Sérgio Abranches: ‘Bolsonaro nasceu no extremo, sempre foi o que é hoje’

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Para cientista político, presidente não tem sido capaz de buscar a conciliação em um ambiente de crise política iniciada em 2014.

Entrevista com: Sérgio Abranches, cientista político e sociólogo

Paulo Beraldo, O Estado de S. Paulo – 01/09/2019

Em um cenário de crise política, que não acabou com a eleição, o presidente Jair Bolsonaro não tem sido capaz de buscar uma “conciliação” e dialogar com demais setores da sociedade. A análise é do sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, autor de, entre outros livros, Presidencialismo de Coalizão – Raízes e Evolução do Modelo Político Brasileiro.

“Ele nasceu no extremo. Sempre foi o que é. Está na direita, bem lá na ponta”, disse em entrevista ao Estado. Segundo Abranches, a perda de popularidade de Bolsonaro é “preocupante”. “Qualquer fagulha pode pegar fogo”. O sociólogo afirmou ainda que a polarização minou a centro-esquerda e empurrou o PT, principal partido de oposição, para uma esquerda de “posições que já deveria ter abandonado”, enquanto PSDB e DEM foram puxados para a direita.

“Está vazia uma centro-esquerda e até um centro mais moderado, com uma visão mais social, um posicionamento contemporâneo, reformista, que tenha consciência da crise dos empregos, dessa nova economia, que entenda que a globalização é inevitável e que o mundo hoje é mais cosmopolita”. Abaixo, a entrevista completa.

Por que, com apenas oito meses de um novo governo, já se fala em cenários para 2022?

O Brasil está em uma crise política desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff. A crise não foi superada. O impeachment agravou a crise e aguçou a polarização. Michel Temer também não conseguiu superar a crise, que, depois, virou paralisia de governo no momento em que ele precisou obter o veto para impedir que fosse processado no Supremo. A polarização que continuou no governo Temer desaguou nas eleições de 2018, que foram disruptivas, mas pouco construtivas.

Pesquisa divulgada na segunda-feira mostrou que a desaprovação pessoal do presidente Bolsonaro subiu de 28% para 53%. Isso é motivo de preocupação?

Há razões para ficar preocupado. A crise não acabou com o fim da eleição. Continua sendo um governo no contexto de uma crise política, que se agravou porque o presidente tem uma atitude de confrontação. Ele não é capaz de um movimento de conciliação, de uma abertura para setores da sociedade e do mundo. É muito fechado. Em geral, quando o presidente perde rapidamente popularidade, temos um quadro de instabilidade da própria governança. Isso pode produzir um tipo de conflito que não seria positivo para o momento atual.

E o que, na sua avaliação, tem mitigado a crise?

É o desempenho do Congresso que tem conseguido manter um ritmo de produção legislativa relevante. Isso cria um espaço de normalidade política que ajuda. Imagine se estivéssemos em um processo de paralisia do Legislativo, sem a aprovação da reforma da Previdência, se nada passasse? Aí sim estaríamos em um quadro mais grave.

Mas se olharmos no detalhe, há claramente uma  tensão entre Executivo e Legislativo. O governo tem perdido muitas decisões, toda hora há atritos. É uma relação ciclotímica por causa dessa atitude mais acintosa do presidente, que decidiu ser um presidente minoritário e não formar coalizão.

Há uma discussão em torno da fusão de partidos, notadamente entre DEM, hoje representado pela figura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e pelo PSDB. liderado pelo governador João Doria. Como avalia essa possibilidade?

É muito provável que haja esse processo de fusão de partidos à medida que vamos nos aproximando de 2020, a não ser que o Congresso revogue a proibição de coligações proporcionais, o que seria muito ruim. O movimento natural é que aqueles com certa afinidade de valores e comportamentos se fundem. O PSDB se moveu para a direita, é natural que se funda com o DEM. São partidos de centro-direita. João Doria, Alexandre Frota (expulso do PSL), as novas relações foram movendo o partido mais para a direita, ainda que haja uma facção mais à esquerda, claramente minoritária, e candidata a buscar outra legenda.

O sr. entende que Bolsonaro foi empurrado para o extremo? 

Não, ele nasceu no extremo. Sempre foi o que é. Ele até andou tentando maquiar a posição dele, dizendo que é de centro-direita, mas ele é de direita mesmo, lá na ponta.

E quem vai ocupar o espaço do centro na política nacional?

O espaço que está ficando vazio na política hoje é a centro-esquerda. O PT está na sua própria crise e não consegue formular uma nova posição, mais contemporânea e alinhada com os desafios do século 21. Há uma parte importante da centro-esquerda sem representação. Com a polarização, o PT foi empurrado para uma esquerda de posições que já deveria ter abandonado, retrógradas. Já outros partidos foram sendo puxados para a direita.

Está vazia uma centro-esquerda e até um centro mais moderado, com uma visão mais social, um posicionamento contemporâneo, reformista, que tenha consciência da crise do emprego, dessa nova economia, que entenda que a globalização é inevitável e que o mundo hoje é mais cosmopolita.

O apresentador de TV Luciano Huck e o ex-governador do Espírito Santos Paulo Hartung tem mostrado disposição de entrar no jogo político. Eles poderiam ocupar esse espaço?

Conheço a trajetória do Paulo Hartung. É um candidato claro a ser um protagonista na formação de um pensamento social-democrata. Começou na prefeitura de Vitória com uma aliança PSDB-PT pouco provável. Ele tem uma visão que permite isso. O Luciano Huck não sei como pensa. Mas, claramente, Paulo Hartung é um político que tenta gravitar e construir uma alternativa nesse perímetro entre a centro-esquerda e o centro.

Onde vê o ministro Sérgio Moro em um cenário eleitoral?

Politicamente, hoje não consigo ver. Ele tomou uma decisão muito custosa, abandonou uma carreira de juiz segura, estável, previsível, por um cargo muito incerto, sujeito a chuvas e trovoadas. O Ministério da Justiça sempre foi um espaço de muito conflito. Todo ministro é demissível a qualquer momento. É um cargo muito precário. Foi uma escolha de muito risco e, para tomar esse risco, ele deve ter algum mecanismo de proteção, um acordo para voltar para a magistratura em um cargo de nomeação, ou mesmo uma perspectiva de entrar na vida política. O que vejo é que foi uma troca do certo pelo incerto.

Como as disputas locais de 2020 ajudarão a definir as nacionais?

As lógicas são muito diferentes, são sistemas partidários distintos. Partidos importantes no Rio não necessariamente têm força em capitais do Nordeste ou do Sul. A qualidade de vida das cidades é muito próxima do cidadão, os temas locais predominam. Mas, ciclicamente, tem havido momentos em que as eleições municipais coincidem com o debate nacional.

O discurso se repete quando o quadro está muito polarizado, em uma crise como a de agora. Se o discurso não mudar, teremos um debate, sobretudo nas capitais, muito mais nacionalizado. Mas entendo que a escolha do eleitor continuará sendo baseada em questões locais.

Como vê o STF no cenário político, cujo presidente, ministro Dias Toffoli, chegou a participar em maio de um “pacto” proposto pelos chefes dos Três Poderes? 

A ideia de que o presidente do STF participe de reuniões políticas e se envolva numa espécie de pacto entre Poderes é um desvirtuamento da função jurisdicional, sobretudo num momento de muita judicialização da política. A Corte deveria se manter razoavelmente impermeável a pressões políticas. Claro que não existe despolitização completa, mas há um limite a partir do qual a politização se torna danosa para a isenção do processo jurisdicional.

O STF é a última palavra, a última instância. Houve um avanço excessivo de decisões autocráticas que minam o espírito do colegiado, que é um mecanismo de freio e contrapeso significativo. Ter a participação de juízes de gerações diferentes, nomeados por fontes políticas diferentes e com visões doutrinárias diferentes dá um certo equilíbrio ao processo. Quanto menos colegiado e quanto mais autocracia houver, pior o papel do Supremo como um ponto de equilíbrio.

Como avalia que a interferência do presidente da República na autonomia de instituições como a Política Federal e o COAF afeta a qualidade da democracia brasileira? 

É um risco importante. O que a sustenta a democracia é um equilíbrio entre os Poderes. Esse desmonte das instituições de fiscalização e controle coloca em xeque boa parte da estrutura dos mecanismos de freios e contrapesos. A investida mais danosa é contra o Ministério Público Federal.

O Executivo e o Legislativo são muito permeáveis a pressões, então é preciso uma regulação independente para coibir abusos. No momento em que vivemos, de sociedade e economia digitalizadas mas política ainda analógica, é preciso começar a pensar em freios e contrapesos para fazer a passagem do analógico para o digital. A lavagem de dinheiro, hoje, é claramente digital.

Nas últimas semanas o Brasil se viu em uma crise diplomática e no centro das atenções com o aumento dos incêndios da Amazônia. Paralelamente, o presidente deseja nomear o filho, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para embaixada em Washington. Um levantamento do ‘Estado’ mostra que o Senado resiste. Há risco de ele ser barrado?

Quando a votação é secreta, sempre há risco. Para o bem e para o mal. O mais importante é o fato de que essa polêmica ambiental incendiou as relações diplomáticas do Brasil com a França e com a União Europeia. Já a questão da nomeação de um filho para uma embaixada tão importante representa o desmonte da diplomacia brasileira. A diplomacia funciona como um amortecedor das paixões pessoais, colocando as razões de Estado em primeiro plano, que são permanentes. O Brasil tem tradição de uma diplomacia profissional muito significativa, que fez com que o País, sem grandes poderes econômicos e militares, sempre tivesse protagonismo. Toda essa qualidade é colocada em xeque (com essa escolha).

A história da desigualdade no Brasil, segundo Pedro Ferreira de Souza

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José Roberto Castro, 21 de julho de 2019 – NEXO Jornal

Na mais completa pesquisa sobre distribuição de renda no Brasil, pesquisador Pedro Ferreira de Souza analisa nove décadas de concentração entre os mais ricos.

O Brasil é um país extremamente desigual, mas nunca foi muito melhor ou pior do que é hoje. Esta é uma das conclusões de “Uma história de desigualdade”, livro do pesquisador do Ipea Pedro Ferreira de Souza que analisa a concentração de renda no país entre 1926 e 2013. A obra é a adaptação da tese de doutorado do pesquisador, premiada pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e pela Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) em 2017 e aclamada entre estudiosos do tema.

O sociólogo Celso Rocha de Barros, por exemplo, chamou “Uma história de desigualdade” de “o melhor trabalho produzido pelas ciências sociais no país nos últimos anos”. Além de analisar a desigualdade no Brasil por um longo período, a obra de Ferreira de Souza tem inovações.

O pesquisador seguiu uma tendência recente no mundo de utilizar dados do imposto de renda para ajudar a medir a concentração de renda entre os muito ricos – o principal foco do estudo. No passado, se utilizava apenas pesquisas por amostragem como a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que têm dificuldades de medir a renda no topo da pirâmide.

Um levantamento de um período tão longo utilizando também dados do imposto de renda é inédito no Brasil. E algumas das conclusões a que o pesquisador chegou contrariam o que se pensava antes.

Para Ferreira de Souza, a concentração no Brasil “não obedeceu modelos pré-definidos: não houve a história de primeiro crescer pra depois distribuir, nem é verdade que a desigualdade está sempre piorando”. Uma das polêmicas do estudo é afirmar que a desigualdade não caiu drasticamente durante o governo Lula, mesmo que os programas de transferência de renda tenham tirado milhões da pobreza.

A pesquisa também percebeu que o país vive ondas de concentração de renda e que os dois piores períodos para a desigualdade aconteceram nas duas ditaduras do período analisado: o Estado Novo e a ditadura militar. Durante todo o período, a renda do 1% mais rico variou em torno dos 25% do total. Já o 0,1% mais rico ficou com algo próximo de 10% da renda nacional.

Pedro Ferreira de Souza conversou com o Nexo sobre as conclusões do livro, sobre a influência do Estado na concentração de renda e sobre as possibilidades de o Brasil se tornar um país menos desigual no futuro. A seguir, os principais trechos.

Qual a origem histórica da desigualdade no Brasil?

PEDRO FERREIRA DE SOUZA A gente aprende desde muito cedo que a colonização é o que determina o que a gente é, que a gente está até hoje pagando o preço de ser fundado na escravidão e na grande propriedade. Recentemente passou a se perceber que no início do século 20 a desigualdade da América Latina era muito parecida com a da Europa e lá mudou muito rapidamente. Então a questão não é só entender os motivos pelos quais a América Latina é assim, mas também os motivos pelos quais ela continua assim, por que perdeu o bonde da história. Os resultados da tese dão algum apoio a essa hipótese de que não era tão diferente no início do século 20. Claro que há ressalvas, estimativas de distribuição de renda são complicadas em uma sociedade em que uma parte grande da população é escrava. É uma desigualdade qualitativamente diferente que não pode ser ignorada. Mas o que a gente consegue ver é que mesmo países que naquele momento eram muito desiguais e que pareciam que não mudariam, conseguiram ser diferentes em 20 anos. Então no Brasil podemos dizer que a desigualdade foi estruturada muito alta a partir desse processo de colonização, mas também o país perdeu diversas oportunidades de entrar numa via diferente. A origem pode estar lá atrás, mas as saídas que a gente não tomou foram muitas. A própria interrupção da normalidade democrática contribuiu para isso.

Há alguma relação entre democracias e ditaduras com a concentração de renda no topo?

PEDRO FERREIRA DE SOUZA Há uma relação. Acho que a história é mais complexa do que simplesmente dizer que democracia é menos desigualdade e ditadura é mais. Mas em última instância tem sim uma relação. No Brasil, e em outros países a gente também vê isso, a ditadura foi bem mais eficiente em piorar a desigualdade do que a democracia foi boa para reduzir. No geral, o aumento rápido em períodos de ditadura é muito nítido. Na Alemanha nazista, no Chile de Pinochet também houve aumento de concentração no topo. Mas há outros fatores. No caso do Estado Novo, acho que a guerra foi muito importante para aquele aumento da desigualdade. Na ditadura militar, o aumento é contínuo nos dez primeiros anos, mas até ali houve um limite, o que mostra que em nenhum lugar a desigualdade seguiu crescendo para sempre. No governo Geisel começa inclusive uma preocupação com a redução da desigualdade. Nos anos 1980, com crise e inflação, a desigualdade inclusive piora. Nos anos 90 tem uma queda provavelmente associada ao controle da inflação. Mas nos últimos anos, olhando só a concentração de renda no topo, na melhor das hipóteses ela está estável.

É possível identificar como o Estado brasileiro operou no aumento ou redução da desigualdade?

PEDRO FERREIRA DE SOUZA O Estado é um agente central da vida em sociedade. Justamente dessa coincidência de flutuação da desigualdade conforme eventos políticos marcantes veio o empurrão para eu tentar interpretar os resultados sob essa luz. Obviamente não dá para avaliar empiricamente tudo, mas dá para tentar entender quais foram as políticas e quais os efeitos plausíveis sobre a distribuição de renda. São abundantes exemplos de políticas que obviamente favorecem mais alguns grupos do que outros. Nas duas ditaduras, há exemplos caros. No Estado Novo, o fechamento total do regime foi um fechamento à direita, anticomunista, e com uma aliança muito forte com fatias do empresariado – aliado a severa restrição de manifestação fora do aval do regime. A CLT foi promulgada sem os trabalhadores rurais, que eram a maioria. E mesmo assim, com vários direitos trabalhistas já efetivados, durante a guerra houve a suspensão desses direitos em várias indústrias que seriam estratégicas. No fundo, era um momento de complicação no comércio mundial, não tinha como importar matéria prima, mas tinha demanda até por manufaturados. A solução foi explorar ao máximo a capacidade instalada, inclusive a força de trabalho, com arrocho salarial. Assim como em 1964 houve um movimento parecido. Perseguição a todos os movimentos de oposição, uma interferência profunda no mercado de trabalho determinando regras de reajuste de salário mínimo e de acordos coletivos. A política oficial, reconhecida só depois de forma meio envergonhada, era dar reajustes bem abaixo até mesmo da inflação. E esse tipo de arranjo também é possível em determinados momentos até em democracias. O Estado está o tempo todo dando vantagens e desvantagens para diferentes grupos, não é à toa que o Brasil dos últimos anos é uma grande fila de empresários batendo na porta de gabinete.

Sua tese conclui que a desigualdade se mexeu muito pouco nas últimas décadas. Mas falando sobre a renda e sobre as condições de vida dos mais pobres, houve alterações?

PEDRO FERREIRA DE SOUZA Houve mudanças, é importante separar as coisas. O que entusiasmou todo mundo era que o Brasil estava tendo um momento de crescimento, com redução da pobreza e redução da desigualdade. Uma coisa inédita e que parecia fantástica. O que aconteceu foi que tivemos crescimento de renda, com certeza a pobreza diminuiu bastante. Em medidas de desigualdade a mudança até existe, mas ela é bem mais fraca do que a gente imaginava. É uma mudança modesta. Quem avançou muito foram os mais pobres e os muito ricos, o topo e a base da pirâmide avançaram mais do que quem está no meio. Então quem está no meio, no sentido estatístico mesmo do termo, acabou sendo apertado. Viu os pobres chegarem mais perto e os ricos ficarem um pouco mais longe. Embora, em termos absolutos, em real no bolso, todo mundo tenha tido algum ganho. A pobreza diminuiu muito até o início da crise, com políticas desde os anos 1990, nos anos 2000 mais ainda. É uma melhora significativa, é muito importante. Na desigualdade é que a mudança é menor do que se imaginava antes.

Há algum tipo de indício sobre os efeitos da crise de 2014 na desigualdade no Brasil?

PEDRO FERREIRA DE SOUZA A resposta definitiva vai demorar alguns anos, até por um certo azar de não podermos comparar períodos diferentes porque o IBGE fez uma mudança metodológica nas pesquisas, já estava prevista há anos. Interrompe a série, não se compara 2017 com 2011. Mesmo antes da crise, mesmo nos dados mais otimistas que não contavam o Imposto de Renda, já havia uma queda mais lenta da desigualdade, uma leve estacionada. Com a crise, o cenário mais provável é que houve algum aumento da desigualdade e certamente um aumento da pobreza. Mas a desigualdade não deve ser também explosiva porque todo mundo empobreceu com essa crise, foi muito pesada. Catastrófica é a queda da renda média, na desigualdade devemos medir alguma piora. Para desigualdade, mais do que os efeitos do auge da crise, pode ser importante ver como vai se dar a recuperação dessa crise. Sobre isso a gente não sabe nada ainda e isso vai ditar as perspectivas dos próximos anos, do que vai ser o novo normal.

Taxar mais os mais ricos seria o principal mecanismo de diminuição da desigualdade? Quais seriam os parâmetros e os mecanismos adequados?

PEDRO FERREIRA DE SOUZA A tributação é a bola da vez do debate. O Brasil tem problema fiscal, precisa aumentar a arrecadação ou cortar gastos, pode pelo menos distribuir de um jeito mais justo o fardo da arrecadação. Para tentar diminuir a desigualdade, a reforma tributária é a ferramenta mais óbvia – desde que a gente entenda que não vai ser isso que vai resolver magicamente nossos problemas de distribuição de renda. Se fizer uma boa reforma – que aumente tributação de renda e patrimônio, que desonere o consumo dos mais pobres e diminua as distorções econômicas causadas pelos impostos indiretos – provavelmente o país vai melhorar. Mas isso sozinho não transforma o Brasil na França. O governo federal poderia mexer no imposto de renda, que funciona muito bem, mas os parâmetros podem ser muito melhorados para fazer do imposto mais progressivo. Aumentar a base do que é rendimento tributável é a primeira coisa. Hoje há uma anomalia de que o tributável é a menor parte da renda dos mais ricos – esses têm muito rendimento isento ou muito rendimento que é tributado na fonte numa alíquota muito menor, como investimentos financeiros. Os rendimentos de capital são cada vez mais importantes para os mais ricos. Resolvido isso, há espaço para mexer nas alíquotas. A primeira aproximação seria manter as alíquotas atuais e criar novas acima de 27,5%. Outros países parecidos com o Brasil têm alíquotas entre 35% e 40%, não seria nada revolucionário chegar nisso. Outra possibilidade seria mexer nas deduções, dedução ilimitada com saúde, por exemplo. Há pessoas que só de dedução de plano de saúde têm mais do que o Estado gasta com dez famílias. Os estados podem mexer na tributação de heranças, os municípios podem criar progressividade no IPTU, que alguns já tentaram e a Justiça barrou. É politicamente difícil, mas poderia fazer o imposto ser mais bem usado. Arrecada-se menos com IPTU do que com IPVA no Brasil, tem o ITR que praticamente não existe em um país que tem um agronegócio extremamente produtivo. São debates às vezes muito técnicos e politicamente difíceis.

O seu estudo afirma que ‘não há casos bem conhecidos de países que tenham partido de um grau tão alto de concentração de renda no topo [caso do Brasil] e avançado de forma tranquila e gradual até percentuais próximos aos de um país europeu típico’. E, ainda, que ‘é razoável postular que a democracia pode servir mais para conter um aumento da nossa desigualdade do que para reduzi-lo’. Por meio de que mecanismos então você acha que pode ocorrer uma mudança relevante nesse quadro geral?

PEDRO FERREIRA DE SOUZA Não sei se sou pessimista ou cético demais. Mas dado que a gente não quer que nenhuma catástrofe aconteça, óbvio, é muito difícil um cenário em que a gente consiga uma evolução europeia em uma ou duas gerações. Acho que podemos melhorar, bastante, mas isso dependeria de algum tipo de coalizão política capaz de juntar interesses que são tão diversos no eleitorado numa única direção de reduzir muito a desigualdade. Isso parece muito pouco provável, considerando os grupos mais organizados no Congresso, por exemplo. São ligados a setores específicos da economia, corporações, grupos de interesse que não têm nenhuma receptividade a uma pauta dessas. E isso é dificultado pela própria desigualdade. A força de trabalho é tão heterogênea, é difícil achar bandeiras comuns muito explícitas. Por isso, toda eleição é promessa de genérica, não se vê alguém dizendo que vai defender um interesse específico e quem vai perder é o outro grupo. E isso não é uma exclusividade da democracia brasileira. Aqui parece um jogo de soma zero. Se por um lado se cria um programa que tem um bom resultado para uma clientela mais pobre aqui, por outro um outro grupo que se sente prejudicado vai lá e consegue reverter alguma regulação acolá. E assim vai seguindo. Não vejo o Brasil saindo do patamar de hoje e chegando daqui 30 anos num nível europeu, que também é desigual. Não é realista, pelo menos nada sugere que isso vá acontecer. As grandes transformações que o mundo viu no século 20 aconteceram em cenários extremos, como nas duas guerras. Essas mudanças não têm a ver só com a destruição que a guerra causa, com a inflação e destruição de capital.  Tem a ver também com o fato de que os governos precisaram chamar boa parte da população para ir para o campo de batalha e morrer, mobilizar. E isso tem um preço, precisa de compensação. Os próprios impostos sobre renda e herança nasceram basicamente ligados a uma ideia de que todos tinham que contribuir para o esforço de guerra. Em alguns países houve limitação de quanto as empresas podiam lucrar durante a guerra. E essa era também acabou, com a tecnologia uma guerra não demanda de 10% a 15% da população.

Privatizações, abertura e liberalismo: a nova agenda nacional

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Depois de uma forte recessão e um aumento do desemprego com graves implicações econômicas e políticas, a economia brasileira ensaia um lento movimento de recuperação econômica, neste ambiente de preocupações constantes as ideias de privatização de empresas estatais e de abertura econômica surgem como forma de dinamizar o sistema produtivo, atrair novos investimentos e alterar, de forma estrutural, o modelo do capitalismo nacional, marcado pelo alto intervencionismo do Estado na economia e em toda estrutura produtiva.

Inicialmente as propostas privatizantes dos governos anteriores eram ainda muito tímidas, os governantes demonstravam desejos de desestatização do grande estoque de empresas estatais, mas desistiam de levar a frente estas políticas de privatização quando percebiam uma rejeição da população, que temiam demissões em massa e enxugamento de empresas, medidas que seriam implementadas pelos gestores privados logo que efetivassem a compra e todos os trâmites burocráticos fossem encerrados.

A privatização de empresas estatais deve ser encarada como uma política bastante importante, a desestatização do patrimônio público deve ser feita com muito cuidado e transparência, caso contrário muitos questionamentos serão feitos e muitas dificuldades podem advir destas medidas. Devemos destacar ainda, que mesmo acreditando e defendendo a desestatização, devemos observar quem serão os compradores destas empresas, as suas origens e analisar a idoneidade dos grupos compradores, para que, posteriormente, não tenhamos problemas em setores essenciais para a economia do século XXI.

Os defensores da desestatização se apoiam na tese de que estas empresas são marcadas por grandes ineficiências e são responsáveis por grande parte da corrupção que envolve a sociedade brasileira, esta visão destaca ainda, que muitos dos funcionários públicos são verdadeiros marajás, cujos rendimentos e benefícios são bastante elevados e sua produtividade é bastante reduzida, diante disso, associa-se o setor público a ineficiência, ao desperdício e a corrupção. Diante desta visão, faz-se importante destacar que, embora acreditemos que exista muita ineficiência no setor público brasileiro, esta ineficiência não se restringe aos órgãos públicos, encontramos também no setor privado grande ineficiência e desperdício, que devem ser combatidos com uma melhora na produtividade do trabalhador brasileiro, só possível com maiores investimentos em educação, capacitação, qualificação e maiores oportunidades profissionais.

Temos setores no Estado brasileiro marcados por alta produtividade e eficiência, instituições como o Banco Central, a Receita Federal, a Polícia Federal, o Itamaraty, entre outras são descritas como órgãos de excelência e dotados de grande credibilidade no mercado internacional. Mas o que estas instituições apresentam de diferencial é a reduzida influência política, são instituições de Estado caracterizadas por uma legislação rígida que seleciona funcionários de excelência, bem treinados e altamente capacitados, com remuneração digna e carreiras sólidas e consistentes, distantes da influência de setores políticos tradicionais, este sim o grande responsável por parte considerável da ineficiência de muitos órgãos e empresas estatais.

Muito da ineficiência de empresas estatais está na gestão pouco profissional que sofrem cotidianamente, muitos cargos técnicos são preenchidos por comparsas de políticos sem a qualificação mínima exigida para o cargo, gerando um rastro de ineficiência e desperdício de recursos públicos, levando estas instituições ao descrédito perante a opinião pública. Embora acreditamos que existem muitas instituições e setores nas mãos do governo federal, é importante destacar que a forma como são geridas levam muitas delas ao descrédito, uma gestão séria e eficiente, sem a interferência da classe política traria resultados muito interessantes e contribuiria para uma melhora na reputação destas empresas, que historicamente foram importantes para o crescimento do capitalismo nacional, vistas na atualidade como a causa de todos os males da sociedade brasileira.

