Contradições do casamento do conservadorismo bolsonarista com o liberalismo

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Fernando Abrucio – Valor Econômico/26/07/2019

As ideologias políticas são sempre a mistura de duas coisas. De um lado, um ideário sobre como deve ser o mundo. De outro, a necessidade de adaptar, em alguma medida, as ideias à realidade, pois ela é mais complexa e imperfeita do que os modelos puros. O encontro dessas duas dimensões envolve conflitos e contradições. Isso se torna mais marcante quando há um casamento de ocasião entre duas visões de mundo diferentes, mas que acreditam na junção circunstancial em torno de um objetivo. Um caso emblemático ocorre hoje na aliança entre liberalismo e conservadorismo em várias partes do mundo, em particular no Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro.

O liberalismo, desde suas origens, é a defesa da liberdade dos indivíduos. Liberdade de pensamento, religiosa, de cada qual fazer o que quiser com sua vida, sua propriedade e seu corpo. Como bem argumentou o filosofo Stuart Mill, os ideais liberais de autonomia individual e tolerância resguardariam a diversidade de caminhos que os seres humanos podem escolher. Essa concepção liberal alimenta não só a defesa do mercado econômico como também do pluralismo político e cultural.

No início de sua história, o liberalismo acreditava que a limitação do poder governamental bastaria para atingir seus objetivos. Com o decorrer do tempo e de forma atribulada, construiu um casamento de longa duração com a democracia, apostando na expansão da ação política dos cidadãos como forma de garantir uma sociedade livre. Após a experiência do totalitarismo e da Segunda Guerra Mundial, e pressionado pelo então crescimento do socialismo, a liberal-democracia aliou-se à social-democracia, admitindo uma maior intervenção do Estado na economia para que as externalidades negativas do mercado fossem controladas, principalmente no que se refere à desigualdade, que poderia ser combatida com serviços públicos que garantissem maior igualdade de oportunidades.

Nas últimas décadas, especialmente a partir da segunda metade dos anos 1970, pensadores e atores políticos liberais têm por vezes se casado com um conservadorismo político nem sempre adepto dos valores democráticos. Isso tem significado um predomínio do liberalismo econômico sobre a sua faceta política, inclusive aceitando legitimar governos autoritários que aplicavam receituários liberais. A experiência chilena de Pinochet e seus “Chicago boys” está nas origens dessa combinação que seria considerada espúria por grande parte do pensamento liberal.

Houve muitas críticas a essa condescendência, inclusive por parte de pensadores liberais, e por algum tempo se procurou resgatar a defesa do pluralismo e da democracia.

Desde a crise financeira de 2008 o liberalismo sofreu muitas críticas. No bojo desse processo, emergiu um novo populismo de direita que vem crescendo politicamente. Ele em parte é crítico de ideias com respaldo liberal, como o globalismo e a livre circulação de pessoas, e vem adotando um tom nacionalista mais próximo do discurso dos anos 1930.

Mas esse novo conservadorismo não é anticapitalista, nem mesmo estatista no plano econômico, como foram o nazismo e o fascismo. De certa forma, faz uma aliança, ou adere circunstancialmente, a certas características do liberalismo, como a defesa da liberdade das empresas e dos indivíduos perante o Estado, ao mesmo tempo que abraça ideias conservadoras que reduzem a liberdade individual no plano moral e coloca em questão a independência das instituições e grupos que tem fiscalizado o poder nas democracias, como o Judiciário, a imprensa e a ciência.

Esse casamento de ocasião do liberalismo com o conservadorismo tem no Brasil contemporâneo um caso paradigmático. A eleição do presidente Bolsonaro representa, concomitantemente, a emergência de uma agenda neoconservadora (mais ao estilo de uma extrema-direita) no campo dos costumes e no plano institucional, somada a uma agenda liberal no âmbito econômico. O ministro Paulo Guedes apareceu como o fiador dessa combinação no processo eleitoral e continua ocupando esse papel nestes primeiros sete meses de uma presidência cuja principal marca é a imprevisibilidade.

Juntamente com esse casamento veio o apoio de setores empresariais e de boa parte do mercado financeiro. Todos eles acreditavam – alguns ainda acreditam, na possibilidade de se fazer uma junção estável entre o liberalismo econômico e um ideário populista com forte ênfase na questão moral e na defesa da sabedoria e virtudes do “homem comum”. Assim, fecham-se os olhos para algumas (ou várias?) extravagâncias do bolsonarismo, como defender a censura na cultura, adotar uma visão crítica à ciência (sobretudo no campo ambiental) e estimular a intolerância contra vários grupos políticos e sociais, para ficar com alguns exemplos recentes. Afinal, haverá alguma reforma da Previdência e do Estado, além da edição da MP da Liberdade Econômica, nome que sela o casamento de ocasião.

Mas as contradições têm um preço. Não garantir a proteção do meio ambiente poderá custar caro em relação aos acordos comerciais e à conquista de mercados. O globalismo, tão prezado pelos liberais, supõe seguir certos padrões internacionais de regulação de questões coletivas – não só o tema ambiental, mas direitos humanos, por exemplo -, e desregular completamente a proteção estatal dos direitos difusos deixará o Brasil mais longe do acordo com a União Europeia. Desorganizar a educação brigando com seus principais atores tornará impossível construir o capital humano necessário ao desenvolvimento capitalista. E jogar setores sociais, por meio de manifestações ou redes sociais, contra as principais instituições democráticas pode afetar fortemente a segurança jurídica do país, o que pode afugentar investidores internacionais.

A lista de incongruências é mais ampla, mas o exposto já realça o desafio do casamento local entre conservadorismo e liberalismo. De todo modo, fica o aviso que grandes pensadores liberais, como Isaiah Berlin, já deram no passado: quando uma liberdade é perdida, outras poderão ser retiradas mais adiante. Liberalismo pela metade pode significar nenhum ao final da história.

É importante ressaltar que o viés conservador do bolsonarismo não é de conveniência. Há ali crenças fortes e sólidas sobre valores morais, contra a mídia tradicional, em relação a minorias sociais e a respeito da forma que deve funcionar o sistema político. Claro que tal visão de mundo resulta, em parte, da demanda de eleitores, isto é, professar essas ideias significa conquistar votos, numa proporção que congrega entre um quinto a um quarto do eleitorado brasileiro. Não é suficiente para se reeleger, embora seja uma base muito segura para competir, sobretudo se o oponente for classificado como o “inimigo a ser derrotado por todos que defendem a Pátria”.

Só que esse ideário não é apenas um instrumento para responder à demanda eleitoral. Existe o lado da oferta também, para usar a linguagem dos economistas. O bolsonarismo é uma máquina de produzir visões de mundo, vinculadas a uma singular mistura de preconceitos tradicionais presentes na cultura brasileira com as propostas do neopopulismo de extrema-direita no plano internacional, bem expostas por Steve Bannon.

