“Bolsonaro arrisca demais e muito cedo”, diz Carlos Pereira.

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Para o cientista político Carlos Pereira, postura do presidente pode gerar animosidade e atrapalhar relação com Congresso

Carlos Pereira, cientista político e professor da FGV-Ebape

Vítor Marques, O Estado de S.Paulo 

26 de maio de 2019

Ao adotar uma estratégia de “confronto” com menos de seis meses de mandato, o presidente Jair Bolsonaro está se “arriscando demais e muito cedo”. A análise é do cientista político e professor da FGV-Ebape Carlos Pereira. Segundo ele, o governo não tem outra saída porque prefere manter uma coalizão minoritária no Congresso em vez de negociar com os partidos.

Ao Estado, Pereira afirmou que os atos marcados para este domingo, 26, a favor do governo têm duas faces: se forem bem-sucedidos, Bolsonaro acumula capital político. Por outro lado, se as manifestações se voltarem contra instituições democráticas, como o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal “o tiro vai sair pela culatra”.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Na semana passada, Jair Bolsonaro endossou um texto que afirma que “o Brasil, fora desses conchavos, é ingovernável”. Há quem veja que o presidente, ao publicar esta mensagem, consideraria a possibilidade de uma “ruptura” democrática ou estaria inclinado a soluções autoritárias. O sr. vê dessa forma?

Não interpreto (o texto compartilhado) como se o presidente Bolsonaro estivesse namorando com saídas não democráticas ou iliberais. Vejo como parte de uma estratégia comum em presidencialismos plebiscitários – a literatura americana chama de estratégias de going public. Como ele preferiu construir um governo minoritário e uma coalizão desproporcional, ele não tem outra saída a não ser dar continuidade a essa estratégia de campanha perpétua, de estabelecer mecanismos de contato direto com a sociedade para pressionar o Legislativo e o próprio Judiciário. Vejo essa manifestação muito mais como um desdobramento dessa estratégia plebiscitária.

O que caracteriza o que sr. chama de presidencialismo plebiscitário e quais os riscos que essa estratégia traz?

O presidencialismo plebiscitário se caracteriza por mecanismos diretos de conexão entre eleitor e presidente na tentativa de não levar em consideração as instituições partidárias, com o objetivo de pressionar os partidos e os líderes partidários a votar de acordo com o presidente. O grande problema dessa estratégia é que normalmente só dá resultado para o presidente no curto prazo. Ao longo do tempo, quando o presidente estressa demais essa relação com o Legislativo, que se sente ignorado e pressionado, e no momento em que o presidente mostra alguma vulnerabilidade política, na economia ou caso de corrupção, o presidente corre sério risco de perder a capacidade de estabelecer os termos de negociação. O Legislativo passa a ter o poder de barganha e os custos de governabilidade se tornam muito altos. O presidente está arriscando demais e muito cedo em uma estratégia de confronto e isso tende a criar animosidade, problemas e uma relação truncada com o Legislativo.

Os atos vão testar a força do governo Bolsonaro?

Se for uma manifestação legítima, democrática, apenas de apoio ao governo ou a uma agenda do governo, isso faz parte do jogo democrático. Se for bem-sucedida, o governo vai acumular capital político. Agora, se essas manifestações tiverem como princípio a fragilização de instituições democráticas, o tiro vai sair pela culatra. Mesmo se for um fracasso. O governo corre o risco de sinalizar muito cedo para a sociedade que o apoio de que dispõe é restrito a um grupo específico da sociedade muito truculento, muito conservador e muito retrógrado. Se for um fracasso, vai ficar a imagem de um governo isolado, com um grupo específico da sociedade. É um jogo de muito risco que o governo está tendo logo no início, com menos de seis meses, chamar um ato em defesa do governo e tentando vulnerabilizar o Legislativo e as estruturas judiciárias para constrangê-los a não se comportar contrariamente aos interesses do governo.

O Centrão abriu mão de novos ministérios. Essa decisão foi tomada às vésperas das manifestações marcadas para este domingo. O senhor acredita que esse grupo de partidos, atacado por apoiadores do presidente, tomou essa decisão com receio de parte da opinião pública?

Gostaria de fazer uma observação. Primeiro existe uma completa deturpação do significado dos ganhos de troca em regimes democráticos. O governo faz uma interpretação equivocada ao demonizar e interpretar como sujas trocas legítimas que existem em qualquer democracia quando o presidente ou o primeiro-ministro não desfruta de maioria pós-eleitoral. Trocas legítimas não são sinônimo de corrupção. O Centrão abriu mão da demanda de um novo ministério em função de uma potencial repercussão negativa com essa parcela que apoia o governo porque o Centrão tem o receio de ficar com a pecha negativa ao exigir espaço legítimo no governo. Tanto o governo errou ao demonizar essas trocas como o Centrão errou ao não ter capacidade de encarar esse debate com a sociedade e demonstrar que essas trocas e espaços no governo são legítimos.

O combate à corrupção foi uma das bandeiras de campanha de Bolsonaro, mas o presidente se comportou como um político tradicional ao desconfiar e atacar as investigações a respeito de seu filho Flávio Bolsonaro. O governo tem cumprido a expectativa no combate à corrupção?

O governo tem atendido parcialmente e, em última instância, tem frustrado essa expectativa. Não só a expectativa de combate à corrupção, mas a expectativa de ordem, porque Bolsonaro também foi eleito em cima de uma demanda de ordem e do combate à corrupção. O que a gente está observando neste governo é tudo menos ordem. Quando instituições de controle identificam potenciais malfeitos em opositores meus, eu sou a favor do combate à corrupção, mas quando as instituições de controle identificam potenciais malfeitos nos meus, nos próximos a mim, meus parentes ou do meu filho, eu sou contra e acho que é perseguição. A reação do presidente e do governo até o momento sobre investigações iniciais do Ministério Público do Rio em relação aos potenciais malfeitos do senador Flávio Bolsonaro lança dúvida sobre o compromisso real do governo quanto ao combate à corrupção.

As investigações no caso que envolve Flávio Bolsonaro e o ex-assessor Fabrício Queiroz podem desgastar o governo?

Dependendo da investigação, pode respingar diretamente no presidente. Existem suspeitas muito fortes de peculato, de enriquecimento ilícito e de ocultação de patrimônio. O Ministério Público terá de investigar e, dependendo do que seja demonstrado, isso com certeza trará consequências diretas para o governo, especialmente se o governo assumir uma postura de vitimização. Para ser consistente com a campanha, o presidente, se forem encontradas evidências robustas, terá de defender punição e não usar essa argumentação de que está sendo perseguido ou coisa que o valha.

Como o senhor enxerga o papel do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em um contexto de confronto entre e Executivo e Legislativo?

O Rodrigo Maia está exercendo uma postura muito similar ao que o PMDB (atual MDB) exerceu nos governos Fernando Henrique Cardoso e nos governos Lula e Dilma, ou seja, a postura do legislador mediano. Os partidos normalmente de centro, como Democratas, PSDB, PSB, são partidos mais maleáveis ideologicamente porque não estão nos extremos, nem na direita, nem na esquerda. Esses partidos e essas lideranças são fundamentais no espaço multipartidário porque elas evitam saídas extremas.

Pesquisas recentes, como a do Instituto Ipsos, apontam que a sociedade brasileira está polarizada e com grau de intolerância alto. O senhor concorda com essa tese e até que ponto isso se torna um problema?

De fato a sociedade está muito polarizada e a polarização se expressa justamente com essas características de tentar diminuir os malfeitos dos que pertencem ao seu grupo e maximizar os malfeitos dos que são distantes de mim, opositores a mim, ou quando as pessoas só escutam ou valorizam informações consistentes com o que elas já acreditam e desvalorizam informações que são inconsistentes com o que elas acreditam. O Brasil vem construindo um espaço para polarização desde o impeachment da presidente Dilma. Entretanto, essa polarização tem alguns aspectos positivos, não só negativos, que é o aspecto que você cria janelas de oportunidades a mudanças. Foi a partir dessa polarização entre políticos que estavam envolvidos em escândalos de corrupção e instituições de controle que queriam diminuir a corrupção no Brasil que nós vimos o fortalecimento das instituições de controle, em especial da Operação Lava Jato, Judiciário e Ministério Público. É muito importante entender que, em momento de mudanças, quando você polariza, você cria condições para novos arranjos. Naturalmente, se você tem uma polarização consistente durante vários períodos da história e ela se perpetua, isso é disfuncional para o sistema.

No livro ‘Brazil in Transition’, o senhor e os outros autores analisam os últimos governos do Brasil e abordam as ‘janelas de oportunidades’. O governo Bolsonaro é uma mudança de rumo?

De fato é, porque o pilar de inclusão social responsável como crença dominante tem existido desde o Plano Real, em 1994. Tanto o governo Fernando Henrique Cardoso quanto o governo Lula foram consistentes com esses dois pilares. O governo Dilma negligenciou um deles, do equilíbrio macroeconômico, quando ela se comportou de forma indisciplinada do ponto de vista fiscal e o governo gastou mais do que podia. Houve uma negligência dos princípios de equilíbrio macroeconômico e o sistema político brasileiro foi eficiente o suficiente para punir com um impeachment o governo que, de certa forma, negligenciou um dos pilares fundamentais como a responsabilidade fiscal. Entretanto, governo Bolsonaro, quando chega, assume compromissos críveis muito fortes com o equilíbrio fiscal na figura do ministro da Economia com a defesa clara da reforma da Previdência, mas ao mesmo tempo os primeiros passos sinalizam uma negligência do outro pilar (inclusão social), no sentido mais amplo do termo, bem como a decisão do governo de contingenciar recursos a áreas tão fundamentais para inclusão social no Brasil como a Educação. Se o governo enveredar por esse caminho, vai abrir uma janela de oportunidade para que seus opositores imponham perdas grandes ao governo. Inclusão social responsável é a crença dominante no Brasil de que o governo não pode abrir mão nem de responsabilidade fiscal nem de inclusão social.

 

 

As irmãs Fox e os primórdios da Doutrina Espírita

            A sociedade mundial sempre esteve envolta com as comunicações de espíritos e entidades do mundo espiritual, este contato entre os dois mundos, material e imaterial, sempre aconteceu, assustando os indivíduos encarnados e criando grandes constrangimentos na sociedade, gerando medos e desesperos generalizados entre os indivíduos e levando muitas pessoas a pesquisarem o significado destes fenômenos espirituais.

Na época em que as famílias residiam, na sua grande maioria, nas fazendas e no ambiente rural, as comunicações das entidades eram intensas, como inexistiam centros espíritas e reuniões estruturadas e organizadas, os espíritos se comunicavam das mais variadas formas, batendo nas madeiras, movimentando objetos, assustando animais e constrangendo pessoas e comunidades que, como desconheciam estas manifestações acabavam entrando em desespero e passavam a acreditar na existência de demônio e entidades dotadas de maldade.

Os espíritos acompanham os encarnados a muito mais tempo do que estes imaginam, sua influência mais evidente e imediata está nas intuições que muitos encarnados recebem no decorrer dos dias, muitas ideias e pensamentos que nos atribuímos, na verdade, são inspirações de espíritos amigos ou de detratores, que veem neste momento espaço para influências variadas, levando-nos a comportamentos estranhos ou não condizentes com nossas atitudes cotidianas.

Inúmeras entidades desencarnadas se viam em situação de desesperança e de medo no momento da passagem para o mundo espiritual e, diante deste desespero, passavam a retornar aos seus antigos lares físicos tentando se comunicar com seus entes queridos, buscando alento e oportunidade de conversação. O desconhecimento das leis naturais os levavam a buscar auxílio nestes momentos de grande dificuldade. Com o surgimento das casas espíritas e a consolidação deste movimento de amor e auxílio espirituais, estes irmãos eram aconselhados pelos espíritos superiores a procurar estas reuniões mediúnicas para compreenderem as dores, os medos e as dificuldades do momento.