As empresas estatais brasileiras apresentam uma história bastante interessante, foram construídas em um ambiente de estímulo e intervencionismo do Estado na economia visando o desenvolvimento industrial, neste momento foram investidos elevados recursos públicos para que muitos setores estratégicos contribuíssem para a construção da indústria nacional, num cenário marcado por um modelo baseado na substituição de importações. Neste momento foram criadas centenas de empresas, como Petrobrás, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), Eletrobrás, BNDE, Telebrás, Eletrobrás, além de estradas, portos, aeroportos…uma infinidade de empresas e uma ampla regulação em vários setores da economia, contribuindo diretamente para a construção do capitalismo nacional, fortemente centrado no poder estatal.

Outro ponto importante a se destacar, sobre o processo de estatização da economia brasileira é que, para construir estas empresas e seus instrumentos regulatórios, o Estado nacional foi fortemente pressionado pelos governos estrangeiros que queriam que os governo brasileiros abandonassem estas ideias, isto porque temiam uma maior competição das empresas brasileiras no cenário internacional e uma maior autonomia do país nos fóruns internacionais, além de perderem um amplo mercado consumidor de seus produtos, como era o mercado nacional. Mesmo tendo acumulado muitas críticas e até desavenças, o Estado brasileiro foi decisivo no processo de construção do capitalismo nacional, no início dos anos 80, relatórios do Banco Mundial destacavam que a estrutura industrial brasileira era a mais avançada e sofisticada dentre os países em desenvolvimento, uma vitória das políticas intervencionistas do governo federal, marcadas pelo planejamento econômico e medidas estratégicas em vários setores da economia.

Com o endividamento externo e o incremento na inflação, a economia brasileira passa a sofrer com a desaceleração econômica e com a perda de centralidade de sua estrutura industrial no mundo, levando muitos economistas a defenderem medidas liberalizantes em vários setores econômicos, estas medidas sofreram grandes resistências entre empresários que viam nelas uma forma de desnacionalizar as empresas privadas nacionais, isto porque, com a elevada proteção dada pelo Estado nacional, desde o início da industrialização, as empresas nacionais apresentavam grandes dificuldades para competir no cenário global. Dentre os grupos econômicos contrários a abertura destacamos as federações de defesa dos interesses do setor industrial e, principalmente, a mais expressiva delas, a Federação das Industrias do Estado de São Paulo (FIESP).

Depois de quatorze anos de governos de centro esquerda, cujos resultados econômicos foram bastante contestados, com redução da pobreza e políticas sociais progressistas e exitosas, mas cujos resultados fiscais foram bastante negativos, gerando graves distorções que culminaram numa recessão elevada e grandes dificuldades de retomar o crescimento econômico, além de denúncias de corrupção e desvios de recursos públicos e a condenação de dirigentes e pessoas de grande poder em seus governos.

Com a ascensão de um governo sabidamente de direita, capitaneado pelo atual presidente Jair Bolsonaro, pela primeira vez um presidente é eleito prometendo medidas fortemente liberais no campo econômico e conservadorismo no campo dos costumes. A ascensão de governantes de perfil de direita deve ser vista como um fenômeno em curso em inúmeros países da comunidade internacional, as políticas liberalizantes, privatização, abertura econômica, desregulação, concessão pública, estas políticas estão voltando à tona e gerando novas discussões e debates no ambiente econômico, cujos grupos financeiros dominantes apoiam diretamente e levam as Bolsas de Valores a recordes de rentabilidade quando o governo anuncia a proximidade do programa de desestatização.

Neste momento as propostas de privatização são mais ambiciosas, envolvendo um universo de dezenove empresas, dentre elas destacamos: Correios, Ceagesp, Telebrás, Ceitec, Dataprev, Casa da Moeda, Serpro, Emgea, Codesp, dentre outras. Este anúncio agitou o mercado financeiro brasileiro e animou os investidores estrangeiros, levando a Bolsa de Valores a recordes de otimismo, gerando nos grupos financeiros momentos intensos de euforia e ansiedade, afinal, depois de muitos anos, a tão sonhada desestatização dá sinais claros de se efetivação.

Os mercados financeiros se entusiasmaram mais ainda com a possibilidade de privatização das chamadas “jóias da coroa”, dentre elas destaque para as cobiçadas Petrobrás e Banco do Brasil, mas para isso serão necessários grandes projetos políticos, fortes negociações econômicas e um bem elaborado estudo sobre o melhor modelo de desestatização, priorizando não apenas uma sólida arrecadação monetária e financeira, mas a construção de um novo modelo de regulação destes setores cuja importância para o país são indiscutíveis.

Segundo boletim oficial divulgado recentemente pelo governo brasileiro, o país apresenta um portfólio de 133 empresas estatais, das quais 87 subsidiárias de Petrobrás (34), Eletrobrás (30), Banco do Brasil (16), BNDES (3), Caixa Econômica Federal (3) e Correios e Telégrafos (1). Dentre estas empresas citadas, algumas estão sendo repassadas para a iniciativa privada através do plano de desinvestimentos da Petrobrás, sendo muito bem aceitas pelo mercado, devido ao potencial de ganhos futuros, vislumbrando boas perspectivas para um futuro muito próximo, enquanto outras devem ainda demorar algum tempo, pois exigem mudanças institucionais e regulatórias que devem ser produzidas pelo governo federal, através de uma legislação específica a ser enviada ao Congresso Nacional.

A ascensão do governo Bolsonaro à presidência do Brasil levou ao governo um conservadorismo nos costumes e um liberalismo na economia, além de uma forte ascensão dos grupos religiosos de perfil evangélico, fortes apoiadores do atual governo, uma fórmula que apresenta características explosivas, podendo, em algum momento levar a conflitos e gerar vários constrangimentos sociais, podendo culminar em rupturas políticas e fragilização da democracia, movimento este em curso em muitos países da comunidade internacional com a ascensão de governos com tendências xenofóbicas e excessivamente conservadores.

Apesar de vermos com bons olhos a privatização destas empresas, muitas questões devem ser discutidas na sociedade e no universo político, evitando que monopólios estatais em alguns setores sejam substituídos por monopólios privados, cujos prejuízos para a comunidade são visíveis e devem ser evitados no momento da construção dos melhores modelos de desestatização. Outro ponto a se destacar, com a privatização as agências reguladoras devem ser fortalecidas e protegidas das influências de lobbies organizados e poderosos, que atuam ativamente na capital federal e em outras localidades do país, visando o fortalecimento de interesses próprios e ganhos imediatos, uma característica inerente ao sistema capitalista brasileiro.

Outro ponto que deve ser ressaltado quando discutimos questões ligadas a privatização de empresas estatais é que, na economia brasileira atual, marcada por graves desequilíbrios fiscais e financeiros, a venda de empresas públicas não deve visar apenas os ganhos monetários, mais do que este objetivo, deve mirar um novo modelo econômico, com empresas mais consistentes, menos dependentes do Estado, com redução dos subsídios e das políticas protecionistas, com capital humano mais qualificado e perspectivas mais favoráveis de desenvolvimento, levando o país a uma posição de destaque no cenário internacional.

Além disso, faz-se importante evitar modelos de desestatização que gerem privilégios a grupos ou setores específicos, como nos mostra muitas das privatizações anteriores quando, para estimular a competição, muitos consórcios foram criados de forma equivocada, com grupos sem experiência nenhuma na área, este modelos gerou alguns constrangimentos para a economia brasileira que nos perseguem até os dias de hoje, como no caso da empresa OI, cujos imbróglio deve ser resolvido com urgência pelo governo atual depois de um pedido de recuperação judicial e dívidas alegadas de mais de 60 bilhões de reais.

Os projetos ora em curso na sociedade brasileira são bastante interessantes, embora alguns deles sejam ainda questionáveis e inoportunos, muitos deles trarão, no longo prazo, benefícios para a estrutura produtiva, a privatização de estatais e a abertura econômica devem ser estimuladas, as novas legislações que estão sendo criadas para aumentar o empreendedorismo também devem ser bem analisadas, encontramos ideias e teses sensatas que visam diminuir a burocracia e melhorar o ambiente de negócios para incrementar o investimento, fundamental para impulsionar o crescimento econômico. Embora muitas das medidas sejam sensatas, devemos destacar que todas elas se voltam para p lado da oferta, neste momento de insuficiência da demanda, faz-se necessário que o governo também adote políticas para impulsionar a demanda, deixar esta função apenas para a liberação do FGTS e do PIS/PASEP, nos parece uma medida limitada que não vai garantir os benefícios esperados pela equipe econômica, ainda mais quando temos um estoque de mais de 13 milhões de desempregados e uma recuperação lenta que dura mais de cinco anos com resultados medíocres.

No ambiente econômico global, países como Alemanha, Estados Unidos e China, estão adotando políticas intervencionistas, injetando dinheiro na economia, adotando políticas protecionistas, erguendo barreiras e alíquotas de importação, todas estas medidas são contrárias ao liberalismo apregoado por estes mesmos países em momentos anteriores, neste ambiente, devemos tomar cuidado com aberturas indiscriminadas e privatizações aceleradas que podem garantir grandes benefícios a grupos endinheirados e dotados de grande poder político e financeiro, estes grupos, na maioria estrangeiros vão levar empresas privatizadas e conduzir a economia a uma intensa desnacionalização, onde os poderes de planejamento e estratégia de grupos nacionais vão passar para as mãos de grupos estrangeiros, como no caso da Embraer, uma das poucas empresas brasileira de destaque no cenário internacional, vendida recentemente ao conglomerado norte-americano Boieng.

Na economia brasileira contemporânea, as políticas econômicas liberais vem ganhando adeptos e empolgando incautos, suas teses são claras e muito convincentes na teoria e podem trazer benefícios a muitos setores e grupos sociais, diante disso, é importante implementá-las com cautela e tomar consciência de que não resolverão todos problemas do país, devem agradar aos donos do capital, ao mercado financeiro e aos barões da Faria Lima agora, se este benefício vai chegar aos grupos menos favorecidos, só o tempo vai mostrar, pelos estudos do capitalismo contemporâneo, o liberalismo, apesar de sedutor, não está garantindo as melhoras apregoadas, quem sabe aqui os sábios governantes brasileiros tenham descoberto as fórmulas do sucesso da liberalização e da concorrência, vamos aguardar para ver o resultado desta sandice.

Neste momento atual, está na hora da sociedade brasileira procurar seu caminho na economia mundial, entender suas peculiaridades e características inerentes, analisar sua história, sua trajetória e necessidades, está na hora de entendermos as demandas de sua população, copiar modelos de outras nações mostra claramente nosso subdesenvolvimento e nossa subserviência, nosso atraso e nossa incapacidade de construirmos um nação verdadeira, que esteja consciente de suas potencialidades e tenha claro na consciência que tipo de país queremos construir.

Desigualdade de chances no Brasil caiu, mas segue em nível lamentável, diz economista

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Fernanda Mena/ SÃO PAULO – 25/08/2019

Para Ricardo Paes de Barros, país precisa igualar oportunidades na primeira infância.

O Brasil construiu um sistema de políticas sociais de grande magnitude mas com foco errado: gasta muito com proteção social e pouco para igualar oportunidades.

A opinião é do especialista em desigualdade e educação Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper.

“Sem nivelar o ponto de partida das pessoas, fica meio absurdo querer nivelar o ponto de chegada”, avalia ele, para quem o Brasil evoluiu muito na igualdade de oportunidades nos últimos 20 anos, seja na educação, no acesso à terra ou ao crédito. “Mesmo assim, nossa desigualdade de oportunidades ainda é lamentável”.

Crescimento econômico não reduz a desigualdade. Por quê?

O crescimento é naturalmente desigual. Ele tende a gerar desequilíbrios intersetoriais e inter-regionais. Uma parte vai crescer mais rápido que outra. Certas ocupações vão explodir, outras nem tanto. A área urbana vai crescer mais que a rural.

O crescimento, quando todas as demais variáveis são constantes, tem tudo pra gerar desigualdade. A China cresceu um monte nos últimos anos, e a desigualdade por lá cresceu loucamente. Já o Brasil cresceu bem menos e a desigualdade caiu. Os países ricos cresceram, mas a desigualdade também.

A vantagem do crescimento é que ele permite ao país criar políticas sociais. Um país mais rico pode ter um sistema de redistribuição de renda melhor porque há mais recursos fiscais para isso.

Quando o crescimento não gera desigualdade?

O fundamental é partir da igualdade de oportunidades. Ou seja, todo mundo pode adquirir competências, independente de sua origem familiar, e pode usar essas competências da melhor maneira possível. Um país em que uma parte da população tem acesso a boa educação, crédito e terra, e a outra parte não, vai ter desigualdade. Vai crescer quem teve acesso a essas coisas.

O Brasil tem feito investimentos em igualdade de oportunidades?

A desigualdade de oportunidade no Brasil caiu muito nos últimos 20 anos, na educação, no crédito ou no acesso à terra. Mesmo assim, estamos muito mal preparados para o crescimento porque nossa desigualdade ainda é lamentável.

Hoje, no Brasil, quase não há diferença no analfabetismo entre brancos e negros. Na educação superior, os negros estão encostando nos brancos. Mas, quando olhamos a pós-graduação, a diferença entre eles está aumentando.

E, como hoje o que vale é ter um MBA, percebemos que a gente equaliza oportunidade no que não é mais vanguarda, que não fará grande diferença.

As famílias mais ricas estão de olho naquilo que vai dar uma vantagem real.

Como equalizar essa vantagem real?

Se você ajustar na primeira infância, fica mais fácil. Porque é difícil dar igualdade de acesso à universidade para um cara que teve desigualdade na primeira infância. É um efeito dominó.

O país tem que garantir também a liberdade para que todo mundo possa usar as competências que desenvolveu. Não adianta um negro fazer medicina e depois não conseguir exercer porque a sociedade discrimina um médico negro.

Igualdade de oportunidade e liberdade são suficientes para reduzir a desigualdade?

Não. Porque isso é cada um por si. E a sociedade tem de remendar aquilo que o capitalismo não nasceu para fazer. Cada um teve sua renda —parabéns, mérito, seu—, mas agora é preciso taxar e distribuir para quem se aposentou, é muito pobre ou muito jovem.

Na Suécia, a desigualdade era bem alta. O capital na Suécia está extremamente mal distribuído. Mas o governo diz: “Sua profissão está muito valorizada, você desempenha muito bem. Parabéns! Agora, eu vou taxar uma boa parte disso”. A riqueza taxada é usada para beneficiar quem ficou fora desse desenvolvimento. É assim que se constrói uma rede de proteção social.

O Brasil tem uma rede de proteção social?

Gastamos cerca de 20% do PIB com política social. Mas alocamos mal porque gastamos mais com transferências e menos com equalização de oportunidades.

E não adianta só fazer o remendo a posteriori se eu não dei condições iniciais similares. Sem nivelar o ponto de partida fica meio absurdo querer nivelar a chegada.

Qual o tamanho da proteção social brasileira?

Ela é mega. O dinheiro que vai por meio de FGTS, seguro desemprego, Bolsa Família, abono salarial e salário família equivale a 50% da soma da renda do trabalho de metade dos trabalhadores mais pobres do Brasil.

Se o governo focasse esses recursos nos mais pobres, eles teriam, em vez de 12, nada menos que 18 salários por ano. Ou seja, daria para aumentar em 50% a renda de metade desses trabalhadores mais pobres.

Quais os problemas com o sistema atual?

Nossa rede é generosa, mas não muito inteligente. Tem aspectos inteligentes do Bolsa Família e do FGTS. No seguro desemprego não tem nada inteligente.

O importante seria juntar todos os benefícios numa única rede, ao invés de ter um amontoado de programas.

Quais as consequências disso? 

De que adianta dar proteção fantástica para alguém que não teve uma boa escola e foi discriminado a vida toda? Claro, depois de tudo isso, é melhor fazer a transferência [de recursos]. Mas, para as próximas gerações, o importante é equilibrar as oportunidades. Na primeira infância tivemos avanços com a expansão de creches. Avançamos nas questões racial e de gênero, mas temos um longo caminho.

Como podemos sair de um ciclo de alto desemprego, queda de renda e baixo crescimento? 

Eu não acredito em crescimento intervencionista, em que o governo vai dar dinheiro para o pobre, que vai comprar um monte de coisas. É uma coisa keynesiana, que gera crescimento do nada.

A falta de crescimento vem do fato de a sociedade brasileira gerar um ambiente de negócios desfavorável, com uma política tributária incompreensível, uma política trabalhista complicada, uma Justiça que, no lugar de ser uma garantia dos meus contratos, é mais incerta que os contratos que eu faço.

É preciso estabilidade política, trabalhista, fiscal e legal para gerar crescimento. E  estar na vanguarda tecnológica. É a capacidade empreendedora e inovadora de milhões de pessoas que faz o país crescer.

Como diminuir a desigualdade quando não há crescimento?

Os 10% mais pobres do Brasil têm 1% da renda ou menos. Vamos combinar que é muito fácil proteger 1% da renda, logo, é possível a um país que sofre uma crise proteger os 10% mais pobres.

Talvez isso esteja acontecendo no Brasil hoje. Com programas de alimentação, que atacam os 10% mais pobres, a renda deles fica garantida.

Mas a pobreza tem aumentado no país.

São novos pobres que podem não ter hoje cobertura da rede de proteção social. Quem não era pobre, como um trabalhador semi-qualificado da indústria que perdeu o emprego, pode ter entrado na pobreza e, por isso, sofreu mais que os velhos pobres. Mas, se dermos aos novos pobres assistência técnica, oportunidade de criar negócios, uma inclusão produtiva, no menor sinal de crescimento eles vão sair da pobreza. No meio tempo, temos de transferir renda para eles.

Sem o SUS, é a barbárie

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O Brasil foi ousado ao levar assistência médica gratuita a toda a população

Dráuzio Varella

“Sem o SUS, é a barbárie”. A frase não é minha, mas traduz o que penso. Foi dita por Gonzalo Vecina, da Faculdade de Saúde Pública da USP, um dos sanitaristas mais respeitados entre nós, numa mesa redonda sobre os rumos do SUS, na Fundação Fernando Henrique Cardoso.

Estou totalmente de acordo com ela, pela simples razão de que pratiquei medicina por 20 anos antes da existência do SUS.

Talvez você não saiba que, naquela época, só os brasileiros com carteira assinada tinham direito à assistência médica, pelo antigo INPS. Os demais pagavam pelo atendimento ou faziam fila na porta de meia dúzia de hospitais públicos espalhados pelo país ou dependiam da caridade alheia, concentrada nas santas casas de misericórdia e em algumas instituições religiosas.

Eram enquadrados na indigência social os trabalhadores informais, os do campo, os desempregados e as mulheres sem maridos com direito ao INPS. As crianças não tinham acesso a pediatras e recebiam uma ou outra vacina em campanhas bissextas organizadas nos centros urbanos, de preferência em períodos eleitorais.

Então, 30 anos atrás, um grupo de visionários ligados à esquerda do espectro político defendeu a ideia de que seria possível criar um sistema que oferecesse saúde gratuita a todos os brasileiros. Parecia divagação de sonhadores.

Ao saber que se movimentavam nos corredores do Parlamento, para convencer deputados e senadores da viabilidade do projeto, achei que levaríamos décadas até dispor de recursos financeiros para a implantação de políticas públicas com tal alcance.

Menosprezei a determinação, o compromisso com a justiça social e a capacidade de convencimento desses precursores. Em 1988, escrevemos na Constituição: “Saúde é direito do cidadão e dever do Estado”.

Por incrível que pareça, poucos brasileiros sabem que o Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que ousou levar assistência médica gratuita a toda a população.

Falamos com admiração dos sistemas de saúde da Suécia, da Noruega, da Alemanha, do Reino Unido, sem lembrar que são países pequenos, organizados, ricos, com tradição de serviços de saúde pública instalados desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Sem menosprezá-los, garantir assistência médica a todos em lugares com essas características é brincadeira de criança perto do desafio de fazê-lo num país continental, com 210 milhões de habitantes,
baixo nível educacional, pobreza, miséria e desigualdades regionais e sociais das dimensões das nossas.

Para a maioria dos brasileiros, infelizmente, a imagem do SUS é a do pronto-socorro com macas no corredor, gente sentada no chão e fila de doentes na porta. Tamanha carga de impostos para isso, reclamam todos.

Esquecem-se de que o SUS oferece gratuitamente o maior programa de vacinações e de transplantes de órgãos do mundo. Nosso programa de distribuição de medicamentos contra a Aids revolucionou o tratamento da doença nos cinco continentes. Não percebem que o resgate chamado para socorrer o acidentado é do SUS, nem que a qualidade das transfusões de sangue nos hospitais de luxo é assegurada por ele.

Nossa Estratégia Saúde da Família, com agentes comunitários em equipes multiprofissionais que já atendem de casa em casa dois terços dos habitantes, é citada pelos técnicos da Organização
Mundial da Saúde como um dos mais importantes do mundo.

Pouquíssimos têm consciência de que o SUS é, disparado, o maior e o mais democrático programa de distribuição de renda do país. Perto dele, o Bolsa Família não passa de pequena ajuda. Enquanto investimos no SUS cerca de R$ 270 bilhões anuais, o orçamento do Bolsa Família mal chega a 10% disso.

Os desafios são imensos. Ainda nem nos livramos das epidemias de doenças infecciosas e parasitárias e já enfrentamos os agravos que ameaçam a sobrevivência dos serviços de saúde pública dos países mais ricos: envelhecimento populacional, obesidade, hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, degenerações neurológicas.

Ao SUS faltam recursos e gestão competente para investi-los de forma que não sejam desperdiçados, desviados pela corrupção ou para atender a interesses paroquiais e, sobretudo, continuidade administrativa. Nos últimos dez anos tivemos 13 ministros da Saúde.

Apesar das dificuldades, estamos numa situação incomparável à de 30 anos atrás. Devemos defender o SUS e nos orgulhar da existência dele.

Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.

 

 

Capital, Trabalho e Tecnologia à luz da Doutrina Espírita

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            Vivemos em uma sociedade dominada pela concorrência e pela competição dos agentes econômicos, neste mundo contemporâneo a concorrência está dentro das organizações, das mentes e dos corações, afetando trabalhadores, empresas e governos, gerando um aumento da produção e um crescimento da tecnologia, trazendo impactos positivos e negativos.

Nesta sociedade do século XXI, o mundo se encontra envolto em inúmeras discussões, desde a degradação do Meio Ambiente, passando pelo incremento na violência e na exclusão social, até nas transformações do emprego e no mundo do trabalho. Todas estas mudanças estão sendo fortemente discutidas pelos organismos internacionais, com o objetivo de reduzir os conflitos e construir um ambiente mais equilibrado e saudável, dirimindo as desigualdades e vislumbrando uma sociedade mais consistente.

            Nesta sociedade contemporânea, percebemos que muitas das estruturas que sustentaram o mundo estão em franca transformação, as famílias se encontram em crise, as escolas também vivem momentos de instabilidades, a ciência passa por fases de contestação, as religiões que sempre se destacaram nas coletividades, estão sofrendo muitas críticas e rejeições, diante disso, para onde caminha a humanidade e como será as organizações sociais nas próximas décadas?

A Doutrina dos Espíritos nos mostra que vivemos um momento de transição, neste instante, muitos dos vícios e desequilíbrios deverão ser corrigidos para que o Planeta Terra caminha para se transformar em um mundo de regeneração, deixando para trás séculos de mundo de expiação e provas. Muitas destas mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais em curso, deverão ser vistas como o momento preparatório para o nascimento de uma nova sociedade, onde muito dos vícios desta coletividade serão retirados ou diminuídos de forma acelerada, tudo dependerá das opções e dos trabalhos dos seres humanos.

Na estrutura econômica dos países estamos percebendo grandes transformações que estão criando grandes instabilidades em todas as áreas e setores, o aumento do desemprego e a exclusão social em crescente são mostras claras das dificuldades que estamos vivenciando e temos condições de pensar e repensar estas questões sob pena de deixarmos uma lacuna entre os seres humanos, uns vivendo envolto em tecnologias e produtos de alto luxo e requinte, enquanto outros grupos rastejam em situações deprimentes e degradantes, mesmo sabendo que as riquezas do mundo são suficientes para satisfazer as necessidades mínimas de cada um dos cidadãos encarnados no planeta Terra.

Como nos mostra o espírito Vianna de Carvalho, na obra Atualidades Espíritas:

“A Terra tem condições para manter quase cinco vezes mais o número de seus atuais habitantes, já que nas esferas espirituais estão programadas para a reencarnação mais de 20 bilhões de seres, que aguardam o momento próprio”.

Com o avanço científica e tecnológico, a estrutura produtiva está capacitada para produzir mercadorias, bens e serviços para alimentar e satisfazer as necessidades materiais de todos os cidadãos, mesmo sabendo do potencial produtivo das economias, encontramos uma grande quantidade de pessoas vivendo em condições de indignidade, alguns especialistas falam em algo em torno de 750 milhões de pessoas nesta condição. Esta discrepância de renda e de recursos para a sobrevivência é obra dos seres humanos, de suas ambições materiais e de sua busca compulsória por recursos financeiros e monetários, enquanto não nos conscientizarmos da importância de garantir para todos os indivíduos recursos mínimos para a sobrevivência, não vamos conseguir ter a mente e a consciência tranquila nos momentos de descanso, mesmo não admitindo intimamente, as dores assolam todos aqueles que enxergam nos outros muito mais do que uma pessoa em sofrimento, mas um irmão em desequilíbrio e que necessita de ajuda de toda a sociedade.

Nesta nova sociedade o mundo corporativo ganhou grande relevância no imaginário coletivo, este mundo afeta as relações sociais e as formas de pensamento, transformando todas estas relações em espaços competitivos e dominados por metas e produtividade, mesmo questões de difícil quantificação, estão sendo colocadas nas planilhas dos gestores, em busca de algoritmos ou aplicativos que consigam quantificar sentimentos e emoções. O grande problema deste capitalismo selvagem que vivenciamos na atualidade é que ele está dominado pelos interesses materialistas e imediatistas, deixando de lado questões imateriais e invisíveis, levando os indivíduos a mergulharem no trabalho e nas atividades cotidianas e, diante disso, adoecem com fortes dores na alma e transtornos emocionais.

O pensamento espírita apoia e estimula a ciência, o conhecimento e a reflexão crítica, suas bases estão assentadas em valores que perpassam a religião, a filosofia e a ciência, nos trazendo conhecimentos e instrumentos de compreensão das raízes da vida e da vivência em comunidade, nascemos juntos para que consigamos evoluir juntos, ninguém se desenvolve de forma isolada, ninguém cresce espiritualmente se refugiando em castelos cercados de milicianos ou de religiosos cantando músicas esquisitas e dedilhando versos apaixonados. O Espiritismo nos mostra de forma clara e direta, que somos seres em constante evolução, vivemos uma única vida em diversas e múltiplas existências corporais, alternando momentos na matéria e momentos no mundo imaterial, objetivando uma melhora constante e um crescimento do espírito, visando nos tornarmos espíritos puros.