A esse lado programático soma-se, ainda, o modus operandi da família Bolsonaro. Não dá pra entender esse novo conservadorismo brasileiro sem levar em conta a maneira como os Bolsonaro, especialmente o pai, fazem política. O que se sobressai aqui é a lógica de guerra constante contra o inimigo, a multiplicação de situações de conflito por meio das redes sociais (inclusive contra aliados de plantão, como os militares), o discurso das respostas fáceis a problemas complexos e, em especial, a imprevisibilidade dos próximos passos, seja por amadorismo político ou técnico, seja porque produzir fatos (e brigas) novos é uma arte desenvolvida e reverenciada pela família.

A acumulação de contradições e conflitos entre o conservadorismo bolsonarista e o liberalismo predominantemente econômico pode resultar, mais adiante, num processo de hegemonia de um sobre o outro. Se o lado liberal da economia predominar, o que implica acreditar num projeto de mudança mais gradual da situação atual, o bolsonarismo pode deixar de responder a contento aos seus eleitores-raiz, sem que haja um ganho econômico de curto prazo – por exemplo, até as eleições municipais do ano que vem. Se em vez disso prevalecer o lado conservador, marcado pela agenda dos costumes e da guerra contras as instituições democráticas tradicionais, Bolsonaro pode manter seu eleitorado mais fiel, mas terá dificuldades de ampliar seus apoios para o restante da sociedade.

Uma parcela importante dos atores sociais torce para que seja possível um equilíbrio razoável entre o conservadorismo bolsonarista e o liberalismo. Isso porque todos temem a seguinte pergunta: o que fará o presidente se ele ficar preso ao polo mais radical de sua equação? Uma das hipóteses é que a democracia saberá lidar com isso. A outra é que terminará o casamento de ocasião e parte dos liberais terá sido responsável por produzir o contrário de seu ideário.

 

Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP.

Conheça a China futurista de carros elétricos, trem-bala e apps de saúde.

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Ronaldo Lemos viajou pelo país asiático para documentar seus massivos investimentos em inovação

Ronaldo Lemos – Folha de São Paulo – 11/08/2019

[RESUMO] Autor viajou pela China para documentar investimentos em inovação. Encontrou um país futurista que cresce velozmente e desenvolve produtos e soluções de alta tecnologia em larga
escala, de aplicativos de saúde a veículos elétricos.

Apesar dos delírios de grandeza que acometem o Brasil, no mundo em desenvolvimento quem acordou mesmo foi a China.

Muita gente atribui a Napoleão Bonaparte a frase: “A China é um gigante adormecido. Deixe que durma, porque quando acordar fará tremer o mundo”. Nos últimos dois meses fui ver de perto em que medida essa afirmação é verdadeira.

Passei esse período no país asiático gravando uma série documental sobre tecnologia e inovação chamada “Expresso Futuro”, que será exibida em oito episódios no Canal Futura e em quatro episódios semanais no Fantástico, a partir de 1º de setembro.

Se no Brasil construímos a narrativa de que cerca de 13 milhões de pessoas saíram da pobreza entre 1997 e 2009, na China gostam de alardear que, entre 1978 e 2018, isso aconteceu com 750 milhões de cidadãos. As estatísticas oficiais dizem que ainda há 16,6 milhões de pobres, situação a ser erradicada já no ano que vem.

Mais do que a redução da pobreza, a China —que permanece sendo, no terreno político, uma ditadura — conseguiu encontrar o Santo Graal de um país em desenvolvimento: a capacidade de inovar.  Em 40 anos, saiu de uma sociedade essencialmente rural para converter-se numa potência industrial. Agora começa a se firmar como uma economia cada vez mais baseada em tecnologia da informação.

Neste relato, refaço alguns dos passos da minha viagem, na tentativa de ver de perto as transformações nessa área. O roteiro é o mesmo que fizemos no documentário, visitando cidades conhecidas dos brasileiros, como Pequim e Xangai, e outras nem tanto, como Nanjing, Qindao, Hangzhou ou Shenzhen.

NA VELOCIDADE DE SHENZHEN

Shenzhen é uma cidade de 12 milhões de habitantes no sul da China, que faz fronteira com Hong Kong. É limpa, arborizada e, sobretudo, silenciosa. Nem sempre foi assim.

Até o início dos anos 1980 era uma vila de pescadores, pobre e sem infraestrutura. Um contraste com a cidade formada hoje por arranha-céus, sede do quarto maior prédio do mundo, o Centro Financeiro PingAn, com 115 andares. A razão para essa mudança é que Shenzhen foi a primeira a ser escolhida como “zona econômica especial” pelo governo de Deng Xiaoping (1978-1992).

A ideia era criar uma região de experimentação, com liberdade para comércio e investimento, que pudesse prosperar em um país à época miserável.

Tudo para concretizar sua famosa frase “Ficar rico é glorioso!”, dita em uma época em que os maiores desejos de uma pessoa na China (chamados de “as quatro grandes coisas”, símbolos de status material) eram uma bicicleta, uma máquina de costura, um relógio de pulso e um aparelho de rádio. Tudo bem diferente das aspirações atuais de um chinês médio, que incluem um celular de última geração, um computador, um carro e um apartamento.

Shenzhen é um dos epicentros de inovação na China. Sua transformação foi tão veloz que deu origem à expressão “velocidade de Shenzhen”, usada quando alguém quer dizer que algo está indo rápido demais.

Há pelo menos dois pontos de destaque para a inovação ali: os veículos elétricos e o fato de a região ter se transformado no centro mundial de fabricação de eletrônicos (87% dos celulares do planeta são testados, projetados ou fabricados lá; se você anda de patinete elétrica, é provável que tenha sido fabricada lá também).

A cidade converteu a totalidade do transporte público em veículos elétricos, incluindo ônibus e táxis. Só em ônibus, são hoje 15,5 mil veículos que se deslocam alimentados por baterias (como base de comparação, São Paulo tem entre 14 e 15 mil ônibus em circulação, com cerca de 200 tróleibus elétricos apenas).

As vantagens dessa conversão são muitas. Maior eficiência energética, redução de poluentes e silêncio. Aquele barulho de ônibus circulando, que se tornou parte da paisagem das cidades brasileiras, praticamente não existe em Shenzhen.

Mais do que isso, o modelo de transporte cria uma infraestrutura nova para as cidades: uma plataforma permanente capaz de armazenar eletricidade. Veículos elétricos podem ser abastecidos por qualquer fonte de produção de energia, alimentados pela rede elétrica tradicional ou por painéis solares. São também capazes de usar inteligência para gerir o consumo de energia.

Com o uso de carregadores inteligentes, o veículo pode ser abastecido apenas em momentos em que o custo da eletricidade é menor (como à noite ou na madrugada). Pode também devolver” a eletricidade armazenada para a rede elétrica em momentos de pico, gerando receita.

Mas quanto custa carregar esses ônibus? Uma carga completa com autonomia de 300 quilômetros equivale a R$ 120. No caso dos carros, uma carga completa que permite circular por 400 quilômetros custa R$ 20.

Além disso, há a possibilidade de uso emergencial. Em caso de blecaute, um ônibus elétrico pode ser direcionado para um hospital, de modo a garantir o fornecimento de eletricidade —e assim por diante. Em outras palavras, uma vez que uma cidade passa a utilizar veículos elétricos e baterias, ela pode reinventar completamente sua matriz energética, fomentando modelos muito mais eficientes e fontes limpas.