O estudo sobre o surgimento do movimento espírita nos leva à reflexão dos fenômenos que envolveram as irmãs Fox, estas jovens inglesas do século XIX, desenvolveram um método de comunicação com os espíritos, motivadas por uma situação bastante inusitada e, para muitos, assustadora. Em 1848, sua casa numa pequena cidade norte-americana se viu infestada de barulhos e movimentos estranhos e inexplicáveis, sons oriundos da madeira, batidas variadas, portas batendo e barulhos assustadores geravam medos e preocupações. Ao observar as origens dos fenômenos e perceber que era bastante provável que estivessem vindo de um espírito ou seriam a manifestação de uma força poderoso, as irmãs começaram a buscar uma forma de comunicação com as origens deste som, desta comunicação descobriu-se que os barulhos tinham nome, sobrenome e identidade, refere-se a um vendedor de produtos de nome Charles Rosma que foi assassinado naquela casa alguns anos anteriores e seu corpo foi enterrado no sótão da casa, a uma distância de dez pés.

Em meados do século XIX, as irmãs Fox trouxeram grandes contribuições para a sociedade mundial, residentes em uma pequena cidade chamada Hydesville, pequeno povoado nos Estados Unidos da América, motivaram um movimento que levou o professor Hipollyte Leon Denizard Rivail a pesquisar e estudar um novo fenômeno em curso que culminou na codificação da Doutrina dos Espíritos, iniciada com a publicação de O Livro dos Espíritos, em 1857.

A publicação desta obra gerou grande inquietação na sociedade europeia da época, iniciando um movimento de curiosos para compreender as raízes deste fenômeno que, para muitos, era bastante inusitado e de difícil compreensão, motivando estudos e pesquisas sobre o tema e discussões referentes a veracidade, muitos acreditavam enquanto outros viam no movimento vestígios de fraudes e de charlatanismo.

As irmãs Fox motivaram muito das pesquisas do pedagogo francês, que adotou um pseudônimo para escrever sobre o tema, para se impessoalizar e desvincular seus estudos referentes ao Espiritismo de toda sua trajetória anterior, quando era reconhecido como um intelectual de destaque no mundo da educação com inúmeras publicações sobre o tema .começou a ser chamado de Allan Kardec, nome este que lhe foi revelado por seus guias espirituais como sendo um de seus nomes em encarnações anteriores, quando reencarnou como um druída.

A comunicação aberta entre as irmãs Fox e o espírito de Charles Rosma abriu grandes oportunidades de intercâmbio entre os dois mundos, o material e o imaterial, possibilitando novas oportunidades de desenvolvimento para a sociedade, o surgimento de uma religião que aceitava com naturalidade a Ciência e a Filosofia, inaugurando uma tríade que destoava de outras religiões da época que, em sua maioria, rechaçava a Ciência e se colocava acima do pensamento científico, dificultando o debate entre estas duas áreas fundamentais para o desenvolvimento da sociedade.

Muitas foram as vozes que se levantaram para criticar a família Fox, chamando-os de impostores, embusteiros e acreditando que todo o fenômeno apresentava altas doses de charlatanismo, levando as irmãs a se submeterem a inúmeras comissões formadas por membros respeitados da sociedade para apurar os fenômenos, sendo que, todas as pesquisas e questionamentos levantados foram respondidos e os relatórios atestaram a veracidade dos fenômenos. Depois destas investigações acaloradas que, apesar de serem invasivas e muito desgastantes, trouxeram grande benefício na divulgação das novas ideias, levando-as para todas as regiões do país e para diversos países, aumentando a curiosidades das pessoas em conhecer os fenômenos e satisfazer suas mais íntimas indagações.

Depois destes fenômenos, as irmãs Fox começaram as conversações mais intensas com os espíritos através de reuniões mediúnicas, onde eram feitas sessões privadas e públicas, atraindo uma grande quantidade de curiosos que viam às reuniões para entender esta nova revelação e muitas pessoas de destaque na sociedade da época, jornalistas, advogados, médicos, líderes religiosos, dentre outros, todos tentando satisfazer suas curiosidades mais íntimas e buscando atestar a seriedade do movimento que vinha se espalhando por todas as regiões e gerando ciúmes e burburinhos entre as outras religiões e grupos religiosos.

A história das irmãs Fox ganhou relevância no mundo inteiro, embora tenham sido médiuns de grande potencial e eram detentoras de vários tipos de mediunidade, destacamos a mediunidade de Kate Fox que, segundo Arthur Conan Doile, autor de uma obra interessante e bastante significativa da doutrina, A História do Espiritismo, apresentava características de psicografia, materialização de mãos, fenômenos religiosos e um tipo de mediunidade de provocar batidas, muito forte e insistentes, nesta última encaixamos as comunicações acontecida na pequena cidade norte-americana de Hydesville.

Kate Fox se comportou de uma forma muito pacienciosa durante toda a vida, como os fenômenos apareceram quando era muito jovem, serviu de cobaia para muitas pesquisas e investigações, muitas comissões foram feitas por pessoas que queriam entender todos aqueles fenômenos, sendo que, muitos deles queriam denegrir as novas ideias, mas muitas pessoas se levantaram para defender os fenômenos que dividiam a sociedade da época, dentre eles destacamos teóricos importantes e renomados da época, como William Croockes, Arthur Conan Doile, dentre outros, que estudaram, discutiram e divulgaram suas conclusões, elevando o status e aumentando a credibilidade das teorias nascentes.

Desde o seu surgimento, as ideias espíritas foram muito torpedeadas, detratores usavam de artimanhas e inverdades para denegrir as ideias nascentes, as próprias irmãs Fox foram perseguidas durante muitos anos, sendo vítimas de calúnias e comentários jocosos e deselegantes, sendo que em alguns momentos receberam propostas indecorosas para denunciar as farsas do espiritualismo.

As novas descobertas motivaram inúmeras perguntas e indagações que os adeptos deste movimento não tinham condições de responder mais efetivamente, as bases eram ainda muito pouco sólidas e precisavam ser melhor estruturadas para que o Espiritismo se consolidasse como um movimento sério e organizado, atraindo adeptos interessados em estudar, debater e analisar os fenômenos de forma consciente de que estavam de posse de uma nova concepção religiosa. O papel do codificador Allan Kardec no desenvolvimento da doutrina vai justamente nesta direção, suas pesquisas e investigações científicas baseadas em metodologias conscientes e lógicas foram fundamentais para que a Doutrina fosse codificada e os espíritos construíssem um canal mais efetivo de comunicação com a sociedade e com o mundo material, inaugurando uma nova religião, mais afeita a ciência e a filosofia, mas centrada nos passos sólidos e firmes de Jesus Cristo.

Para o codificador  todo efeito tem uma causa imediata, as perguntas eram feitas a variados espíritos e por vários médiuns diferentes que não se conheciam e em lugares diferentes, das respostas o pedagogo francês selecionava os conteúdos e divulgava as que apresentavam semelhanças e pareciam mais sensatas, destas inquirições foi possível escrever a primeira obra, O Livro dos Espíritos, que abriram caminho para um conjunto de outras análises e investigações, sendo publicado O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno, A Gênese, O que é Espiritismo, além de inúmeros outros artigos e revistas, onde se notabilizou a Revista Espírita, com vários exemplares. No período 1854 a 1869, quando de sua desencarnação, foram feitos inúmeros esforços para o crescimento, popularização e desenvolvimento da Doutrina dos Espíritos, embora tenha iniciado estas investigações na casa dos cinquenta anos Allan Kardec fez um trabalho magistral, só não começou mais cedo porque as fumaças da Inquisição ainda possuíam uma grande força dentro da sociedade europeia, foi somente depois que as labaredas esfriaram que foi possível o surgimento de novas ideias e pensamentos, ainda mais este que trazia uma nova visão de sociedade, sem hierarquias, sem rituais, sem autoridades, sem pompa e fortemente atrelado ao pensamento científico.

Embora tenham tido grandes dificuldades em suas jornadas no mundo material, a mediunidade das irmãs Fox foi de grande relevância para a iniciação das novas ideias na sociedade mundial, as resistências são normais e naturais, eram até esperadas, todo movimento novo encontra grandes dificuldades, ainda mais movimentos religiosos, para se consolidar e se difundir, mas estas dificuldades foram fundamentais para propagandear as novidades doutrinárias que transformariam o mundo e nos traria informações relevantes da vida material e da vida imaterial, segundo tais ideias a verdadeira matriz da vida está no mundo espiritual, somos espíritos que nascemos e renascemos várias vezes em busca de um progresso incessante, como um pensamento progressista a doutrina angariou muitos inimigos e detratores mas como toda revelação que vem da espiritualidade maior, as resistências devem ser vistas apenas como um instrumento de divulgação e consolidação destes pensamentos.

Nesta trajetória estas meninas passaram por inúmeros provações e sucumbiram em muitas situações, em um determinado momento aceitaram recursos para denegrir a imagem do espiritualismo e do mediunismo, agindo como detratoras e criticando de forma veemente esta nova filosofia religiosa, acreditando que, com isso, além dos recursos amealhados conseguiriam levantar mais recursos com palestras e revelações bombásticas das fraudes e usurpações do movimento, detonando o movimento e o acusando de charlatanismo. As delações feitas contra o movimento não trouxeram os ganhos como acreditavam anteriormente, percebendo isto e num momento de lucidez, Margaret Fox convocou a imprensa no dia 20 de novembro de 1889 e voltou atrás das declarações anteriores, mostrando que suas críticas aconteceram porque se deixou levar por questões menores e interesses financeiros imediatos.

O médium tem um papel de grande relevância na sociedade, todos que abraçam esta missão sublime aceitam se doar intimamente e moralmente em prol de uma atividade valorosa e de grande importância para a sociedade, as irmãs Fox desempenharam um papel de grande destaque e foram cruciais para se despertar na sociedade um olhar mais intenso sobre o mundo espiritual agora, todos que rechaçam esta potencialidade mediúnica ou a utilizam para satisfazer seus gozos e interesses mesquinhos devem responder por estas atitudes, afinal o plantio é livre mas a colheita é obrigatória.

            Apesar da importância delas para a história do Espiritismo, as irmãs Fox falharam por não terem tido uma ideia bastante clara do que acontecia com elas e muito menos da missão que exerceriam na Terra, além disso, se viram envolvidas com dinheiro e manipuladas por pessoas sem escrúpulos como as próprias médiuns admitiram mais tarde em sua segunda retratação.

O trabalho das irmãs Fox foi muito importante para apresentar uma nova concepção doutrinária para a sociedade e divulgar nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa, as teses que seriam codificadas na França e iriam se expandir pelo mundo, criando muitos adeptos e entusiastas, mas que ganhou uma maior relevância em terras brasileiras, onde angariou mais de 4 milhões de adeptos e mais de 20 milhões de simpatizantes, tornando o Brasil o grande fomentador desta religião, embora foi descrito inicialmente por Allan Kardec como um misto de Ciência, Filosofia e Religião, percebemos que em terras brasileiras sua vertente mais forte e consolidada está centrada nesta visão enquanto religião, deixando em segundo plano as concepções científica e filosófica. Mesmo assim, o Espiritismo cresce e se desenvolve com grande entusiasmo por todo país, consolando as pessoas, mostrando-as a realidade da vida e enfatizando a importância do mundo espiritual, o verdadeiro local da existência de todos os indivíduos.

Políticos corruptos e desonestos convivendo com empresas e cidadãos virtuosos

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Vivemos em uma sociedade marcada por grandes e devastadores paradoxos, o sistema atual é realmente um misto de escárnio, escrachos e contradições, nesta sociedade percebemos as dificuldades de nos encararmos de frente, de nos enxergarmos como realmente somos e de fazer a autocrítica necessária para superarmos nossas contradições e nos insurgirmos contra estes equívocos que alimentamos todos os dias.

