Brasil virou modelo de fracasso para os EUA, por Vinícius Mota,

0

Famílias e oligarquias se apossam do poder da Casa Branca para defender seus interesses e negócios particulares

Vinícius Mota, Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP,

Folha de São Paulo, 02/08/2025

A liberdade invocada pelos representantes dos vândalos que destruíram palácios em Washington e Brasília é praticada no Brasil há séculos. Trata-se da escassez de limites para infligir danos e sofrimento aos outros em nome da autenticidade e da sacralidade do interesse e do desejo próprio.

Se é possível extrair uma teoria desse emaranhado, ela opera sob o pressuposto de que os grupos humanos são diferentes nas suas capacidades materiais e intelectuais —por uma condição natural ou histórica ou porque apenas alguns teriam sido abençoados pela graça divina— e predica que não deve haver barreiras psicológicas, sociais nem legais para obstar o atropelo dos mais fracos pelos mais fortes.

Seria como colocar Hobbes do avesso, tirar o Leviatã da sala e deixar o couro comer, mas nem tanto. O Estado tem essa característica de servir como porrete e aspirador de renda nas mãos de alguns e desse elemento não se abre mão. O poder político se torna um meio para proteger e enriquecer quem o conquista e para cooptar, perseguir e enfraquecer adversários. Eis o Brasil de anteontem, ontem e hoje.

Sobre o aspecto de deixar o couro comer, poucos fatores são mais típicos de uma sociedade civilizada do que a proteção da esfera íntima, a começar do corpo. Abster-se de ferir alguém cristaliza-se numa interdição tão enraizada como as regras que inibem o incesto em comunidades tribais. Era dessa fronteira invisível e impenetrável que Sérgio Buarque de Holanda se ressentia ao identificar e criticar a “cordialidade” brasileira. Cordialidade também quer dizer violência.

O cotidiano brasileiro é violento. A polícia mata, os civis matam e os motoristas matam. Comemora-se a tendência de queda generalizada dos crimes violentos no país, o que é um fato. Ainda assim foram assassinadas mais de 45 mil pessoas no Brasil em 2025 e outras quase 35 mil morreram no trânsito. São mais de 80 mil em 12 meses, cerca de 40 mortes violentas para cada grupo de 100 mil habitantes e 1 milhão de óbitos de 2013 a 2023. Ucrânia, Síria e Gaza são aqui.

Sociedades civilizadas também instruem a totalidade das crianças e dos jovens como se educação fosse alimento vital. Outras coisas podem faltar, mas não aluno na sala aprendendo com a aula mais eficiente, o horário marcado, o professor preparado, durante vários milhares de horas desde a primeira infância. Aqui isso funciona apenas para os filhos da elite e olhe lá. Nove milhões de jovens de 15 a 29 anos nem sequer completaram o ensino básico. O que deveria ser denunciado como crime contra o futuro da população mais vulnerável passa como elemento da paisagem.

A “liberdade” de extrair renda dos outros à custa do bem-estar da maioria também é longeva e disseminada. Não há saneamento, tecnologia do século 19, para todos por causa disso. A conta de energia de mansões com placas solares é subsidiada pelos mais pobres, grupos profissionais têm privilégios na aposentadoria, na tributação e nos salários custeados pela camada mal remediada da população, mercadorias e serviços encarecem porque a lei atende a lobbies influentes. O descontrole dos orçamentos públicos compromete programas sociais e eleva os juros que remuneram o andar de cima.

Vem do ex-ministro Rubens Ricupero uma profecia incômoda sobre a aspiração civilizatória no Brasil, onde décadas e gerações se sucedem sem nenhuma hecatombe bélica ou natural, mas também sem que o país alcance o bem-estar material e espiritual das nações ricas. É o que ele chamou de suave fracasso.

A novidade que agora vem do norte é a elite política que conquistou a Casa Branca pretender transformar os EUA num grande Brasil. Famílias e oligarquias se apossam do poder de Estado para defender seus interesses e negócios particulares, proscrevem adversários, desmontam burocracias de mediação, sabotam o cânone acadêmico e educacional, fecham a economia e desestabilizam as relações internacionais motivadas pelo próprio fígado e pelo próprio bolso.

 

Jogos geopolíticos

0

As transformações cotidianas nos levam a reflexões sobre o futuro da humanidade, alterações crescentes em todos os setores da comunidade global geram medos, decepções, incertezas e variadas angústias. Vivemos num mundo centrado no medo e na desesperança, os empregos estão passando por fortes modificações estruturais, atividades que anteriormente exigiam força física passaram a ser substituídas por máquinas e novas tecnologias digitais, neste cenário, percebemos que os adultos estão receados de perderem seus empregos e serem substituídos por novos equipamentos, os jovens, ao olharem a situação dos adultos, perdem suas esperanças e reformulam seus objetivos de vida, sua empregabilidade, modificam seus relacionamentos afetivos, postergam seus estudos e investem nas jogatinas das bets, sonhando com o enriquecimento fácil.

Vivemos numa sociedade marcada por grandes mutações geopolíticas, os interesses das nações estão passando por modificações estruturais, países vistos como amigos estão deixando alianças históricas e buscando novos horizontes, os vínculos anteriores estão sendo alterados e reestruturados, gerando incertezas e novos espaços de conflitos, que podem culminar em confrontos militares e outras agressões cotidianas. Depois de mais de 80 anos tutelando os países europeus, os norte-americanos se afastam e exigem que os países da região banquem seus custos de defesa, desta forma, abrem novos espaços para alavancar os setores de defesa e garantem novos negócios milionários para os Estados Unidos.

Neste ambiente, vivemos um momento de grandes agitações geopolíticas motivadas pelos interesses de grandes grupos norte-americanos que dominam a sociedade, impondo suas estratégias, aumentando as tarifas comerciais, adotando medidas que geram ingerências em questões internas de outras nações, estimulando nacionalismos, conflitos econômicos e gerando uma verdadeira bagunça institucional que limita a capacidade de planejamento econômico e organização de suas cadeias produtivas.

A conjuntura econômica internacional está passando por grandes transformações, neste cenário, percebemos agitações geopolíticas globais, nestas mutações visualizamos o nascimento de um mundo multipolar, onde os centros de poder não estão mais concentrados em apenas uma única nação, percebemos o surgimento de vários polos de poder que nascem e se estruturam, com isso, percebemos o crescimento dos confrontos cotidianos entre países, ameaças constantes, violências verbais e simbólicas que crescem diuturnamente, aumentando as incertezas e as instabilidades que geram caos econômicos e produtivos.

A Ásia cresce de forma acelerada e ganha espaço em todas as áreas e setores produtivos, gerando preocupações crescentes pelo fortalecimento econômico e produtivo de seus países. As nações que dominavam o cenário global vêm perdendo espaço na sociedade mundial, a antes nação dominante, que dominou o ambiente econômico e financeiro mundial sente o crescimento de novos polos de poder e usa seu poder e sua influência para limitarem o crescimento de seus opositores, desta forma, percebemos, mais claramente, as ações adotadas pelo governo norte-americano, que nos últimos meses gerou grandes constrangimentos na sociedade internacional.

