Cristãos precisam enfrentar esquemas conspiratórios da esquerda e direita, diz líder evangélico

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Valdinei Ferreira, da 1ª Igreja Presbiteriana Independente de SP, defende tolerância e critica Escola sem Partido

Anna Virginia Balloussier

SÃO PAULO

A direita fala de Ursal, uma ficcional União das Repúblicas Socialistas da América Latina, como se fosse verdade. A esquerda não fica atrás e vem com um papo de que Sergio Moro é cria da CIA. Para onde esses esquemas conspiratórios nos levam?

Para longe da tradição cristã de tolerância, diz o pastor Valdinei Ferreira, titular no mais antigo templo protestante da capital paulista, a Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, de 1865.

Ferreira assinou, três dias após a vitória de Jair Bolsonaro, um manifesto em nome do movimento Reforma Brasil pedindo que cristãos se posicionem “de modo intransigente a favor da institucionalidade democrática”.

Há um ano, a frente —capitaneada por sua igreja— se lançava com outro manifesto, crítico aos “cadáveres da política” e à bancada evangélica.

A cena política era então descrita como um “vale de ossos secos”, recuperando a expressão do profeta bíblico Ezequiel, “dominado por legiões de mortos-vivos, instalados nos centros de poder”.

Agora Brasília deu uma cambalhota, e o apoio dos evangélicos a Bolsonaro beirou os 70%. Para Ferreira, a esquerda não errou em defender minorias, mas abraçou lutas identitárias —como a da mulher, do negro— sem o zelo de não alienar outros blocos, como o evangélico.

Vê como “legítima a reivindicação que você não tenha doutrinação” na aula, mas acha o Escola Sem Partido “uma bobagem”. Pondera: “Você vai criar um índex do que pode ser lido? Dou aula na nossa faculdade. ‘Manifesto Comunista’ é leitura obrigatória.”

Da internet às ruas, há muita hostilidade no ar. Como retomar o diálogo entre quem pensa diferente?

Agostinho diz que a verdade não pode ser minha nem sua, tem que ser nossa. O próprio cristianismo tem recursos para que as partes se ouçam e cedam mutuamente. É voltar para aquilo que é a tradição cristã: tolerância. Difícil é enfrentar esses esquemas conspiratórios.

E quais seriam? 

Pega gente da direita que fala em Ursal, Foro de São Paulo, tudo como se fosse um grande plano em marcha. O mesmo se aplica à esquerda que diz que a Lava Jato é ação do FBI, que o Moro foi treinado pelos americanos. Uma simplificação que faz a pessoa perder a capacidade de entender o que se passa.

O sr. fala em “apoio estridente” do bloco evangélico a Bolsonaro. Seriam cerca de 70%. A que atribui isso?

As razões pelas quais as pessoas votaram são legítimas. Querem uma sociedade mais segura, e Bolsonaro canalizou isso. Votaram contra o sistema, e ele também conseguiu personificar isso. Acredito que o fator decisivo foi o discurso em torno da família tradicional. Um negócio que vai demorar muito tempo para se esclarecer é toda essa narrativa a respeito de “kit gay”, discussões de gênero. Isso teve um efeito grande nas igrejas em geral.

Como conciliar, numa democracia, direitos de minorias e daqueles que querem preservar um núcleo familiar que veem como biblicamente correto? 

Aí que os extremos atrapalham. Parte das minorias não se sente representada, e parte da maioria se sente acuada pela emergência das minorias. É algo novo na sociedade brasileira, e também na Europa, nos EUA. Nossa democracia está buscando jeitos de conciliar interesses conflitantes. Por exemplo, uma fronteira é a questão do papel do Estado, da escola e da família na esfera íntima que é a orientação sexual. A gente não vai sair disso sem bom senso.

Nesse contexto, como vê o Escola Sem Partido?

Uma bobagem. É legítimo reivindicar que não se tenha doutrinação, no sentido de quase que um aliciamento por partidos ou movimentos sociais. Agora, qual a linha a julgar que o professor, ao passar conteúdo de marxismo, parte da história do Ocidente, induziu o aluno a integrar movimentos de esquerda? Dou aula na nossa faculdade. “Manifesto Comunista” é leitura obrigatória. É entender o papel de Marx no capitalismo. Vamos criar um índex do que não se pode ler? Entrei na Universidade Estadual de Londrina nos anos 1980. Só Marx, tudo Marx. Daí fui para a USP, e a briga maior era para ensinar Max Weber. Quem defende o Escola Sem Partido faria um favor à sociedade se criasse institutos para promover pensamentos que divergem da esquerda. O que vale é o debate de ideias.

Há uma minoria evangélica mais progressista. Como é a divisão no segmento?

O segmento é conservador. Agora, isso não significa ser contra minorias, preconceituoso. Você conserva a manutenção da sua vida, sem que isso tenha que ser imposto aos outros. Uma das bandeiras do protestantismo: não teríamos igrejas protestantes se você não tivesse liberdade de escolher a que igreja pertencer. Conservadorismo não é necessariamente ser intolerante, e progressismo não é necessariamente ser tolerante.

Hoje alas da esquerda avaliam se não trataram mal evangélicos e agora perderam esse eleitorado. É preciso frisar: aqueles que deram apoio estridente a Bolsonaro também estiveram nos palanques de Lula e Dilma [Edir Macedo, Silas Malafaia etc.]. Existe um setor evangélico muito bem articulado politicamente, que tem compromisso com o poder. Agora, a esquerda muitas vezes tem preconceito em relação à religião. Uma coisa que as pentecostais têm muito forte é a sensibilidade social. Há um esforço social forte com viciados, moradores de rua. Nesse sentido, a esquerda poderia manter diálogo muito maior com as igrejas. Quando ela se identificou com essas bandeiras identitárias, sejam mulheres, LGBTs, não fazia uma coisa errada. Mas, ao colocar o acento de uma forma mais forte nisso, criou esse sentimento “olha, [evangélicos] não somos representados por eles adequadamente”.

Recurso usado por pastores de frentes progressistas é frisar que nenhum cristão apoiaria frases como “bandido bom é bandido morto” ou falas de Bolsonaro como “prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. Por que isso não teve impacto no segmento? 

Você tem declarações de natureza anticristã, claramente. Mas precisa separar o seguinte: a igreja  enquanto instituição não deve apoiar ou vetar qualquer candidato. Agora, [fiéis], de acordo com sua sensibilidade, filtram esse tipo de declaração, decidem se é impeditivo de votar no candidato ou se merece ser relevado no contexto político. Quem está do outro lado também usa raciocínio para vetar nomes da esquerda, como evocar o “kit gay”. Bolsonaro tem a oportunidade de amadurecer. A Constituição prevê o direito de minorias. Se não conseguir lidar com isso, serão quatro anos terríveis, de turbulência.

Qual papel a igreja deve ter no Estado e na educação? 

Precisa participar. A laicidade é vista como “todos os argumentos valem, menos o religioso”. Isso empobrece a diversidade. O desafio das igrejas é aprender a separar o que, do ponto de vista da doutrina, é imoral do que é ilegal. Você não pode, numa sociedade plural, se apropriar de mecanismos do Estado para impor determinado conteúdo. E não faz sentido nenhum, todo tipo de obediência só faz sentido se for livre, se for de coração, e não por constrangimento de qualquer natureza.

O sr. diz que, após a eleição de Bolsonaro, cabe zelar “de modo intransigente” pela “institucionalidade democrática”. Até aqui, acha que ele dá sinais disso? 

Bolsonaro  e os filhos agem como o sujeito que atira usando um simulador. Agora ele é o presidente, o filho é senador [Flavio], o outro, deputado [Eduardo]. O que falam produz estragos reais. Tenho a impressão de que não conseguem avaliar a dimensão disso e continuam fazendo discurso como se fosse o da simulação, da campanha. Mas a fala do presidente tem peso no mundo inteiro. Exemplo foi a transferência da embaixada para Jerusalém. Imediatamente o Egito reagiu. Espero que Bolsonaro amadureça e aprenda que não há mais espaço para falas que agradam a determinado setor da população.

O que achou da ideia de transferir a embaixada, elogiada por muitos evangélicos?

Tem que ser avaliado com cautela. O Brasil não tem o peso dos EUA. O ato atrapalha negociações sobre o status final de Jerusalém, fundamental para pacificar a região. Não contribui para uma solução que faça justiça aos palestinos.

A bancada evangélica crescerá em 2019. É um sinal da pluralidade no Brasil, que sempre teve uma cultura de esconder diferenças, a ideia do caldeirão onde se mistura tudo. Nos anos recentes, tivemos pessoas colocando a identidade: sou negro, mulher, gay. Alguém se identificar como evangélico e ter uma bancada alinhada a isso não é o problema, o problema é o que você defende enquanto evangélico.

O que quer dizer o painel “Fé Pública” em frente à igreja? 

A fé em Deus é pessoal, mas nunca individualista. Como disse Jesus: “Amarás o Senhor, teu Deus, e o teu próximo como a ti mesmo’”. A fé sempre diz respeito ao modo como trato os outros. Num segundo painel, citamos o teólogo Karl Barth: a igreja atravessa a história obedecendo e desobedecendo. Contamos quando Billy Graham [um dos maiores evangelizadores americanos, morto em fevereiro] foi convidado a pregar na África do Sul. Queriam que fizesse um encontro para brancos e outro para negros. Ele se recusou. Claro, há muitos erros por trás dos acertos. A ideia não é camuflar, dizer que a igreja sempre esteve do lado certo. Mas quem lê o Evangelho com profundidade tem capacidade de autocrítica. Nem sempre acompanhar a maioria significa ser fiel ao Evangelho.

E onde a igreja errou? 

Apoiou a escravidão, teve dificuldade em lidar com o papel das mulheres. É histórico.

 

Meritocracia, enriquecimento e ascensão social

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Vivemos em uma sociedade que se transforma com uma rapidez muito grande, os paradigmas antigos estão sendo destruídos e novos estão sendo construídos, gerando novas oportunidades e possibilidades, além de incertezas e instabilidades, diante disso, percebemos uma grande transformação na chamada ascensão social, inaugurada pelo sistema capitalista no pós revolução industrial e que serviu para o aumento da legitimidade do sistema, passa por mudanças substanciais e preocupantes, colocando em xeque grandes conquistas da sociedade.

O conceito de meritocracia advoga a tese de que todos os indivíduos que se esforçarem, estudarem e se dedicarem com afinco e superação serão premiados com boas oportunidades de ascensão social e melhoria de sua qualidade de vida, empregos melhores e garantindo-lhes condições financeiras e sociais positivas de vida e de construção de seu futuro imediato, um preceito muito caro ao ideário dos protestantes que se expandiu por todas as regiões administradas pelos teóricos desta religião.

Em uma sociedade baseada em conhecimento, onde a informação se transformou em um dos ativos mais importantes, a educação ganha relevância e importância central, para sobreviver neste emaranhado de desafios, a capacitação ganha espaço nas famílias e obriga os indivíduos a buscas constantes pelo estudo e qualificação, aqueles que apresentam condições familiares favoráveis largam na frente desta grande empreitada, aqueles que não possuem este ativo fundamental são relegados ao final da fila e, muitas vezes, condenados e uma posição de subalternidade e subserviência na sociedade.

As estruturas sociais e econômicas  devem ser construídas pelos Estados Nacionais objetivando uma melhor qualificação para todos os seus cidadãos, garantindo as condições mínimas para a competição em sociedade, investimentos em educação e saúde são centrais nesta nova sociedade, cidadãos formados e altamente qualificados são ativos importantes que colocam o país na rota dos grandes investimentos da economia internacional e garantem boas condições para todos os grupos sociais.

Nesta nova sociedade os gastos em educação, ou melhor, os investimentos em educação ganham relevância, formar mão de obra qualificada é uma exigência do grande capital, aos Estados Nacionais cabem a construção de um sistema sólido de educação e capacitação dos trabalhadores para a atração dos investimentos, diante das novas demandas do capital, a educação se transforma, cada vez mais, em um negócio rentável e bastante lucrativo, atraindo empresas e fundos de investimentos, transformando pequenas instituições de ensino regionais em grandes conglomerados educacionais com mais de 1 milhão de alunos.

Como a educação ganhou relevância nesta nova sociedade, muitas discussões sobre meritocracia ganharam espaço na academia e no universo jornalístico, alguns defendendo-a como a forma mais evidente de construção de uma sociedade melhor, enquanto outros destacando que não existe meritocracia em uma sociedade desigual e injusta como a brasileira, sendo apenas uma conceito charmoso e elegante para denegrir os esforços, na maioria das vezes insuficientes, daqueles grupos sociais mais frágeis socialmente e menos abastados financeiramente.

Pesquisas recentes divulgadas nos Estados Unidos, concluíram o que muitas pessoas já suspeitavam e poucos diziam em público, nascer em uma família abastada garante mais o seu sucesso futuro do que suas próprias capacidades, segundo a pesquisa, não adianta nascer superdotado, se a pessoa vier de uma família que não forneça o suporte econômico necessário, isso vai impactar diretamente nos seus resultados mais para frente.

