Tanto Haddad quanto Bolsonaro vão levar país para o brejo, diz José Padilha

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 José Padilha – Folha de São Paulo, Caderno Ilustríssima, 30/09/2018

[RESUMO] Diretor de “Tropa de Elite” e “O Mecanismo” rejeita os candidatos do PSL e do PT e afirma ver ambos, que têm chances de disputar o segundo turno, como expoentes de extremos políticos capazes de levar o Brasil ‘para o brejo’

Muito provavelmente as próximas eleições presidenciais brasileiras serão decididas no segundo turno, em uma disputa entre Jair Bolsonaro (PSL), um candidato da extrema direita, e Fernando Haddad, um candidato do PT e da extrema esquerda.

Bolsonaro baseia a sua campanha nas mesmas ideias tacanhas que balizaram toda a sua carreira política e em uma suposta guinada intelectual na área econômica. Ao se associar ao professor Paulo Guedes, doutor pela Universidade de Chicago, Bolsonaro tenta se apresentar como paladino do liberalismo, de uma linha de pensadores que vai de Adam Smith a Ludwig von Mises e Friedrich Hayek.

De minha parte, nada tenho contra a aplicação de parte das ideias destes pensadores à economia brasileira. Acho que o Brasil precisa reduzir o tamanho do Estado, que é caro, ineficiente e corrupto. Acho isto apesar de não comprar totalmente as teses do liberalismo austríaco. Todavia, não consigo acreditar que Bolsonaro vá aplicar as teses de Paulo Guedes à economia brasileira, mesmo que tenha maioria parlamentar para isso.

Bolsonaro, como quase todos os militares e como a esquerda brasileira, sempre defendeu políticas desenvolvimentistas estatizantes, semelhantes às dos militares e às de Dilma Rousseff e diametralmente oposta às ideias liberais. Políticas estas que nunca funcionaram no longo prazo e que jogam o país em recorrentes crises econômicas, mantendo seu índice de crescimento muito abaixo do que poderia ser.

Pior ainda, o conservadorismo de Bolsonaro com relação ao comportamento humano invade liberdades e direitos individuais básicos, tais como a prerrogativa de cada pessoa em decidir como lidar com seu próprio corpo tanto no caso das opções sexuais quanto do aborto. Além disso, Bolsonaro não reconhece, como fazem os liberais, que os indivíduos precisam ter garantias constitucionais que os defendam de possíveis violências do aparato repressivo do Estado.

Duas frases resumem claramente as posições de Bolsonaro: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”; e “Eu seria incapaz de amar um filho homossexual; prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. Estas declarações mostram que Bolsonaro acredita que o Estado deve ter poder sobre as escolhas básicas e sobre o corpo dos cidadãos. O candidato do PSL é, portanto, para usar uma expressão comumente aplicada a Donald Trump, eticamente “unfit for office.”

Haddad, por sua vez, representa o PT, um partido que traiu os cidadãos brasileiros de forma vergonhosa. Lula, José Dirceu, Antonio Palocci, Dilma Rousseff e companhia mentiram descaradamente ao povo brasileiro, apresentando-se como paladinos e guardiões da ética e da moral, enquanto se associavam ao PMDB e às elites empresariais monopolistas do país —em particular aos grandes bancos comerciais e às grandes empreiteiras— e montavam um projeto de poder que não só reproduziu o mecanismo de corrupção e de expropriação dos cidadãos pela classe política que existia antes da sua chegada ao poder, como também fortaleceu esse mecanismo, aumentando-o em escala.

Não é à toa, portanto, que ao final do quarto governo da dupla PT/PMDB o país esteja falido, e a renda per capita tenha regredido a níveis anteriores aos do primeiro mandato de Lula. No frigir dos ovos, o PT atrasou o desenvolvimento do Brasil por 12 anos.

Além disso, o partido de Haddad tem posições a respeito da liberdade individual quase tão retrógradas quanto as de Bolsonaro. Disse Lula sobre Fidel Castro, ditador cubano que executou milhares de inocentes para chegar ao poder e que governou Cuba por mais de 40 anos sem realizar uma única eleição: “Para os povos de nosso continente e os trabalhadores dos países mais pobres, especialmente para os homens e mulheres de minha geração, Fidel foi sempre uma voz de luta e esperança”.

Lula disse isso sabendo que o governo de Fidel Castro perseguiu homossexuais —exatamente como Bolsonaro promete que vai perseguir no Brasil. Além disso, são recorrentes os elogios do líder petista aos venezuelanos Hugo Chávez e Nicolás Maduro.

O PT não apenas abriu as portas dos esquemas de corrupção da Odebrecht para ajudar que eles se perpetuassem no poder, mas também o próprio Lula gravou mensagens de apoio a Maduro, recentemente denunciado na ONU por prender, torturar e matar oposicionistas e jornalistas. Está claro, portanto, que, por representar Lula, Haddad também é “unfit for office”.

Sobre Haddad, além disso, pesam ainda acusações diretas de corrupção e de envolvimento no mecanismo que PT e PMDB operaram por 12 anos. Existem até suspeitas de que Haddad estaria usando, ainda hoje, caixa dois do Petrolão. (Antonio Palocci afirmou à PF, segundo fontes da corporação, que os US$ 15 milhões apreendidos com a comitiva de Teodorin Obiang, filho do ditador da Guiné Equatorial, provavelmente tinham como destino o caixa dois petista.)

A esta altura, você deve estar se perguntando se eu estou sugerindo que o Brasil vai para o brejo. A resposta é: sim, é exatamente isto que estou sugerindo. Um dos dois candidatos acima descritos, ambos eticamente inviáveis, será eleito. E isto equivale a jogar o país nas trevas.

Além disso, mesmo que se tornem santos de um dia para o outro, nenhum dos dois conseguirá maioria para governar. (O que pode até ser uma boa notícia.) Se Haddad for eleito, seu governo vai ter que trabalhar, necessariamente, para obstruir a Justiça, revogar a prisão em segunda instância, manter o foro privilegiado e dar cargos a políticos corruptos.

Isto posto, me parece que restam ao Brasil duas tarefas hercúleas: (1) sobreviver aos próximos quatro anos, não sei como, sem descambar para uma situação social e econômica catastrófica como a da Venezuela, e (2) aprender com os erros do passado para não repetí-los no futuro.

Que erros foram esses? Ao meu ver, essencialmente um: face às revelações da Lava Jato, as forças políticas e os formadores de opinião do país colocaram as suas preferências ideológicas à frente da ética.

A direita apostou em um procedimento de impeachment claramente ilegal e arbitrário, pensando que, com Michel Temer no poder —apesar do seu notório envolvimento com a corrupção sistêmica— poderia defender seus interesses econômicos. E a esquerda, por motivos políticos, tentou fingir que Lula, Dirceu e Palocci não eram tão gângsteres quanto Aécio, Sérgio Cabral e Eduardo Cunha.

Ao tomarem estas posições, tanto as forças da direita quanto as da esquerda colocaram em xeque a Lava Jato, dando margem para que as duas mais importantes cortes do país, o TSE e o STF (que não me surpreenderiam se tivessem membros ligados a esquemas de corrupção, tais como a venda de sentenças), manobrassem para sabotar diversas linhas de investigação da operação que comprometeriam ainda mais políticos do PT, do PSDB e do PMDB, a eles mesmos, além dos grandes bancos comerciais.

Como consequência direta disto, o STF aprovou um impeachment absurdo, e o TSE absolveu a chapa de Dilma e Temer, apesar de esta ter sido comprovadamente eleita com um volume gigantesco de propina. Ambos deveriam ter sido cassados. Foram estes dois acontecimentos históricos que, em ultima análise, viabilizaram as candidaturas de dois políticos claramente comprometidos pela Lava Jato, tais como Haddad e Alckmin, e que deram asas à candidatura de Bolsonaro.

Isto me leva ao tema deste artigo. A história da humanidade demonstra claramente que o primeiro passo na direção da servidão é a opção pela relativização da ética em prol da ideologia. Mao, Hitler, Stálin, Fidel, Franco e vários outros ditadores que cometeram massacres chegaram ao poder porque, em algum momento da história de seus países, parte dos formadores de opinião os apoiou por questões ideológicas —apesar de saberem de seus desvios éticos.

Dois amigos meus, em particular, cometeram este erro crasso. Eu não tenho bola de cristal, mas acho que, se a ética não sobrepujar a ideologia no curto prazo, o Brasil caminha para uma tragédia sem tamanho.

José Padilha é roteirista e diretor de cinema.

 

Democracia é lidar com o embate entre opostos e acomodá-los, diz Luiz Guilherme Schymura

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Para economista, não apenas a campanha, mas a gestão do eleito será marcada por crescente cobrança de diferentes grupos sociais

Alexa Salomão

Para o economista Luiz Guilherme Schymura, o próximo presidente não pode subestimar opositores. Precisa ter consciência de que, mesmo cacifado pelas urnas, vai enfrentar duras resistências de congressistas e da própria população para impor os ajustes que o país precisa.

“Ajuste fiscal é escolha de perdedor. No começo, ninguém ganha. Então, as pessoas se armam para vetar”, diz Schymura. E dá exemplo.

“Olhe o Mauricio Macri na Argentina. Entrou no governo com popularidade e não consegue fazer o ajuste fiscal que o país precisa. Não deixam.”

Ele também já não está tão certo de que a reforma da Previdência sai na largada do próximo governo: “O sentido de urgência passou”, diz.

 

Quais serão os desafios do próximo presidente na área econômica?

O novo presidente, seja quem for, vai ter enorme dificuldade para apresentar a sua pauta de prioridades ao Congresso. Lá já tem uma fila de temas prioritários. Quatro se destacam.

