamento da situação econômica, o aumento da degradação das famílias e dos serviços sociais.

A crise econômica vivida na atualidade pode ser descrita como a de mais longa recuperação em décadas, além de ter sido uma crise severa, com forte degradação dos indicadores macroeconômicos, percebemos que a economia está tendo dificuldades para se recuperar, o crescimento econômico se encontra na casa do 1% ao ano, se repetindo em 2017 e em 2018 e com grandes perspectivas de continuar neste ano, agravando as condições sociais e aumentando as incertezas dos investidores e dos consumidores.

O desemprego na sociedade brasileira está na casa dos 12% da população, perfazendo mais de 13 milhões de desempregados, se somarmos ainda, um contingente de mais de 15 milhões de trabalhadores que estão em condições precárias e sobrevivendo na informalidade, este número totaliza uma parcela de mais de 28 milhões de brasileiros que estão em condições degradantes de trabalho, onde as condições laborais são negativas, marcadas por grandes incertezas profissionais para um futuro muito próximo.

Este desemprego pode ser descrito como sendo um efeito das incertezas crescentes da sociedade brasileira, desde os fenômenos econômicos descritos anteriormente até fenômenos políticos que crescem de forma acelerada e que, mesmo com um novo governo de plantão, ainda não se conseguiu solucionar estas instabilidades, colocando em posições contrárias grupos antagônicos e atores sociais, criando celeumas, discussões e debates marcados por inverdades e pelas chamadas fake News.

Vivemos em uma sociedade marcada pelo crescimento acelerado das redes sociais, estas novas ferramentas de comunicação difundem notícias verdadeiras e inverdades que aumentam a instabilidade política e levam a sociedade para um verdadeiro caos político, onde os grupos sociais entram em confronto aberto difundindo ódio, ressentimento e uma violência generalizada, transformando a política em um grande palco de conflitos e violências, criminalizando-a e limitando os alcances da democracia.

A recuperação econômica do país passa por medidas de incentivos do governo nos vários setores econômicos e produtivos, além de um esforço generalizado de pacificação dos grupos políticos em prol das melhoras na economia e na recuperação econômica, somente uma diminuição destas incertezas políticas que os investidores poderão olhar para a economia brasileira e enxergar um futuro mais consistente e promissor.

Os investidores estrangeiros estão aguardando uma sinalização mais efetiva das autoridades brasileiras em duas grandes frentes, no campo político uma maior pacificação da sociedade e uma diminuição de uma polarização que gera mais perdedores do que ganhadores. No front econômico, espera-se do governo medidas consistentes no campo fiscal, como a Reforma Previdenciária e, num segundo momento outras reformas, principalmente a tributária, a política e a do Estado, todas estas tendem a garantir boas oportunidades de investimentos num futuro muito próximo, melhorando as possiblidades de novos empregos e um incremento da renda agregada da sociedade.

As reformas devem vir em concomitância umas com as outras, a reforma previdenciária deve englobar dois objetivos maiores, de um lado melhorar as condições fiscais, dando uma maior flexibilidade para que os gestores consigam realocar os recursos e honrar os pagamentos, dando aos investidores nacionais e estrangeiros a certeza de que o endividamento está sob controle e que o Estado apresenta condições fiscais satisfatórias e os riscos de insolvência sejam mínimos. De outro lado, esta reforma previdenciária deve almejar uma melhora nos desequilíbrios do sistema de aposentadorias, reduzindo as grandes aposentadorias de grupos privilegiados que, durante muitas décadas, tiveram seus subsídios engordados em valores muito superiores aos aceitáveis. E uma terceira frente que não pode ser esquecida pelo governo federal, é a cobrança incessante de todos os devedores da Providência Social, sem o ataque direto a todos os inadimplentes do sistema e uma estratégia clara de cobrança de gigantescos grupos econômicos, a população não se sentira confortável na defesa desta pauta importante e fundamental para o desenvolvimento econômico.

Neste ambiente, com a economia parada e os investimentos em retração, o governo está propondo medidas emergenciais para reativar o crédito e dar um maior fôlego para a economia, dentre as medidas estudadas, segundo o Ministro da Economia Paulo Guedes, destacamos a liberação dos recursos das contas ativas do FGTS, com estes recursos em mãos, os trabalhadores tendem a pagar suas dívidas e voltar ao mercado consumidor, impulsionando o aquecimento na demanda e uma melhora nos indicadores macroeconômicos.

Esta medida pode ser vista como um paliativo mas tem impactos políticos interessantes para a população e tende a melhorar as condições de muitas famílias, que viram suas condições financeira se deteriorarem ao longo dos últimos anos. Para os trabalhadores, esta alteração é positiva, como os rendimentos do FGTS são exíguos e minguados, a retirada contribuiria para o pagamento de contas cujas taxas de juros são bem mais elevadas e geram estragos generalizados sobre os recursos dos trabalhadores.

O desemprego que estamos vivenciando na sociedade brasileira está diretamente vinculado às questões conjunturais e ao baixo crescimento econômico, nada tendo a ver com o desemprego estrutural marcado pelo crescimento da tecnologia da chamada Quarta Revolução Industrial, sendo assim, a recuperação da economia e a volta do crescimento tende a melhorar as condições de emprego e estimular os investimentos produtivos, deixando para um segundo momento uma discussão mais consistente sobre a empregabilidade neste novo momento da economia mundial, que exige dos trabalhadores e dos Estados Nacionais uma intensa capacitação e políticas públicas voltadas para uma melhor qualificação dos trabalhadores.

No caso brasileiro, uma reforma tributária deveria contemplar uma simplificação de nosso sistema, uma tributação maior sobre investimentos financeiros e sobre propriedades, uma regulamentação sobre grandes fortunas, uma redução das isenções tributárias, gerando benefícios financeiros e incentivando as iniciativas individuais, o empreendedorismo, melhorando o ambiente de negócios e garantindo novos espaços para investimentos produtivos, com geração de emprego e melhoras sociais.

Uma redução do Estado também deve ser incentivada, um amplo programa de privatização, uma abertura maior e mais racional da economia, diferente daquela que foi feita nos anos 90 e um amplo programa de análise das políticas públicas e sociais que estão sendo implementadas pelo Estado, a racionalização destas políticas é um instrumento interessante para que encontremos os gargalos econômicos que geram privilégios inaceitáveis e que levem a economia de recursos financeiros para incrementar as políticas mais bem avaliadas e que trazem retornos mais consistentes para a população.

O desemprego tem um impacto avassalador sobre as famílias, destroem os laços sentimentais, aumentam as violências e geram destruições de vínculos familiares sólidos, mexem com a auto estima e obrigam as pessoas a se submeter a atividades, muitas vezes, desfavoráveis e com rendimentos reduzidos, contribuindo para uma piora das condições sociais e emocionais.

Outro ponto interessante e importante para que destaquemos neste momento, na sociedade atual encontramos inúmeras pessoas convivendo em ambientes de trabalhos degradados, com pressões insuportáveis, chefes autoritários e violentos, cobranças exageradas, salários degradados e benefícios sociais reduzidos, esta situação esta agravando as patologias nas organizações, depressão, ansiedade, estresse, obsessões e as mais variadas doenças comportamentais, gerando medos e inseguranças que podem culminar em doenças e comportamentos degradados.

O motor para a melhora da economia é o investimento produtivo, tanto público quanto privado, e para que este investimento aconteça, faz-se necessário uma pacificação do ambiente político, uma melhora nas condições fiscais do Estado, uma diminuição das dívidas das famílias e uma melhora no consumo interno, todas estas variáveis devem atuar diretamente para que a economia volte a criar empregos e as expectativas positivas dominem o cenário econômico, sem estas melhoras a economia brasileira tende a se manter em uma situação de grande instabilidade e incerteza generalizadas.

O mundo do trabalho está se transformando de uma forma muito acelerada, o desenvolvimento da tecnologia, das máquinas e dos equipamentos está transformando os vários setores da economia e seus profissionais em seres obsoletos e atrasados, onde os robôs passam a ocupar espaços antes restritos aos homens, obrigando os indivíduos a buscarem novas qualificações, novos cursos e uma constante busca por conhecimentos, jogos e novidades tecnológicas. Estas buscas demandam empenho, atenção, disciplina e consome o tempo dos indivíduos, obrigando-os a deixarem seus familiares de lado, perdendo com isso oportunidades crescentes de integração e de consolidação familiar, o indivíduo desenvolve a máquina e a tecnologia e acaba se transformando em seu mais fiel escravo, sendo todos os instantes dominados por estas engenhocas altamente estruturadas na tecnologia, gerando pessoas frias, egoístas e imediatistas.

O Brasil precisa retomar seu projeto de desenvolvimento, precisamos saber o que queremos ser quando nos tornarmos adultos, se queremos continuar sendo o eterno país do futuro com terras agricultáveis, solo privilegiado e recursos minerais em abundância, ao mesmo tempo que abrigamos uma população com uma reduzida bagagem intelectual, sem esgoto tratado e com índices de criminalidade dos mais elevados do mundo, esta escolha é fundamental para que possamos entender nossas ambições e nossos desejos futuros.

A tecnologia deve ser vista como um grande avanço para a sociedade global, mas os agentes econômicos e políticos devem destacar a complementariedade desta tecnologia, mostrar seus pontos positivos e incentivar os indivíduos a verem-na como um indicativo de um novo momento da sociedade global, como nos avanços na saúde, nas comunicações e na educação. O grande equívoco é que muitos demonizam a tecnologia, destacando-a como a grande responsável pelos desequilíbrios da sociedade, colocando-a, como a principal responsável pelo desemprego e pelo aumento da desigualdade social, a tecnologia não deve ser vista como um fim, mas como um grande meio para que consigamos construir uma sociedade melhor e menos desigual, onde os indivíduos de todas as etnias, regiões e classes sociais tenham as mesmas condições de vida e oportunidades de crescimento e desenvolvimento. Tudo isto pode parecer uma grande utopia mas todas as utopias começaram com o sonho de uma única pessoa e se transformaram em uma sonho coletivo e da comunidade.

Médiuns, mediunidade e comunicação com os espíritos

A sociedade vem passando por grandes mudanças nos últimos anos, muitas estruturas sociais estão sendo removidas e outras estão sendo colocadas no lugar, gerando medos, instabilidades e grandes preocupações, o mundo contemporâneo assusta e instiga o indivíduo e o leva a buscar respostas para suas dúvidas mais íntimas e pessoais.

Dentre estas dúvidas, encontramos questões relacionadas a mediunidade, os chamados dons mediúnicos atraem muitas pessoas e cria uma aura de infalibilidade e inquietação, levando as pessoas a pagarem fortunas para se comunicar com entes queridos desencarnados, para buscar proteção ou para saber sobre seu futuro e suas perspectivas mais íntimas.

Os médiuns sempre geraram inquietação na sociedade, um misto de mistério e curiosidade, medo e esperança se misturando e criando expectativas, saber sobre os próximos passos e poder se comunicar com entidades e espíritos superiores sempre atraiu o ser humano, é como se o mundo espiritual superior estivesse sempre disponível para esclarecer sobre suas dúvidas ou para satisfazer as suas demandas mais íntimas e pessoais.

Em momentos anteriores, reis e rainhas concediam inúmeros poderes e privilégios aos seus médiuns favoritos, verdadeiros conselheiros, pessoas dotadas de grande sensibilidade que trabalhavam como informantes e confidentes da família real, informando-os sobre movimentos de opositores e munindo-os de informações privilegiadas. Estas personagens se revestiam de poder e difundiam medo e admiração, criando verdadeiras levas de bajuladores e detratores, numa relação baseada em amor e ódio.