Segundo a pesquisa, as “dotações genéticas” (genes que conferem altas capacidades de aprendizado e inteligência) estão distribuídas quase igualmente entre as crianças vindas de famílias de baixa e alta renda, mas o sucesso não, com isso, percebemos a importância e a centralidade da família e das relações sociais na formação dos indivíduos, lembrando uma fala do médium mineiro Francisco Cândido Xavier, ao ser indagado sobre se tinha medo do retorno ao corpo físico, o que o médium prontamente respondia: “o maior temor que tenho é dos pais que me serão destinados”.

O economista Kevin Thom, da Universidade John Hopkins, responsável pela pesquisa, utilizou a base de dados genéticos de uma pesquisa que avaliou o genoma de mais de 1 milhão de pessoas e os relacionou a diferentes potenciais de aprendizado. Essa pesquisa comprovou que há pessoas com genes que conferem altas capacidades de aprendizado, e isso está distribuído em todas as classes sociais.

Ao colocar em números, o economista e seu grupo de pesquisadores descobriram como se dava o sucesso futuro das pessoas com esses genes, apenas 24% delas, se nascidas em famílias pobres conseguiram concluir a faculdade, enquanto que das famílias ricas, 63%, conseguem concluir o ensino superior, com isso, conseguiam se destacar na corrida por bons empregos e postos de trabalho.

Segundo Thom: “Se você não tem os recursos da família, até as crianças brilhantes – aquelas naturalmente dotadas – terão que enfrentar batalhas muito difíceis”. Com isso, a pesquisa nos revela de forma clara e sombria, quantos talentos estão sendo desperdiçados todos os dias na sociedade mundial, gerando perdas individual e coletiva, imagine o quanto de talento e de pessoas talentosas que poderiam responder perguntas e indagações importantes da sociedade internacional, como a descoberta de remédios para inúmeras moléstias e doenças altamente contagiosas, estão sendo castradas em suas potencialidades.

Com estas descobertas o mito da meritocracia perde força, em contrapartida, percebemos que nascer em família abastada e ter boa educação garante mais sucesso do que as habilidades natas dos indivíduos, colocando as relações sociais e familiares em um local de destaque na sociedade, obrigando-nos a rever nossos conceitos mais básicos de família e grupos sociais.

É importante destacar ainda, que muitos bem nascidos da sociedade brasileira ainda relutam em destacar que sua ascensão social social foi facilitada pelas suas condições de nascimento e criação, sempre que indagados destacam seus esforços pessoais e, com isso, querem destacar seus méritos nas conquistas profissionais, será que suas conquistas seriam as mesmas se sua história de vida fosse outra? Estas indagações deveriam ser feitas por todos os grupos sociais que são colocados no topo da pirâmide social e minimizam suas origens destacando seu empenho, seu suar e seu esforço pessoal, empresários bem nascidos que começaram sua trajetória profissional depois de uma formação técnica e intelectual marcada por grandes investimentos feitos por seus pais e familiares, herdaram patrimônios e se colocam como empreendedores capacitados, dinâmicos e inovadores.

Na sociedade contemporânea, a ascensão social está cada vez mais difícil e complexa, os grupos mais favorecidos financeiramente apresentam melhores possibilidades de ver seus filhos ascenderem na escala hierárquica, estas famílias possuem recursos que se bem investidos aumentam o potencial de cada membro familiar, a formação prescinde de cursos e colégios bons e de qualidade, além de recursos para estudos, compras de materiais e viagens culturais, o que faz com que, seus filhos tenham maiores oportunidades de ascenderem profissionalmente e conseguir empregos com melhores salários e em cargos de liderança, com isso, percebemos uma perpetuação das condições de mando na sociedade e os de escalas inferiores acabam perpetuando as condições de vida de seus pais e familiares.

Nas famílias mais abastadas, os filhos entram no mercado de trabalho mais tarde, estudam e aprendem novas habilidades, além de cursos de línguas estrangeiras para se manterem competitivos no mercado de trabalho, encontramos alunos de classe média alta que, como seus pais, estudam e através de concursos públicos se efetivam em cargos de ótima remuneração e de grande status social, chegando na Magistratura, no Ministério Públicos e nas áreas médica e diplomática, são jovens bem nascidos e altamente qualificados, tecnicamente brilhantes mas que ainda não conhecem as durezas da vida e as dificuldades que passam a grande maioria da sociedade para sobreviver, nos grupos mais qualificados os esforços são sempre premiados com presentes caros e de alta qualidade, enquanto nos grupos mais fragilizados seus esforços nem sempre recebem alguma recompensa.

Enquanto nas famílias mais necessitadas, os poucos que conseguem adentrar as portas das universidades, normalmente as privadas, precisam trabalhar muito para pagar suas mensalidades, estudam com grande dificuldade e quando se formam, precisam iniciar suas vidas profissionais mantendo cargas de trabalho extenuantes, muitas vezes trabalhando vários períodos, ganhando pouco e sobrevivendo com bicos variados, com isso, sua capacitação e seus estudos são postergados e sua formação técnica se fragiliza, obrigando-os a novos cursos e dispêndios adicionais.

Outro ponto central a se destacar é que, muitos destes profissionais buscam no magistério seu diploma profissional, na maioria das vezes esta busca se dá muito mais por necessidade e pelo baixo custo financeiro destes cursos do que por vocação, surgindo profissionais sem estímulo, pouco remunerados e com grande defasagem técnica e profissional, perpetuando uma escola público de pouca qualidade, baixa capacidade de melhoria das condições sociais e ascensão profissional.

O termo meritocracia é muito sedutor, remete ao esforço pessoal que cada individuo deveria fazer para conseguir angariar novos espaços dentro da sociedade atual, lembra as bases do protestantismo norte-americano, onde um negro ou cidadão pobres nascidos em condições degradantes conseguem, via estudo e capacitação, galgar novos espaços dentro da sociedade e se transformar em um grande executivo, um secretário de Estado ou um Presidente da República. Estes casos existem e são apregoados pela mídia a todos os momentos, fazem parte de enredos de livros de empreendedorismo e servem para motivar milhões de pessoas em palestras cheias de dinamismo e entusiasmo, mas no final desprovidas de conteúdo e fora da realidade da sociedade.

Na vida real encontramos uma situação muito diferente, embora encontremos inúmeros casos de sucesso, estes representam uma porcentagem irrisória, na verdade a grande maioria reproduz as condições de seus pais, nascidos na pobreza e com baixa capacitação intelecto-cultural, vive-se desta forma e se reproduz uma condição de subserviência, onde os filhos reproduzem a vida dos pais e sucessivamente, é o círculo vicioso da pobreza, que se espalha para todos os rincões da sociedade global e seu crescimento ameaça as bases do capitalismo e da meritocracia.

O mundo não é um conto de fadas, muito pelo contrário, o estudo é a única forma de se estabelecer na sociedade globalizada, a concorrência prescinde de profissionais qualificados e competitivos, estudar, pesquisar e capacitar continuamente exigem esforços constantes dos indivíduos, mas todos estes esforços devem ser precedidos por boas condições físicas, emocionais e espirituais, cabendo ao Estado Moderno dar as condições para que todos os indivíduos possam se capacitar, escolas, creches e universidades, além das condições de trabalho, estas são premissas importantes para garantir que todos os grupos sociais, desde os mais vulneráveis até os mais abastados, tenham condições de competir, afinal, o importante é construir uma sociedade onde todos saiam do mesmo local, garantir a chegada de todos é algo difícil e bastante complexo, uns se dedicam mais, se esforçam mais e conseguem transformar seus esforços em ótimas condições de vida e de reprodução social e econômica, ao Estado Moderno e a sociedade contemporânea cabem que todos os cidadãos larguem do mesmo local e com as mesmas condições, quem ganhará esta corrida é uma outra questão que pouco importa.

 

Perspectivas econômicas de um governo liberal e conservador

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Depois de uma eleição esvaziada e marcada por discussões secundárias, violências físicas e verbais e reflexões pouco importantes, o vencedor desta contenda, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro, projeta para o país um mergulho em uma plataforma liberal, marcada pela desestatização, desburocratização, abertura econômica e nacionalismo, uma pauta que mescla liberalismo na economia e conservadorismo nos costumes, levando o país a se aderir ao movimento conservador que se espalha pela sociedade internacional e nos promete uma ampla transformação na sociedade.

A economia brasileira está num momento de grandes incertezas e indefinições, depois de uma forte recessão que perdurou por mais de três anos, o Brasil dá sinais de alguma melhora, os indicadores econômicos estão em lenta recuperação, a confiança deve voltar aos poucos, a renda tende a melhorar no curto prazo, mas o produto interno bruto deve demorar alguns anos para retornar aos números de 2013, as previsões mais otimistas destacam que apenas em 2023 o país deve alcançar os números obtidos antes da forte recessão econômica.

Neste momento a sociedade se encontra em grande apreensão, as expectativas são levemente positivas mas, as decisões adotadas pelo governo nos próximos dias devem gerar ondas de otimismo ou de pessimismo, gerando momentos de esperança ou de desesperança, se o novo governo se mostrar confiável ao mercado e aos investidores nacionais e internacionais, os indicadores deverão apresentar melhoras consideráveis, agora, se as medidas anunciadas pelo novo governo não forem positivas o ambiente deve se tornar mais negativo e as perspectivas econômicas devem se tornar sombrias e preocupantes, gerando fuga de capital e desvalorização da moeda nacional, além de inflação, redução da renda real dos trabalhadores e uma sensível piora nos indicadores sociais.

Dentre as medidas econômicas esperadas pelo mercado, destacamos a privatização de empresas estatais, a reforma da previdência, a reforma tributária, o aumento das concessões públicas e da abertura da economia, estas medidas, acreditam os investidores, impulsionarão os investimentos e tendem a atrair para o mercado nacional um grande fluxo de investimentos com impactos sociais positivos e duradouros, com aumento do emprego e da renda e um incremento nas receitas públicas, auxiliando na redução do endividamento do Estado que atualmente ultrapassou os 70% do produto interno bruto, um número preocupante para um país com histórico de desequilíbrios macroeconômicos.

Se estas medidas forem implementadas, os investidores preveem um grande afluxo de recursos produtivos para o país, se somarmos a isto, algumas medidas como a desburocratização e a redução da máquina pública, além de uma melhoria dos gastos do Estado e uma maior agilidade nas políticas públicas, com estas medidas o país tende a garantir um assento confortável no rol dos países desenvolvidos, com recursos suficientes para melhorar os indicadores sociais e as perspectivas econômicas, dando um impulso considerável ao crescimento e ao desenvolvimento econômicos.

Todos estes avanços são vistos como essenciais para o Brasil se cacifar para uma melhor inserção no mercado internacional, além destas medidas, faz-se importante uma política educacional séria e competente, marcadas por forte valorização dos professores, avaliações constantes e periódicas, investimentos crescentes no ensino médio e fundamental, além de escolhas centradas no mérito e na competência e não mais em critérios políticos e imediatistas, que perpetuam uma pobreza constante e um atraso que coloca o país no final da fila dos indicadores de educação, criando um círculo vicioso que leva o país a uma situação de atraso e desesperança.

Nos últimos anos, os movimentos conservadores se concentraram em fortes críticas ao chamado escola sem partido, vistos por eles como um movimento em que professores trazem discussões ideológicas de esquerda para a sala de aula e, com isso, transformam alunos em militantes comunistas e marxistas. Estes movimentos são legítimos e importantes para estimular a reflexão da escola e da sociedade em geral mas, é importante destacar, que a censura dos professores e o controle dos instrumentos de ensino são deletérios para a educação e para a formação dos jovens e dos trabalhadores de uma forma geral, outro ponto importante, algumas propostas do novo governo pretendem trazer para as escolas a disciplina de Educação Moral e Cívica, como existia antigamente nas escolas de ensinos médio e fundamental, diante disso, faz-se importante destacar quem serão os responsáveis por definir os conteúdos que serão ministrados por esta disciplina? Devemos tomar cuidado para que as propostas que estão sendo colocadas não nos levem a uma situação parecida com a anterior, em vez de criarmos autômatos da esquerda podemos estar construindo cidadãos automatizados da direita, ou seja, toda mudança deve ser pensada e estudada para criar cidadãos críticos e conscientes, não autômatos robotizados para continuar sendo explorados e excluídos da sociedade globalizada.

Diante desta realidade é importante destacar que a escola deve ser um espaço plural de discussões variadas e onde sejam abordadas todas as ideias e pensamentos econômicos, sociais e políticos mas, para isso, os investimentos em educação devem ser aumentados e a escola pública deve ser recuperada, o salário dos professores, diretores e profissionais do ensino devem ser atraentes para que os melhores quadros, os mais bem formados e os mais capacitados se sintam atraídos a investir no magistério, pois da forma como está, uma parte considerável dos que ensinam nas escolas são indivíduos oriundos de setores sociais com menor renda e bagagem cultural mais reduzida, perpetuando uma visão de mundo restrita, deficiente e fortemente ideologizada.

Abertura econômica, privatização, redução do Estado e desburocratização são medidas urgentes e necessárias para dar uma maior previsibilidade para a economia brasileira, todas estas medidas podem moderniza o sistema econômico e abrir espaço para novos investimentos, apenas os custos que as empresas brasileiras tem com o sistema tributário foram calculados em mais de 65 bilhões de reais, estes recursos poderiam sem melhor alocados em outras áreas, para isto acontecer, faz-se necessário que o Estado faça uma ampla alteração e simplificação do sistema tributário, melhorando a produtividade de toda a economia e alterando a forma de cobrança de impostos no país, de uma estrutura que tributa fortemente o consumo para uma forte tributação na renda e na propriedade, esta medida seria uma grande revolução no Brasil, ajudaria na desoneração dos grupos que hoje são fortemente tributados e de uma maior tributação daqueles que são menos tributados, mas para que isto aconteça o novo governo tem que comprar uma briga com setores econômicos fortes e bem organizados.