Vai ter de discutir a nova regra de reajuste do salário mínimo. Vai ter de ver o que faz com o salário do funcionalismo público –ver o que pode dar, porque se não der nada já entra com as corporações pressionando contra. Vai precisar ver o que faz com o teto de gastos, que não fica em pé, mas precisa ser substituído por alguma coisa que dê âncora fiscal. Se tirar o teto e não colocar algo no lugar, o mercado surta. Outro item sensível é a política de subsídio do diesel. Ela acaba em dezembro. O que faz na sequência?

São brigas complicadas. Não é trivial discutir nada disso. É inexorável a queima de capital político já no começo do mandato.

Mas não é o momento certo para enfrentar todas as brigas, uma vez que esse presidente vai estar em início de mandato, cacifado pelas urnas?

Mas será que essas são as prioridades dele? Ele quer se desgastar com esses temas? Não vamos esquecer que o novo presidente vai precisar atender a expectativa dos eleitores. A população não vota em presidente para ele só trazer maldade. O ajuste fiscal, que é o maior desafio hoje de qualquer governante brasileiro, só traz notícia ruim. Mas a população vai esperar boas notícias também. Dizer que a reforma da Previdência, por mais importante que ela seja, vai melhorar a vida da população não cola. Ele vai ter de apresentar outras agendas junto, como melhorar o emprego.

Todos os economistas dizem que a reforma é prioridade e melhora para todos.

As mudanças não se dão como economistas e técnicos desejam, rapidamente. Eu escrevi artigos e dei consultoria propondo novos modelos previdenciários no início da década de 1990. Há 20 anos. Num dado momento, me dei conta que já estava acontecendo uma reforma da Previdência, mas no sentido contrário ao que eu propunha –estava em curso uma que dava mais direitos via aumento do salário mínimo. A reforma foi sendo empurrada. Ela já deveria ter sido feita. Vamos sofrer por retardá-la.

O governo e dezenas de técnicos passaram um ano explicando que a Previdência é um problema para o caixa público, que a conta não fecha. Não ficou claro que ela é prioridade?

O problema em relação à reforma da Previdência não é técnico. Não falta economista para fazer conta e mostrar o problema. A equipe econômica que está aí é excepcional e mostrou isso. O problema é político.

Temos uma sociedade com distribuição de renda horrível e extremamente patrimonialista. Ninguém abre mão de nada. Quanto mais você explica o problema fiscal mais os grupos de pressão se armam para vetar qualquer possibilidade de participação deles no ajuste. Há concordância da necessidade, mas nenhum consenso quanto à forma de fazer. Construir e coordenar com o Congresso um ajuste da dimensão que a gente precisa é um imenso desafio.

As equipes dos presidenciáveis que estão liderando as pesquisas estão preparadas para isso?

Jamais é fácil negociar com o Congresso. Ainda mais no que vem pela frente. Nunca na história desse país –parafraseando o grande líder [risos]– um ministro da Fazenda entrou com tudo travado. Para fazer qualquer gasto adicional, vai ter de ir ao Congresso negociar. E vai precisar compor com o Congresso sem desagradar a população –o que é cada vez mais difícil.

Por que mais difícil?

Vou dar um exemplo. A greve dos caminhoneiros. Essa greve tem um dado novo. Toda vez que uma classe entra em greve, num primeiro momento, cria-se uma expectativa de lado a lado, porque se inicia uma barganha. Um lado pede 100 o outro quer dar zero. A barganha conduz ao meio termo e a greve acaba bem para ambos os lados. Mas nos caminhoneiros isso se complicou porque a população tomou partido. A população mostrou a sua insatisfação junto. Ali a gente viu o que acontece quando o presidente tem popularidade baixa.

A política de reajuste dos combustíveis pelo preço internacional foi um dos pilares da gestão Temer. E ele sacrificou essa política para atender os caminhoneiros porque a população escolheu lado. É preciso entender que esse nosso patrimonialismo, com essa distribuição horrorosa de renda, no mundo contemporâneo, é uma associação explosiva. Os interesses se chocam. Gera atrito.

Temer foi vítima disso?

Temer foi e todos os presidentes serão. Meu colegas costumam acreditar que as soluções na área econômica são técnicas. Não funciona assim. Ouvi muitos colegas dizerem quando Dilma saiu que o problema na economia estava resolvido. Mas eu bati na tecla. Dilma não foi brilhante na economia, mas não foi ela que nos tornou o país vagabundo em termos de condução da economia. Esse problema é histórico. Ela falhou na condução da política.

Quando Temer entrou, meus colegas economistas falaram: agora está tudo resolvido. Eu argumentei que não era bem assim. E não foi. Depois que não deu certo, Temer virou o diabo. Não é culpa de Temer também. O fato é que não existe milagre. Não existe salvador da pátria imune a pressões e cobranças da sociedade.

O candidato Jair Bolsonaro, o líder nas pesquisas, é chamado de mito por seus eleitores. Como o sr. acha que ele vai se sair se ganhar a eleição?

Bolsonaro tem essa aura de salvador, mas por questões subjetivas. Defende segurança, fala contra a corrupção. Eu vou ler uma coisa para explicar o que é isso [pega o celular].

Estou em dois grupos de economistas no WhatsApp. Essa mensagem foi enviada pelos dois grupos. A intersecção entre os grupos é vazia. Os integrantes não se conhecem. Um só tem bolsonarista. O outro é misto. Mas em ambos só tem PhD e ambos enviaram essa mensagem, essa espécie de fábula pós-posse de Bolsonaro. Diz assim:

‘Acabo de chegar do futuro para contar a vocês que a posse do Bolsonaro foi pura emoção. Estou vindo de julho de 2019 e o país já é outro. Gleise e Haddad foram presos e o PT fechou as portas. Lula foi condenado mais duas vezes. O MST se desbaratou e Stédile fugiu para o Uruguai. Boulos foi preso mais uma vez e parece que desta vez o bicho pegou. A economia deu um salto. O desemprego caiu. O estatuto do desarmamento foi revisto e a bandidagem parou de assaltar abertamente com medo de ser alvejada pela população. Não entram mais na casa de ninguém. Gilmar Mendes foi expulso do STF e Toffoli renunciou por denúncia de corrupção. Com a vacância dos dois, o presidente Bolsonaro nomeou para os cargos de ministros do Supremo Sérgio Moro e Marcelo Bretas. Aliás, a Lava Jato se tornou uma operação de elite permanente. Outra coisa, aluno agora que maltrata professor é expulso e fichado na polícia. A maioridade penal foi votada ontem e agora é de 15 anos. Bolsonaro é ovacionado aonde vai, seja no Brasil ou no exterior. É isso pessoal. Tenham fé. O Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.’

O que chama a atenção aqui? Alguém detalhou medidas econômicas? Falam que foi feita a reforma da Previdência, a reforma de não sei de quê? Não. Nada.

São economistas com PhD esperando que se resolva a segurança, que se respeite autoridade do professor. Se fosse um grupo de médicos ou de policiais, eu poderia entender. Mas nem economista com PhD vê Bolsonaro sendo ovacionado porque fez reforma da Previdência. O que vamos esperar? Todas as pessoas no fundo imaginam que é mais fácil do que realmente é.

O sr. está querendo dizer que a reforma da Previdência corre o risco de ser postergada outra vez?

Estou dizendo que há consenso sobre a necessidade dela, mas que o sentido de urgência passou. É difícil você convencer essa figura etérea que chamamos de sociedade de que a reforma da Previdência é urgente se o país voltou a crescer, se a inflação e o juros estão baixos, e o desemprego está alto.

Como vou dizer para quem não tem emprego que ele vai ter de trabalhar mais 10 anos para se aposentar? O cara já não tem trabalho. Dou título de doutorado para quem fizer, de forma clara, a relação entre o desemprego e o problema fiscal do Brasil para gente convencer as pessoas de que vão sair ganhando se o país fizer a reforma da Previdência. Ajuste fiscal é escolha de perdedor. No começo, ninguém ganha. Então, as pessoas se armam para vetar.

Olhe o Mauricio Macri na Argentina. Entrou no governo com popularidade e não consegue fazer o ajuste fiscal que o país precisa. A inflação da Argentina caminha para 40%, a moeda se desvaloriza, mas ainda assim não deixam ele fazer o ajuste.

Existe um grupo defendendo que, se o presidente eleito concordar, se aprove a reforma da Previdência após a eleição e antes da posse. É viável?

Não há a menor possibilidade, mas vamos supor que desse. Primeiro, teria de negociar com o Temer. O que ele vai pedir em troca? Pode ser um pato manco, mas a caneta está com ele. Vai ter de negociar com os antigos congressistas. Como é o approach com eles? Percebe a dificuldade? É impensável, mas as pessoas podem acreditar no que quiserem. Eu não consigo criar esse cenário.

A marca da eleição é a polarização nos extremos que tem sido considerada nociva. Qual a sua opinião?

Como pai de um jovem estudante de engenharia de 19 anos e de uma estudante de medicina de 22, eu me preocupo com o futuro, com o país que estamos deixando para as próximas gerações. Mas como intelectual, eu considero fabuloso. Democracia é isso: lidar com riscos, com o embate entre opostos e saber acomodá-los.

Alguns defendem que o avanço de um candidato de centro teria sido mais saudável.

Compor é uma segunda etapa. Por experiência, a gente sabe que quem ganha a eleição não entra no governo chutando o balde. Tenta compor. Veja o PT. Já lança nomes de economistas de direita para ocupar a Fazenda. Nem sei se vão ocupar. Mas mostram que, no PT, economistas mais liberais não são leprosos.