Foi com a Doutrina dos Espíritos que a mediunidade passou por um processo de profissionalização, os médiuns foram descortinados por Allan Kardec, quando publicou a obra O Livros dos Médiuns, desde então a mediunidade passou a ser vista como mais um sentido para o ser humano, um instrumento de comunicação com o mundo espiritual, um instrumento de crescimento e de reparação de equívocos por parte dos encarnados, afinal todos reencarnamos com um único objetivo: o crescimento espiritual.

Mediunidade deve ser vista como um instrumento de trabalho concedido pelos espíritos superiores para que o indivíduo se desenvolva, todos somos médiuns, alguns dotados de mediunidades mais avançadas enquanto outros apresentam uma mediunidade menos desenvolvida. Devemos defini-la como uma sensibilidade que dá ao indivíduo uma potencialidade de comunicação com entidades de outros mundos, em algumas pessoas esta mediunidade se apresenta coma a psicofonia, outros como médiuns doutrinadores, outros são descritos como psicógrafos, alguns são oradores, outros passistas, ou seja, existem variados tipos de mediunidade, que encantam as pessoas e em muitos casos criam uma verdadeira idolatria, onde se concede ao médium um poder que inexiste.

A mediunidade é um grande instrumento de auxílio, inúmeros pais e familiares recorrem aos médiuns em momentos de desespero e desesperança, alguns os buscam quando perdem seus entes queridos, objetivando uma palavra ou um comentário mais íntimo para diminuir esta dor que corrói o coração e gera sentimento de indignação e, em muitos casos, de revolta.

Em muitos casos, a sociedade atribui um papel santo ao médium, dando-lhe um poder que este não possui, muitos o canonizam, transformando-o em um verdadeiro missionário, dotado de uma santidade exagerada. Devemos destacar, que todos somos espíritos em evolução, todos temos defeitos e qualidades, quando atribuímos santidade a algumas pessoas muitas vezes acabamos ressaltando uma vaidade que existe em todos os indivíduos, esta vaidade pode levar o médium ou o indivíduo incauto a quedas devastadoras, tornando missões tão nobres a ser transformada em motivos de detração e degeneração moral.

São muitos os médiuns que abusam deste poder imaterial e passam a se enxergar como verdadeiros missionários, acumulam poderes e se utilizam destes para um enriquecimento material, levando-o a cultivar vaidades e ambições, afastando destes médiuns os espíritos superiores que os acompanhavam até então e levando-os a serem acompanhados por entidades que vibram em um diapasão mais parecidos com os seus pensamentos e as suas energias. Nesta situação, a espiritualidade superior pode interferir para evitar que estes médiuns se comprometam de forma mais intensa, levando-os de volta ao mundo dos espíritos, com isso, reduzindo sua capacidade de criar problemas e desequilíbrios futuros.

O trabalho do médium consciente auxilia muito no desenvolvimento da comunidade, mostrando que a vida física é, na verdade, um período transitório, momentâneo mas fundamental, a verdadeira vida se dá no mundo espiritual, somos espíritos animando corpos materiais, que devem ser descritos como vestimentas utilizadas para que desenvolvamos nossas potencialidades, este mundo material é marcado por muitas limitações para o espírito que vê suas potencialidades serem reduzidas em prol de um desenvolvimento posterior.

Ao médium muitas oportunidades lhes são dadas, mas também muito lhe serão cobrados, o contato com o mundo espiritual pode servir como um instrumento de auxilio e de equilíbrio a muitos que se encontram perdidos e perturbados, a comunicação abre espaço para que muitos desajustes cometidos anteriores sejam resolvidos, a aproximação entre encarnados e desencarnados pode contribuir para dirimir melindres e consolidar sentimentos e mágoas cometidas anteriormente que estavam armazenadas intimamente, criando uma obsessão que poderia culminar em possessão espiritual.

O grande exemplo de médium que a sociedade mundial teve, foi a figura exemplar de Francisco Cândido Xavier, que em mais de 90 anos trabalhou de forma incansável para a consolidação da Doutrina dos Espíritos, continuando uma obra começada por Allan Kardec em meados do século XIX, aprofundada em forma de livros, artigos, mensagem, entrevistas e, principalmente, uma vida centrada em exemplos de abnegação e dedicação as leis de Jesus Cristo.

A trajetória deste grande médium começa com a publicação de inúmeras obras, atualmente quase quinhentos livros foram por ele publicados, sendo que destas obras o médium não usufruiu de nenhum recurso financeiro, todos os direitos destes livros foram destinados a obras de caridade e divulgação da Doutrina, revertendo em uma ampla base material de estudos, pesquisas e conhecimentos, tão fundamentais para o progresso do ser humano, diante disso tudo, não mais podemos alegar desconhecimento e ignorância, justificativas antes utilizadas pela grande maioria daqueles que chegam ao mundo espiritual com as mãos vazias de obras e construções imateriais sólidas e consistentes.

Depois de escrever livros que destacam a história do cristianismo, nos anos 1970, a mediunidade de Francisco Cândido Xavier vai se reverter as mensagens de conforto espiritual, levando aos corações aflitos informações de ente queridos que haviam partido para o mundo espiritual, estas mensagens trouxeram grande visibilidade ao médium, tanto no Brasil quanto no exterior, mas mesmo assim, continuou seu trabalho de forma humilde, levando conforto e esclarecimentos a todos que o procuravam em momentos de desesperança e desespero íntimos.

Mães e pais que haviam perdido seus filhos, esposas que tiveram seus maridos retirados de sua convivência no mundo material, pessoas das mais diferentes classes sociais, gêneros e comportamentos eram por ele atendidas da mesma forma, levando a estes corações o conforto, a paz e o equilíbrio, energias fundamentais para o progresso do ser humano.

Familiares que perderam seus entes queridos e que, no momento do desencarne, estavam afastados ou brigados por motivos fúteis, buscavam na figura de Francisco Cândido Xavier a oportunidade de conversar com seus familiares desencarnados, momento este desejado intimamente para pedir desculpas, chorar e se arrepender de palavras, comportamentos e atitudes levianas que nada constroem e que geram grandes constrangimentos para todos que a cometem.

Outro exemplo de dedicação ao pensamento espírita foi o da médium Yvonne do Amaral Pereira que, em uma de suas obras relata um fato ocorrido em sua vida, quando foi procurada por uma entidade que lhe prometeu grande fortuna e inúmeros prazeres materiais em troca de publicação de livros com outro caráter religioso e voltado para outras temáticas, deixando de lado os compromissos assumidos anteriormente.

Assim como Yvonne Pereira e Francisco Cândido Xavier, muitos outros médiuns e trabalhadores do ideal espírita foram tentados por entidades momentaneamente inferiores para que passassem para o outro lado, deixassem suas missões e compromissos espirituais assumidos anteriormente para traz e seguissem por uma estrada de luxo, ostentação e muitas riquezas materiais. Alguns aceitaram e tiveram quedas homéricas, outros rejeitaram as propostas, viveram com grandes limitações e ganharam homenagem valorosos no mundo espiritual, cumpriram com o que se comprometeram antes de reencarnar e podem ser considerados como espíritos vencedores, renasceram, trabalharam, foram muitas vezes humilhados, agredidos e incompreendidos, mas podem dizer que, com amor, fé e resignação, venceram o mundo.

A comunicação com entidades desencarnadas pode acontecer de inúmeras formas, muitas vezes sentimos uma inspiração interior, percebemos que uma ideia se encontra em nossa mente ou sentimos uma inspiração que não sabemos suas origens, nestes momentos podemos estar sendo inspirados pelos espíritos superiores ou por espíritos inferiores, que assim como os bons espíritos podem nos inspirar, estimulando sentimentos e comportamentos, por isso, faz-se fundamental o equilíbrio e os bons pensamentos para sentir as inspirações dos bons espíritos.

Muitas das grandes descobertas da humanidade surgiram via inspiração dos bons espíritos, que inspiraram cientistas e pesquisadores levando-os a descobertas que muitos benefícios trouxeram para a comunidade internacional, estas inspirações aconteceram e podem ser claramente compreendidas através das palavras do grande poeta português Fernando Pessoa, que nos disse: Deus quer, o homem sonha e a obra nasce.

            A relação entre os dois mundos, espiritual e material, é uma constância na vida de todos os indivíduos, a doutrina espírita nos trouxe uma revelação de grande impacto sobre a sociedade, alguns grupos tentam denegrir ou ofuscar estas revelações, buscando elementos difamatórios, muitos médiuns são abduzidos pelas doutrinas materialistas, o poder do dinheiro ainda tem grande importância sobre as escolhas da humanidade, o dinheiro abre portas e cria ilusões que os indivíduos apenas terão consciência nos momentos da debacle, nos instantes das dores e das humilhações, muitas destas escolhas ainda foram motivadas por entidades espirituais que se comprazem com o mal-estar e a indignidade, levando médiuns invigilantes a quedas terríveis.

Os trabalhos mediúnicos são fundamentais para o fortalecimento e a consolidação desta comunicação entre matéria e espírito, retrata a dimensão da existência humana e nos mostra como os espíritos podem nos influenciar em nossas decisões e escolhas, as materializações que ocorriam em períodos anteriores foram substituídas por inspirações, os momentos de fenômenos materiais ficaram para traz, na atualidade, os espíritos superiores se manifestam através de ideias e inspirações, mas para isso, faz-se necessário que a coletividade cultive bons pensamentos e atitudes elevadas, somente assim estes espíritos poderão nos inspirar para que alcancemos um progresso maior e a consolidação dos ideais mais nobres que viemos buscar em nossa atual encarnação.

Estamos indo rumo à selvageria, à barbárie diz Luís Eduardo Soares.

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A entrevista é de Eduardo Nunomura, publicada por Carta Capital, 14-05-2019.

Antes que a entrevista acabasse, o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares compartilhou notícias pelo WhatsApp que recebeu de moradores do Complexo da Maré, na zona norte do Rio, denunciando policiais militares que atiravam de dentro de um helicóptero. “Não sei se viu os vídeos do governador Witzel conclamando à barbárie, se apresentando como vingador, justiceiro, entrando ele mesmo com policiais armados no helicóptero, um negócio inacreditável”, relatou. “Essa é a nossa realidade, que invade nossa entrevista”.

Uma das maiores autoridades sobre segurança pública no Brasil, Soares estava em Nova York para ajudar na seleção de projetos da Open Society Foundations e falou sobre o lançamento do livro Desmilitarizar, da Boitempo, enquanto a violência eclodia em seu estado natal. Ironicamente, parte da sociedade aplaude e tira selfies com forças policiais, como nas manifestações em 2015, enquanto uma maioria se vê na mira de fuzis.

Crítico do governo de Jair Bolsonaro, o ex-secretário Nacional de Segurança Pública (janeiro a outubro de 2003) afirma que o “Estado Democrático de Direito não está em plena vigência” e a hora é de bloquear a derrocada.

Eis a entrevista.

O senhor afirma que o pacote denominado Anticrime do Sérgio Moro instaura, na prática, a pena de morte no Brasil. Poderia explicar melhor?

Esse pacote constitui uma tragédia. De 2003 a 2018, houve 15.061 mortes no estado do Rio de Janeiro provocadas por ações policiais. Elas já correspondem a 25% dos homicídios, caminhando para um terço. Sem que haja controle. Pelo contrário, há autorização tácita e estímulo por parte do governador Witzel e do governo federal. E esse projeto está legitimando e legalizando não só a pena de morte, que é a execução extrajuduacual mas a execução sem julgamento. A imensa maioria dos casos é arquivada. O Ministério Público não está cumprindo seu papel constitucional de controle externo da atividade policial e acaba sendo cúmplice. E a Justiça abençoando toda essa insanidade.

 

O pacote também reforça a política de encarceramento?