As privatizações e a abertura econômica se tornaram um tema espinhoso e controverso, a transferência de empresas da órbita estatal para a iniciativa privada pode trazer ganhos econômicos consideráveis, como exemplo destacamos a venda da Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale, e a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), que foram privatizadas nos anos 90 e ganharam escala, produtividade e um espaço consolidado no mercado internacional. A privatização de outros setores não trouxe resultados da mesma intensidade, como por exemplo no setor elétrico, cuja privatização trouxe problemas sérios que levaram os governos a uma reestatização de inúmeras empresas e a uma forte elevação de tarifas cobradas da população e dos setores produtivos, aumentando custos importantes da cadeia produtiva e perda de competitividade.

A privatização pode trazer inúmeros benefícios, seus apoiadores destacam que a venda de ativos pode abrir espaço para reduzir a dívida pública e, posteriormente, uma redução nas taxas de juros e uma melhora fiscal considerável do Estado brasileiro que, na atualidade, gasta mais de quatrocentos bilhões de reais com juros da dívida, inviabilizando inúmeros investimentos produtivos e deixando uma parte considerável da população brasileira com serviços públicos degradados e altamente ineficientes. Os detratores da privatização acreditam que as empresas estatais são patrimônio público e devem ser preservados porque pertencem ao povo brasileiro e fazem parte de nossa história e nossa identidade, as opiniões se conflitam e a sociedade deve definir qual decisão estratégica deverá ser adotada pelos governantes nos próximos anos.

Algumas medidas econômicas estão sendo pensadas para reduzir a burocracia do Estado e facilitar a estrutura tributária, além disso, o governo estuda a redução do número de ministérios, de um total de quase 30 ministérios o novo governo pretende reduzir para algo em torno de 15, esta medida tem um efeito simbólico, mas de grande visibilidade para a população, embora atraente é importante que o novo governo não comece desagradando um grande grupo da sociedade civil que veria nesta política um desrespeito a suas demandas e deslegitimação de suas propostas e demandas, gerando com isso, uma redução nos apoios angariados nas eleições.

A eleição de Jair Bolsonaro pode trazer para a arena política, um grupo político que defende abertamente a adoção de políticas liberais, estas ideias e princípios são sedutores e estão sendo usadas como uma propaganda forte do novo governo para melhorar a vida da população, garantindo condições favoráveis para melhorar os indicadores econômicos, o grande problema destas previsões favoráveis é saber como será o equilíbrio de poder no legislativo federal, será que este novo governo vai conseguir impor sua agenda de reformas e negociar com os grupos mais afetados por todas estas mudanças, garantindo novos espaços políticos e um consenso em prol destas medidas liberais?

A sociedade brasileira disse claramente nas urnas que rechaça a corrupção e vai exigir do Estado uma postura mais eficiente e empreendedora, os serviços públicos são precários e a população se mostrou cansada de pagar uma carga tributária imensa e conviver com serviços públicos péssimos, tudo isto contribuiu para a ascensão de novos grupos políticos e fragilizou muitos políticos tradicionais, garantindo uma renovação na classe política.

O novo governo, pela primeira vez, tem a oportunidade de acabar com todo o atraso na distribuição de cargos comissionados no Estado brasileiro, impor aos agentes políticos uma nova forma de gerir a coisa pública e com isso, abrir novas perspectivas politicas para a sociedade brasileira, cargos públicos apenas por concurso, diminuição dos privilégios e dos benefícios para servidores, militares, políticos e grandes empresas, chegou a hora de transformar este slogan tão charmoso e contundente mais Brasil e menos Brasília  em um início de novos horizontes para o país.

A Reforma da Previdência é, na atualidade, uma das mais importantes medidas a serem implementadas, os gastos do Estado com o setor já está na casa dos 60% da arrecadação, com isso, em poucos anos, os recursos oriundos dos impostos serão consumidos com o pagamento de aposentadorias e pensões, inviabilizando todo e qualquer tipo de políticas públicas e condenando os próximos governantes a uma situação fiscal e financeira de total insolvência.

A reforma previdenciária é urgente e essencial, o grande desafio é conseguir da sociedade, o apoio necessário para sua efetiva aprovação, somente com muito poder político e negociação, os novos governantes conseguirão a aprovação que é vista, na atualidade, como a mais importante de todas as reformas econômicas, todos apoiam a Reforma da Previdência desde que os seus vencimentos e ganhos pecuniários sejam mantidos e conservados, com isso, todos aprovamos a mudança quando ela não nos afeta diretamente.

Devemos destacar ainda, que os grandes ganhadores deste modelo previdenciário sabem que as mudanças tendem a prejudicá-los e, com isso, já estão se mobilizando para inviabilizá-la, os servidores públicos federais e os militares sabem que seus benefícios estão ameaçados e para proteger seus interesses estão se transferindo para as fileiras da política, são as corporações se movimentando para defender seus interesses imediatos, tudo isso faz parte da disputa política, estes grupos não estão errados, defendem apenas os seus interesses, mas precisam ser alertados que, se a situação fiscal continuar da forma como está, num momento muito breve, os recursos não serão suficientes para arcar com a aposentadoria e as pensões de nenhum grupo social, o Estado estaria em forte insolvência e a falência do país seria iminente, vide os exemplos de estados como o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

A ascensão de Jair Bolsonaro e do desconhecido Partido Social Liberal (PSL)  são frutos deste momento histórico e, principalmente, do rechaço da população ao Partido dos Trabalhadores (PT) que, mesmo tendo governado o país de 2003 a 2016, deixou uma herança que combina corrupção, roubalheira e políticas públicas variadas, umas com resultados empolgantes como o Bolsa Família e outras com prejuízos imensos para o erário público, como o Financiamento Estudantil (Fies), cujo passivo estimado para os próximos anos está na casa dos 80 bilhões de reais.

Depois de treze anos no governo, o Partido dos Trabalhadores se recusa a fazer uma autocrítica mais efetiva, mesmo vendo a economia do país mergulhar em uma forte recessão, com aumento no desemprego e redução na renda agregada, seus dirigentes insistem em atribuir aos golpistas as raízes da crise, com esta postura equivocada e uma visão autoritária e imediatista, o partido está perdendo espaço na sociedade, mesmo conservando a maior bancada na Câmara dos Deputados, o partido conseguiu manter apenas alguns poucos Estados na região nordeste, perdendo em regiões importantes do país, como no estado de Minas Gerais, além de ver diminuído seus senadores.

Neste ambiente de divisão em curso na sociedade brasileira, faz-se importante destacar o papel do Partido dos Trabalhadores, que sempre se mostrou donos da verdade e atribuindo aos opositores slogans negativos e degradantes, como a conhecida herança maldita,  expressão criada pelo partido para se referir aos anos FHC, com isso, o partido se esquece que sua chegada ao governo em 2003 só foi possível, graças as muitas medidas implementadas no governo do tucano, dentre elas destacamos a estabilização da moeda, o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o chamado tripé macroeconômico, todas estas medidas foram defenestrada pelo Partido dos Trabalhadores quando estavam na oposição e abraçadas abertamente quando o partido chegou ao poder, um verdadeiro sinal de hipocrisia, imaturidade e inconsistência.

Muitos acreditam que o novo governo apresenta um forte viés autoritário e repressor, confesso que muitas de suas falas me desagradam e me assustam e nos geram incertezas e instabilidades, na arena econômica o ungido do presidente me parece capacitado para definir as principais prioridades mas, ao mesmo tempo, seus comentários se mostram arrogantes e precipitados, usar as reservas internacionais para pagar dívida pública foi uma proposta heterodoxa dos economistas petistas e muito criticada por economistas e analistas ortodoxos, ver o ultraliberal Paulo Guedes defendendo esta medida nos mostra claramente que o mundo das ideias está mesmo em constante mudanças e nos leva a refletir sobre a máxima de Roberto Schwarz de que, realmente, as ideias estão fora de lugar.

A situação do país é grave e exige medidas fortes e imediatas, alguns estão torcendo para que o governo seja um verdadeiro fracasso para dizer abertamente, eu já sabia, se isto acontecer efetivamente todos seremos prejudicados, todos teremos graves impactos econômicos e sociais, o desemprego aumentará e as condições sociais se degradarão e o futuro do país será algo parecido com o caos vivido por países muito próximos, onde a população mais pobre será a classe social mais afetada e a violência se transformará na tônica nesta sociedade, o caos triunfará e os prejuízos serão de todos os brasileiros.

O discurso liberal é muito sedutor, sua capacidade de seduzir as massas é muito grande e não deve ser subestimado, muitos indivíduos pobres e de classe média baixa se sentiram atraídos por este discurso, sua magia é grande e fortemente sedutora, o grande problema é que, em muitos momentos, os perdedores deste discurso são as massas mais fragilizadas, o mundo da racionalidade econômica de hoje exige grandes esforços da população e estes esforços recaem, na maioria das vezes, nos grupos mais frágeis e vulneráveis, isto sim pode ser considerado um discurso exitoso de alienação e de populismo para arrebatar as massas.

 

 

 

 

 

 

A importância da inovação para as empresas – Valter Pieracciani

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Com a infinidade de opções que as pessoas possuem para realizar qualquer atividade e/ou adquirir produtos, a necessidade de inovar e se diferenciar dos concorrentes é cada vez mais necessária. A inovação faz parte da história de nossa sociedade, visto que inovar significa facilitar, fazer algo de uma forma mais fácil e eficaz.

As organizações percebem cada vez mais esta tendência, por isso, os investimentos em áreas de inovação corporativa são tão altos. Confira a entrevista que o Carreira & Sucesso fez com Valter Pieracciani, especialista em inovação e sócio-diretor da Pieracciani Desenvolvimento de Empresas, e saiba porque a área de inovação é tão importante para o sucesso das organizações.

Autor: Roni Silva – Revista CATHO – 19 de Outubro de 2018

Carreira & Sucesso: Qual a importância de inovação para as organizações?

Valter Pieracciani: Em cinco anos, existirão dois tipos de organizações: as inovadoras e as mortas. Basta ver o fenômeno da desindustrialização e a velocidade com que as empresas que não inovaram foram arrasadas pela concorrência. Inovar é o único caminho para conquistar competitividade.

C&S: Quais as maiores diferenças entre uma organização que inova e as que não inovam?

VP: As empresas inovadoras são aquelas que conseguem produzir inovações sistematicamente. Que inovam sempre, repetidamente… Inovação em série. São nelas que se caracteriza a gestão inovadora.

Essas empresas conseguem criar produtos e serviços que fascinam os clientes. Isto lhes permite praticarem margens múltiplas vezes, maiores e por mais tempo. Crescem e se desenvolvem e, com isso, desenvolvem a atividade econômica do país.

C&S: Inovar é a mesma coisa para organizações de grande, médio e pequeno porte?

VP: Vale para todas essas. A beleza da inovação é, muitas vezes, inversamente proporcional ao tamanho da empresa. Empresas menores podem ser mais ágeis, arrojadas e criativas.

A inovação é democratizante nesse sentido. Permite que empresas pequenas produzam inovação mais rapidamente e, muitas vezes, até melhor que as grandes. O que explicaria o sucesso de algumas startups. As empresas grandes têm dificuldades de lidar com riscos e a incertezas. O caminho da inovação é enfim uma excelente estratégia para empresas menores competirem e vencerem.

C&S: Ainda é caro inovar?

VP: Esse é um mito a ser superado. Associamos normalmente inovação a sofisticação, a tecnologia de vanguarda, existe uma série de inovações que não requerem nem uma coisa nem outra.

Aliás, é o tipo de inovação na qual somos (Brasil) poderosos, é a inovação de significado. Quando conseguimos atribuir novos e diferentes significados a produtos e serviços, acabamos gerando uma relação de afeto entre as pessoas e os produtos comprados.

Pense no novo Uno que de tecnologia nova não tinha nada quando foi lançado, nas sandálias havaianas que são idênticas há 50 anos, nos cadeados Papaiz linha futebol e em tantos outros produtos e serviços que significam inovação, mas que não utilizaram novas tecnologias.

C&S: Fora o lucro, quais são os outros retornos da inovação?

Muitos! Se considerarmos o encantamento e a fidelização dos consumidores, alguns não vivem sem seus smartphones, sem seus aplicativos etc. Mas, talvez, o mais importante seja as pessoas. As empresas inovadoras são voltadas para as pessoas, para sua felicidade. São mais abertas, lidam com os erros como aprendizados, procuram viver os clientes e fazê-los mais felizes.

C&S: Como inovar em meio à crise?

VP: Fazendo-a caber no bolso do consumidor. Porque as necessidades continuarão existindo. Existem alguns tipos de inovações que são campeãs em tempos de crise: a inovação de custos, na qual busca-se oportunidades de redução de custos. Um exemplo poderia ser os produtos em embalagens maiores ou, se menores, mais concentrados, ambos impactando nos custos.