A sociedade parece que está se insurgindo contra anos de exploração e desinformação, depois do advento das redes sociais, todos os indivíduos adoram dar opinião sobre todos os assuntos e temas diferenciados, de uma hora para outra, todos querem discutir política, compartilhar mensagens edificantes, curtir publicações inteligentes e se mostrar como seres dotados de intelecto avantajado e interesse por temas intelectualizados.

Passeando pelas redes sociais, encontramos publicações variadas, de um lado encontramos fotos de situações inusitadas, palavras e expressões inteligentes e curtições variadas, um verdadeiro mundo à parte, onde navegamos e nos sentimos empoderados, nos imaginamos dotados de uma capacidade de reflexão que levaria teóricos importantes da sociedade e se revirar nos túmulos, num misto de inveja e de ressentimentos.

Um dos temas mais comentados no cotidiano das redes sociais é aquele relacionado a corrupção, todos somos contrários a corrupção, todos nos declaramos acima destes vícios mundanos e nos indignamos quando nos deparamos com casos assim ou aqueles que vislumbram desdobramentos de desvios de recursos públicos, de imediato nos lembramos de casos de corrupção, criticamos os investigados e os condenamos de forma imediata, muitas vezes nem lhes dando condições de se defender, se são políticos são todos gatunos, espertos em excesso e usurpadores de dinheiro público.

Nestas reflexões condenamos facilmente a classe política, o grande bode expiatório, afinal são eles os verdadeiros responsáveis pelo nosso atraso econômico, político e cultural. Como destacou nosso presidente, o povo brasileiro é bom e acolhedor, a classe política que nos impede de chegar ao panteão das grandes economias do mundo, afinal, são eles os verdadeiros gatunos do dinheiro público, os assaltantes dos cofres públicos nos impedem o crescimento e uma melhoria nas condições sociais.

Nestas reflexões nos esquecemos de nos colocarmos nesta equação e de assumirmos nosso verdadeiro papel neste atraso histórico de nossa economia e de nossa estrutura política e cultural. Como podemos acreditar na falácia da existência de políticos desonestos, velhacos e corruptos numa sociedade marcada por pessoas e empresas virtuosas e preocupadas com o bem comum e a melhoria das condições sociais? Na verdade, esta classe política que conhecemos foi eleita pela população, tiveram votos e conseguiram alçar esta posição pela via democrática, nenhum destes supostos corruptos e velhacos conseguiram ocupar estes cargos eletivos sem a chancela da população, alguns deles foram votados em dois turnos e angariaram quantidades de votos que lhes concedem legitimidade inconteste.

A corrupção existente na sociedade está incrustada na alma de grande parte da sociedade brasileira, muitos dos indivíduos se estivessem nas casas legislativas ou nos gabinetes do executivo, adoraria se satisfazer dos benefícios e das benesses oriundas de dinheiro público, mesmo sabendo que para bancar este luxo, a população é sobretaxada em recursos que limitam sua dignidade e a condena a uma condição de indignidade e de desesperança.

Ao assumirmos os cargos públicos e usufruir de suas benesses nos esquecemos de nossas origens e de onde vem os recursos que nos financiam, os prazeres e os luxos destes grupos sociais, acreditamos que somos merecedores destes gozos mundanos e defendemos estas benesses, afinal de contas fomos eleitos e legitimados pela população.

A corrupção está na alma do povo brasileiro, desde os tempos da colonização quando comprávamos cargos na hierarquia do Estado para achacar a sociedade com altas cargas de tributos até as propagandas que legitimaram a famosa lei de Gerson que nos colocávamos como pessoas que adoravam levar vantagem em tudo, quando assumimos nossas fraquezas e limitações, nos mostrando em nossas entranhas e mostrando ao mundo nossas fragilidades.

Interessante nestas reflexões, quando nos debatemos com o tema corrupção, nos esquecemos de destacar as empresas e do empresariado privados e seu papel na sociedade que, muitas vezes nos mostram tão responsáveis social e economicamente e, na verdade, são muito mais corruptas e desonestas do que a grande maioria da sociedade. Os casos recentes nos mostram, claramente, que a corrupção crassa por todos os poderes da República, desde o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, mas não podemos deixar de nos indignarmos com a grande corrupção gerada e mantida pelo capital privado e pelos conglomerados nacionais e transnacionais.

Nos anos recentes, a sociedade brasileira descobriu coisas que, para muitos, seria algo inimaginável, grandes conglomerados econômicos, verdadeiros impérios financeiros, geradores de milhares de empregos, cuja atuação no mercado sempre foi sinônimo de competência e de qualidade de gestão, ruíram como cartas quando tocadas pelas mãos incautas ou pelo vento deselegante. Empresas como a Construtora Odebrecht, o conglomerado JBS, maior processador de carne animal do mundo e a empresa Gol Linhas Aéreas, todas empresas respeitadas e admiradas, muitas delas se mostravam muito bem administradas e saudáveis financeiramente, perderam muita de sua respeitabilidade quando se descobriu que todas elas e muitas outras, durante muitos anos, talvez décadas, se regozijaram com os recursos públicos, colocando a classe política em suas folhas de pagamentos, subornando autoridades nas mais diversas esferas e enriquecendo de forma acelerada ao mesmo tempo que crescia sem pudores e sem ética, esta é uma das vertentes mais evidentes do capitalismo brasileiro que está vindo à tona na atualidade.

No livro Why not, a jornalista Rachel Landim nos relata como um pequeno açougue na nascente capital federal se transformou numa das maiores empresas brasileiras, o modus operandi de seus gestores que não tiveram escrúpulos para comprar e corromper as autoridades que, mesmo recebendo salários bastante generosos do Estado ainda se venderam para angariar benesses maiores de empresas do setor privado.

Os mesmos casos de corrupção estão sendo descobertos em inúmeras empresas nacionais, nestes exemplos todos percebemos que o modelo de desenvolvimento utilizado na economia brasileiro foi responsável por uma verdadeira transformação da sociedade, estimulou um êxodo rural, industrializou o país e melhorou a estrutura produtiva, elevando o Brasil a uma das dez maiores economias do mundo, mesmo assim, o modelo pecou pelo excesso de proteção a economia nacional que acabou gerando distorções no sistema econômico e produtivo, onde os empresários eram ricos e as empresas pobres, com um mercado cativo e garantido, poucas empresas se empenhavam no incremento da produtividade, este modelo gerava uma perniciosa proximidade entre os governos e as elites industriais, que garantiram espaços claros e evidentes de corrupção e desvios de recursos públicos, eternizando o país em condições intermediárias de desenvolvimento, mesmo sendo uma das dez maiores economias do mundo.

A corrupção brasileira está inserida dentro das instituições, desde as casas do legislativo, como nas mansões de executivo e nos tribunais nacionais, tendo o Supremo como um de seus eixos, para que consigamos combater estes desequilíbrios e seus desperdícios mais frequentes, fazem-se necessário que todas estas instituições passem a funcionar de forma efetiva, reduzindo os gastos supérfluos e diminuindo esta exposição excessiva de Ministros e de tribunais que, embora aleguem transparência, esta exposição excessiva expõem os egos insuflados de seus membros e cria uma casta de privilegiados que vivem em condições desiguais e as custas de trabalhadores analfabetos e despreparados para os novos e constantes embates da quarta revolução industrial.

Se queremos combater a corrupção, faz-se fundamental que entendamos, que nenhuma das grandes instituições devem ser deixadas de lado, desde os grandes bancos, passando pelo judiciário, pelas autoridades policiais, pelas instituições religiosas e os setores políticos, todos devem se debruçar na compreensão de nossas desafios mais íntimos, entender que todos devemos nos reinventar é fundamental para um progresso num futuro próximo.

O combate a corrupção deve começar em nossas atitudes do cotidiano, deixemos de culpar nossos representantes que são muito mais parecidos conosco do que queremos enxergar, cumpramos os horários e façamos nossas atividades como fomos designados e recebemos para tal, que muitos professores deixem de enganar os alunos em sala de aula, que os alunos se conscientizem da importância do estudo e passem a se dedicar aos estudos e deixar de lado os olhares interesseiros e as cópias em provas e em trabalhos escolares, que os profissionais da saúde que, muitos deles, se veem ungidos ao patamar de Deuses, possam compreender que seu trabalho é fundamental para a sociedade e que cumprir o horário das consultas e permanecer nos postinhos nos horários de trabalho são promessas que foram feitas na formatura legitimando o juramento de Hipócrates.

Uma sociedade onde os indivíduos riem das contravenções, cortam filas, passam no sinal fechado, ultrapassam por locais proibidos e, constantemente, abusam de não darem setas nos momentos de conversões, como se fossem impermeáveis a críticas e condenações, este cenário pode parecer trágico e está cada vez mais mostrando que somos mesmo muitos mais idiotas do que imaginamos, enquanto nos ludibriamos nos parecendo espertos e moderninhos, estamos nas últimas posições do desenvolvimento e da decência mundiais.

Como nos disse o grande escritor brasileiro Monteiro Lobato, um país se faz com homens e de livros, estes nos auxiliam a moldar a nossa personalidade e nos ajuda em nossa compreensão enquanto seres humanos, na ausência do estudo, do conhecimento e da reflexão crítica, vamos nos tornar um grande exército de incapazes e incompetentes e nosso país será sempre o país do futuro que vive envolto em seu passado como forma de exorcizar seus obsessores que teimam em mostrar ao povo brasileiro uma realidade que ele se acostumou a não enxergar.

Reencarnação, dúvidas e medos dos espíritos no momento do retorno

             A Doutrina dos Espíritos nos mostra a importância do retorno ao mundo material como instrumento de crescimento e desenvolvimento do espírito, sabemos que os indivíduos são imensamente endividados e o retorno a matéria deve ser vista como uma forma de depurarmos os nossos equívocos e construir um futuro mais sólido e consciente, como nos disse Francisco Cândido Xavier: “Embora ninguém possa voltar atrás para fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora a fazer um novo fim”.

A reencarnação é vista no espiritismo como uma lei natural, um instrumento de crescimento e melhoria dos espíritos, uma forma de nos melhorarmos para a compreensão das leis de Deus, se estamos reencarnados ininterruptamente a mais de quarenta mil anos, neste ínterim cometemos inúmeros equívocos e constrangimentos variados, assassinamos, humilhamos semelhantes, agredimos e fomos agredidos, denegrimos a imagem de diversas pessoas e acumulamos rancores e ressentimentos em nossos corações, nesta trajetória angariamos inimigos e detratores, a reencarnação serve como um instrumento de melhoria espiritual, uma forma de nos melhorarmos e de nos prepararmos para uma sociedade melhor, dotada de sentimentos melhores e energias mais elevadas.

Quando falamos em reencarnação, não estamos reivindicando a primazia do tema, doutrinas orientais clássicas dissertaram sobre a reencarnação a muito mais tempo, a Doutrina dos Espíritos, codificada pelo grande intelectual francês do século XIX, Hippolyte Léon Denizard Rival, cujo pseudônimo utilizado nesta empreitada foi Allan Kardec que, em 1857, publicou O Livro dos Espíritos, que nos trouxe apenas uma visão mais estruturada e consistente da reencarnação, marcada por elementos mais científicos e afeitos à ciência.

Embora a reencarnação seja uma lei natural que todos estamos sujeitos e somos fortemente influenciados, pelos cálculos dos estudiosos da doutrina os indivíduos já encarnaram mais de mil vezes, estamos sempre com medos e assustados com o momento do retorno na vida material, neste momento muitas coisas nos assustam, os medos crescem e as preocupações se mostram cada vez maiores e mais assustadores, muitos refugam no momento do reencarne e provocam abortos descritos como naturais, outros aceitam a empreitada mas se mostram, constantemente, preocupados e amedrontados.