Temos 60 mil homicídios dolosos por ano. Estima-se que a taxa de resolução desses casos é de 8%. Mas isso não faz do País o paraíso da impunidade. O que há é uma inversão de valores e prioridades. Está se prendendo muito e muito mal. O delito mais grave, o homicídio doloso, é negligenciado, porque atinge jovens, negros e pobres dos territórios vulneráveis. Mas as prisões estão superlotadas. Quem está sendo preso e por quê? Só 13% estão cumprindo pena por homicídio doloso. O subgrupo composto pelos que transgrediram a lei de drogas é o que tem mais crescido desde 2007. Já são 28% do total de presos. Mas estamos falando do “aviãozinho”, o pequeno varejista das substâncias ilícitas, que tem sido preso em flagrante delito, sem arma, sem violência, e aparentemente sem qualquer nexo ou relação orgânica com organizações criminosas. Estamos destruindo vidas e construindo um futuro mais violento, alimentando as facções, oferecendo a elas mão de obra gratuita.

 

Por que ocorre essa inversão de valores e prioridades?

A polícia mais numerosa é a militar. Ela é proibida de investigar, de acordo com o artigo 144 da Constituição, que define a arquitetura institucional da segurança pública. Lá está dito que cabe à Polícia Civil investigar, e à Militar, o trabalho ostensivo, preventivo, uniformizado. Essa divisão entre duas polícias constitui um modelo que só existe no Brasil e que, obviamente, não deu certo. Mais de 70% dos profissionais de segurança pública não concordam com ele. A PM está presente em todas as cidades e é pressionada a produzir. Mas como ela prende se não investiga? Só lhe resta prender por flagrante delito. Mais de 80% dos casos são de um crime mais simples. A lei das drogas é o grande instrumento para o trabalho do policial militar. O policial militar captura o varejista, sem investigação. O encarceramento em massa decorre do casamento perverso entre nosso modelo policial e a lei de drogas.

 

Por que chegamos a esse ponto?

Há muitos anos, os governos estão dando velhas respostas. Quando damos mais do mesmo obtemos o mesmo resultado, apenas intensificado. E continuamos nas operações às cegas, matando 61 mil pessoas por ano, e promovendo um verdadeiro genocídio de jovens pobres e negros por conta da brutalidade do Estado. A população passou a clamar por soluções miraculosas, messiânicas, autoritárias, que impusessem a ordem. Vamos acreditando que para vencer o crime é preciso uma polícia violenta, que não respeite limites, a Constituição ou os direitos humanos. Com isso vamos degradando as nossas instituições, e gerando núcleos de interesse que favorecem o surgimento de milícias.

 

O seu livro faz uma defesa enfática da desmilitarização das polícias. Bolsonaro propõe o oposto disso. Estamos entrando em um período de trevas?

É tão obscura a situação, que nem percebemos que estamos imersos nessas trevas. O governo Bolsonaro aponta no sentido do estímulo à violência policial, que elogia e celebra a ignorância. É a intensificação de um processo que nos levou a esse desastre. O Estado precisa parar de matar e reorganizar as polícias sob a égide da legalidade constitucional, valorizar os seus policiais na ponta, reformar as estruturas de organização. As nossas são velhas e inteiramente incapazes de operar no século XXI, são uma herança da ditadura. Precisa também criar políticas de proteção da vida, sobretudo dos jovens.

 

Como seria possível desmilitarizar as polícias?

As polícias do mundo que têm algum destaque fazem o ciclo completo. Muita gente pensa que isso se dá por unificação. Mas a unificação se aplica quando tem uma polícia pequena. Em São Paulo, onde há mais de 100 mil policiais, quase um terço das Forças Armadas brasileiras, não dá. Podemos ter polícias metropolitanas ou municipais em São Paulo, desmilitarizadas, com ciclo completo, e destaco aqui uma grande bandeira da massa policial, a carreira única. Há duas polícias dentro das polícias civis, militares ou federais: a instituição dos delegados e não delegados, e a dos oficiais e não oficiais. Só em alguns casos, como na Civil, é possível fazer um concurso público para delegado. Mas há jovens recém-saídos das universidades, com 20 e poucos anos, que podem dirigir um grupo de homens e mulheres civis muito mais experientes.

 

Para a desmilitarização ocorrer, o senhor defendia uma coalizão reformista ampla. Mas como dar esse primeiro passo?

Estamos indo rumo à selvageria, à barbárie, ao aprofundamento da desigualdade, com a pobreza se expandindo, a miséria absoluta voltando a crescer, todos esses ataques terríveis a universidades, a ciência e tecnologia sofrendo todo tipo de restrição. E o Estado Democrático de Direito não está em plena vigência. Basta lembrar o caso de Lula, o principal líder da oposição está preso. O que podemos fazer no momento é bloquear a devastação, a derrocada.

 

O senhor foi coautor de livros capitais, Elite da Tropa e Cabeça de Porco, que esboçaram um retrato sombrio sobre o que estava acontecendo nos anos 2000. Como se sente em ver que quase tudo o que escreveu nessas obras virou realidade?

O curioso é que isso, com alguns detalhes distintos, aqueles relatos não eram uma antecipação a futuros possíveis, mas a constatação empírica do que já verificávamos. Lembro da Elite da Tropa 2, que saiu em 2010, em que há descrição detalhada de como as milícias empreendem projetos populares habitacionais, picaretagens assassinas. A Muzema e a tragédia recente do Rio estavam lá. Antes, existia aquela realidade absurda, mas havia governos democráticos apontando na redução de desigualdades, de enfrentamento do racismo, de abertura de novas possibilidades para os arranjos geopolíticos, estávamos diante de horizonte de esperança. Mas os ventos da inovação não chegaram a promover mudanças nos territórios vulneráveis e nas instituições que têm sido operadoras da brutalidade do Estado.

 

Afinidades espirituais, resgates e compromissos edificantes

Vivemos num momento de grande inquietação dos indivíduos, perguntas íntimas referentes a sentimentos e desejos que antes eram de difícil indagação, na atualidade está no centro das discussões e dos debates, estamos num momento onde as dúvidas estão sendo esclarecidas e as pessoas estão se abrindo para novas indagações. Nesta nova sociedade, percebemos claramente uma mudança estrutural nas famílias, os relacionamentos estão sendo alterados e as dúvidas estão vindo à tona, neste instante, o ser humano começa a se mostrar mais humano, cheio de dúvidas, medos e indagações constantes.

Muitas pessoas estão se indagando sobre questões relacionadas a sentimentos e amores, irmãos distantes e amigos próximos levam os indivíduos a inúmeras reflexões, afinal, como pode eu termais afinidades com meu amigo do que com meu próprio irmão? Neste aspecto, a Doutrina Espírita nos traz um grande conjunto de respostas e esclarecimentos que nos confortam e nos abrem novas perspectivas de compreensão da natureza humana.

No mundo contemporâneo, marcado pelo avanço tecnológico, as informações pululam em todos os cantos, a rede mundial de computadores nos traz os mais variados assuntos, sites de busca como o google nos auxiliam a encontrar estas informações e transformá-las em conhecimentos, que podem nos servir na caminhada nos trazendo melhoras íntimas e pessoais, destacando histórias e casos de sucesso que nos motivam e nos fazem crescer e nos desenvolver.

Diante deste arsenal de informações e conhecimentos disponíveis no mundo contemporâneo, alegar desconhecimento não pode ser visto mais como uma desculpa plausível e aceita, devemos nos moldar aos momentos e mostram nossa flexibilidade, afinal somos espíritos em constantes vivências diferentes e complementares, numa das encarnações estamos num corpo como homem e, numa próxima encarnação, podemos estar com uma outra roupagem física, em locais e com costumes e comportamentos diferentes, nesta situação a adaptação é fundamental e a providência divina nos concede os instrumentos necessários para todas estas vivências e experiências visando nosso crescimento e evolução espiritual.

Neste ambiente de informações crescentes, a doutrina dos espíritos nos trazem grandes revelações, levando os indivíduos a refletirem sobre suas trajetórias, embora o movimento espírita congregue “apenas” 4 milhões de brasileiros, segundo o IBGE, o país abriga mais de vinte milhões de simpatizantes, muitos desejando conhecer mais os ensinamentos espíritas, alguns passando por processos obsessivos e não recebendo as informações mais condizentes com suas situações ou aspirações, buscam no espiritismo uma fonte de conhecimentos mais precisos e conscientes.

Quantas famílias se encontram em situação de conflitos abertos entre seus membros, quantos país e mães recebem em seu seio crianças que destoam de suas raízes, com comportamentos inadequados, posturas antagônicas, agressividade e impulsividade que os levam a confrontos constantes, gerando rancores e ressentimentos que acabam corroendo o relacionamento e criando uma mágoa generalizada, desagregando a família e destruindo relacionamentos e resgates que poderiam auxiliar no processo evolutivos.

Irmãos que vivem em constantes conflitos, que se ofendem e agridem com palavras e até mesmo com a força física, deixando de lado os vínculos afetivos, emocionais e materiais e retornando aos instintos mais selvagens, rememorando momentos de irracionalidade vividos em passagens anteriores do processo evolutivo, quando sentimentos menores ainda eram comemorados intensamente e traziam os prazeres mais secretos para seus corações, mesmo contribuindo para aumentar os resgates futuros.

Quantos espíritos reencarnam com missões de construir relações favoráveis com aqueles que, em momentos anteriores, agrediram, ofenderam e caluniaram, mas no momento do retorno material se deixam levar pelas mágoas anteriores, pelos remorsos desagregadores e passam a espezinhar, maltratar e desbaratar os laços de solidariedade e perdão.

Os laços de famílias são fortes entre os indivíduos, mas os laços mais sólidos são aqueles entre espíritos simpáticos, que trazem em seu períspirito afinidades mais consistentes que perpassam esta vida e, muitas vezes, tem suas raízes inseridas em inúmeras encarnações anteriores, onde construíram um relacionamento sólido e saudável, estes espíritos se aproximam, se auxiliam e se comprazem em estar e em evoluir juntos.

Alguns familiares carecem deste laço espiritual mais sólido, estão juntos nesta encarnação muito mais por resgates do que por semelhanças espirituais e afinidades, a doutrina espírita nos mostra como este momento é importante para as pessoas, esta oportunidade de resgatar algum constrangimento de vidas passadas é sempre um processo educativo, sem este resgate o indivíduo não consegue evoluir mais consistentemente, consegue dar passos evolutivos mas sente, interiormente, que para alçar voos maiores, faz-se necessário e urgente, se redimir dos equívocos anteriores que ainda se encontram vivos em seu interior e sua consciência o faz lembrar de forma insistente.

Todas as oportunidades de resgate devem ser compreendidas como um processo de educação do espírito, muitos enxergam esta situação como uma punição, muitas vezes severas e agressivas da espiritualidade, esta compreensão não se faz correta, por mais que passemos por momentos de dificuldade na vida terrena, estas dificuldades devem ser vistas como grandes luzes de esclarecimento para os dias vindouros.

Se analisarmos um dos livros da coleção A vida no mundo espiritual, de André Luiz, Os missionários da Luz, vamos nos deparar com uma situação interessante, depois de matar Adelino para ficar com sua esposa, Raquel, Segismundo desencarna e vai para o mundo espiritual em regiões degradantes, depois de ser resgatado destes locais inferiores e se converter a uma mudança espiritual verdadeira, trabalhando e se dedicando imensamente em prol de auxiliar e se desenvolver espiritualmente, Segismundo recebe a notícia de seu retorno ao mundo material nos braços do casal acima. Neste momento a espiritualidade auxilia para que estes três não aumentem mais seus débitos e busca estimular um reencontro e uma maior aceitação, fazendo com que esta reencarnação seja um instrumento de construção na vida destas três pessoas, que traziam em seu íntimo rancores, ressentimentos e muita agressividade, fruto de desencontros de vidas anteriores.