As inovações frugais também são opções para inovação em meio à crise, pois neste modelo a inovação é baseada em necessidades específicas de regiões ou países e procura-se oferecer produtos e serviços em nível de qualidade adequado e com custos acessíveis.

C&S: Existem riscos ao inovar?

VP: Risco e inovação são irmãos, andam de mãos dadas, não há um sem o outro. Para inovar é preciso aprender a conviver com os riscos, talvez por isso, a inovação não avance em muitas empresas. Falar em riscos era proibido nos últimos 20 anos, não sabiam, mas estavam sufocando junto à inovação. Uma possível dica é passar a chamar tudo o que for risco de desafio.

 

 

 

Profissões do futuro e o mundo do trabalho

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A sociedade vive momentos de grandes transformações, a concorrência e a competição são as grandes molas do capitalismo contemporâneo, o mundo corporativo domina a sociedade internacional e transforma todas as relações sociais em negócios, compramos e vendemos mercadorias e serviços a todos os momentos, obrigando-nos a uma constante reestruturação sob pena de exclusão de uma sociedade baseada no hedonismo, no prazer imediato e no consumo exacerbado, comprar e consumir da prazer, nos alegra e faz com que nos afastemos de todos os vestígios de depressão e ansiedade.

O trabalho é uma das áreas que mais se transforma na sociedade atual, somos passageiros de um mundo onde as novas tecnologias estão moldando o conjunto da sociedade e modificando as relações sociais, nesta nova sociedade, a internet é uma realidade imprescindível, a conexão em banda larga nos abre uma imensa janela de oportunidades, a comunicação se tornou instantânea e imediata e, pela primeira vez, os limites de tempo e espaço estão sendo reduzidos, obrigando os indivíduos a transformações jamais vistas anteriormente, vivemos em um mundo excitante e, ao mesmo tempo, assustador.

Desde a revolução industrial os trabalhadores convivem com tecnologias que alteram o mundo do trabalho, de produtores individuais até a produção em série, as forças produtivas se alteram com rapidez e geram oportunidades variadas e ao mesmo tempo inseguranças e instabilidades, o resultado é uma busca constante por inovação e capacitações constantes, inovar e se reinventar são duas palavras que estão redesenhando e moldando o futuro do trabalho.

No começo do século XXI, os filmes de Hollywood retratavam o predomínio e o crescimento constante dos robôs e da inteligência artificial, os filmes mostravam sociedades dominadas pelas tecnologias e os seres humanos sendo subjugados pelas máquinas, esta sociedade que nos parecia tão distante hoje nos apresenta como uma marca da sociedade contemporânea, o mundo de Hollywood retratado nos filmes e nos documentários se transformou no nova realidade e somos obrigados a nos adaptar  a esta nova organização da sociedade.

Os exigências do mundo contemporâneo são imensamente diferente de sociedades anteriores, de um mundo marcado pela força física e pelo trabalho braçal, onde o paradigma fordista era a melhor forma de preparar os trabalhadores para a produção, na atualidade as demandas são muito diferentes, o trabalho intelectual e o conhecimento ganham força nesta nova sociedade, as emoções, a flexibilidade e a agilidade se transformaram em eixos centrais de organização do mundo do trabalho, sem criação e espírito empreendedor, dificilmente os trabalhadores do século XXI vão garantir espaços saudáveis dentro desta nova sociedade.

Se o mundo do trabalho se transforma tão rapidamente, faz-se necessário que a educação se transforme, as escolas, faculdades e universidades precisam passar por estas transformações, estas instituições não podem perder a vanguarda e a capacidade de construção de novas sociedades, as mudanças no ensino, no aprendizado e do conhecimento são imprescindíveis e todos precisamos nos adaptar a estas transformações.

Segundo o economista José Pastore, professor da USP e especialista nas relações de trabalho, nesta nova sociedade caracterizada como a 4● Revolução Industrial, a capacidade de pensar será fundamental para ingressar ou se manter no mercado de trabalho, e destaca ainda, que essa capacidade deve ser desenvolvida nas escolas, com uma educação de qualidade e que prepare os alunos não apenas para passar nas provas mas, que o auxilie a pensar e refletir em todos os momentos, dando-lhes autonomia e flexibilidade.

Devemos destacar ainda que, embora a presença de robôs deva crescer cada vez mais, só o ser humano possui habilidades sociais, como criatividade, empatia, coragem e toda a parte emocional e afetiva do trabalho e nas relações interpessoais, as máquinas ainda não possuem esta habilidades, diante disso, percebemos que todas as profissões que demandam habilidades empáticas cresçam e ganhem relevância na sociedade.

Outro ponto importante a se destacar é que, nesta nova sociedade, a articulação entre empresas, escolas e governo deve ser aumentada, não sendo mais possível ter inovação do século 21, mentalidade do século 20 e instituições do século 19. As escolas, as faculdades e as universidades precisam ser parceiras das empresas e dos governos e das demais organizações, além de dinâmicas, versáteis, diversificadas e inclusivas.

Esta articulação é muito importante para construção de uma sinergia, as instituições precisam entender que na atualidade, os agentes precisam se integrar e construir os conhecimentos necessários para competir no mercado global, compartilhando ideias e estimulando pesquisas e inovação, as escolas precisam sair dos modelos tradicionais e agregar novas tecnologias, o processo de construção do conhecimento está cada vez mais dinâmico e flexível, os grupos que continuarem investindo no ensino tradicional tende a perder espaço na competição global.

As empresas precisam se abrir para a inovação e se integrarem mais com as escolas e as universidades, no Brasil percebemos uma grande distância entre estas instituições, uma boicotando a outra e evitando que o conhecimento circulo e consolide opiniões novas, a concorrência da economia global tende a acabar com este ranço entre as instituições e abrir espaço para uma atuação em conjunto, afinal todos os agentes tem objetivos comuns e a  integração entre elas é uma forma de vencer os grandes desafios da Indústria 4.0.

As transformações geradas pela Indústria 4.0 estão contribuindo para que a sociedade mundial se transforme de forma acelerada e as profissões sejam alteradas rapidamente, mas devemos destacar ainda, que outros fatores estão alterando a sociedade global, as profissões e o mercado de trabalho, dentre eles podemos destacar as mudanças demográficas, a globalização e a emergência de novos valores culturais.

Pesquisas nos mostram, que nas 20 maiores economias do mundo, as mudanças geradas pelas transformações demográficas estão alterando significativamente o perfil populacional, países como China, Japão, Rússia, Itália, Alemanha estão apresentando um declínio acentuado na população economicamente ativa nas próximas décadas, além de um forte crescimento no número de aposentados, com impactos imensos sobre o mercado consumidor, que passará a priorizar o setor de serviços, como os de assistência médica, em detrimento de bens duráveis, como os automóveis. O contrário pode ocorrer nos países dotados de uma força de trabalho jovem, ativa e em ascensão.

As mudanças geradas pela globalização são positivas, de uma forma geral, mas apresentam alguns desajustes que precisam ser compreendidos e corrigidos, o barateamento dos custos de comunicação e transporte aumentou a integração entre os mercados. Esta integração abre portas para profissionais de determinados perfis, o que é visto como altamente positivo mas, ao mesmo tempo, está gerando uma precarização das condições de trabalho para a maioria da população e uma desindustrialização em muitos países do mundo, com graves impactos sociais e econômico.

As mudanças trazidas pela tecnologia estão criando novas demandas por condições de trabalho mais flexíveis e dinâmicas, entre os jovens percebemos que, cada vez mais, eles querem escolher para quem vão trabalhar, onde, como e em que ritmo, além de buscarem um propósito para seu trabalho, em vez de pensar em como equilibrar a vida pessoal e profissional, agora eles buscam integrar os dois universos – e isso não poderá ser ignorado pelos empregadores.

Todas estas megatendências relacionadas ao mercado de trabalho, além das mudanças específicas de cada área, estão alterando o planejamento de empresas, indústria e setores produtivos e também das instituições de ensino, todas buscando se atualizar para acompanhar as mudanças em curso.

Os cursos estão passando por grandes transformações para acompanhar as mudanças geradas pela tecnologia, nos mais tradicionais como Direito e Administração as alterações são visíveis, no primeiro os futuros advogados já trabalham com contratos automáticos (feitos sem a intermediação humana) e acessam extensos bancos de dados a partir de recursos como o Big Data.

Os profissionais da gestão estão sendo estimulados, nas escolas de Administração, a fazerem as perguntas corretas para poder extrair dos especialistas informações  precisas, o profissional não precisa ser um especialista em algoritmos, mas tem que dominar as estratégias de gestão de pessoas capacitadas a lidar com estes dados. Além disso, as instituições de ensino estão valorizando a versatilidade e os conhecimentos socioemocionais, com disciplinas e cursos de extensão inseridos na grade dos cursos de Administração.

Os gestores de Recursos Humanos acreditam que em muitas indústrias e países, as ocupações mais requisitadas não existiam a dez ou mesmo a cinco anos, além disso, estimam que 65% das crianças que hoje estão iniciando os estudos vão exercer funções que ainda não foram criadas, a grande dúvida que a sociedade ainda não tem elementos para responder com precisão é se estes empregos que serão criados nos próximos anos serão suficientes para empregar esta massa de pessoas que estão sendo dispensadas pelas novas tecnologias que estão transformando o mundo do trabalho.

Em uma pesquisa feita pelo Fórum Econômico Mundial, publicada em 2016, intitulada The Future of Jobs (O futuro do trabalho), elaborado a partir de entrevistas feitas com executivos e gestores de recursos humanos das maiores companhias do mundo, nesta pesquisa estes gestores disseram como estavam se preparando para se adaptar a estas transformações em curso no mercado de trabalho. Os resultados desta pesquisa identificaram que, 59% dos gestores investiriam na reciclagem dos atuais funcionários, 52% incentivariam a mobilidade e a rotação de tarefas, 28% buscariam novos talentos no sexo feminino, outros 28% aumentariam a colaboração com instituição de ensino, 28% atrairiam talentos estrangeiros, 17% buscariam talentos entre as minorias, 14% aumentariam a colaboração com empresas de outros setores e outros 14% ofereceriam oportunidades de aprendizagem.

As respostas corretas para as questões do emprego e da empregabilidade do século XXI são pouco conhecidas, as mudanças são necessárias, imprescindíveis e imediatas, os resultados educacionais brasileiros são vergonhosos, somos a oitava economia do mundo e no exame de PISA estamos atrás de países como Vietnã, Estônia e Indonésia, países com histórico recente de guerras, golpes de Estado e herança comunista, precisamos superar este atraso com urgência, senão seremos condenados a uma condição de subalternidade em uma sociedade onde a concorrência e a competição se transformaram em um dos mantras mais adorados e cultuados de todos os tempos.

As profissões estão se transformando rapidamente e os profissionais também estão em constantes mudanças, a sociedade atual prescinde destas mudanças, todas as áreas estão sendo alteradas pela tecnologia e pela comunicação instantânea, pessoas até pouco tempo desconhecidas passam a condição de celebridade em um curto espaço de tempo, motivados e estimulados pelas redes sociais, o mundo se transformou rapidamente e tudo foi alterado, o profissional contemporâneo deve apresentar empatia, liderança e carisma, além de grande criatividade, dinamismo e capacidade de cooperação, todas estas habilidades são imprescindíveis para o profissional do século XXI, as demandas são muito grandes e variadas e exigem do trabalhador uma capacitação constante e uma atualização diária, vivemos mesmo num mundo assustador, o que está por vir nos próximos anos nos preocupam e nos deixam em polvorosa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Nobel de Economia de 2002 – Daniel Kahneman.

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Osmar Freitas Jr.
Revista Isto É – Edição 13/08/2003 – nº 1767

O professor Daniel Kahneman, 69 anos, dividiu com seu parceiro de pesquisas Vernon Smith (Universidade George Manson) o Prêmio Nobel de Economia de 2002. O curioso é que Smith é um economista, mas Kahneman é psicólogo. Está lá em seu currículo, para quem quiser ver: Daniel Kahneman, professor de psicologia da Universidade de Princeton, no Estado de Nova Jersey. Mas este título parece mero detalhe inoportuno para os interlocutores deste israelense formado pela Universidade Hebrew, em Jerusalém – nas cadeiras de psicologia e matemática –, e depois pela Universidade da Califórnia, onde obteve PhD, também em psicologia. Assim como a Academia Sueca de Ciências Econômicas, há quem ache que o trabalho deste homem – nascido em Tel- Aviv, e naturalizado americano – tem muito a ver com a área econômica. O megainvestidor e escritor Nassin Nicolas Taleb, por exemplo, diz: “O professor Daniel Kahneman é um dos dois economistas mais influentes dos últimos 100 anos.”

Parece um certo exagero, mas em escala até que razoável. Afinal, Kahneman – com suas pesquisas de behaviorismo econômico – mudou a relação entre clientes, consultores econômicos e gestores financeiros. Colocou foco revelador sobre fatos desprezados – como a influência psicológica sobre processos decisórios financeiros. Delineou de modo mais claro as premissas que devem nortear os investidores em resoluções monetárias. Mostrou que nós, humanos, temos tendências prejudiciais à nossa capacidade de escolha econômica, principalmente quando colocamos lucro, prejuízo e prosperidade num mesmo saco de gatos.