Na China, essa transformação é essencial. O rápido crescimento do país nas últimas décadas trouxe um preço elevado do ponto de vista ambiental. A poluição é visível em boa parte dos centros urbanos chineses. Tudo isso tem levado o país a uma mudança importante de rota na promoção de energia limpa e tecnologias verdes. Shenzhen é um exemplo bem-sucedido dessa mudança, onde não se vê poluição ostensiva.

Embora o país permaneça o maior emissor de gases de efeito estufa do planeta, a boa notícia é que as emissões por pessoa são hoje muito menores do que a de países ocidentais no mesmo estágio de desenvolvimento. A China tem hoje a mesma quantidade de emissões por pessoa que nações do Ocidente tinham em 1885. É um exemplo de avanço na promoção de eficiência energética e ambiental. A tarefa ainda é monumental, mas ao menos o país atua de forma clara nesse sentido.

O outro destaque de Shenzhen é a maneira como a cidade assumiu a liderança na fabricação de hardware e eletrônicos. Isso se vê pelo gigantesco mercado de Huaqianbei, uma espécie de feira livre da tecnologia dividida em duas partes. De um lado, produtos de consumo, como celulares, headphones, computadores. De outro, componentes eletrônicos, como transistores, capacitores, diodos e assim por diante. O lugar é o paraíso dos aficionados por eletrônica e “fazedores” de modo geral.

Não por caso, em volta do mercado há um grande número de empresas startup, incubadoras e aceleradores dedicados a hardware. A razão é simples. Se você está desenvolvendo e testando um produto, basta ir até o mercado para comprar o que precisar. Se uma peça não deu certo, você testa outra, todas acessíveis e baratas. É o jeito certo de inovar rapidamente em hardware, tudo na “velocidade de Shenzhen”.

Esse ecossistema se consolidou no final dos anos 1990 com inúmeras empresas fabricando aparelhos de DVD piratas. Nessa época, os DVDs vinham com uma proteção que só permitia que fossem executados em aparelhos programados para determinada região. Os fabricantes de Shenzhen viram nisso uma oportunidade. Começaram a produzir aparelhos capazes de executar filmes de qualquer região, incluindo DVDs piratas. Com isso, o mercado explodiu e esses aparelhos sem restrições se tornaram dominantes.

Com o declínio do DVD, essas empresas passaram a fabricar celulares. Hoje, duas das maiores marcas de celulares globais, ocupando o quarto e o quinto lugares respectivamente, a Oppo e a Vivo (não confundir com a Vivo brasileira), são descendentes diretas das empresas antes fabricantes de aparelhos de DVD. São empresas que surgiram quando o mercado de celulares ainda era dominado por marcas como Nokia e Motorola.

O diferencial dessas empresas foi a inovação e a experimentação radicais. Numa época em que todos os celulares eram pretos, começaram a produzir aparelhos em cores berrantes, inclusive dourado, a favorita dos chineses. Também criaram modelos que vinham com rádio AM e FM (para populações rurais) ou com caixas de som ultrapotentes (para funcionários da construção civil).

O resultado foi uma explosão de vendas para pessoas que não eram as mais ricas e viam-se desatendidas pelo design “clean” (e até arrogante) da Apple. Em outras palavras, levaram o celular para a base da pirâmide social.

Após conquistarem esse mercado, estão se voltando agora para o topo da pirâmide, lançando aparelhos inovadores de primeira linha. Pergunte às pessoas ao seu lado enquanto lê este artigo: possivelmente o sonho de consumo delas hoje seja algum eletrônico da Xiaomi.

Empreendedores do mundo todo buscam Shenzhen para alavancar suas ideias de design e de hardware. A cidade está aberta para produzir qualquer coisa, de capinhas de celular a algum acessório imaginável. Outros países e empresas já descobriram a capacidade do lugar —como é caso da Apple. O Brasil ainda não.

Um caso emblemático é o da empresa Anker. Fundada por um jovem empreendedor nos Estados Unidos, começou a produzir periféricos, como cabos e carregadores de celular, de média qualidade. O mercado antes era dividido entre os carregadores de primeira linha, feitos pelas próprias marcas de celular, e os de quinta categoria, que queimavam facilmente. A empresa criou um produto intermediário, bom o suficiente e barato. Com isso, se tornou um dos maiores vendedores da Amazon.

Em um dia normal, a Anker tem 30 mil pedidos. Em feriados como o Dia de Ação de Graças americano, chegam receber 100 mil por dia. Tudo produzido em Shenzhen, com as especificações do fundador. E, claro, após dominar esse mercado de “meio do caminho”, a empresa começou a inovar, com experimentos com novos materiais, componentes e produtos —projetores, aspiradores-robôs, smart-speakers e outros. Não por acaso mudou seu nome para Anker Innovations.

Um exemplo notável em Shenzhen é o celular da marca Tecno, focado no mercado africano. A inovação adotada pelos fabricantes foi a um só tempo simples e genial. Colocaram no aparelho uma câmera desenhada especialmente para tirar fotografias de pessoas com a pele negra.

O resultado é que a marca dominou o mercado africano, com 34% de share, acima da Samsung, com 22%. Esse modelo focado em mercados desatendidos é o fundamento da inovação em Shenzhen —o que permitiu que agora a cidade volte-se para competir no mercado “premium” de celulares.

Qualquer um pode chegar a Shenzhen, hoje, levando sua marca ou a ideia para um celular, um fone de ouvido ou outro aparelho. Se os fabricantes acharem que tem potencial de mercado, topam financiar a produção, cobrando só após 60 dias. Não por acaso, empresários americanos (como o caso da Anker), franceses (a Wiko) ou quenianos (a Pace) criaram suas próprias marcas e empresas bem-sucedidas a partir de Shenzhen.

E fica um prognóstico para o futuro: o espírito da cidade se encontrará com os carros elétricos e a indústria automobilística.

Há uma revolução em curso na China, veículos elétricos sendo completamente reinventados. Por exemplo, o surgimento de carros elétricos para uma única pessoa, em substituição às motocicletas. Veículos utilitários elétricos desenhados para cargas específicas, como bebidas ou laticínios. Caminhões de lixo de pequena e grande capacidade, também elétricos. Veículos para entregadores que trabalham em aplicativos de comida. E até carros funerários elétricos desenhados especificamente para carregar caixões.

Os formatos parecem vindos de histórias em quadrinhos futuristas. São, ao mesmo tempo, cômicos e fascinantes. Muito baratos, rompem com o modelo de como um carro é pensado no Ocidente —quatro lugares, voltado para toda a família e assim por diante. Há hoje mais de 400 empresas de carros elétricos “fora da caixa” na China. É de se esperar uma revolução vinda daí, capaz de mudar a indústria automobilística para sempre.

HANGZHOU: DIGITAL E SAÚDE

A China é o país em que o papel-moeda foi inventado. Provavelmente, será também o lugar em que o papel-moeda será aposentado.

Nos últimos anos, o país foi completamente tomado por pagamentos digitais, feitos principalmente no celular, por meio de um código QR. O símbolo dessa China é a cidade de Hangzhou, chamada, por sua beleza, de “o céu na terra”. Ali estão várias empresas responsáveis por construir a infraestrutura de pagamentos digitais, como o AliBaba e o AntFinancial.