Neste cenário, vivemos um verdadeiro xadrez geopolítico global, onde todos os passos devem ser estudados e planejados, novos horizontes estão sendo construídos e cabe a cada nação escolher seus passos, analisar seus horizontes e os desafios que se apresentam, neste ambiente, percebemos, ainda, que somos muito mais frágeis e dependentes do que imaginamos, passou da hora de reconhecermos nossas fragilidades econômicas, institucionais e tecnológicas e investirmos fortemente em capital humano, as colheitas não são imediatas, antes de colhermos, precisamos plantar.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.

 

Consequências econômicas da IA merecem atenção, por Álvaro Machado Dias

0

Mundo deve ficar menos globalizado, mais desigual e bem mais produtivo

Álvaro Machado Dias, Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind.

Folha de São Paulo, 28/07/2025

Em quatro anos, a inteligência artificial foi das palavras regurgitadas às simulações de raciocínio usando táticas de jogos e à aplicação dessas para realizar tarefas na internet, solucionando o mistério dos impactos efetivos na produtividade, de forma ainda hipotética: o êxito atual dessas IAs, chamadas agênticas, é de cerca de 75%, o que significa que um pedido para que reserve uma passagem, um carro e um quarto dará certo em apenas 42% dos casos.

A elevação da taxa de completude dos agentes deverá ser o principal fator de pressão sobre o modus operandi dos escritórios. É provável que, em mais quatro anos, a competição se intensifique, levando ao achatamento dos salários de cargos como secretário e assistente administrativo e os das áreas técnicas, incluindo operações, finanças e contábeis, que serão dominadas por um fordismo atencional de alto nível, voltado à identificação e correção dos erros das IAs.

Técnicos mais ambiciosos irão se reposicionar como gestores de “pessoas e agentes” (HAI), redefinindo o marketing e o RH e achatando seus salários também. Já os executivos capazes de criar novas linhas de receita com IA irão se tornar ainda mais importantes e bem pagos.

A disparidade salarial vai aumentar, mas o que moldará essa nova fase é que a “IA irá ampliar o fosso entre capital e trabalho” (Acemoglu, 2024), sendo o capital intelectual na forma de novas propriedades intelectuais parte central desse arranjo. A sociedade da inteligência artificial é a da prosperidade empresarial baseada na capacidade de ganhar mais com menos calorias, limitada setorialmente pela redução do poder aquisitivo da classe média.

A conclusão parece ser que o brasileiro precisa mudar de foco e empreender —assim como os americanos. Porém, o índice que mede a atividade empresarial total (TEA, 2025) coloca o Brasil quase em pé de igualdade com os Estados Unidos. A razão é simples: tanto lá quanto aqui, mais de dois terços dos que empreendem o fazem por necessidade e, na prática, apenas embalam e vendem o próprio suor.

Em contraste, a trilha da prosperidade empresarial passa pela alteração na distribuição dos custos operacionais (Opex), com mais gastos com executivos visionários e tokens de IAs agênticas e menos com salários em geral.

Esses tokens são créditos conversíveis em trabalho que as organizações de todo o mundo adquirem das big techs. Como esse fluxo aquisitivo é essencial sob o novo paradigma produtivo, as empresas de tecnologia tornam-se sócias “de facto” de praticamente todas as firmas do mundo, na linha das bandeiras e adquirentes, que, ao cobrarem entre 2 e 3% nas vendas de cada loja, tornam-se sócias ocultas em 6 a 9% do varejo global. É isso que explica o comportamento hiperbólico dos fundos de investimento e as aquisições bilionárias para ficar com as pessoas, como no caso de Alexandr Wang, que custou US$ 14,3 bilhões.

A IA será responsável por uma das maiores transferências espontâneas de valor de todos os tempos, enriquecendo os Estados Unidos, a China e alguns outros países, como Holanda e Israel, mas não a América Latina, que sofrerá ainda com a redução do “offshoring” industrial por razões não tributárias, algo bem mais difícil de reverter. No cômputo geral, o mundo ficará menos globalizado, mais desigual, interna e externamente, e bem mais produtivo.

 

Crise do jornalismo deixou terreno fértil para erosão da democracia, por Rodrigo Lara Mesquita

0

Não podemos permanecer passivos à manipulação de algoritmos e governos autoritários

Folha de São Paulo, 26/07/2025

Rodrigo Lara Mesquita, Jornalista, é conselheiro do InovaUSP e pesquisador do ecossistema informacional; ex-diretor do Jornal da Tarde e da Agência Estado

[RESUMO] Derrocada da relevância social do jornalismo e explosão da cacofonia gerada pela internet nas últimas décadas, fatos intimamente interligados, nos levaram a uma crise civilizacional da qual temos sido reféns passivos. Esse cenário de terra arrasada, que beneficia poucas e poderosas empresas, virou um solo propício para a desinformação e o surgimento de políticos autoritários em todo o mundo. Restaurar os valores democráticos exigirá resposta enérgica para reimaginar o jornalismo e as plataformas digitas.

Estamos imersos em uma crise histórica de longa duração. Os pilares que sustentaram a democracia liberal do século 20 —representação política, jornalismo profissional, instituições reguladoras, pactos de coesão social— sofrem um processo de desestruturação progressiva.

A explosão informacional trazida pela internet não produziu mais esclarecimento; ampliou o ruído, fragmentou consensos e corroeu formas tradicionais de mediação. O jornalismo, paralisado em sua arrogância institucional, não soube compreender a emergência do novo ambiente em rede.

As plataformas digitais, ao contrário, não hesitaram: capturaram rapidamente o centro da esfera pública, reconfigurando as formas de circulação de informação, opinião e afeto.

Embora a literatura crítica internacional acumule diagnósticos relevantes sobre a colonização algorítmica e o declínio das instituições intermediárias, é notável —e preocupante— o silêncio generalizado, inclusive no jornalismo, sobre a verdadeira dimensão dessa crise. Esta talvez seja a mais grave omissão pública do nosso tempo.

O que proponho aqui não é apenas um diagnóstico, mas um esforço deliberado de nomear essa dissolução como uma crise estrutural e civilizacional, com a qual o jornalismo tradicional se mostrou, até aqui, incapaz de lidar.

Não relato apenas uma experiência pessoal, mas a trajetória de uma geração que acreditou na função pública do jornalismo e assistiu, perplexa, ao seu esvaziamento como mediador qualificado da opinião pública.

Minha trajetória —do Jornal da Tarde e da Agência Estado à criação da Broadcast e ao diálogo com o MIT Media Lab— revela que o caminho não está na nostalgia nem na resistência passiva, mas na reinvenção ativa do jornalismo como infraestrutura pública de articulação social. Na virada do milênio, ao mergulhar nas pesquisas do Media Lab, compreendi que não vivíamos apenas uma revolução tecnológica, mas uma profunda e irreversível transformação epistemológica.

Foi Harold Innis, autor de “O Viés da Comunicação” e pai da Escola de Toronto, quem melhor formulou esta chave interpretativa: a forma como uma sociedade se comunica determina sua estrutura de poder.