Numa das obras mais importantes da doutrina dos espíritos, o livro Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier e ditado pelo espírito de André Luiz, encontramos a narrativa de dona Laura, a mãe do benfeitor Lísias, este relato acontece nas vésperas de seu retorno ao mundo material, neste momento, seu coração se encontra apreensivo e cheio de medos e preocupações. Dentre as preocupações, dona Laura destaca três grandes medos do retorno ao mundo da matéria, um mundo limitante para o espírito e um palco de grandes batalhas, marcado por medos e inquietações: 1) Esquecimento do passado; 2) Influência do meio e: 3) Composição do corpo físico.

Estas preocupações existem em todos os espíritos conscientes nos mundos material e imaterial, que retornam ao mundo da matéria, àqueles que não apresentam conscientização de suas capacidades e de suas limitações e acreditam, firmemente, que todo o processo acontece de forma espontânea e natural, como não sabem das bases da reencarnação, vivem sem consciência e desencarnam sem consciência e ainda, reencarnam sem nenhuma consciência, pouco se preocupam e são conduzidos até uma maior conscientização, que chegará para todos os indivíduos, uns mais rapidamente e outros de uma forma mais lenta e demorada.

Ao tomar contato com a experiência de dona Laura e perceber seus medos e preocupações, muitas questões nos veem a mente, além de preocupações e muitas indagações, se um espírito com milhares e milhares de horas de serviço na colônia Nosso Lar, possuidora de grandes méritos, construídos sempre nos braços de crianças e jovens da colônia, além de filhos conscientes e preparados para continuar suas histórias e suas evoluções conscientes, se encontram em momento de medos e de preocupações, o que dizer da grande maioria dos espíritos que retornam ao mundo material sem os mesmos méritos e os conhecimentos angariados pela mãe de Lísias?

O esquecimento do passado deve ser visto como uma grande benção de Deus para conosco, se partirmos do pressuposto de que todos somos devedores e cometemos muitos erros e equívocos nas mais variadas encarnações anteriores, o esquecimento nos leva a esquecer variados crimes cometidos, mesmo sabendo que este esquecimento é muito relativo, pois o trazemos fortemente atrelado ao nosso períspirito. Os espíritos mais conscientes, como dona Laura, apresentam preocupações com relação a este esquecimento, medo de esquecer a insignificância que nos caracteriza, os erros que acumulamos e nos deixarmos levar pelos prazeres do hedonismo e a ambição material que nos impulsiona em uma sociedade marcada pelos prazeres do dinheiro e do sexo descontrolados.

Espíritos mais conscientes, como a mão de Lísias, e trabalhadores mais fiéis aos postulados de Jesus, conseguem sentir mais intimamente as intuições trazidas pelos bons espíritos que, constantemente, nos inspiram para que sigamos pelos caminhos do bem, do trabalho e do melhoramento constantes, estes irmãos nos servem como verdadeiras bússolas do bem e do amor, emissários do cordeiro para que trilhemos os passos do progresso.

Francisco Cândido Xavier, quando foi indagado sobre os medos de um retorno ao mundo material, destacou que um de seus maiores temores era com relação aos pais que o receberiam no seio familiar, segundo ele, vivemos numa sociedade tão desequilibrada e desajustada, que os pais, muitas vezes não tem consciência de sua importância para o espírito que reencarna, seus exemplos são fundamentais para a construção deste indivíduo, se percebem nestes exemplos bons, sólidos e consistentes, constroem sua personalidade de forma consistente e estruturada no bem agora, se os exemplos são negativos, ajudam na construção de adultos com vícios variados, medos e desequilíbrios que serão levados durante muitas décadas e perpetuados em seus descendentes.

O espírito consciente clama pela oportunidade de resgatar seus débitos anteriores, sabe de seus equívocos, tem consciência da gravidade destes erros e suplica a oportunidade de reencarnar, teme as condições de seu retorno, mas confia em Deus e sabe que nunca será abandonado, tem consciência de que este momento é de suma importância para seu progresso enquanto espírito imortal.

A influência do meio foi descrita como um dos maiores medos e preocupações de dona Laura, o meio em que reencarnamos pode nos auxiliar muito em nosso progresso espiritual, pode nos abrir portas e nos dar instruções seguras para continuarmos em nossa caminhada, mas pode também nos causar graves constrangimentos, nos afastando de nossos objetivos e dificultando a concretização de nossos sonhos. Um local marcado por medo, violências e desagregações pode criar na personalidade do indivíduo traços fortes de ressentimentos, rancores e comportamentos agressivos que nos afastam de nossos ideais e, ao mesmo tempo, exigem muita determinação e comprometimento para evitar uma queda e um comprometimento maior nesta encarnação.

Somos o que somos devido as mais variadas vidas que sucederam na história de nossos espíritos, buscamos sempre o progresso espiritual, moral, intelectual e emocional, nesta trajetória passamos por dificuldades e constrangimentos variados, acumulamos débitos e nos endividamos com muitas pessoas, algumas delas recebemos em nossos lares para uma reconciliação e somos impulsionados a dar o melhor de nós para auxiliar no progresso do espírito encarnado, quando o fazemos construímos um futuro mais sólido e consistente, vislumbrando novas oportunidades de progresso e de crescimento espiritual.

Para que reencarnemos, faz-se fundamental a constituição de um corpo físico, nos desabafos de dona Laura, percebemos uma preocupação com a constituição de seu corpo físico, este momento é muito desafiador para o espírito consciente que retorna ao mundo material, isto porque se este não possuir uma consciência maior, no momento da construção do novo organismo, pode ficar sujeito as leis duras referentes aos ascendentes biológicos, podendo herdar características de semelhantes que poderiam lhe causar graves constrangimentos num futuro imediato, dificultando sua ascensão e seus compromissos espirituais, no caso de nossa irmã, descrita na obra de André Luiz, o próprio governador determinou medidas diretas, fruto de seus méritos e conquistas espirituais.

Neste momento percebemos o quanto é importante para o indivíduo ser bom, honesto e trabalhador, ser tolerante e respeitoso com seus semelhantes, os medos de dona Laura são, na verdade, os medos de todos aqueles que reconhecem que o mergulho no corpo material é fundamental para o crescimento do espírito, mas ao mesmo tempo, nos coloca em uma condição de fragilidade, onde somos colocados frente a frente com nossos vícios e inseguranças, ao encararmos esta situação e conseguirmos vencer esta dificuldade, podemos, com certeza, perceber que conseguimos angariar novos créditos que nos garantirão um maior progresso para nosso espírito.

A reencarnação deve ser vista como um instrumento perfeito para a compreensão da bondade de Deus, fica muito difícil compreender a justiça divina sem ter em mente a riqueza da reencarnação, somente estudando sua lógica e percebendo sua justiça podemos entender que não somos marionetes e que nosso progresso demanda muitas vivências, em corpos diferentes, e que nestas vivências acumulamos histórias, erros e equívocos variados mas, ao mesmo tempo, acumulamos acertos e melhoramentos, que nos garantem um crescimento que nos abre portas consistentes para o progresso espiritual que almejamos.

As preocupações encontradas no livro Nosso Lar não se encontram na cabeça e na mente da grande maioria das pessoas, isto porque muitos indivíduos ainda não tomaram consciência da real importância da vida, vivem sem entender seu significado, morrem sem perceber que desencarnaram e entram na fila da reencarnação sem compreender aonde estão e o que estão almejando, somos ainda muito limitados sobre o mundo imaterial, sobre as relações do mundo invisível com o mundo material e da importância de compreendermos a relevância da Doutrina dos Espíritos para a humanidade, uma doutrina que nasce na Europa e faz morada em terras brasileiras, mostrando ao ser humano que os verdadeiros valores da civilização estão no mundo espiritual e o caminho mais seguro para alcançarmos a nossa evolução é seguir os passos de Jesus, baseados no amor, na tolerância e na solidariedade.

 

 

 

O Futuro do Trabalho, Robotização e a Capacidade do Capitalismo para gerar Empregos Inúteis

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O valor de seu trabalho não deveria ser medido pelo seu salário

Publicado em Economias por Rutger Bregman, em 17 de maio de 2017

Originalmente publicado em World Economic Forum.

Muito já foi escrito em anos recentes sobre os perigos da automação. Com previsões de desemprego em massa, redução de salários e desigualdade crescente, obviamente devemos todos nos preocupar.

Hoje, não são mais apenas os observadores de tendências e tecnoprofetas do Vale do Silício que estão apreensivos. Em um estudo que já acumula mais de uma centena de citações, pesquisadores da Universidade de Oxford estimaram que não menos do que 47% de todos os empregos norte-americanos e 54%  dos europeus correm alto risco de serem substituídos por máquinas – não em torno de cem anos, mas nos próximos vinte. “A única diferença real entre céticos e entusiastas é uma questão de tempo”, diz um professor da New York University“Mas daqui a um século, ninguém vai mais se preocupar sobre quanto tempo levou, mas com o que aconteceu depois”.

Admito que já ouvimos isto antes. Empregados já vem se preocupando com a maré ascendente de automação por 200 anos, e por 200 anos empregadores vem dizendo que novos empregos se materializarão para substituí-los. Afinal, por volta de 1800, cerca de 74% dos norte-americanos eram fazendeiros, enquanto que em 1900 este número caiu para 31% e, em 2000, para meros 3%. Ainda assim, isto não resultou em desemprego em massa. Em 1930, o famoso economista John Maynard Keynes previa que estaríamos todos trabalhando apenas 15 horas por semana em 2030. Todavia, desde os anos 80 o trabalho vem consumindo cada vez mais nosso tempo, trazendo consigo ondas de stress e esgotamento.

Enquanto isto, o cerne da questão sequer vem sendo discutido. A grande pergunta que deveríamos fazer é: o que constitui realmente “trabalho” nos dias de hoje?

O que é, afinal, “trabalho”?

Em um levantamento de 2013 com 12.000 profissionais pela Harvard Business Review, a metade dos entrevistados declarou que seu trabalho não tinha “sentido e significado” e um número equivalente não se via inserido nas missões de suas empresas; enquanto outra pesquisa com 230.000 empregados em 142 países mostrou que apenas 13% dos trabalhadores realmente gostavam de seu trabalho. Uma pesquisa recente entre britânicos revelou que 37% deles tinham trabalhos que consideravam inúteis.

Eles possuem aquilo a que o antropólogo David Graeber se refere como “bulishit jobs”,  No papel, tais trabalhos parecem fantásticos. Há mesmo hordas de profissionais de sucesso, com perfis de Linkedin vistosos e salários impressionantes, que no entanto voltam para casa todos os dias resmungando que seu trabalho não serve a propósito algum.

Deixemos outra coisa clara: não estou falando aqui de lixeiros, professores ou enfermeiros espalhados pelo mundo. Se estas pessoas entrassem em greve, teríamos em mãos um estado de emergência instantâneo. Não. Falo nos crescentes exércitos de consultores, banqueiros, conselheiros de impostos, gerentes e outros que ganham seu dinheiro em encontros estratégicos inter-setoriais entre pares para especular sobre valor agregado e co-criação na sociedade conectada. Ou algo no gênero.

Então, ainda haverá empregos suficientes para todos daqui a algumas décadas? Qualquer um que tema desemprego em massa subestima a extraordinária capacidade do capitalismo de gerar bullshit jobs. Se realmente quisermos colher as recompensas pelos tremendos avanços tecnológicos das últimas décadas (incluindo a ascensão da robótica), precisamos redefinir radicalmente nossa definição de “trabalho”.