O símbolo dessa transformação é o fato de que moradores de rua na China carregam placas com seu código QR. Sabem que não existe a menor chance de receber uma ajuda em dinheiro, já que ninguém mais carrega notas em papel.

A automação nos pagamentos produz também efeitos sistêmicos. Tudo se automatiza na sequência. Um exemplo são os restaurantes. Hoje, todos possuem um código QR em cada lugar das mesas. O cliente chega, escaneia o código com seu celular e o cardápio aparece direto na tela. O pedido também pode ser feito pelo celular, sem falar com nenhum garçom, e o pagamento idem.

Outra inovação em Hangzhou é a startup de saúde e tecnologia chamada WeDoctor. Diferentemente de uma empresa de saúde tradicional, a WeDoctor começou como um aplicativo de agendamento de consultas e agora se expande para o mundo real. A empresa trabalha com 3.200 hospitais e 290 mil médicos, atendendo 150 milhões de usuários.

Desenvolveram um conceito de hospital virtual, no qual o paciente pode ser atendido de qualquer lugar do país por vídeo. A empresa coloca uma estação médica na casa dos assinantes. Se há algum problema, a família aciona o aparelho e na mesma hora entra em contato com um médico.

O aparelho é capaz de fazer 80% dos exames de rotina, como temperatura, pressão, batimentos cardíacos —pelo vídeo, o médico consegue avaliar o estado geral do paciente para determinar os encaminhamentos seguintes. Não é preciso “levar o exame ao médico”: a plataforma da empresa integra todo o ciclo, dos exames à receita.

Identificaram, por exemplo, que 80% das receitas correspondem a um número reduzido de remédios, que podem ser fornecidos por uma máquina automática. Elas passaram a ser instaladas em vários lugares, como shoppings, estações de metrô e pontos de trabalho. A receita é enviada pelo médico por celular e, através da leitura do QR code, a máquina certifica-se de que a pessoa está autorizada a comprar aquele remédio. O que torna o atendimento mais rápido e melhora o custo logístico.

A VIDA PELA INTERNET CHINESA

Por causa do “Great Firewall” (a grande muralha imposta pela censura oficial), o desenvolvimento da internet na China é muito diferente. Sites como Facebook, Instagram e mesmo Google são bloqueados. No entanto, esse bloqueio tem se tornado cada vez mais poroso. Usando um aplicativo de VPN é possível acessar conteúdos desses sites.

No entanto, a grande maioria está satisfeita com os aplicativos e a vida digital local. Para cada modelo popular que conhecemos, há uma versão chinesa. O curioso é que nos últimos anos surgiram vários aplicativos chineses cujas funcionalidades não possuem versões ocidentais, como é o caso daqueles de pagamentos móveis e dos chamados “mini-apps”, aplicativos que funcionam dentro de outro aplicativo e que vêm revolucionando o mercado de internet local.

Para compras, o papel da Amazon é desempenhado por sites como o TaoBao, que vende de tudo e entrega em qualquer lugar. A logística é um dos diferenciais: muitas vezes a entrega é feita em até 30 minutos depois da transação, dando uma sensação de “tempo real” nas compras online.

Exemplo disso, que vi acontecer, foi um amigo fazer um pedido dentro de um trem-bala. Passou o número do trem, do assento e do vagão em que estava e disse em que estação gostaria de receber a entrega. Quando o trem chegou à estação, em 30 segundos uma pessoa entrou e entregou a comida —para meu espanto e de toda a equipe.

Para comunicação interpessoal, em vez de WhatsApp, predomina o WeChat. A diferença é que o aplicativo não é só para mensagens. Trata-se também de uma rede social, uma plataforma de pagamentos digitais e um portal de mini-apps. É possível integrar qualquer aplicativo dentro do WeChat: de comida, de transporte, de paquera e assim por diante.

A Netflix chinesa, por sua vez, chama-se iQiYi. A plataforma produz conteúdos, séries e programas autônomos de grande sucesso. A diferença é que emprega 4.000 engenheiros de software e de inteligência artificial.

A iQiYi usa inteligência artificial para editar os vídeos, escolhendo os planos que podem gerar mais impacto —além de conseguir enxergar por meio de visão computacional tudo o que está na tela (de que marca é um vestido, um boné, um sapato, uma cadeira e assim por diante). Isso permite que qualquer item no vídeo se torne clicável, criando uma plataforma permanente para comércio e marketing.

Outro segmento em que o país está à frente é o do live streaming, a capacidade de transmitir vídeos em tempo real. Empresas como KauiShow apostam no conceito de que “todo mundo pode ser um storyteller”, focando as histórias da população mais pobre, nas zonas rurais ou na periferia das grandes cidades.

O resultado é uma massificação do streaming ao vivo. Todos os anos há concursos de popularidade entre os “livestreamers”. E mais: eles são normalmente remunerados pelos próprios usuários que, durante as transmissões, dão “presentes virtuais”, como florzinhas, carrinhos, aviõezinhos e assim por diante. Só que cada um vale dinheiro de verdade.

Essas plataformas são hoje amplamente usadas para o comércio (o “livestreamer” fica vendendo produtos ao vivo) e para educação. Há professores de química, geografia e matemática que ficaram famosos por suas aulas ao vivo nas plataformas (e ganham dinheiro com isso).

Outro ponto que chama a atenção é o cuidado das empresas chinesas em se certificar de que o usuário das plataformas é uma pessoa de verdade, não um robô ou algo do tipo. Qualquer pessoa pode se inscrever facilmente para assistir a vídeos e ler conteúdos na internet.

No entanto, para postar conteúdos ou transmitir, é preciso passar por um processo de certificação. Por exemplo, o usuário deve usar a plataforma por pelo menos uma hora por dia, por sete dias consecutivos. E deve ter ao menos sete seguidores.

Em caso de dúvida, a plataforma pode pedir a outra pessoa que garanta que o usuário é real. Note-se que esse processo é diferente da censura a conteúdos na China, que existe e é notoriamente conhecida. Nesse caso, os procedimentos são exigidos pela própria plataforma para impedir o exército de robôs que tomou conta de muitas redes sociais. Esses passos aumentam enormemente os custos de criar contas automatizadas em redes sociais, eliminando boa parte do problema.

QINGDAO: O BERÇO DO TREM-BALA

Faça um experimento. Entre no Google Maps e dê um zoom no mapa da China para visualizar a rede de trem-bala. Em 2008, o país tinha míseros 113 km de linhas de ferro de alta velocidade, construídas para a Olimpíada daquele ano. Um decênio depois, a China já possui 29 mil km de linhas de trem-bala, conectando 30 das 33 províncias do país e praticamente todas as grandes cidades.

Planeja-se que até 2025 mais 10 mil km serão construídos. Quando o trem-bala chega a um lugar, tudo muda. Cidades que estavam em regiões econômicas totalmente distintas passam a se comunicar e a fazer comércio —estreitando a integração de pessoas e serviços.