Ao estudar a transição dos impérios orais para os escritos, dos registros em pedra à imprensa de massa, mostrou como o tempo social é moldado pelos meios de registro e transmissão da informação.

Mais que isso: o meio técnico dominante molda o próprio ambiente social, delimitando as possibilidades de organização política, econômica e cultural. Marshall McLuhan, seu discípulo mais conhecido, levou essa ideia adiante. Ao afirmar que “o meio é a mensagem”, deslocou o foco do conteúdo para a forma da mediação. Televisão, rádio, jornal —cada meio conforma uma sensibilidade e uma lógica de organização social.

Hoje, a internet, com sua capacidade de retroalimentação em tempo real, constitui um novo sistema nervoso coletivo: um ambiente cognitivo global estruturado por tecnologias que transcendem fronteiras e operam em ritmo contínuo. Mas, pela primeira vez na história, essa infraestrutura técnica está concentrada nas mãos de poucos atores privados, sem mediação pública e sem projeto democrático correspondente.

Mesmo em crise, os jornais ainda exercem influência simbólica —citados por autoridades, lidos por formadores de opinião, referenciados por outras mídias. Mas é uma influência terminal, sem futuro, se não houver reconfiguração estrutural.

O jornalismo precisa deixar de ser apenas um produtor de conteúdos e retomar seu papel como arquitetura informacional: organizador de fluxos, mediador de sentidos, articulador de redes. No século 20, os jornais foram centros de gravidade de comunidades, catalisadores de sociabilidades e pactos sociais. A travessia para o século 21 exige que reaprendam a desempenhar essa função em ambiente digital.

Essa função foi esvaziada não pela obsolescência de sua missão, mas pela incapacidade institucional de compreender e ocupar o novo ambiente em rede.

A internet, concebida nas décadas de 1960 e 1970 como uma infraestrutura descentralizada e resistente ao controle, foi rapidamente capturada por interesses corporativos. Google, Facebook, Amazon e outras empresas surgidas em garagens ocuparam o vácuo deixado por um jornalismo preso à lógica do broadcast, enquanto o mundo passava a se estruturar segundo uma nova lógica em rede.

O resultado é uma arquitetura algorítmica voltada à maximização do engajamento, que expõe o público à manipulação informativa em escala industrial e coloniza a esfera pública com interesses comerciais disfarçados de neutralidade técnica.

O poder informacional, antes disperso em múltiplos centros de mediação, hoje está concentrado em poucas corporações que controlam não apenas os fluxos de atenção, mas as condições para a produção social de sentido.

Das trilhas do Peabiru à rede das redes

Carrego a história como lente e vejo a rede como extensão das antigas trilhas culturais: as rotas atlânticas que expandiram a economia mediterrânea; os peabirus que cruzavam os Andes e o litoral brasileiro e serviram de base para a aventura do bandeirismo, a expansão das nossas fronteiras e a ocupação do interior; os caminhos do telégrafo que unificaram o território nacional; as rotativas que ajudaram a consolidar os Estados-nação.

A rede é, agora, a nova trilha —fluida, fragmentada, repleta de bifurcações e zonas de sombra. Como aquelas trilhas do passado, ela redefine os circuitos do poder e da circulação. Mas vai além: conecta consciências, reorganiza o espaço público e inaugura um novo estágio da humanidade.

Inspirado por meu bisavô Júlio Mesquita —que, por meio de sua atuação como empresário e jornalista, foi um dos principais articuladores das redes sociais e de interesse que estruturaram São Paulo no início do século 20—, dediquei minha trajetória jornalística também à compreensão de como se organizam os fluxos de informação na sociedade.

Em 1991, na Agência Estado, ao lançar a Broadcast, sabíamos que estávamos criando um protótipo do que viria: uma estrutura de informação em tempo real, personalizada, dinâmica e interativa, embrião da lógica em rede que depois se tornaria dominante.

A diferença é fundamental: a Broadcast nasceu com responsabilidade editorial, ancorada em critérios de curadoria e compromisso com a veracidade. Já as plataformas sociais, apesar de seu potencial exponencial de crescimento, foram concebidas com um único objetivo: monetizar a atenção. E é justamente aí que começa o problema.

A imprensa tradicional, presa à lógica do século 20, ignorou que a nova mídia era interativa. Quando percebeu, já era tarde. Em vez de assumir o papel de curadora dos fluxos, preferiu simular a estética digital e disputar cliques. Transplantou a lógica do papel para a web como um cadáver reanimado —e ele ainda anda.

As Redações seguiram produzindo para o público, não com ele. Ignoraram o canal de volta e perderam o centro do processo democrático. Enquanto isso, os algoritmos aprenderam a explorar o medo, o tribalismo e o consumo. A esfera pública foi colonizada.

As big techs deixaram de ser apenas empresas: tornaram-se plataformas essenciais à democracia contemporânea, controlando a infraestrutura social por onde nos comunicamos, nos organizamos e tomamos decisões coletivas. Essa centralidade, contudo, não veio acompanhada de um sistema de governança compatível com a responsabilidade que passaram a exercer.

O controle privado concentra poder sem contrapesos institucionais. Nesse vácuo floresceram aventureiros da comunicação, explorando inseguranças e preconceitos por meio de manipulação emocional. Essa degeneração da esfera pública é hoje uma ameaça real à democracia.

Quem controla os fluxos de atenção controla a opinião pública. As plataformas sabem disso. Seus algoritmos não são neutros: moldam o que vemos, como interagimos, até como votamos.

Hoje, cinco ou seis empresas, todas de tecnologia, têm poder de manipular a esfera pública global. Um poder inédito. Nem a igreja medieval, nem os impérios da imprensa ou a TV dos anos 1960 tiveram alcance comparável. Pior: é um poder opaco, automatizado e orientado por cliques, não por um debate saudável.

A Comissão Europeia reconheceu isso em 2018, ao inspirar os primeiros marcos de regulação digital na Europa. Seu relatório mostrou que os algoritmos priorizam engajamento e monetização, amplificando a polarização, espalhando desinformação e corroendo o tecido democrático. Concluiu que não basta regulação ou checagem: é preciso restaurar a coesão simbólica por meio de narrativas públicas potentes.

Ao propor uma abordagem interdisciplinar —unindo psicologia, ciência política, jornalismo, computação e educação—, o documento aponta que a desordem informacional exige mais do que ajustes técnicos: requer reconstrução coletiva da confiança pública.

Na narrativa dominante, diz-se que a desinformação se combate com “educação midiática”. Como se o cidadão comum tivesse a obrigação de entender algoritmos, filtros bolha e fluxos patrocinados. É uma falácia —e uma perversidade.

O próprio relatório reconhece isso. A educação midiática deve ser um esforço cívico em larga escala, envolvendo educadores, jornalistas, ONGs, plataformas e políticas públicas, e não um fardo individual.

A responsabilidade pela qualidade do ambiente informacional é institucional, ética, política e regulatória. Mas as plataformas evitam essa responsabilidade —e parte da imprensa, ao ecoar esse discurso, torna-se cúmplice.