O paradoxo do progresso

Partimos de uma questão antiga: qual o sentido da vida? Muitos dirão que o sentido da vida é tornar o mundo um pouco mais belo, mais aprazível ou mais interessante. Mas como? Hoje, nossa principal resposta a isto é: através do trabalho.

Nossa definição de trabalho é, entretanto, incrivelmente estreita. Somente trabalho que gere dinheiro pode ser computado no PIB. Não é prá menos, então, que organizamos a educação em torno de fornecer o maior número possível de pessoas, em parcelas flexíveis, ao mercado de trabalho. Ainda assim, o que acontece quando uma proporção crescente de pessoas consideradas bem sucedidas segundo a régua de nossa economia do conhecimento diz que seu trabalho é inútil?

Este é um dos grandes tabus de nossos tempos. Todo nosso sistema de atribuir sentido poderia de dissolver como fumaça.

A ironia é que o progresso tecnológico exacerba esta crise. Historicamente, a sociedade foi capaz de absorver mais bullshit Jobs precisamente por que robôs vem se tornando melhores. À medida em que fazendas e fábricas se tornaram mais eficientes, contribuíram para o encolhimento da economia. Quanto mais produtivas a agricultura e a manufatura de tornaram, menos pessoas empregaram. Chamem a isto o paradoxo do progresso: quanto mais ricos nos tornamos, mais tempo temos para desperdiçar. Como diz Brad Pitt no Clube da Luta: “Frequentemente, trabalhamos em empregos que detestamos só para comprar aquilo de que não precisamos”.

Chegou a hora de pararmos de dar as costas ao debate e focar no problema real: como seria nossa economia se radicalmente redefiníssemos o sentido de “trabalho”? Acredito firmemente que uma renda mínima universal seja a resposta mais eficiente ao dilema da robotização crescente. Não por que robôs assumirão todo o trabalho útil, mas por que uma renda mínima daria a cada um a oportunidade de realizar algum trabalho que tenha sentido.

Acredito num futuro em que o valor de seu trabalho não seja determidado pelo tamanho de seu salário, mas pela quantidade de felicidade que você espalhe e de sentido que você dê. Acredito num futuro em que o objetivo da educação não seja prepará-lo para mais um trabalho inútil, mas para uma vida bem vivida. Acredito num futuro em que “trabalho seja para robôs e vida para pessoas”.

E se a renda mínima lhe soa utópica, então eu gostaria de lhe lembrar que todo marco civilizatório – do fim da escravidão à democracia e aos direitos iguais para homens e mulheres – foi um dia uma fantasia utópica. Ou, como escreveu Oscar Wilde há muito tempo: “O Progresso é a realização de Utopias”.

Rutger Bregman é historiador e escritor, publicando na plataforma holandesa de jornalismo online The Correspondent. É autor de Utopia para realistas.

Brasil aumenta volume de recursos para educação, mas ainda gasta mal

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Gastamos mais como porcentagem do PIB do que a média do clube dos países ricos da OCDE

Renan Pieri – Folha de São Paulo – 17 de maio de 2019.

Nesta quarta-feira (15), manifestações de trabalhadores, alunos e instituições ligadas às universidades públicas se espalharam pelo país contra o contingenciamento de gastos promovido pelo Ministério da Educação em consonância com a área econômica do governo Jair Bolsonaro.

Possivelmente, essas foram as maiores manifestações de rua desde o movimento que, em 2015, antecedeu o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

A história começou na semana passada, quando o ministro Abraham Weintraub anunciou que universidades com mau desempenho sofreriam cortes de gastos de 30% dos gastos discricionários —ou seja, aqueles que não consistem em pagamento de salários, seguridade social, dentre outras despesas obrigatórias da administração pública.

Mas, em linhas gerais, o que faz sentido e quem tem razão nessa história toda? É complicado! O contingenciamento se deve, na verdade, ao fato de o orçamento do governo federal ter sido construído sob uma projeção de crescimento do PIB de 2,5% em 2019.

Como o PIB deve crescer menos de 1,5% neste ano, é natural que o governo faça contingenciamentos (que possivelmente virarão cortes caso a economia não se recupere) nas áreas em que isso é legalmente permitido.

Se fosse uma empresa, o governo faria uma análise de custo-benefício de suas diferentes áreas e, a partir disso, enxugaria o quadro de funcionários das áreas menos produtivas.

Como não é o caso, e a Constituição obriga o pagamento dos benefícios previdenciários e dá estabilidade aos funcionários públicos concursados, resta a redução de despesas discricionárias que se concentram em educação, saúde e gastos sociais.

Espera-se que este cenário de escassez melhore com a aprovação de uma reforma da Previdência, pois isso permitiria que o governo reduzisse os gastos com custeio e aumentasse os investimentos em educação.

Todo esse processo, portanto, poderia ter sido comunicado pelo governo como uma questão contábil. Um assunto duro, mas técnico. Mas não foi o que ocorreu.

Ao anunciar o contingenciamento, o MEC pôs em discussão o desempenho das universidades federais e um suposto dilema entre gastar com educação infantil ou superior. Mas será que gastamos muito em educação?

O Brasil é um país que tem se esforçado para destinar mais recursos à educação. Entre 2000 e 2015, os dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostram que o percentual gasto em educação com relação ao PIB aumentou de 4,6% para 6,2%.

Gastamos mais como porcentagem do PIB do que a média do clube dos países ricos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Entre 2000 e 2015, o gasto por aluno foi de R$ 2.587 para R$ 7.273 (em valores de 2015). Todavia, isso não significa que gastamos muito em educação, pois nosso PIB é menor que o dos países da OCDE.

Segundo os dados da edição de 2015 do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o gasto por aluno no Brasil é menos da metade da média da OCDE. Adicionalmente, o gasto acumulado por aluno entre 6 e 15 anos no Brasil é de somente 42% da média da OCDE.

Se já nos esforçamos para garantir recursos para a educação, a questão está em como alocamos esses gastos. E aí está o problema: gastamos muito mal. O gasto por aluno no Brasil é maior que o de outros países de renda média que têm desempenho melhor que o nosso no Pisa, como Chile e México.

A literatura que estima a relação entre gastos educacionais e desempenho dos alunos nos exames de proficiência nos aponta que os municípios brasileiros que destinam mais recursos para a educação não necessariamente têm melhor desempenho.

Vejamos, por exemplo, o caso de Brejo Santo, município do Ceará. Este teve Ideb igual a 7,9 em 2017. Já o município de São Paulo, que tem PIB per capita cerca de quatro vezes maior que o município cearense, teve Ideb igual a 6,0 em 2017.

Além disso, como bem apontou o ministro Weintraub, nosso gasto é desproporcionalmente maior com educação superior.

Em 2015, gastamos R$ 6.381 por aluno da educação básica, enquanto o dispêndio foi de R$ 23.215 por aluno da educação superior. Em um país onde metade das escolas de educação básica não tem biblioteca ou sala de leitura, parece um contrassenso priorizar a educação superior.

Mas o ministro erra ao colocar o dilema entre gastar com educação básica ou superior. Como sociedade, podemos viabilizar o aumento de recursos para a educação básica discutindo maneiras de reduzir gastos públicos menos produtivos, como os gastos com custeio da máquina pública.

É verdade que R$ 1 gasto em creches tem retorno maior que R$ 1 gasto com um aluno de graduação. Porém, o retorno do dinheiro gasto com educação superior é possivelmente maior do que o da verba alocada para subsídios a grandes empresas ou para o fundo partidário que financia as campanhas políticas.

O contingenciamento também poderia vir acompanhado de propostas que permitissem às universidades aumentarem suas receitas.

Não seria melhor cobrar mensalidades dos alunos que podem pagar e não cortar as bolsas de pós-graduação que viabilizam o avanço da ciência? As universidades não poderiam arrecadar com cobrança por cursos lato sensu e não diminuir os recursos para a manutenção de laboratórios?

São questões que precisam ser colocadas e discutidas. O que não podemos fazer é continuar fingindo que esses dilemas não existem.

Renan Pieri é doutor em economia, professor de economia do Insper e especialista em avaliação de políticas educacionais

Trabalho na Uber é neofeudal, diz estudo. ‘São empreendedores de si mesmo proletarizados’

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O Grupo de Estudos “GE Uber”, da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do Ministério Público do Trabalho, realizou um estudo sobre as novas formas de organização do trabalho relacionadas à atuação por meio de aplicativos.

por Marco Weissheimer do Sub21

O Grupo de Estudos “GE Uber”, da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do Ministério Público do Trabalho, realizou um estudo sobre as novas formas de organização do trabalho relacionadas à atuação por meio de aplicativos. Intitulada Empresas de Transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos,  a pesquisa o modo de funcionamento de empresas de aplicativos, em especial a norte-americana Uber. O estudo define como neofeudal o tipo de trabalho que vem sendo desenvolvido por meio dessas plataformas:

“A estrutura da relação entre as empresas que se utilizam de aplicativos para a realização de sua atividade econômica e os motoristas se dá na forma de aliança neofeudal, na qual chama os trabalhadores de ‘parceiros’. Por ela, concede-se certa liberdade aos trabalhadores, como ‘você decide a hora e quanto vai trabalhar’, que é imediatamente negada pelo dever de aliança e de cumprimento dos objetivos traçados na programação, que é realizada de forma unilateral pelas empresas”, aponta.

O estudo do “GE Uber” também promoveu um levantamento de ações trabalhistas envolvendo os aplicativos de transporte de passageiros e aponta. decisões já consolidadas em outros países, como Estados Unidos e Inglaterra. Na Inglaterra, por exemplo, a Justiça, em um processo contra a Uber, reconheceu a categoria de “worker” (trabalhador), concedendo vários direitos previstos na legislação e afastando a alegação de ser empresa de tecnologia, que foi apontada como falaciosa.

Um dos coordenadores desse estudo, o Procurador do Trabalho Rodrigo de Lacerda Carelli afirma que, pela primeira vez, no Brasil, um estudo apresenta alguns elementos cruciais para definir esse tipo de relação de emprego. “É possível, sim, que esses trabalhadores sejam considerados como empregados. A legislação brasileira, por incrível que pareça, é avançada neste sentido. Temos um dispositivo que já prevê a presença da subordinação telemática ou algorítmica, por computador ou à distância. Isso já existe em nossa lei”.

Rodrigo Carelli, que também é professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresentou as principais conclusões desse estudo durante o Simpósio “Futuro do Trabalho – Os efeitos da revolução digital na sociedade”, promovido pela Escola Superior do Ministério Público da União, dia 9 de maio, em Porto Alegre. Em entrevista ao Sul21, o Procurador do Trabalho fala sobre essa pesquisa e aponta o caráter fictício de vários elementos da propaganda feita por empresas como a Uber para atrair trabalhadores em todo o mundo:

“O espírito de empreendedor que aparece nas propagandas desses aplicativos é fictício. Em todas essas empresas, algoritmo já calcula quanto as pessoas vão receber por hora. Uma delas calcula que o trabalhador, em condições ótimas, por 44 horas semanais de trabalho, ele vai receber 1,2 salário mínimo”, resume.

Sul21Quais foram as principais conclusões da pesquisa realizada pelo grupo de estudos do Ministério Público do Trabalho sobre o impacto das plataformas digitais na relação de emprego que vemos hoje em áreas como a do transporte?

Rodrigo Carelli: A ideia de fazer esse livro nasceu de um problema prático. Estávamos recebendo algumas denúncias envolvendo essa questão e não entendíamos muito bem do que se tratava. Formamos então um grupo de estudos, no âmbito do Ministério Público do Trabalho, para tentar entender como funcionam essas novas formas de trabalho que surgem a partir de empresas que se utilizam de aplicativos para organizar essa mão de obra. A partir daí, começamos a entender esse universo e o que está por trás do discurso que se apresenta como sendo meramente tecnológico. Quando terminamos, concluímos que era muito importante divulgar o conhecimento que acumulamos nesse estudo, que é um marco.