Todos esses – e muitos outros exemplos – levam a crer que Kahneman é um economista de mão cheia. O que é negado com veemência por este professor simpático e de fala baixa. “Não sou economista. Fui puxado para esta conversa por outras pessoas”, disse a ISTOÉ, na semana passada, na entrevista, em Nova York, que antecedeu sua ida ao Brasil. Num programa de dois dias, à convite do BankBoston, o Nobel de Economia de 2002 vai dar duas palestras – uma privada e outra pública –, deixando um terceiro dia livre para a apreciação do ethos psicológico dos nativos – cuja economia, o visitante confessadamente, não entende nada. E que fiquem avisados os brasileiros: não peçam dicas sobre bons investimentos na Bolsa de Valores. Daniel Kahneman, como deixa
claro a seguir, é psicólogo.

ISTOÉ – Qual o motivo de sua viagem ao Brasil? O sr. conhece o País?

Daniel Kahneman – Vou passar três dias no Brasil, a convite do BankBoston. E minhas atividades vão depender muito daquilo que eles queiram que eu faça. Eles vão me dizer. Acho que desejam
que eu fale em duas conferências – uma delas será mais para o
público em geral, a outra será mais privada, e tenho um terceiro
dia livre. Eu já estive no Brasil há dez anos.

ISTOÉ – O sr. está familiarizado com a economia brasileira?

Daniel Kahneman – Não, não só não conheço a economia brasileira como não sei muito sobre a economia em geral. Eu sou psicólogo.

ISTOÉ – No entanto, o sr. ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2002…

Daniel Kahneman – Isso foi consequência do uso de alguns de meus experimentos, que foram depois utilizados por alguns economistas.
ISTOÉ – Como é que o sr. foi levado a trilhar a tortuosa estrada da economia?

Daniel Kahneman –Na verdade, não foi uma decisão minha. Nós não escolhemos o estudo de assuntos econômicos a priori – e quando eu digo “nós” estou me referindo também ao professor Vernon Smith, com quem eu colaborei em 1996, e com quem dividi o Prêmio Nobel. Por causa de nossos experimentos, os economistas nos puxaram para dentro do assunto. Foram eles que “puxaram conversa”. Essa aproximação ocorreu em múltiplas fases. O momento mais importante aconteceu quando um jovem em particular – um brilhante economista – apostou sua carreira, por assim dizer, na idéia de usar a psicologia em teorias econômicas. O nome desse homem é Richard Thaler (professor de economia comportamental da Universidade de Chicago), que desde então se transformou num economista muito importante e também meu amigo particular. Richard é a figura fundamental no campo da chamada “Behavior Economics” (“economia comportamental”). Foi quem deu os passos essenciais nessa área. Assim, como você vê, eu não sou um “economista comportamental”: sou um psicólogo. Como disse, fui puxado para dentro desta conversa e desse modo publiquei trabalhos em conjunto com economistas.
ISTOÉ – Mas seus experimentos alicerçaram esta área. O sr. poderia nos descrever um experimento típico, conduzido em seus estudos?

Daniel Kahneman – Bem, eis um deles: dá-se a um grupo de pessoas um objeto de algum valor. Digamos uma condecoração. Num grupo grande
de estudantes de uma classe, metade das pessoas recebe uma dessas condecorações. A outra metade não ganha nada. Para aqueles contemplados é dito que eles podem levar o objeto para casa ou trocá-lo por dinheiro. Pergunta-se a essa gente: caso aceitem a troca, por quanto estariam dispostos a vendê-lo? Nós vamos decidir por quanto será feita essa venda. Perguntamos se eles venderiam a peça por US$ 10. Depois perguntamos se venderiam por US$ 9,50, e vamos baixando o preço até uma base de 50 centavos de dólar. Já aqueles que não ganharam a condecoração – e não têm nada – sabem que alguns de seus companheiros de classe receberam o prêmio. A estes foi dito: vocês têm a chance de receber a condecoração – como os outros – ou receber uma quantia em dinheiro. Novamente fazemos ofertas: US$ 10; US$ 9,50, baixando até os 50 centavos e fixando uma quantia mínima para a venda. O que essa gente toda está fazendo é calculando quanto vale aquela peça. E se você pensar bem as opções colocadas diante dos dois grupos são idênticas. Uns ganharam a condecoração e podem trocar por dinheiro, outros não ganharam, mas podem recebê-la ou trocar por dinheiro, do mesmo modo. Basicamente, as situações dos dois grupos são semelhantes. Mas verificamos que as pessoas que já tinham em mãos a peça pediram o dobro em dinheiro. A média foi o preço de US$ 7 para aqueles que tinham ganhado a condecoração e US$ 3,50 para o outro grupo. Esse é um experimento típico realizado por mim.
ISTOÉ – E o que isso vem a provar?

Daniel Kahneman – O que se vê nesse experimento é que as pessoas que são as vendedoras – aquelas que já têm o objeto – olham para sua posse como algo de que eles teriam de abrir mão. E as pessoas simplesmente odeiam ter de abrir mão de qualquer coisa: imaginam a transação como uma perda, mesmo recebendo em troca um valor em dinheiro. Já aqueles que não tinham o item em mãos não reagem dessa forma. Eles veem o objeto como algo que podem receber, não têm nada a perder. As atitudes dos dois grupos são diferentes. As pessoas têm reações muito distintas quando recebem algo e quando não recebem nada, mas contemplam a possibilidade do recebimento. Este é um dos experimentos típicos, que foi combinado com outros para formularmos teses.
ISTOÉ – O sr. poderia dar um outro exemplo de experimento que se complemente a este?

Daniel Kahneman – Como complemento a este experimento que citei nós fizemos outro. Em termos psicológicos, os dois exemplos estão relacionados. Essa nova experiência envolve um jogo de “cara e coroa” com uma moeda. Estipulamos que, se a moeda lançada caísse no lado “cara”, a pessoa perderia US$ 10. Caso contrário – caindo em “coroa” –, a pessoa iria receber uma quantia “X”. Perguntamos, então, qual seria a quantia mínima de “X” para que a pessoa aceitasse participar do jogo. A maioria das pessoas pediu entre US$ 20 e US$ 25. Novamente, a quantia pedida corresponde ao dobro do valor da perda ou duas vezes aquilo que poderiam perder. Trata-se de nova constatação de que as pessoas dão muito maior valor àquilo que podem perder do que àquilo que podem receber. Assim, em ambos os experimentos verificamos este padrão.
ISTOÉ – Em termos de teoria econômica, o que esses experimentos provam?

Daniel Kahneman – Estabelece-se que as pessoas não costumam pensar em termos de prosperidade, mas sim de lucros e prejuízos.

ISTOÉ – Explique melhor essa conclusão. As pessoas comuns fazem uma grande conexão entre lucros, perdas e prosperidade, não é verdade?

Daniel Kahneman –Vamos explicar isso com um exemplo: imagine que você investiu uma certa importância agora. O investimento tem o prazo de
um ano e você não sabe exatamente o que irá acontecer ao final desse tempo. Como se dá seu mecanismo de pensamento? Você pensa em quanto dinheiro irá ganhar no próximo ano nesse investimento no futuro. Mas pensar em termos de prosperidade é algo totalmente diferente. Nesse caso, calcular prosperidade é se perguntar: qual minha riqueza agora (ou quanto dinheiro eu tenho no total neste momento) e quanto dinheiro eu terei no próximo ano se o investimento que fiz der certo ou der errado? Essa última linha de pensamento segue uma análise sobre prosperidade: é quando se consideram todas as probabilidades para calcular a extensão de sua riqueza num futuro determinado. A riqueza
do momento e a futura são colocadas na balança.
ISTOÉ – Qual a diferença entre esse cálculo e aquele que as pessoas fazem quando têm como foco principal as considerações sobre perdas e ganhos?

Daniel Kahneman – Quando as pessoas pensam mais em perdas – enfocando o raciocínio em termos de prejuízos possíveis –, elas têm reações mais conservadoras. E, como vimos, as pessoas odeiam perder algo, mais do que ganhar alguma coisa. Mas quando elas pensam em termos mais gerais, mais globais, em prosperidade, são mais receptivas à aceitação de riscos. Quando se tem a prosperidade como foco principal, a pessoa fica mais confortável com a idéia de arriscar.

ISTOÉ – O sr. já declarou que superconfiança tem enormes implicações em termos econômicos. O que isso significa?

Daniel Kahneman – A idéia geral é a de que as pessoas parecem agir na crença de que conhecem uma situação, estão por dentro dos fatos, quando na verdade não sabem tanto quanto pensam. No mercado de ações, por exemplo, muita gente acredita que sabe o momento em que deve parar de investir, ou vender suas ações, ou aumentar seus investimentos, quando, na verdade, essas pessoas não sabem. Não têm informações suficientes para tomar essas decisões com a segurança que pensam possuir. Desse modo, pode-se afirmar que as pessoas em geral são muito superautoconfiantes. Esta característica tem enormes efeitos no comportamento do mercado.
ISTOÉ – Em qual área de investimentos o sr. acredita que esses padrões de comportamento econômico têm maior impacto?

Daniel Kahneman – Acho que esses padrões levantam sérias questões sobre a sabedoria – ou o bom senso – das pessoas ao investir. Principalmente levando-se em consideração que elas estão no mercado financeiro, competindo contra grandes corporações, as consequências das decisões individuais são enormes e trazem grandes impactos. Acho que o estudo do behaviorismo econômico será cada vez mais importante para explicar e apontar fundamentos básicos para se aumentar a poupança dos indivíduos e da população em geral. Uma das grandes preocupações econômicas hoje em dia trata da questão das poupanças individuais. Acho que nossos estudos vão ter implicações imediatas para as pesquisas neste campo. Por outro lado, existem instituições financeiras que usam as teorias e estudos de comportamento econômico para apostar contra o mercado em geral. Um exemplo disso: existe um fenômeno no qual quando se olha um grupo de ações, um fundo de investimento que perdeu dinheiro por um longo período de tempo, em geral esse fundo se torna uma boa aposta futura. O valor das ações que têm perdido dinheiro por muito tempo é muito baixo. Um portfólio desse tipo de ações geralmente vai ter melhor performance do que o restante do mercado. A isso se chama aposta contra a corrente, e as grandes instituições financeiras se aproveitam dessa tática.
ISTOÉ – Suas teorias têm validade multicultural, ou seja, elas representam tendências humanas globalizadas? Pessoas na França, Nigéria, Cingapura ou Brasil agem da mesma forma em experimentos semelhantes àqueles feitos pelo sr. nos Estados Unidos?

Daniel Kahneman – Nós realmente não sabemos com certeza. Não há uma quantidade grande de estudos internacionais nessa área. Mas, pelo
que vimos em algumas pesquisas, nossas descobertas principais são provavelmente bastante universais. É claro que também existem muitas diferenças culturais. Mas ainda não foi estudado e qualificado qual o
peso dessas diferenças nas decisões feitas em experimentos iguais
aos nossos em outros países. Aquilo que nós aprendemos veio de experiências nos Estados Unidos.

 

ISTOÉ – Tempos atrás o sr. escreveu que aparentemente as pessoas são mais felizes na Califórnia. O que o levou a essa conclusão?

Daniel Kahneman – Na verdade, o ponto principal deste texto é que elas não são mais felizes que pessoas em outras partes. O que acontece é que em outras partes todo mundo acredita que os californianos são mais felizes. Mas isso é uma impressão errada. E tenho certeza de que neste momento, com o enorme déficit orçamentário (US$ 36 bilhões) e outros problemas no Estado, os californianos não estão muito felizes.

 

ISTOÉ – O sr. poderia dar alguma dica de investimentos futuros?

Daniel Kahneman – Eu não seria tolo a ponto de dar qualquer dica nessa área.

 

ISTOÉ – Alguns analistas vêem em seus estudos a validação do mercado financeiro. Outros acreditam que suas pesquisas mostram que o mercado não funciona. Quem está certo?

Daniel Kahneman – Novamente devo dizer que está fora de minha alçada, mas em todo caso posso opinar que o mercado financeiro funciona bem – ainda que tenha imperfeições –, mas está provado que é muito, mas muito difícil ganhar dinheiro nele. Não é para qualquer um.
ISTOÉ – Como o sr. acha que os investidores vão se comportar em 2004, nos Estados Unidos:

Daniel Kahneman – Não tenho a menor idéia. Não sou economista.

Quem conhece os impactos das pesquisas brasileiras?

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Em entrevista, presidente da Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação) afirma que população não conhece pesquisas que mudaram a realidade social do país

Apesar dos altos investimentos, a população não consegue citar dez trabalhos da USP que tenham mudado a realidade social. E isso vale praticamente para quase todas as universidades, aponta Antonio Freitas, pró-reitor de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação da FGV e presidente da Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação).

Em sua opinião, para alterar isso é preciso fazer amplas mudanças no sistema educacional, começando pela revisão dos gastos governamentais para priorizar a educação básica. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

O senhor defende a realização de pesquisas mais relevantes, tanto para a sociedade como para a academia. Por que? 

A inovação é um ponto fraco dos países em desenvolvimento, incluindo Brasil. Entrando especificamente do campo das pesquisas, há um índice que afere o impacto delas. A média mundial é 1, enquanto a taxa do Brasil é 0,86, o que indica que as nossas pesquisas são pouco citadas.