Muitas pessoas agridem, maltratam e desbaratam familiares, acumulam ressentimentos por coisas pequenas e se colocam como vítimas em situações que poderiam ser facilmente resolvidas com um pouco de bom senso, outros são dominados por um constante melindre, tudo os ofende, tudo os constrange e tudo os agride, com isso, vivem constantemente se esquivando de responsabilidades e colocando a culpa em seus semelhantes, são estes incompreensivos que me afastam da doutrina, são estes invejosos que me agridem e são estes egoístas que destroem meu crescimento e meu desenvolvimento espiritual.

A Doutrina Espírita nos mostra, de forma clara e consistente, que todos os relacionamentos que construímos em nossas vidas devem ser marcados pelo respeito e pela solidariedade, todos aqueles indivíduos que geramos constrangimentos, agredimos ou cometemos ilicitudes, devemos nos reconciliar ainda nesta encarnação, pedir desculpa e tentar modificar sentimentos que, em muitos casos, estão represados a muitas encarnações. Algumas pessoas estão próximas, se agridem constantemente e quando um deles está em momentos de despedida, ao invés de se reconciliar, de perdoar e de construir uma nova relação, se afasta e, com isso, perde a oportunidade de reconstruir estes laços que muitas vezes o acompanharão por milênios, gerando dores e ressentimentos.

Se observarmos alguns fenômenos sociais que estão presentes na sociedade contemporânea, vamos perceber que as famílias estão reduzindo drasticamente o número de filhos, principalmente em países mais desenvolvidos e dotados de melhores condições sociais e econômicas. Diante desta constatação, devemos aproveitar o máximo possível nossa vida atual, reconciliar com nossos desafetos e construir relações sociais e espirituais mais sólidas e consistentes com aqueles que reencarnam como nossos familiares, pois senão o fizermos, muito provavelmente nossa próxima encarnação se dará em outras regiões do globo terrestre, onde a doutrina pouco estará presente e nós nos veremos com menos oportunidades de nos reconciliarmos com aqueles que nos ofenderam e nós o batizamos de desafetos.

Quantos filhos e filhas, ao perderem seus pais, mergulham em momentos constrangedores de depressão e dores severas na consciência, remorso de brigas e desajustes anteriores, muitos deles, em momentos de fúria agrediram seus genitores ou os abandonaram nos momentos de senilidade, estas dores na consciência os corroem de forma crescente, gerando desequilíbrios, obsessão e, em muitos casos, os levam a depressão ao, no limite, ao suicídio.

Nestes casos, muitos destes filhos ou filhas, vitimados por dores intensas, buscam as casas espíritas ou outros cultos religiosos, para se reconciliarem com seus genitores, buscam acima de tudo um perdão para se livrar das dores e cobranças que são constantes em suas consciências, cujas cobranças afligem a alma e geram medos nos escaninhos do espírito.

O melhor momento para nos reconciliarmos com nossos desafetos é agora, muitos encarnarão como filhos, filhas, esposos, esposas ou familiares próximos, se assim acontecer, devemos agradecer imensamente aos espíritos amigos e a espiritualidade maior por esta oportunidade de construirmos uma nova relação, centrada no respeito e na compreensão de que todos somos devedores, nascemos endividados e devemos nos desvencilhar desta dívida no decorrer de nosso desenvolvimento espiritual, retirando de nossos espíritos os pesos que nos impomos e nos limitam nosso crescimento moral e espiritual.

Os laços espirituais são os verdadeiros laços que nos sustentam na vida, muitos apresentam proximidade material e parental, mas muito distantes espiritualmente, convivem de forma respeitosa, mas não conseguem construir um relacionamento mais consistente e verdadeiro, diante disso, observe melhor suas escolhas, seus relacionamentos e seus sentimentos, se encontrou alguém que apresenta vínculos espirituais, preserve estes relacionamentos e cultive o amor e a gratidão, somente com estes valores éticos e comportamentos morais que o ser humano vai conseguir se libertar das angústias e das negatividades que trazem inseridas em seu períspirito, muitas delas fruto de uma infinidade de vidas e passagens pelo mundo material.

 

 

 

 

O Brasil precisa de um Plano Nacional de Desenvolvimento: entrevista especial com Paulo Kliass.

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Patricia Fachin | 26/05/2019 – IHU

Compreender a economia como um conjunto de regras de econometria e de cálculos que permitem alcançar um resultado quantitativo é insuficiente quando se trata de resolver crises econômicas que têm implicações sociais. Entendê-la e operá-la deste modo “é uma tentativa de retirar os conteúdos social, político e humano da economia, como se ela fosse um campo à parte do conjunto das Ciências Sociais e do conjunto das Ciências Humanas”, afirma o economista Paulo Kliass na entrevista a seguir, concedida por telefone para a IHU On-Line.

Membro da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia, Kliass argumenta que a intervenção estatal para garantir o desenvolvimento é a alternativa que deveria ser perseguida pelo Brasil neste momento. “As sugestões para reverter essa questão são feitas a partir de uma dimensão essencial, que é a do desenvolvimento. Trata-se da ideia de que não basta só a economia crescer; é preciso dar elementos de qualidade para o crescimento para fazer com que os frutos do crescimento econômico sejam compartilhados por uma parcela maior da população e para que a qualidade de vida das famílias também tenha um ganho”, pontua.

Segundo ele, nos países desenvolvidos têm se difundido a ideia de que o Estado deve gastar em momentos de crise. “Começa a se praticar aquilo que os desenvolvimentistas, os chamados Keynesianos e os economistas de esquerda de várias orientações, sempre falaram”. O Brasil, lamenta, apesar da mania de importar os modismos dos países centrais, não adotou essa iniciativa. “O sistema financeiro no Brasil está ganhando tanto dinheiro com a política de austericídio, que não houve espaço para adotar essa nova moda”. Entretanto, defende, “no caso que estamos vivendo, ao contrário de ter um respeito quase ‘religioso’ ao determinante, por exemplo, da Lei de Responsabilidade Fiscal ou da chamada PEC do fim do Mundo — Emenda Constitucional 95 —, deveríamos flexibilizá-las, ainda que isso signifique o aumento do endividamento num primeiro momento, porque lá na frente, com a retomada do crescimento econômico, o Estado volta a ter arrecadação, o emprego volta a normalizar, as pessoas passam a recolher tributos, voltam a consumir e a roda da economia volta a funcionar”.

Kliass sugere ainda que é preciso colocar em prática o Plano Nacional de Desenvolvimento, estabelecido na Constituição de 88. “Está passada a hora de recuperarmos essa dimensão. Quando se fala em desenvolvimento, está claro que esse não é um processo em que simplesmente as leis e os mercados vão atuar, de jeito nenhum, porque a lógica do capital é de curto prazo e de maximização de rentabilidade; ele não está preocupado com a qualidade das pessoas ou com o futuro do país. Por isso é necessário que o Estado tenha instrumentos para pensar, primeiro, a relativização desse rendimento extraordinário de curto prazo e a questão da sustentabilidade, isto é, criar um desenvolvimento que tenha suas dimensões econômica, social e ambiental”, argumenta.

 

Paulo Kliass é graduado em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas – SP, mestre em Economia pela Universidade de São Paulo – USP e doutor em Economia pela Université de Paris 10, e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Atualmente está lotado na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia – Diest do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea.

Confira a entrevista.

IHU On-Line — O senhor critica o fato de muitos economistas analisarem a situação econômica apenas a partir da economia e não da economia política. Por que, na sua avaliação, uma análise estritamente econômica não é suficiente para compreender a situação econômica do país?

Paulo Kliass — Não sou eu quem faz essa distinção. Pensadores “clássicos da economia”, como Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx, pensaram isso há 200, 300 anos. Eles tratavam de um campo de conhecimento que em todas as línguas era conhecido como economia política, mas num determinado momento da história do pensamento econômico, principalmente em meados do século XX, as tradições inglesa e americana mudaram a denominação. Assim, o que era conhecido como Political economy passou a ser conhecido como economics, em inglês. Foi retirado o adjetivo “política” da economia e, dessa forma, se firmou o campo do conhecimento denominado “economia”.

Isso não acontece de uma maneira gratuita. Na verdade, é uma tentativa de retirar os conteúdos social, político e humano da economia, como se ela fosse um campo à parte do conjunto das Ciências Sociais e do conjunto das Ciências Humanas — essa foi uma operação aparentemente muito bem-sucedida. Aqueles que como eu e uma série de outros professores, pensadores e economistas, tentam recuperar essa tradição histórica importante, defendem que a economia não é uma ciência exata; a economia tem uma natureza de ciência social e de ciência humana. Claro que é um campo específico de trabalho, mas ela não pode perder essa outra dimensão e ser pensada apenas como uma planilha, como um conjunto de regras de econometria e de cálculo que sempre, necessariamente, vai chegar a um resultado quantitativo objetivo; de jeito nenhum. Por isso a minha insistência de recuperar essa dimensão histórica que esse campo do conhecimento sempre teve.

IHU On-Line — Quais são os ganhos de analisar a situação econômica a partir da perspectiva da economia política?

Paulo Kliass — Um dos principais ganhos, além da questão filosófica de como encarar o fenômeno econômico, é a possibilidade de fazer uma discussão concreta sobre o que estamos passando no Brasil nas últimas décadas. Existe uma ideia de que há uma única resposta econômica para uma questão colocada em determinado momento. Por exemplo, o Brasil está passando por uma crise fiscal e se diz que só existe uma única saída para essa crise porque a economia é uma ciência quantitativa, é uma ciência que não pode se sujeitar às “impurezas” do campo da política e das outras ciências sociais. Temos que ser muito rigorosos com essa visão ortodoxa do tratamento da questão econômica.

As pessoas também dizem que o Banco Central tem que ser “independente” porque ele não pode ser “contaminado” pela política. Isso é uma loucura, porque está se criando um novo poder além dos três poderes, o qual comandaria a economia. O que significa dizer que o Banco Central não pode ser contaminado pela política. É como se ele tivesse uma aura de neutralidade e de imparcialidade, e que pessoas competentes e que estivessem à frente do Banco Central iriam tratar as questões estritamente de forma econômica. Porém, isso não existe. O Banco Central é uma instituição subordinada ao Ministério da Fazenda — agora ao Ministério da Economia — e seu presidente não foi eleito. Ele está subordinado a um poder da República, que é o Poder Executivo. O presidente da República foi eleito para comandar um conjunto de políticas públicas, entre elas a política econômica. Então, não tem sentido falar em “contaminação pela política”.

Outro ganho é debater a reforma da Previdência. Na visão da economia, não importa se grande parte da população de baixa renda depende do benefício previdenciário para sobreviver, porque existe um problema fiscal que não suporta essa política pública importante. Com relação ao salário mínimo, a mesma coisa. Os defensores dessa visão estrita de economia afirmam que não podemos fazer uma lei de revalorização do salário mínimo como estava valendo na época do ex-presidente Lula, porque o nosso orçamento não comporta. Sempre que há alguma demanda social, política ou humana dos setores que não pertencem à elite, se reivindica a neutralidade da economia como campo do conhecimento.

Agora, o fato de que os presidentes do Banco Central, em geral, são banqueiros, não é considerado um problema político, porque eles são “competentes”, como se eles fossem desenvolver uma política econômica e uma política monetária à frente do Banco Central que fosse neutra; não existe isso. Eles vão defender os interesses que respondem àquilo que eles defendem na sociedade, que no caso é o interesse do sistema financeiro.

IHU On-Line — O senhor tem criticado as propostas de ajuste fiscal do governo como sendo a única saída para reorganizar as contas públicas e a economia. Que alternativas existem ao ajuste?

Paulo Kliass — Ninguém em sã consciência pode dizer que a situação econômica que a sociedade brasileira atravessa, do ponto de vista fiscal e monetário, é tranquila, de maneira nenhuma. Em 2004, 2005, 2006, o quadro era totalmente diferente.