Pela primeira vez, no Brasil, um estudo apresenta alguns pontos cruciais da relação de emprego estabelecida nestas plataformas digitais. Já havia alguns estudos antes, mas esse é o primeiro que pretende dar um norte, um rumo para o tratamento dessa questão. E esse rumo é: é possível, sim, que esses trabalhadores sejam considerados como empregados. A legislação brasileira, por incrível que pareça, é avançada neste sentido. Temos um dispositivo que já prevê a presença da subordinação telemática ou algorítmica, por computador ou à distância. Isso já existe em nossa lei. Então, a gente não precisa inventar muito. O que precisamos é conscientizar que essa atualização deve vir para o mundo da Justiça e para a vida das pessoas, de modo a entender que uma empresa que se utiliza de trabalhadores, mesmo que ela esteja por detrás de uma máscara tecnológica, ela é responsável pelos direitos desses trabalhadores.

Nós estudamos também como a Justiça de outros lugares do mundo está julgando esses temas. O livro traz decisões tomadas em países como Inglaterra, na Suíça e França que trataram de questões envolvendo esse movimento de deslocar a subordinação tradicional – a de um chefe, capataz ou o próprio empregador dando ordens diretamente – para uma subordinação algorítmica, estabelecida por meio de um instrumento telemático, como um aplicativo de celular por exemplo. Neste caso, as ordens do empregador não são mais dadas diretamente pelo mesmo ou por um preposto qualquer. O preposto passa a ser o aplicativo. Ele é que vai dar as coordenadas e organizar o trabalho dessa mão de obra de uma forma bastante eficiente.

Sul21: Qual a lógica que está por detrás desse movimento de deslocamento da subordinação tradicional para uma subordinação virtual por meio de coisas como um algoritmo?

Rodrigo Carelli: Essas novas relações de trabalho trazem embutidas nelas uma nova racionalidade do trabalho, que é a utilização de uma mobilização total dos trabalhadores. Ao invés de você pegar simplesmente uma base de trabalhadores que uma empresa tem e fazer com que ela trabalhe para você, é possível jogar isso para uma multidão de modo que ela execute esse trabalho. Você vai tentar fazer com que eles trabalhem em determinada hora, pode dar uma bonificação para atraí-los a trabalhar naquele horário. Se eles não estiverem de acordo com o que você quer, é possível puni-los também. É o famoso regime de “stick and carrots” (punição e recompensa), uma forma de controle que é muito eficiente hoje em dia.

Há uma multidão que está aí disponível para ser explorada, para arrumar um trabalho, mesmo sem ter direitos. Investem parte do patrimônio que ainda tem em um automóvel, por exemplo, para trabalhar. O que eles não conseguem perceber é que, em verdade, estão financiando essa atividade econômica por um preço baixíssimo. E não tem jeito de “enriquecer” neste trabalho. O espírito de empreendedor que aparece nas propagandas desses aplicativos é fictício. Em todas essas empresas, algoritmo já calcula quanto as pessoas vão receber por hora. Uma delas calcula que o trabalhador, em condições ótimas, por 44 horas semanais de trabalho, ele vai receber 1,2 salário mínimo. O trabalhador pode achar que ele é um empreendedor de si mesmo e quanto mais ele se esforçar, mais ele vai ganhar. Isso é uma ficção. Não vai conseguir, porque tudo isso já está calculado no algoritmo.

Neste processo, a questão tecnológica é apresentada de modo que as pessoas se deslumbrem com ela, achando que é o máximo da modernidade. Isso desloca, inclusive, a questão da crise. Antigamente você xingava seu empregador porque ele não estava pagando um salário decente. Hoje em dia, os trabalhadores reclamam do aplicativo, do sistema. Ergueram uma parede entre o empregador e o trabalhador. O aplicativo consegue invisibilizar o empregador. Além disso, ele dá uma noção de flexibilidade para o trabalhador, com o discurso de que ele poderá trabalhar quando quiser e como quiser. Isso não acontece. Se ele tiver que sobreviver disso, ele vai perceber que serão muitas as horas que terá que trabalhar. Os trabalhadores desses aplicativos estão fazendo cerca de doze horas por dia, sete dias por semana, para conseguir sobreviver, o que nem isso grande parte deles conseguirá.

Sul21: Por que não conseguirão?

Rodrigo Carelli: Porque estão se endividando e, provavelmente, quando o instrumento de trabalho deles (o carro) terminar, não conseguirão comprar outro pois já estão endividados. Estamos vivendo diversos problemas aí que precisamos enfrentar. Esses problemas vão aumentar quando se perceber que, quem está financiando a atividade econômica são os trabalhadores.

Sul21: O problema da segurança, ou da insegurança melhor dizendo, parece estar forçando esses trabalhadores a iniciar algum tipo de organização. Isso ajuda a começar expor o caráter fictício do empreendedorismo individual que anima a propaganda do negócio de aplicativos?

Rodrigo Carelli: Esse é um fenômeno internacional. No mundo inteiro, esses trabalhadores estão se mobilizando. Em alguns lugares, como na Índia, houve um sério problema de segurança envolvendo estupro de mulheres. Mas não é isso que está provocando essa mobilização em nível internacional. Os trabalhadores estão se mobilizando por conta de direitos e porque começaram a perceber a alta exploração a que estão submetidos. Enxergam uma empresa bilionária a qual estão associados e totalmente proletarizados. São empreendedores de si mesmos proletarizados.

No Brasil há essa questão da segurança. Além de mais segurança, os trabalhadores estão pedindo coisas como o controle das pessoas que utilizam o sistema. Mas os passageiros também têm tido problemas com relatos de assaltos e outros problemas. Essa é uma questão brasileira pois temos uma violência muito grande. Nos países mais desenvolvidos, o que se busca é uma compensação melhor pelo seu trabalho.

Sul21Você mencionou antes que já existem elementos na legislação brasileira atual para enquadrar essas situações de trabalho. Por outro lado, para os sindicatos esse é um mundo totalmente novo e adverso, do ponto de vista da possibilidade de organização dos trabalhadores. Como avalia as transformações que esse sistema de plataformas de aplicativos implica para a organização sindical?

Rodrigo Carelli: Em países como a Inglaterra, os sindicatos tradicionais estão começando a proteger esse tipo de trabalhador. Já conseguiram visualizar nele um igual.

Sul21Sindicalizando eles, inclusive?

Rodrigo Carelli: Sim, sindicalizando esses trabalhadores. Isso já está acontecendo na Inglaterra. Nos Estados Unidos, há um caso famoso em Seattle, onde os trabalhadores quiseram se organizar e abrir um processo de negociação coletiva, mas a empresa Uber foi à Justiça para impedir que os trabalhadores se organizassem coletivamente. Aqui no Brasil esse processo ainda está no começo, mas já é possível perceber algumas associações. Nosso sistema sindical é bastante fechado, só permitindo a filiação de empregados. Essas novas associações que começam a ser criadas podem, com o passar do tempo, se tornarem alguma entidade sindical. O sistema sindical brasileiro deve ser modificado nos próximos anos. Eu acredito que esse é o caminho bastante provável. Esses trabalhadores vão se organizar, vão pedir melhores condições de trabalho e, logo, estarão demandando por direitos, como já vem acontecendo na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Sul21No caso brasileiro, essas novas formas de trabalho precarizado e desregulamentado vêm se desenvolvendo em um ambiente de crescente ofensiva contra direitos e contra a legislação que os protege. Instituições como o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho também são alvo desse ataque. Como está sendo trabalhar neste ambiente?

Rodrigo Carelli: Nós estamos sofrendo um ataque desde algum tempo já. Não é um ataque novo. Esse ataque ocorreu na década de 90, só que ele não surtiu efeito. Voltaram à carga agora, no meio dessa década, para fazer uma forte reforma do direito do trabalho. E conseguiram. Utilizaram instrumentos e processos altamente questionáveis, mas conseguiram fazer essa reforma e, simplesmente, desmontar grande parte do sistema de proteção trabalhista, em alguns de seus pilares.

O Ministério Público do Trabalho, desde que o projeto da Reforma Trabalhista foi apresentado, sempre foi contrário a ele. Não é que o Ministério Público do Trabalho fosse contrário a qualquer reforma, mas se opôs claramente a esse projeto que desconstrói o sistema de proteção, contrariando a Constituição Federal. Se fosse uma reforma conforme a Constituição brasileira, o Ministério Público defenderia, mas esta reforma que está aí é contrária aos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição.

Em função disso, o Ministério Público do Trabalho vem batendo nesta reforma e demandando várias questões à Justiça do Trabalho envolvendo pontos que contrariam convenções internacionais da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a Constituição brasileira. Percebemos com bastante preocupação a precarização constante das relações do trabalho no Brasil e a lesão aos direitos fundamentais previstos na Constituição. Isso tem aumentado e estamos acompanhando esse processo com muita preocupação.

 

 

“Aluno “empoderado” com professor “coach” tem pior desempenho escolar.

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Especialista sueca explica que aulas que dependem fortemente de iniciativas dos próprios alunos têm resultados inferiores

FolhaPress, 10 de maio de 2019.

“Ensino centrado nos alunos, fim das aulas expositivas e das provas, aprendizado por projetos, desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais. Esses e outros conceitos que se disseminam por escolas de países ocidentais, inclusive do Brasil, são um erro.

A opinião é da pedagoga sueca Inger Enkvist, que tem causado polêmica ao criticar a chamada nova pedagogia, em sua opinião a causa da má qualidade da educação e da indisciplina de crianças e jovens, que se tornam egocêntricos, não aprendem a respeitar os colegas e os professores e não têm limites.”

“Ela está em São Paulo e fez na noite desta quarta-feira (8) a palestra de abertura do Centro de Discussão Educacional, novo laboratório de ideias, ou “think tank”, da Escola Superior de Propaganda e Marketing.

Sua presença serviu de contraponto no evento, com plateia de educadores e empresários convidados, à socióloga Manolita Correia Lima, 60, coordenadora do Núcleo de Inovação Pedagógica da ESPM, criado para estudar tendências da educação e reformular o currículo da universidade considerando que os novos alunos são o centro do aprendizado desde o ensino infantil.

Inger, 71, autora de “Educação: Guia para Perplexos” (editora Kírion) e “Repensar a Educação” (Bunker Editorial), defende suas ideias nesta entrevista, em que aborda aspectos ideológicos e políticos para ela envolvidos na educação.”

“O que é novo e o que é velho quando falamos de pedagogia?

Há dificuldade com essas terminologias. Muitas palavras vagas são usadas nesse campo, que é influenciado pela emoção. Além disso, designam procedimentos que têm mudado ao longo dos anos. Diria que hoje o principal conteúdo da “velha pedagogia” é uma classe em que o professor explica, os alunos escutam e anotam, o professor prepara provas escritas, e os alunos estudam para essas provas. Outra palavra para a mesma atitude seria “tradicional”.

“Nova pedagogia” designa métodos que incluem trabalhos por projetos, em grupo, resumos escritos em vez de provas e apresentações orais acompanhadas de escritas. O professor é visto como alguém do grupo, um coach. Outros fatores tendem a acompanhar essas atitudes.

À “velha pedagogia” é associada a visão de que ordem e obediência são importantes para que os alunos aprendam e que os professores devem ser bem formados. A “nova pedagogia” inclui a visão de que a escola não é só para aprender conteúdo e que é importante que inclua propósitos sociais. Os professores devem ser amigáveis e acessíveis, e nenhum estudante pode ser colocado para fora da classe por se comportar mal ou por não estudar.