O Brasil tem alguns centros de excelência na aeronáutica e na agricultura, por exemplo, mas, em geral, nossas  pesquisas não têm relevância – e  também não têm impacto social.

Contudo, isso deveria ser diferente, pois o dinheiro do contribuinte, que paga a universidade pública, o Fies, o ProUni, deveria ter retorno para a sociedade. Hoje a pesquisa fica encapsulada na universidade.

Quem conhece os impactos das pesquisas brasileiras? Você não consegue citar dez pesquisas da USP que tenham beneficiado a sociedade, apesar dos altos investimentos que ali são feitos.

Há também pouco incentivo para os brasileiros trabalharem com pesquisadores de outro país. O Ciência sem Fronteiras deveria ter investido nisso.

Voltando ao índice de impacto, o fator de impacto da Suécia é 1,16, que é acima da média, enquanto o nosso é de 0,86. Porém, considerando os 2,6 mil trabalhos conjuntos de brasileiros e suecos, temos o fator 4,19.

O trabalho em parceria, além de motivador, enriquece a pesquisa, visto que o problema passa a ser visto de diferentes perspectivas.

Como poderíamos reverter essa situação?

Um problema grande que temos é a má gestão da educação em todos os níveis, mas principalmente na educação básica. Por que o Rio de Janeiro investe o dobro do Piauí na educação e está com notas piores no Ideb?

Por causa da má gestão. E sem melhorar a educação básica, não vamos avançar no ensino superior e tampouco conquistar centros de pesquisa relevantes.

Em vez de investir 70% dos recursos na educação superior e 30% na educação básica, deveríamos inverter isso, tal como fez a Coreia do Sul. Também temos de usar leis, como a Lei Rouanet, para permitir às empresas investir diretamente na educação.

E o que as instituições de ensino superior poderiam fazer?

Em geral, as instituições de ensino preparam as pessoas para o mercado de trabalho, mas alguns poucos indivíduos têm interesse em fazer pesquisa.

Esse grupo deve receber atenção e, acredito, não faltam empresas que desejam apoiar esses indivíduos. Além disso, os alunos dos cursos mais concorridos da USP e de outras universidades públicas deveriam pagar pelo ensino, pois certamente eles podem fazer isso.

Essa mudança permitiria dar aos pobres não apenas a gratuidade do ensino, mas todo o auxílio de que eles necessitam para se manter e estudar.

Eles devem ter bolsas de estudo para estudar e pesquisar com tranquilidade e sair dessa condição em que estão hoje, trabalhando o dia todo para conseguir estudar à noite.

O senhor é favorável a uma mudança radical em nosso sistema de ensino.

Sim. O Brasil precisa de mudanças radicais em muitos setores, inclusive na educação. A postura do MEC também tem de mudar, pois acho que a posição do MEC deveria ser semelhante à de um pai diante de uma escola que está em dificuldade.

Em vez de fechar essa escola, ele deveria ajudá-la. As melhores universidades públicas também poderiam ajudar, dando assistência a outras instituições. E na educação básica, poderíamos aceitar a participação da iniciativa privada para gerenciar as escolas.

Hoje, os diretores das escolas públicas são definidos a partir de conchavos políticos. Diria ainda que as IES públicas são muito mal gerenciadas.

Como seria essa ideia de uma instituição de ensino superior pública supervisionar outras instituições?

Elas podem ajudar na atualização dos professores das escolas privadas que são contratados em regime parcial. Muitos deles trabalham em alguma empresa e dão aula de noite.

Eles têm o conhecimento prático, mas eventualmente não estão acompanhando a evolução do conhecimento em suas áreas. Também poderia haver um suporte para aprimorar o uso de técnicas de ensino e até para estruturar algumas instalações, como laboratórios e grupos de pesquisa.

O CNE está renovando as diretrizes de muitos cursos. Quais mudanças podemos esperar nas engenharias?

Nesses cursos, as diretrizes estão sendo renovadas com a participação de docentes, do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), de pesquisadores engenheiros do ITA e de muitas empresas.

A primeira versão já está disponível para consulta na internet. O objetivo das mudanças é criar pesquisas relevantes e formar profissionais transdisciplinares, ou seja, aptos a trabalhar em equipe com especialistas de outras áreas.

As novas diretrizes também estão sendo pensadas para dar mais liberdade às IES para escolher o caminho que querem seguir, ou seja, se querem ser fortes em engenharia automotiva, em engenharia aeronáutica, em resistência dos materiais,  e assim por diante. Pretendemos relatá-las em outubro.

E a renovação das diretrizes do Direito?

O caso do Direito é o mais complicado, porque a OAB é muito conservadora.  Levamos cinco anos, de 2013 a 2018, para reelaborar as diretrizes, que também serão relatadas em outubro, conforme previsão.

Definimos os conteúdos que todos os alunos terão de estudar e um conjunto de disciplinas optativas que serão escolhidas pelas IES conforme a especialidade que querem conferir aos seus cursos, se ambiental, cibernético, eleitoral.

Todos os cursos querem imitar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, mas as novas diretrizes estão sendo pensadas para mudar isso.

 

Brado pela eficiência – Ricardo Paes de Barros

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ENTREVISTA com Ricardo Paes de Barros | Edição 201 Economista crê que investimento de 10% do PIB em educação deva ser apenas por um …

ENTREVISTA com Ricardo Paes de Barros | Edição 201

Economista crê que investimento de 10% do PIB em educação deva ser apenas por um tempo e condicionado ao atingimento de metas

por Rubem Barros

São quase 18h30 de uma sexta-feira. Pelo corredor da sede do Instituto Unibanco, Ricardo Paes de Barros vem ao encontro da reportagem, desculpando-se pelo atraso. Acabou uma reunião de avaliação de projetos com um grupo de economistas e estudantes. Apesar disso, não se furta a uma longa entrevista em que, muitas vezes, começa as respostas protelando-as, ganhando tempo para pensar sobre a questão.

Paes de Barros, hoje identificado como o cérebro por trás do Bolsa Família, tem longa trajetória na reflexão sobre desigualdades sociais e educação. Pupilo de Carlos Langoni  (ex-presidente do Banco Central), ex-orientando do Nobel de Economia de 2000, James Heckman, em doutorado na Universidade de Chicago, foi ainda diretor do Ipea entre 1999 e 2008. Atualmente, é titular da Cátedra Instituto Ayrton Senna, no Insper.

Ao olhar para a educação brasileira, diz que é preciso que os investimentos sejam efetivos, e não apenas ancorados em promessas que não se cumpram. E alerta para a acentuada queda dos ganhos por anos de escolaridade básica no mercado de trabalho.

Ensino Superior: Mais anos de estudos diminuem a desigualdade social. Quanto mais dessa desigualdade poderia ter sido diminuída com melhor qualidade educacional?
Ricardo Paes de Barros: A educação é um instrumento poderoso para reduzir desigualdades. Mas, por mais que a redução que conseguimos nos últimos anos esteja relacionada às reduções das desigualdades educacionais e de renda que vêm da educação, muito mais poderia ter sido feito. Devemos ter em mente que a probabilidade média de uma criança de boa condição socioeconômica completar o fundamental na idade certa pode ser cinco vezes maior do que a de uma criança pobre. Ou seja, a desigualdade de oportunidades é gigantesca no Brasil. O ex-ministro Cristovam Buarque sempre chama a atenção para o fato de que, ao visitar o interior do Nordeste, precisou ir à Caixa Econômica e se deu conta de que a agência era idêntica à do Lago Sul, em Brasília. Mas foi visitar uma escola de ensino fundamental, e era completamente diferente de outra escola pública do Distrito Federal. Que estranho país é esse que consegue padronizar agência bancária e deixa que a qualidade de uma escola pública seja completamente diferente de outra, dependendo de aonde a criança vá estudar? Daí a importância de toda a essa discussão sobre qualidade mínima no Brasil. O Fundeb está longe de equalizar o custo por aluno no país. É claro que ainda temos um sistema educacional muito desigual. Mas o quanto mais daria para reduzir a desigualdade não sabemos ao certo, exigiria um trabalho mais delicado.

Qual a sua opinião sobre o Plano Nacional de Educação, em especial sobre os 10% do PIB?
Não tenho muita ideia de como o Brasil conseguirá gastar 10% do PIB em educação tendo demandas crescentes com o envelhecimento da população, na área de saúde etc. Se são 10% para sempre é um erro meio grosseiro, pois a população em idade escolar está diminuindo. É certo que temos um problema educacional gravíssimo, temos de dar um salto. Se tivermos um plano para, excepcionalmente, passar um momento em que vamos gastar 10%, que se gaste. Mas temos de demonstrar à população e aos outros setores que serão sacrificados – infraestrutura, saúde, assistência social, previdência, algo será sacrificado para isso – que temos um plano convincente de uso eficiente desses recursos. E nossa história não está mostrando isso, pois das metas do Todos pela Educação a única que foi cumprida foi a de gastos. Metas de resultados não estamos cumprindo.

Mas o PNE traz metas e estratégias.
Tem a meta e as estratégias, mas não tem avaliação nenhuma e não estão articuladas de maneira que permita saber que vão entregar aquilo que elas dizem que vão entregar. Não estamos cumprindo nem as metas do ensino médio do Ideb. Estamos aumentando sistematicamente os gastos sem garantir compromissos com os resultados. Precisamos de mais governança para entregar esses 10%. Precisamos que a Presidência da República, o MEC ou quem for venha a público garantir que atingiremos os resultados aliados ao plano e evidências que o sustentem. Precisamos saber o que irá acontecer se após um ano a meta não for cumprida. Isso está faltando. É como se a missão das autoridades educacionais brasileiras fosse tentar fazer algo, quando a missão é efetivamente entregar esse algo.

Qual a sua opinião sobre o modelo do Fies?
Não há país que não tenha um sistema de financiamento da educação superior, não há dúvida sobre sua importância. A questão são as regras para fazer isso funcionar, como torná-lo sustentável, como recuperar o investimento, quais profissões devem ser mais subsidiadas, como a formação de professores é mais subsidiada no mundo inteiro. Outras áreas, como administração e economia, por exemplo, não é preciso subsidiar.

No novo modelo privilegia-se formação docente, saúde, engenharia…
Precisamos ajustar esses detalhes de tal maneira que realmente funcionem, que o dinheiro vá para quem precisa do crédito e que viabilizemos a sustentabilidade disso, que as pessoas que recebem o Fies terminem de fato a universidade e paguem o empréstimo contraído, com um nível aceitável de taxa de juros.

Qual seria esse nível?
Para um financiamento de longo prazo, temos de trabalhar muito mais para assegurar que todos paguem. Se reduzirmos a inadimplência, talvez consigamos baixar a taxa de juros. Mas a taxa para um investimento desses, que tem uma tremenda externalidade para a sociedade brasileira, deveria ser baixa. Não conheço a questão tão de perto, mas deveríamos pensar, por exemplo, qual taxa de juros estamos usando no Minha Casa, Minha Vida. Não poderia ser mais alta. Não poderíamos financiar moradia a uma taxa de juros e investimento em capital humano com um valor mais alto. Deveria haver uma equiparação com investimentos similares – estradas, infraestrutura pública, eletricidade, telecomunicações – ver a que taxa de juros estamos usando recursos públicos para financiar essas atividades.  Por exemplo, qual  taxa de juros usamos para o Pronaf, de agricultura familiar? Deveríamos trazer a realidade do Fies para algo similar.

Como você vê o papel do ensino superior privado?
A instituição privada deveria estar em todos os níveis da educação, e o financiamento público deveria aumentar para alunos no setor privado. Vamos ter de expandir a educação superior de várias formas, não necessariamente de quatro ou cinco anos, mas de dois, três anos, educação tecnológica etc. A participação do setor privado é mais do que bem-vinda, temos de aumentar ProUni, Fies, não há outra alternativa.

Isso aliado à melhora da Educação Básica, para termos alunos em condições de chegar ao ensino superior…
Sem dúvida. Mas hoje já há uma demanda potencialmente reprimida pela educação superior por falta de acesso de uma forma ou de outra, insuficiência de alocação de recursos públicos na educação superior. Se tem uma coisa que diferencia o Brasil de vários países é a parcela pequena da população que conclui o ensino superior.

O grande número de aquisições e fusões do setor privado é sustentável?
Vejo o setor privado como uma indústria onde o setor público vai comprar o serviço, nunca parei para olhar como negócio e em que medida há sobrevalorização ou subvalorização nessa indústria. Mas ela tem um papel muito importante para a sociedade brasileira, e espero que tomem decisões adequadas e que tenhamos um setor privado forte, competitivo, produzindo educação de boa qualidade a um preço aceitável, de tal maneira que o setor público possa usar esses serviços em quantidade. Obviamente, se o preço do setor privado for muito alto, o setor público não poderá comprar serviços dele, vai ter de criar novas universidades públicas. Então, quanto mais o setor privado demonstrar que é capaz de produzir boa qualidade a preços inferiores ao custo do setor público, maior será a capacidade de expandir-se e absorver recursos públicos.