Os trens mais modernos viajam, em média, a 350 km por hora, de modo que um percurso de Pequim a Xangai dura cerca de 4 horas e 55 minutos. O preço fica em torno de R$ 180. Se houvesse um trem-bala entre São Paulo e Salvador, a viagem poderia ser feita em pouco mais de cinco horas e meia. O resultado seria a integração entre as regiões Sudeste e Nordeste, permitindo o aproveitamento de vantagens competitivas de cada uma e aprofundando comércio e atividade econômica.

A fábrica dos veículos fica na cidade de Qingdao, que, no passado, foi colônia alemã. O trem-bala é um exemplo de como políticas públicas no país são feitas abrangendo todos os segmentos da sociedade, ricos e pobres. Um exemplo é o período do Ano-Novo chinês, uma data móvel que dura 40 dias e geralmente cai entre janeiro e março.

Nessa época, os trabalhadores viajam em algum momento para visitar familiares em outras cidades. Cerca de 3 bilhões de viagens são realizadas (um dos maiores movimentos migratórios do planeta). No total, 5.600 trens operam com capacidade total, sendo responsáveis por 60% dos deslocamentos, antes feitos principalmente por ônibus e trens regulares.

Em outras palavras, o processo de inovação da China conjuga não apenas tecnologia da informação, inteligência artificial e outros projetos de ponta, mas também investimento em infraestrutura e logística com vistas a atender a todos os segmentos da população.

UM ALMOÇO EM LUOYANG

Luoyang foi a primeira capital da China e é uma cidade pouco visitada por brasileiros. Apesar disso, é central para a história do país. Não só por estar no meio geográfico, mas por ser o berço do budismo no país.

Foi ali que se criou o primeiro templo budista na China, o Templo do Cavalo Branco. Tem esse nome em referência ao monge Xuan Zang, que foi até a Índia em uma longa viagem, onde buscou e traduziu as escrituras budistas do sânscrito para a língua local —e fundou o templo.

O que me levou a Luoyang não foi nada relacionado à tecnologia, mas um almoço com os pais de uma amiga chinesa que hoje mora em Nova York. O casal teve duas filhas — a primeira, que é cientista da computação de sucesso e se mudou para a Austrália, e minha amiga, que atualmente é professora da Universidade de Nova York (NYU).

Para visitá-los, pegamos um ônibus (cuja tarifa é 30 centavos de real) em direção a um conjunto habitacional na periferia. No caminho, minha amiga me contou que os pais nunca quiseram se mudar de lá. A razão é que têm acesso a comida de ótima qualidade e fresca, fornecida por produtores locais. Além disso, todos os amigos também continuaram morando na vizinhança e, segundo eles, “nada melhor do que envelhecer próximo aos amigos”.

A família mora em um apartamento muito pequeno, no primeiro andar de um antigo prédio na divisa entre a área urbana e a zona rural da cidade. O almoço é servido em uma mesa posta no quarto de dormir, já que não existe sala de jantar no imóvel. Os pais ficaram surpresos, mas felizes com a visita do “laowai” (estrangeiro) vindo do Brasil.

No cardápio, abobrinha refogada no molho de tomate, peixe frito e macarrão de trigo, tudo muito bom. Pergunto ao pai, que tem 74 anos, mas parece menos, o que ele come para se manter com aparência tão jovial. Ele me responde que, na verdade, passou na adolescência e, com isso, adquiriu o hábito de comer muito pouco. E comer muito pouco faz bem para a saúde, segundo ele. Imediatamente engulo em seco, pensando no que poderia dizer.

A história dessa família é a história dos 750 milhões que saíram da pobreza no país. Os pais nasceram na zona rural, ficaram sem emprego e sem ter o que comer. Por anos, cuidaram apenas da sobrevivência básica. Com o início do processo de industrialização nos anos 1980, conseguiram emprego em uma fábrica em Luoyang, onde se conheceram e se casaram.

O trabalho na fábrica permitiu que conseguissem comida na mesa, um relógio, um rádio e uma bicicleta. Permitiu também o mais importante: dar educação de primeira qualidade para as duas filhas. Hoje, quando veem o enriquecimento do país, sentem-se orgulhosos. Têm a sensação de viver no melhor lugar possível.

Dizem que não precisam de muito dinheiro. O transporte público é gratuito para idosos, a assistência médica é boa, os amigos estão por perto e a comida está garantida e é da melhor qualidade.

Mais importante, possuem todos os motivos do mundo para se orgulhar das duas filhas brilhantes, que seguiram carreiras tão diferentes das que tiveram. Ambas visitando-os sempre que podem e, mais importante, acessíveis a qualquer momento pelo toque do aparelho celular.

Ronaldo Lemos é advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha.

 

 

Desaceleração foi agravada de forma desnecessária’, diz Eichengreen

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Segundo professor americano, guerra comercial piora cenário global e risco de recessão aumentou

Entrevista com Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia

Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo – 11 de agosto de 2019

Apesar de o mundo passar por uma fase natural de desaceleração econômica, os Estados Unidos têm “agravado o problema de forma significativa e desnecessária com a guerra comercial”, diz Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia. Segundo o economista, o embate entre as duas maiores potências deixou de ser comercial e passou a ser visto por políticos americanos como um conflito sobre segurança nacional e influência. “Uma nova guerra fria”. O risco de a disputa gerar uma recessão global aumentou e, caso esse cenário se verifique, o Brasil não terá como fugir, acrescenta. A seguir, trechos da entrevista.

A desaceleração global faz parte dos ciclos da economia ou poderia ser evitada caso não houvesse incertezas geradas pela guerra comercial ou pelo Brexit?

As fases de crescimento não duram para sempre e o crescimento nos EUA já dura dez anos. Há forças naturais gerando uma desaceleração gradual, mas estamos agravando o problema de forma significativa e desnecessária com a guerra comercial, que é uma questão mais séria (para a economia) que o Brexit. Estaríamos melhor com uma política estável e previsível, mas não é o que temos em Washington nem em outras capitais. Há incertezas na Itália e problemas econômicos em países como a Turquia.

Em 2018, o sr. disse que a probabilidade de haver guerra comercial era de 25%. O que aconteceu diferente do que previa?

A natureza do conflito foi redefinida. Antes, era sobre balança comercial, sobre o fato de a China estar com superávit em relação aos EUA. Agora, é um conflito sobre influência, sobre sistemas políticos incomparáveis, rivalidade de grande poder, segurança nacional. Uma nova guerra fria. Isso é muito mais difícil de se resolver. Definir influências e ter certeza de que a China não usará tecnologias para espiar os EUA são preocupações que não irão embora. Não apenas (o presidente Donald) Trump, mas democratas e republicanos no Congresso agora veem o conflito como uma questão sobre segurança nacional. Como o debate mudou, estou mais pessimista.

O sr. vê alguma possibilidade de solução?

Esses problemas poderiam ser resolvidos se tivéssemos líderes mais sutis e intelectualmente flexíveis. Eles poderiam perceber que China e EUA precisam trabalhar juntos para resolver os problemas do mundo, sejam de segurança, mudança climática ou quaisquer outros. Mas as pessoas que temos neste momento, especialmente na Casa Branca, não têm flexibilidade mental para entender que a única solução é trabalhar junto e que, se guerrear com a China até a morte, isso será prejudicial para EUA, China e todo o mundo. Melhores líderes produziriam melhores resultados, mas temos os líderes que temos.