Primeiro ponto: estamos passando por uma grave crise; estamos há dois anos em uma profunda recessão. Desde 2015 o PIB praticamente ficou no chão e está “andando de lado”, porque cresceu muito pouco. O problema é que a partir de 2008 e 2009, quando ocorre a grande crise econômica e financeira no coração do sistema econômico mundial do capitalismo nos Estados Unidos e na União Europeia, aconteceu uma grande reviravolta na forma como a própria doutrina econômica conservadora encarou o fenômeno econômico. Até então o mundo todo estava sendo regido — os principais países, os ministérios das finanças, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional – FMI e a União Europeia — por aquilo que era conhecido como o Consenso de Washington que, entre outros aspectos, reforçava a ideia do rigor fiscal, da austeridade absoluta na conduta das contas públicas, e qualquer problema de endividamento ou déficit era considerado uma loucura.

A partir de 2009, quando o próprio sistema capitalista foi colocado em xeque, a resposta foi pragmática, isto é, o próprio sistema percebeu que se continuasse fiel a esse “doutrinarismo” neoliberal, o sistema iria falir. O que aconteceu foi isto: precisaram fazer um “cavalo de pau” com o carro andando e promoveram uma mudança importante. Com isso, os Estados Unidos entraram gastando, o Estado norte-americano acabou gerando dispêndios enormes, e a mesma coisa aconteceu no Japão, na União Europeia e nos países desenvolvidos do mundo capitalista. Isso teve que ter uma reposta do ponto de vista ideológico e doutrinário, e esse processo ainda está em crescimento.

Nos países desenvolvidos está sendo criado um campo que tem sido chamado de MMT, sigla em inglês de Modern Monetary Theory (Teoria Monetária Moderna), que é uma tentativa — preservando o próprio sistema capitalista, não é nada revolucionário ou socialista — de dizer que o Estado tem que gastar na crise. No fundo essa é a essência desse pensamento. Ou seja, começa a se praticar aquilo que os desenvolvimentistas, os chamados keynesianos e os economistas de esquerda de várias orientações, sempre falaram.

Intervenção estatal

O problema é que o Brasil, apesar de nossa grande mania de importar os modismos dos países centrais, não importou essa nova moda. O sistema financeiro no Brasil está ganhando tanto dinheiro com a política do austericídio, que não houve espaço para adotar essa nova moda. Mais recentemente, alguns economistas do campo conservador estão tentando trazer essa autocrítica para o Brasil, como, por exemplo, o economista André Lara Resende. Eles dizem: não se preocupem tanto com a questão fiscal no sentido do endividamento porque, no momento da crise, ao contrário do que propõem os austericidas, o Estado tem que sair gastando, pois a única forma de a crise ser superada é com a retomada do crescimento econômico geral da economia. E, num momento de crise aguda como o que estamos vivendo, se o Estado não dá sinalização, se não é protagonista na recuperação da atividade econômica, a economia continua na inércia da estagnação.

Concretamente no caso que estamos vivendo, ao contrário de ter um respeito quase “religioso” ao determinante, por exemplo, da Lei de Responsabilidade Fiscal ou da chamada PEC do Fim do Mundo — Emenda Constitucional 95 —, deveríamos flexibilizá-las, ainda que isso signifique o aumento do endividamento num primeiro momento, porque lá na frente, com a retomada do crescimento econômico, o Estado volta a ter arrecadação, o emprego volta a normalizar, as pessoas passam a recolher tributos, voltam a consumir e a roda da economia volta a funcionar.

IHU On-Line — A Carta de Princípios da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia chama atenção para a “reafirmação do papel histórico dos economistas brasileiros no processo de desenvolvimento nacional”. Visões econômicas de quais economistas brasileiros poderiam ser recuperadas neste momento como uma alternativa para enfrentar a crise que o país vive?

Paulo Kliass — Estamos tendo várias sinalizações nos últimos anos da necessidade de haver uma mudança dessa visão mais tacanha a respeito do fenômeno econômico. Nesse sentido, a constituição da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia cumpre dois papéis: de um lado, acompanhar o movimento de outras categorias no sentido de mostrar que o país está passando por um momento muito crítico da sua história, uma vez que a questão democrática está sendo colocada em xeque, e, de outro, apresentar sugestões para reverter esse quadro. As sugestões para reverter essa questão são feitas a partir de uma dimensão essencial, que é a do desenvolvimento. Trata-se da ideia de que não basta só a economia crescer; é preciso dar elementos de qualidade para o crescimento para fazer com que os frutos do crescimento econômico sejam compartilhados por uma parcela maior da população e para que a qualidade de vida das famílias também tenha um ganho.

Isso não tem nada de novo: estamos tentando recuperar 30, 40 anos que foram perdidos pela adoção de uma agenda neoliberal, recuperando algo que já esteve presente na nossa sociedade, que é justamente a ideia do desenvolvimento. Há pensadores históricos importantes no Brasil, como Celso Furtado, mas também Ignácio Rangel e Rômulo Almeida, que tinham uma visão de país e da contribuição que a economia poderia oferecer para esse sonho de país dos anos 1950 e 1960. Infelizmente, eles foram barrados pela ditadura de 1964, e quando conseguimos superar o processo do regime militar, isso veio num momento em que o mundo todo estava caminhando na direção contrária, na direção do Estado Mínimo, da negação das políticas públicas, da “supremacia absoluta” do mercado e das livres forças de oferta e de demanda. Em 1988 a Constituinte falou da necessidade de um Plano Nacional de Desenvolvimento e lá se vão 31 anos sem que isso nunca tenha sido implementado, junto com outras propostas, como, por exemplo, o imposto sobre grandes fortunas.

Está passada a hora de recuperarmos essa dimensão. Quando se fala em desenvolvimento, está claro que esse não é um processo em que simplesmente as leis e os mercados vão atuar, de jeito nenhum, porque a lógica do capital é de curto prazo e de maximização de rentabilidade; ele não está preocupado com a qualidade das pessoas ou com o futuro do país. Por isso é necessário que o Estado tenha instrumentos para pensar, primeiro, a relativização desse rendimento extraordinário de curto prazo e a questão da sustentabilidade, isto é, criar um desenvolvimento que tenha suas dimensões econômicasocial e ambiental.

IHU On-Line — Por que a reforma da Previdência não garante a sustentabilidade fiscal, tal como afirma o manifesto dos economistas?

Paulo Kliass — Agora que começaram os trabalhos da Comissão Especial da Câmara, os economistas, especialistas e técnicos que sempre denunciaram a falácia do argumento da reforma, estão tendo a oportunidade de esclarecer para os parlamentares e para o conjunto da sociedade a nossa visão. Isso já aconteceu na época do Temer, quando participamos de um movimento amplo coordenado pelas centrais sindicais, pelo Dieese, pela associação nacional dos fiscais da previdência, em que demonstrávamos exatamente isto: o argumento de que é necessária uma reforma da Previdência, porque, do contrário, o país quebra, não para em pé. As despesas que o governo federal vai ter para 2020, 2021, 2022 e 2023 já estão dadas, quer dizer, as pessoas já estão aposentadas, já estão recebendo seus benefícios. Estão tentando criar um clima de catástrofe que não corresponde com a realidade, porque a reforma não vai afetar em nada as despesas para o ano que vem e os próximos. O que está se pretendendo com isso é criar um clima para destruir o atual regime de previdência social, o Regime Geral de Previdência Social – RGPS, porque esse regime, até 2015, antes do início da recessão, estava equilibrado. Mas o sistema previdenciário é constituído à base de receitas e despesas. Como a receita depende do emprego, porque é uma contribuição que o trabalhador retira da sua folha de salário e a empresa retira da folha de pagamento, quando se tem a recessão, drasticamente cai o número de contribuições recolhidas, e se passa a ter aquilo que não é um déficit estrutural, mas um déficit de necessidade de financiamento. Mas na hora em que a economia voltar a crescer, de alguma maneira haverá recuperação das receitas e o sistema voltará a se equilibrar.

Isso significa que não precisa fazer nenhuma mudança? De maneira nenhuma. Os sistemas previdenciários do mundo são sistemas permanentemente alterados, seja pela questão econômica, de buscar novas fontes de financiamento que não apenas o salário, seja por função demográfica, mas isso não se resolve com uma emenda constitucional como esta que foca apenas no corte de despesas, que foca no corte de despesa da população mais carente e que, ao contrário do que o governo diz, deixa os privilegiados de fora. Os verdadeiros privilegiados na sociedade, o 1% do topo da pirâmide, não dependem da aposentadoria do INSS e nem são funcionários públicos. Eles são pessoas que têm um nível de renda e de patrimônio elevadíssimo e que vão garantir a sua aposentadoria por outros meios, como o mercado financeiroaçõespatrimônio etc. Esses que nunca contribuíram para o nosso sistema previdenciário têm que começar a contribuir.

IHU On-Line — Quais são os problemas que a Associação Brasileira de Economistas pela Democracia vê no regime de capitalização da previdência defendido pelo governo? O manifesto dos economistas menciona a possibilidade de esse regime gerar impactos sociais e fiscais. Pode nos dar alguns exemplos de que impactos seriam esses?

Paulo Kliass — O regime de capitalização não é uma criação genial do Paulo Guedes, pelo contrário, ele participou da equipe que há 45 anos foi para o Chile depois do golpe contra o presidente Salvador Allende.  Nessa ocasião foi feito o primeiro experimento de romper da economia política para a economia. Os alunos e doutorandos da Universidade de Chicago foram chamados pelos militares para resolver os problemas econômicos no Chile. Uma das primeiras medidas adotadas foi acabar com o regime da seguridade social e substituí-lo por um regime de capitalização. Algumas décadas depois — e esse é o problema da seguridade, porque se sentem os efeitos geracionalmente — o sistema faliu. Os bancos ganharam muito dinheiro no momento da capitalização, mas quando chegou a fase de pagar as pensões, nada havia sido pensado. Recentemente, como a população idosa está passando por problemas graves de índices de pobreza, o Estado foi chamado a reestatizar o sistema de capitalização e a transformá-lo de novo num sistema de previdência social. A Organização Internacional do Trabalho – OIT fez um estudo analisando os trinta países que entraram nessa onda neoliberal nas últimas décadas e 18 deles já voltaram atrás, inclusive países como Rússia e outros que eram socialistas até a época da queda do Muro de Berlim.

No Brasil, a história já está prevista desta maneira: para destruir, como é a pretensão, o Regime Geral da Previdência Social, se apresenta a capitalização como alternativa. Então, se deixa de ter a previdência social como uma política pública, como um direito de cidadania, e ela passa a ser mais uma mercadoria do mercado financista. Daqui a 35 anos o seu João vai chegar no banco e dizer que não era aquilo que tinha negociado. Mas 35 anos atrás era o ano de 1984 e de lá para cá foram criados quantos planos de estabilização econômica e tiveram quantas mudanças na moeda? O Plano CruzadoCruzado IIPlano CollorPlano Bresser, e em cada um deles a população foi perdedora e o sistema financeiro se apropriou desses planos. Quem tivesse começado a poupar há 35 anos teria visto seu dinheiro virar pó.

A capitalização é uma panaceia: ela não garante que a renda vitalícia vai se constituir e permite que o sistema financeiro lance mão, passe a ser “proprietário” da gestão do fundo bilionário da previdência social, que faz a gestão de aproximadamente 700 bilhões por ano. Imagine o quanto isso não vai se reverter em lucro para as instituições financeiras caso a medida seja aprovada.

IHU On-Line — Qual é a proposta da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia para combater as desigualdades sociais no país e garantir o estado de bem-estar social? Que reformas ou políticas defendem nesse sentido? Muitos propõem uma reforma tributária como fundamental. O senhor também aposta nessa linha?