Os economistas têm tido grande centralidade na discussão de políticas públicas de educação nos últimos anos. Quais foram suas maiores contribuições?
A economia teve e tem um papel – como o do [ex-presidente do Banco Central Carlos] Langoni – fundamental para mostrar a importância da educação para todas as dimensões do desenvolvimento do país, o crescimento, a igualdade, a produtividade. Contribuíram até para mostrar que a educação é um direito humano básico e um instrumento para as pessoas garantirem o acesso à mais ampla variedade de direitos humanos.

Mas os economistas pensam de um jeito diferente dos educadores.
É onde eu estava querendo chegar. Há o lado de mostrar que a educação é muito importante. Precisamos de mais educação do que temos. Com a que temos, estamos fazendo um milagre de ter o PIB e a competitividade que temos. Nisso, os economistas são muito bons. Outra área é aquela que diz: “Tá bom, educação é importante, mas como é que a gente produz isso? Como fazemos as escolas funcionarem?”.
Os educadores acham que, para isso, os economistas buscam uma variável mágica, única, para um problema multifatorial.
Todo mundo entende bem o que é uma derivada parcial, que se você mexer uma coisa e mantiver o resto constante, vai ter uma mudança; se mexer em dez coisas vai ter outra mudança. O fato de muitas vezes os economistas trabalharem com o impacto de uma variável e não de 10 variáveis não quer dizer que não entendam isso. Mas a economia e os modelos econômicos são bem-sucedidos em demonstrar a importância da educação e relativamente bem-sucedidos em mostrar que uma certa intervenção educacional tem impacto. São muito poderosos em dizer como a escola ou a política educacional deveria ser. Têm menos capacidade de desenhar uma escola efetiva, embora sejam muito capazes de dizer “olha essa escola é efetiva e a educação é importante”. Com economia, consigo saber que educação é importante, que o Pronatec tem tal impacto sobre a economia, mas tenho dificuldade em saber como desenhar o Pronatec. Os economistas entraram muito nisso, dizendo qual deve ser o tamanho da sala de aula, a escolaridade do professor etc., ou seja, como deveria ser produzida a educação. Aí o instrumento econômico é meio frágil. Não sei o quanto os economistas conseguiram ajudar. Eles tentaram.

Se tivesse de aconselhar jovens economistas interessados em educação, qual ou quais seriam os temas que estão esperando por bons pesquisadores no momento?Há muitas coisas. Uma delas é entender a aparente rejeição do jovem à escola. Corremos o risco de gastar uma quantidade enorme de dinheiro, produzir a escola e o jovem continuar se evadindo. Hoje, no ensino médio, temos perto de 700 mil alunos que começam um ano letivo e não terminam. Muito disso tem a ver com a escola não ser atrativa, ser chata. Mas no Chile ou na Coreia a escola também é chata e o cara fica. Temos muitos trabalhos mostrando a importância de outras habilidades além do cognitivo – sociais, emocionais, ligadas à criatividade e protagonismo –, que, se a escola utilizá-las, podem ter um enorme impacto na participação do jovem. Ter o engajamento maior do jovem pode ser fundamental para o Brasil avançar. O baixo engajamento pode vir do fato de a escola não ser dos jovens, para os jovens. Ceará, Rio de Janeiro têm feito grandes avanços para tornar a escola um lugar da juventude. Saber quanto essa mudança de cara da escola resolverá o problema da evasão não só no ensino médio, mas também no fundamental 2, é uma grande questão de pesquisa.

E há algo que relacione mais educação e economia?
Outra questão fundamental é que o impacto da educação sobre os salários, a relação entre educação e renda está cada vez mais tênue. Cada vez mais, um ano a mais de educação dá um aumento menor em termos de remuneração, o que é excelente. Sem isso, não teríamos reduzido desigualdade. Mas o valor de um ano a mais de educação em termos de remuneração está despencando no Brasil.

Em relação a todos os níveis educacionais?
Na educação superior, ainda não. Mas no ensino médio caiu à metade. Fazer o ensino médio aumentava o salário em 40%, 50%, agora aumenta 20%. Isso em dez anos. Ainda é uma tremenda vantagem, mas precisamos entender por que isso está despencando. Se cair um pouco mais será bom, mas muito mais será problemático.

Essa queda pode estar relacionada à baixa qualidade da educação?
Sim. Pode também estar relacionada ao aumento sistemático do salário mínimo, há várias explicações possíveis. É como a taxa de juros: muito alta, horrível; se cair demais, ficar negativa, é um problema. Juro real negativo é um problema para promover poupança etc. A taxa de retorno da educação no Brasil já caiu muito, o que é bom, permite que muitas famílias pobres tenham acesso a serviços que envolvem pessoas com maior escolaridade, torna a sociedade mais justa. Mas há uma hora em que essa queda desmotivará as pessoas a estudar. Entender essa queda é um desafio extremamente importante neste momento.

 

Forças ocultas na política terão que se civilizar, diz Giannotti

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Professor de filosofia diz que não se governa com ameaças e que vitória de Bolsonaro levará conservadores a moderação

16.out.2018 às 2h00 – Folha de São Paulo

Mario Cesar Carvalho                                

SÃO PAULO

A eventual eleição de Jair Bolsonaro (PSL) vai jogar conspiradores e golpistas na dança política, afirma José Arthur Giannotti, 88, um dos mais influentes professores de filosofia do país, que já deu aulas na USP, da qual se aposentou, e na Universidade Columbia, em Nova York.

E essa é uma boa notícia, segundo ele. “A grande sorte dessas eleições foi trazer para a política as forças ocultas”, disse à Folha. “Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com ameaças nem
se mostra publicamente como bandido. Eles serão obrigados a se civilizar.”

Um dos primeiros intelectuais a dizer que os tucanos caminhavam para a morte, em 2014, Giannotti afirma que não há chance de renascimento do PSDB, partido do qual já foi considerado um ideólogo informal. Mas defende que um partido de centro é essencial. “Para conter o discurso e a prática velha do PT. E para conter essa onda que acredita na violência pela violência.”

Ele elogia o desmonte do sistema político provocado pela onda conservadora por achar que ela abrirá a estrutura extremamente fechada. Ele nem esperou o repórter perguntar para começar a falar.  

Nós estávamos numa negação política. O Congresso fechado nele mesmo, armado para se reproduzir. O governo isolado, incapaz de enfrentar as crises econômicas e sociais. Estávamos num fechamento total. E a Lava Jato denunciando, num processo jurídico-político, na medida em que atua juridicamente mas com intenções políticas. Sua intenção é jogar uma bomba atômica no processo político.

Por que a polaridade PT-PSDB foi varrida? Foi varrida porque ao PSDB faltaram lideranças, faltou se renovar. Quando você chega ao João Dória, que é pura aparência, é o fim. Nós vivemos numa sociedade do espetáculo, mas com o Doria você só tem espetáculo, não tem conteúdo político. O PSDB ficou dividido entre o Alckmin e o Dória. Do outro lado, o PT levou o país a uma recessão brutal por causa de uma série de equívocos econômicos. Esta eleição recupera e amplia 2013 (movimento contra a alta de tarifas de transportes) que depois começou a questionar a agenda dos partidos e a eficiência do Estado].

O que o sr. achou do resultado das eleições? Estou contente porque esse movimento antidemocrático, que é profundo e ocorre no mundo inteiro, representa o capitalismo atual, que é o capitalismo de conhecimento. Isso exige uma universidade que faça pesquisa, e o lulismo transformou a universidade num processo de ascensão social: você sai de secretária 3 para secretária 1. Os tucanos também fizeram isso em SP.

A eleição trouxe essa violência toda para o jogo político. Nós temos uma violência insustentável: morre mais gente aqui do que na guerra da Síria. A eleição foi um banho de soda cáustica revelando as nervuras da real luta política.

Essa onda conservadora tem relação com a violência? Evidente. Mas é também uma reação violenta. Não esqueça também que o PT achava todo mundo que não fosse petista um canalha, golpista. A violência na política não está apenas no lado fascista, mas está do lado do populismo. Ao trazer a violência para a disputa, você traz inclusive os milicos para a política. Em vez de ficarem conspirando entre eles, uma parte da conspiração vai para a política. Porque a conspiração vai continuar.

Há perigo de golpe? Esse perigo diminuiu. Agora tem menos risco de golpe porque as pessoas que eram golpistas encapuzadas passaram a ser golpistas dentro da dança política. Viraram parte da instituição. O golpe pode vir no impeachment do Bolsonaro. Em seis meses ele não vai ter essa aprovação que tem porque não vai resolver a crise econômica. Está todo mundo assustado, mas o resultado é bom.

Não há razão para susto? Pelo contrário. Temos que fincar as nossas razões democráticas e começar a combater as causas dessa violência toda. O país está se preparando para sair da crise com crescimento de 1,5%, como se estivéssemos no século 19. Quais são essas causas? O petismo imaginou que existia um capitalismo brasileiro com características diferentes do mundial. Isso não dá num capitalismo de conhecimento.

O PSDB pode renascer? Não. O fundamental é que renasça o centro. Porque não existe política sem centro. Para conter o discurso e a prática velha do PT. E, por outro lado, para conter essa onda que acredita na violência pela violência.

Por que o voto nos extremos? O eleitor foi para os extremos porque ele raivosamente se apegou às promessas do PT, que foram frustradas. Essa raiva faz parte da tradição política, mas ela piorou. Nunca vi tanta violência, nem em 1964. Porque agora há muito ódio. E a violência está dos dois lados. Muitas vezes os que são contra Bolsonaro têm uma violência bolsonarista.

Há outras razões para o voto nos extremos? Há. O eleitor vive num mundo violento e acha que só a violência resolve. Para acabar com a violência, ele acha que é bandido na cadeia ou morto. Isso não funciona no mundo real. Você só resolve isso criando instituições democráticas. Você tem de criar empregos, tem de esclarecer como será a reforma da Previdência e acabar com vantagens.

Quais vantagens? As vantagens do funcionalismo, como auxílio-moradia. Quando você tira as vantagens, dizem que estão tirando direitos. Desculpe, mas estão tirando vantagens. Sou beneficiário disso também. Todos nós tivemos aposentadoria integral na USP. Eu me lembro quando estava construindo esta casa, eu peguei o [o filósofo francês Michel] Foucault e ia levá-lo para a faculdade [de Filosofia], mas tive que passar na obra. O Foucault perguntou: “Você tem bens pessoais, herança? Porque um professor na França jamais faria uma casa desse tipo”. Todo mundo tinha esses privilégios na USP. Há benefícios para militares, professores e juízes que nenhum país do mundo tem. Isso tem de acabar.

Dá para pacificar o país? A grande sorte dessas eleições foi trazer para a política as forças ocultas. Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com ameaças nem se mostra publicamente como um bandido. Eles serão obrigados a se civilizar. Não dá para ter também um país tão pobre. Isso não é mais tolerável.

Bolsonaro ataca mulheres, negros, gays e indígenas. Isso significa um retrocesso comportamental ou ele fala por um Brasil que é conservador mesmo? Uma parte do país é conservadora. Mas esse discurso é uma estratégia, uma forma de se mostrar como durão. Isso pode ter repercussões muito ruins. Uma coisa é um deputado dizer que não estupra uma deputada porque ela é feia. Se um presidente disser isso, sofre impeachment. Esse comportamento é inaceitável para um presidente. Ou ele muda ou cai. Na eleição tínhamos que escolher entre duas crises.

Quais? A crise que vem junto com Bolsonaro, com violência e não democracia, ou o impeachment por estelionato eleitoral do PT. Tudo indica que, pelo plano de governo que o Lula tinha montado, não daria para cumprir as promessas. O Brasil está encalacrado e só vai desatar quando o sistema político ficar mais moderno e democrático. Antes estava inteiramente fechado. Agora desarrumou tudo. Que bom!

 

Ascensão chinesa e a nova configuração geopolítica mundial

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A economia internacional vem passando por muitas transformações nos últimos trinta anos, a economia mundial centrada no Oceano Atlântico vem perdendo espaço para a ascensão asiática, quem vislumbra uma nova configuração de poder centrada no oriente e fortemente concentrada no Oceano Pacífico, os países asiáticos ganham força em detrimento da Europa e das Américas.

Dos países asiáticos, faz-se importante destacar a ascensão da economia chinesa, de um país intermediário no cenário internacional, a China se transformou, num curto espaço de quarenta anos, na segunda maior economia do mundo, perdendo apenas para a economia norte-americana, com isso, destacamos a previsão feita por Napoleão Bonaparte no começo do século XIX quando profetizou: “Quando a China acordar, o mundo vai tremer”.

Depois de quase trinta anos de sistema comunista, iniciada com a Revolução Socialista de 1949, e depois da morte de seu grande líder, Mao Tsé Tung, a China inicia no final dos anos 70 a construção de um novo paradigma de desenvolvimento econômico, este novo modelo foi construído pelo líder Deng Xiaoping que se destacou como um dos maiores estrategistas da China ao destacar: “Não importa a cor do gato, mas se ele caça o rato”.

As mudanças implementadas no país asiático, no período 1980/2010, trouxeram grande crescimento econômico e inúmeras transformações sociais, na literatura econômica desconhece um modelo que tenha trazido tantas modificações em um país num curto período de tempo e com resultados tão auspiciosos, levando este país a sair de uma situação intermediária para o panteão de segunda maior economia do mundo, com grandes chances de se transformar na maior economia do mundo nas próximas décadas.