Esse cenário só vai mudar então depois das eleições americanas de novembro de 2020?

Que alguém será eleito em 2020 é uma boa e uma má notícia. Boa porque esse alguém será mais inteligente e melhor negociador, qualquer um seria. Mas a má notícia é que há uma mudança permanente e irreversível no modo pelo qual os políticos americanos, de forma geral, veem a China: como rival geopolítica. Essa mudança não será revertida independentemente de quem for eleito.

O sr. já disse que não sabia se uma recessão poderia ser evitada em caso de guerra comercial. Estamos próximos de uma recessão global?

Agora que a guerra comercial está escalando e afetando o mercado financeiro vai haver impacto nos negócios americanos, em como a Apple vai produzir na China, por exemplo. Conflitos comerciais levam tempo para se mostrarem negativos para o crescimento. Quando Trump começou com as tarifas, a primeira coisa que as empresas americanas fizeram foi importar mais da China para ter estoque. Depois, importaram menos. Agora, os efeitos negativos no comércio e na produção estão se materializando.

Qual a probabilidade de haver recessão?

Em 2019, o risco ainda é baixo e a pergunta é se a recessão se desenvolve antes ou depois das eleições. O ciclo de crescimento dos EUA será muito longo e antigo nesse ponto, o mercado de trabalho estará apertado. Será apropriado, com o mercado de trabalho apertado e a inflação começando a subir, o Fed (o banco central americano) começar a elevar a taxa de juros? Com a pressão da Casa Branca? Ninguém sabe. Então a resposta para sua pergunta depende do que o Fed fizer e de Trump realmente colocar em prática mais tarifas sobre os US$ 300 bilhões de importações chinesas (medida anunciada há duas semanas). Não posso te dar uma probabilidade, mas é claro que os riscos estão aumentando.

Quais impactos para o Brasil?

Depende do mercado de exportação, tanto de commodities agrícolas como de uma variedade de manufaturas. Pode haver alguns impactos positivos se a China não importar mais soja dos EUA, mas, se os EUA e o mundo desacelerarem, a má notícia é para todos nós, e nós inclui o Brasil.

O Brasil está em crise há cinco anos. O novo governo está no rumo correto para mudar isso?

O governo não deve escolher entre fazer reformas estruturais ou se preocupar com equidade e inclusão econômica. Deve tentar os dois. Fazer reformas e não prestar atenção para inclusão não é sustentável. Vocês tiveram um governo (de Dilma Rousseff) que foi derrubado porque favoreceu inclusão, mas foi incapaz de fazer reforma estrutural. Agora têm um governo que faz reforma, mas não se preocupa com inclusão. Esse governo não terá vida longa. As pessoas que ficarem para trás vão reagir. Tem de fazer os dois. Nós não somos muito bons em fazer ambos nos EUA. Fazemos reformas, mas não temos Estado de bem-estar social.

O sr. afirmou que, na Turquia, o governo de Recep Tayyip Erdogan minou a liberdade de imprensa e o Estado de direito, o que é negativo para atrair investimento. O presidente Jair Bolsonaro pode estar indo por um caminho semelhante?

Para alguém de fora, é cedo para dizer. Bolsonaro chegou e disse que iria resolver o problema da corrupção, mas isso obviamente não aconteceu. Ainda há problemas de corrupção e de nepotismo. Ele tem tempo para trabalhar.

O sr. publicou um livro sobre populismo (The Populist Temptation). Vê relações entre o cenário econômico global e a ascensão do populismo?

O desencantamento com a economia é um fator-chave para a ascensão de populistas. O crescimento que temos beneficia os mais ricos e há insegurança econômica, com emprego e renda. Os governos demoraram em responder isso e a insatisfação econômica abriu a porta para políticos de fora do ‘mainstream’.

“É preciso apagar a ideia de que reduzir a desigualdade é coisa de comunista”

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Ex-economista do Banco Mundial, Martin Ravallion agora dá aulas em Georgetown. De família humilde, sofreu em primeira pessoa o impacto da pobreza antes de lutar contra ela

Uma hora de conversa com Martin Ravallion (Sidney, 1952) é o mais parecido a um livro de macroeconomia aberto em duas páginas: a da desigualdade e a das falhas do capitalismo do século XXI. Pai da tabela de um dólar (4 reais) diário como linha global de pobreza quando era economista do Banco Mundial — onde anos depois dirigiu seu prestigioso grupo de pesquisa para o desenvolvimento —, é desde 2013 professor da Universidade Georgetown (EUA). Ravallion, instalado há anos entre os 100 economistas mais reconhecidos do mundo de acordo com a classificação do Ideas-Repec, sabe bem o significado da desigualdade: nasceu em uma família pobre, sofreu na própria carne o que significa viver com dificuldades e decidiu que “não queria ser pobre” nunca mais, como disse quando recebeu o prêmio Fronteiras do Conhecimento BBVA, em 2016. “Todos os meus papers são muito chatos”, diz rindo ao EL PAÍS pouco depois de dar uma conferência organizada pela Oxfam no Colégio do México. Não é verdade: o australiano é um dos especialistas que melhor explicam, com palavras ao alcance de todos, por que a iniquidade é um dos grandes problemas globais de nosso tempo.

Pergunta. A pobreza extrema caiu bastante nas últimas décadas, mas a desigualdade ofuscou essa boa notícia.

Resposta. A desigualdade global, entendida como aquela entre todos os habitantes do planeta e em termos relativos, também caiu. Não tanto como a pobreza, mas caiu. E isso é algo que costuma confundir as pessoas.

P. Cito um recente estudo do Banco Mundial, que o senhor conhece bem: “A queda na taxa de pobreza desacelerou, aumentando dessa forma a preocupação sobre a consecução do objetivo de acabar com a pobreza extrema em 2030”. O que está acontecendo?

R. Parte disso tem a ver com a desaceleração (econômica) na África e com o fato de que a redução da pobreza teve a ver em boa medida com o boomdas matérias-primas, que se deteve. Mas são coisas que flutuam, e acho que não deveríamos ver isso como um grande problema: estamos no caminho, desde que não ocorra outra crise financeira global, para cumprir com o objetivo do próprio Banco Mundial de diminuir a 3% a pobreza extrema global em 2030. Ainda que, claro, não sou isento porque colocar esse número foi uma das últimas coisas que fiz no Banco Mundial (risos). Se traçarmos como meta o objetivo de desenvolvimento sustentável (das Nações Unidas) de “eliminar a pobreza” chegando a 0%, isso não ocorrerá sem uma grande mudança nas políticas: ao ritmo atual levará 200 anos.

P. Mas mesmo eliminar a pobreza extrema não quer dizer que deixarão de existir milhões de pessoas em situação de miséria.

R. De forma alguma. A linha de 1,90 dólares (7,5 reais) por dia é realmente baixa: imaginemos o pouco que se pode comprar com essa quantidade.