Muitas pesquisas mostram que os melhores países e as melhores escolas apresentam uma combinação dessas duas atitudes em direção ao tradicional. O professor organiza a aula, explica o conteúdo e checa os trabalhos dos alunos, mas a atmosfera é positiva, e exemplos práticos e trabalhos em grupos são incluídos por pequenos períodos. Salas de aula que dependem fortemente das iniciativas dos próprios alunos têm resultados inferiores, especialmente para aqueles estudantes com maiores dificuldades.

Por que algumas ideias da chamada “nova pedagogia” têm-se disseminado tão fortemente pelo mundo?

Essa é uma questão que só pode ser respondida com suposições. Minha suposição seria que tem a ver com a política. A esquerda política tem desejado criar um “novo homem”, e esse projeto começa sempre com as crianças. As escolas são precisamente o lugar onde a sociedade tem acesso às crianças longe de seus pais. Pessoas que querem mudar a sociedade têm ido dar aulas e administrar escolas. A geração que entrou no campo da educação nos anos 1960 e 1970 foi muito influente. O que aconteceu é contraditório. Essa era uma geração antiautoritarismo. Contestava a sociedade autoritária, mas impôs sua própria autoridade. O que se espalhou foi um questionamento da autoridade como tradição e como aprendizado.

Os novos educadores se dedicaram a incluir os alunos com todos os tipos de problema e a se concentrar na situação deles. O lado negativo é que, se permitem que alguns alunos acabem com a concentração da sala de aula, não fazem o que é melhor para todos os alunos.

Há uma pesquisa que diz que, se um estudante aprende muito pouco durante os três primeiros anos na escola, será quase impossível superar essa perda de aprendizado depois. Então por que isso se espalhou pelo mundo ocidental? Não foi em razão dos resultados, mas com uma convicção politicamente fundamentada de que é “democrático”.”

“Não deveríamos supor que a nova pedagogia se disseminou porque os métodos tradicionais têm se tornado ineficientes?

Não, porque as novas ideias, aplicadas de forma massificada, são menos eficientes, o que pode ser claramente visto no Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Alunos]. Países como Cingapura, Hong Kong e Japão têm cuidadosamente conduzido aulas centradas no professor que também incluem algum trabalho em grupo, e eles têm uma performance muito melhor do que os países que ensinam a nova pedagogia.

É correto então considerar que a pedagogia tradicional pode ser mais relacionada à direita política e que a esquerda é mais entusiasta da nova pedagogia?

Eu evito esses termos, mas é verdade que parte da esquerda se propõe a promover sua visão condenando outras. Sua questão é uma prova de que esse campo tem sido politizado. Se houvesse simplesmente duas teorias, alguém poderia fazer experiência e ver qual delas é a mais eficiente. Os pedagogos que propõem a nova pedagogia tendem a não aceitar provas, porque costuma dizer que, ainda que haja outros métodos mais eficientes, eles representam o que é bom. Em outras palavras, o campo da pedagogia é uma combinação de alguns aspectos que podem ser avaliados e de outros emocionais e ideológicos, que não podem ser decididos por evidências.

O layout da sala de aula influencia o aprendizado?

Sim. O principal alinhamento deve permitir que todos os alunos ouçam e vejam as explicações do professor. Para alunos mais velhos, pode ser feito um círculo. Entretanto, isso depende do número de alunos por classe. Se há mais de, digamos, 25, é quase impossível que se mantenham atentos se as carteiras não estiverem arrumadas de forma que todos possam ver e ouvir bem.

É possível manter as tradicionais fileiras de alunos, todos olhando para a lousa, escutando o professor e anotando mesmo quando as crianças e jovens estão imersos na linguagem não linear da tecnologia?

Sim, é. Primeiramente, boas aulas em que você senta e escuta são empolgantes porque você aprende coisas novas. O que o professor diz é adaptado ao que você é capaz de entender e é apresentado de forma que você entenda. Um bom professor também proporciona variações do “senta e escuta” na sala de aula.

É comum atualmente pensar que, porque os jovens estão na internet, eles têm um novo modo de aprender. No entanto, na internet, eles não estão aprendendo novos conceitos e novas relações no campo intelectual de forma eficiente. Usar a internet na escola pode ser divertido, mas é uma perda de tempo se comparamos com o uso de um bom livro didático. Muitas pesquisas nos dizem que nós não aprendemos de fato em frente às telas, e sim decidimos se vamos deixar aquela página para ir para outra mais interessante.

Geralmente, o problema não é ouvir e ler muito e sim muito pouco. Jovens têm-se tornado menos capazes de se concentrar em ler e escutar. A esse respeito, em geral, são estudantes menos competentes.

A sra. considera um erro a tendência do ensino centrado no aluno?

Em primeiro lugar, esse termo é enganoso. Ele normalmente se refere aos estudantes terem o direito de escolher o que aprender e em qual ritmo. Isso rompe a unidade da sala de aula e muda o papel do professor para alguém que precisa ter vários conteúdos diferentes para oferecer para estudantes, os quais parecem trabalhar por conta própria.

Aprendizado centrado no aluno é a solução para professores que têm que organizar o trabalho de estudantes com habilidades e interesses muito diferentes na mesma sala de aula. Porém, aprendizado eficiente é um conteúdo preparado e explicado por um professor. De forma que isso possa funcionar, os estudantes têm que estar no mesmo nível mais ou menos, que é como estão em Cingapura, Finlândia, Estônia, Suíça e outros países bem-sucedidos na educação.

Por que a senhora acredita que os professores estão perdendo a autoridade?

As razões são diversas. Na América Latina, uma razão é que muitas escolas foram estabelecidas antes que houvesse estrutura adequada e professores bem treinados para assumi-las. Ao mesmo tempo, mais ou menos nos anos 1960 e 1970, as mulheres tiveram acesso mais fácil a todo o tipo de profissão. Mulheres com interesses e capacidades intelectuais deixaram o ensino para ganhar salários mais altos e por trabalhos com condições mais recompensadoras. A qualidade da educação estava baseada nessas mulheres, que eram inteligentes, trabalhavam duro e aceitavam salários um tanto baixos. Quando elas saíram, as vagas foram preenchidas, em geral, por pessoas menos qualificadas e menos dedicadas.

É possível ter um sistema equilibrado em que os professores mantenham a autoridade e, ao mesmo tempo, o aprendizado seja centrado nos alunos?

A questão está preocupada com termos e não com realidades. O aluno é sempre o centro, uma vez que é o aluno que está aprendendo. Nesse sentido, o termo “centrado no aluno” é vazio. A educação realmente centrada no aluno são aulas particulares, e isso não pode ser introduzido em larga escala porque não há professores suficientes, e os custos seriam proibitivos. O bom ensino é baseado em um professor inteligente e bem formado com uma classe disposta a aprender.

Uma tendência forte na educação é a necessidade de se desenvolver habilidades sociais e emocionais nos alunos, que iriam ajudá-los na carreira e também fazê-los mais felizes. O que a sra. acha?

Essa é mais uma falsa premissa. O ensino bom automaticamente desenvolve essas habilidades. Quando tudo funciona bem, o estudante no primeiro ano aprende a ser pontual, a se sentar quando deve se sentar, a ouvir atentamente, a fazer perguntas educadamente, a participar em situações de aprendizado respeitando os outros alunos, a seguir instruções, a se concentrar em aprender, por exemplo, a ler, e a trabalhar de forma cuidadosa quando está aprendendo a escrever no livro de exercícios. Tudo isso é promover habilidades sociais e emocionais ao mesmo tempo em que se aprende o conteúdo. O que é um problema é quando a escola entende que ser centrada no aluno ou ser inclusiva é permitir que os alunos não sigam regras e instruções. Isso faz os alunos tão egocêntricos que, aí sim, eles precisam desse conhecimento extra de “habilidades sociais e emocionais”.

A sra. escreveu um artigo sobre a influência do politicamente correto na relação entre professores e alunos, dizendo que os professores hoje são alertados a evitar falar de temas sensíveis, como feminismo, racismo e gênero. A sra. defende que essa situação criou um ambiente em que todos têm medo de todos. Como isso poderia mudar?

Essa é uma das mais importantes questões atuais. Se continuarmos a deixar que ideólogos ditem o que deve ser pesquisado, ensinado e dito, deixamos o campo da liberdade de pensamento que tem nos levado ao progresso. Devemos defender professores, pesquisadores e jornalistas que tentam se basear em fatos mais do que em ideologias. Essa é mais uma razão pela qual professores deveriam ser recrutados entre as melhores universidades, porque serão muito bem informados. As administrações estão com medo e curvadas diante das ondas da internet.”

 

Desemprego, estagnação econômica e degradação no mundo do trabalho

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O país vem passando por um momento de grandes apreensões econômica e política, com impactos sociais sobre toda a coletividade, nos últimos cinco anos temos a convicção de que estamos andando a passos crescentes e inexoráveis para um abismo, cujas consequências futuras são imprevisíveis, mas que já estamos sentindo individualmente, o Brasil está caminhando rapidamente para um precipício perigoso e assustador.

O desemprego cresce de forma acelerada, degradando as condições sociais e gerando um clima de insatisfação social, medo e desesperança, condenando o país a mais uma década perdida, com crescimento negativo e queda considerável nos indicadores sociais. Os poucos empregos gerados no sistema econômico são marcados por baixa produtividade e remuneração limitada, além de, a grande maioria ser caracterizado como empregos precários e sazonais, sem direitos trabalhistas e previdenciários, condenando o país a um debate interminável sobre Reforma da Previdência.

Pesquisas recentes nos mostram que o aplicativo Uber é o maior empregador do país, emprega alguns milhões de trabalhadores de forma precária, estes trabalhadores não têm carteira assinada, décimo terceiro salário, contribuição previdenciária, férias, etc… e nunca viram e jamais verão seu empregador, gerando um mercado cada vez mais frio e invisível, onde os laços sociais e emocionais não mais existem. Cada vez mais nos acostumamos a conversar com as máquinas e com a tecnologia, elas nos servem no cotidiano, nos auxiliam nas atividades modernas, nos geram prazer e nos confortam nos momentos de medo e desesperança, em alguns países desenvolvidos servem até mesmo para fazer sexo e aliviar os mais excitados e imediatistas.

A economia brasileira está num momento de grande estagnação, precisamos de reformas urgentes, dentre elas precisamos de reformas que reconstruam a previdência social, reduzindo os benefícios dos grupos detentores de altos salários, fortes benefícios e aposentadoria integral e de uma diminuição dos dispêndios agregados para que o sistema volte a ser superavitário ou, pelo menos, que não esteja em condições de insolvência imediata, melhorando as perspectivas das próximas gerações e reconstruindo as perspectivas positivas para as gerações mais jovens.

Além desta reforma, precisamos de uma ampla redução nos subsídios e benefícios aos grandes conglomerados econômicos, que constantemente criticam a situação fiscal de insolvência do Estado Nacional mas, ao mesmo tempo, não abrem mão de seus recursos privilegiados, são verdadeiros hipócritas exploradores que se refestelam nas festas com dinheiro público e criticam os gastos excessivos com as políticas sociais.

Nesta semana ficamos estarrecidos com as linhas de créditos abertas pelo BNDES para dois dos maiores bancos privados do Brasil, estes bancos reportaram lucros astronômicos no primeiro trimestre do ano e, mesmo assim, buscam no banco público empréstimos em condições favoráveis para seus acionistas, pouco se importando com mais de sessenta milhões de negativados, com números superlativos e fortemente negativos, dificilmente conseguiremos sair desta situação de desalento,  de desesperança e de baixa confiança da população brasileira.

Enquanto o país possui mais de 13 milhões de desempregados e mais de 27 milhões de desalentados e trabalhadores em condições precárias, totalizando mais de 40 milhões de pessoas passando por dificuldades materiais das mais primárias, crianças abandonadas e passando fome, adultos sem esperança, pais e mães de família que perderam o respeito de seus filhos e familiares, muitas vezes se entregando a condições de indignidade, muitos sucumbem ao roubo, as drogas, ao álcool e a violência como formas de sobrevivência.