Paulo Kliass — Para dar conta da tarefa de reorganizar a sociedade, reduzir o nível de desigualdade, retomar o crescimento econômico, é preciso objetivamente ter recursos para desenvolver políticas públicas de inclusão e redução das desigualdades. Temos alguns exemplos de como isso foi possível: na medida em que retoma o crescimento e o Estado passa a recolher mais tributos, tem como criar mecanismos de redistribuição na área de políticas de educação, saúde, saneamento, meio ambiente. É necessário realmente que se faça uma reforma tributária para que setores da sociedade que nunca contribuíram do ponto de vista da arrecadação de tributos, possam contribuir.

O nosso sistema tributário é o que no economês se chama de sistema regressivo. Isso significa que a população de baixa renda, que menos recebe, contribui muito mais do que a população do topo da pirâmide. Uma das medidas seria promover uma readaptação do sistema tributário para fazer essa mudança. O tributo que uma pessoa paga quando compra um litro de leite depende de se o cidadão ganha um salário por mês, se está desempregado, ou se é um acionista do banco Itaú e tem uma renda anual de um milhão de reais. Se você acende a luz da sua casa, você paga um tributo de energia elétrica. O preço do quilowatt independe da renda. A ideia é que não se tribute apenas a produção e o consumo, mas se passe a tributar mais a renda e o patrimônio. No Brasil, lucros e dividendos são isentos de imposto — FHC introduziu essa medida no final da década de 1990. Os três maiores bancos privados tiveram um lucro de quase 30 bilhões no ano passado e esse valor se transforma em lucros e dividendos para os donos e acionistas, que não pagam um centavo. Ainda no plano do simbólico, pessoas que têm carro pagam IPVA, mas quem tem jatinho, iates e helicópteros, não paga impostos. Não é isso que vai resolver o problema tributário, mas dá a dimensão de como é possível fazer mais justiça tributária. Hoje existem mecanismos de georreferenciamento para saber quem é proprietário agrícola e cobrar imposto sobre a propriedade, mas não se cobra.

O último estudo que fiz há alguns anos mostrava que o IPTU da cidade de São Paulo equivalia a seis vezes o valor total do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR que era cobrado do Brasil inteiro. É preciso fazer um conjunto de medidas que dê condições para o Estado brasileiro ter recursos para desenvolver uma política de desenvolvimento com inclusão. O mais importante não é a disputa tributária, mas a retomada do crescimento, porque enquanto não tivermos a economia crescendo, não conseguiremos ter recursos para desenvolver essa política.

IHU On-Line — Teria sido mais pertinente iniciar as reformas com uma reforma tributária?

Paulo Kliass — Essa é uma questão que a oposição vai ter que se colocar, porque uma reforma tributária significa, entre outras coisas, uma reforma constitucional, mas não só, pois algumas mudanças podem ser feitas através de lei ordinária. Mas será que o Congresso estaria disposto, na sua composição, a fazer uma reforma tributária que caminhasse nessa linha? O que percebemos é que a maioria dos parlamentares acha que é preciso fazer uma reforma tributária para reduzir a carga tributária, porque existe essa falácia de que a carga tributária é excessiva no Brasil, o que é uma ilusão. O Brasil não tem uma carga tributária mais excessiva do que a média dos países desenvolvidos da OCDE. Fazer uma reforma tributária para reduzir o nível da carga é o pior dos mundos.

É preciso ter um processo de conscientização da população e o estabelecimento de um debate nacional mais amplo para mostrar que a reforma tributária não deve ser feita para diminuir a carga, mas para promover justiça tributária. Não cabe, em uma situação como a que estamos vivendo, promover redução de imposto. Ao contrário, precisamos redistribuir mecanismos tributários para diminuir a carga sobre consumo e produção que incide sobre a população de baixa renda, e fazer com que os setores que têm mais recursos, renda e patrimônio contribuam para a nossa sociedade.

Temos uma tradição histórica, social e cultural das nossas elites, que nunca deram nenhuma contribuição para a sociedade e para o Estado, e que sempre se beneficiaram junto às esferas de poder para conseguir isenção, desoneração e para não serem punidas por causa da sonegação. Todos os anos o Ministério da Fazenda promove uma coisa chamada Refis, que é o perdão da sonegação. Ou seja, a Receita Federal financia em até 15 anos dívidas bilionárias das grandes empresas, mas o problema fiscal é o seu João que recebe o Benefício de Prestação Continuada – BPC de um salário mínimo mensal; a coisa está virada de cabeça para baixo.

IHU On-Line — A carta também menciona a necessidade de combater as desigualdades regionais. Que tipo de desenvolvimento é possível para o Brasil, considerando suas diferenças e peculiaridades regionais?

Paulo Kliass — Essa é uma questão essencial. Estamos voltando 60 anos, às décadas de 1950 e 1960, que foram os primeiros momentos em que a questão regional passou a ganhar relevo em nosso debate. Ali foi criada, por exemplo, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – Sudan e a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste – Sudeco. Ao longo dos tempos, logo depois das formulações do Celso Furtado, aconteceu o golpe militar e, com isso, uma deturpação completa da orientação do desenvolvimento regional. A ideia inicial era ter recursos, um fundo constitucional de desenvolvimento regional para o NordesteNorte e Centro-Oeste, e ter instrumentos no âmbito da administração pública para direcionar esses recursos para projetos que sejam de apoio à população local, à economia regional, os quais pudessem dar algum retorno para o conjunto do desenvolvimento brasileiro. O problema da Sudene na época da ditadura é que ela virou simplesmente uma forma de ajudar grandes empresas a se instalarem na região para produzir, para ganhar dinheiro, mas sem nenhuma preocupação com a dimensão regional. Com a Sudam aconteceu a mesma coisa; ela praticamente ficou reduzida à Zona Franca de Manaus. A Sudeco quase deixou de existir. Há uma série de pesquisadores e estudiosos do tema identificando os nós e as potencialidades do desenvolvimento regional e isso é muito importante. Porém, até hoje, para uma pessoa como o Paulo Guedes, isso é uma heresia, porque é um “dirigismo”, é o Estado dizendo o que o setor privado pode ou não fazer. Entretanto, se observarmos a expansão agrícola no Brasil, veremos que todas as regiões do Cerrado e da Amazônia estão sendo ocupadas segundo a lei selvagem do mercado, que é a destruição da selva, a venda da madeira, a expansão da soja, sem preocupação efetiva com o desenvolvimento sustentável na região e para o conjunto.

A ideia de desenvolvimento sugere criar empregos, promover processos de distribuição de renda e de fixação da população local na própria região, além de levar saúde, educação e ciência e tecnologia; as tarefas são enormes. Para tanto, é preciso vontade política — o Estado tem que ter uma presença organizadora nesse espaço territorial — e disposição de aplicar recursos para orientar esse desenvolvimento.

IHU On-Line — A Associação Brasileira de Economistas pela Democracia pretende estabelecer algum diálogo com o governo, a fim de propor alternativas para enfrentar a crise atual? Sim, não, como e por quê?

Paulo Kliass — Temos um diálogo permanente entre os colegas. A minha visão a respeito disso é que ninguém deve se furtar ao diálogo. Se o governo — seja o Paulo Guedes, o próprio presidente Bolsonaro, os líderes do governo no Congresso e os demais interlocutores — tem interesse em conversar, ninguém deve se furtar ao diálogo. É importante dizer que, ao se estabelecer o diálogo, tem que ter a disponibilidade, de outro lado, de ouvir argumentos e estar disposto a promover mudanças na sua orientação.

Todos os dias a Comissão Especial está discutindo a reforma previdenciária, vários economistas já foram chamados e eu provavelmente vou falar na próxima semana também, e na Comissão se discute não só a reforma previdenciária, mas a necessidade de mudar a agenda da economia para incorporar essas coisas todas que conversamos. Acho difícil que alguém com o perfil do Paulo Guedes e com o compromisso que ele tem, aceite uma mudança tão grande na gestão do Ministério da Economia. Particularmente acho que a primeira questão é desmembrar a concentração que a equipe econômica fez e voltar para o Ministério do Planejamento. Como vão fazer política de desenvolvimento se não existe um Ministério do Planejamento? É preciso voltar a ter o Ministério da Fazenda, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e é preciso ter instrumentos no âmbito da administração pública para desenvolver essas políticas públicas que queremos implementar.

IHU On-Line — O papa Francisco tem defendido em seus pronunciamentos que é preciso pensar uma nova economia. Em 2015, no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em Santa Cruz de La Sierra, disse que é preciso dizer “não a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir”. Nesta semana, o papa disse que os jovens economistas precisam “estudar e praticar uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda”.

Paulo Kliass — Para toda a população do mundo, para as elites, governos, instituições e para as pessoas em geral, a figura do papa está sendo uma grata surpresa no debate mundial. Ele está reforçando a questão da fraternidade, da paz, do combate à miséria e à pobreza e isso é de uma riqueza fenomenal. Neste momento em que a humanidade está vivendo essas dificuldades, vem uma voz dizendo que existem injustiças e existem recursos que precisam ser compartilhados numa perspectiva mais humana e fraterna. Na questão econômica, ele cai como uma luva neste debate que estamos fazendo. Uma figura com a responsabilidade e a importância do papa, que diz que os economistas precisam mudar a sua forma “economicista” de ver a economia e apresentar a dimensão humana e fraterna do processo econômico, é fundamental, porque ele toca no ponto da ferida da qual estamos falando. Quer dizer, a sociedade contemporânea produz demais, é exuberante na sua capacidade de produção, mas no momento da distribuição, seja dos salários, seja dos empregos ou da capacidade de consumo, ela é injusta e desigual. Então, é importante que pessoas com essa liderança tragam esse tipo de reflexão, porque isso faz com que os demais atores comecem a refletir sobre a necessidade de mudança.

 

 

 

 

Os riscos e os desafios da desindustrialização brasileira

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A economia brasileira vem passando por inúmeras transformações nas últimas décadas, desde o começo dos anos 1980 a indústria brasileira vem perdendo espaço no produto interno bruto (PIB), passando por um processo conhecido na literatura econômica como desindustrialização, reduzindo seu espaço e sua relevância na economia global e gerando inquietações e dúvidas sobre a sociedade brasileira e a sustentabilidade do setor industrial.

A trajetória industrial brasileira remete ao meado do século XIX, mas só ganhou força e relevância depois da crise de 1929, neste momento a sociedade brasileira passou por grandes mudanças que culminaram na decisão de estimular um amplo desenvolvimento industrial, centrado, estruturado e financiado por investimentos estatais, neste momento o governo federal chama para si a responsabilidade de desenvolver a industrialização, planejando e construindo as etapas necessárias para uma ampla mudança na base produtiva do país que, na época estava concentrado no meio rural e tinha nos setores agrícolas o grande motor do crescimento econômico.

Nesta época, o país importava todos os produtos que necessitava, desde os produtos mais simples até aqueles que exigiam uma maior capacidade de produção, com isso, o Brasil era uma economia altamente dependente dos mercados internacionais, estávamos inseridos neste ambiente externo como produtores de produtos agrícolas e de baixo valor agregado e importadores de produtos industrializados, atualmente conhecidos como produtos de alto valor agregado, nesta relação comercial nossos produtos tinham seus preços “controlados” pelos consumidores destes e nossas compras tinham seus preços definidos pelos produtores internacionais.

Depois da ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o Estado Nacional passou a estimular a industrialização, visando a construção de um setor mais dinâmico e flexível, produtor de produtos com valor agregado maior e uma dependência menor das compras externas. Para conseguir a industrialização foram necessários que o Estado organizasse os atores econômicos, levantasse capital e recursos financeiros, trouxesse mão de obra capacitada do exterior para a empreitada, planejasse políticas específicas para o setor, construísse infraestrutura e protegesse os setores nascentes para evitar que a concorrência externa destruísse nossos primeiros setores industriais, angariando grandes inimizades no mercado internacional, onde as economias desenvolvidas e industrializadas adotaram políticas para inviabilizar toda e qualquer política de desenvolvimento industrial.