A aliança tácita: Trump, Musk e os novos autoritários

O que testemunhamos é a convergência entre regimes autoritários eleitos e a infraestrutura informacional dominada pelas big techs. O caso americano é emblemático: Donald Trump ameaça jornalistas, semeia ódio contra a imprensa e, ao mesmo tempo, foi cortejado por figuras como Elon Musk, que controla uma das principais plataformas de circulação de discurso político.

Essa aliança é tácita, mas eficiente. Regimes como o de Trump deslegitimam a imprensa, enquanto as plataformas desestruturam sua base econômica e capturam sua audiência.

Ambos têm interesse em um jornalismo fraco. Um quer evitar o escrutínio; o outro, monopolizar a atenção. Contudo, a relação entre Estado e plataformas é mais ambígua do que uma simples aliança. Moldam-se mutuamente, ora se cooptam, ora se confrontam.

O recente rompimento público entre Musk e Trump—após divergências sobre subsídios, regulação e posturas institucionais— expôs as tensões internas desse arranjo informal, mas estrutural. A lógica de cooptação permanece, mas os atores já disputam o protagonismo da esfera pública.

Esse embate aparece nos conflitos regulatórios em democracias marcadas por crises de representação e erosão da mediação jornalística. Na Hungria, Orbán subordinou a imprensa e instrumentalizou as plataformas.

Na Rússia, o Kremlin promoveu redes locais e explora brechas em plataformas globais para desinformação. Na China, o controle é total; bloqueio de redes ocidentais, vigilância e regulação que transforma aplicativos em extensões do Estado.

Na Índia, Modi pressiona plataformas, reforça leis de controle e mobiliza redes para campanhas nacionalistas. Nas Filipinas, Duterte usou o Facebook para consolidar apoio e atacar opositores.

No Brasil, sob Bolsonaro, as plataformas digitais deixaram de ser apenas meios e passaram a integrar uma verdadeira rede social de fato, centralizada no entorno familiar do poder, com Carlos Bolsonaro atuando como publisher —definindo pautas, controlando edições, operando sistemas de distribuição e mecanismos de cooptação.

WhatsApp, X (ex-Twitter) e Facebook tornaram-se canais centrais da comunicação oficial do governo. A base foi mobilizada digitalmente para atacar a imprensa, hostilizar adversários e deslegitimar instituições. O caso brasileiro revela, com nitidez, como a lógica das plataformas pode ser instrumentalizada para corroer a esfera pública e minar os fundamentos da mediação democrática.

Se o jornalismo tivesse se reinventado como mediador em rede, e não como emissor vertical, boa parte do espaço ocupado pela desinformação poderia ter sido contido. Trump, Orbán, Duterte e Bolsonaro talvez não tivessem encontrado terreno tão fértil para manipular a opinião pública.

Nesse cenário, a imprensa não pode mais se limitar a produzir e distribuir informação. Precisa, como fez a família Bolsonaro de forma perversa, fomentar e monitorar redes sociais de fato, mas com outra finalidade: reconstruir o espaço comum da linguagem, da escuta e do conflito civilizado.

Essa é hoje a tarefa essencial do jornalismo. Para cumpri-la, é preciso desenvolver sistemas e ambientes próprios, que sustentem uma relação em rede com o público, rompendo com a lógica reativa e subordinada às plataformas. Não se trata apenas de informar, mas de reorganizar a esfera pública em torno de vínculos mais legítimos, mediações transparentes e sentidos compartilhados.

Isso exige uma organização editorial conectada a redes sociais reais —aquelas formadas por vínculos vivos nos territórios, vínculos entre o público e seus grupos de interesse, compostos também por educadores, cientistas, lideranças locais e cobertos por jornalistas de campo.

Isso vai muito além das estruturas artificiais que as plataformas das big techs passaram a chamar de “redes”, com a cumplicidade da imprensa, apenas para sustentar um modelo de negócios perverso, baseado na extração da atenção e na desinformação.

O jornalismo que se faz necessário hoje é aquele capaz de articular inteligência distribuída e sustentar-se não apenas por publicidade, mas por confiança, pertencimento e corresponsabilidade.

Não se trata de nostalgia. Como alertava McLuhan, tendemos a enfrentar o novo com os reflexos do passado, “uma marcha para o futuro olhando para o retrovisor”.

É hora de redesenhar a mediação: não há democracia sem esfera pública, nem esfera pública sem estruturas de mediação. E, neste novo ambiente, isso exige criar relações em rede com o público —vínculos contínuos, distribuídos e confiáveis, capazes de sustentar um jornalismo que não apenas informe, mas articule—, reconectando-o.

Na encruzilhada

O “Relatório de Desenvolvimento Humano 2025 – Uma Questão de Escolha : Pessoas e Possibilidades na Era da IA”, publicado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é um chamado à ação.

Segundo o documento, a reconstrução da democracia passa, necessariamente, pela reconstrução do jornalismo, articulada a um novo pacto político que inclua governança democrática das infraestruturas digitais, transparência algorítmica, responsabilização das plataformas e estímulo a ecossistemas informacionais sustentáveis.

O que está em jogo é uma encruzilhada civilizatória entre emancipação e servidão algorítmica. O conceito central do relatório é o “poder agencial algorítmico”: algoritmos que moldam escolhas, organizam o visível e delimitam o possível. Treinados com dados históricos, amplificam desigualdades sob a aparência de neutralidade.

Essa infraestrutura, controlada por poucos, configura uma colonização simbólica. As plataformas moldam afetos, polarizam crenças e corroem os mecanismos da opinião pública. O relatório propõe caminhos: uma “inovação com intenção”, orientada por valores públicos, e uma “economia de complementaridade” entre humanos e máquinas.

Três nós górdios

O PNUD é incisivo: o futuro da IA será determinado por escolhas políticas e institucionais, não tecnológicas.

Três pilares são fundamentais: transparência, para que os critérios que orientam a operação algorítmica sejam compreensíveis e auditáveis; responsabilidade, para que decisões automatizadas possam ser contestadas e revisadas; e contestabilidade, para que haja mecanismos institucionais efetivos de revisão e correção.

O relatório alerta que, ao deixar as plataformas definirem os termos do debate, estamos entregando a cidadania a sistemas opacos e não contestáveis. Essa “automatização do poder” captura atenção, promove consumo e reforça desigualdades. Este é o núcleo da questão: a governança da inteligência artificial é, antes de tudo, um desafio político.

Não há arranjo institucional viável sem enfrentar a extrema concentração de poder informacional e computacional nas mãos de um punhado de empresas privadas, guiadas unicamente por lucro e controle de mercado. As propostas de regulação, tal como estão sendo desenhadas, tendem a reforçar ainda mais esse domínio.

Só uma ação coercitiva de alcance global —capaz de afetar diretamente seus ganhos, desmontar estruturas de monopólio e inverter os incentivos predatórios— pode, de fato, mudar o jogo. É preciso falar a única linguagem que elas entendem: o bolso.

O diagnóstico do PNUD converge com a análise que Martin Wolf, principal comentarista econômico do Financial Times vem desenvolvendo desde 2014: caminhamos para uma era de regimes autocráticos, impulsionados por ressentimentos de massa gerados pelo capitalismo financeiro e alavancados por plataformas digitais que concentram o poder informacional.