P. A desigualdade irrompeu na agenda, mas fala-se o suficiente dela?

R. Não, deveríamos falar mais e fazê-lo de maneira mais específica. Devemos nos centrar menos nas estatísticas e mais em aspectos concretos que possam atrair a atenção (da sociedade) e nos mobilizar à ação. Ainda que a desigualdade atraia maior atenção, a pobreza sempre dominou o debate. “Pobreza” é uma palavra popular e “desigualdade” não, mas, em parte, isso está mudando: a pobreza está se transformando em uma questão respeitável na literatura acadêmica e a sociedade é cada vez mais consciente.

P. A evolução recente na América Latina deve nos preocupar?

R. Sim. A situação da pobreza é muito melhor do que em outras regiões, como a África subsaariana, mas sua evolução está sendo pior. A desigualdade na América Latina é muito alta e isso é um problema, tanto ao crescimento econômico como à luta contra a pobreza. E a falta de consenso em relação a esse ponto é um grande problema: há muita complacência e muita falsa retórica. Toda a desigualdade é sempre ruim? Não, não é verdade. Há níveis de desigualdade que são positivos em termos de incentivos, ao crescimento e à própria redução da pobreza. Mas esse grau de desigualdade, como a desigualdade racial e de gênero, é inaceitável e devemos construir um consenso em torno disso.

P. Como?

R. É preciso mostrar mais às pessoas como a desigualdade é custosa. Não é somente ética e moralmente repulsiva: também é uma má notícia ao crescimento econômico. Se a desigualdade não é bem gerida não ocorre muito crescimento e não será possível aproveitar seus benefícios. Tudo está conectado.

P. Há um consenso quase total em torno à ideia de que a pobreza é negativa e deve ser combatida, mas não existe o mesmo consenso em relação à desigualdade. Por que alguns ainda veem na desigualdade um catalisador do crescimento?

R. Muita gente apela à ideia de que em um mundo sem desigualdade não haveria incentivos e, como dizia, há uma certa verdade nessa afirmação. Mas o objetivo não deve ser a desigualdade zero, e sim a pobreza zero. O objetivo deve ser um nível de desigualdade manejável, aceitável, que não se perpetue. Continuam existindo economistas que não prestam atenção às questões de distribuição de renda: nunca será possível fazer com que todos os economistas da academia concordem em algo. Mas não acho que alguém possa consultar a literatura disponível hoje e discordar do fato de que a desigualdade é um freio ao crescimento. Há 15 ou 20 anos, a maioria dos economistas pensava unicamente na eficiência e dizia que a desigualdade era positiva ao crescimento: novamente, depende dos níveis de desigualdade de que estamos falando, mas agora já são poucos. É significativo que o livro de economia mais vendido de todos os tempos seja um sobre desigualdade, O Capital no Século XXI, de Thoma Piketty.

P. Qual seria a desigualdade “aceitável”?

R. Não sei: sabemos quando é muito alta, como em muitos países latino-americanos hoje, e quando é muito baixa, como na extinta União Soviética, na China anterior aos anos oitenta. E quando nos movemos na direção correta.

P. Pensemos em um índice como o de Gini. Em que ponto deveria estar a iniquidade para que fosse “manejável”?

R. Não focaria tanto nos índices, e sim nas causas: é preciso existir boas condições de saúde, creches e escolas decentes, os jovens devem poder estudar na Universidade e desenvolver todo o seu potencial… Essas são as coisas que verdadeiramente importam: é preciso focar mais nas políticas do que nos índices e nas taxas. Também apagar a ideia de que querer reduzir a desigualdade é coisa de comunista: eu gostaria que o capitalismo funcionasse para todo mundo. E não vejo isso acontecer.

P. A pergunta de um milhão: como podemos fazer com que o capitalismo funcione para todos?

R. Principalmente, assegurando que o campo de jogo fique muito mais nivelado: tentando minimizar a desvantagem das crianças que nascem em famílias pobres. E isso requer uma intervenção a partir das menores idades: precisamos de políticas que corrijam essa iniquidade desde o começo.

P. Mas acha possível um capitalismo que funcione para todos.

R. Sem dúvida. Não disseram que o capitalismo é uma ideia terrível, mas melhor do que as outras? Não adoro o capitalismo, mas acho que não há nenhum outro sistema que possa se equiparar à economia de mercado. Dito isto, o capitalismo de hoje não é o mesmo do qual falava Adam Smith: se tornou menos competitivo e muito mais dominado por monopólios. Deveríamos nos preocupar por isso: como é a concorrência na indústria tecnológica, por exemplo? As coisas que um capitalismo verdadeiramente competitivo pode conseguir são incríveis, mas para isso precisamos nos assegurar de que a concorrência se mantenha e que se lide bem com a desigualdade. E para isso são necessárias boas políticas.

P. Aprendemos com os erros de políticas públicas cometidos no passado?

R. Não. É muito frustrante ver a falta de atenção dada à avaliação das políticas. Em parte, porque quase todos os políticos não querem escutar que seus programas não funcionam bem e em parte porque muitas vezes os programas são muito inflexíveis. Avançamos muito nos programas de avaliação de impacto desses planos nos últimos 20 anos, mas o maior desafio é que isso chegue ao processo político.

 

 

 

 

A irracionalidade e o imediatismo da economia contemporânea

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Vivemos em um mundo marcado por grandes transformações estruturais, num ambiente amplamente dominado pelos interesses monetários e financeiros, a economia se transformou no grande agente responsável pelos avanços sociais, dominando todas as áreas da gestão, da educação, da saúde, dos relacionamentos, da vida cotidiana, entre outras áreas e setores, transformando todas as relações entre os indivíduos e a coletividade em instrumentos monetizados e analisados pela lógica do dinheiro e das questões financeiras e imediatistas, gerando seres humanos frios, calculistas e desequilibrados.

Os modelos de gestão estão dominando todas as estruturas sociais e as decisões estratégicas, tudo deve ser pensado levando-se em consideração os pressupostos econômicos e financeiros, com isso, acabam tornando as decisões, cada vez mais técnicas e limitadas, levando as questões sociais a decisões puramente racionais, ou supostamente racionais, esquecendo-se de que seus impactos na vida das pessoas perpassam o imediatismo financeiro, na maior parte interessados apenas nas ganhos futuros que se concentram nas mãos de poucos e alteram a vida e a intimidade de muitos.

A tecnologia está entrando nas mais variadas áreas e setores, movidas na maioria das vezes, por interesses financeiros e monetários, eliminando setores em nome de uma racionalidade nefasta, gerando um rastro de desemprego conjuntural e estrutural, levando desesperanças e medos generalizados para todos os grupos, culminando em violências e exclusão social, sob a alegação de implementar um choque de gestão, muitas destas decisões destroem famílias e levam trabalhadores ao desemprego.

As decisões “racionais” observam apenas as questões superficiais, investimentos são feitos para construir naves espaciais para viagens estelares e férias em outros planetas ou galáxias, deixando de lado a cura de doenças que vitimam milhares de vidas em regiões pobres e miseráveis, estas pessoas vivem a margem do sistema, não possuem recursos monetários e sua sobrevivência pouco interessa aos donos do capital e aos senhores do dinheiro, com isso, são deixados de lado pelos laboratórios e são condenados a própria sorte num mundo marcado por uma alta liquidez e recursos financeiros abundantes. Muitos quando são lembrados, o são apenas para se tornarem cobaias de pesquisas científicas, ganhando pouco e colocando suas vidas em risco, como nos foi apresentado no filme O Jardineiro Fiel.