No período 1950/1980, o produto interno bruto per capita cresceu a uma taxa de mais de 4,5% ao ano, com isso, percebíamos que o sonho de construirmos um setor industrial forte e dinâmico seria alcançado em pouco tempo, muito brevemente o Brasil conseguiria dinamizar e fortalecer nossa economia, com o surgimento de novos setores industriais, diversificando e abrindo novas oportunidades de negócio e de investimentos.

Neste período, muitos intelectuais e pesquisadores acreditavam que o Brasil seria a nova potência do século XXI, o crescimento era acelerado, a urbanização gerava novas oportunidades de negócio, as condições de vida e de bem-estar social melhoravam de forma crescente, incentivando um progresso maior da economia e abrindo novas oportunidades de negócio, fundamental para o crescimento sustentável da economia nacional.

No final dos anos 70 e início dos anos 80, a economia perdeu força, o crescimento reduziu de forma considerável, a inflação e o endividamento externo ganharam relevância na agenda econômica do governo federal e o sonho de desenvolvimento ficou comprometido, obrigando os sucessivos governos a adotarem políticas para reverter os péssimos indicadores macroeconômicos e colocar o país de volta nas trilhas do crescimento e na melhoria do bem-estar social.

Neste momento a economia internacional vivia um período de transição para um modelo descrito como terceira revolução industrial, centrados na informática e nas telecomunicações, obrigando internamente um ajuste que pedia mais abertura, mais investimento em capital humano e maior competição entre os agentes econômicos e produtivos. Neste novo cenário, o Brasil se mostrou reticente quanto as mudanças necessárias e urgentes, ao postergar estas mudanças acabou perdendo espaço para outras economias no mercado internacional.

Os anos 80 podem ser descritos como a década perdida, neste período nosso crescimento foi reduzido, o modelo anterior perdeu força e um novo modelo econômico tinha dificuldades para surgir e se estruturar, mantínhamos uma economia pouco competitiva, fechada, ineficiente e atrasada se compararmos aos concorrentes internacionais, nossa carga tributária era complexa e elevada, nossa infraestrutura apresentava grandes deficiências e nossa mão de obra era pouco qualificada e incapaz de competir nos mercados globais, todos estes fatores contribuíram diretamente para que o país perdesse atratividade no cenário internacional, ainda mais num momento de forte crescimento dos países asiáticos.

Para reduzir a inflação, o governo lança em julho de 1994, o Plano Real, cujos resultados foram bastante significativos na tarefa de reduzir a inflação mas, acabou gerando graves constrangimentos para o setor industrial pois, para combater a inflação, acabou valorizando excessivamente o câmbio e contribuiu decisivamente para o incremento das importações, a valorização gerou um aumento na oferta agregada interna de produtos e na redução dos altos índices inflacionários mas, ao mesmo tempo, contribuiu para a queda das exportações e uma piora do setor industrial, levando o setor a uma desindustrialização, com perdas crescentes de emprego e redução da renda agregada.

Neste ambiente de câmbio valorizado e aumento da concorrência interna, os setores industriais perderam espaço na economia brasileira, muitos grupos estrangeiros entraram no país comprando ou se associando a empresas locais, gerando uma ampla desnacionalização, enquanto outros grupos mais tradicionais iniciaram uma ampla reestruturação produtiva, comprando máquina, tecnologias e equipamentos para aumentar sua eficiência e garantir a sobrevivência da empresa no mercado local.

Além do câmbio valorizado, devemos destacar ainda a concorrência internacional crescente, nos anos 90 a abertura econômica iniciada pelo presidente Fernando Collor somada a desagregação da União Soviética, que colocou mais de 1 bilhão de indivíduos no mercado de consumo global estimulando os Bancos Centrais a inundarem o mercado de créditos com maior liquidez, com crédito farto e estímulos internos, com isso, as empresas dos países mais desenvolvidos aumentaram seus investimentos no mercado global, percebendo a inevitabilidade da situação competitiva global, tudo isto intensificou a competição interna, atraindo empresas e aumentando a concorrência, gerando perdas em muitos setores, desemprego e redução da renda agregada.

A concorrência com os países asiáticos gerou grandes desequilíbrios nas economias ocidentais, a indústria brasileira sofreu bastante com a ascensão de países como a China, Singapura, Malásia, dentre outros, que passaram a atrair novos investimentos de indústrias internacionais de olho em seu grande mercado e em sua mão de obra barata, a concorrência acelerada e as melhores condições dos orientais foi crucial para uma desindustrialização brasileira. O grande desafio de países como o Brasil é que, no começo dos anos 80, éramos conhecidos como a economia com a indústria mais sofisticada do mundo dos países em desenvolvimento e, na atualidade, estamos nos desindustrializando sem nunca termos alçado voos mais sólidos e consistentes, ou seja, nunca conseguimos construir internamente uma indústria mais sofisticada e na atualidade estamos perdendo até o pouco que conseguimos construir em anos recentes.

Se em décadas anteriores, principalmente entre 1950/1980, nosso setor industrial conseguiu atingir mais de 30% no produto interno bruto, na atualidade, a indústria nacional perdeu centralidade e relevância, alcançando no ano passado valores próximos de 11%, mostrando uma queda consistente e dificilmente se conseguirá encontrar os altos índices de décadas passadas. O grande desafio neste cenário é conseguir retomar o setor industrial, isto porque a indústria é fundamental para o desenvolvimento de um país, mas como nos mostra Paulo Gala, não existe desenvolvimento econômico pela via agrícola, por mais que este setor tenha uma importância considerável para a economia, o setor agrícola não consegue nos levar ao desenvolvimento econômico, emprega muito pouco trabalhadores, algo em torno de 3%, no máximo 5%, onde podemos destacar os Estados Unidos, Espanha ou França, isto se dá porque a produtividade deste setor é altíssima e necessita de muito pouco mão de obra.

Nossa economia apresenta grande potencial na produção de commodities, somos grandes produtores de petróleo, soja, laranja, carnes e minério de ferro, estes produtos garantem grandes superávits comerciais para o país, mas como dar um salto para a produção de softwares, como transformar esta especialização em commodities num salto para as partes mais nobres da cadeia produtiva? Afinal, somos produtores e exportadores de commodities mas, ao mesmo tempo, somos importadores de maquinários, agrotóxicos, fertilizantes, etc… a ascensão nesta mesma cadeia de produção nos parece muito complexa, os poucos que conseguiram foram países sofisticados tecnologicamente, como Estados Unidos, Tailândia, Finlândia, Noruega, França, Malásia.

Perdemos muito espaço na estrutura industrial global, estamos na atualidade presente em poucas cadeias produtivas da indústria, como no setor de petróleo e gás, na produção de aeronaves e na produção de automóveis, algo muito reduzido para um país que almeja dar um salto no crescimento econômico nas próximas décadas, sem nos aperfeiçoarmos tecnologicamente não vamos conseguir alçar voos mais consistentes e necessários.

A indústria é fundamental para a geração de empregos de maior valor agregado, recuperar o setor industrial deve ser uma meta clara dos governos nacionais, mas para isso, faz-se necessário que todos os agentes econômicos e políticos se integrem com este fim, a união de forças será fundamental, onde aos empresários devem se destacar e estimular uma gestão de excelência, com metas claras e busca constante por produtividade, ao Estado cabe uma articulação política interna entre setores e uma sólida política industrial como todos os países desenvolvidos fizeram e ainda fazem, reconhecendo a importância e a centralidade deste setor para o desenvolvimento econômico. Nesta orquestração os trabalhadores têm um papel central, a capacitação e a forte qualificação devem ser perseguidas de forma acelerada como forma de incrementar a produtividade e garantir novos mercados e um maior bem-estar social.

O setor industrial alavanca as pesquisas científicas, qualifica de forma consistente a mão de obra, melhora a produtividade da economia e aumenta a tecnologia empregada na produção, garantindo retornos interessantes e crescentes para o setor produtivo, a junção das empresas com as universidades, com os centros de pesquisas e os laboratórios de tecnologias garantem novos espaços de crescimento e consolidação do país, todas estas experiências foram testadas e trouxeram resultados positivos em todos os países que conseguiram se industrializar do mundo, cabe aos agentes públicos e privados se integrarem para garantir estes retornos para que nossa indústria posso competir com igualdade de condições no ambiente externo.

A indústria é fundamental para o crescimento da economia brasileira e o tão almejado desenvolvimento econômico, inúmeras políticas devem ser adotadas mas antes de mais nada, é fundamental a construção de um ambiente macroeconômico salutar, com taxas de câmbio estáveis, juros reduzidos, investimentos em alta, taxas de desemprego baixas, renda em ascensão e boas perspectivas para a economia do país nos próximos anos, somente desta forma conseguiremos galgar posições importantes no cenário internacional e nos capacitarmos para atuar de forma mais integrada e competente no mundo contemporâneo, uma sociedade em constantes crises e desequilíbrios, marcadas por uma concorrência acelerada, quedas no crescimento econômico e por um incremento na desigualdade social, na pobreza e na indigência urbana dificilmente terá oportunidades de crescimento e sobrevivência no mercado internacional.

 

 

 

Ziegler: assim as corporações alimentam a ultradireita

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Relator especial da ONU explica como as “sociedades multinacionais privadas” tornaram-se as verdadeiras donas do mundo, e impedem qualquer Estado, cidadão ou política social de conter fome, pobreza e as crises humanitárias

Jornal GGN

26/05/2019 – Por Jamil Chade

No SWI Brasil

Jean Ziegler é uma ave rara na cena política suíça, encarnando há quase meio século a figura do intelectual público de projeção global. Seu ativismo político e atuação internacional, como relator especial da ONU, rendeu-lhe uma extensa gama de inimigos, não só entre os bancos, empresários e lideranças conservadoras, mas até mesmo no campo mais progressista. Mas Ziegler continua um observador ativo, e nota que os cidadãos das grandes democracias vivem um “desespero silencioso e secreto”.

Ele, porém, não perde a esperança e insiste que a resposta à atual crise está no fortalecimento de uma sociedade civil planetária. Para Ziegler, os acontecimentos nos últimos anos e a impotência do sistema político em dar respostas mostram que a “democracia representativa está esgotada”.

Eis a entrevista

Vemos em diferentes partes do mundo uma reação popular contra partidos tradicionais e contra a política. Também vemos a vitória de políticos como Orban, Trump, Salvini e Bolsonaro. Por qual motivo o sr. acredita que estamos vendo essa onda?

O mundo se tornou incompreensível para o cidadão, que não mais consegue ler o mundo. As 500 empresas multinacionais privadas têm 52% do PIB do mundo (todos os setores reunidos, bancos, serviços e empresas). Elas monopolizam um poder econômico-financeiro, ideológico e político que jamais um imperador ou papa teve na história da humanidade. Eles escapam de todos os controles de estado, parlamentares, sindicais ou qualquer outro controle social. Eles têm uma estratégia só: maximização dos lucros, no tempo mais curto e não importa a qual preço humano.

Elas são responsáveis, sem dúvida, por um processo de invenção científica, eletrônica e tecnológica sem precedentes, e de fato extraordinário. Até o fim da URSS, um terço dos habitantes do mundo vivia sob algum tipo de regime comunista. Havia a bipolaridade da sociedade dos Estados. O capitalismo estava regionalmente limitado.

A partir de 1991, o capitalismo se espalhou como fogo de palha por todo o planeta e instaurou uma só instância reguladora: a mão invisível do mercado. Isso também produziu uma ideologia que totalmente alienou a consciência política dos homens. Há, hoje, uma ideologia que dá legitimidade a uma só instância de regulação: o neoliberalismo. Esse sistema sustenta que não são os homens, mas os mercados que fazem a história e que as forças do mercado obedecem às leis da natureza.

E qual é a implicação disso para o cidadão?

As forças do mercado trabalham com as forças da natureza e o homem é dito que não é mais o sujeito da história. No neoliberalismo, não é mais o homem que é o sujeito da história. Cabe ao homem se adaptar a esse mundo.