E “The Crisis of Democratic Capitalism” Wolf argumenta que a sobrevivência da democracia depende de instituições intermediárias fortes e legitimadas, capazes de sustentar uma esfera pública funcional. Sem jornalismo independente, crítico e estruturado como mediação confiável, abre-se espaço para a desinformação, o tribalismo e a erosão dos fundamentos republicanos.

A questão central não é apenas regular as plataformas, mas reconstruir a esfera pública em meio a novas infraestruturas de poder. O relatório do PNUD é um chamado à ação: não podemos seguir como usuários passivos de sistemas algorítmicos. Precisamos deliberar coletivamente sobre o desenvolvimento tecnológico, a arquitetura informacional e os valores que a orientam.

Este é um ponto de inflexão civilizatório: ou criamos mecanismos institucionais para conter a lógica extrativista das plataformas, ou veremos consolidar-se um colonialismo digital que restringe liberdades, corrói a deliberação democrática e reduz a agência humana à lógica dos algoritmos.

O desafio é político. Exige um novo pacto social que subordine a tecnologia à emancipação, não à dominação.

O silêncio público e institucional sobre a gravidade dessa crise é, ele próprio, parte do problema. Persistir nesse mutismo equivale a legitimar a nova ordem algorítmica como inevitável e incontornável. Romper com esse silêncio é o primeiro passo para a reconstrução da esfera pública.

Ou tomamos a iniciativa de desautomatizar a esfera pública e democratizar as infraestruturas digitais, ou permaneceremos como espectadores passivos da consolidação de uma nova ordem social algorítmica, na qual a liberdade e a democracia não terão mais espaço para florescer.

Não se trata apenas de propor ajustes ou inovações incrementais: é preciso coragem política, intelectual e institucional para reimaginar o jornalismo e as infraestruturas digitais como bens públicos essenciais à democracia.

Esta tarefa é ainda mais urgente diante do quadro de insegurança e desesperança que hoje atravessa a humanidade, resultado da falência das formas tradicionais de representação política, do declínio da mediação jornalística e da emergência de um poder informacional opaco e concentrado.

A reconstrução da esfera pública, portanto, não é apenas um imperativo técnico ou institucional, mas uma resposta necessária ao mal-estar difuso que corrói a confiança coletiva e ameaça o próprio futuro da democracia.

Este é o desafio essencial do nosso tempo —enfrentar a consolidação de uma nova ordem social algorítmica, imposta por conglomerados tecnológicos privados que hoje detêm mais poder do que muitos Estados nacionais.

Que soberania? por Oscar Vilhena Vieira

0

Assim como a sociedade brasileira e suas instituições têm sabido se defender dos ataques da extrema direita, saberão se proteger agora dos traidores da pátria

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de “Constituição e sua Reserva de Justiça” (Martins Fontes, 2023).

Folha de São Paulo, 26/07/2025

Nos últimos dias, em face das investidas do presidente norte-americano contra o Poder Judiciário brasileiro, muito tem se falado em soberania no Brasil. Mas de que soberania estamos falando?

A soberania nada mais é do que o poder de um povo de determinar o seu próprio destino, de acordo com suas leis e suas instituições.

Mas este não era o seu sentido original. O conceito de soberania foi incorporado à linguagem jurídica e política no final da idade média, para designar a autoridade absoluta e incontrastável da monarquia sobre seus súditos, em um determinado território. No plano internacional, o termo serviu para indicar a independência de um Estado em relação às demais nações.

Ao longo dos séculos, o conceito de soberania foi sendo profundamente reformulado. Rousseau subverteu o conceito ao retirar a soberania das mãos do príncipe e transferi-la aos cidadãos. A ideia de soberania popular, por ele proposta, reivindica que o poder apenas seria legítimo quando representasse uma fiel expressão da vontade popular.

O conceito de soberania sofreria uma reformulação ainda mais radical, com a ascensão dos regimes constitucionais, estruturados a partir de um sistema de separação de poderes e pela garantia dos direitos fundamentais. Neste momento, o conceito de soberania se afastou, por definitivo, da ideia de poder absoluto, passando a designar uma ordem política pautada na constituição e nos direitos fundamentais.

No plano internacional, no entanto, o conceito de soberania só entraria em declínio após a barbárie do nolocausto, do colonialismo e a perspectiva de destruição total decorrente do desfecho da 2° Guerra.

A criação de uma nova ordem internacional baseada na proibição da guerra, no reconhecimento dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos, na cooperação e no respeito ao direito internacional domesticaram o conceito de soberania e, mais importante, abriram uma nova perspectiva civilizatória à humanidade.

A Constituição de 1988 incorpora em seus primeiros artigos essa concepção humanista de soberania, ao reconhecer que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes ou diretamente, nos termos da Constituição”; que os Poderes devem ser “independentes e harmônicos”; que a República deve perseguir a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária” o “desenvolvimento nacional”, “reduzir as desigualdades” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação”.

No plano internacional, a República Federativa do Brasil deve reger-se, entre outros, pelos princípios da “independência nacional”, “prevalência dos direitos humanos”, “não intervenção”, “repúdio ao racismo e ao terrorismo” e “solução pacífica dos conflitos”. O mesmo respeito que tem com as demais nações o Brasil exige para si.

Foi em defesa dessa concepção generosa, democrática e inclusiva de soberania, que centenas de organizações e milhares de pessoas, representando muitas outras, se manifestaram nesta última sexta-feira no histórico Largo de São Francisco.

Assim como a sociedade brasileira e suas instituições têm sabido se defender ao longo dos últimos anos dos ataques perpetrados pela extrema direita contra o Estado Democrático de Direito, saberão se proteger agora dos traidores da pátria, assim como daqueles que atentam contra a sua democrática soberania.

 

Fome em Gaza, por Hélio Schwartsman

0

É inaceitável que Israel use comida como arma contra o Hamas; solução estável para guerra passa pelo fim de governo Netanyahu

Hélio Schwartsman, Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”

Folha de São Paulo, 26/07/2025

As imagens de palestinos definhando falam por si. Não há justificativa moral para permitir que crianças morram de fome. Pouco importa que tenha sido o Hamas que deflagrou o atual ciclo de violência com os ataques de 7 de outubro de 2023, as forças israelenses que controlam as fronteiras de Gaza têm a obrigação de assegurar que comida chegue aos civis.

E teriam vários outros deveres estabelecidos em leis de guerra que vêm sistematicamente descumprindo. Ao fazê-lo cometem delitos de guerra e quase certamente também crimes contra a humanidade. Quanto à acusação de genocídio, fico com a sabedoria dos juízes de Nuremberg.

Percebendo que o conceito de genocídio era muito mais uma encrenca política do que uma tipificação penal útil, preferiram não utilizá-lo no julgamento dos líderes nazistas, que foram condenados por crimes de guerra, contra a humanidade e contra a paz.