Nesta sociedade, percebemos que a tecnologia está gerando ganhos e perdas, como quase tudo na vida, os ganhos devem ser potencializados e estimulados, enquanto as perdas devem ser revertidas. Na relação entre trabalhadores e capitalistas, devemos inaugurar uma nova sociedade, marcada muito mais pela cooperação do que pela competição, estes atores devem trabalhar de forma integrada visando uma melhoria para todos os agentes produtivos.

O consumo é importante para a sobrevivência dos seres humanos, adquirir alimentos, vestuários e outros produtos para sua sobrevivência material é imprescindível agora, não se pode admitir o uso do consumo desordenado e irresponsável, que atua diretamente para criar ilusões nos indivíduos para que estes comprem em demasia, mesmo sabendo que estas aquisições são exageradas e desnecessárias.

A relação entre capital e trabalho deve ser reconstruída, a tecnologia deve ser introduzida para dirimir os excessos e os desperdícios, sempre atuando para melhorar as relações sociais, deixando de lado as desavenças e lembrando que quando os indivíduos acumulam contendas no mundo material e partem para o mundo dos espíritos com rixas e desentendimentos, estes irmãos terão grandes dificuldades para seguir caminhos equilibrados, levando em seus corações rancores e ressentimentos acumulados em questões anteriores.

Rancores e ressentimentos acumulados nesta vida são levados para o mundo espiritual, assim como o amor cria vínculos positivos entre os indivíduos, as mágoas e o ódio geram vínculos negativos, prendendo estes indivíduos em uma teia de vinganças e perseguições constantes, onde um atrapalha o outro, ri da desgraça alheia e não percebe que ambos estão nas mesmas condições, são irmãos em desequilíbrios dominados por dores e desesperanças.

Nesta sociedade, dominada pela tecnologia e pela concorrência, os responsáveis pela organização das instituições devem se conscientizar da importância da cooperação, a entrada excessiva da tecnologia vai gerar desemprego e desesperança, diante disso, cabe aos donos do poder olharem para seus pares e criarem instrumentos de inserção e sobrevivência digna para todos, o que vai adiantar termos uma economia pujante e ganhos monetários elevados, se uma pequena parte da coletividade acessa estes bens e recursos, uma grande maioria vive na marginalidade, sem proteção e sem perspectivas. Neste ambiente, a instabilidade será a tônica reinante e os medos estarão em todos os lugares, uns chorarão de fome e de indignidade, enquanto outros chorarão de medo de serem vitimados por assaltos e violências generalizadas, ou seja, todos sofrem.

Esta discrepância não se limitará ao mundo atual, num momento próximo estes contendores se encontrarão no mundo espiritual, depois da morte física todos estarão lado a lado para seus julgamentos íntimos, neste momento as injustiças não mais acontecerão e a vitimização não mais poderá ser utilizada como uma justificativa dos malfeitos anteriores. Muitas inimizades perduram por séculos, criando mágoas e ressentimentos dos mais atrozes possíveis, a doutrina espírita nos mostra a importância da reconciliação, se as pessoas tivessem a consciência dos males que podem evitar com o perdão e a reconciliação, com certeza, muitos deles abandonariam a agressividade e as desavenças em prol de sua saúde emocional e espiritual.

O capital tem um papel social dos mais nobres, o dinheiro auxilia na construção de casas, protegendo as famílias do frio e da insegurança, auxilia na construção de hospitais que acolhem os enfermos, ajudam na construção de escolas e universidades que mostram as noções básicas do mundo científico e completam a educação introduzida pela família, sem dinheiro, muitos dos benefícios não seriam materializados para os indivíduos. O grande problema do dinheiro está na forma como os indivíduos os utilizam, quando o utilizamos de forma correta e dignificante ele nos auxilia e ajuda a coletividade, agora quando não o utilizamos da forma correta ele nos prende e nos transforma em seus escravos, com isso, esquecemos o papel social e nos deleitamos com os prazeres materiais, gerando vaidade e nos afastando dos bons espíritos e dos bons pensamentos.

A visão espírita sobre o dinheiro e o capital destaca a importância destes para o progresso social, mas destaca que estes recursos devem circular a fazer com que todos os indivíduos tenham condições de sobreviver de forma digna e decente, quando o capital se concentra nas mãos de poucos, percebemos os desequilíbrios tomando conta da sociedade, a melhor forma de gerenciar os recursos é entendendo que somos todos irmãos e devemos olhar uns para os outros, pois neste momento podemos estar em uma posição positiva e de destaque na sociedade, gozando as benesses do dinheiro e do poder por ele conquistados mas, num outro momento ou numa outra encarnação, pode ser que acordemos no outro lado, carente de recursos e de assistência, necessitando da caridade daqueles que numa outra oportunidade pode ter sido os pobres e degradados.

Apesar de percebermos a importância do capital e da tecnologia na sociedade contemporânea, é importante não esquecer as palavras sábias do Dr. Inácio Ferreira, contidas na obra A escada de Jacó, quando perguntado sobre o conflito, em curso na época, no Iraque, “…gastam se milhões de dólares na construção de um único míssil, mas não investem a mesma soma em obras sociais que favoreçam os que vivem na miséria. Por essa razão, a guerra está apenas se deflagrando… Espera-se por uma catástrofe de maiores dimensões”.

 

“O PIB deforma a compreensão do que acontece no país”

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Economista, académico, propõe, juntamente com outros reputados economistas internacionais, um novo modelo de sociedade que combata o neoliberalismo. Indica deficiências no cálculo do PIB e aponta o dedo ao sistema financeiro pelas dificuldades sentidas pelas famílias e empresas. Considera normais as parcerias com o FMI, em Angola, mas critica os termos em que exigem austeridade e privatizações e alerta para os riscos.

O Professor faz parte do grupo de economistas que defendem a alteração do modelo como é calculado o PIB. Porquê?

O PIB mede apenas a intensidade de uso dos recursos. Não mede para que são utilizados e para quem. Não mede os impactos ambientais, nem toda a área da economia imaterial, que é muito importante. Como o PIB mede apenas a intensidade, os desastres ambientais, por exemplo, são apresentados como o aumento do PIB. Realmente, gastam-se mais produtos químicos, aumenta o PIB provocando desastres. As epidemias e as guerras também aumentam o PIB, mas sem melhorar o bem-estar da humanidade. Pelo contrário, são contra produtivos. Então, temos de medir o que são resultados no sentido de bem-estar das populações. Nós queremos o PIB como uma conta positiva.

E como?

Para ter uma contabilidade que faça sentido, estes desastres, estas situações que geram mal-estar ou que destroem o meio ambiente têm de ser colocados como custo e não como produto. Um segundo ponto é o problema dos ‘stocks’. Isto interessa a economias como a angolana, em que a produção e a exportação de petróleo aparecem como aumentando o PIB, mas, na realidade, é uma redução de ‘stocks’. Desde 2003, o Banco Mundial apresenta uma metodologia em que a extração de recursos naturais é calculada como descapitalização. Daí que propus, quando estive em Angola, trabalhar-se desde já, o conceito pós-petróleo.

São essencialmente estes os pontos?

Tem um outro eixo muito importante no cálculo do PIB. O PIB trabalha com médias. Pega-se a totalidade de bens e serviços num determinado país. No caso do Brasil, diz-se, por exemplo, que temos um PIB de 11 mil dólares por pessoa, mas acontece que apenas 5% dos mais ricos tem 95% da riqueza acumulada. O PIB deforma a compreensão do que está realmente a acontecer no país porque não inclui a desigualdade no acesso de bens e serviços produzidos.

Qual é a proposta do professor e dos que defendem esta corrente?

Há cinco ou seis anos, foi convocada uma comissão com Joseph Stiglitz, Jean-Paul Fitoussi e Amartya Sen. Elaboraram propostas alternativas de cálculos para o PIB. Tornou-se no primeiro ponto de referência mundial para repensar as nossas formas de cálculo do PIB. Há coisas essenciais como, por exemplo, incluir o cálculo da desigualdade, deduzir a descapitalização, trabalhar com a renda efetiva das populações e não apenas o PIB. De lá para cá, tem havido formas de cálculos muito mais sofisticadas. Mais recentemente, este ano, há um trabalho muito importante de uma professora de Oxford, Kate Raworth, com o título ‘Economia Donut’.

E quando é que um novo modelo de cálculo poderá ser adoptado?

Temos experiências ainda marginais. A Nova Zelândia desenvolveu um sistema de cálculo concentrado no bem-estar da população. Pega coisa por coisa. As pessoas têm de ter acesso à saúde. Têm ou não têm? Têm de ter acesso a uma casa. Têm ou não têm? Pega os diversos sectores e faz uma bateria de indicadores sobre como está a população. É perfeitamente viável e funcionaria em Angola. Há outro sistema que é muito importante e é uma metodologia em que nos podemos apoiar. Utilizar os objetivos do desenvolvimento sustentável. Como foram aprovados por quase todos os países do mundo, oferece uma possibilidade muito grande, porque, ao mesmo tempo, mostra se o país está ou não conforme os 17 objetivos. Depois, há coisas mais folclóricas. Na Ásia, por exemplo, há um país que, ao invés de PIB, fala em Felicidade Interna Bruta. É engraçado, mas, na realidade, trata-se disso. Queremos que a Economia sirva para o bem-estar das pessoas e não que as pessoas sirvam para a economia.

Então pode-se afirmar-se que há necessidade de se alterar a forma como é ensinada a Economia?
Sem dúvida. Muita gente discute isso. A forma de ensinar a Economia está baseada no sistema do século passado em que, no essencial, havia muitas empresas, pequenas, médias e grandes, mas muitas. Havia concorrência entre elas e, nessa concorrência, as coisas equilibravam-se. Isso mudou. Hoje, são alguns gigantescos conglomerados em que o comércio é entre matriz e filial ou entre filiais. Não é mais o mercado. São preços administrados, o conceito de mercado mudou radicalmente. Depois, temos outra dimensão em que as formas de apropriação do excedente social, que se torna proprietário da riqueza produzida, isso mudou porque, no século passado, era dominantemente através de baixos salários. Hoje, também continuam os baixos salários, mas muito mais se trata de exploração financeira, de endividar pessoas, empresas e governos. Hoje, são 28 grandes sistemas conglomerados financeiros mundiais, que controlam o sistema financeiro e extraem a riqueza através do endividamento. Ou seja, os monopólios, que, durante anos, foram apontados como sendo maus para as economias, acabaram por vencer… Hoje é um sistema muito oligopolizado. Se ler o meu livro ‘Era do Capital Improdutivo’ vai encontrar um capítulo específico, ‘O oligopólio sistémico financeiro’, que ajuda a entender esta reorganização. Aprendemos também que o governo é quem imprime o dinheiro, mas, hoje, o dinheiro que o governo imprime no mundo representa apenas 3% da liquidez. 97% são sinais magnéticos emitidos pelos bancos sob forma de crédito. Os governos têm muito pouco poder em termos de política monetária. No Brasil, quando a presidente Dilma tentou reduzir as taxas de juros dos bancos, simplesmente derrubaram-na porque o poder é muito grande. Grandes grupos financeiros estavam a ganhar com juros sobre as famílias, sobre as empresas e sobre os governos.

Não teme que, com este discurso, seja visto como um ‘economista de esquerda’?
Essa nova forma de ver a realidade encontra, por exemplo, no Instituto Rooselvet que desenvolveu um estudo recente, ‘Novas Regras Para o Século XXI’ e não tem nada de esquerda. Joseph Stiglitz é Prêmio Nobel de Economia, foi economista-chefe do Banco Mundial e do governo Clinton. Estamos a falar de um economista de grande importância nos EUA, que não é um país de esquerda. Há a Kate Raworth, da Universidade de Oxford. Há uns dias, estive numa reunião em Varsóvia, onde discuti estas novas formas de abordagem da economia com 23 economistas, professores, pesquisadores de Oxford, Harvard, Stanford, Universidade de Paris, London School of Economics e das universidades de Sidney e Estocolmo. Fizemos um pequeno livro com 23 artigos, com novas visões necessárias. Que novas visões são estas? Não é esquerda ou direita. É uma tomada de consciência do básico. Estamos a caminhar para um desastre ambiental com grande rapidez. A nossa economia mundial está em direção a um muro e estamos a destruir esta base natural do planeta em proveito de uma minoria, que está a enriquecer de uma maneira que, quem não entende de finanças, não imagina.

Dê exemplos…

Uso o seguinte exemplo. Se tenho mil milhões de dólares e fizer uma aplicação financeira, não estou a produzir nada, que rende 5% ao ano, estou a ganhar por dia 137 mil dólares. No dia seguinte, ganho 5% sobre mil milhões mais 137 mil dólares e por aí vai. Estamos a gerar o drama da desigualdade, o drama ambiental e também a paralisia económica. Quando o dinheiro aplicado em papéis financeiros rende mais que o dinheiro investido fazendo uma fábrica, o que é que o capitalista faz? Compra papéis por ser mais seguro e render mais.

É o resultado de o sistema capitalista se ter sobreposto ao socialista?

Não acho. O facto de não haver mais uma alternativa socialista, como o poder político organizado, sem dúvida tornou as grandes empresas, os grandes bancos, os centros de especulação como o City, em Londres, o Wall Street, nos EUA, muito mais sem-vergonha. Drenam porque não há críticas, não há contrapeso ao seu poder. As empresas produtivas hoje são controladas por sistemas financeiros e a pessoa que tem papéis financeiros de uma empresa que está em qualquer canto do mundo, não quer saber o que a empresa está a fazer, quer saber quanto rendem as ações. Isso deformou radicalmente. Um gigante mundial, como a GSK, sexto grupo farmacêutico mundial, faz fraudes sobre medicamentos. Como é que pode? Hoje pagam uma multa, só nos EUA, de 2,8 mil milhões de dólares por fraude de medicamentos. Como uma grande empresa que entende tudo de medicamentos comete este erro? É pela exigência de rentabilidade financeira que torna o sistema irresponsável. A lógica mudou profundamente.

Está a concordar que, em parte, essa situação é consequência de o capitalismo ter eliminado qualquer sistema alternativo…

Basicamente estamos a evoluir para outra dimensão. A briga entre esquerda e direita, com a direita a querer privatizar e a esquerda estatizar, está a ser ultrapassada para uma visão que está mais próxima do que acontece nos países nórdicos como Suécia, Dinamarca ou na Coreia do Sul, China ou Canadá. Temos um novo sistema de equilíbrio entre o poder das empresas, o poder do governo e o poder da organização da sociedade civil. Na Suécia, o sueco médio é membro de quatro organizações da sociedade civil e o dinheiro, ao invés de estar lá em cima, no governo, está no espaço público municipal. 72% dos recursos vão directamente para os municípios e é controlado diretamente pelas populações. A China tem um sistema financeiro extremamente controlado. A dinâmica de desenvolvimento é impressionante, mas é muito simples. Lá não há ganhar dinheiro com dinheiro. Todo o dinheiro, público e privado, é investido produtivamente. Quando é público, é para produzir infra-estruturas, um conjunto de indústria pesada. Quando é privado, é mais para desenvolver pequenas e médias indústrias, é crédito para a população.

Esse é o melhor modelo?

Eu e o Ignacy Sachs fizemos um livro, intitulado ‘Pão nosso de cada dia’ sobre o processo produtivo. Trabalhamos com um conceito de economia mista. Por exemplo, produzir automóveis e camisolas é para o setor privado. Grandes infraestruturas como energia, telecomunicações, transporte, água e saneamento têm de ser públicas. A parte de intermediação financeira comercial, quando pequena, pode ser privada. Os grandes sistemas têm de ser regulados pelo Estado, porque, senão, os bancos se apropriam do desenvolvimento. As políticas sociais, saúde, educação, segurança e habitação, têm de ser públicas, descentralizadas e muito controladas pela sociedade civil. É uma visão da economia que se constrói a partir da base.

E como é que se podem introduzir modelos alternativos que esvaziem ou reduzam o poder da indústria financeira?

É complicado. Por exemplo, no Brasil, tivemos excelentes resultados. Criámos 20 milhões de empregos formais, tirámos 50 milhões de pessoas da pobreza. O Lula deixou o governo, depois de oito anos, com 87% de aprovação. Ou seja, as coisas funcionam. Agora, o sistema financeiro aumentou os juros e drenou a capacidade de compra das famílias, a capacidade de investimento das empresas e a capacidade de investimento do Estado, através de juros. Quando a presidente Dilma tentou reduzir os juros, não durou. O problema é central. Nós temos o poder empresarial (não estou a falar da pequena e média empresa que produz coisas concretas, mas as grandes corporações financeiras, em particular, que têm um poder político muito grande). Dizem que são empresas, mas são políticas. Derrubam ministros, governos, corrompem processos decisórios, corrompem o judiciário quando necessário. É uma realidade política a que hoje assistimos com a tragédia na América Latina, Argentina, Brasil, Venezuela. O absurdo do governo Trump, nos EUA, o absurdo do novo primeiro-ministro da Inglaterra, o absurdo dos governos na Polônia e na Hungria. O Erdogan, na Turquia, o Duterte, nas Filipinas. Em toda a parte, há populistas que desarticulam formas democráticas de organização.

Existem hoje muitos artigos a considerarem falsos os indicadores apresentados pelo governo de Lula da Silva..

Isto é ‘bobagem’ radical porque são de fontes diferentes. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística faz estatísticas há décadas, com o acompanhamento do Banco Mundial e do FMI. Temos as embaixadas que também acompanham os sistemas de evolução dos países. Esse novo governo é de extrema direita, é patológico em termos políticos, é quem inventa estas coisas. Os resultados foram muitos concretos. Hoje, as coisas são muito transparentes, os dados cruzam-se entre instituições. O Banco Mundial não é idiota e fez um relatório em que apresenta 2003 a 2013 como a década dourada do Brasil.

BANCOS COM PAPEL FUNDAMENTAL

Como olha para o caso de Angola que também tem um novo governo? Angola, como tem um novo governo, tem uma amplitude para trazer inovações. Se pegar parte do dinheiro que está a ser ganho por grupos financeiros que não produzem e reorientar para o bem-estar das famílias, isto gera atividade económica e apoio político e é esse equilíbrio que tem de ser encontrado. Agora, se tivermos um governo que, em termos políticos, depende de grupos internacionais ligados à exportação de petróleos ou das importações de bens de luxo da classe média alta, isto não permite que se incorpore o conjunto da população no desenvolvimento. Por exemplo, o ‘Bolsa Família’, no Brasil, custou apenas 0,5% do PIB. É muito pouco dinheiro, mas que se transforma em atividade económica.

Disse que Dilma Rousseff caiu quando tentou aumentar os juros e acredita que Angola tem margem para inovar. É possível estabelecer paralelos?

Só quem está dentro de um país, das suas políticas e das suas estruturas de poder, é que pode ter ideias sobre isso. O que eu sei é que Lula, quando começou a fazer o processo redistributivo, no começo, os bancos e a área financeira ficaram muito assustados: “Meu Deus, dinheiro para os pobres vai quebrar o país”. Só que o dinheiro para os pobres gerou mercado interno, que dinamizou empresas. Mas, com a dinamização das empresas e da famílias, as famílias começaram a comprar mais, a pedir crédito, as empresas começaram a comprar mais máquinas. Ou seja, dinamizou, inclusive, os bancos. Esta compreensão de como funciona o círculo virtuoso da economia ajuda muito.

Esta é a receita que apresentaria para a crise em Angola onde as famílias também estão a perder o poder de compra?

Em termos financeiros, tem de se reduzir as taxas de juros sobre a dívida pública, reorientar os bancos para financiarem atividades produtivas e usar recursos públicos para dinamizar as famílias. Em termos administrativos, organizar a profunda descentralização do sistema.

Estamos a falar de medidas que chocariam com os interesses do poder financeiro?
Sem dúvida, mas os bancos têm de voltar a financiar atividades produtivas, cobrando juros decentes, inferiores ao lucro para os empresários poderem pagar. Ou seja, uma actividade de fomento, ao invés de atividade de especulação.

É certamente uma opção difícil para os bancos…
É difícil, mas é possível. O Lula, quando era candidato em 2002, escreveu uma carta para os brasileiros, dizendo que ia respeitar as regras do jogo. Ou seja, ia fazer um pacto com o sistema financeiro para poder assegurar que todo o brasileiro tivesse o seu café da manhã, almoço, jantar e, eventualmente, frango no domingo. Uma negociação com os bancos é fundamental. Hoje, calculamos a produtividade das empresas, precisamos também de calcular a produtividade dos bancos. O banco, que está apenas a ganhar dinheiro ao apropriar-se de uma parte dos impostos que o angolano paga, não funciona. O banco tem de voltar a fazer fomento, o dinheiro tem de ser produtivo. A taxa de juro sobre a dívida pública tem de ser muito mais baixa. Se aplicar dinheiro em títulos do governo rende mais porquê é que vão financiar projetos empresariais que oferecem mais riscos? Vão comprar títulos.

O governo vende os títulos porque precisa de liquidez. Os bancos só aproveitam uma oportunidade de negócio, são regras de mercado. Como se pode ultrapassar esta situação?
Angola tem uma grande entrada de recursos, que é a exportação de petróleo, coisa que os outros países não têm. É uma facilidade. Usa esses recursos para financiar pequenos equipamentos ou programas de melhorias científicas tecnológicas no pequeno produtor e na área rural. Se tem uma entrada importante de divisas, isso permite emitir moeda. Se passar este dinheiro para projetos de desenvolvimento, não gera inflação. Gera capacidade de compra e emprego de bens simples, mas em que a resposta produtiva é muita rápida. Tanto a capacidade de emitir moeda como a capacidade de uso inteligente dos recursos externos ajuda muito.

Que opinião tem sobre o facto de o Governo angolano avançar com o acordo com o FMI?
Não conheço os termos do acordo por isso não posso comentar. O que está claro são as necessidades de Angola. Se tem dívidas externas e esta renegociação tem de ser com o FMI, então isso é importante. Agora, as fórmulas tradicionais do FMI, dizendo privatizem, vendam recursos públicos, simplesmente não funcionam. As outras propostas na linha da austeridade também não funcionam. Pelo contrário, o que funciona é o aumento do consumo das populações. Funcionou não só no Brasil, com Lula, mas também com Roosevelt, nos EUA. O ‘New Deal’, nos anos 1930, tirou os EUA da crise. Funcionou na Europa na reconstrução depois da II Guerra Mundial. Funciona na China. A China imprime moeda e gera dinâmicas. Como estamos fora, só vemos a parte das exportações, mas a China é essencialmente centrada no aumento do consumo das populações. Nos últimos 20 anos, no mundo, reduzimos a pobreza de mil milhões de pessoas, 700 mil são chinesas. A lógica política tem de ser diferente.

Que futuro imediato prevê para Angola, caso o acordo com o FMI tenha como base estas fórmulas que considera tradicionais?

Se privatiza, terá menos instrumentos públicos de dinamizar a economia. Sofremos isso no Brasil. O governo está a fazer exactamente isso. Está a privatizar o petróleo, as árvores da Amazónia, os bancos públicos. Com esta política, gera um pouco de dinheiro nos cofres do Estado, diz que equilibra o orçamento, mas vende os móveis da casa. É esta a comparação. Não é reduzindo as despesas que se resolve, mas sim aumentando as entradas. Como se aumentam as entradas? Dinamizando o consumo das famílias. Esta dinâmica é muito estudada. O Joseph Stiglitz, nos seus últimos trabalhos, mostra estes processos. Mas há outras visões muito interessantes, que é taxar as transações financeiras. Quando se criam impostos sobre transações financeiras, fica mais interessante para quem tem o dinheiro abrir uma empresa e produzir.

Justifica-se a necessidade da privatização das empresas públicas por serem deficitárias?
Não necessariamente. Por exemplo, na China, uma empresa vende o aço mais barato que o custo de produção. Isso permite que muitas empresas utilizem este aço e favoreça as empresas chinesas relativamente a grupos internacionais. Uma das principais qualidades do Estado é que pode entrar em deficits. Pode entrar também em deficits quando abre uma ferrovia para uma região onde esta, apesar de deficitária, dinamiza a produção em toda a região. Não há nenhum mistério, é planejamento. Simplesmente dizer que o que é deficitário se deve privatizar é bobagem. Eventualmente, se achar que a empresa não está a ser administrada de maneira eficiente pode-se fazer uma concessão de gestão para um grupo privado, isso é bom senso. Uma coisa é a propriedade, outra coisa é a gestão e outra ainda é o controlo.

O Governo angolano afirma que o país hoje está mais aberta ao investimento estrangeiro. Que riscos devem ser acautelados?

Normalmente, nos setores estratégicos. Por exemplo, o petróleo é estratégico para Angola, tem de ser muito controlado pelo sistema público. A China trabalha com o que chama de articulação de diversos sistemas de propriedade. Tem o sector público que é o governo, sistema descentralizado de gestão, tem grandes infra-estruturas. Tudo isso é Estado. Depois, há as indústrias privadas chinesas. Estas desenvolvem-se normalmente no quadro de mecanismo de mercado. Depois, há regimes especiais que são contratos de longo prazo com grupos internacionais, onde se definem as regras
do jogo.

Quem se instalar na China
terá de ter uma determinada percentagem de chineses no conselho de administração. É importante que numa sociedade complexa moderna se trabalhe com vários subsistemas de propriedade e de gestão. Tem de ser muito pragmático.

O que sabe sobre o combate à corrupção em Angola?
Não tenho acompanhado, mas tenho um livro inclusive sobre a corrupção. Ajudei a levar para o Brasil o sistema de controle de corrupção. Basicamente, é muito perigoso ou escorregadio transformar a luta contra a corrupção numa ‘caça às bruxas’. O problema não são os corruptos. Quando um sistema não tem transparência, haverá corrupção, prende-se um corrupto e aparece outro. Uma coisa é combater a corrupção, outra coisa é usar a corrupção como alavanca política, isso é muito perigoso. Sabemos o que fazer para reduzir a corrupção, é transparência. Por exemplo, uma lei que foi feita no Brasil, que é interessante e é discutida internacionalmente, é um pequeno imposto, por exemplo, 0,2% sobre toda a transação financeira. Como paga impostos, toda a transação é registrada, são facilmente acompanhados. A solução não passa por encontrar o ‘bode expiatório’ como fizeram com Lula (Lula nunca foi corrupto), mas gerar um sistema onde as contas são de consulta pública. É perfeitamente viável de se organizar na era da informática.

Com as novas autoridades brasileiras, vêem a possibilidade de se reabrirem, por exemplo, linhas de financiamento do BNDES para Angola?

Com este governo, é muito difícil porque estão a usar os bancos essencialmente para lucros financeiros e transferências internacionais para paraísos fiscais. O nosso ministro da Economia, Paulo Guedes, é co-fundador de um banco, o BTG Pactual. É um banco basicamente de gestão de fortuna. É um banco relativamente pequeno. Chamam de banco de investimento, mas não investe. O que faz é pegar nas grandes fortunas e encontrar lugares confortáveis para as grandes fortunas se esconderem. Tem 38 filiais em paraísos fiscais. Não é só que não está a pensar em financiar Angola, mas não está a pensar financiar a produção sequer no Brasil.