De fato, entre o fim da URSS no começo dos anos 1990, e o ano de 2000, o PIB mundial dobrou. O volume do comércio se multiplicou por três e o consumo de energia dobrou em quatro anos. Isso é um dinamismo formidável. Mas isso tudo ocorreu de uma forma concentrada e nas mãos de um número reduzido de pessoas.

Se considerarmos a fortuna pessoal dos 36 indivíduos mais ricos do mundo, segundo a Oxfam, ela é igual à renda dos 4,7 bilhões de pessoas mais pobres da humanidade. A cada cinco segundos, uma criança com menos de dez anos morre de fome ou de suas consequências imediatas.

E no mesmo relatório sobre a insegurança alimentar no mundo da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) diz: no atual estado de seu desenvolvimento, a agricultura mundial poderia alimentar normalmente 12 bilhões de seres humanos. Ou seja, quase o dobro da humanidade – somos 7,7 bilhões de pessoas hoje. Não há fatalidade. A fome é feita pelas mãos do homem e pode ser eliminada pelos homens. Uma criança que morre de fome é assassinada.

Isso é sustentável?

De forma alguma. A desigualdade não é só moralmente vergonhosa. Mas ela também faz com que o estado social seja esvaziado. Os mais ricos não pagam impostos como deveriam. Os paraísos fiscais, o sigilo bancário suíço – que continua – isso tudo ainda permite uma enorme opacidade. Empresas são contratadas para criar estruturas que impedem que os reais donos do dinheiro sejam encontrados em sociedades offshore. Os documentos revelados pelos Panama Papers mostram muito bem isso. Portanto, podemos dizer que as maiores fortunas do mundo e as maiores multinacionais pagam os impostos que querem.

E qual a consequência disso?

O fato que os mais ricos pilham o país e não pagam impostos gera duas situações: esvaziam a capacidade social de resposta dos governos e impedem contribuições obrigatórias dos países mais ricos às organizações especializadas da ONU que lutam contra a miséria no mundo. Portanto, esse sistema mata.

No fundo, essa ditadura do mercado faz com que os cidadãos entendam que não é o governo pelo qual eu votei que tem o poder de definir o destino. Isso cria uma insegurança completa e a desigualdade não é controlável. Se não bastasse, o cidadão é informado que seu emprego passa por um período profundo de flexibilização. A França, a segunda maior economia da Europa, tem 9 milhões de desempregados e três quartos dos empregos no setor privado são contratos de duração limitada (CDD, contrato de duração determinada). Outros milhões vivem de forma precária, como a maioria dos aposentados.

Quem são, portanto, os atores que influenciam o destino econômico de um país?

Vou dar um exemplo. As sociedades multinacionais privadas são as verdadeiras donas do mundo. Nos EUA, sob a administração Obama, foi criado uma lei que proibia o acesso ao mercado americano de minerais que tenham sido extraídos por crianças em suas minas, principalmente do Congo. O cobalto, por exemplo, foi um deles.

Essa lei gerou a mobilização de Glencore, RioTinto e tantas outras, denunciando que era inaceitável, pois era contra a liberdade dos mercados. Uma das primeiras medidas que Donald Trump tomou ao assumir o governo, em janeiro de 2017, foi a de acabar com essa lei. Como este, existem muitos outros exemplos no meu livro.

Em quais setores?

A agricultura é outro. Em 2011, três semanas antes da reunião do G7 em Cannes, o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, foi à televisão e declarou que iria propor que a especulação nas bolsas e no mercado financeiro fosse proibida, principalmente sobre o arroz, milho e trigo e outros produtos agrícolas de base. Isso seria uma forma de lutar contra o aumento de preços dos alimentos básicos, especialmente nos países mais pobres.

Faltando poucos dias para o G7, a França retirou sua proposta, depois de ter sido pressionada pelas grandes empresas do setor, como Unilever, Nestlé e outras. Essa mobilização impediu uma ação do presidente da França.

Portanto, voltando ao ponto inicial: o capitalismo é o modo de produção que mais mostrou vitalidade nos avanços tecnológicos e de inovação e tem uma produtividade muito superior a qualquer outro do passado, incluindo o da escravidão. Mas, ao mesmo tempo, o modelo capitalista escapa de todo o controle político, sindical ou da ONU. Eu insisto: ele funciona sob apenas um princípio, que é o da maximização dos lucros, no tempo mais curto possível e a qualquer preço.

E o que isso significa para uma democracia?

É um sistema que priva o cidadão, mesmo numa democracia, de todo tipo de resposta efetiva à precariedade, à desigualdade que destrói o estado social. E é nesse contexto que se cria uma espécie de desespero silencioso e secreto entre os cidadãos. E, como sempre ocorreu na história e como ocorreu nos anos 30 na Alemanha, é neste momento que vêm os grupos de extrema-direita com sua estratégia de criar um bode expiatório.

De que forma?

O discurso é simples. Eles chegam a declaram ao cidadão: sim, sua situação é insuportável. Você tem razão. Não falam como outros que tentam dar esperanças ou dizer que as coisas vão melhorar. Mas, num segundo momento, o que fazem? Apresentam um bode expiatório para essa crise. Na Europa, eles são os imigrantes e os refugiados.

Justamente, em comum, esses movimentos denunciam a entrada de estrangeiros em seus países. Como o senhor avalia?

São governos europeus que cometem crimes contra a humanidade, ao recusar de examinar os pedidos de asilo dos refugiados. O direito a pedir asilo é uma convenção internacional de 1951, ratificada por todos os países, e os governos são obrigados a receber os pedidos.

Os eslovacos, por exemplo, aceitaram apenas 285 refugiados, sob a condição de que sejam cristãos. Em outros locais, como na Hungria, crianças estão na prisão. Mas mesmo assim esses governos continuam sendo sancionados pela UE, que continua a lhes enviar dinheiro. Só Viktor Orban (primeiro-ministro húngaro) recebeu 18 bilhões de euros no ano passado em fundos de solidariedade da Europa. As sanções, portanto, são inexistentes.

E qual tem sido o resultado dessa estratégia desses grupos populistas na Europa?

Eles mudam de paradigma e ganham força. Basta ver os resultados do partido Alternativa para a Alemanha (AfD). Hoje, eles têm o mesmo número de representantes no Parlamento que o tradicional SPD, o partido social democrata alemão que já nos deu políticos como Willy Brandt. O mesmo ocorreu com Matteo Salvini na Itália, Viktor Orban na Hungria, e ainda na Holanda, na Áustria. A estratégia do bode expiatório é uma estratégia que tem funcionado. Além disso, a consciência coletiva está sendo cimentada por uma ideologia neoliberal de que o homem não é mais o sujeito da história e que apenas pode se adaptar à situação e às forças do mercado, que obedecem às leis naturais.

Mas, voltando ao ponto da representatividade, tal cenário não ameaça minar a própria democracia?

Jean Jacques Rousseau publicou seu livro O Contrato Social em 1762, que foi a Bíblia para a revolução francesa. Ele descreveu a soberania popular e o fato de dar a voz a alguém para me representar. A delegação é um pilar do contrato social. Mas esse contrato social, que é a fundação da República, está esgotado. Essa democracia representativa está esgotada.

O povo não acredita mais nela. O povo vê que, ao votar em um deputado, não é ele que toma decisões, mas a ditadura mundial das oligarquias do capital financeiro globalizado. Portanto, há uma percepção de que ela não serve para nada. Não é ele quem vai garantir meu trabalho.

Ao mesmo tempo, esse povo não está disposto a abrir mão de seu poder e nem de sua capacidade de intervenção. No caso dos Coletes Amarelos, na França, um dos pontos principais é o apelo por um referendo popular como mecanismo. O que eles estão dizendo: o Parlamento faz o que quer. Queremos ter o direito de propor leis, de votar por elas. Hoje, a democracia representativa não funciona, num período de total alienação.

Quais são as respostas possíveis?

Retirar essa placa de cimento das consciências, que foi imposta. Liberar a consciência dos homens que é, por natureza, uma consciência de identidade. Se uma pessoa, seja de qual classe social ele for ou de qualquer religião, vir diante dele ou dela uma criança martirizada, algo de si afunda. Ele se reconhece imediatamente nela. Somos a única criatura na terra com essa consciência de identidade. E é por isso que milhões de jovens na Europa e na América do Norte se mobilizam em imensos cortejos, todas as semanas, pela sobrevivência do planeta e contra o capitalismo. O que eles estão dizendo aos seus governos? Que assim não podemos continuar. Façam algo contra essa ordem canibal do mundo.

A questão climática pode ser decisiva nesse contexto para modificar a forma de pensamento?

Pelo Acordo de Paris, cada um dos 190 estados que assinaram assumiu obrigações precisas para limitar as emissões de CO2 na atmosfera. 85% do CO2 emitido vem de energias fósseis. O acordo pede que as cinco maiores empresas de petróleo reduzam 50% de suas emissões até 2030 e de dar parte dos lucros ao desenvolvimento de energia alternativas, como solar, eólica e outras.

Mas o que é que ocorreu desde 2015? As cinco grandes empresas de petróleo do mundo aumentaram, em média, sua produção em 18%. E financiaram energias alternativas somente em 5%. Os jovens dizem: isso não funcionará.

Então, existe esperança?

Por anos, fui membro do Conselho Executivo da Internacional Socialista. Seu presidente, Willy Brandt, dizia a nós jovens, como eu, Brizola e Jospin: não se preocupem. A cada votação, vamos avançar aos poucos e as pessoas vão se dar conta. Lei por lei, vamos instaurar uma democracia social, igualdade de oportunidades e justiça social. Mas isso não ocorreu. No lugar do progresso da democracia social, o que vimos foi a instauração da ditadura mundial de oligarquias do capital financeiro globalizado que dá suas ordens, mesmo aos estados mais poderosos.

Desde a queda do Muro de Berlim em 1989, a liberalização do mercado e a perda do poder normativo dos estados avançou mais que nunca e, ao mesmo tempo, a desigualdade social aumentou. Mas Brandt também nos dizia: quando vocês falarem publicamente, é necessário dar esperança. O discurso deve ser analiticamente exato. Mas ele precisa ser concluído com uma afirmação de esperança. Caso contrário, é melhor ficar em casa.

Mas onde está essa esperança?

É a sociedade civil planetária. É a misteriosa fraternidade da noite, a miríade de movimentos sociais – Greenpeace, Anistia Internacional, movimento antirracista, de luta pela terra – que lutam contra a ordem canibal do mundo, cada qual em seu domínio. São entidades que não obedecem a um comitê central ou a uma linha de partido, e que funcionam por um só princípio: o imperativo categórico.

Emmanuel Kant dizia: “a desumanidade infligida a um outro humano destrói a humanidade em mim”. Eu sou o outro e outro sou eu. Essa consciência, em termos políticos, cria uma prática de solidariedade entre os indivíduos e reciprocidade entre povos. Mas essa sociedade é invisível. Não tem uma sede. Ela é visível cinco dias por ano, no Fórum Social Mundial, organizado pelos brasileiros em Porto Alegre.

O escritor francês George Bernanos escreveu: “Deus não tem outra mão que seja a nossa”. Ou somos nós que mudaremos essa ordem canibal do mundo, ou ninguém o fará.

Notas:

[1] Jean Ziegler ocupa hoje a vice-presidência do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

[2] Em seu novo livro – Le capitalisme expliqué à ma petite-fille (en espérant qu’elle en verra la fin) – O capitalismo explicado à minha neta (com a esperança que ela veja o fim), da editora Seuil, o sociólogo tenta dissecar o sistema atual de produção e suas consequências para a cidadania.

[3] Ziegler já foi deputado federal, professor da Universidade de Genebra e professor da Universidade Paris Sorbonne. No início do século XXI, ele foi ainda o primeiro relator da ONU para o direito à alimentação.