De lá para cá, a situação só piorou, porque o termo “genocídio” foi convertido em arma de propaganda. Quer você chame o que está acontecendo em Gaza de genocídio, quer escolha outros qualificativos, o fato é que não dá para aceitar que um Estado que se quer civilizado utilize comida como arma numa guerra.

A pressão internacional desencadeada pelas fotos de palestinos esquálidos parece ter surtido algum efeito.  Israel anunciou que autorizará mais entregas de ajuda humanitária. Uma solução mais estável, contudo, passa pelo fim do governo de Binyamin Netanyahu, que já deu repetidas mostras de que coloca seus interesses pessoais (agarrar-se ao poder para adiar seu julgamento por corrupção) à frente de quaisquer outras considerações.

Hoje, a hipótese mais realista para a queda do governo não vem da carnificina em Gaza nem das falhas de segurança que permitiram o 7/10, mas de um racha dos setores mais extremistas da coalizão. Para seguir dando sustentação ao governo, os ultrarreligiosos exigem que seminaristas ortodoxos sejam isentos do serviço militar. Tal privilégio é firmemente rechaçado pela população e pelo Judiciário.

 

Debates exaltados

0

Nos últimos meses percebemos novos debates na sociedade internacional, as guerras e os conflitos militares ganharam relevância, os debates sobre a degradação do meio ambiente ressurgem, antes concentrados nos grupos de ambientalistas agora aparecem na boca dos cidadãos mais conscientes, as tarifas comerciais se transformaram num espaço de grandes contendas econômicas, o genocídio ganhou força nas mídias tradicionais, a regulação dos grandes e poderosos conglomerados de tecnologia se fazem presentes nos parlamentos, além de assuntos técnicos, como a tributação, que passou a ser discutida nas mesas dos bares e, as desigualdades sociais, assunto antigo e, esquecido por muitos e analisados apenas no mundo acadêmico, vem ganhando importância nas redes sociais e nos canais alternativos, diante disso, percebemos uma mudança na agenda global e dos debates da sociedade mundial.

As tarifas adotadas pelo governo norte-americano estão gerando grandes constrangimentos para a sociedade internacional, internamente poucos analistas e especialistas acreditam que essa medida vai contribuir  positivamente para a reindustrialização da economia dos Estados Unidos, poucos conglomerados nacionais trarão de volta suas plantas produtivas, sabendo que os custos externos são muito menores, tudo isso tende a gerar frustração e abalos políticos internos, além do aumento da inflação e, posteriormente, incremento das taxas de juros internas, que aumentam o endividamento das famílias, reduzindo o poder de compra e diminuindo o dinamismo dos setores produtivos. Externamente, as tarifas elevadas comprometem inúmeros setores produtivos mundiais, fragilizando as cadeias de valor global, gerando incertezas crescentes, além de instabilidades que levam os trabalhadores a flertarem com o desemprego e a exclusão social.

Neste cenário, percebemos que os assuntos relacionados a conflitos militares e guerras fratricidas ganham relevância na sociedade global, canais de youtube se especializam em mostrar episódios das guerras cotidianas que se espalham para a sociedade internacional, mostrando massacres televisionados ao vivo, explosões, bombas e destruições que degradam a infraestrutura das nações, destroem comunidades inteiras, disseminando ressentimentos, ódios e desesperanças, além de destacar os grupos financeiros e conglomerados industriais que ganham valores astronômicos com a morte e a devastação da vida humana.

Outro assunto que vem ganhando espaço nas discussões internacionais é referente aos projetos mundiais de uma tributação mais progressiva, uma taxação dos bilionários que garantiriam trilhões de dólares que poderiam ser utilizados para reduzirem as desigualdades globais.

Neste debate que cresce no mundo contemporâneo, embora sejamos uma das nações mais desiguais do mundo, onde os grupos mais favorecidos pouco pagam em impostos, garantem isenções do pagamento de tributos sobre lucros e dividendos, impedem discussões sobre a progressividade tributária e se comportam como uma elite rentista, patrimonialista, endinheirada e que pouco se preocupa com os rumos da sociedade nacional,  defendem seu status quo, lutam para manter seus privilégios, suas benesses e suas pomposas isenções fiscais e tem a pachorra de defender, nas mídias tradicionais, a redução dos repasses para os grupos mais depauperados.

Mesmo sabendo de que os debates exaltados crescem no mundo todo, percebemos que estas discussões são frágeis em seus conteúdos, cada grupo busca manter seus ganhos imediatos, buscam defender seus interesses em detrimento de seus concorrentes, se esquecem de que vivemos num mundo fortemente globalizado e integrado. Os melhores debates precisam reconhecer que vivemos num mundo multilateral, fortemente desigual e interdependente, onde os poderes não estão concentrados em uma única nação.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

 

 

O fascio do Tio Sam, por Eugênio Bucci

0

Eugênio Bucci – A Terra é Redonda – 23/07/2025

A crítica contundente de Roberto Reich ao governo Trump revela um cenário de retrocessos sociais e econômicos, comparando o presidente americano aos ditadores da década de 1930 e alertando para o avanço do fascismo nos EUA

Agora, quem usa a palavra “fascismo” para se referir ao governo de Donald Trump é Robert B. Reich, um intelectual sem nenhum histórico de surtos esquerdistas. Longe disso, Robert Reich tem uma trajetória de ponderada coerência. Advogado, foi Secretário do Trabalho (cargo equivalente ao de ministro no Brasil) durante o governo de Bill Clinton, de 1993 a 1997. Era cordial e atencioso no trato com jornalistas – brasileiros, inclusive.

Robert Reich foi também professor de Políticas Públicas em Berkeley. Hoje, aposentado, segue em destaque como autor de livros, alguns deles best-sellers, e como articulista frequente em jornais e revistas como The New York TimesThe New YorkerThe Washington PostThe Wall Street Journal, e The Atlantic. Sua voz não costuma ceder a radicalismos e destemperos.

Pois esse sujeito, lúcido e sensato, publicou no início do mês, em seu newsletter com mais de um milhão de assinantes, uma crítica ácida da lei orçamentária que o presidente dos Estados Unidos conseguiu aprovar no Congresso.

Robert Reich diz que o pacote vai “os Estados Unidos mais cruéis” do que já são. Não é para menos. A peça orçamentária retira mais de um trilhão de dólares do Medicaid (assistência médica pública). Até 2034, vai condenar ao abandono um contingente de 12 milhões de americanos. Além disso, providencia uma substanciosa redução de impostos dos mais ricos e turbina o caixa das ações militares de combate à imigração.

O sadismo é tanto que Robert Reich compara Donald Trump com os chamados “homens fortes da década de 1930 – Hitler, Stalin, Mussolini e Franco”, e conclui: “O fato de uma legislação tão regressiva, perigosa, gigantesca e impopular ter sido aprovada no Congresso demonstra o quanto Trump arrastou os Estados Unidos para o fascismo moderno”. O parlamento abaixa a cabeça à prepotência do Executivo. A Suprema Corte, pelo que se vê, tomará caminho parecido. Fascismo é a palavra.

Não foi por falta de aviso. Há cinco anos, num longo artigo publicado no New York Review of Books, Sarah Churchwell, professora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Londres, definiu, logo no título, o resumo do primeiro governo de Donald Trump: “Fascismo americano: aconteceu aqui”.