Dinâmica da desigualdade ajuda a explicar vitória de Bolsonaro, diz economista

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Para Marc Morgan, cenário eleitoral se desenhou com corrupção e descontentamento de quem não viu seus rendimentos crescerem tanto na era PT 

Fernando Canzian – FSP, 22/08/2019

Para o economista Marc Morgan, da Escola de Economia de Paris e participante do Relatório da Desigualdade Global, a vitória de Jair Bolsonaro no Brasil foi influenciada por mudanças na dinâmica da distribuição de renda.

Segundo ele, enquanto os mais pobres e os mais ricos tiveram importantes aumentos na renda até 2014, a classe média alta (os 20% mais ricos, exceto o 1% do topo) perdeu renda e acabou pesando politicamente no processo eleitoral brasileiro.

Para Morgan, vários governos são responsáveis pela elevada desigualdade do Brasil, em que os 10% mais ricos no país concentram cerca de 55% da renda total.

Como avalia a evolução da desigualdade no país ao longo do tempo e o retrato atual? O que há de estrutural nessa questão?

O Brasil tem uma longa história de desigualdade, mesmo antes dos efeitos da crise recente, que piorou ainda mais o quadro. Tudo o que for dito sobre a desigualdade no país tem de levar em conta a responsabilidade de governos anteriores.

Porém, a partir de 2000 parecia que a desigualdade diminuiria, não pela primeira vez na história, mas pelo que pareceu ser o período mais sólido de mudanças na dinâmica econômica da desigualdade por um longo tempo.

Os dados mais antigos do Brasil mostram declínio e mudanças na desigualdade na década de 1970, no período de grande crescimento. Mas a década de 2000 é muito singular porque vemos realmente as primeiras reduções sólidas, não apenas na pobreza, mas nas diferenças nos níveis de renda em toda a cadeia de distribuição.

Isso foi impulsionado pelos segmentos mais pobres, que tiveram maior crescimento de renda do que os segmentos superiores. Entre 2002 e 2014, antes de a economia começar a desacelerar e entrar em recessão, houve grandes ganhos para a parcela dos brasileiros que estão entre os 50% mais pobres.

Mas a PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] não mostrava o que estava acontecendo com o resto da distribuição, especialmente no topo. A pesquisa que fizemos e todos os dados que cotejamos [PNAD, contas nacionais, declarações de imposto de renda] mostram que enquanto houve grandes ganhos para os mais pobres, isso também aconteceu nos rendimentos do topo.

Mas a questão é que grandes mudanças ocorreram no emprego e no crescimento. Mudanças no salário
mínimo, na estrutura econômica. A área de serviços cresceu muito, a construção também. Houve muita formalização do trabalho.

Em meio a isso ocorreu um processo que vem desde o final dos anos 1980, que foi o imenso declínio da participação da indústria de transformação na economia brasileira, especialmente nas regiões mais ricas [seu peso no PIB caiu à metade nos últimos 20 anos, para cerca de 12%].

Os trabalhadores mais qualificados e os empregos com as faixas salariais mais altas sentiram esse declínio. De outro lado, indústrias menos especializadas ou setores que empregavam mão de obra com salários menores cresciam muito rapidamente.

A exemplo de outros países, isso afetou a classe média brasileira, certo? Qual o impacto da crise recente?

A virada foi entre 2013 e 2014. E em 2016 se vê a reversão de tudo o que estava acontecendo. Ou seja, a renda dos grupos mais pobres foi a que mais diminuiu, mas os rendimentos dos grupos mais ricos também diminuíram, embora muito menos. No topo, a renda manteve-se estável ou até cresceu.

O aspecto muito interessante dos anos 2000 foi o que chamamos de fenômeno de encolhimento da classe média, especialmente no Brasil, onde isso ficou tão visível.

Ela ficou achatada entre a grande quantidade de pessoas na base cuja renda estava crescendo, uns 60% da população, e o 1% no topo, os mais ricos.

Esse grupo no meio, mas mais perto do topo em termos de renda, foi o que teve o crescimento mais baixo nos rendimentos. Para algumas parcelas desse grupo, o crescimento de renda foi zero ou negativo, no período de 2002 a 2014.

Mas, com a chegada da recessão, foi a renda dos pobres a que mais caiu, seguida pela classe média. Foi uma reversão bastante notável e em pouco tempo. E que gerou muito pessimismo a respeito do processo de crescimento brasileiro, e do processo político.

Levando em conta a desigualdade persistente e o encolhimento da classe média, como avalia a vitória de Jair Bolsonaro? Antes, os pobres identificavam a melhora de vida com o PT. 

Creio que o Brasil também esteja dividido devido à dinâmica que gerou perdas monetárias para alguns grupos nesses últimos anos, especialmente desde que o PT chegou ao poder. Essas dinâmicas fizeram os mais pobres crescerem mais rapidamente do que a classe média, principalmente.

Com isso, o que se desenrolou no cenário político foi somado ao fato de que as pessoas estavam fartas da corrupção, dos escândalos, que passam por quase todos os partidos.

Se você olhar para as pesquisas de opinião, percebe que quanto mais alto se está na distribuição, maior é a preocupação com a corrupção. Mas se você se concentrar na parte inferior, as questões básicas ainda são as mais importantes. O desemprego, a saúde, a renda.

O Brasil criou uma linha bastante dividida entre aqueles que apoiaram e aqueles que parecem se opor fortemente ao PT, especialmente aqueles cujos rendimentos não cresceram tanto nos últimos 15 anos.
Nesse caso, eles podem ser entendidos como a parcela dentro dos 20% mais ricos da distribuição, mas fora do 1% no topo. É um grupo que está no meio, mas perto do topo.

São entre 15% a 20% da população cujos rendimentos não cresceram muito e que não se mostraram representados pelo PT. Além disso, houve os escândalos de corrupção.

Diante da dinâmica da distribuição de renda no Brasil e nos demais países do Ocidente, quais seriam as diferenças em termos de impacto político?

É interessante notar a divisão específica que houve na dimensão econômica e educacional. No geral, quanto maior o nível educacional, maior foi o voto anti-PT. E também quanto maior a renda, maior a probabilidade de um voto anti-PT.

É curioso porque em outros países geralmente não há uma dimensão econômica tão afinada no conflito político. O que se tem documentado em outras partes do mundo é que, quanto mais instruídas as pessoas, mais elas tendem a votar em partidos de centro-esquerda.

Então, há quase que um equilíbrio entre duas elites: de um lado a elite educacional e, de outro, a elite empresarial. E esses grupos se dividem entre esquerda e direita.

No Brasil, o curioso foi que aqueles com os maiores níveis de educação e os ligados a segmentos empresariais estavam do mesmo lado. E os pobres ficaram do outro lado.

Comparado a outros países, embora isso também tenha ocorrido na Ásia, o crescimento da renda da metade mais pobre no Brasil foi bastante forte [entre 2002 e 2014].

Na Europa e no mundo desenvolvido, o crescimento da renda dos 50% mais pobres desde 1980 foi pequeno e praticamente zero nos Estados Unidos. Enquanto que no Brasil, pelo menos na década de 2000, essa parcela cresceu 70% em termos reais.

O topo, os ricos, cresceram muito, de modo semelhante aos ricos em outras partes.

Mas o que é diferente no Brasil é a parcela mais baixa. Essa foi a característica mais singular da dinâmica do país em relação à desigualdade.

 

As ilusões do conhecimento e os medos do mundo contemporâneo

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Vivemos em uma sociedade marcada pelo crescimento das informações e do conhecimento, nunca na história da sociedade mundial as informações circularam com tanta intensidade, nesta sociedade, percebemos um excesso de publicações de todas as áreas e setores, levando conhecimento para todas os rincões do mundo, alterando hábitos, comportamentos e consumos, gerando caos e revoluções e obrigando os indivíduos a se reinventarem, além de serem mais flexíveis, dinâmicos e interessados no conhecimento.

Nesta sociedade, ninguém pode mais alegar ignorância, os conhecimentos estão disponíveis para todos os indivíduos, basta se interessar e buscar através de pesquisas e investigações variadas, o senhor Google revolucionou os trabalhos científicos, com apenas um clique temos acesso a informações e conhecimentos variados e de todas as áreas, nesta sociedade as informações sobre a matéria e sobre o espírito circulam rapidamente, ninguém mais deve se esconder, as informações circulam e são acessíveis a todos.

A Doutrina dos Espíritos sempre se destacou pelo seu estímulo ao conhecimento, o espiritismo era visto na sociedade como a doutrina do livro, denominação esta conseguida através de uma grande infinidade de livros publicados, somente o médium Francisco Cândido Xavier foi responsável pela publicação de mais de quatrocentos e cinquenta livros, desde romances, dissertações, contos e poesias, retratando o mundo além morte e as realidades da vida que, muitas vezes, eram encobertas pelas visões materialistas.

O conhecimento deve ser visto como uma grande benção, um verdadeiro presente dado por Deus para que entendamos as realidades da vida, todos sabemos que nossa passagem pela matéria um dia chegará a um fim, este fim é certo para todos os indivíduos, embora a data correta ainda seja incerta. A Doutrina Espírita nos traz uma ampla bagagem de conhecimentos para que entendamos que somos dotados de uma única vida e inúmeras existências, que se sobrepõem com o intuito máximo de nos desenvolver e abrir caminho para nossa evolução enquanto espírito.

Sabemos ainda, que desta vida pouco levaremos, não nos importa os carros e os bens adquiridos, as propriedades e os recursos amoedados, todos estes nos geram muito mais desequilíbrios do que nos auxilia no crescimento espiritual. Levamos desta oportunidade na matéria as vivências, os amores e os sentimentos nobres que adquirimos e mais, levamos desta vida também, todos os conhecimentos que adquirimos, estes estão inscritos dentro do espírito de cada ser humano e auxiliam em nosso desenvolvimento.

Embora estejamos em um mundo marcado pela competição, onde a tecnologia e o conhecimento ganham relevância dentro da sociedade, onde os estudos, as leituras e as conversas edificantes se transformaram em um diferencial importante para o acalanto do nosso espírito, estamos tão centrados em disputas e trabalhos materializados, que nos esquecemos da importância e da centralidade destes momentos de reflexão.

A literatura espírita nos esclarece de muitas questões fundamentais para os indivíduos, nos mostra as raízes de nossas existências, as causas de nossas aflições, de nossos dramas mais íntimos e nos mostram os caminhos e os passos que devemos seguir, servindo para os indivíduos como um verdadeiro manual de sobrevivência neste mundo marcado pela turbulência, pelos desequilíbrios e pelos instrumentos de evolução.

O codificador da Doutrina dos Espíritos, Hippolyte Leon Denizard Rivail, cujo pseudônimo utilizado foi Allan Kardec, este escolhido por ter sido seu nome quando estava encarnado como um druída, nas Gálias. Kardec foi um grande educador, de homem e de almas, suas pesquisas e sensibilidades o levaram ao conhecimento dos espíritos, suas dúvidas lhe trouxeram espaços sólidos de reflexões e de questionamentos e sua confiança em uma inteligência suprema lhe asseguraram os recursos necessários para a compreensão de que a vida não se extingue na matéria, muito pelo contrário, a matéria é apenas mais uma etapa do processo evolutivo dos seres humanos.

Mesmo sendo caracterizado por uma invulgar inteligência, Allan Kardec se notabilizou porque, em todas as suas conversas com os espíritos, suas reflexões não aceitavam respostas limitadas, seu amor pelo conhecimento e sua firmeza de caráter fizeram dele uma pessoa que colocava a ciência e o conhecimento críticos no centro de suas observações, encontramos em seus escritos orientações importantes, dentre elas, destacamos que se a ciência lhe disser algo e o espiritismo lhe disser algo diferente, siga pelos caminhos ditados pela ciência.

            Nesta passagem, o codificador nos mostra sua humildade, acreditando e defendendo a importância da Ciência como instrumento de desenvolvimento social e consolidação moral, seus escritos estariam sempre atrelados ao conhecimento científico, suas descobertas deviam sempre passar pelo crivo da razão e seus estudiosos deveriam sempre deixar de lado o culto a pessoas e personalidades, abrindo um canal de ligação entre o pensamento crítico e o espiritismo, fazendo com que estes caminhassem juntos, lado a lado.

            Na sociedade contemporânea a Ciência apresenta uma centralidade jamais vista, se analisarmos a história da humanidade, vamos perceber que nunca anteriormente a Ciência foi tão poderosa, em momentos anteriores, a religião era o grande contraponto da ciência e do pensamento científico. No século XXI a religião perdeu espaço considerável e a ciência ganhou relevância e uma importância central, materializada nas grandes descobertas científica, desde inovações que mudaram a vida dos indivíduos até mercadorias que revolucionaram o comportamento dos indivíduos.

O conhecimento deve ser visto pela coletividade como algo que nos liberta de séculos ou milênios de ignorância acumuladas, este conhecimento deve nos transformar para melhor, contribuir na educação moral e no desenvolvimento espiritual, somente desta forma devemos encarar o estudo e a reflexão, como algo transformador e edificante. Muitas pessoas se utilizam deste conhecimento apenas para as benesses individuais, usam as informações para ganhos econômicos e financeiros e deixam de lado o papel social e de transformação do conhecimento, como nos ensina a Doutrina dos Espíritos.

Como nos mostrou Francisco Cândido Xavier, o maior médium brasileiro, senão mundial, de todos os tempos, dotado de todos os tipos de mediunidade, em sua passagem pelo mundo material, quem sabe pode muito, mas quem ama pode mais. Nestas palavras sublimes, nosso amigo nos mostra que conhecimento sem amor não nos auxilia no processo de evolução espiritual, o amor é a base das relações dos seres humanos e deve ser colocado na frente de nossas atitudes e comportamentos, o conhecimento sem amor pode levar os indivíduos a cultivar a vaidade e o personalismo, doenças que tem levado muitas pessoas dotadas de grande potencial rumo a desastres pessoas e degradações morais, cujos resultados perduram durante muitas anos, nesta vivência física e em outras vivências espirituais.

O conhecimento pode criar uma grande ilusão para os indivíduos, se não estiver ancorado em uma boa bagagem moral, muitos intelectuais acreditam ser melhores e mais importantes do que outras pessoas, se utilizam de palavras difíceis para demonstrar conhecimento e cultivam hábitos extravagantes. Infelizmente estes irmãos carecem de bom senso e, se não alterarem seus comportamentos, serão acordados desta ilusão de uma forma pouco saudável, deixando fortes sequelas.

Muitos se dedicam apenas ao conhecimento material, ganhos monetários e financeiros, acreditando que estes recursos lhes trarão felicidades e prazeres materiais, negligenciando outros valores e conhecimentos da vida, estes indivíduos sofrem em demasia quando chegam ao mundo espiritual e se deparam com uma realidade nova e desconhecida, percebendo que, mesmo mortos fisicamente ainda vivem espiritualmente. Ao se deparar com a vivência em espírito, percebem o quanto tempo perderam na vida, concentraram seus estudos na aquisição de conhecimentos sólidos, mas sem valores morais, com isso, adquiriram carros e propriedades e deixaram de construir um futuro mais consciente para o espírito, colhendo na atualidade dores e ranger de dentes.

A Doutrina Espírita nos mostra a importância do estudar e do refletir, mas não deixa de lado o compartilhar com outros irmãos os conhecimentos angariados, o auxílio e a caridade para com os irmãos mais ignorantes servem como uma grande mola propulsora tanto daquele indivíduo dotado dos conhecimentos como daqueles com menos conhecimentos e que, muitas vezes, são menos afeitos ao estudo e à reflexão. Como nos mostra a leitura atenta das obras de Allan Kardec, o conhecimento nos liberta de uma ignorância que cultivamos a muitas existências, neste momento temos a oportunidade de conhecer e discutir questões que, muitas vezes, não nos era permitido em épocas anteriores, onde por razões religiosas ou por questões ligadas ao poder material, o conhecimento era reduzido a uma pequena parcela da sociedade, estava restrito nas mãos dos poderosos e era utilizado para dominar e doutrinar os corações mais simples e ignorantes.

Segundo os estudiosos do conhecimento, no mundo contemporâneo, uma criança de 12 anos de idade possui mais informações e conhecimentos do que um rei em períodos anteriores, naquela época mais remotas a ciência não possuía a relevância e a centralidade que possui no mundo atual, diante disso, devemos aproveitar esta oportunidade para estudar, para refletir e para se melhorar, utilizando o conhecimento material para compreender o mundo, mas nunca nos esquecendo de que existem muitas coisas na vida que vão além da matéria e estas coisas só conseguiremos enxergar quando abrirmos os olhos do coração e nos deixarmos levar pela grandeza de Deus e a importância do espírito no processo evolutivo.

A Doutrina dos Espíritos tem muito para nos explicar, sua base centrada na tríade Religião, Ciência e Filosofia nos traz um grande conjunto de informações e conhecimento para compreender a vida, ao nos mostra a reencarnação como uma lei natural e nos ensinar que a morte é apenas uma passagem para outras experiências, o espiritismo nos capacita para compreender Jesus e as Leis que regem a sociedade, deixando de lado a vitimização e nos mostrando que não devemos terceirizar nossas responsabilidades, se estamos em momentos de dificuldades devemos buscar, através da reflexão e do cultivo da oração, da conversação com Deus e pelo cultivo dos bons pensamentos a inspiração para encontrarmos um caminho mais sólido e consistente para superarmos nossos problemas e encontrar a felicidade relativa para vivermos melhor e construir nosso crescimento moral e espiritual, afinal de contas é para isso que estamos vivendo nesta nova encarnação.

 

A economia global caminhando para uma nova recessão

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Nos últimos dias o noticiário econômico internacional se destacou por notícias bastante negativas referentes a economia global, desaceleração em alguns países, recessão em outros, quedas nos investimentos e aumento do desemprego, estamos rumando rapidamente para um cenário de forte recessão, cujos impactos são variados e preocupantes, levando governos e Bancos Centrais a discutirem medidas para reverter este cenário de degradação e evitar mais uma crise global num período muito curto de tempo.

O ambiente se degradou nos últimos dias, quando países desenvolvidos e industrializados divulgaram indicadores preocupantes, a guerra comercial entre Estados Unidos e China aumentou e contribuiu para este clima de desesperança e preocupação constante, além disso, o governo alemão informou a comunidade internacional que sua economia apresentou crescimento negativo no período. A China destacou uma diminuição de seu crescimento econômico, além de uma situação preocupante na região, os confrontos entre os chineses e a população de Hong Kong, com alto potencial explosivo, destacamos ainda, a situação da América do Sul, marcada pela degradação da situação da Venezuela e pelas perspectivas negativas para a Argentina, cuja economia está em constante degradação, todos estes fenômenos estão gerando graves instabilidades na economia global.

A guerra comercial Estados Unidos e China está gerando grandes instabilidades globais, o aumento das políticas protecionistas e o discurso nacionalista está se espalhando pela economia global, mostrando a insanidade dos atores econômicos, principalmente do governo norte-americano, cujas políticas nacionalistas e de proteção a sua economia está degradando as cadeias globais de produção e levando os países a ressuscitar políticas protecionistas que estavam hibernando e apresentam potencial explosivos para conflitos maiores entre as potências. Depois de medidas contra os produtos exportados oriundos da China, com alíquotas mais elevadas, o déficit comercial aumentou drasticamente, colocando em risco o crescimento econômico do país, algo preocupante para uma economia em forte aceleração e para um presidente que inicia a caminhada para mais um período de quatro anos á frente da Casa Branca.

As reações chinesas mostram uma atuação forte e deliberada de uma economia que almeja uma posição de destaque na economia internacional, uma sociedade que, nos últimos quarenta anos, saiu de uma posição intermediária para uma posição de destaque, o conflito é mais do que comercial, deve ser visto como um conflito que visa a hegemonia da sociedade global.

A recessão global impacta diretamente sobre todos os agentes econômicos globais, menos comércio significa menos recursos nos cofres dos países e das empresas, menos vendas e produção menor, com redução nos níveis de emprego e, muito mais, um incremento no desemprego, justamente num momento marcado pelo crescimento da chamada Indústria 4.0, cujos contornos totais ainda são desconhecidos, mas os impactos sobre o emprego e a empregabilidade são gigantesco, gerando preocupações e incertezas, que afastam os investimentos produtivos.

Os avisos oriundos da Europa, principalmente o dos alemães preocupam a comunidade internacional, esta economia pode ser descrita como a locomotiva da região, seu potencial de exportação é elevado e sua posição industrial é sempre destacada pelos agentes econômicos. Uma recessão na Europa pode trazer graves constrangimentos para a região, isto porque, com a saída dos ingleses do bloco e sua desaceleração, os riscos de uma freada pode ter impactos mais negativos do que o imaginado anteriormente.

Neste ambiente de instabilidade nos países desenvolvidos, a economia global caminha para um momento de recessão, as Bolsas Globais já visualizaram este cenário no horizonte, neste momento mais de US$ 15 trilhões de investimentos nos mercados globais estão em produtos cujos rendimentos estão atrelados a juros negativos, ou seja, depósitos feitos em aplicações, cujos retornos são menores do que o capital investido, uma sinalização perigosa, será que estamos envoltos em uma crise maior do que aquela gerou a crise de 2008?

A economia mundial contemporânea apresenta características interessantes, para compreendê-la, faz-se necessário entender as cadeias globais de produção, uma estrutura produtiva que divide a produção em inúmeros países, nesta divisão, cada país que consegue se inserir nesta estrutura produtiva é responsável por uma parte do processo produtivo, diante disso, um país importa os produtos de vários países, monta e depois exporta para todos os demandantes destas mercadorias, com este modelo a produção é compartilhada entre vários países, uma crise num dos países impacta diretamente nos outros e acaba afetando toda a cadeia produtiva global, com impactos gigantescos sobre os países.

Com a guerra comercial em curso na economia internacional entre os Estados Unidos e a China, marcadas por políticas protecionistas e nacionalistas de ambos os lados, principalmente dos norte-americanos, a estrutura produtiva global e as trocas ficaram ameaçadas, gerando um clima de incertezas generalizadas, estas medidas acabaram criando um clima de protecionismo exacerbado entre as economias globais, gerando uma retração do comércio e levando a economia mundial a uma recessão cujos resultados são inesperados.

O mercado financeiro internacional se mostra instável e preocupado com toda esta situação, os juros estão baixos e os investimentos produtivos estão em queda livre, sem estes investimentos na produção não se gera empregos de qualidade, sem estes a economia global pode entrar em pane, como muitos teóricos acreditam, podendo gerar aquilo que Lawrence Summers chamou de estagnação global, um momento onde o sistema econômico capitalista perde o dinamismo e o crescimento se reduz rapidamente, algo parecido com o que estamos visualizando na atualidade.

Neste cenário de desaceleração de grandes economias, percebemos que a demanda global se retrai, os países reduzem suas importações e levam outras economias a venderem menos no mercado, neste ambiente as economias desaceleram, gerando um rastro de desaceleração econômica, cujos impactos sociais podem ser assustadores, aumentando o desemprego, reduzindo os recursos governamentais justamente num momento onde sua população mais demandariam investimentos públicos, gerando um verdadeiro caos para a economia internacional.

Para países como o Brasil, grande exportador de produtos primários, que tenta se recuperar de uma recessão entre 2015/2017, quando o produto interno bruto caiu mais de 8%, o aumento da instabilidade global pode gerar desequilíbrios sociais dos mais trágicos possíveis, desestruturando o tecido social e aumentando a violência e a criminalidade, que apresentaram sinais de incremento neste período, demandando um posicionamento maior e mais efetivo de um Estado que está mergulhado numa crise fiscal que parece insuperável.

No caso brasileiro, as medidas econômicas adotadas pelo governo, principalmente as vinculadas à Reforma da Previdência, devem melhorar o ambiente institucional e abrir novas perspectivas para a economia do país, mesmo assim, a tão sonhada melhora estrutural deve acontecer apenas no médio prazo, desde que outras reformas fundamentais sejam implementadas, onde citamos a Reforma Tributária, esta sim uma das mais importantes e fundamentais para melhorar o ambiente de negócios, destravar a economia e impulsionar o crescimento do país, deixando pra trás um período nebuloso que contribuiu para concentrar e piorar a distribuição de renda, deixando os pobres em situação mais degradantes e os ricos em uma situação de maior opulência.

Para piorar ainda mais a situação da economia internacional, a situação de nosso mais importante vizinho comercial, a Argentina, beira a insanidade. Depois de eleger um governo liberal que não trouxe os resultados esperados para a economia, as eleições de outubro ameaçam entregar o poder ao grupo que gerou graves desequilíbrios econômicos no país, diante desta situação, os mercados precificam uma possível situação de caos econômico generalizado, com graves impactos sobre a região e principalmente, sobre a economia brasileira, que vem sofrendo com os indicadores econômicos negativos do nosso vizinho desde 2016, quando nossas exportações se reduziram rapidamente.

Nesta situação de instabilidade e possível recessão econômica, os países começam a se movimentar para combater a degradação dos indicadores econômicos, os alemães calculam em mais ou menos 50 bilhões de Euros os recursos necessários para reverter a queda acentuada em suas exportações e nas atividades produtivas. Na China, o sinal vermelho também começou a gerar preocupações do governo, levando as autoridades econômicas a buscar soluções para a redução da atividade produtiva, um possível pacote de medidas deve estar a caminho, com isso, percebemos que quando a situação se degrada, os agentes econômicos defensores do livre comércio e da concorrência se voltam ao Estado Nacional para salvar o capitalismo e evitar uma crise generalizada no sistema, com impactos sobre toda economia mas, principalmente, para os grupos menos organizados e vulneráveis do sistema econômico.

Numa situação de recessão global, como a que vivemos na atualidade, os donos do capital iniciam um processo de retirada de seus recursos dos mercados emergentes e levam estes capitais para os mercados mais consistentes, preferindo a renda fixa americana – a demanda por Treasuries tem crescido rapidamente, do que os mercados de países em desenvolvimento, com isso, as moedas destes países emergentes podem iniciar um ciclo de valorização com impactos sobre suas exportações e suas contas externas.

Outro ponto estrutural que deve ser destacado neste momento, é que a economia internacional, nos últimos anos, vem aumentando a desigualdade de renda, um movimento que mina os recursos das classes médias ocidentais e diminuem seu consumo, com isso, percebemos uma redução na demanda de produtos industrializados nos países exportadores, esta redução se dissemina por todas as cadeias globais de produção e reduz a demanda por novos investimentos e a geração de novos empregos. O crescimento na desigualdade global está ameaçando a saúde do sistema econômico, gerando desesperança, desemprego estrutural e ameaças a democracia, levando países democráticos a elegerem governos nacionalistas e protecionistas, que assumem com promessas milagrosas e defendem políticas que impulsionarão o crescimento econômico e uma melhoria na condição de vida das populações, na verdade geram mais nuvens escuras, instabilidades e xenofobismo entre as sociedades.