Circulou a informação que um dos nomes ventilados é o seu. O sr. foi sondado?

Não. Não teve isso.

O sr. conhece o Haddad?

Nunca estive com ele.

De onde o sr. acredita que saiu essa informação, então?

Não faço a menor ideia. Deve ser porque a gente recebe todas as pessoas aqui no Ibre. Estivemos com todo mundo. Paulo Guedes [economista da campanha de Bolsonaro], Pérsio Arida [de Geraldo Alckmin], Mauro Benevides [de Ciro Gomes]. Nelson Barbosa [ex-ministro da Fazenda de Dilma] trabalha aqui com a gente. Mas este é o momento do balão de ensaio. Eles ainda têm uma eleição para ganhar. Os nomes de verdade vão vir depois.

 

Luiz Guilherme Schymura, 57 Diretor do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), cursou Engenharia Elétrica e de Sistemas na PUC-Rio, doutorado em Economia na FGV e pós-doutorado em Economia na The Wharton School da Universidade da Pensilvânia (EUA). De 2002 a 2004, presidiu a Anatel, agência do setor de telecomunicações

 

Patologias Sociais e doenças da alma

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Vivemos em uma sociedade marcada por grandes dores e desesperanças, os indivíduos se perdem nas atividades cotidianas e se esquecem de investimentos mais simples e mais nobres, investimentos nas famílias e nos círculos de amizades mais sinceras, as famílias se encontram em transformações intensas, obrigando os indivíduos a uma busca incessante de algo desconhecido, para isso somos torpedeados por informações, dados e cobranças, na maioria das vezes desnecessárias e pouco construtivas, somos uma sociedade a beira de um grande ataque de nervos.

As atividades profissionais absorvem a maior parte das energias dos trabalhadores, o trabalho do século XXI nos impõem uma constante atualização, somos obrigados a nos qualificarmos cada vez mais, inglês, informática, mandarim, atividades físicas, ioga, cursos e mais cursos nos são oferecidos para que tenhamos o equilíbrio necessário para suportar as dificuldades e as dores do mundo, uma sociedade marcada por um novo iluminismo, onde todos competem com todos, onde os antigos amigos brigam por uma mesma vaga no mercado de trabalho, onde irmãos se digladiam em busca de uma melhor colocação na sociedade e no coração de seus pais, uma sociedade que compete constantemente em busca de um prazer material que logo quando é atingido se mostra ineficiente e limitado, gerando medos, dores e desesperanças.

Somos bombardeados pelas informações trazidas pela televisão, pela internet e pelas mídias sociais, dados, imagens, fotos, comportamentos, curiosidades circulam na sociedade e entram em nossas casas e, mais do que isso, tomam um espaço gigantesco em nossas vidas, muitas vezes nos norteando no cotidiano, somos robotizados para vivermos em um ambiente concorrencial cheio de atividades e cobranças e, automaticamente, compelidos a comportamentos, atitudes e gostos variados criados pelo marketing agressivo que nos leva a comprar mercadorias que pouca efetividade terá em nossas vidas, compramos por impulso e não por necessidade.

Os relacionamentos são marcados pelo interesse imediato e por uma filosofia hedonista, os sentimentos mais sinceros e profundos são deixados de lado, amores mais intensos duram poucos dias e são substituídos por outros rapidamente, as paixões duram instantes e as buscas por novas aventuras e prazeres são cada vez maiores, obrigando as pessoas a investir mais e mais em beleza, em forma física e em elegância, o culto ao corpo se transforma em um grande mantra, não apenas pela saúde física, mas pela presença e pelo impacto da aparência, surge daí uma nova forma de ditadura, a ditadura da beleza, obrigando todos os indivíduos a viver fazendo dietas e cultuando o mundo fitness, muita aparência e pouca essência. Se o indivíduo não atingir este padrão de beleza sofre constrangimentos variados, as operações plásticas crescem de forma aceleradas e a busca pela beleza leva pessoas a recorrer a drogas e comprimidos de emagrecimento, uma busca doentia por um corpo perfeito leva inúmeras pessoas a insanidade, aumentando a ansiedade, a depressão e os complexos.

Observando as mudanças geradas no comportamento humano, percebemos que as pessoas estão, em todas as partes do mundo, assistindo aos mesmos programas, as mesmas séries, os comportamentos e os hábitos são parecidos, em todas as regiões, desde o sudeste asiático até as favelas fluminenses, encontramos pessoas vestindo as mesmas roupas e cultivando hábitos parecidos, uma mostra do poder do marketing global que vende, em todas as regiões do mundo, os mesmos produtos e criando uma cultura global dominante, centrado no poder e na força econômica de grupos altamente poderosos financeira e politicamente, as grandes transnacionais.

As redes sociais tem um papel central neste novo momento de sociedade internacional, ela aproxima as pessoas no mundo virtual e as afasta fisicamente, estamos conectados com “amigos” instantaneamente, conversamos via Skype e nos falamos via Messenger ou whatsApp, estamos próximos mas ao mesmo tempo muito distantes, mais um paradoxo do capitalismo contemporâneo. Como nos diz Zygmunt Baumann, um adolescente disse possuir mais de 2 mil amigos enquanto ele, Baumann, depois de mais de 90 anos de vida, acredita que tem, no máximo uma dezena, neste depoimento percebemos que, para o adolescente, o conceito de amigos é diferente do conceito defendido pelo sociólogo polonês.

O mundo corporativo nos mostra como a competição entre os agentes econômicos é cada vez mais intensa, as organizações se reinventam todos os dias, a concorrência atual obriga as empresas e os funcionários a investirem mais e mais em novas tecnologias, novos cursos e treinamentos, novos produtos e mercadorias surgem e nos obrigam a compreender seu funcionamento sob pena de sermos devorados por este novo produto, a rapidez das novas tecnologias contrasta com a capacidade de reação do organismo humano, gerando mais insatisfação, mais medos e mais instabilidades.

O mundo do trabalho é um grande desafio, os antigos trabalhadores funcionam ainda no modo analógico e precisam pensar no modo digital, os trabalhadores vivem uma das mais severas crises de identidade, o estudo e o diploma profissional que anteriormente era sinônimo de bons empregos e salários empolgantes, na atualidade não mais garante empregos interessantes, muitas vezes servem apenas como um pré-requisito para entrar no mercado de trabalho, além da formação fazem-se necessários mais e mais diplomas e cursos para sobreviver no mercado contemporâneo, mesmo assim, se a economia não crescer e os investimentos não aumentarem, os empregos não mais serão produzidos.

A quantidade de depressivos e ansiosos aumenta em escala exponencial, somente de depressivos encontramos mais de 350 milhões de pessoas no mundo, os ansiosos são em números maiores e atingem a grande maioria dos lares mundiais, os investimentos em pesquisas farmacêuticas e terapias para reduzir este números de patologias crescem de forma acelerada e os resultados imediatos são contestados pelos especialista e pelas autoridades, vivemos num mundo onde as crises são geradas dentro do sistema, o problema é muito maior do que algumas pessoas imaginam, o problema é estrutural e sua superação só será possível quando empreendermos um esforço coletivo envolvendo todos os países, líderes e instituições.

A competição exacerbada entre empresas e governo aumentou a competição entre os seres humanos, os trabalhadores enquanto produtores estão sendo ameaçados por esta competição insana, a adaptação aos desígnios do capital e do lucro exige que as ferramentas da ética e da moral sejam abandonadas e colocadas de lado, é como se tivéssemos duas éticas convivendo lado a lado, são conceitos frágeis que, num futuro próximo, devem aumentar a degradação da sociedade, aumentando os medos e as desesperanças, culminado em xenofobia e extremismos variados que estão se espalhando por todas as partes do mundo, desde os países pobres e subdesenvolvidos até as nações mais ricas e consideradas desenvolvidas.

As pessoas estão assustadas com tantas cobranças, metas e produtividade, as empresas exigem uma performance melhor de seus funcionários e, na maioria das vezes, poucos retornos dão a estes “colaboradores”, as cobranças crescem e os salários diminuem, de um lado percebemos o crescimento dos consultórios de terapias, as pessoas, perdidas como estão, buscam em psicólogos e terapeutas a resposta para suas indagações, se não conseguirem as respostas almejadas partem para terapias alternativas, contratam coachings e, se mesmo assim não conseguirem as respostas partem para as Igrejas evangélicas que crescem de forma acelerada e ganham cada vez mais poderes na política e na economia, isto porque além de inundarem os cargos públicos na últimas eleições, detém grandes somas de recursos financeiros e poderes midiáticos, a religião se transformando, mais uma vez, em um grande negócio.

Neste ambiente os amores estão cada vez mais fragilizados, as mulheres empoderadas buscam uma competição aberta e, muitas vezes, se comportam com uma alta carga de ranço e agressividade, buscam o controle da situação e agem da mesma forma que anteriormente criticava a atuação do homem, criando conflitos e violências constantes, agressões e até crimes, como o chamado feminicídio cresce de forma exponencial, expondo mais uma faceta da crise atual, a intolerância.

O amor romântico perde espaço nesta nova configuração do amor contemporâneo, atitudes vistas anteriormente como carinhosas e românticas, atualmente são criticadas e motivo de escárnio dos grupos sociais, as redes sociais servem para difundir sentimentos duvidosos e mentiras constantes, aparecer para uma sociedade artificial é mais importante do que um autoencontro íntimo e pessoal, mostrar-se por fora é muito mais fácil do que encarar a realidade de se conhecer por dentro.