Depois de registrar que o presidente andara posando com uma Bíblia na mão, Bíblia que nunca leu, a autora lembrou um velho ditado: “Quando o fascismo chegar à América, estará envolto na bandeira e carregando uma cruz.”. Ela alertou que a frase, comumente atribuída a Sinclair Lewis, tem sua origem mais provável nos discursos de James Waterman Wise, filho do rabino Stephen Wise. Há quase um século, James Wise avistou o perigo e antecipou: o fascismo chegaria nas terras do Tio Sam “embrulhado na bandeira americana ou em um jornal de Hearst”.

William Randolph Hearst, ganancioso e narcisista, foi o magnata da imprensa retratado com genial mordacidade no filme Cidadão Kane, de Orson Welles, lançado em 1941. Aos olhos de Wise, a América de Hearst desejava o fascismo, mas de um tipo diferente.

Bingo: no paraíso das celebridades, do consumismo pantagruélico, do entretenimento fútil e do glamour aloirado, a tintura capilar de Marilyn Monroe ganhou uma estranha ressurreição sobre cocuruto de Donald Trump e as piores vocações autocráticas encontraram seu ponto de equilíbrio – um equilíbrio meio desequilibrado, por definição.

Há algo de imperialista na fórmula, como comprovam as ordens do inquilino da Casa Branca para que fossem revogados os vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Os Estados Unidos, hoje, assumem a forma de um regime arrogante que confere ou retira autorizações de viagem não mais segundo normas impessoais, como recomenda o melhor Direito Internacional, mas segundo as manias irracionais do chefe. Absolutismo é pouco. O que estamos vendo lá é um fascismo tipo exportação.

Muitas outras características trumpeteiras ecoam os “homens fortes da década de 1930 — Hitler, Stalin, Mussolini e Franco”. O imperador blonde faz uso do aparato policial público para perseguir desafetos privados, copiando práticas adotadas do nazismo e do fascismo históricos. Em seu livro clássico Origens do totalitarismo, Hannah Arendt apontou esse traço distintivo quando descreveu as ditaduras do Duce na Itália de o Führer na Alemanha.

Donald Trump, hoje em feitio desarvorado, replica o mesmo traço: mobiliza tropas estatais para reprimir e prender estudantes desarmados, ameaça escritórios de advocacia que abracem causas incômodas aos seus interesses e veta a presença dos jornais de que não gosta na cobertura dos atos de governo.

Não, isso não é democracia. Isso não é nem mesmo um autoritarismo que procura se disfarçar de democracia. Isso é convulsão institucional prestes a se assumir como ditadura escancarada. Isso é um poder que, de forma consciente, deliberada e ostensiva, dispara ataques sucessivos contra as democracias organizadas do mundo. O Tio Sam empunha o fascio e o Brasil é só mais uma de suas vítimas. O estrago político será maior que o descalabro econômico.

Eugênio Bucci é professor titular na Escola de Comunicações e Artes da USP. Autor, entre outros livros, de Incerteza, um ensaio: como pensamos a ideia que nos desorienta (e oriente o mundo digital) (Autêntica).

Tributar lucros e dividendos, por Paulo Kliass

0

Paulo Kliass – GGN – 08/07/2025

Em dezembro de 1995, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) sancionou a Lei n® 9249. Na origem, tratava-se de um Projeto de Lei (PL 913/95) encaminhado por ele mesmo ao Congresso Nacional tratando de modificações na legislação relativa ao Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas (IRPJ), em meio a outros assuntos. Dentre um conjunto amplo de facilidades oferecidas ao capital pela equipe do então Ministro da Fazenda, Pedro Malan, destaca-se a imensa generosidade proporcionada pelo dispositivo que isentava os lucros e dividendos do pagamento do tributo sobre a renda. O art. 10 da lei é muito claro a esse respeito:

(…) “Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.” (…)

No final do presente ano serão completadas três décadas de vigência desta verdadeira excrescência tributária. Neste quesito, o Brasil está acompanhado tão somente de outros dois países: Letônia e Estônia. A oferta de tamanha benesse ao capital representa um absurdo em termos de aumento do já elevado grau estrutural da regressividade do sistema tributário brasileiro. Contando com um modelo de impostos baseado essencialmente no consumo, nosso País quase não tributa o patrimônio e as rendas elevadas. No entanto, tal distorção que acompanha a regime de arrecadação desde sempre e foi ainda mais agravada quando o Congresso Nacional decidiu por isentar também os lucros e os dividendos.

Generosidade de FHC existe desde 1995.

Para além da injustiça tributária flagrante e da perda de capacidade arrecadatória evidente, a novidade provocou um profundo rearranjo perverso no interior das próprias relações trabalhistas. As empresas passaram a estimular parte de seus assalariados a criarem pessoas jurídicas (PJs) de fachada para burlar a contratação formal via carteira de trabalho. Com isso, em especial os contratados de maior remuneração passaram a não mais pagar imposto de renda, que até então era recolhido na fonte. Seus ganhos derivados da relação de trabalho converteram-se em lucros apurados nas respectivas PJs. Daí o termo generalizado de “processo de pejotização” para caracterizar a nova realidade de segmentos do mercado laboral.

Os analistas que acompanhamos esse debate há muito tempo talvez não ficássemos tão surpresos quando a medida veio de um governo marcadamente neoliberal e que orientava suas ações em prol daquilo que hoje chamamos de “povo da Faria Lima”. Afinal, era a época de FHC no Palácio do Planalto.  No entanto, o mais intrigante é que depois de quase 17 anos de governos dirigidos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nada foi feito a esse respeito. Na verdade, bastaria uma Medida Provisória para corrigir esta enorme distorção, mas ao que tudo indica isto nunca foi considerado como prioridade de política pública para Lula ou Dilma.

A ironia da História é que o primeiro governo a enviar alguma alteração da matéria foi justamente o de Jair Bolsonaro, uma gestão de extrema direita e marcada por uma profunda influência do neoliberalismo e dos interesses do sistema financeiro em sua pauta para a economia. O superministro Paulo Guedes apresentou um Projeto de Lei, o PL 2337 de 2021, tratando de vários aspectos da tributação, mas também eliminando a referida isenção e propondo uma alíquota considerada por muitos como bastante elevada (20%) com a volta de incidência de IRPJ.

(…) “Art. 10-A. A partir de 1º de janeiro de 2022, os lucros ou dividendos pagos ou creditados sob qualquer forma pelas pessoas jurídicas ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza retido na fonte à alíquota de vinte por cento na forma prevista neste artigo.” (…)

Ao longo da tramitação, no entanto, a própria base parlamentar do governo conservador considerou um exagero a proposta inicial e o Relator da matéria na Câmara dos Deputados apresentou um texto substitutivo incorporando uma das emendas que reduzia a alíquota do tributo para 15%. O texto foi aprovado em setembro daquele ano na primeira casa legislativa que o apreciou, mas terminou abandonado nas gavetas da tramitação quando chegou ao Senado Federal.