Uma recessão global no momento pode trazer graves prejuízos para a economia internacional, numa sociedade marcada por instabilidades e medos generalizados, onde o emprego e a boa qualidade de vida estão sendo ameaçados todos os dias pela intolerância, pela violência disseminada e pelas crises econômicas, uma recessão pode gerar mais estragos e desequilíbrios, nos levando cada vez mais a um verdadeiro caos global.

 

 

 

 

 

 

 

 

Sem ‘norte’, serão 15 anos para Brasil voltar à pobreza de 2014

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Após uma década perdida em termos de bem-estar social, país deveria integrar programas de combate à desigualdade ao Bolsa Família

Fernando Canzian – Folha de São Paulo – 20/08/2019

Sem focar os mais pobres com programas específicos como o Bolsa Família, o Brasil pode demorar 15 anos até voltar ao mesmo patamar de pobreza de antes da crise, afirma o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

Como avalia a evolução da renda e da desigualdade no Brasil?

O Brasil vinha em um processo de crescimento inclusivo até 2014. Daí para frente, vivemos o outro lado da moeda. Os rendimentos caíram, e a desigualdade da renda do trabalho aumentou por mais de quatro anos consecutivos, algo que não aconteceu nem em 1989, nosso recorde de desigualdade.

Com isso, a economia desaqueceu ainda mais, pois os pobres tendem a consumir boa parte de sua renda.

A pobreza também aumentou muito. Ela tinha caído, de 1990 a 2014, cerca de 75%. Agora, só a extrema pobreza subiu 40%. Uma combinação de queda da renda, desemprego e aumento da desigualdade gerou a reversão.

Não estamos voltando ao mesmo nível de pobreza que tínhamos antes de ela cair, felizmente. Mas a projeção é que, se não reduzirmos a desigualdade, mesmo crescendo 2,5% ao ano até 2030, nós vamos apenas voltar aonde estávamos em 2014.

Ou seja, precisamos fazer não só um combate à desigualdade, mas à sua pior forma, que é a que afeta os mais pobres. É o que programas como o Bolsa Família ou educação pública podem fazer.

Quem mais ganhou e perdeu na crise?

Ao contrário do período anterior em que a desigualdade caiu e grupos excluídos tiveram ganhos maiores, houve uma certa mistura. Os grandes afetados foram os mais jovens, que perderam 15% de sua renda no período todo da crise enquanto a média perdeu 2,6%, porque houve uma queda e depois uma recuperação da renda média.

Negros e pessoas de baixa escolaridade perderam mais. No Nordeste e no Norte a perda também foi maior. As mulheres conseguiram ter algum ganho enquanto os homens perderam, diminuindo a desigualdade de gênero.

O único grupo que ganhou foi o das cônjuges, como uma estratégia de manutenção da renda na família.

Os últimos anos também foram de melhora para quem estudou mais, e como as mulheres são mais escolarizadas, elas conseguiram se destacar.

Mas foi um período de aumento de desigualdade no mercado de trabalho, que também havia sido, no período anterior, a grande causa da redução da desigualdade.

Como a desigualdade brasileira impacta no PIB?

A desigualdade e seu aumento tendem a piorar o crescimento por vários canais, como o consumo da população, a violência que desestrutura atividade produtivas e a polarização política que leva à instabilidade. Tudo isso é ruim.

Se tivermos alguma retomada da renda média, ainda que tímida, se olharmos o bem-estar da nação, que leva em conta também a distribuição da renda, quase não existe recuperação. Ela é muito tênue.
É uma década perdida em termos de bem-estar social.

No boom das commodities dos anos 2000, a renda aumentou e a desigualdade caiu. Se houver um novo ciclo favorável, é possível retomar isso ou as coisas mudaram, como o fato de a população ter envelhecido? 

Acho que será necessária uma ação muito clara sobre a desigualdade e o tipo de desigualdade que queremos reduzir. Se for para reduzir a desigualdade no meio da distribuição de renda, não há mais recursos.

Se for para focar nos mais pobres entre os pobres, podemos conseguir. Mas, se dependermos só do crescimento, teremos de andar 15 anos para voltar ao início da crise.

Tem que haver um combate direto à desigualdade. Mas o principal problema é que talvez a gente tenha perdido esse sentido, esse norte.

Para além dos efeitos da crise, tínhamos uma direção de combate à desigualdade. Mas saímos desse caminho do meio e estamos polarizados. Ou é só crescimento ou, como quer a esquerda tradicional, só a desigualdade.

Precisamos conciliar essas visões, porque se olharmos o progresso social que o Brasil teve, não foi só a renda crescendo e a pobreza caindo pós 1990.

A expectativa de vida aumentou, a escolaridade, que estava estagnada desde sempre, também cresceu. Só que essas mudanças não trouxeram impacto na economia.

As pessoas vivem mais, mas a gente não reformou a Previdência. A escolaridade aumentou mas a produtividade do trabalhador, não.

Houve uma melhora na vida das pessoas, mas não uma responsabilidade econômica que desse sustentação a isso.

E agora vemos uma involução social. A própria expectativa de vida e a mortalidade infantil começando a piorar.

A falta de contrapartida macroeconômica começa a afetar o lado social.

O aumento da renda e a queda da desigualdade se deram em um período em que o salário mínimo aumentou 74% acima da inflação em 15 anos. Foi uma boa política?

Tivemos uma política forte, mas que talvez tenha sido exagerada não só face ao alto desemprego corrente mas pelas transferências públicas.

O que figura no imaginário é que o salário mínimo é a grande fonte de combate à pobreza. Mas a verdade é que isso custa muito porque todas as políticas sociais, Previdência, seguro desemprego e abono salarial, por exemplo, estão indexadas ao salário mínimo.

A gente aumenta a despesa pública e, com a população envelhecendo, é um processo que não se sustenta.

Nos anos 1990, quando o governo FHC deu grande aumento para o salário mínimo, aquilo teve impacto na pobreza. E não tinha outra coisa a ser feita, porque não havia o Bolsa Família. Hoje temos outros instrumentos e, apesar disso, a gente meio que jogou dinheiro de helicóptero. Gastou com Previdência, com pobre e não pobre, com campeões nacionais.

O Brasil realmente adotou uma estratégia sem sustentabilidade, comprometendo o próprio recurso de combate à pobreza. Hoje, se a gente quiser fazer isso, vai ter que ser muito decidido e focado.

O instrumento que temos consolidado hoje é o Bolsa Família. É começar por ai? 

Por aí e desmontar coisas que não são tão boas. Porque, no Brasil, temos essa tradição de adotar cada vez mais programas e penduricalhos e de manter mesmo programas que não são muito bons.

É preciso também criar pontos entre os programas. O sujeito que sai do Bolsa Família vai para onde? Empreendedorismo, emprego formal? É preciso pensar na integração, e o Bolsa Família é uma boa base a partir da qual é possível fazer essas conexões.

Depois de 13 anos de PT, tivemos o impeachment, o governo Temer e a vitória da direita de Jair Bolsonaro. Isso tem a ver com a volta do aumento da desigualdade?

Os indicadores sociais do Brasil estavam meio descolados do econômico. O PIB começou a andar de lado desde o começo da década, e o mercado de trabalho e a distribuição de renda continuaram a prosperar até 2014.

Mas, do ponto de vista psicossocial, a confiança da sociedade no governo federal, nas instituições e na avaliação de políticas públicas vem se deteriorando desde 2010.

Acho que atualmente é muito difícil tentar entender o Brasil sem ouvir os brasileiros, para além dos indicadores objetivos.

A gente tenta buscar um certo conforto no cenário global. Temos o [Donald] Trump, o brexit no Reino Unido, e o que aconteceu no Brasil faz parte do mesmo contexto. Faz, mas o grau brasileiro de desconfiança nas instituições é muito maior.

Em relação à aprovação das lideranças políticas antes da eleição de 2018, não é que o Brasil tenha a pior avaliação do mundo. É a pior da série, de dez anos. Não existe outro país, em toda a série histórica que acompanhamos, com desaprovação tão alta.

Isso refletiu nas eleições. Tem razões sociais e objetivas como desemprego e a desigualdade, mas tem uma raiz psicológica mais profunda.

Qual a sua avaliação sobre a desigualdade em perspectiva mundial?

O aperto das classes médias tradicionais nos países desenvolvidos é um dado simbólico importante, que consegue explicar fenômenos como Trump e brexit. Só que, se olharmos para a desigualdade e distribuição de renda globais, ela melhorou nos últimos anos por conta dos milagres econômicos chinês e indiano, dois países que abrigavam metade dos pobres do mundo.

A classe média tradicional é o grupo perdedor das nações ricas, e essas pessoas acabam votando com base naquilo que elas conseguem enxergar, que é o seu país. E isso tem piorado no mundo.

E a polarização econômica tem levando também a uma polarização das ideias, com as sociedades cada vez mais divididas. Com muito de “nós contra eles”, e vice e versa.

Isso acaba levando as pessoas a se agrupar nos extremos, em causas que se reforçam, ampliando conflitos.

Quais as razões de termos uma forte concentração no 1%?

Por ter sido o último país do mundo ocidental a abolir a escravatura, há muita desigualdade em nossas relações trabalhistas. A medida da renda do 1% mais rico tem se mantido alta não só pela renda do capital mas também pela do trabalho.

Destacamos a importância da empresa onde se trabalha, do acesso ao capital produtivo na determinação da desigualdade mais até do que a educação transmitida de pai para filho.

Os dados do Imposto de Renda que processei junto com Marcos Hecksher, do Ipea, também mostram os privilégios de uma casta de funcionários públicos ativos. Sem falar da previdência deles, que exacerba a desigualdade no topo.

Mas se os dados do Relatório da Desigualdade Global mostram uma altíssima concentração de renda no topo, eles também indicam um país muito mais próspero, não só na fotografia atual como no filme ao longo do tempo.

A taxa de crescimento da renda média nos últimos oito anos da série seria seis vezes mais rápida que a do PIB. Ou seja, se os novos dados trazem más notícias, há também boas notícias para um observador mais atento.

Não dar seguro saúde e Previdência a terceirizado é escândalo, diz José Pastore

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Governos e mercado devem criar produtos de proteção para trabalho flexível, diz sociólogo

Érica Fraga – Folha de São Paulo – 19/08/2019

Com o avanço da reforma da Previdência, o país precisa encarar outra bomba relógio: a realidade de 50 milhões de brasileiros que estão desempregados ou na informalidade, sem proteção trabalhista ou previdenciária.

O alerta é feito pelo sociólogo José Pastore, 84, um dos mais respeitados pesquisadores do universo das relações laborais no Brasil. “A sociedade precisa encontrar proteção para o terceirizado, o freelancer, o casual”, diz Pastore, que é professor da USP.

“Eles adoecem, envelhecem e morrem”, afirma.

Como parte de seu esforço de pesquisa para alertar as pessoas sobre esse tema, ele escreveu um artigo que será publicado na LTr, revista de temas jurídicos.

No texto, intitulado “O trabalho do futuro e o futuro do direito”, o sociólogo mostra com dados e farta evidência internacional, como as relações laborais flexíveis crescem em ritmo acelerado.

Mostra que países ricos têm adotado regimes de coparticipação, em que tanto profissionais como freelancers, quanto governos e contratantes dividem os custos de produtos de previdência privada e seguros.

Para Pastore, no Brasil, as seguradoras precisam acordar para a nova realidade e desenvolver um cardápio de produtos flexíveis e variados para diversas faixas de renda.

“Precisamos encontrar proteção nova para o trabalho novo (….) A proteção tradicional está atrelada ao emprego. Quem trabalha sem emprego tem que ter a proteção atrelada a si próprio”.

Qual é a diferença entre emprego e trabalho?
O emprego é um trabalho muito específico, em que se caracteriza subordinação, assalariamento, continuidade, habitualidade. E o trabalho é a atividade de produção, criação de um modo geral. O emprego é um tipo de trabalho.

O que tem mudado nesse universo?
A grande novidade é que, ao lado do emprego, que ainda é a forma predominante de trabalhar, e vai continuar sendo por muito tempo, estão surgindo novas formas de trabalhar, o trabalho casual, sem subordinação, sem assalariamento, sem habitualidade, feito por projeto, com começo, meio e fim.

Isso é consequência da tecnologia?
A tecnologia tem um papel importantíssimo, mas é produto também da globalização. As empresas fragmentam a produção e conseguem em vez de ter uma grande fábrica com empregos fixos, ter 10, 15 freelancers aqui e ali. No mundo desenvolvido, entre 25% a 30% da força de trabalho já está nessa modalidade. Aqui no Brasil, são uns 20% a 25%.

Por que o emprego tradicional está longe de se tornar minoritário? 
Eu acho que sou meio isolado nisso, mas minha impressão é que ainda tem uma série de sistemas produtivos que requerem um pessoal estratégico, que precisa desfrutar da confiança dos donos da empresa e ter uma grande familiaridade com o trabalho. É o caso do gerente de banco, do sujeito que está bolando um novo produto.

No texto, o sr. lança a pergunta sobre o que teria de errado com os trabalhos flexíveis e responde que, para o direito trabalhista, tudo, mas para o próprio mundo do trabalho, nada. O bom senso está mais próximo de quem?
Do direito do trabalho. Estamos mais acostumados às proteções de quem tem emprego. No novo mundo do trabalho, você tem três enfermeiras num mesmo hospital. Uma é fixa, outra é terceirizada e a outra, freelancer. Fazem a mesma coisa, mas têm remuneração e benefícios diferentes. Isso é um escândalo para o direito do trabalho convencional.

Como deixaria de ser um escândalo?
Na medida em que a sociedade encontrar proteção para o terceirizado, o freelancer, o casual, o conta própria, o ‘à distância’, etc, está tudo resolvido. Só que é uma proteção diferente. Por que eles precisam de proteção? Porque eles adoecem, envelhecem e morrem.

Qual é o problema de replicar as regras do emprego para o trabalho não convencional? 
Muitos problemas. É a história de você fazer um puxadinho. Aquele que é contratante de um freelancer pode deixar de contratar se tiver que arcar com as garantias do emprego para quem não tem emprego. Ou pode rebaixar muito o salário. Outra tendência que não funciona é a do direito convencional criar termos novos, o empregado independente ou o emprego parassubordinado. O que precisamos é encontrar proteção nova para o trabalho novo.

Por que é importante que a proteção esteja atrelada ao trabalhador e não ao emprego?
Leis como a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) protegem a relação de subordinação entre empregado e empregador. Agora, quem trabalha sem emprego tem que ter a proteção atrelada a si próprio, porque ele vai trabalhar ora aqui, ora ali, ora com emprego de novo, depois volta a trabalhar como freelancer. Para o não empregado, o Brasil tem alguns tipos de proteção, mas precisa avançar.

Quem vai proteger esse novo trabalhador?
Aí é que está. O desafio é definir essa proteção. Alguns países ricos já avançaram. Quando a gente fala que a proteção tem que estar atrelada à pessoa, quer dizer que ela tem que cuidar da sua proteção. Como? Comprando produtos de proteção. Previdência privada, seguro social, seguro de saúde, licenças gestacionais.

Todos esses planos estão baseados em regimes de capitalização. Ou seja, são planos de benefício definido. O trabalhador define o que quer. Para pagar isso, ele precisa tirar do serviço que presta e tem que embutir no preço do contratante.

A empresa que contrata o trabalhador flexível não contribui diretamente? 
O contratante também pode participar, mas tudo vai depender de oferta e procura.

Nos países avançados, começou a surgir o sistema de coparticipação. O freelancer sozinho não aguenta pagar a contribuição cheia. Então, há uma divisão. Geralmente, o trabalhador paga a maior parte, um pedaço é o contratante e outro é o governo. Para o Brasil, onde o problema da informalidade atinge 50% da força de trabalho, será mais importante ainda um regime de coparticipação.

Como fica a participação do contratante quando termina o contrato com aquele trabalhador?
Quando você para de trabalhar, tem que pagar a contribuição cheia, sozinho.

Agora, tem países em que se você não aguenta pagar a contribuição cheia, paga, por exemplo, a metade. Mas o pacote que comprou vai se reduzir. Se era um plano para se aposentar aos 60 anos, passa para 62.

Como o Brasil tem se adequado a esses desafios?
A previdência pública oferece quatro tipos de proteção diferentes para o autônomo. Uma é para aquele que emite o RPA [recibo de pagamento autônomo]. A segunda é para o MEI [microempreendedor individual]. O terceiro é o contribuinte individual. E o quarto é o contribuinte voluntário, que está pensando em proteção futura, mas nem trabalha.

Isso está bom, mas é insuficiente. As proteções para o freelancer têm que ser customizadas, flexíveis, porque ele faz muito ziguezague, e as modalidades existentes não acompanham esses movimentos.

Nosso mercado de seguros e previdência ainda não despertou para o fato de que 50% da população economicamente ativa está na informalidade. Muitos com renda baixa e instável, mas nem todos.

Há freelancers que já poderiam ter sua previdência privada, seguros, mas não têm nada porque os produtos não são atraentes. As empresas de seguro precisam oferecer produtos a todas as faixas de renda.

O governo também entra nos regimes de coparticipação?
Nos países avançados, a coparticipação é estabelecida ou voluntariamente entre as partes ou por lei.

O Brasil está atrasado? 
O mundo inteiro demorou a entrar nesse assunto. As formas não convencionais de trabalho começaram a crescer mais recentemente. Surgiu o Uber, o cara do ´delivery´, gente que está na Internet.

Estou fazendo um esforço de pesquisa para alertar que essas pessoas precisam estar tão protegidas quanto os empregados, também são seres humanos. Não quis abrir essa discussão antes por causa da reforma da Previdência.

Qual era a sua preocupação?
A reforma da Previdência está sendo feita em termos de empregado e empregador. Quem contribui para a Previdência? Tive medo de lançar essa discussão antes e alguém falar: ‘Quer saber de uma coisa? O mais importante não é isso que está sendo discutido aqui no Congresso, porque, no futuro, não haverá empregado e empregador para aguentar a Previdência’.

Os informais representam um risco econômico para o futuro do país?
Sim, porque eles dependem só da assistência. É uma pressão violenta em cima das finanças públicas.

Traz também problemas como degradação, frustração, criminalidade. E é um problema de todos.

Mesmo que o Brasil consiga adotar formas para proteger os independentes, elas precisam ser muito bem pensadas. Na medida em que você vai vivendo mais, precisa de mais proteção. Tem que calibrar muitas coisas. Se fizer uma coisa muito bonita, mas que não esteja ajustada à capacidade de pagamento, não vai dar certo e deixaremos tudo para o governo.

Hoje, elas não têm proteção nenhuma?
Nada, zero. Nem proteção trabalhista, nem CLT, nem Previdência, nem seguro saúde, nada. Elas dependem de assistência. Felizmente, temos dois ou três planos de assistência social que quebram o galho.

Houve otimismo excessivo sobre a capacidade da reforma trabalhista de criar trabalhos formais? 
Aqueles que prometeram emprego eram ilusionistas. Não dá para gerar emprego com lei. Se desse, não existiria desemprego no mundo. E a reforma brasileira foi aprovada no meio de uma brutal recessão. Não tinha a menor condição de ter efeito sobre geração de emprego.

Agora, a reforma reduziu muito o conflito trabalhista, porque procurou moralizar o acesso à justiça. Não cercear, mas moralizar. Os juízes estão oferecendo sentenças mais bem fundamentadas. Outra coisa que melhorou foi o aumento do acordo voluntário.

Como o sr. avalia a medida provisória da Liberdade Econômica, que alguns consideram uma nova reforma trabalhista?
Acho que as regras estão na linha da modernização que teve início com a reforma trabalhista. Por exemplo, já está na hora de criar uma carteira de trabalho digital. A maior flexibilização para o trabalho aos domingos também é positiva. A vida do consumidor mudou muito. As regras ampliam as alternativas de serviços para o consumidor, e também, um pouco, a oportunidade de trabalho.

Mais cápsulas de Kardec e menos comprimidos antidepressivos  

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A sociedade atual vive momentos de grandes transformações estruturais, os modelos de organização social e política estão em crise e muitos em fases avançadas de desintegração, exigindo dos indivíduos uma constante busca por compreensão de mundo, pena que muitas pessoas canalizam seus esforços para o conhecimento apenas do mundo material, se debruçam nos compêndios científicos e tecnológicos e se esquecem de fazer um mergulho interior, para analisar seus sentimentos, seus valores e suas mais íntimas emoções.

Nesta sociedade que cultiva e cultua o corpo, o hedonismo e a potência material, onde as pessoas buscam se mostrar sempre como símbolos de sucesso e de admiração, além de respeitáveis e dotadas de conhecimentos elevados, os prazeres carnais sobrepõem os valores do espírito, cultivar valores e sentimentos espirituais pode levar o indivíduo ao isolamento, sendo vistos como pessoas esquisitas que devem ser evitadas pelos chamados indivíduos normais.

Os ensinamentos deixados pelo grande pedagogo e intelectual francês, Allan Kardec, contidos na codificação da Doutrina Espírita podem nos auxiliar demasiadamente para a verdadeira compreensão da vida e de nossas responsabilidades, afinal não estamos neste mundo apenas para passear, existe um propósito maior para nossa estada no planeta Terra e o estudo de obras como O livro dos Espíritos, O livro dos Médiuns, O Céu e o Inferno, O Evangelho segundo o Espiritismo e A Gênese, podem nos auxiliar muito mais do que imaginamos, isto porque estas obras não analisam as questões apenas pela lógica da religião, como muitas doutrinas fazem, mas apresentam um olhar Filosófico e Científico.

A Doutrina Espírita nos mostra as dificuldades da sociedade contemporânea, seus conhecimentos nos auxiliam na compreensão do mundo e nos preparam para não nos deixarmos levar pelos atrativos materiais, pois neste mundo dominado pela tecnologia e pelos prazeres do dinheiro, seu excesso pode nos levar para os mais trágicos equívocos, com comprometimentos terríveis que podem perdurar durante muitas vidas ou séculos.

O Espiritismo não enxerga o dinheiro, a ciência e a tecnologia como coisas negativas e degradantes, muito pelo contrário, sabe da importância de cada um destes instrumentos criados pelo homem para dignificar a sociedade, mas sabe muito bem que estas mercadorias podem nos abrir portas frágeis e equivocadas, criando ilusões, desde que o indivíduo não compreenda a importância destes produtos e os transformem em instrumentos de interesses imediatos e individualizados.

O dinheiro nos abre portas variadas, pode auxiliar comunidades carentes, saciar a fome dos mais pobres e levar remédio e consolo para os enfermos, diante disso, deve ser visto como um grande instrumento de bem-estar social e melhorias para as comunidades. De outro lado, o mesmo dinheiro, ao ser usado de forma equivocada, pode nos legar prazeres materiais e estimular nossa vaidade e desejos descontrolados, levando muitos incautos a quedas tenebrosas, sendo motivo de chacotas, piadas e maledicência.

Quando encontramos histórias e experiências de quedas e degradação moral, de pessoas que se deixaram levar pelos prazeres do sexo desvairado e pelas glórias ilimitadas do dinheiro desregrado, nosso comportamento, na maioria das vezes, é de criticar e maldizer o irmão caído nos desequilíbrios da ilusão material, mal sabemos ou nos esquecemos, de que todos nós cometemos estes deslizes, em algum momento de nossa trajetória nos deixamos levar por estes prazeres imediatistas e sentimos na pele as marcas desta queda acentuada, uns aprenderam com as quedas e fizeram as pazes com a vida, enquanto outros continuam se debatendo em situações de vitimização e intolerância.

A Doutrina Espírita nos mostra que todos somos devedores das Leis da Vida, todos cometemos equívocos variados, nos deixamos levar por promessas de terceiros, nos deixamos contaminar pelos prazeres do sexo desregrado e pela ambição da riqueza material, diante disso, temos que nos conscientizar de que julgar os irmãos em queda é uma atitude covarde e hipócrita que cometemos quando deixamos de cultivar a empatia e não vigiamos nossos pensamentos.

Somos todos dotados de conhecimento e habilidades variadas, somos ainda, o resultado de milhares de experiências sucessivas nas duas partes da vida, no mundo material e no mundo espiritual. Diante destas informações libertadoras, devemos sempre evitar a vitimização e a terceirização de nossas responsabilidades, se estamos passando por momentos ruins, se nos sentimos tristes e desolados, devemos buscar em nosso íntimo as respostas para nossas indagações e dificuldades, sempre nos colocando no centro de nossos problemas e acreditando que somos donos de nossas escolhas e senhores de nossos destinos.

Os remédios devem ser utilizados em momentos específicos, a medicina tradicional vem passando por grandes avanços e desenvolvimentos, dores e aflições de épocas anteriores podem ser combatidas com remédios eficientes e eficazes. Nesta nova etapa da Ciência Médica contemporânea, muitos cientistas e pesquisadores desconhecem o papel e a importância dos bons espíritos em suas pesquisas e descobertas científicas, muitas delas são influenciadas e inspiradas por médicos desencarnados diretamente do mundo espiritual.

Embora saibamos da importância da medicina contemporânea, os indivíduos devem se utilizarem de outros instrumentos fundamentais para a compreensão de seus desajustes, estes instrumentos estão ligados ao conhecimento religioso, não me refiro as religiões que fogem e demonizam a ciência e o pensamento científico. Neste universo temos a Doutrina dos Espíritos como uma aliada incondicional, através deste instrumento, muitas pessoas vão perceber a importância do pensamento saudável, das boas energias, da oração, da água fluidificada, da caridade e do cultivo de boas amizades e da empatia, todas estas atitudes já foram estudadas, pesquisadas e analisadas pela ciência contemporânea, com descobertas interessantes e legitimadores do pensamento espirita.

Neste mundo onde o suicídio aumenta em escalas exponenciais, onde a ansiedade domina quase todos os indivíduos e grupos sociais, onde a depressão vitima mais de quatrocentos milhões de pessoas, onde os medos crescem de forma acelerada e os indivíduos fogem de suas responsabilidades imediatas, está na hora das pessoas mais intelectualizadas e conscientes compreenderem que o excesso de tecnologia e o abuso das redes sociais estão levando os indivíduos a uma situação de caos e de incertezas crescentes, onde os valores materiais estão se transformando em valores universais e dominando lares e degradando famílias.

A Doutrina dos Espíritos nos trouxe, desde a sua codificação, uma ampla gama de informações e de conhecimentos relacionados ao princípio da reencarnação, sem a conscientização e a compreensão destes conceitos, os indivíduos teriam dificuldades para compreender a magnitude da vida e das potencialidades do ser humano, sua imortalidade, instrumentos estes fundamentais para entendermos de que todas as dificuldades vividas e vivenciadas neste mundo servem para purgar nossos desequilíbrios nesta e numa outra existência, afinal temos uma única vida, mas inúmeras existências.