A estratégia construída pelo governo chinês era fortemente baseada na intervenção do Estado, que tinha um papel central, não apenas na estrutura econômica, mas em toda lógica política, social e cultural, concentrando, com isso, um grande poder na estrutura social.

Economicamente, cabia ao Estado adotar políticas para fomentar e, ao mesmo tempo, estruturar, fiscalizar e coordenar as grandes alterações na sociedade chinesa, de um país fortemente fechado para uma sociedade mais aberta e cosmopolita, sem perder suas raízes culturais que eram uma das características mais admiradas na sociedade global, integrar a economia chinesa na economia mundial e, ao mesmo tempo, manter as bases culturais do país, este era o grande desafio da sociedade chinesa.

A grande quantidade de mão de obra disponível era um dos maiores ativos da sociedade chinesa, afinal estamos falando de uma sociedade com mais de 1,3 bilhão de pessoas, um contingente imenso que sempre foi visto pelas empresas internacionais como uma grande oportunidade de negócios e investimentos, com forte potencial consumidor e como fonte barata de produção de produtos ocidentais.

O modelo econômico inaugurado na China nos anos 70 estava fortemente atrelado ao comércio internacional, as exportações foram estimuladas como forma de angariar novos recursos monetários e, com isso, garantir uma saúde financeira para financiar as políticas estratégicas do país nas próximas décadas, garantindo condições para melhorar as condições de vida da população e contribuir para o desenvolvimento econômico chinês.

Somente como critério de comparação, no começo dos anos 80, as exportações chinesas eram de US$ 22 bilhões, enquanto as brasileiras eram de US$ 24 bilhões e as coreanas eram de US$ 20 bilhões, em 2010 as exportações brasileiras foram de US$ 250 bilhões, as coreanas de US$ 350 bilhões e as chinesas ultrapassaram os US$ 1,2 trilhão, com estes dados podemos compreender que o paradigma adotado pelo país asiático estava fortemente atrelado ao comércio internacional.

O Estado chinês contribuiu decisivamente para este crescimento das exportações, adotando políticas que contribuíram para a atração de milhares de empresas transnacionais com a criação das Zonas Especiais de Exportação (ZEEs), espaço caracterizado por inúmeros incentivos tributários, financeiros e logísticos para as empresas se instalar, gerar empregos e exportar seus produtos, aumentando a participação das empresas no comércio internacional.

Os investimentos chineses em ciência e tecnologia cresceram de forma acelerada, os produtos oriundos da China ganharam envergadura e conseguiram aumentar o valor agregado de forma crescente, garantindo novos mercados e retornos de escalas consideráveis e impressionantes, transformando o país em um dos líderes no registro de patentes de novos produtos, mercadorias e serviços.

A formação de quadros para a nova estratégia chinesa foi construída no começo dos anos 80, quando o país estimulou e financiou a saída de jovens estudantes para cursos de graduação e de pós-graduação no exterior, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, com o compromisso de se capacitarem para gerenciar as empresas estatais do país, com isso, um grande contingente populacional de pesquisadores altamente qualificados foram absorvidos pelo mercado de ciência e tecnologia, contribuindo para uma nova estrutura produtiva e avanços consideráveis em várias áreas do conhecimento científico, desde a medicina e outras áreas de saúde, a gestão, as engenharias, a física e a biologia.

Empresas de alta tecnologia foram fortemente estimuladas, políticas sólidas garantiram novos investimentos do Estado e de empresas privadas, tudo isso fez da China um dos países que mais ganha espaço neste mercado crescente de tecnologias, inovação e produtos integrados ao setor industrial, a chamada Indústria 4.0, que tende a moldar e a influenciar o novo cenário competitivo internacional.

Outra política adotada pelo governo chinês foi a exigência de uma parceria com empresas locais, ou seja, todas as empresas internacionais que se interessassem em produzir do território chinês, deveriam se associar com uma empresa local, esta associação teria duração de 20 ou 30 anos, e garantiria livre acesso ao mercado e ao consumidor chinês e, ao mesmo tempo, obrigaria a empresa transnacional a transferir tecnologias para a parceira local, auxiliando-a na melhora de seus produtos, dentre as empresas que tiveram que se associar a uma parceira local destacamos a brasileira Embraer, que para ser aceita no mercado teve que se associar com a estatal de aviação Avic 2, mas são inúmeros os casos de empresas transnacionais que aceitaram esta associação.

O governo chinês se utilizou de uma política de câmbio desvalorizado para incrementar suas exportações, esta atuação exigia uma forte intervenção no mercado de câmbio, gerando forte descontentamento dos competidores e dos parceiros comerciais mas, mesmo assim, os governantes do país se utilizaram deste expediente para fomentar os ganhos dos exportadores, aumentar a participação do país no comércio internacional, garantiu uma grande quantidade de dólares para alavancar a economia e melhorar os indicadores sociais, legitimando a estratégia construída pelo governo, estima-se que o governo da China possua investido em bancos estrangeiros um montante de US$ 3,9 trilhões, recursos estes fundamentais para consolidar as estratégias construídas pela China para o século XXI.

O governo chinês está fortemente atrelado ao Partido Comunista Chinês (PCC), que controla toda a estrutura social, cabe ao partido definir as políticas, as diretrizes e as estratégias que serão adotadas, destacando que o PCC controla a sociedade com força e autoritarismo, reprimindo e censurando todos aqueles que se manifestarem contrariamente as suas políticas e levando pessoas e grupos dissidentes à morte, um regime fechado, autoritário, violento e fortemente repressor.

O poder centralizado nas mãos do Partido Comunista Chinês é um dos grandes diferenciais da China, as mudanças feitas no país, num período curto, só foram possíveis graças ao forte poder do Partido, em regimes democráticos estas mudanças para serem feitas demorariam muitos anos, talvez décadas e a resistência da sociedade civil organizada seria muito grande e os entraves levantados seriam enormes.

O modelo foi exitoso em garantir um forte crescimento econômico para a economia chinesa, no período 1949/1980 o crescimento anual foi de 4,9%, no período 1980/2010 este crescimento foi quase o dobro, alcançando mais de 9,5%, levando o produto interno bruto (PIB) do país a dar saltos e levar a economia chinesa ao posto de segunda maior economia do mundo, atrás apenas da economia norte-americana e, para muitos analistas internacionais, até 2030 os Estados Unidos serão ultrapassados pelos asiáticos no posto de maior economia mundial.

A ascensão chinesa gerou uma imensa transformação na estrutura produtiva global, a entrada da China no mercado atraiu milhares de empresas transnacionais para o mercado asiático, muitas delas para a própria China, gerando mais empregos e melhorando a renda agregada do país, contribuindo para a transformação das cidades que passaram a atrair novos contingentes de mão de obra, chineses que sempre viveram no meio rural foram para as cidades e transformaram as cidades do país nas maiores metrópoles internacionais, criando novos desafios e oportunidades para os trabalhadores, uma excelente notícia para um país que precisa gerar milhões de empregos anualmente para evitar uma forte degradação social.

Com a chegada das empresas transnacionais, seus países de origem foram vitimados por um aumento no desemprego e uma forte redução na renda, gerando uma degradação no trabalho e um incremento na pobreza e na marginalidade, transformando cidades antes estáveis e bem organizadas em antros marcados por violência e degradação social, onde os investimentos do Estados passaram a ser mais necessários e urgentes.

Melhorias em um lado e degradação em outro, a ascensão da China e de outros países asiáticos, levou a economia internacional a uma nova configuração de poder, as classes médias ocidentais perceberam uma forte degradação em seus empregos e uma redução considerável em sua renda agregada, criando um grupo conhecido como precariado, que se espalha por todas as regiões do mundo e mostram uma nova cara do emprego e das relações sociais em curso na sociedade global.

A ascensão chinesa culminou no fortalecimento das empresas que passaram a dominar inúmeros setores, se antes o país era conhecido como um país produtor de produtos de baixo valor agregado, atualmente a China possui empresas com grande potencial produtivo em vários setores, destacamos a Alibaba, Lenovo e Tencent, empresas que atuam em um setor altamente competitivo e concorrencial, competindo com gigantes norte-americanas e europeias. No setor automobilístico destacamos a ascensão da Chery e da JAC, empresas que vem ganhando espaço e atraindo os melhores projetistas e engenheiros para seus quadros, vislumbrando novas oportunidades para o século XXI.

A China promoveu grandes avanços na sociedade, mais de 500 milhões de pessoas saíram do meio rural e foram transferidos para as cidades, criando grandes polos urbanos e modernas metrópoles, garantindo uma melhora considerável na vida destas pessoas, nas condições de higiene pessoal, na alimentação, na segurança e no conhecimento, elevando as expectativas de vida da população.

A crise de 2008 gerou novas preocupações para a sociedade chinesa, o incremento do nacionalismo e do xenofobismo, além de uma redução generalizada do comércio internacional, levou o país a repensar seu modelo de desenvolvimento, permanecer dependente das políticas anteriores, centradas no setor exportador se mostraram insuficientes para alavancar o crescimento do país, com isso, um novo modelo surge e passa a ser desenvolvido pelo Partido Comunista, este novo paradigma está centrado no mercado interno e na melhoria das condições de vida do trabalhador chinês, com melhorias sociais, previdência social e políticas públicas.

A adoção deste novo modelo econômico é marcada por inúmeros desafios e oportunidades, mais poder de compra e recursos monetários nas mãos da população pode levar o cidadão a demandas novas e crescentes, dentre estas demandas, os chineses podem demandar mais liberdade e mais benefícios que podem culminar em exigências democráticas, incompatíveis a um regime autoritário e fortemente centralizado.

A adoção de um novo modelo econômico está envolto em inúmeros desafios políticos e econômicos, de um lado o Partido Comunista busca uma forma de criar um novo catalisador para o crescimento do país, diminuindo a dependência do setor externo, que com a crise imobiliária norte-americana se mostrou instável e pouco confiável. Os riscos do novo modelo são muito mais políticos do que econômico, isto porque uma população mais rica e com renda em ascensão, com mais acesso aos mercados globais, ao turismo internacional e aos prazeres do capitalismo, pode demandar muito mais do que produtos e mercadorias, pode demandar mais liberdade, mais transparência e menos censura, gerando constrangimentos futuros para os donos do poder no país asiático.

A dependência do setor exportador se mostrou uma estratégia muito exitosa, num determinado momento garantiu grande crescimento econômico e uma melhoria considerável da economia do país, elevando-o a uma categoria de destaque na sociedade global, de uma economia média a um player de destaque no mundo contemporâneo, o novo modelo tem este desafio, aprofundar os ganhos chineses, melhorar os indicadores sociais e transformar o país na economia hegemônica do século XXI, os desafios são imensos mas se analisarmos historicamente tudo que foi feito no país nos últimos quarenta anos, poucos analistas internacionais duvidam do potencial e da capacidade empreendedora e criativa da população chinesa.

Outro ponto importante a se destacar é que, depois de ganhar mercados na economia internacional e elevar sua participação nas exportações globais, a China angariou aliados e inúmeros adversários e concorrentes, dentre eles destacamos os Estados Unidos, que sob o governo Donald Trump decretou uma verdadeira guerra comercial com o país asiático, onde os lados estão defendendo políticas e pensamentos diferentes, um mais nacionalista e protecionista, e outro mais internacionalista e concorrencial, sendo que os norte-americanos responsáveis por este modelo construído no pós segunda guerra, que pregava a competição e a integração entre as economias, hoje se coloca como nacionalista e fortemente protecionista, são os novos ventos da economia internacional, a China está realmente transformando as estruturas da economia mundial e gerando uma reconfiguração dos espaços de poder político e institucional.

Os impactos desta guerra comercial deverão ser sentidos em todas as regiões do mundo, o cerne desta discórdia entre norte-americanos e chineses é o crescente déficit comercial que o primeiro tem com o país asiático, apenas em 2017, os Estados Unidos exportaram US$ 130 bilhões para a China e importaram US$ 520 bilhões, acumulando um déficit comercial de quase US$ 400 bilhões que, segundo o presidente Donald Trump está relacionado as políticas adotadas pela China, que distorcem as relações comerciais entre os países e geram fortes perdas econômicas para os norte-americanos e como seu lema é “A América Primeiro”, a guerra comercial é a única forma de reverter esta situação e gerar perdas aos chineses.

Um outro ponto de grande preocupação dos analistas internacionais é com o setor bancário e financeiro chinês, o país possui uma dívida acumulada de trilhões de dólares que podem gerar graves constrangimentos no país nos próximos anos, bancos estatais mal administrados podem elevar as dívidas para patamares de insustentabilidade, levando o país a uma crise forte e graves impactos sobre a economia internacional.

O paradigma chinês não se baseia no pensamento liberal como querem os defensores desta ideologia e também não se caracteriza como uma estratégia socialista ou comunista, o modelo criado no país asiático é um grande híbrido que associa uma forte intervenção do Estado na sociedade e um estimulo brutal a concorrência e a competição, o modelo dominante e exitoso no século XXI não pode se basear apenas em ideologias que restringem e limitam a análise e as políticas a serem implementadas, faz-se fundamental a agilidade e a rapidez na adoção de políticas concatenadas e compartilhadas entre Estado e Mercado, como forma de garantir um novo espaço de construção econômica e produtiva para os países num ambiente de grande concorrência e busca por ganhos de competitividade mas com melhorias sociais e novas perspectivas para a comunidade.