Os novos modelos de relacionamento contemporâneo estão redefinindo o significado de família, antigamente a família era composta pelos pais e pelos filhos, as famílias eram imensas, muitas vezes com mais de dez filhos por casal, na atualidade encontramos vários tipos diferentes de família, agora bem mais reduzidas, umas compostas por dois homens, por duas mulheres, por mulheres solteiras e independentes, por homens solteiros e independentes, dentre outros modelos, o termo família é algo bastante flexível na contemporaneidade, gerando na cabeça dos filhos e das filhas grandes indagações, medos e preocupações, o modelo tradicional de família encontra-se em clara e nítida extinção ou metamorfose.

A homossexualidade cresce de forma generalizada, homens e mulheres estão se abrindo para novas realidades e experiências, a tecnologia tem um papel central nestas novas mudanças, seu desenvolvimento levou a criação de grupos e comunidades homossexuais, meninos e meninas que desconheciam seus desejos e eram fortemente punidos por uma sociedade castradora e por uma educação  autoritária viu na internet e nas redes sociais novas oportunidades de encontros, conversas e discussões, além de depoimentos e vivências compartilhadas, gerando, com isso, novas formas de maturidade pessoal e institucional.

Vivemos um momento único na sociedade internacional, evoluímos muito nos últimos 30 anos, os avanços muitas vezes são questionados por muitas pessoas, embora estejamos num período difícil e assustador, marcados pelo medo e pela desesperança, sabemos que neste momento precisamos ter maturidade para as discussões, o ser humano deve ser visto muito mais como um agente ativo em seu desenvolvimento do que como um robô, cujos gestos e atitudes são todas previamente acertadas, o ser humano é um agente criador, sua experiência deve ser exaltada e suas habilidades devem ser recompensadas, a era das máquinas está cada dia mais próxima e nós, seres humanos, cada vez menos conhecemos os nossos ideais e objetivos, somos conduzidos pela vida e pelas atividades cotidianas, vivemos enclausurados em um redoma de vidro e nos esquecemos que os maiores prazeres da vida são constituídos em comunidade, servindo, amando e contribuindo para um incremento do amor e da esperança entre os indivíduos, somente assim se constrói uma sociedade sólida e estruturada.

As constantes mudanças estão gerando medos na classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, está assustando os grupos empresariais, que temem não sobreviver neste jogo da competição, se ambos estão assustados e amedrontados, faz-se necessário construirmos pontes entre estes dois grupos sociais, unindo-os em prol de interesses comuns, somente a união e o compartilhamento entre grupos e classes sociais pode interromper as instabilidades e incertezas que dominam a comunidade e impactam sobre todos os indivíduos.

As transformações são intensas e vieram para ficar, um novo iluminismo vai construir novas bases para esta sociedade, o momento é de incertezas e instabilidades, tudo isto é bastante normal, o novo sempre assusta e gera medos generalizados, o importante é que para sermos conhecidos como indivíduos pensantes e criadores precisamos, novamente, ter em mente que uma sociedade melhor só será constituído quando cada pessoa, branco ou preto, rico ou pobre, novo ou velho, oriental ou ocidental, tiverem a consciência de que o mundo novo só vai começar efetivamente quando este novo homem nascer dentro de cada um de nós, não tenhamos medos de nos mostrar como efetivamente somos, pois todos que aqui estão, são seres em evolução e teremos a vida toda para melhorar, basta que comecemos para que nossa caminhada seja mais suave e promissora.

 

 

 

 

 

 

 

 

O som da nova era: O Clarim e seus maestros

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Livro reportagem que conta a história do jornal O Clarim, um empreendimento que comemorou mais de 100 anos e se confunde com a história da cidade de Matão e o Espiritismo brasileiro, leitura de grande relevância.

 

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Democracia e autoritarismo no Brasil contemporâneo  

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A sociedade brasileira está envolta em mais uma campanha presidencial, onde os candidatos fazem as mais mirabolantes promessas para conquistar os corações dos eleitores e garantir adesões que se transformem em votos e chances reais de vitória ou de seguir para o segundo turno, estamos próximo de decisões que podem comprometer nosso futuro imediato ou abrir novos espaços de crescimento e recuperação econômicas, com novos investimentos e políticas sociais ativas e eficientes.

Vivemos uma crise econômica das mais severas e agressivas, depois de um período de forte crescimento econômico, o país voltou a se encontrar com o chamado stop in go, um movimento de crescimento econômico alternado com redução, um verdadeiro sobe e desce que nos assusta e inviabiliza toda e qualquer política mais efetiva de construção de um país moderno, dinâmico e empreendedor, sonho de todos que se locupletam com o trabalho e a meritocracia.

Neste embate eleitoral encontramos os mais variados candidatos, desde os mais ortodoxos religiosos que, mesmo na campanha eleitoral, se retiram do pleito e se refugiam em locais de meditação e reflexões religiosas, até candidatos presos e condenados que insistem em fazer campanha mesmo sabendo que seu nome não mais vai constar nas urnas na data da eleição e, destacamos ainda, os candidatos internados, fruto do ambiente de agressividade, de intolerância e de violência reinantes, vivemos um momento sui generis que nunca vivemos em terras brasileiras.

As eleições presidenciais no país ofuscam, infelizmente, as eleições para senadores e deputados, uma eleição fundamental, já que são estes parlamentares que aprovam ou desaprovam os projetos do Executivo, e colocam na berlinda os presidenciáveis cujas propostas são um misto de desinformação e de prepotência, mostrando que o futuro do país pode ser muito pior do que o presente, gerando mais desesperança e indignação para a população e inviabilizando novos investimentos e a recuperação econômica.

Alguns intelectuais e jornalistas temem pelo democracia brasileira, vendo em alguns candidatos riscos concretos de fragilizar as bases democráticas da sociedade brasileira, outros acreditam que tais candidatos tem todas as condições necessárias para retirar o país da crise e injetar no povo brasileiro mais ânimo e esperanças, depois de uma forte recessão que consumiu mais de 9% do produto interno bruto do país, estas indagações são bastante relevantes, as dúvidas existem e só poderão ser respondidas com o passar do tempo, antes disso tempos apenas especulação.

O país precisa de mudanças estruturais, somos um país com grande potencial de crescimento na renda e melhoria nos indicadores sociais e econômicos, somos dotados de recursos naturais altamente ricos e fomos agraciados com recursos hídricos e energéticos que poucos países ou regiões do mundo podem se vangloriar de possuir estas reservas naturais e estratégicas, mas, mesmo diante de tantas riquezas, somos um país que apresenta uma pobreza abissal, nossas riquezas são extraídas e levada para as mais variadas regiões do mundo, transformando-nos no eterno país do futuro.

Economistas liberais e intervencionistas se matam em uma discussão insana, os primeiros defendendo o mercado como o grande agente do desenvolvimento enquanto os últimos acreditam que todo e qualquer desenvolvimento deve ser feito e estruturado com bases no Estado nacional, discutem ideias e teses importantes mas esquecem que na economia do conhecimento faz se importante que Estado e Mercado estejam juntos e interligados, onde os rancores deem espaço para a integração e a sociedade perceba que esta dicotomia apenas retarda o desenvolvimento do país e geram instabilidades e incertezas crescentes.

Liberais defendem uma privatização generalizada enquanto os mais intervencionistas acreditam que todo desenvolvimento econômico deve ser sustentado pelo investimento estatal, por isso, as eleições presidenciais se transformam em um verdadeiro palco de teses e antíteses, onde cada grupo busca exemplo em países com características por eles defendidas, argumentando e se utilizando de cálculos econométricos sólidos para defender seus pensamentos.

Na sociedade encontramos problemas dos mais primitivos, desde as deficiência da educação básica e fundamental mostradas recentemente pelos dados divulgados pelo MEC, passando pelas agruras da segurança pública, somente em 2017 foram mortos mais de 63 mil pessoas, as deficiências do sistema de saneamento básico que levam mais de 30 milhões de residência a sobreviver com grandes toneladas de esgotos e produtos degradados, cujos impactos sobre a saúde do cidadão se agravam de forma permanente e irreversível.

O desemprego é um dos maiores nos últimos anos, temos hoje mais de 13 milhões de pessoas desempregadas, se somarmos os que perderam as esperanças de conseguir uma nova ocupação, estes números dobram e nos levam a preocupações das mais variadas, sem emprego não se tem salários e rendas, sem estes não aumentamos o consumo e não abrimos espaços para os novos investimentos produtivos, somente estes podem impulsionar a economia do país.

As cidades estão em momentos de grande degradação, as finanças públicas estão destroçadas e o planejamento urbano inexiste, os grandes grupos econômicos dominam as estruturas estatais e impõem aos cidadãos políticas acertadas em gabinetes e sem a conversa com os indivíduos e representantes da população, criando novas possiblidades de ganhos e fragilização nas estruturas de decisão, gerando impactos imediatos sobre a democracia e a participação popular.

Este ambiente leva a inúmeras indagações e reflexões, a Democracia Representativa está fragilizada e enfraquecida na sociedade internacional, autores como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt que publicaram recentemente Como as democracias morrem, mostrando que estamos em um momento delicado na sociedade internacional, as bases que estruturaram o crescimento econômico do pós segunda guerra mundial estão ruindo e gerando contestação e desesperança.

Segundo os autores, as origens desta crise remonta a alguns anos, a ascensão do poder do capital e o entrelaçamento entre o dinheiro e a política, na atualidade a ameaça as democracias não mais se concentram em golpes de Estado e regimes de exceção que são constituídos de forma violenta e agressiva, as ameaças estão naqueles que ganham eleição e se utilizam deste poder para impor novas sanções sociais, transformando-se em verdadeiros ditadores eleitos democraticamente, citamos como exemplo o presidente turco Recep  Tayyip Endorgan e o venezuelano Nicolás Maduro, entre outros, eleitos democraticamente e seduzidos por um governo forte e autoritário, cujo poder oprime a população e compromete o futuro da sociedade.