Na atual sociedade, os indivíduos carecem de recursos mínimos para a sobrevivência saudável, vivem como zumbis em trabalho intermitente e degradante, ambicionando, com isso, a satisfação de seus interesses imediatos de posse e de busca pelo prazer, deixando valores espirituais em detrimento de ganhos e rendimentos monetários, neste ambiente, quando acordam e se deparam com a realidade construída até então, se assustam e, no extremo, se debruçam nos pés do santo buscando a salvação desejada.

Olhar para dentro de si mesmo, refletir sobre suas necessidades, seus desejos e buscar compreender seus desequilíbrios, embora esta descoberta seja dolorosa num primeiro momento, pois o leva a compreender suas pobrezas morais e desajustes espirituais, podem auxilia-lo na sua trajetória e nas suas descobertas, contribuindo na sua evolução espiritual e no seu progresso moral, objetivos maiores de todos os indivíduos encarnados.

Nestas pesquisas interiores, muitos indivíduos se revoltam com suas descobertas e fogem desta nova realidade, abandonando o tratamento e ainda se tornando mais azedos, agressivos e inconsequentes. Outros se utilizam destas descobertas como instrumentos de melhorias íntimas e pessoais, encaram estes desequilíbrios como relativamente normais, embora aceitem que são negativos e devem ser corrigidos. A Doutrina dos Espíritos nos oferece um conjunto imenso de conhecimentos e renovação, cabe a cada um de nós nos utilizarmos deste conhecimento da forma que mais nos convém, nos melhorando e crescendo espiritualmente.

Os remédios contra depressão estão sendo difundidos para todas as regiões do mundo, os indivíduos se encontram em momentos de apreensão e insegurança e buscam nestes a solução de seus problemas e a redução de suas aflições, a simples ingestão destes medicamentos não trará as respostas que estes indivíduos estão procurando, a cura maior está no aprimoramento moral de todos os indivíduos, um tratamento doloroso e demorado que, em muitos casos, se prolongam durante muitos séculos, em variadas reencarnações.

Os livros espíritas devem ser vistos como um verdadeiro elixir de bênçãos de informações e conhecimentos para uma melhoria dos seres humanos, mesmo sabendo que para muitos a Doutrina Espírita é vista como a “doutrina do livro”, percebemos ainda, que uma parcela substancial dos chamados espíritas apresentam uma carga de leituras e estudos bastante limitados, livros clássicos e altamente interessante, como as obras de Francisco Cândido Xavier, Yvonne do Amaral Pereira e de André Luiz, obras essenciais para a compreensão da temática espírita ainda permanecem sem serem lidos e muito menos, estudados.

Mesmo não sendo possível tomar contato com todas as nossas experiências de vidas anteriores, a Doutrina Espírita nos fala do esquecimento do passado e suas implicações, mesmo assim, o Espiritismo nos mostra que é analisando nossas inclinações para compreendermos os motivos de nossas dificuldades, nossas inclinações nos traem quando expõem nossas fraquezas e limitações, é neste momento que devemos concentrar nossas forças para combater nossas dificuldades mais íntimas.

O Espiritismo nos mostra ainda, que somos testados em áreas e setores que somos mais frágeis e apresentamos maiores desajustes, não somos testados nos locais onde somos fortes, mas justamente ao contrário, diante disso, faz-se necessário compreender nossas fragilidades, analisar nossas limitações e construir virtudes verdadeiras para que possamos superar os ataques de entidades que querem nos fragilizar e nos levar a uma situação próxima da bancarrota. Nesta situação, não mais adianta culpar nossos detratores e adversários de vidas e embates anteriores pelos nossos desequilíbrios, é fundamental que entendamos que não existem vítimas e muito menos os chamados mocinhos, em milênios de existência, somos todos grandes vilões.

A Doutrina Espírita nos mostra a necessidade da moderação nos prazeres materiais e nos auxilia para que reflitamos sobre a importância dos trabalhos espirituais, pouco adianta acumular recursos financeiros, posses de bens e propriedades, riquezas inestimáveis para a sociedade em que vivemos, mas que não apresenta nenhuma serventia para auxiliar no progresso e no desenvolvimento do espírito, os verdadeiros bens são aqueles que estão dentro de cada ser humano e se baseia na moral e nos valores mais consistentes que acumularmos, distribuirmos e estimularmos, com estes valores caminhamos a passos largos para o desenvolvimento que tanto almejamos, o progresso espiritual.

Numa sociedade marcada por tantos desequilíbrios emocionais, onde as pessoas buscam nos remédios e nos antidepressivos a solução para seus desequilíbrios mais íntimos, a leitura e o estudo da obra de Allan Kardec deveria ser estimulada por todos os grupos sociais como forma de compreender as dificuldades da vida e entender que todas as dores e os problemas tem seu significado e importância na vida dos seres humanos, diante disso, deveríamos ler Kardec para compreender Jesus.

Guerra comercial, desaceleração econômica e recessão global

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A economia internacional vive um momento de grandes inquietações políticas, desaceleração, medos e instabilidades, gerando desequilíbrios nas estruturas econômicas, mais instabilidades políticas e desajustes produtivos, levando os países a uma forte desaceleração econômica, com conflitos comerciais e perspectivas de um contencioso comercial longo, doloroso, gerando muitos perdedores e poucos ganhadores.

Desde a crise de 2008, a economia global vem sinalizando desequilíbrios estruturais, levando governos a injetar trilhões de dólares em suas estruturas produtivas para evitar a bancarrota de suas economias e a degradação de suas estruturas produtivas, com altos impactos sobre a população, o emprego e as perspectivas futuras. Com estas políticas de injeção de recursos, adotadas pelos Bancos Centrais, os governos conseguiram evitar uma falência generalizada em suas economias, mas elevaram os desequilíbrios em outras áreas da economia, com um alto endividamento dos governos e riscos de incremento inflacionário, obrigando as autoridades monetárias a intensificarem a atuação nos mercados monetários e financeiros.

Depois do colapso do modelo, em decorrência da crise do mercado imobiliário, os governos foram obrigados a salvar inúmeras empresas em variados setores econômicos, com isto evitaram que as falências fossem muito maiores e o colapso da economia alcançasse números parecidos com os da crise de 1929. Bancos e seguradoras foram socorridos pelos governos, além de montadoras e grandes conglomerados, com isso, os Estados acumularam grandes dívidas e perderam parte de sua capacidade de investimentos e intervenção na estrutura produtiva.

No momento atual, a economia global vem sentindo os impactos da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, cujos contornos estão esfriando os ânimos dos investidores e dos empresários e gerando medos e preocupações nos governos e na comunidade financeira, levando as Bolsas a quedas elevadas em alguns momentos e recuperações posteriores, abrindo espaço para ganhos elevados e, ao mesmo tempo, perdas substanciais.

A guerra comercial em curso está gerando graves constrangimentos para a economia internacional, aumentando a instabilidade e gerando medos e preocupações desnecessárias, reduzindo as trocas e colocando o modelo econômico da globalização e das cadeias globais de produção em xeque, levando a economia global a uma desglobalização, marcadas pelo crescimento do nacionalismo, do protecionismo e de retóricas inconsequentes.

A ascensão do presidente Donald Trump levou a graves desconstruções no cenário internacional, impulsionando o unilateralismo norte-americano como resposta a perda de centralidade da indústria do país no comércio internacional, que vem perdendo espaço para a China e para outros países asiáticos, como a Coréia do Sul, Vietnã, Malásia, Cingapura, dentre outros. Com a ascensão da Ásia, muitos conglomerados econômicos dos Estados Unidos abriram filiais nos países asiáticos, buscando usufruir desta mão de obra excessiva e altamente barata se comparada aos trabalhadores norte-americanos, com essa estratégia, as empresas produziam na China e vendiam suas mercadorias para os consumidores dos Estados Unidos, gerando graves déficits na balança comercial norte-americana, cobertos pela emissão monetária e pelo endividamento externo via venda de títulos governamentais, transformando a China no seu maior credor.

A guerra comercial acirra os ânimos nacionalistas dos dois países e aumenta a instabilidade com relação as trocas internacionais, podendo gerar incremento nos preços e inflação nos Estados Unidos e redução do comércio chinês, com graves impactos sociais, reduzindo o ritmo de queda da pobreza no país asiático e potencializando desequilíbrios políticos com o aumento da contestação dos dirigentes.

Mesmo com a guerra comercial em curso, os déficits comerciais norte-americanos com a China ainda se encontram em valores elevados, o que levou o governo Trump a aumentar as sobretaxas aos produtos chineses no valor de US$ 300 bilhões, uma medida emergencial que mostra o desespero das autoridades da Casa Branca com a dependência comercial dos asiáticos. Somente em julho, o déficit comercial norte-americano foi de US$ 45 bilhões, um aumento substancial se comparado ao mesmo mês do ano de 2018, quando foram de US$ 27 bilhões.

As economias estão desacelerando rapidamente, China, Inglaterra e a União Européia estão em franca desaceleração, com isso, muitos governos começam a repensar suas políticas e adotar incentivos para evitar que o cenário descambe para uma recessão, reduzindo taxas de juros e incrementando medidas de estímulo ao emprego e a produção, visando reverter este cenário que preocupa e gera alertas e constrangimentos.

A chamada guerra comercial deve ser analisada muito mais como um confronto de duas grandes potências pela hegemonia da economia internacional, do que circunscrita apenas ao âmbito do comércio, pela primeira vez desde a desagregação da economia soviética, uma outra potência econômica consegue se ombrear e ameaçar os Estados Unidos no cenário global, gerando preocupações e estimulando retaliações muitas vezes descabidas e grosseiras, levando os norte-americanos a contestarem um modelo que, em anos anteriores, trouxeram-lhes grandes benefícios e os levaram a hegemonia da economia internacional.

A ascensão de Donald Trump elevou as tensões com a China, muitas foram as acusações proferidas pelos norte-americanos, desde o forte protecionismo chinês, passando por espionagem industrial até a crítica aos subsídios e políticas de estimulo aos investimentos, mas estas tensões devem ser vistas como uma estratégia da Casa Branca para contentar uma parcela dos seus eleitores que depositaram no presidente uma postura mais agressiva contra a ascensão dos parceiros chineses no comércio global. Para muitos norte-americanos, a redução da renda da classe média está associada ao rápido avanço chinês, marcados pelo protecionismo e por políticas que impactam negativamente sobre os Estados Unidos, esquecendo-se de que o capitalismo contemporâneo se expandiu para a Ásia em busca de novos e mais baratos trabalhadores, deixando de lado os trabalhadores ocidentais que, com o desenvolvimento econômico, se tornaram mais caros e sofisticados, não mais aceitando trabalhos com remuneração reduzida.

O grande problema da estratégia do governo Donald Trump é que, a adoção de políticas protecionistas eleva o preço dos produtos chineses nos Estados Unidos e reduz a renda da população norte-americana, podendo impactar sobre a renda agregada e diminuindo o consumo interno, além de estimular um incremento nos preços relativos com graves desajustes no cenário macroeconômico.

Outro ponto negativo no cenário internacional está na ascensão do conservador Boris Johnson e suas declarações sobre a saída do Reino Unido da União Européia, o tom belicista e arrogante adotado pelo premiê eleva as tensões dentro da região, gerando instabilidades crescentes e dificultando uma reconciliação dentro do bloco e, mais ainda, deixando no horizonte perspectivas muito elevadas de um divórcio litigioso com fortes impactos para a região e, indiretamente, para todos os atores do comércio internacional.

O Brexit está gerando impactos bastante negativos para a economia do Reino Unido, muitas empresas e grandes conglomerados econômicos estão reduzindo seus investimentos na região. No setor financeiro, muitos bancos e corretores estão se mudando para outros países da região, a City Londrina está perdendo espaços e investimentos preciosos e os indicadores estão perdendo fôlego, sinalizando momentos de instabilidades e incertezas para a região, os custos estão elevados e crescem de forma acelerada, deixando claro que os defensores do Brexit subestimaram os impactos negativos desta separação.

Muitos adeptos do Brexit temiam a invasão de estrangeiros no Reino Unido, acreditavam que a retirada do país do bloco europeu garantiria uma autonomia maior interna, desobrigando futuramente a adoção do Euro como moeda comum e faria com que fossem donos de suas próprias políticas e mantivessem a soberania que sempre desfrutaram. O que muitos não imaginavam, era que, ao apoiar a saída do Reino Unido da União Européia, o país ficaria isolado, abrindo um precedente negativo e condenando o país a uma posição secundária na região e elevando a fama do país de arrogância e de unilateralismo.

Neste atual momento, encontramos uma grande desagregação na economia mundial, esta desagregação está gerando pressões políticas fortes dos grupos que se julgam perdedores da globalização, principalmente setores da classe média dos países ocidentais, que se movimentam constantemente em lobbies demandando políticas protecionistas de seus governos, estimulando os nacionalismos e com isso, as políticas contrárias aos imigrantes, muitas delas xenófobas e intolerantes, com graves custos sociais e políticos.

Neste ambiente, é importante destacar a situação de confrontos e manifestações em curso em Hong Kong, país que retornou no final do século passado ao controle da China, depois de mais de 150 anos de controle Inglês. Neste país, os manifestantes contrários ao governo chinês estão se mobilizando em fortes e maciços movimentos de rua para defender a democracia e evitar as influências chinesas, vistas como um fenômeno de desestabilização que devem enfraquecer a tradição democrática no país. Estas movimentações geram desequilíbrios na segunda maior economia do mundo e colocam em xeque as políticas do Partido Comunista que governa o país a décadas, garantindo amplo crescimento econômico, abertura, concorrência e melhorias sociais irrefutáveis, mas ao mesmo tempo, marcados por um governo autoritário e centralizador.

Neste cenário de instabilidades crescentes, devemos destacar a situação econômica de nosso mais importante vizinho comercial, a Argentina. Depois de um longo período de crescimento marcados pelo forte protagonismo do Estado, marcado por estatizações e intervencionismos nacionalistas, a economia mergulhou numa crise econômica gerada por fortes desequilíbrios fiscais. Para reverter a situação, o governo eleito de Maurício Macri, de corte fortemente liberal, passa a adotar políticas liberalizantes, aberturas e privatizações, atuando diretamente nas reformas e deixando de lado questões sociais importantes e fundamentais, neste momento a pobreza aumenta e a crise econômica volta com força e ameaça sua reeleição e abre caminho para o retorno dos mesmos grupos intervencionistas anteriores, vistos pelo mercado como populistas e demagogos.

A economia internacional está em franca desaceleração econômica, onde destacamos os efeitos nocivos da guerra comercial entre chineses e norte-americanos, os conflitos internos na Europa motivados pelo Brexit, os movimentos em defesa da democracia em Hong Kong e a crise econômica que esfola a Argentina, os ventos da economia global sinalizam para cenários preocupantes nos próximos meses, com graves constrangimentos para os grupos mais vulneráveis em todas as regiões.

Países como o Brasil, cuja economia apresenta um longo período de recessão e uma dificuldade de recuperação econômica, devemos adotar reformas que impulsionem a recuperação produtiva, priorizando o emprego e evitando alinhamentos automáticos com os países em litígio, pois em cenários de instabilidades externas, como o atual, o equilíbrio interno é fundamental para vislumbrarmos possibilidades mais positivas num futuro próximo.

Neste ambiente é importante destacar que os grandes parceiros econômicos brasileiros se encontram em crise, China, União Europeia, Argentina e Estados Unidos, diante disso, os presságios para a economia brasileira podem ser bastante negativos, exigindo do Estado um forte reequilíbrio fiscal e reformas que visam o médio e o longo prazo, sem estas dificilmente o país conseguirá se mostrar atrativo no cenário internacional.

 

Contradições do casamento do conservadorismo bolsonarista com o liberalismo

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Fernando Abrucio – Valor Econômico/26/07/2019

As ideologias políticas são sempre a mistura de duas coisas. De um lado, um ideário sobre como deve ser o mundo. De outro, a necessidade de adaptar, em alguma medida, as ideias à realidade, pois ela é mais complexa e imperfeita do que os modelos puros. O encontro dessas duas dimensões envolve conflitos e contradições. Isso se torna mais marcante quando há um casamento de ocasião entre duas visões de mundo diferentes, mas que acreditam na junção circunstancial em torno de um objetivo. Um caso emblemático ocorre hoje na aliança entre liberalismo e conservadorismo em várias partes do mundo, em particular no Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro.

O liberalismo, desde suas origens, é a defesa da liberdade dos indivíduos. Liberdade de pensamento, religiosa, de cada qual fazer o que quiser com sua vida, sua propriedade e seu corpo. Como bem argumentou o filosofo Stuart Mill, os ideais liberais de autonomia individual e tolerância resguardariam a diversidade de caminhos que os seres humanos podem escolher. Essa concepção liberal alimenta não só a defesa do mercado econômico como também do pluralismo político e cultural.

No início de sua história, o liberalismo acreditava que a limitação do poder governamental bastaria para atingir seus objetivos. Com o decorrer do tempo e de forma atribulada, construiu um casamento de longa duração com a democracia, apostando na expansão da ação política dos cidadãos como forma de garantir uma sociedade livre. Após a experiência do totalitarismo e da Segunda Guerra Mundial, e pressionado pelo então crescimento do socialismo, a liberal-democracia aliou-se à social-democracia, admitindo uma maior intervenção do Estado na economia para que as externalidades negativas do mercado fossem controladas, principalmente no que se refere à desigualdade, que poderia ser combatida com serviços públicos que garantissem maior igualdade de oportunidades.

Nas últimas décadas, especialmente a partir da segunda metade dos anos 1970, pensadores e atores políticos liberais têm por vezes se casado com um conservadorismo político nem sempre adepto dos valores democráticos. Isso tem significado um predomínio do liberalismo econômico sobre a sua faceta política, inclusive aceitando legitimar governos autoritários que aplicavam receituários liberais. A experiência chilena de Pinochet e seus “Chicago boys” está nas origens dessa combinação que seria considerada espúria por grande parte do pensamento liberal.

Houve muitas críticas a essa condescendência, inclusive por parte de pensadores liberais, e por algum tempo se procurou resgatar a defesa do pluralismo e da democracia.

Desde a crise financeira de 2008 o liberalismo sofreu muitas críticas. No bojo desse processo, emergiu um novo populismo de direita que vem crescendo politicamente. Ele em parte é crítico de ideias com respaldo liberal, como o globalismo e a livre circulação de pessoas, e vem adotando um tom nacionalista mais próximo do discurso dos anos 1930.

Mas esse novo conservadorismo não é anticapitalista, nem mesmo estatista no plano econômico, como foram o nazismo e o fascismo. De certa forma, faz uma aliança, ou adere circunstancialmente, a certas características do liberalismo, como a defesa da liberdade das empresas e dos indivíduos perante o Estado, ao mesmo tempo que abraça ideias conservadoras que reduzem a liberdade individual no plano moral e coloca em questão a independência das instituições e grupos que tem fiscalizado o poder nas democracias, como o Judiciário, a imprensa e a ciência.

Esse casamento de ocasião do liberalismo com o conservadorismo tem no Brasil contemporâneo um caso paradigmático. A eleição do presidente Bolsonaro representa, concomitantemente, a emergência de uma agenda neoconservadora (mais ao estilo de uma extrema-direita) no campo dos costumes e no plano institucional, somada a uma agenda liberal no âmbito econômico. O ministro Paulo Guedes apareceu como o fiador dessa combinação no processo eleitoral e continua ocupando esse papel nestes primeiros sete meses de uma presidência cuja principal marca é a imprevisibilidade.

Juntamente com esse casamento veio o apoio de setores empresariais e de boa parte do mercado financeiro. Todos eles acreditavam – alguns ainda acreditam, na possibilidade de se fazer uma junção estável entre o liberalismo econômico e um ideário populista com forte ênfase na questão moral e na defesa da sabedoria e virtudes do “homem comum”. Assim, fecham-se os olhos para algumas (ou várias?) extravagâncias do bolsonarismo, como defender a censura na cultura, adotar uma visão crítica à ciência (sobretudo no campo ambiental) e estimular a intolerância contra vários grupos políticos e sociais, para ficar com alguns exemplos recentes. Afinal, haverá alguma reforma da Previdência e do Estado, além da edição da MP da Liberdade Econômica, nome que sela o casamento de ocasião.

Mas as contradições têm um preço. Não garantir a proteção do meio ambiente poderá custar caro em relação aos acordos comerciais e à conquista de mercados. O globalismo, tão prezado pelos liberais, supõe seguir certos padrões internacionais de regulação de questões coletivas – não só o tema ambiental, mas direitos humanos, por exemplo -, e desregular completamente a proteção estatal dos direitos difusos deixará o Brasil mais longe do acordo com a União Europeia. Desorganizar a educação brigando com seus principais atores tornará impossível construir o capital humano necessário ao desenvolvimento capitalista. E jogar setores sociais, por meio de manifestações ou redes sociais, contra as principais instituições democráticas pode afetar fortemente a segurança jurídica do país, o que pode afugentar investidores internacionais.

A lista de incongruências é mais ampla, mas o exposto já realça o desafio do casamento local entre conservadorismo e liberalismo. De todo modo, fica o aviso que grandes pensadores liberais, como Isaiah Berlin, já deram no passado: quando uma liberdade é perdida, outras poderão ser retiradas mais adiante. Liberalismo pela metade pode significar nenhum ao final da história.

É importante ressaltar que o viés conservador do bolsonarismo não é de conveniência. Há ali crenças fortes e sólidas sobre valores morais, contra a mídia tradicional, em relação a minorias sociais e a respeito da forma que deve funcionar o sistema político. Claro que tal visão de mundo resulta, em parte, da demanda de eleitores, isto é, professar essas ideias significa conquistar votos, numa proporção que congrega entre um quinto a um quarto do eleitorado brasileiro. Não é suficiente para se reeleger, embora seja uma base muito segura para competir, sobretudo se o oponente for classificado como o “inimigo a ser derrotado por todos que defendem a Pátria”.

Só que esse ideário não é apenas um instrumento para responder à demanda eleitoral. Existe o lado da oferta também, para usar a linguagem dos economistas. O bolsonarismo é uma máquina de produzir visões de mundo, vinculadas a uma singular mistura de preconceitos tradicionais presentes na cultura brasileira com as propostas do neopopulismo de extrema-direita no plano internacional, bem expostas por Steve Bannon.

A esse lado programático soma-se, ainda, o modus operandi da família Bolsonaro. Não dá pra entender esse novo conservadorismo brasileiro sem levar em conta a maneira como os Bolsonaro, especialmente o pai, fazem política. O que se sobressai aqui é a lógica de guerra constante contra o inimigo, a multiplicação de situações de conflito por meio das redes sociais (inclusive contra aliados de plantão, como os militares), o discurso das respostas fáceis a problemas complexos e, em especial, a imprevisibilidade dos próximos passos, seja por amadorismo político ou técnico, seja porque produzir fatos (e brigas) novos é uma arte desenvolvida e reverenciada pela família.

A acumulação de contradições e conflitos entre o conservadorismo bolsonarista e o liberalismo predominantemente econômico pode resultar, mais adiante, num processo de hegemonia de um sobre o outro. Se o lado liberal da economia predominar, o que implica acreditar num projeto de mudança mais gradual da situação atual, o bolsonarismo pode deixar de responder a contento aos seus eleitores-raiz, sem que haja um ganho econômico de curto prazo – por exemplo, até as eleições municipais do ano que vem. Se em vez disso prevalecer o lado conservador, marcado pela agenda dos costumes e da guerra contras as instituições democráticas tradicionais, Bolsonaro pode manter seu eleitorado mais fiel, mas terá dificuldades de ampliar seus apoios para o restante da sociedade.

Uma parcela importante dos atores sociais torce para que seja possível um equilíbrio razoável entre o conservadorismo bolsonarista e o liberalismo. Isso porque todos temem a seguinte pergunta: o que fará o presidente se ele ficar preso ao polo mais radical de sua equação? Uma das hipóteses é que a democracia saberá lidar com isso. A outra é que terminará o casamento de ocasião e parte dos liberais terá sido responsável por produzir o contrário de seu ideário.

 

Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP.

Conheça a China futurista de carros elétricos, trem-bala e apps de saúde.

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Ronaldo Lemos viajou pelo país asiático para documentar seus massivos investimentos em inovação

Ronaldo Lemos – Folha de São Paulo – 11/08/2019

[RESUMO] Autor viajou pela China para documentar investimentos em inovação. Encontrou um país futurista que cresce velozmente e desenvolve produtos e soluções de alta tecnologia em larga
escala, de aplicativos de saúde a veículos elétricos.

Apesar dos delírios de grandeza que acometem o Brasil, no mundo em desenvolvimento quem acordou mesmo foi a China.

Muita gente atribui a Napoleão Bonaparte a frase: “A China é um gigante adormecido. Deixe que durma, porque quando acordar fará tremer o mundo”. Nos últimos dois meses fui ver de perto em que medida essa afirmação é verdadeira.

Passei esse período no país asiático gravando uma série documental sobre tecnologia e inovação chamada “Expresso Futuro”, que será exibida em oito episódios no Canal Futura e em quatro episódios semanais no Fantástico, a partir de 1º de setembro.

Se no Brasil construímos a narrativa de que cerca de 13 milhões de pessoas saíram da pobreza entre 1997 e 2009, na China gostam de alardear que, entre 1978 e 2018, isso aconteceu com 750 milhões de cidadãos. As estatísticas oficiais dizem que ainda há 16,6 milhões de pobres, situação a ser erradicada já no ano que vem.

Mais do que a redução da pobreza, a China —que permanece sendo, no terreno político, uma ditadura — conseguiu encontrar o Santo Graal de um país em desenvolvimento: a capacidade de inovar.  Em 40 anos, saiu de uma sociedade essencialmente rural para converter-se numa potência industrial. Agora começa a se firmar como uma economia cada vez mais baseada em tecnologia da informação.

Neste relato, refaço alguns dos passos da minha viagem, na tentativa de ver de perto as transformações nessa área. O roteiro é o mesmo que fizemos no documentário, visitando cidades conhecidas dos brasileiros, como Pequim e Xangai, e outras nem tanto, como Nanjing, Qindao, Hangzhou ou Shenzhen.

NA VELOCIDADE DE SHENZHEN

Shenzhen é uma cidade de 12 milhões de habitantes no sul da China, que faz fronteira com Hong Kong. É limpa, arborizada e, sobretudo, silenciosa. Nem sempre foi assim.

Até o início dos anos 1980 era uma vila de pescadores, pobre e sem infraestrutura. Um contraste com a cidade formada hoje por arranha-céus, sede do quarto maior prédio do mundo, o Centro Financeiro PingAn, com 115 andares. A razão para essa mudança é que Shenzhen foi a primeira a ser escolhida como “zona econômica especial” pelo governo de Deng Xiaoping (1978-1992).

A ideia era criar uma região de experimentação, com liberdade para comércio e investimento, que pudesse prosperar em um país à época miserável.