Na sociedade capitalista que vivemos, o consumo está associado ao emprego, sem emprego os trabalhadores não possuem salários e recursos amoedados para sua sobrevivência e de seus familiares, o desemprego gera uma redução considerável da autoestima, uma perda da confiabilidade social e uma tendência a um incremento na violência urbana, nesta situação os lares se desagregam mais rapidamente e as condições de vida se precarizam de forma acelerada e crescente.

Os gestores públicos e as classes políticas brasileiras ainda não acordaram para a real situação do país e dos trabalhadores, de uma forma geral, com este número crescente de desempregados e subempregados, não demorará muito para que as classes mais miseráveis adotarão uma outra estratégia de manifestação e reivindicação, sob pena de perderem todas as perspectivas de sobrevivência e se condenarem a miséria e a indigência num futuro muito imediato.

Todos os dias encontramos previsões econômicas sendo revistas, instituições renomadas que fizeram previsões positivas no final do ano passado estão caindo na real e clamam pela reforma da previdência, acreditando que esta será a grande panaceia da economia brasileira, apesar de defendermos a reforma, acreditamos que serão necessárias muitas outras mudanças na lógica econômica para que este país volte a ter viabilidade, sem reformas mais profundas estamos condenados a uma situação próxima da bancarrota, com fuga de capitais, taxas de juros elevadas, dívida pública em explosão e sem recursos para pagamento de aposentadorias, pensões e benefícios, com relação aos investimentos, estes estão ausentes desta equação a muito tempo.

A oitava economia do mundo, um país com amplo potencial de crescimento e desenvolvimento social, se encontra em uma situação de estagnação, num momento de grandes inquietações no mundo contemporâneo, um momento de desagregação de todas as bases da sociedade global, de avanços consideráveis da tecnologia e do domínio de um novo modelo de inteligência, a Inteligência Artificial (IA), com alto potencial de transformação social, de desemprego e de desestruturação da sociedade internacional.

Neste ambiente de desesperança, os donos do poder se esforçam para discutir medidas ineficientes e contraditórias, com o crescimento da violência as discussões estão na generalização do porte de armas e da possibilidade de armar os indivíduos, na situação de fragilização educacional do país, com capital humano de baixa qualificação, os inimigos da hora passam a ser os professores, os pesquisadores e as universidades públicas, querem uma política de austeridade cortando recursos escassos daqueles que mais necessitam e deixam recursos abundantes nas mãos daqueles que se refestelaram por muito tempo e pouco fizeram para melhorar o país e a sociedade brasileira, estamos mesmo num momento único e desesperador da história recente do país.

Precisamos de políticas sérias e eficientes para resolver os graves problemas do país, precisamos de pesquisadores capacitados e competentes para investigar a eficiência das políticas públicas implementadas até então, se seus resultados foram comprovados estas políticas devem ser estimuladas e melhoradas, visando um melhor dispêndio dos escassos recursos públicos, agora, se se mostrarem ineficientes e dispendiosas, devem ser substituídas por outras, visando uma maior eficiência do gasto público e uma maior cobertura da população em vulnerabilidade social, pessoas que demandam investimentos urgentes para evitar que, num prazo não muito longo, os dispêndios sejam feitos para aumentar a quantidade de penitenciárias, delegacias e centros de detenções provisórias.

Precisamos discutir de forma eficiente, o lucro do sistema bancário e do sistema financeiro, como pode em um ambiente marcado por tantas pessoas negativadas e por uma classe média afogada em dívidas, com parcelas atrasadas e duplicatas vencidas, o setor bancário acumular lucros generosos, alguma coisa excepcional deve estar por trás do poder econômico, financeiro e político destas instituições que, entra governo e sai governo, os lucros crescem de forma acelerada e crescente, gerando indignação e desesperança social.

Devemos destacar ainda, uma discussão que ganhou força recentemente no país depois do contingenciamento de recursos públicos para o setor educacional, embora saibamos que o país gasta mais recursos no ensino superior do que em outros ensinos, o corte de recursos não pode acontecer de uma forma desorganizada, sem planejamento e marcado por critérios equivocados e preconceituosos, mesmo porque, ao parar as instituições de ensino superior pública, pararemos a pesquisa e as iniciações científicas e os programas de mestrados e doutorados, pois são estas instituições as grandes responsáveis pela pesquisa científica do país, sem elas, as condições de indigência seriam maiores e mais desanimadoras. As universidades e faculdades privadas pouco fazem pesquisa, se concentram mais nas extensões e na formação da graduação, poucas inovam e melhoram os indicadores científicos do país, instituições como os grandes conglomerados educacionais, detentores de mais de 1,5 milhões de alunos, instituições compradas e geridas por fundos de investimentos servem, muito mais para o aumento dos recursos de seus acionistas e controladores, gerando grandes somas de recursos para seus detentores, diplomas de péssima qualidade, professores mal remunerados e perspectivas num futuro próximo tão reduzidas quanto limitadas.

Algumas medidas urgentes que nos parecem interessantes estão sendo costuradas, a diminuição de empresas estatais e órgãos públicos, muitos deles ineficientes e marcados por grandes potenciais de corrupção e desmandos generalizados. Destacamos ainda, a redução dos recursos para o Sistema S, embora estas instituições tenham um papel interessante nas coletividades que atuam, seus preços são compatíveis com os adotados por concorrentes privados, a transparência e a divulgação dos recursos levantados e as formas como estes recursos são administrados devem ser feitas de forma imediata, acabando com grupos que se utilizam destas instituições para o acúmulo de benesses particulares, esta moralização se faz urgente e necessária e devemos aplaudir e elogiar.

A construção de um país se faz lentamente, a identidade nacional e um projeto de país devem ser a condição sine qua non, sem estes pré-requisitos e uma elite capacitada, bem formada e marcada por um nacionalismo positivo, centrados em investimentos em educação, saúde e na formação de recursos humanos capacitados e conscientes, além de uma educação que mostre ao indivíduo a importância de construir cidadãos verdadeiros e não apenas consumidores imaturos e imediatistas, como estamos fazendo a alguns anos e os resultados se mostram cada vez mais negativos e limitados, vivemos mais uma década perdida e a culpa não pode ser atribuída a um único partido ou a um único governo, a sociedade precisa aprender a fazer as suas escolhas e assumir que, em momentos anteriores, escolhemos errados e nos mostramos imaturos, mimados e inconsequentes, por isso estamos pagando por isto agora de forma tão desalentadora e sem esperanças de que dias melhores virão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As humanidades na pesquisa científica

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Ricardo Abramovay – Valor 09 de maio de 2019 

Relatórios globais mostram papel crescente das humanidades nas avaliações de impacto.

Não são apenas intrínsecas as razões do crescente prestígio da pesquisa e do ensino de sociologia e filosofia nas principais universidades do mundo. Elas são também instrumentais no enfrentamento daqueles que o Future of Humanity Institute, da Universidade de Oxford considera os três maiores riscos enfrentados pelas sociedades contemporâneas: uma guerra atômica, as mudanças climáticas e a inteligência artificial.

À primeira vista são temas em que físicos, climatologistas e programadores seriam os únicos legitimamente credenciados a oferecer conselhos aos tomadores de decisões. Mas esta é uma falsa impressão. Por maiores que sejam os problemas e os limites da pesquisa e do ensino das ciências do homem e da sociedade (e não só no Brasil) elas são chamadas a desempenhar um papel decisivo na civilização tecnológica: o de saber por que razão fazemos ou devemos fazer o que fazemos. Renunciar ou minimizar este papel impede que a sociedade tenha opções refletidas sobre o rumo de suas relações com a natureza e sobre a maneira como nos relacionamos uns com os outros, ou seja, sobre nossa própria sociabilidade.

Um dos mais férteis caminhos pelos quais avançam o conhecimento destes riscos e a elaboração de políticas para evita-los são os relatórios de impacto global. No que se refere a temas socioambientais, o primeiro trabalho neste sentido, de 1977, foi elaborado pela OCDE. Trata-se da Avaliação de Longo Alcance sobre o Transporte de Poluentes Atmosféricos. Desde então já foram publicadas nada menos que cento e quarenta Avaliações Ambientais Globais, como as que deram lugar, em 1987, ao Protocolo de Montreal (que formulou políticas que reduziram o risco de destruição da camada de ozônio), o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), fundamental no estabelecimento de limites para o aumento da temperatura global média ou o Global Environment Outloock, do qual a sexta edição foi divulgada recentemente em Nairóbi.

Para que se tenha ideia da magnitude do empreendimento científico contido nestes relatórios, é importante saber que o primeiro relatório do IPCC, de 1990, envolveu 607 autores. Já o quinto relatório, publicado em 2014, contou com a contribuição de nada menos que 2.330 autores. Além destes, chegam a 143 mil os pesquisadores que fizeram leitura crítica e emitiram pareceres quanto a seu conteúdo.

Como mostra o importante programa de pesquisa voltado ao estudo destas avaliações, elas passaram por transformações fundamentais.

O reconhecimento do desenvolvimento sustentável como o mais importante valor do Século XXI, a partir do relatório Brundtland, de 1987, abriu caminho a mudanças decisivas no formato, nos atores e no conteúdo das avaliações ambientais globais. Antes disso, os relatórios preconizavam políticas de comando e controle, apoiavam-se fortemente no setor governamental, convocavam especialistas vindos quase exclusivamente das ciências naturais, voltavam-se a temas tópicos, como lixo ou poluição e silenciavam sobre temas de equidade socioambiental

A partir dos anos 1990 as políticas preconizadas passam a apoiar-se fortemente em mecanismos de mercado e na participação de organizações da sociedade civil. A diversidade de atores se amplia, com papel de destaque para Organizações Não Governamentais, que adquirem competência técnica e científica para esta participação. Os temas tratados vão além de assuntos tópicos e envolvem os modelos de produção e consumo. A ênfase em desigualdades e justiça é crescente. Com isso os relatórios passam a ter como foco não mais problemas “ambientais”, mas voltam-se ao estudo das dinâmicas resultantes das relações complexas entre sociedade e natureza. As ciências do homem e da sociedade ganham assim papel de destaque.

Na Avaliação do Ozônio Atmosférico, de 1985, liderada pela NASA e pela Organização Meteorológica Mundial todos os autores provinham das ciências naturais. Na Avaliação Global da Biodiversidade, de 1995, sob responsabilidade do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 14% dos autores vêm das ciências sociais. Já em 2008. na Avaliação Internacional da Ciência e da Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento, coordenada pelo Banco Mundial e pelas Nações Unidas já eram 47% os pesquisadores das ciências sociais.

Claro que falta muito para atender ao apelo de Edward Wilson, certamente o maior cientista vivo da atualidade, para que ciências sociais e ciências naturais ampliem sua integração com o intuito de contribuir para “salvar a criação”, expressão por ele usada em “A Criação”, traduzido para o português em 2008. Mas é fundamental reconhecer o avanço importante desta relação sem a qual não há chance de se compreenderem os fenômenos complexos que marcam nossa vida e elaborar políticas voltadas a sua solução.

Não é por outra razão que, quando se trata dos riscos referentes à inteligência artificial, Tim Berners-Lee, o inventor da WEB, vem insistindo tanto na ideia de que não precisamos apenas de engenheiros para ampliar o alcance da internet. Precisamos sim de engenheiros-filósofos, diz ele, sem os quais perderemos o sentido de nossas ações, o que nos fará encarar as ameaças à privacidade e à democracia, que vêm marcando a revolução digital como fatalidade incontornável.

Um país que despreza as humanidades desperdiça a oportunidade de se tornar protagonista na fronteira da inovação tecnológica contemporânea. É uma forma de se perenizar na vanguarda do atraso.