O Brasil, para muitos analistas, corre sério risco de perder seu status de democracia, a sedução de um discurso autoritário está levando muitos eleitores, das mais variadas classes sociais, mas com predominância para os de renda mais alta, a apoiarem candidatos truculentos e autoritários, acreditando, com isso, que estes terão as condições de resolver os problemas nacionais e acabar com a insegurança e a violência que se arrastam pela sociedade brasileira, segundo estes cidadãos, o Brasil precisa de um governo forte que aja com mais força para evitar que o país descambe para a anarquia, com isso apoiam o porte de armas, a liberdade de policias atirarem para matar afinal, bandido bom é bandido morto.

Analisando as propostas econômicas percebemos uma conversão ao pensamento liberal, estas ideias defendem um Estado menor e mais preocupado com o clima jurídico e institucional e um Mercado mais atuante, as privatizações seriam uma das formas de combater a corrupção generalizada que se instalou no país e ao alienar o patrimônio público, usar estes recursos para reduzir os estoques de dívida pública, abrindo espaço para uma redução generalizada das taxas de juros que teriam um efeito direto sobre a atividade econômica e os investimentos, reanimando todo o sistema econômico e produtivo.

As ideias acima são sedutoras, encantam muitas pessoas e fazem com que muitos grupos sociais decidam votar nestes candidatos, embora entendamos que a privatização, no caso brasileiro, deve ser bem vinda e tem potencial de alavancar a economia do país, acreditamos que o histórico das votações e do comportamento parlamentar do candidato nos leva a colocar em dúvida a defesa destas teses liberais, isto porque, em quase trinta anos como parlamentar, todas as propostas liberalizantes foram por ele rechaçadas, desde o Plano Real, as concessões, as privatizações, entre outras.

Outro ponto de destaque, é como garantir governabilidade com um partido tão fraco no Congresso Nacional? Se temos um presidencialismo de coalizão que prescinde de, no mínimo 308 deputados e 49 senadores, para fazer as grandes mudanças nacionais que nos mostrem os caminhos para o crescimento econômico e as melhorias sociais, como a Reforma de Previdência, a Reforma Tributária, a Reforma Política, etc… todas necessitam de um alto apoio político, como conseguir tal apoio em ambiente partidário tão fragmentado e desorganizado como o brasileiro?

Outros candidatos se colocam na disputa com uma procuração nas mãos, suas ideias repetem o mantra que levou o país a esta situação de semi-estagnação que vivemos na atualidade, votar neste mesmo grupo social me parece preocupante, além disso, insistem em não assumir suas culpas e insistir em colocar a responsabilidade da crise nacional no colo dos outros, sem auto crítica o que podemos esperar destes que pregam as mesmas coisas e se esquecem dos resultados anteriores, o país precisa construir pontes entre os grupos sociais e políticos e deixar de lado os confrontos degradantes e mentirosos, o Brasil precisa de decência e compromisso com um futuro e não compromissos com o poder e a acumulação.

Todas estas questões são importantes e devem ser respondidas a contento, o voto deve ser visto como o início de uma cidadania mais ativa, as redes sociais impulsionaram esta cidadania e, principalmente, esta discussão política e institucional, muitos perceberam a relevância da política na sociedade e a necessidade de participar ativamente destas discussões, somente assim a coletividade vai conseguir atuar como um agente mais ativo e participativo nas grandes transformações sociais e garantir uma sociedade mais justa e meritocrática num futuro próximo.

O Brasil tem escolhas sérias a serem feitas imediatamente, divulgar Fake News e denegrir as ideias daqueles que pensam contrariamente aos nossos pensamentos é intolerância e ignorância, pouco sabemos e precisamos ter consciência disso, as redes sociais são instrumentos importantes e poderosos para melhorar nossa cidadania mas, ao mesmo tempo, como destacou Umberto Eco, deu voz a muitos idiotas, e abriu espaço para que todos se achem no direito de falar, de escrever e de opinar sobre todos os temas, a ignorância esta dominando o mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Imortal: Cairbar Schutel

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Uma homenagem ao bandeirante do Espiritismo brasileiro, Cairbar Schutel, leitura imprescindível para todos que queiram compreender um pouco mais de um dos grandes divulgadores do espiritismo, responsável pela criação do jornal O Clarim e a Revista Internacional de Espiritismo (RIE).

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“O ajuste leva ao estancamento’ segundo Joseph Stiglitz.

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O economista Joseph Stiglitz foi a estrela e a ovelha negra da Conferência de Prêmios Nobel na Ilha de Lindau, ao sul da Alemanha, que terminou no sábado. O professor daUniversidade de Columbia faz parte de um reduzido grupo entre os 17 condecorados que participaram do encontro, que não reclamam publicamente medidas de austeridade, mas maiores estímulos fiscais para enfrentar a crise e reduzir o desemprego.

Enquanto os jovens economistas e jornalistas o rodeiam em cada oportunidade, seus pares o olham com receio. As declarações que faz sobre o fracasso e a incapacidade das ideias econômicas dominantes para compreender e oferecer uma ruptura à crise se chocam com a visão que os outros Nobel possuem. Estes especialistas consideram que o marco teórico não teve nenhuma responsabilidade, posição compartilhada por muitos dos 373 economistas de todo o mundo que fazem parte do evento e discordam das críticas de Stiglitz.

Depois de várias tentativas interrompidas poucos minutos antes de começar, o ganhador do Prêmio em 2001 concedeu uma entrevista ao Página/12 durante uma caminhada do centro de conferências até a ópera da ilha, onde devia participar de uma reunião a portas fechadas. Ao longo do trajeto, o economista destacou o desempenho dos “países emergentes” e assinalou que a Argentina deve aprofundar a industrialização, já que “as commodities não são suficientes para o desenvolvimento”, assim como fortalecer o mercado interno. Antes de terminar a reportagem, perguntou: “Parece que vai ser reeleita, não?”, em referência a Cristina Fernández de Kirchner. E depois adiantou que “ainda não está confirmado, mas me parece que vou retornar à Argentina em dezembro”.

A entrevista é de Tomás Lukin e está publicada no jornal argentino Página/12, 28-08-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Por que considera os planos de ajuste fiscal errados?

Essas políticas levam ao estancamento; são necessários mais planos de estímulo fiscal para recuperar o crescimento e alcançar níveis menores de desemprego nos Estados Unidos e na Europa. A política monetária hoje não é efetiva. Os primeiros pacotes de estímulo fiscal, em 2008, funcionaram bem. Do contrário, o desemprego teria sido muito maior. Ao mesmo tempo, essa expansão gerou importantes déficits orçamentários. A melhor forma para enfrentar esses déficits é com maior gasto, a austeridade vai na direção contrária. É uma visão equivocada, é a mesma receita que o FMI aplicou na Argentina. Sabemos o que acontece: a economia se desacelera, depois entra em recessão e finalmente termina com uma depressão. Sem crescimento não é possível sair da crise. Quanto mais demorara o resultado político maiores serão a instabilidade e os custos.

Os argumentos contra os estímulos fiscais sustentam que essas medidas aprofundarão ainda mais os déficits.

O problema não são os déficits orçamentários, nem sequer a recessão; o problema é o déficit de emprego que há. Atualmente, nos Estados Unidos temos 14 milhões de desempregados, mas na realidade são 25 milhões as pessoas que não podem conseguir um emprego de tempo completo. Esta situação só vai piorar com os planos de austeridade. A melhor forma de enfrentar a crise é criar postos de trabalho. A teoria econômica tradicional fracassou. Há um princípio muito simples chamado “multiplicador orçamentário”: caso se arrecadar impostos e gastar o dinheiro de forma balanceada de tal forma que o déficit não cresça, a economia crescerá. No médio prazo, essa política tende a reduzir o déficit e assegura a sustentabilidade da economia porque o PIB crescerá e a dívida e o déficit serão menores em termos relativos. Caso se desenhar bem o multiplicador, o estímulo fiscal pode ser muito grande. Nesse sentido, nos Estados Unidos se pode cobrar impostos do 1% mais rico que concentra 25% do ingresso e gastar o dinheiro em investimentos que garantem maior crescimento. Essa dinâmica é uma forma de resolver este dilema.

A crise estrutural na Europa desencadeará a desintegração da união monetária?

Será preciso mais dinheiro para que o euro funcione, assim como também será preciso mais dinheiro para que deixe de fazê-lo. De uma forma ou de outra, a Alemanha vai perder muito dinheiro. Há vida após o default e após abandonar um sistema de câmbio fixo. Na Argentina, o fim da paridade cambiária e o default tiveram um alto custo. Depois de um período de queda, a Argentina começou a crescer muito rapidamente, inclusive na ausência do que muita gente considera as “melhores” práticas econômicas, com boas políticas, mas não perfeitas. Eu creio que é muito difícil voltar a juntar um ovo quebrado, me parece que o euro é uma iniciativa muito boa. Por isso, não creio que seja necessário que nenhum país abandone o euro. Como disse antes, é necessário impulsionar planos de estímulo. Para isso se pode injetar mais recursos no Fundo de Estabilidade Financeira Europeia para fazer frente aos problemas da região. Também é possível emitir eurobônus.

O aprofundamento da crise nos Estados Unidos e na Europa atingirá os países em desenvolvimento?