Tudo para concretizar sua famosa frase “Ficar rico é glorioso!”, dita em uma época em que os maiores desejos de uma pessoa na China (chamados de “as quatro grandes coisas”, símbolos de status material) eram uma bicicleta, uma máquina de costura, um relógio de pulso e um aparelho de rádio. Tudo bem diferente das aspirações atuais de um chinês médio, que incluem um celular de última geração, um computador, um carro e um apartamento.

Shenzhen é um dos epicentros de inovação na China. Sua transformação foi tão veloz que deu origem à expressão “velocidade de Shenzhen”, usada quando alguém quer dizer que algo está indo rápido demais.

Há pelo menos dois pontos de destaque para a inovação ali: os veículos elétricos e o fato de a região ter se transformado no centro mundial de fabricação de eletrônicos (87% dos celulares do planeta são testados, projetados ou fabricados lá; se você anda de patinete elétrica, é provável que tenha sido fabricada lá também).

A cidade converteu a totalidade do transporte público em veículos elétricos, incluindo ônibus e táxis. Só em ônibus, são hoje 15,5 mil veículos que se deslocam alimentados por baterias (como base de comparação, São Paulo tem entre 14 e 15 mil ônibus em circulação, com cerca de 200 tróleibus elétricos apenas).

As vantagens dessa conversão são muitas. Maior eficiência energética, redução de poluentes e silêncio. Aquele barulho de ônibus circulando, que se tornou parte da paisagem das cidades brasileiras, praticamente não existe em Shenzhen.

Mais do que isso, o modelo de transporte cria uma infraestrutura nova para as cidades: uma plataforma permanente capaz de armazenar eletricidade. Veículos elétricos podem ser abastecidos por qualquer fonte de produção de energia, alimentados pela rede elétrica tradicional ou por painéis solares. São também capazes de usar inteligência para gerir o consumo de energia.

Com o uso de carregadores inteligentes, o veículo pode ser abastecido apenas em momentos em que o custo da eletricidade é menor (como à noite ou na madrugada). Pode também devolver” a eletricidade armazenada para a rede elétrica em momentos de pico, gerando receita.

Mas quanto custa carregar esses ônibus? Uma carga completa com autonomia de 300 quilômetros equivale a R$ 120. No caso dos carros, uma carga completa que permite circular por 400 quilômetros custa R$ 20.

Além disso, há a possibilidade de uso emergencial. Em caso de blecaute, um ônibus elétrico pode ser direcionado para um hospital, de modo a garantir o fornecimento de eletricidade —e assim por diante. Em outras palavras, uma vez que uma cidade passa a utilizar veículos elétricos e baterias, ela pode reinventar completamente sua matriz energética, fomentando modelos muito mais eficientes e fontes limpas.

Na China, essa transformação é essencial. O rápido crescimento do país nas últimas décadas trouxe um preço elevado do ponto de vista ambiental. A poluição é visível em boa parte dos centros urbanos chineses. Tudo isso tem levado o país a uma mudança importante de rota na promoção de energia limpa e tecnologias verdes. Shenzhen é um exemplo bem-sucedido dessa mudança, onde não se vê poluição ostensiva.

Embora o país permaneça o maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, a boa notícia é que as emissões por pessoa são hoje muito menores do que a de países ocidentais no mesmo estágio de desenvolvimento. A China tem hoje a mesma quantidade de emissões por pessoa que nações do Ocidente tinham em 1885. É um exemplo de avanço na promoção de eficiência energética e ambiental. A tarefa ainda é monumental, mas ao menos o país atua de forma clara nesse sentido.

O outro destaque de Shenzhen é a maneira como a cidade assumiu a liderança na fabricação de hardware e eletrônicos. Isso se vê pelo gigantesco mercado de Huaqianbei, uma espécie de feira livre da tecnologia dividida em duas partes. De um lado, produtos de consumo, como celulares, headphones, computadores. De outro, componentes eletrônicos, como transistores, capacitores, diodos e assim por diante. O lugar é o paraíso dos aficionados por eletrônica e “fazedores” de modo geral.

Não por caso, em volta do mercado há um grande número de empresas startup, incubadoras e aceleradores dedicados a hardware. A razão é simples. Se você está desenvolvendo e testando um produto, basta ir até o mercado para comprar o que precisar. Se uma peça não deu certo, você testa outra, todas acessíveis e baratas. É o jeito certo de inovar rapidamente em hardware, tudo na “velocidade de Shenzhen”.

Esse ecossistema se consolidou no final dos anos 1990 com inúmeras empresas fabricando aparelhos de DVD piratas. Nessa época, os DVDs vinham com uma proteção que só permitia que fossem executados em aparelhos programados para determinada região. Os fabricantes de Shenzhen viram nisso uma oportunidade. Começaram a produzir aparelhos capazes de executar filmes de qualquer região, incluindo DVDs piratas. Com isso, o mercado explodiu e esses aparelhos sem restrições se tornaram dominantes.

Com o declínio do DVD, essas empresas passaram a fabricar celulares. Hoje, duas das maiores marcas de celulares globais, ocupando o quarto e o quinto lugares respectivamente, a Oppo e a Vivo (não confundir com a Vivo brasileira), são descendentes diretas das empresas antes fabricantes de aparelhos de DVD. São empresas que surgiram quando o mercado de celulares ainda era dominado por marcas como Nokia e Motorola.

O diferencial dessas empresas foi a inovação e a experimentação radicais. Numa época em que todos os celulares eram pretos, começaram a produzir aparelhos em cores berrantes, inclusive dourado, a favorita dos chineses. Também criaram modelos que vinham com rádio AM e FM (para populações rurais) ou com caixas de som ultrapotentes (para funcionários da construção civil).

O resultado foi uma explosão de vendas para pessoas que não eram as mais ricas e viam-se desatendidas pelo design “clean” (e até arrogante) da Apple. Em outras palavras, levaram o celular para a base da pirâmide social.

Após conquistarem esse mercado, estão se voltando agora para o topo da pirâmide, lançando aparelhos inovadores de primeira linha. Pergunte às pessoas ao seu lado enquanto lê este artigo: possivelmente o sonho de consumo delas hoje seja algum eletrônico da Xiaomi.

Empreendedores do mundo todo buscam Shenzhen para alavancar suas ideias de design e de hardware. A cidade está aberta para produzir qualquer coisa, de capinhas de celular a algum acessório imaginável. Outros países e empresas já descobriram a capacidade do lugar —como é caso da Apple. O Brasil ainda não.

Um caso emblemático é o da empresa Anker. Fundada por um jovem empreendedor nos Estados Unidos, começou a produzir periféricos, como cabos e carregadores de celular, de média qualidade. O mercado antes era dividido entre os carregadores de primeira linha, feitos pelas próprias marcas de celular, e os de quinta categoria, que queimavam facilmente. A empresa criou um produto intermediário, bom o suficiente e barato. Com isso, se tornou um dos maiores vendedores da Amazon.

Em um dia normal, a Anker tem 30 mil pedidos. Em feriados como o Dia de Ação de Graças americano, chegam receber 100 mil por dia. Tudo produzido em Shenzhen, com as especificações do fundador. E, claro, após dominar esse mercado de “meio do caminho”, a empresa começou a inovar, com experimentos com novos materiais, componentes e produtos —projetores, aspiradores-robôs, smart-speakers e outros. Não por acaso mudou seu nome para Anker Innovations.

Um exemplo notável em Shenzhen é o celular da marca Tecno, focado no mercado africano. A inovação adotada pelos fabricantes foi a um só tempo simples e genial. Colocaram no aparelho uma câmera desenhada especialmente para tirar fotografias de pessoas com a pele negra.

O resultado é que a marca dominou o mercado africano, com 34% de share, acima da Samsung, com 22%. Esse modelo focado em mercados desatendidos é o fundamento da inovação em Shenzhen —o que permitiu que agora a cidade volte-se para competir no mercado “premium” de celulares.

Qualquer um pode chegar a Shenzhen, hoje, levando sua marca ou a ideia para um celular, um fone de ouvido ou outro aparelho. Se os fabricantes acharem que tem potencial de mercado, topam financiar a produção, cobrando só após 60 dias. Não por acaso, empresários americanos (como o caso da Anker), franceses (a Wiko) ou quenianos (a Pace) criaram suas próprias marcas e empresas bem-sucedidas a partir de Shenzhen.

E fica um prognóstico para o futuro: o espírito da cidade se encontrará com os carros elétricos e a indústria automobilística.

Há uma revolução em curso na China, veículos elétricos sendo completamente reinventados. Por exemplo, o surgimento de carros elétricos para uma única pessoa, em substituição às motocicletas. Veículos utilitários elétricos desenhados para cargas específicas, como bebidas ou laticínios. Caminhões de lixo de pequena e grande capacidade, também elétricos. Veículos para entregadores que trabalham em aplicativos de comida. E até carros funerários elétricos desenhados especificamente para carregar caixões.

Os formatos parecem vindos de histórias em quadrinhos futuristas. São, ao mesmo tempo, cômicos e fascinantes. Muito baratos, rompem com o modelo de como um carro é pensado no Ocidente —quatro lugares, voltado para toda a família e assim por diante. Há hoje mais de 400 empresas de carros elétricos “fora da caixa” na China. É de se esperar uma revolução vinda daí, capaz de mudar a indústria automobilística para sempre.

HANGZHOU: DIGITAL E SAÚDE

A China é o país em que o papel-moeda foi inventado. Provavelmente, será também o lugar em que o papel-moeda será aposentado.

Nos últimos anos, o país foi completamente tomado por pagamentos digitais, feitos principalmente no celular, por meio de um código QR. O símbolo dessa China é a cidade de Hangzhou, chamada, por sua beleza, de “o céu na terra”. Ali estão várias empresas responsáveis por construir a infraestrutura de pagamentos digitais, como o AliBaba e o AntFinancial.

O símbolo dessa transformação é o fato de que moradores de rua na China carregam placas com seu código QR. Sabem que não existe a menor chance de receber uma ajuda em dinheiro, já que ninguém mais carrega notas em papel.

A automação nos pagamentos produz também efeitos sistêmicos. Tudo se automatiza na sequência. Um exemplo são os restaurantes. Hoje, todos possuem um código QR em cada lugar das mesas. O cliente chega, escaneia o código com seu celular e o cardápio aparece direto na tela. O pedido também pode ser feito pelo celular, sem falar com nenhum garçom, e o pagamento idem.

Outra inovação em Hangzhou é a startup de saúde e tecnologia chamada WeDoctor. Diferentemente de uma empresa de saúde tradicional, a WeDoctor começou como um aplicativo de agendamento de consultas e agora se expande para o mundo real. A empresa trabalha com 3.200 hospitais e 290 mil médicos, atendendo 150 milhões de usuários.

Desenvolveram um conceito de hospital virtual, no qual o paciente pode ser atendido de qualquer lugar do país por vídeo. A empresa coloca uma estação médica na casa dos assinantes. Se há algum problema, a família aciona o aparelho e na mesma hora entra em contato com um médico.

O aparelho é capaz de fazer 80% dos exames de rotina, como temperatura, pressão, batimentos cardíacos —pelo vídeo, o médico consegue avaliar o estado geral do paciente para determinar os encaminhamentos seguintes. Não é preciso “levar o exame ao médico”: a plataforma da empresa integra todo o ciclo, dos exames à receita.

Identificaram, por exemplo, que 80% das receitas correspondem a um número reduzido de remédios, que podem ser fornecidos por uma máquina automática. Elas passaram a ser instaladas em vários lugares, como shoppings, estações de metrô e pontos de trabalho. A receita é enviada pelo médico por celular e, através da leitura do QR code, a máquina certifica-se de que a pessoa está autorizada a comprar aquele remédio. O que torna o atendimento mais rápido e melhora o custo logístico.

A VIDA PELA INTERNET CHINESA

Por causa do “Great Firewall” (a grande muralha imposta pela censura oficial), o desenvolvimento da internet na China é muito diferente. Sites como Facebook, Instagram e mesmo Google são bloqueados. No entanto, esse bloqueio tem se tornado cada vez mais poroso. Usando um aplicativo de VPN é possível acessar conteúdos desses sites.

No entanto, a grande maioria está satisfeita com os aplicativos e a vida digital local. Para cada modelo popular que conhecemos, há uma versão chinesa. O curioso é que nos últimos anos surgiram vários aplicativos chineses cujas funcionalidades não possuem versões ocidentais, como é o caso daqueles de pagamentos móveis e dos chamados “mini-apps”, aplicativos que funcionam dentro de outro aplicativo e que vêm revolucionando o mercado de internet local.

Para compras, o papel da Amazon é desempenhado por sites como o TaoBao, que vende de tudo e entrega em qualquer lugar. A logística é um dos diferenciais: muitas vezes a entrega é feita em até 30 minutos depois da transação, dando uma sensação de “tempo real” nas compras online.

Exemplo disso, que vi acontecer, foi um amigo fazer um pedido dentro de um trem-bala. Passou o número do trem, do assento e do vagão em que estava e disse em que estação gostaria de receber a entrega. Quando o trem chegou à estação, em 30 segundos uma pessoa entrou e entregou a comida —para meu espanto e de toda a equipe.

Para comunicação interpessoal, em vez de WhatsApp, predomina o WeChat. A diferença é que o aplicativo não é só para mensagens. Trata-se também de uma rede social, uma plataforma de pagamentos digitais e um portal de mini-apps. É possível integrar qualquer aplicativo dentro do WeChat: de comida, de transporte, de paquera e assim por diante.

A Netflix chinesa, por sua vez, chama-se iQiYi. A plataforma produz conteúdos, séries e programas autônomos de grande sucesso. A diferença é que emprega 4.000 engenheiros de software e de inteligência artificial.

A iQiYi usa inteligência artificial para editar os vídeos, escolhendo os planos que podem gerar mais impacto —além de conseguir enxergar por meio de visão computacional tudo o que está na tela (de que marca é um vestido, um boné, um sapato, uma cadeira e assim por diante). Isso permite que qualquer item no vídeo se torne clicável, criando uma plataforma permanente para comércio e marketing.

Outro segmento em que o país está à frente é o do live streaming, a capacidade de transmitir vídeos em tempo real. Empresas como KauiShow apostam no conceito de que “todo mundo pode ser um storyteller”, focando as histórias da população mais pobre, nas zonas rurais ou na periferia das grandes cidades.

O resultado é uma massificação do streaming ao vivo. Todos os anos há concursos de popularidade entre os “livestreamers”. E mais: eles são normalmente remunerados pelos próprios usuários que, durante as transmissões, dão “presentes virtuais”, como florzinhas, carrinhos, aviõezinhos e assim por diante. Só que cada um vale dinheiro de verdade.

Essas plataformas são hoje amplamente usadas para o comércio (o “livestreamer” fica vendendo produtos ao vivo) e para educação. Há professores de química, geografia e matemática que ficaram famosos por suas aulas ao vivo nas plataformas (e ganham dinheiro com isso).

Outro ponto que chama a atenção é o cuidado das empresas chinesas em se certificar de que o usuário das plataformas é uma pessoa de verdade, não um robô ou algo do tipo. Qualquer pessoa pode se inscrever facilmente para assistir a vídeos e ler conteúdos na internet.

No entanto, para postar conteúdos ou transmitir, é preciso passar por um processo de certificação. Por exemplo, o usuário deve usar a plataforma por pelo menos uma hora por dia, por sete dias consecutivos. E deve ter ao menos sete seguidores.

Em caso de dúvida, a plataforma pode pedir a outra pessoa que garanta que o usuário é real. Note-se que esse processo é diferente da censura a conteúdos na China, que existe e é notoriamente conhecida. Nesse caso, os procedimentos são exigidos pela própria plataforma para impedir o exército de robôs que tomou conta de muitas redes sociais. Esses passos aumentam enormemente os custos de criar contas automatizadas em redes sociais, eliminando boa parte do problema.

QINGDAO: O BERÇO DO TREM-BALA

Faça um experimento. Entre no Google Maps e dê um zoom no mapa da China para visualizar a rede de trem-bala. Em 2008, o país tinha míseros 113 km de linhas de ferro de alta velocidade, construídas para a Olimpíada daquele ano. Um decênio depois, a China já possui 29 mil km de linhas de trem-bala, conectando 30 das 33 províncias do país e praticamente todas as grandes cidades.

Planeja-se que até 2025 mais 10 mil km serão construídos. Quando o trem-bala chega a um lugar, tudo muda. Cidades que estavam em regiões econômicas totalmente distintas passam a se comunicar e a fazer comércio —estreitando a integração de pessoas e serviços.

Os trens mais modernos viajam, em média, a 350 km por hora, de modo que um percurso de Pequim a Xangai dura cerca de 4 horas e 55 minutos. O preço fica em torno de R$ 180. Se houvesse um trem-bala entre São Paulo e Salvador, a viagem poderia ser feita em pouco mais de cinco horas e meia. O resultado seria a integração entre as regiões Sudeste e Nordeste, permitindo o aproveitamento de vantagens competitivas de cada uma e aprofundando comércio e atividade econômica.

A fábrica dos veículos fica na cidade de Qingdao, que, no passado, foi colônia alemã. O trem-bala é um exemplo de como políticas públicas no país são feitas abrangendo todos os segmentos da sociedade, ricos e pobres. Um exemplo é o período do Ano-Novo chinês, uma data móvel que dura 40 dias e geralmente cai entre janeiro e março.

Nessa época, os trabalhadores viajam em algum momento para visitar familiares em outras cidades. Cerca de 3 bilhões de viagens são realizadas (um dos maiores movimentos migratórios do planeta). No total, 5.600 trens operam com capacidade total, sendo responsáveis por 60% dos deslocamentos, antes feitos principalmente por ônibus e trens regulares.

Em outras palavras, o processo de inovação da China conjuga não apenas tecnologia da informação, inteligência artificial e outros projetos de ponta, mas também investimento em infraestrutura e logística com vistas a atender a todos os segmentos da população.

UM ALMOÇO EM LUOYANG

Luoyang foi a primeira capital da China e é uma cidade pouco visitada por brasileiros. Apesar disso, é central para a história do país. Não só por estar no meio geográfico, mas por ser o berço do budismo no país.

Foi ali que se criou o primeiro templo budista na China, o Templo do Cavalo Branco. Tem esse nome em referência ao monge Xuan Zang, que foi até a Índia em uma longa viagem, onde buscou e traduziu as escrituras budistas do sânscrito para a língua local —e fundou o templo.

O que me levou a Luoyang não foi nada relacionado à tecnologia, mas um almoço com os pais de uma amiga chinesa que hoje mora em Nova York. O casal teve duas filhas — a primeira, que é cientista da computação de sucesso e se mudou para a Austrália, e minha amiga, que atualmente é professora da Universidade de Nova York (NYU).

Para visitá-los, pegamos um ônibus (cuja tarifa é 30 centavos de real) em direção a um conjunto habitacional na periferia. No caminho, minha amiga me contou que os pais nunca quiseram se mudar de lá. A razão é que têm acesso a comida de ótima qualidade e fresca, fornecida por produtores locais. Além disso, todos os amigos também continuaram morando na vizinhança e, segundo eles, “nada melhor do que envelhecer próximo aos amigos”.

A família mora em um apartamento muito pequeno, no primeiro andar de um antigo prédio na divisa entre a área urbana e a zona rural da cidade. O almoço é servido em uma mesa posta no quarto de dormir, já que não existe sala de jantar no imóvel. Os pais ficaram surpresos, mas felizes com a visita do “laowai” (estrangeiro) vindo do Brasil.

No cardápio, abobrinha refogada no molho de tomate, peixe frito e macarrão de trigo, tudo muito bom. Pergunto ao pai, que tem 74 anos, mas parece menos, o que ele come para se manter com aparência tão jovial. Ele me responde que, na verdade, passou na adolescência e, com isso, adquiriu o hábito de comer muito pouco. E comer muito pouco faz bem para a saúde, segundo ele. Imediatamente engulo em seco, pensando no que poderia dizer.

A história dessa família é a história dos 750 milhões que saíram da pobreza no país. Os pais nasceram na zona rural, ficaram sem emprego e sem ter o que comer. Por anos, cuidaram apenas da sobrevivência básica. Com o início do processo de industrialização nos anos 1980, conseguiram emprego em uma fábrica em Luoyang, onde se conheceram e se casaram.

O trabalho na fábrica permitiu que conseguissem comida na mesa, um relógio, um rádio e uma bicicleta. Permitiu também o mais importante: dar educação de primeira qualidade para as duas filhas. Hoje, quando veem o enriquecimento do país, sentem-se orgulhosos. Têm a sensação de viver no melhor lugar possível.

Dizem que não precisam de muito dinheiro. O transporte público é gratuito para idosos, a assistência médica é boa, os amigos estão por perto e a comida está garantida e é da melhor qualidade.

Mais importante, possuem todos os motivos do mundo para se orgulhar das duas filhas brilhantes, que seguiram carreiras tão diferentes das que tiveram. Ambas visitando-os sempre que podem e, mais importante, acessíveis a qualquer momento pelo toque do aparelho celular.

Ronaldo Lemos é advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha.

 

 

Desaceleração foi agravada de forma desnecessária’, diz Eichengreen

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Segundo professor americano, guerra comercial piora cenário global e risco de recessão aumentou

Entrevista com Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia

Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo – 11 de agosto de 2019

Apesar de o mundo passar por uma fase natural de desaceleração econômica, os Estados Unidos têm “agravado o problema de forma significativa e desnecessária com a guerra comercial”, diz Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia. Segundo o economista, o embate entre as duas maiores potências deixou de ser comercial e passou a ser visto por políticos americanos como um conflito sobre segurança nacional e influência. “Uma nova guerra fria”. O risco de a disputa gerar uma recessão global aumentou e, caso esse cenário se verifique, o Brasil não terá como fugir, acrescenta. A seguir, trechos da entrevista.

A desaceleração global faz parte dos ciclos da economia ou poderia ser evitada caso não houvesse incertezas geradas pela guerra comercial ou pelo Brexit?

As fases de crescimento não duram para sempre e o crescimento nos EUA já dura dez anos. Há forças naturais gerando uma desaceleração gradual, mas estamos agravando o problema de forma significativa e desnecessária com a guerra comercial, que é uma questão mais séria (para a economia) que o Brexit. Estaríamos melhor com uma política estável e previsível, mas não é o que temos em Washington nem em outras capitais. Há incertezas na Itália e problemas econômicos em países como a Turquia.

Em 2018, o sr. disse que a probabilidade de haver guerra comercial era de 25%. O que aconteceu diferente do que previa?

A natureza do conflito foi redefinida. Antes, era sobre balança comercial, sobre o fato de a China estar com superávit em relação aos EUA. Agora, é um conflito sobre influência, sobre sistemas políticos incomparáveis, rivalidade de grande poder, segurança nacional. Uma nova guerra fria. Isso é muito mais difícil de se resolver. Definir influências e ter certeza de que a China não usará tecnologias para espiar os EUA são preocupações que não irão embora. Não apenas (o presidente Donald) Trump, mas democratas e republicanos no Congresso agora veem o conflito como uma questão sobre segurança nacional. Como o debate mudou, estou mais pessimista.

O sr. vê alguma possibilidade de solução?

Esses problemas poderiam ser resolvidos se tivéssemos líderes mais sutis e intelectualmente flexíveis. Eles poderiam perceber que China e EUA precisam trabalhar juntos para resolver os problemas do mundo, sejam de segurança, mudança climática ou quaisquer outros. Mas as pessoas que temos neste momento, especialmente na Casa Branca, não têm flexibilidade mental para entender que a única solução é trabalhar junto e que, se guerrear com a China até a morte, isso será prejudicial para EUA, China e todo o mundo. Melhores líderes produziriam melhores resultados, mas temos os líderes que temos.

Esse cenário só vai mudar então depois das eleições americanas de novembro de 2020?

Que alguém será eleito em 2020 é uma boa e uma má notícia. Boa porque esse alguém será mais inteligente e melhor negociador, qualquer um seria. Mas a má notícia é que há uma mudança permanente e irreversível no modo pelo qual os políticos americanos, de forma geral, veem a China: como rival geopolítica. Essa mudança não será revertida independentemente de quem for eleito.

O sr. já disse que não sabia se uma recessão poderia ser evitada em caso de guerra comercial. Estamos próximos de uma recessão global?

Agora que a guerra comercial está escalando e afetando o mercado financeiro vai haver impacto nos negócios americanos, em como a Apple vai produzir na China, por exemplo. Conflitos comerciais levam tempo para se mostrarem negativos para o crescimento. Quando Trump começou com as tarifas, a primeira coisa que as empresas americanas fizeram foi importar mais da China para ter estoque. Depois, importaram menos. Agora, os efeitos negativos no comércio e na produção estão se materializando.

Qual a probabilidade de haver recessão?

Em 2019, o risco ainda é baixo e a pergunta é se a recessão se desenvolve antes ou depois das eleições. O ciclo de crescimento dos EUA será muito longo e antigo nesse ponto, o mercado de trabalho estará apertado. Será apropriado, com o mercado de trabalho apertado e a inflação começando a subir, o Fed (o banco central americano) começar a elevar a taxa de juros? Com a pressão da Casa Branca? Ninguém sabe. Então a resposta para sua pergunta depende do que o Fed fizer e de Trump realmente colocar em prática mais tarifas sobre os US$ 300 bilhões de importações chinesas (medida anunciada há duas semanas). Não posso te dar uma probabilidade, mas é claro que os riscos estão aumentando.

Quais impactos para o Brasil?

Depende do mercado de exportação, tanto de commodities agrícolas como de uma variedade de manufaturas. Pode haver alguns impactos positivos se a China não importar mais soja dos EUA, mas, se os EUA e o mundo desacelerarem, a má notícia é para todos nós, e nós inclui o Brasil.

O Brasil está em crise há cinco anos. O novo governo está no rumo correto para mudar isso?

O governo não deve escolher entre fazer reformas estruturais ou se preocupar com equidade e inclusão econômica. Deve tentar os dois. Fazer reformas e não prestar atenção para inclusão não é sustentável. Vocês tiveram um governo (de Dilma Rousseff) que foi derrubado porque favoreceu inclusão, mas foi incapaz de fazer reforma estrutural. Agora têm um governo que faz reforma, mas não se preocupa com inclusão. Esse governo não terá vida longa. As pessoas que ficarem para trás vão reagir. Tem de fazer os dois. Nós não somos muito bons em fazer ambos nos EUA. Fazemos reformas, mas não temos Estado de bem-estar social.

O sr. afirmou que, na Turquia, o governo de Recep Tayyip Erdogan minou a liberdade de imprensa e o Estado de direito, o que é negativo para atrair investimento. O presidente Jair Bolsonaro pode estar indo por um caminho semelhante?

Para alguém de fora, é cedo para dizer. Bolsonaro chegou e disse que iria resolver o problema da corrupção, mas isso obviamente não aconteceu. Ainda há problemas de corrupção e de nepotismo. Ele tem tempo para trabalhar.

O sr. publicou um livro sobre populismo (The Populist Temptation). Vê relações entre o cenário econômico global e a ascensão do populismo?