(…) “Art. 10-A. A partir de 1º de janeiro de 2022, os lucros ou dividendos pagos ou creditados sob qualquer forma, inclusive a pessoas físicas ou jurídicas isentas, […] ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza retido na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento) na forma prevista neste artigo.” (…)

O interessante é que naquele período a Câmara dos Deputados estava sendo presidida por Arthur Lira, que havia sido eleito para o cargo em fevereiro de 2021. O parlamentar considerava a matéria da reforma dos tributos como uma questão de honra para sua gestão, mas a chamada “câmara alta” não colaborou para seu intento. Pois agora, quatro anos depois, ele retorna ao centro da cena política e consegue ser nomeado como Relator do Projeto do governo Lula de isenção de IR para os assalariados que recebem até R$ 5 mil mensais. Trata-se do PL 1.087/25.

10% é uma alíquota muito baixa!

            O Relator já deu declarações de que poderia recuperar o projeto original de Paulo Guedes e que foi aprovado pela Câmara em 2021 como forma de garantir recursos para compensar a perda tributária decorrente da elevação do piso para isenção do IR para assalariados até R$ 5000,00.

A proposta original do governo Lula para efetuar essa compensação é a aplicação de uma alíquota de apenas 10% sobre a distribuição de lucros e dividendos, em uma versão bem mais restritiva de tais operações. O texto elaborado por Fernando Haddad prevê a aplicação do tributo apenas para transferências superiores a R$ 50.000 mensais e somente para casos de transferência de lucros e dividendos para pessoas físicas.

(…) “Art. 6º-A A partir do mês de janeiro do ano-calendário de 2026, o pagamento, o creditamento, o emprego ou a entrega de lucros e dividendos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física residente no Brasil em montante superior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em um mesmo mês fica sujeito à retenção na fonte do imposto sobre a renda das pessoas físicas mínimo – IRPFM à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o total do valor pago, creditado ou entregue.” (…)

Ora, em pleno momento de aceitação popular do movimento para taxação dos super ricos, caberia a oportunidade para avançar ainda mais nos projetos que apontem para tal caminho. Ainda que cause estranheza o fato de Haddad ter enviado uma proposta inicial mais tímida do que a apresentada por Paulo Guedes e a que foi aprovada pela Câmara dos Deputados, o fato é que o governo conta com a opinião pública a seu favor no assunto. Assim, é perfeitamente plausível imaginarmos que Lula poderia orientar sua base aliada no Parlamento a elevar a alíquota de 10% e aceitar a sugestão de Arthur Lira para que seja adotada 15% ou 20% de IRPJ como a nova regra tributária para lucros e dividendos.

Trata-se de uma medida tributária mais do que justa e necessária. Apesar das três décadas de atraso, o fim da isenção de lucros e dividendos viria a corrigir essa enorme regressividade em nosso modelo de arrecadação. A campanha “BBB” prevê a imposição de tributos sobre bilionários, bancos e bets. Ainda que o retorno da imposição de IRPJ sobre lucros e dividendos seja uma proposta correta, ela não chega nem a fazer coceguinhas sobre o topo da nossa pirâmide da desigualdade. Ainda são aguardadas medidas de tributação efetiva do patrimônio e o estabelecimento de alíquotas mais elevadas de imposto de renda para os ganhos de milionários e bilionários. Afinal, pelas regras atuais, a maior alíquota é de apenas 27,5% e se aplica a todos os que recebem mais de R$ 4.668 mensais.

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

 

Cassino Global

0

Vivemos num momento de grandes transformações estruturais da sociedade mundial, regras internacionais, escritas e consolidadas desde meados do século passado, estão sendo desrespeitadas todos os dias, modelos de negócios exitosos estão sendo destruídos, empregos consolidados estão exigindo novas habilidades, investimentos que demandam previsibilidade e planejamento estratégico estão sendo alterados e substituídos por investimentos de altos riscos, estimulados pelo crescimento das incertezas e das instabilidades econômicas, o mundo vem se transformando rapidamente, alterando comportamentos humanos, aumentando a concorrência entre governos, empresas e indivíduos, um verdadeiro cassino global, marcado pelo incremento do imediatismo, do individualismo, do fanatismo e na busca crescente pela acumulação monetária, vistas como um verdadeiro símbolo de sucesso individual.

O mundo contemporâneo está sendo dominado pelos interesses do grande capital financeiro global e das chamadas big techs, as chamadas empresas de tecnologias, conglomerados dotados de grande desenvolvimento tecnológico e elevado poder político global, que controlam setores fundamentais da economia mundial, elegem representantes, impõem agendas de seus interesses, criam legislações que garantem retornos financeiros, evitando que órgãos de regulação limitem seus poderes, além de fragilizar as estruturas democráticas e contribuindo para distanciar os representantes eleitos dos interesses dos seus eleitores.

Vivemos num momento de grande mutação econômica, agitação política, movimentação cultural, fragilização social e degradação ambiental, que se manifestam na sociedade global num verdadeiro caos institucional, as regras do Direito Internacional estão sendo colocadas de cabeça para baixo, governos estrangeiros se arvoram no poder de intervir em outras nações, exigindo reparações, impondo tarifas, elevando taxas e ameaças crescentes.

Neste cenário de grande instabilidade e crescente incerteza, os ganhadores garantem seu incremento econômico, aumentam seus patrimônios monetários, incorporam seus concorrentes, fortalecem seus monopólios e, em contrapartida, aumentam as desigualdades sociais e incrementam rapidamente as vulnerabilidades dos seres humanos, degradando famílias e criando indivíduos desesperançados, muitos deles buscam auxílio em terapias para compreenderem seus conflitos individuais e coletivos, encontrando a frieza das máquinas e das inteligências artificiais que tendem a se colocarem na mediação dos conflitos humanos e a substituir os psicólogos, psicanalistas e demais profissionais.

Neste ambiente de incertezas, marcadas por transformações comerciais estimuladas pelas imposições do governo norte-americano, percebemos graves constrangimentos para a economia internacional, setores inteiros estão em polvorosa, os prejuízos crescem todos os dias, as incertezas podem levar ao aumento dos preços internos, levando governos a adotarem políticas monetárias mais restritivas, trabalhadores percebem que seus empregos estão sendo ameaçados, o desemprego eleva as instabilidades profissionais e impactam sobre as questões familiares e geram movimentos nacionalistas verdadeiros e genuínos para defenderem seus interesses e seus setores econômicos e produtivos.

Neste cenário de incertezas e desesperanças deste verdadeiro cassino global, as violências crescem de forma acelerada e generalizada, levando os governos nacionais a aumentarem os dispêndios em segurança pública, contratando efetivos maiores, aumentando os gastos em tecnologias internacionais de monitoramento e vigilância urbana, se esquecendo de que as raízes dos desequilíbrios estão em outras searas, não adiante encarcerar indivíduos sem combater os privilégios de poucos, não adiantar aumentar a população carcerária sem combater a degradação da educação, diante disso, estamos longe, muito longe de atacarmos nossos maiores desafios. O cassino global enfatiza a chamada guerra entre ricos e pobres na sociedade mundial e, os ganhadores não são os últimos.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.