Em 2010, o crescimento global foi bom. Até agora, os países emergentes foram bem, essa é uma grande notícia. Muitos se recuperaram com força, como a China e o Brasil. Mas se a recessão se aprofundar nos Estados Unidos e na Europa, as economias emergentes terão dificuldades. Creio que vão poder enfrentar uma queda nas exportações, mas é necessário que fortaleçam a demanda interna. Embora uma diminuição do crescimento chinês pressionasse os preços das commodities para baixo e isso atingiria a Argentina, considero que a China vai poder driblar a crise e manter assim os níveis de demanda destes produtos.

O bom desempenho das economias como a argentina responde somente às exportações de bens primários e aos elevados preços internacionais?

Não, essa situação vai beneficiar a América Latina e outros países dependentes das exportações de commodities. Mas essas exportações não são suficientes para garantir o crescimento sustentável e a redução do desemprego. Os países da região como a Argentina têm que diversificar suas estruturas produtivas, investir em setores de alta tecnologia. É um processo demorado. Os países como a Argentina, Brasil e China implantaram políticas macroeconômicas muito boas. Compreenderam a importância de um estímulo keynesiano bem desenhado para escorar a economia e garantir que o desemprego não se alastre. Há um conjunto de aspectos que permitem que os países emergentes não se vejam diretamente afetados pela crise. Por exemplo, as regulações bancárias em muitos países são muito melhores, de melhor qualidade, que as dos Estados Unidos e da Europa. Em alguns casos isso se deveu ao fato de que os países já haviam atravessado grandes crises. A Argentina fez as coisas muito bem nos últimos anos para garantir um forte crescimento a taxas muito altas e controlar a inflação.

 A inflação é um problema para as economias emergentes?

A Argentina enfrenta, como muitos países emergentes, o desafio de controlar a inflação em um mundo em recessão. É um tempo muito difícil para levar adiante essa tarefa porque se experimentam choques negativos de demanda e choques inflacionários externos. Não há uma forma simples para atravessar ambos os desafios. O foco excessivo dos bancos centrais em controlar a inflação é um erro, mas também é um erro ignorar o fenômeno. A estabilidade financeira, o crescimento e o emprego também têm que fazer parte de seus objetivos. A baixa inflação não garante o crescimento sustentado. Na Europa, a preocupação do Banco Central com os aumentos de preços é um dos fatores que debilita a economia. Por sua vez, o Brasil conseguiu crescer, mas seu excessivo enfoque na inflação deu como resultado taxas de juros muitos elevadas, entre as mais altas do mundo.

O que quer dizer quando afirma que a teoria econômica tradicional fracassou?

Os modelos utilizados pelos bancos centrais, economistas, os banqueiros, criaram um marco de política que esteve no epicentro da crise. Diziam que não era necessária a regulação, que os mercados eram eficientes por sua conta ou que a baixa inflação era suficiente para garantir um caminho de crescimento. A macroeconomia não se auto-regula e não leva ao pleno emprego. O problema não é a simplificação à qual os modelos recorrem, a questão é que estes modelos dizem que a crise não podia acontecer. Se os modelos não contemplam os bancos então não existe o crédito. Como é possível pensar em estratégias para impulsioná-lo? Em matéria laboral, a teoria assinalava que um dos problemas era a rigidez no mercado de trabalho. Mas os países onde hoje se aprofunda o problema do desemprego são aqueles que mais desregularam esse mercado. Ao contrário, onde essas políticas não foram aplicadas o desemprego é menor. Um dos principais problemas em nossa sociedade é a crescente desigualdade, essa situação diminui a demanda agregada e a brecha que se gerou foi coberta por uma bolha bancária de consumo artificial que impulsionou a instabilidade. A agenda da economia ignorou isto e acreditava que a alcançava com aumentos de produtividade. Os modelos dominantes tradicionais não se faziam as perguntas adequadas.

 

Safatle: Ataque a Bolsonaro despolitiza debate e põe esquerda no alvo

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por Sérgio Lirio— publicado 07/09/2018

A exploração política do episódio, diz o filósofo, tende a esvaziar a discussão de propostas e abre espaço para o candidato ampliar o eleitorado

Em março, quando a caravana de Lula foi alvejada por tiros e uma parte dos brasileiros, entre eles Jair Bolsonaro, aplaudiu o ataque, o filósofo Vladimir Safatle alertou em entrevista a Carta Capital para a escalada de violência. “Vivemos uma fase cada vez mais explícita de guerra civil. A sociedade brasileira caminha para os extremos da radicalização política”.

A previsão se confirma com a agressão a Bolsonaro em Juiz de Fora, Minas Gerais. Com quais consequências? A despolitização da campanha eleitoral e o fim do debate das ideias, o que, segundo Safatle, favorece a quem almeja colocar no Palácio do Planalto a junção de extrema-direita com neoliberalismo.

Carta CapitalQuais as consequências político-eleitorais da agressão ao candidato Jair Bolsonaro?

Vladimir Safatle: Em hipótese alguma Bolsonaro conseguiria vencer uma eleição. Seu teto eleitoral foi alcançado há meses. Ele está faz tempo estacionado no mesmo patamar de intenções de votos e representa um setor bastante minoritário da população. Por isso não teme em flertar com a ditadura, com a aceitação do passado autoritário, e cuja política econômica é simplesmente delirante, um neoliberalismo puro e duro que em nenhum lugar foi aplicado da forma como os assessores dele propõem. Nos locais onde foi em parte aplicado, os resultados têm sido catastróficos.

Só mesmo com um fato novo uma candidatura como esta poderia conseguir agregar eleitores para além do seu setor de representação social. É óbvio que haverá uma instrumentalização política. E é óbvio que, de uma maneira ou de outra, o episódio irá influenciar o processo político-eleitoral. O que acontece no Brasil é significativo em relação ao contexto mundial. O País tende a se tornar um laboratório de um modelo de aplicação do neoliberalismo ainda não testado. Seria uma junção da extrema-direita, com traços fascistas, e neoliberalismo. A extrema-direita na Europa não é neoliberal. Ela é antiliberal. Por isso, inventaram por lá uma outra configuração, como no caso da França, uma tentativa de criar um neoliberalismo com “rosto humano”.

CCO senhor acredita em uma escalada da violência na campanha?

VS: A campanha se demonstrava muito violenta desde o início, desde os tiros disparados contra a caravana do Lula e das declarações de estímulo aos ataques, inclusive do próprio Bolsonaro. O candidato externou recentemente a ideia de “metralhar” os opositores, os petistas. Um elemento como este só potencializa o fato, em relação ao qual deveríamos estar cientes: a sociedade brasileira entrou em conflito aberto. Não há mais condições para certos setores encontrarem um campo político comum. Isso só vai ficar cada vez mais explícito.

CC: Ainda vê risco de as eleições não acontecerem?

VS: Sim, mantenho a minha avaliação de que não teríamos eleições em 2018. Há várias formas de ela não acontecer. Não há nenhuma condição, em uma situação normal, de que esta política econômica implementada por Michel Temer e defendida por vários candidatos, entre eles Bolsonaro, saia vencedora das urnas.

É uma pauta claramente rechaçada pela maioria da população. Por isso é preciso criar situações artificiais, distorcendo o sentido da eleição, para que essa pauta tenha alguma possibilidade de ser chancelada. Não falo aqui da agressão a Bolsonaro, mas dos movimentos para barrar a legitimidade da disputa. Quem fez o que fez nos últimos dois anos, quem deu um golpe parlamentar, não tem disposição de aceitar um resultado diferente daquele projetado. Não há possibilidade de um candidato com uma pauta de esquerda, mesmo se vitoriosa nas urnas, assumir. Como vai acontecer, quais os elementos serão mobilizados, é imprevisível. Essa eleição está esvaziada desde o início.

CC:  A esquerda tende a ser criminalizada depois do episódio?

VS: Essa será a retórica mobilizada daqui para frente. Mesmo que o responsável pela agressão seja um indivíduo com traços claramente esquizofrênicos, delirantes… Ele disse ter atacado a “mando de Deus”. Pouco importa. A narrativa está criada. A esquerda, de uma forma ou de outra, seria a responsável, embora seja muito bom lembrar que ela tem sido a principal vítima durante todo esse processo e nunca respondeu. Foi alvo de provocações do próprio Bolsonaro. Agiu de forma contida. Mas nada disso vai ser levado em conta.

O jogo retórico para forçar ligações que não existem está em curso. É o esperado. A esta altura, o Bolsonaro é o único candidato viável para a direita. E vão tentar de tudo para que ele vença. A despolitização completa da campanha é a última cartada. Ela precisa seguir por outro lado, longe das discussões de propostas e ideias. E o episódio infelizmente serve a este propósito.

Desde o retorno das eleições diretas, o consórcio que promoveu o golpe de 1964 nunca havia conseguido comandar um processo eleitoral. Esteve sempre à reboque, aliado a outros projetos. Com a falência da Nova República, o esvaziamento da dicotomia PT-PSDB, esse consórcio (militares, empresariado, setores conservadores da Igreja e da mídia) enxergam a possibilidade de voltar ao poder sem intermediários.

 

Chico de Oliveira: ‘Não há lugar para propostas extremadas no Brasil’

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Amanda Massuela – 14 de maio de 2018

Nem tanto à esquerda, nem tanto à direita: para o sociólogo Francisco de Oliveira, 84, é preferível que se acerte um programa consistente de centro-esquerda para o país do que se iniciem “aventuras esquerdistas” por aqui. “Esse movimento de ida para o centro encontra respaldo na sociedade. O último grande grito pela esquerdização foi do PCdoB. O que é o PCdoB hoje, alguém sabe? Não tem mais sustentação social”, afirma à CULT em entrevista por e-mail.

Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e crítico tenaz dos governos Lula, Chico diz se identificar “com essa espécie de água com açúcar que é o PSOL”, partido que, em sua opinião, não será capaz de ocupar o lugar do PT dentro da esquerda brasileira.

“O PSOL chegou atrasado porque a esquerda foi ocupada pelo PT e, na estrutura político-partidária que nós temos, esse é o lugar do PT. O PSOL não vai tomar esse lugar, mesmo que possa fazer propostas radicais – o que seria um equívoco, porque nenhuma proposta radical cola mais no Brasil”, afirma o sociólogo, que admite ter menosprezado as direitas brasileiras ao afirmar, em 2015, que o impeachment não passava de “fogo de palha”.

Chico usa a mesma imagem para definir Jair Bolsonaro, ainda que o pré-candidato apareça em primeiro nas pesquisas eleitorais. Para ele, o deputado “se faz de extremista para poder entrar no jogo político”. “Ele se extrema para poder angariar votos, mas não é tolo, nem a direita está aí para isso. Se ele ganhar a eleição, não vai fazer o que proclama”, diz.

O sociólogo, que recentemente teve seus ensaios reunidos na compilação Brasil: uma biografia não autorizada (Boitempo), não trabalha em novos textos – seu “xodó foi e continua sendo” o ensaio Crítica da razão dualista, com o qual se lançou à academia, em 1972. Nesta entrevista, ele comenta o cenário eleitoral, a ascensão de Bolsonaro e a organização do campo da esquerda.

CULT – Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2015, o senhor afirmou que a concentração da crítica em Dilma era “fogo de palha” e que a discussão do impeachment “não iria para frente”. Acredita que tenha menosprezado as forças de direita do país?

Chico de Oliveira – A gente sempre menospreza. Pelo menos quem está do lado de cá. Acho que eu subestimei a força da direita naquela ocasião.

O senhor também afirmou que a sociedade brasileira é “muito diversificada e não comporta uma direita extremada”. Como explicar, então, a popularidade de Jair Bolsonaro, que aparece em primeiro lugar nas pesquisas em um cenário sem Lula?

Mesmo sem Lula ele não ganhará eleição nenhuma. O Jair Bolsonaro é uma espécie de fogo de palha. Ele parece ter uma estrutura capaz de levá-lo à Presidência, mas não tem. Ele é tipicamente o fogo de palha e vai fazer estrago só no primeiro turno.

Após a segunda vitória de Lula, o senhor escreveu que poderíamos estar assistindo a uma “hegemonia às avessas”: uma dominação burguesa “descarada” enquanto as classes dominadas tomam apenas a direção moral da sociedade. Não é possível imaginar um governo de esquerda, no Brasil, que fuja deste arranjo?

Não, não é. Não é possível porque o Brasil é a sexta economia mundial. Não se brinca com isso. A direita não está brincando com isso, e a esquerda não tem propostas. Quer dizer, o que é que se faz com a sexta economia mundial de um ponto de vista de esquerda? Nada. Não pode fazer. O Brasil é muito importante no cenário mundial para qualquer orientação esquerdista. Veja que todas as grandes orientações esquerdistas mundiais não naufragaram, mas converteram-se em fiadoras do capitalismo. É o caso da social-democracia europeia, sobretudo a social-democracia alemã, que deu as cartas para a esquerda não comunista durante décadas e hoje é indistinguível de qualquer partido de centro. O Brasil é uma grande potência. Como dizia Nelson Rodrigues, nós temos espírito de vira-lata – e não percebemos que o Brasil é a sexta economia mundial. Quer dizer, passamos a Itália e a Inglaterra. Se alguém muito pirado dissesse isso 50 anos atrás, ia logo para o hospício.

À CULT, em 2010, o senhor disse que “ao incorporar as lideranças dos movimentos sociais, o PT esvazia o potencial crítico e transformador desses próprios movimentos”. A mesma lógica se aplicaria à relação entre PSOL e Guilherme Boulos?

Mais ou menos. Eu até sou inscrito no PSOL, mas o PSOL chegou atrasado porque a esquerda foi ocupada pelo PT e, na estrutura político-partidária que nós temos, esse é o lugar do PT. O PSOL não vai tomar esse lugar, mesmo que possa fazer propostas radicais – o que seria um equívoco, porque nenhuma proposta radical cola mais no Brasil. Isto é uma sociedade de classe média poderosa, porque é a sexta economia mundial. Ninguém brinca com isso, nem à esquerda, nem à direita. O que o PSOL tem que fazer é permanecer crítico, mas sem tentar atrair para si forças que são completamente piradas. Não tem chance nenhuma de levar o Brasil para uma posição extremada. Seria um equívoco do PSOL. Eu sou inscrito no PSOL e não apoio isso.

Então, você pode perguntar: o senhor apoia a espécie de água com açúcar que é o PSOL? Apoio. Eu também sou água com açúcar. Não tem lugar para propostas extremadas. A sociedade brasileira não é uma sociedade subdesenvolvida com espaço para propostas do tipo que o PT fez no passado e não faz mais. É conformismo? Não. É melhor acertarmos um programa de centro-esquerda e sermos consistentes com ele do que tentarmos aventuras esquerdistas. O Brasil é muito sério, muito importante para a gente tentar propostas que não têm apoio social.

Um discurso extremado de esquerda ou de direita não cola. Isso a gente pode ver pela experiência internacional. O PT nasceu como uma espécie de social-democracia mais radicalizada. Ele foi indo para a direita, no sentido de uma social-democracia. O PT é o partido social-democrata brasileiro. O Fernando Henrique pensou que dar o nome de social-democracia ao PSDB converteria os tucanos em social-democratas. Mas não é verdade. Aí ele foi mau sociólogo. Ele foi bom político, mas mau sociólogo. Não existe essa história de você se deslocar nominalmente para a esquerda como uma social-democracia. Quais são as bases populares dos tucanos? Social-democracia não é um apelido, a social-democracia foi uma tendência das classes sociais no sistema capitalista, não fora do sistema capitalista. O que era fora do sistema capitalista eram certas reivindicações de Karl Kautsky, por exemplo, um grande político social-democrata dos séculos 19 e 20, um alemão que fez o aggiornamento [atualização] do marxismo para o centro. Ele é o grande ideólogo desse aggiornamento, que na verdade é uma “direitização”. Ele é o grande autor. Ele e o [Eduard] Bernstein, que foi um social-democrata importantíssimo. O Bernstein era desprezado pela esquerda.

Então, esse movimento de ida para o centro é um movimento que encontra respaldo na sociedade. O último grande grito pela esquerdização foi do PCdoB. O que é o PCdoB hoje, alguém sabe? Não, não tem mais sustentação social. O Brasil é uma sociedade ainda pobre, não está no nível da Europa ocidental, mas se aproxima. O consenso social é formado por uma grande classe média que dá apoio a propostas que eram da tradição socialista, mas não dá apoio à socialização dos meios de produção. Na grande tradição social-democrata, o que sobrou, com muita força, nos países da social-democracia ocidental, foram os direitos sociais. Mas nada além disso. A social-democracia foi muito avançada, mas não foi além disso.

As esquerdas parecem ter crescido em países nos quais “radicalizaram” suas pautas; é o argumento usado por Vladimir Safatle, por exemplo, para defender essa posição mais “radical” para a esquerda brasileira. É o caminho que deveria ser seguido por aqui?

O verbo talvez esteja bem aplicado. Deveria, mas não vai ser. Exatamente pelas razões que Safatle aponta. Não se chega a essa posição na economia mundial para ressocializá-la. Isso é excesso de otimismo. A questão é a seguinte: não foi a esquerda em termos partidários que se orientou para a direita, foi a sociedade. A sociedade não comporta mais os extremos de pobreza que o Brasil conheceu. Se você sair fazendo inquérito, todo mundo hoje vai se considerar de classe média. Isso é importante, porque dirige a opinião das pessoas quanto ao regime e ao sistema. De fato, não tem oposição ao capitalismo no Brasil. Nós somos muito parecidos, mas somos uma social-democracia subdesenvolvida.

Não é possível que haja uma renovação na política brasileira?  

Não, não é. Isso é otimismo. Não há nenhuma renovação no sentido de levar a sociedade e os partidos mais à esquerda, com a visão mais aberta, mais progressista. Pelo contrário, o risco é de uma maior direitização da política. Jair Bolsonaro não está aí à toa. Ele representa, de fato, embora partidariamente isso seja muito complicado, uma classe média majoritária que não quer saber de extremismos. Ele se faz de extremista para poder entrar no jogo político, porque ele não era nada. Ele é um ex-militar do Exército. E não tinha nada. Olhem nossos jornais de 30 anos atrás para ver se o nome do Bolsonaro estava lá. O do Lula já estava.

Bolsonaro representa de fato uma classe média. Ele se extrema para poder angariar votos, mas não é tolo, nem a direita está aí para isso. Se ele ganhar a eleição, não vai fazer o que proclama. Ele é uma espécie de Trump brasileiro: arrogante e com propostas que são mirabolantes do ponto de vista do sistema. Quando chegou lá, o que é que o Trump fez? Esses políticos de extrema direita na verdade são idiotas, porque se o Trump pensa que pode modificar a economia dos Estados Unidos é porque ele nunca leu nada. O mundo gira em torno da economia dos Estados Unidos. Ele não pode fazer nada. Ele pode arrotar… e gogó todos nós temos. O Bolsonaro é um Trump brasileiro, evidentemente muito rebaixado, porque o Brasil não tem a importância dos Estados Unidos. Mas ele não vai fazer nada. Quando você tem uma proposta como essa, uma das coisas a reformar são os meios de comunicação. O que é que ele fará contra a Globo? É risível. Ele é um idiota. Perigoso, porque vai levar a sociedade, com a sua liderança, para posições perigosas. Ele não fará nada, entretanto. No discurso ele incita. Isso é perigoso. Mas ele, como o Trump, não fará essencialmente nada nesse sentido. Para isso, seria preciso mudar a posição do Brasil na economia mundial. E isso não tem ninguém que faça.