O desencantamento com a economia é um fator-chave para a ascensão de populistas. O crescimento que temos beneficia os mais ricos e há insegurança econômica, com emprego e renda. Os governos demoraram em responder isso e a insatisfação econômica abriu a porta para políticos de fora do ‘mainstream’.

“É preciso apagar a ideia de que reduzir a desigualdade é coisa de comunista”

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Ex-economista do Banco Mundial, Martin Ravallion agora dá aulas em Georgetown. De família humilde, sofreu em primeira pessoa o impacto da pobreza antes de lutar contra ela

Uma hora de conversa com Martin Ravallion (Sidney, 1952) é o mais parecido a um livro de macroeconomia aberto em duas páginas: a da desigualdade e a das falhas do capitalismo do século XXI. Pai da tabela de um dólar (4 reais) diário como linha global de pobreza quando era economista do Banco Mundial — onde anos depois dirigiu seu prestigioso grupo de pesquisa para o desenvolvimento —, é desde 2013 professor da Universidade Georgetown (EUA). Ravallion, instalado há anos entre os 100 economistas mais reconhecidos do mundo de acordo com a classificação do Ideas-Repec, sabe bem o significado da desigualdade: nasceu em uma família pobre, sofreu na própria carne o que significa viver com dificuldades e decidiu que “não queria ser pobre” nunca mais, como disse quando recebeu o prêmio Fronteiras do Conhecimento BBVA, em 2016. “Todos os meus papers são muito chatos”, diz rindo ao EL PAÍS pouco depois de dar uma conferência organizada pela Oxfam no Colégio do México. Não é verdade: o australiano é um dos especialistas que melhor explicam, com palavras ao alcance de todos, por que a iniquidade é um dos grandes problemas globais de nosso tempo.

Pergunta. A pobreza extrema caiu bastante nas últimas décadas, mas a desigualdade ofuscou essa boa notícia.

Resposta. A desigualdade global, entendida como aquela entre todos os habitantes do planeta e em termos relativos, também caiu. Não tanto como a pobreza, mas caiu. E isso é algo que costuma confundir as pessoas.

P. Cito um recente estudo do Banco Mundial, que o senhor conhece bem: “A queda na taxa de pobreza desacelerou, aumentando dessa forma a preocupação sobre a consecução do objetivo de acabar com a pobreza extrema em 2030”. O que está acontecendo?

R. Parte disso tem a ver com a desaceleração (econômica) na África e com o fato de que a redução da pobreza teve a ver em boa medida com o boomdas matérias-primas, que se deteve. Mas são coisas que flutuam, e acho que não deveríamos ver isso como um grande problema: estamos no caminho, desde que não ocorra outra crise financeira global, para cumprir com o objetivo do próprio Banco Mundial de diminuir a 3% a pobreza extrema global em 2030. Ainda que, claro, não sou isento porque colocar esse número foi uma das últimas coisas que fiz no Banco Mundial (risos). Se traçarmos como meta o objetivo de desenvolvimento sustentável (das Nações Unidas) de “eliminar a pobreza” chegando a 0%, isso não ocorrerá sem uma grande mudança nas políticas: ao ritmo atual levará 200 anos.

P. Mas mesmo eliminar a pobreza extrema não quer dizer que deixarão de existir milhões de pessoas em situação de miséria.

R. De forma alguma. A linha de 1,90 dólares (7,5 reais) por dia é realmente baixa: imaginemos o pouco que se pode comprar com essa quantidade.

P. A desigualdade irrompeu na agenda, mas fala-se o suficiente dela?

R. Não, deveríamos falar mais e fazê-lo de maneira mais específica. Devemos nos centrar menos nas estatísticas e mais em aspectos concretos que possam atrair a atenção (da sociedade) e nos mobilizar à ação. Ainda que a desigualdade atraia maior atenção, a pobreza sempre dominou o debate. “Pobreza” é uma palavra popular e “desigualdade” não, mas, em parte, isso está mudando: a pobreza está se transformando em uma questão respeitável na literatura acadêmica e a sociedade é cada vez mais consciente.

P. A evolução recente na América Latina deve nos preocupar?

R. Sim. A situação da pobreza é muito melhor do que em outras regiões, como a África subsaariana, mas sua evolução está sendo pior. A desigualdade na América Latina é muito alta e isso é um problema, tanto ao crescimento econômico como à luta contra a pobreza. E a falta de consenso em relação a esse ponto é um grande problema: há muita complacência e muita falsa retórica. Toda a desigualdade é sempre ruim? Não, não é verdade. Há níveis de desigualdade que são positivos em termos de incentivos, ao crescimento e à própria redução da pobreza. Mas esse grau de desigualdade, como a desigualdade racial e de gênero, é inaceitável e devemos construir um consenso em torno disso.

P. Como?

R. É preciso mostrar mais às pessoas como a desigualdade é custosa. Não é somente ética e moralmente repulsiva: também é uma má notícia ao crescimento econômico. Se a desigualdade não é bem gerida não ocorre muito crescimento e não será possível aproveitar seus benefícios. Tudo está conectado.

P. Há um consenso quase total em torno à ideia de que a pobreza é negativa e deve ser combatida, mas não existe o mesmo consenso em relação à desigualdade. Por que alguns ainda veem na desigualdade um catalisador do crescimento?

R. Muita gente apela à ideia de que em um mundo sem desigualdade não haveria incentivos e, como dizia, há uma certa verdade nessa afirmação. Mas o objetivo não deve ser a desigualdade zero, e sim a pobreza zero. O objetivo deve ser um nível de desigualdade manejável, aceitável, que não se perpetue. Continuam existindo economistas que não prestam atenção às questões de distribuição de renda: nunca será possível fazer com que todos os economistas da academia concordem em algo. Mas não acho que alguém possa consultar a literatura disponível hoje e discordar do fato de que a desigualdade é um freio ao crescimento. Há 15 ou 20 anos, a maioria dos economistas pensava unicamente na eficiência e dizia que a desigualdade era positiva ao crescimento: novamente, depende dos níveis de desigualdade de que estamos falando, mas agora já são poucos. É significativo que o livro de economia mais vendido de todos os tempos seja um sobre desigualdade, O Capital no Século XXI, de Thoma Piketty.

P. Qual seria a desigualdade “aceitável”?

R. Não sei: sabemos quando é muito alta, como em muitos países latino-americanos hoje, e quando é muito baixa, como na extinta União Soviética, na China anterior aos anos oitenta. E quando nos movemos na direção correta.

P. Pensemos em um índice como o de Gini. Em que ponto deveria estar a iniquidade para que fosse “manejável”?

R. Não focaria tanto nos índices, e sim nas causas: é preciso existir boas condições de saúde, creches e escolas decentes, os jovens devem poder estudar na Universidade e desenvolver todo o seu potencial… Essas são as coisas que verdadeiramente importam: é preciso focar mais nas políticas do que nos índices e nas taxas. Também apagar a ideia de que querer reduzir a desigualdade é coisa de comunista: eu gostaria que o capitalismo funcionasse para todo mundo. E não vejo isso acontecer.

P. A pergunta de um milhão: como podemos fazer com que o capitalismo funcione para todos?

R. Principalmente, assegurando que o campo de jogo fique muito mais nivelado: tentando minimizar a desvantagem das crianças que nascem em famílias pobres. E isso requer uma intervenção a partir das menores idades: precisamos de políticas que corrijam essa iniquidade desde o começo.

P. Mas acha possível um capitalismo que funcione para todos.

R. Sem dúvida. Não disseram que o capitalismo é uma ideia terrível, mas melhor do que as outras? Não adoro o capitalismo, mas acho que não há nenhum outro sistema que possa se equiparar à economia de mercado. Dito isto, o capitalismo de hoje não é o mesmo do qual falava Adam Smith: se tornou menos competitivo e muito mais dominado por monopólios. Deveríamos nos preocupar por isso: como é a concorrência na indústria tecnológica, por exemplo? As coisas que um capitalismo verdadeiramente competitivo pode conseguir são incríveis, mas para isso precisamos nos assegurar de que a concorrência se mantenha e que se lide bem com a desigualdade. E para isso são necessárias boas políticas.

P. Aprendemos com os erros de políticas públicas cometidos no passado?

R. Não. É muito frustrante ver a falta de atenção dada à avaliação das políticas. Em parte, porque quase todos os políticos não querem escutar que seus programas não funcionam bem e em parte porque muitas vezes os programas são muito inflexíveis. Avançamos muito nos programas de avaliação de impacto desses planos nos últimos 20 anos, mas o maior desafio é que isso chegue ao processo político.

 

 

 

 

A irracionalidade e o imediatismo da economia contemporânea

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Vivemos em um mundo marcado por grandes transformações estruturais, num ambiente amplamente dominado pelos interesses monetários e financeiros, a economia se transformou no grande agente responsável pelos avanços sociais, dominando todas as áreas da gestão, da educação, da saúde, dos relacionamentos, da vida cotidiana, entre outras áreas e setores, transformando todas as relações entre os indivíduos e a coletividade em instrumentos monetizados e analisados pela lógica do dinheiro e das questões financeiras e imediatistas, gerando seres humanos frios, calculistas e desequilibrados.

Os modelos de gestão estão dominando todas as estruturas sociais e as decisões estratégicas, tudo deve ser pensado levando-se em consideração os pressupostos econômicos e financeiros, com isso, acabam tornando as decisões, cada vez mais técnicas e limitadas, levando as questões sociais a decisões puramente racionais, ou supostamente racionais, esquecendo-se de que seus impactos na vida das pessoas perpassam o imediatismo financeiro, na maior parte interessados apenas nas ganhos futuros que se concentram nas mãos de poucos e alteram a vida e a intimidade de muitos.

A tecnologia está entrando nas mais variadas áreas e setores, movidas na maioria das vezes, por interesses financeiros e monetários, eliminando setores em nome de uma racionalidade nefasta, gerando um rastro de desemprego conjuntural e estrutural, levando desesperanças e medos generalizados para todos os grupos, culminando em violências e exclusão social, sob a alegação de implementar um choque de gestão, muitas destas decisões destroem famílias e levam trabalhadores ao desemprego.

As decisões “racionais” observam apenas as questões superficiais, investimentos são feitos para construir naves espaciais para viagens estelares e férias em outros planetas ou galáxias, deixando de lado a cura de doenças que vitimam milhares de vidas em regiões pobres e miseráveis, estas pessoas vivem a margem do sistema, não possuem recursos monetários e sua sobrevivência pouco interessa aos donos do capital e aos senhores do dinheiro, com isso, são deixados de lado pelos laboratórios e são condenados a própria sorte num mundo marcado por uma alta liquidez e recursos financeiros abundantes. Muitos quando são lembrados, o são apenas para se tornarem cobaias de pesquisas científicas, ganhando pouco e colocando suas vidas em risco, como nos foi apresentado no filme O Jardineiro Fiel.

O sistema econômico atual não foi criado para satisfazer os interesses da sociedade, sua função é garantir aos donos do poder ganhos constantes e elevados, garantindo que suas empresas aumentem seu capital nas Bolsas, seus investimentos estejam sempre protegidos e suas fortunas cresçam de forma acelerada, garantindo a estes indivíduos e suas famílias uma posição de destaque na lista dos afortunados da Revista Fortune.

Na área da saúde percebemos um aumento constante no preço dos planos de saúde, inviabilizando os grupos de menos recursos, deixando-os entregues a própria sorte, sem coberturas e sem perspectivas de cura e tratamento médico. Os grupos dominantes cortam profissionais, automatizam as consultas e aumentam o uso de tecnologias variadas em atividades secundárias e aumentam, com isso, o descarte das pessoas, as que continuam empregadas ficam sujeitas a uma carga de trabalho insano, sendo obrigadas a trabalhar por outros profissionais que foram dispensados sob justificativa de racionalizar os processos e incrementar os serviços, estes cortes servem, na verdade, para garantir bônus volumosos para seus acionistas e retornos maiores para seus administradores.

Percebemos na área da saúde um incremento tecnológico que gera benefícios inestimáveis para a sociedade, estas novas técnicas são menos invasivas e melhoram a vida de muitas pessoas, levando lenitivos para muitos doentes, abrindo novas perspectivas num futuro próximo e uma melhor qualidade de vida. Estes benefícios são inegáveis e devem ser estimulados, cortar custos supérfluos e desnecessários devem ser uma tônica de todos os gestores, tendo como objetivo central uma melhora na qualidade de vida da sociedade e não única e exclusivamente incrementar os ganhos milionários dos grupos dominantes.

Vivemos em uma sociedade marcada pela ilusão da concorrência e da competição entre os agentes econômicos mas, na verdade, o que percebemos são monopólios nas mais variadas áreas e setores, onde poucos ganham fortunas e uma imensa maioria são expostos a um mercado selvagem e degradante que se baseia na exploração, nos cursos de autoajuda e na pregação das farsas da meritocracia e do empreendedorismo, temas que movimentam multidões e garantem lucros astronômicos para os poucos privilegiados que dificilmente acreditam nestes mantras e nestas pregações cotidianas.

A economia contemporânea apregoa uma defesa do pensamento liberal e das práticas concorrenciais como forma de geração de renda e de valor agregado, esquecendo-se de que, na atualidade a ideia da competição deve ser substituída pela cooperação entre os agentes econômicos, cooperar e compartilhar são verbos que devem ser estimulados e a competição e a concorrência devem ser revistas e regulamentadas sob pena de levar a sociedade a uma ampla desagregação social e ambiental, isto aconteceria porque os agentes apresentam formações e qualificações diferentes. Enquanto se fala de meritocracia em todos os livros textos de gestão, como se fosse um grande mantra da sociedade, percebemos que na prática a meritocracia é um sonho ainda muito distante desta sociedade, ainda marcada pela desigualdade e pela exclusão.

A área de educação também vem sendo transformada em um grande manancial de lucros e dividendos, onde os grandes grupos “educacionais” buscam um incremento acelerado nas matrículas e deixam de lado investimentos em qualidade, levando a educação a mais um dos imensos mercados altamente atrativos e lucrativos para os donos do dinheiro. Na atualidade, percebemos uma competição degradante, escolas de qualidade estão perdendo espaço na coletividade devido a chegada de grupos estrangeiros ou empresas educacionais que cobram mensalidades menores e seduzem os potenciais alunos com promessas de sucesso e bons empregos, mas na verdade, entregam um produto de péssima qualidade, gerando dívidas impagáveis e tornando-os profissionais diplomados, desempregados e sem perspectivas.

Neste ambiente, percebemos muitas escolas sérias e tradicionais serem adquiridas por grupos financeiros sem nenhuma experiência na área do conhecimento e da formação educacional, que introduzem planilhas complexas e avaliações de rendimento centrada em princípios do mercado financeiro, demitem professores qualificados e contratam profissionais sem conteúdo pagando salários reduzidos, com isso, diminuem o preço das mensalidades, enchem as salas de aulas e entregam para as famílias uma formação deficiente e desatualizada, muito longe das necessidades da sociedade mundial e da chamada Indústria 4.0.

O poder exagerado da gestão, focada nos lucros monetários e financeiros, vem crescendo de forma acelerada nos últimos anos, as empresas dominam o cenário econômico e expandem seu poder em variadas regiões, transformando a gestão em um instrumento de ganhos imediatistas, esquecendo-se de que cabe ao gestor um planejamento seguro e equilibrado para que as empresas se consolidem e se perpetuem como agentes de melhoria e maior qualidade de vida, levando a um progresso social inclusivo e a um desenvolvimento econômico.

O poder da gestão é tão intenso e estruturado, que em todas as áreas percebemos sua influência, setores como a religião vem incorporando as técnicas de gestão como instrumento de administração e incremento de seus lucros, nestes setores percebemos gestores gerindo dízimos e donativos de forma profissional e Igrejas sendo sondadas para a abertura de capital em Bolsas de Valores, distorcendo seus verdadeiros ideais em prol de uma lucratividade insana com graves impactos para a coletividade. Nesta sociedade, as religiões estão se transformando em um grande negócio, seus investimentos estão sendo levado a inúmeros setores, desde empresas de mídia e lojas comerciais, enquanto os valores da religião centrados na solidariedade e na empatia estão sendo substituídos por valores financeiros, materiais e imediatos.

A obsessão pela tecnologia está deixando leva de trabalhadores desempregados e sem perspectivas profissionais, muitas máquinas e equipamentos são desenvolvidos para melhorar processos e incrementar decisões, melhorando os fluxos de informações e acelerando estratégias, com isso, percebemos uma redução nos custos das empresas e uma melhora em seus valores de mercado, os ganhos advindos destas medidas são distribuídos com seus acionistas e seus funcionários, agora chamados de colaboradores, se engalfinhando para sobreviver no mercado, mesmo sabendo que esta sobrevivência está associada a um aumento acelerado na carga de trabalho, a uma redução nos rendimentos e a uma piora na qualidade de vida.

Neste ambiente encontramos visões contaminadas por supostos especialistas, profissionais com visibilidade na mídia, nos jornais e nas revistas especializadas, indivíduos treinados e capacitados, com uma visão limitada de sociedade centrada no interesse do capital e dos donos do dinheiro. São profissionais dotados de grandes conhecimentos que se vendem no mercado e passam a defender aqueles que possuem recursos para pagar seus elevados honorários, desconhecendo as origens dos recursos e a degradação destes para a sociedade.

Nesta sociedade, percebemos o poder da economia como uma ciência matemática, responsável pela geração de lucros e dividendos, com isso, deixamos de lado a importância da economia como uma ciência da escassez, criada para gerir os recursos da sociedade e melhorar a distribuição, garantindo que todos tivessem acesso ao essencial e, com isso, poderem sobreviver de forma digna e construir boas perspectivas de futuro para si e para seus descendentes.

Na sociedade contemporânea, a economia e a gestão estão se transformando em um instrumento de maximização dos lucros dos grandes grupos econômicos e financeiros, seus interesses mais imediatos visam saciar seu estilo de vida centrados no hedonismo e na busca acelerada por prazeres materiais e gozos sexuais, deixando de lado o planejamento e a construção de bases sociais mais sólidas e sustentáveis.

Numa sociedade onde a tecnologia se coloca como o grande gerador de desemprego, criando medo e desesperança para os grupos com menores oportunidades e qualificações, muitos trabalhadores são obrigados a aceitar formas de trabalho degradantes e jornadas excessivas sob pena de ficarem sem emprego e sem condições de sobrevivência. Estes trabalhadores são “obrigados” a aceitar trabalho em finais de semana e feriados, levando o empregador a criar escalas absurdas que devem ser seguidas pelo trabalhador, com isso, o funcionário é obrigado a se ausentar de sua casa e relegar sua família a uma condição secundária, nestes ambientes percebemos um incremento da degradação das famílias, uma piora nas relações entre pais e filhos e um aumento considerável da violência e da exclusão social, obrigando as escolas a assumirem um papel que, em todas as sociedades desenvolvidas, deve ser exercido pela família.

O pior desta situação é que os trabalhadores perderam seus instrumentos de proteção, em uma sociedade com um desemprego acelerado são obrigados a condições indignas e cobranças exageradas, com isso se degradam e devem aceitar esta condição de forma pacífica e subserviente, sem reclamar, sem fazer greves e sem se filiar a movimentos sindicais, mesmo porque, muitos destes sindicatos se mostraram, ao longo do tempo, sem condições de amparar seus filiados e prepará-los para as mudanças em curso na sociedade global, muitos deles se comportaram como verdadeiros cabides de empregos e refúgio de pessoas desqualificadas e desonestas.

Outro setor que devemos acompanhar com atenção e responsabilidade é o Meio Ambiente, este setor vem se degradando de forma acelerada nos últimos anos, muito desta degradação está vinculada ao domínio de uma visão imediatista de gestão centrada nos lucros e nos ganhos financeiros, por esta visão, que está cada vez mais dominante neste setor e no mundo econômico, a sociedade deve incrementar a exploração do ambiente como forma de retirar da pobreza e da indignidade muitas famílias e grupos sociais que vivem em situação de risco. Precisamos compreender que a situação de indignidade destas famílias está muito mais associada e uma visão limitada da gestão e dos negócios do que a falta de recursos para a produção. A preservação do Meio Ambiente é condição fundamental para que tenhamos um futuro digno e decente, as terras e os recursos naturais disponíveis são suficientes para que a população viva de forma decente, mas para que isto aconteça faz-se necessário que os abutres financeiros se conscientizem de que precisam retirar uma parte condizente com seus esforços e merecimentos, e deixem para os outros grupos sociais os recursos referentes a seus méritos, enquanto esta divisão for desigual os resultados desta equação serão sempre marcados pela exclusão social e pela desigualdade crescentes, onde os grandes prejudicados serão os mais pobres e marginalizados.

A economia contemporânea e os modelos de gestão precisam retomar as suas origens e repensar seus papéis na sociedade, se estes instrumentos continuarem a se limitar a ganhos financeiros e monetários improdutivos, a sociedade tende a mergulhar em condições degradantes, com desemprego em ascensão e um crescimento exponencial de indivíduos desequilibrados e doentes mentais, dotados de um individualismo crescente e desagregador incapaz de pensar e de se solidarizar com as dores dos outros, neste momento perceberemos que nossa sociedade está caminhando realmente para o caos e para a degradação social, sendo urgente alterar a rota e direcionar a sociedade para um novo caminho, mais sustentável e equilibrado.

Numa sociedade marcada pela centralidade do dinheiro e do poder econômico, os gestores e os economistas ligados a este poder financeiro se arvoram de um poder e de uma arrogância excessivos, definindo regras e escolhendo os ganhadores e transformando tudo em mercadoria, desde a educação, a saúde, os relacionamentos e a segurança, neste ambiente, os grupos mais vulneráveis da sociedade estão sempre em situação de marginalidade e de degradação,  vivendo a margem e convivendo no cotidiano com os dramas e os traumas de uma coletividade degradada pelo poder do dinheiro e da falta de solidariedade entre os indivíduos.

 

 

Sociedade precisa se convencer do problema que é a desigualdade, diz Martin Wolf

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Para comentarista-chefe do jornal Financial Times, ascensão do populismo é um dos sintomas da ‘doença’ da disparidade de renda

Fernando Canzian – Folha de São Paulo, 07/08/2019

LONDRES

Para Martin Wolf, 73, comentarista-chefe do jornal Financial Times, a ascensão do populismo é sintoma da “doença” da desigualdade de renda e só tem a oferecer respostas que tornarão as sociedades “mais furiosas, menos justas e mais violentas”.

Segundo ele, o populismo de direita é quase sempre “uma fraude”. “O de esquerda pode ser mais produtivo, mas apenas se for muito disciplinado”. O risco, diz, é terminar como a Venezuela. Wolf, um dos mais conceituados colunistas de economia e finanças da atualidade, afirma que a sociedade precisa se convencer de que a desigualdade é um problema.

As evidências mostram importante aumento da desigualdade de renda em praticamente todos os países. Há meios de reverter ou atenuar essa tendência?

É importante perceber que, embora existam tendências subjacentes que podem ser vistas no mundo todo, o que sugere que algumas forças econômicas estão presentes, também vemos enormes diferenças [em relação ao grau de desigualdade] entre países com níveis similares de renda. Isso evidencia que há coisas a serem feitas.

Se você tiver uma educação de alta qualidade, como alguns países da Europa continental e o Japão, isso reduz a desigualdade drasticamente.

Há políticas de gastos e de impostos. Há regulamentações e normas que afetam a economia. Há o papel dos sindicatos e o de outras atividades humanas que, de modo cumulativo, fazem muita diferença. Em última análise, todas essas coisas refletem até que ponto a igualdade é uma norma social.

Se uma sociedade como um todo não acredita que seja possível um grau razoavelmente alto de igualdade, e de igualdade de oportunidades para filhos de pessoas pobres, será impossível obter um alto nível de educação para todos.

Se tivermos apenas sociedades muito heterogêneas, com níveis relativamente limitados de solidariedade, sobretudo entre ricos e pobres, as instituições não forçarão a igualdade, o governo será indiferente a essa questão e nada vai acontecer.

Ao contrário de respostas solidárias, o que se vê em todo o mundo são respostas populistas, sobretudo da direita, não?

O populismo de direita é quase sempre uma fraude, porque essencialmente é uma maneira de desviar a atenção e ignorar as pessoas que estão sofrendo com a desigualdade. Coloca-se a culpa nos imigrantes, nos estrangeiros, nos criminosos, e os verdadeiros problemas não são enfrentados.

Acho que o populismo de direita é sempre uma armadilha e um delírio. O populismo de esquerda pode ser mais produtivo, mas apenas se for muito disciplinado. Se você só gastar muito dinheiro sem pensar a respeito, pode acabar como a Venezuela.

O populismo é um sintoma dessa doença [a desigualdade], e às vezes dá uma resposta ou outra, mas nunca a resposta final. É preciso respostas mais inteligentes e, acima de tudo, que a sociedade realmente acredite que esse é um problema a ser enfrentado.

O sr. diria que Donald Trump, brexit e políticos de esquerda e de direita são produtos da desigualdade?

Diria que são em parte produto da desigualdade, sim. Eles também são o resultado da estagnação e até certo ponto o resultado da mudança cultural. Mas a desigualdade ou a crescente desigualdade é uma parte disso.

O que me preocupa é que respostas como Trump e brexit não farão nada para resolver o problema. Na verdade, vão piorar as coisas e vão encorajar as pessoas a culpar algum outro grupo, muitas vezes mais vulnerável. Isso tende a tornar a sociedade ainda mais dividida. Essas respostas são uma consequência de males sociais, mas nunca serão uma solução para isso.

Tivemos uma longa experiência com o populismo de direita no mundo nos últimos 150 anos que levou, na minha opinião, ao desastre. O populismo de esquerda geralmente fez a mesma coisa, de maneira bastante uniforme.

Então, o que me preocupa é que ao mesmo tempo em que entendo o ultraje populista, entendo a necessidade de mudança. Sinto que os políticos populistas só oferecem respostas que tornarão nossas sociedades mais furiosas, menos justas, mais amargas e violentas.

Alguns acadêmicos defendem a implementação de renda básica universal para atenuar a desigualdade. O que o sr. acha?

Eu diria que essa não é a resposta fundamental. Se você tiver condições de aumentar substancialmente os impostos, então pode adotar gastos para tornar a sociedade um lugar melhor, e menos desigual. Mas a renda básica não é suficiente para atingir esse objetivo.

Porque ainda haveria o problema da educação, que não se resolve com renda básica. Haveria a questão da preocupação com o nível de prosperidade da sociedade, que depende fundamentalmente do investimento em infraestrutura e em tudo o que torna uma sociedade produtiva.

Para fazer um programa desses funcionar, de modo que se dê uma renda mínima a todos, seria preciso elevar o nível dos impostos para um patamar muito alto. E é óbvio que, quando se pensa nisso, será preciso tirar dinheiro da classe média e depois devolver isso a ela. A renda básica não vai resolver muitas das coisas das quais dependem a vitalidade, a prosperidade e as perspectivas de uma sociedade. Preocupa-me que isso esteja sendo apresentado como uma panaceia.