Para dizer de forma sociológica, a sociedade brasileira é de centro-esquerda. Ninguém quer a volta da truculência militar, mas também ninguém quer que a esquerda faça nada radical para mudar a estrutura das forças sociais no país. O Brasil realiza um programa social-democrata, com uma grande classe média, que está no centro do sistema. Ela não toma nenhuma medida radical. Por isso o Bolsonaro é só um extremismo eleitoral. Ele não tem substância nenhuma para uma mudança radical no Brasil. É tudo gogó.

 

“Um número crescente de economistas está engajado em trabalhos que levam a inclusão à sério”: Dani Rodrik.

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O economista turco diz que as sociedades, para não caírem nas mãos dos demagogos, precisam estar atentos para superar as divisões econômicas e sociais causadas pela globalização.

Por Guilherme Evelin

Em 1997, no auge do consenso a favor dos benefícios da globalização, o economista turco radicado nos Estados Unidos Dani Rodrik, professor da Universidade Harvard, publicou um pequeno livro que ia contra a corrente. Em A globalização foi longe demais? (Editora Unesp), Rodrik divergia da maior parte de seus colegas economistas, para quem a globalização, com a desregulamentação e a redução das barreiras para o livre-comércio e o livre trânsito de capitais financeiros, só tinha méritos e só traria benefícios, tanto para países ricos quanto para países pobres — os consumidores dos países ricos teriam acesso a bens e mercadorias mais baratos produzidos nos países pobres, enquanto as economias dos países pobres cresceriam com a maior demanda por suas exportações. No livro, Rodrik apontava os altos custos políticos e sociais da globalização, menosprezados por seus colegas.

A obra causou alvoroço entre os economistas. Rodrik contou mais tarde ter sido, uma vez, abordado por Paul Krugman, o economista americano que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2008, que o advertiu de que seu livro fornecia “munição para os bárbaros”. A crise financeira internacional de 2008, a fragilidade do euro, a votação dos britânicos a favor do Brexit — a saída do Reino Unido da União Europeia —, a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, a ascensão política de populistas xenófobos em vários países da Europa mudaram o curso da conversa. A crítica de Rodrik passou a ser vista como presciente. No ano passado, o último livro de Rodrik, Straight talk on trade(numa tradução livre, Papo reto sobre comércio), com mais ataques à “hiperglobalização” e aos economistas que abandonaram suas dúvidas para atuar como meros ideólogos, foi escolhido como uma das melhores obras de 2017 por Martin Wolf, comentarista do jornalFinancial Times. Wolf era, ele próprio, um dos maiores entusiastas da globalização.

Num livro anterior, The globalization paradox (O paradoxo da globalização), Rodrik cunhou o “trilema da globalização”. “Não é possível ter hiperglobalização, democracia e soberania nacional ao mesmo tempo”, escreveu. Para ele, para preservar a democracia, é preciso dar alguns passos atrás na integração da economia internacional. O economista está longe de ser, porém, um defensor do nacionalismo econômico iracundo de Trump. Rodrik acha que é possível ter uma globalização mais inteligente e flexível — como a que prevaleceu nos tempos de vigência do Gatt, o acordo geral de tarifas e comércio anterior à criação da Organização Mundial de Comércio (OMC). “O objetivo do Gatt nunca foi maximizar o livre-comércio, mas alcançar o máximo de comércio compatível com diferentes nações fazendo suas próprias coisas.”

Rodrik respondeu, por e-mail, a perguntas de ÉPOCA sobre populismo, Donald Trump, a ameaça de guerra comercial no mundo e a crise brasileira. Em relação ao Brasil, ele disse que o país precisa antes de tudo resolver sua crise política interna para retomar um projeto de crescimento econômico. Em relação ao mundo, apesar de Trump, ele se mantém otimista. Num artigo deste ano para o The New York Times, ele lembrou que um surto populista anterior nos Estados Unidos, no final do século XIX, contra os efeitos perversos da globalização da época acabou resultando, na década de 1930, no New Deal de Franklin Delano Roosevelt e na correção de vários problemas do capitalismo.

A seguir, Rodrik responde às nove perguntas de ÉPOCA.

  1. Depois da imposição de tarifas pelo governo Donald Trump a produtos chineses e da retaliação da China a importações americanas, o mundo está caminhando para uma guerra comercial global?

Muito vai depender de como a Europa e a China responderão. Se eles forem contidos em sua retaliação — e eles têm bons motivos para agir desse modo —, terminaremos bem aquém de uma guerra comercial. Guerra comercial não é um desfecho inevitável. E, se ela ocorrer, a China e a Europa deverão dividir a responsabilidade com os Estados Unidos por ela.

  1. As medidas protecionistas, as tensões comerciais crescentes e a eleição de governos populistas significam que estamos entrando em uma era de “desglobalização”?

Acho que também está muito cedo para falar em “desglobalização”. Certamente, uma verdadeira guerra comercial impactaria a globalização. Mas não chegamos lá ainda.

  1. Acredita que a reação populista à globalização, representada pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, pode levar a um aperfeiçoamento da globalização?

Essa certamente é minha esperança. É uma oportunidade para as forças progressistas e para a esquerda oferecerem uma resposta programática genuína — e mostrarem que as queixas que trouxeram Trump à Presidência são reais, mas que há melhores maneiras de responder a elas do que por meio do chauvinismo e do unilateralismo.

  1. O senhor vê a ascensão do populismo, o descontentamento com a globalização nas sociedades ocidentais e a crise das democracias liberais como provas de seu famoso trilema, segundo o qual não é possível compatibilizar democracia, soberania nacional e hiperglobalização?

Isso ocorreu mais na Zona do Euro do que nos EUA, porque foi na Europa que a hiperglobalização foi mais longe. Os EUA poderiam ter evitado a reação populista se tivessem melhores redes de segurança social e se os acordos comerciais assinados pelo país não fossem tão unilaterais, com vantagens tão exageradas. Mas, tanto na Europa como nos EUA, houve um erro crucial: o aumento da globalização aprofunda as divisões econômicas e sociais dentro das sociedades e, a menos que estejamos atentos à superação dessas divisões, os demagogos aproveitam-se do fracasso do centro político.

  1. O senhor é um crítico duro de seus colegas, os economistas, a quem responsabiliza por muito da confusão política e econômica do mundo. Acha que estão prontos para rever seus pontos de vista sobre a liberalização e a desregulamentação das últimas décadas?

Estou otimista com a variedade de ideias políticas que estão surgindo da profissão econômica no presente. Há uma tendência a pensar que o neoliberalismo e a economia mainstream são a mesma coisa. Na realidade, o neoliberalismo foi uma perversão da economia. Um número crescente de economistas está engajado em trabalhos que levam a desigualdade, a mobilidade social e a inclusão a sério.

  1. Se houver uma escalada das medidas protecionistas e tivermos uma reversão da liberalização comercial e financeira das últimas décadas, como um país como o Brasil, que experimentou um crescimento lento desde a década de 1980 e não obteve grandes ganhos com a globalização, pode ser afetado?

Em última análise, o que acontece em casa é mais importante do que esses desenvolvimentos globais — especialmente em um país tão grande como o Brasil. É claro que, se os preços das commodities caírem e os mercados globais começarem a fechar, haverá custos para o Brasil, como em outros países. Mas a prioridade número um do Brasil deveria ser superar a crise política doméstica e ter um programa econômico sério em vigor.

  1. Em seu livro mais recente, o senhor escreveu que um dos fenômenos econômicos mais importantes de nosso tempo é “desindustrialização prematura” — em parte por causa do avanço da automação, em parte em virtude da globalização. Esse é o caso do Brasil, que se tornou principalmente um exportador de commodities nas últimas décadas?

O Brasil sofreu com isso, assim como muitos outros países de renda média. Não vejo uma maneira fácil de reverter a desindustrialização, infelizmente.

  1. Pode algum país vencer o desafio do crescimento sem indústria forte?

Sim, mas terá de ser um caminho diferente de crescimento, uma partida histórica. Parte disso é investimento em pessoas e infraestrutura física. Parte disso é uma estratégia coerente de conectar os setores e empresas mais avançados da economia com os setores e regiões mais atrasados — tanto em serviços quanto em indústria. E tudo isso tem de ser feito sem pôr em risco os equilíbrios macroeconômicos.

  1. Qual é a política inteligente a ser perseguida por qualquer país para vencer o desafio do crescimento em tempos de globalização com tantos paradoxos? A China pode ser uma inspiração ou não?

É difícil copiar diretamente a China e fazer exatamente o que esse país fez. As circunstâncias são muito diferentes. Mas a mensagem geral que o sucesso da China envia ainda é útil: para alavancar sua economia, como a China fez, você precisa de uma estratégia de crescimento interno que se concentre em investimento doméstico, aquisição de tecnologia e diversificação. Você precisa fazer sua própria lição de casa antes que a globalização possa ajudá-lo. A segunda mensagem é: não se deve ficar muito apaixonado por projetos ocidentais ou pelas chamadas “melhores práticas”; uma economia orientada para o mercado pode ser dirigida com diversos arranjos institucionais, e uma certa quantidade de experimentação e heterodoxia é inevitável.