O sistema econômico atual não foi criado para satisfazer os interesses da sociedade, sua função é garantir aos donos do poder ganhos constantes e elevados, garantindo que suas empresas aumentem seu capital nas Bolsas, seus investimentos estejam sempre protegidos e suas fortunas cresçam de forma acelerada, garantindo a estes indivíduos e suas famílias uma posição de destaque na lista dos afortunados da Revista Fortune.

Na área da saúde percebemos um aumento constante no preço dos planos de saúde, inviabilizando os grupos de menos recursos, deixando-os entregues a própria sorte, sem coberturas e sem perspectivas de cura e tratamento médico. Os grupos dominantes cortam profissionais, automatizam as consultas e aumentam o uso de tecnologias variadas em atividades secundárias e aumentam, com isso, o descarte das pessoas, as que continuam empregadas ficam sujeitas a uma carga de trabalho insano, sendo obrigadas a trabalhar por outros profissionais que foram dispensados sob justificativa de racionalizar os processos e incrementar os serviços, estes cortes servem, na verdade, para garantir bônus volumosos para seus acionistas e retornos maiores para seus administradores.

Percebemos na área da saúde um incremento tecnológico que gera benefícios inestimáveis para a sociedade, estas novas técnicas são menos invasivas e melhoram a vida de muitas pessoas, levando lenitivos para muitos doentes, abrindo novas perspectivas num futuro próximo e uma melhor qualidade de vida. Estes benefícios são inegáveis e devem ser estimulados, cortar custos supérfluos e desnecessários devem ser uma tônica de todos os gestores, tendo como objetivo central uma melhora na qualidade de vida da sociedade e não única e exclusivamente incrementar os ganhos milionários dos grupos dominantes.

Vivemos em uma sociedade marcada pela ilusão da concorrência e da competição entre os agentes econômicos mas, na verdade, o que percebemos são monopólios nas mais variadas áreas e setores, onde poucos ganham fortunas e uma imensa maioria são expostos a um mercado selvagem e degradante que se baseia na exploração, nos cursos de autoajuda e na pregação das farsas da meritocracia e do empreendedorismo, temas que movimentam multidões e garantem lucros astronômicos para os poucos privilegiados que dificilmente acreditam nestes mantras e nestas pregações cotidianas.

A economia contemporânea apregoa uma defesa do pensamento liberal e das práticas concorrenciais como forma de geração de renda e de valor agregado, esquecendo-se de que, na atualidade a ideia da competição deve ser substituída pela cooperação entre os agentes econômicos, cooperar e compartilhar são verbos que devem ser estimulados e a competição e a concorrência devem ser revistas e regulamentadas sob pena de levar a sociedade a uma ampla desagregação social e ambiental, isto aconteceria porque os agentes apresentam formações e qualificações diferentes. Enquanto se fala de meritocracia em todos os livros textos de gestão, como se fosse um grande mantra da sociedade, percebemos que na prática a meritocracia é um sonho ainda muito distante desta sociedade, ainda marcada pela desigualdade e pela exclusão.

A área de educação também vem sendo transformada em um grande manancial de lucros e dividendos, onde os grandes grupos “educacionais” buscam um incremento acelerado nas matrículas e deixam de lado investimentos em qualidade, levando a educação a mais um dos imensos mercados altamente atrativos e lucrativos para os donos do dinheiro. Na atualidade, percebemos uma competição degradante, escolas de qualidade estão perdendo espaço na coletividade devido a chegada de grupos estrangeiros ou empresas educacionais que cobram mensalidades menores e seduzem os potenciais alunos com promessas de sucesso e bons empregos, mas na verdade, entregam um produto de péssima qualidade, gerando dívidas impagáveis e tornando-os profissionais diplomados, desempregados e sem perspectivas.

Neste ambiente, percebemos muitas escolas sérias e tradicionais serem adquiridas por grupos financeiros sem nenhuma experiência na área do conhecimento e da formação educacional, que introduzem planilhas complexas e avaliações de rendimento centrada em princípios do mercado financeiro, demitem professores qualificados e contratam profissionais sem conteúdo pagando salários reduzidos, com isso, diminuem o preço das mensalidades, enchem as salas de aulas e entregam para as famílias uma formação deficiente e desatualizada, muito longe das necessidades da sociedade mundial e da chamada Indústria 4.0.

O poder exagerado da gestão, focada nos lucros monetários e financeiros, vem crescendo de forma acelerada nos últimos anos, as empresas dominam o cenário econômico e expandem seu poder em variadas regiões, transformando a gestão em um instrumento de ganhos imediatistas, esquecendo-se de que cabe ao gestor um planejamento seguro e equilibrado para que as empresas se consolidem e se perpetuem como agentes de melhoria e maior qualidade de vida, levando a um progresso social inclusivo e a um desenvolvimento econômico.

O poder da gestão é tão intenso e estruturado, que em todas as áreas percebemos sua influência, setores como a religião vem incorporando as técnicas de gestão como instrumento de administração e incremento de seus lucros, nestes setores percebemos gestores gerindo dízimos e donativos de forma profissional e Igrejas sendo sondadas para a abertura de capital em Bolsas de Valores, distorcendo seus verdadeiros ideais em prol de uma lucratividade insana com graves impactos para a coletividade. Nesta sociedade, as religiões estão se transformando em um grande negócio, seus investimentos estão sendo levado a inúmeros setores, desde empresas de mídia e lojas comerciais, enquanto os valores da religião centrados na solidariedade e na empatia estão sendo substituídos por valores financeiros, materiais e imediatos.

A obsessão pela tecnologia está deixando leva de trabalhadores desempregados e sem perspectivas profissionais, muitas máquinas e equipamentos são desenvolvidos para melhorar processos e incrementar decisões, melhorando os fluxos de informações e acelerando estratégias, com isso, percebemos uma redução nos custos das empresas e uma melhora em seus valores de mercado, os ganhos advindos destas medidas são distribuídos com seus acionistas e seus funcionários, agora chamados de colaboradores, se engalfinhando para sobreviver no mercado, mesmo sabendo que esta sobrevivência está associada a um aumento acelerado na carga de trabalho, a uma redução nos rendimentos e a uma piora na qualidade de vida.

Neste ambiente encontramos visões contaminadas por supostos especialistas, profissionais com visibilidade na mídia, nos jornais e nas revistas especializadas, indivíduos treinados e capacitados, com uma visão limitada de sociedade centrada no interesse do capital e dos donos do dinheiro. São profissionais dotados de grandes conhecimentos que se vendem no mercado e passam a defender aqueles que possuem recursos para pagar seus elevados honorários, desconhecendo as origens dos recursos e a degradação destes para a sociedade.

Nesta sociedade, percebemos o poder da economia como uma ciência matemática, responsável pela geração de lucros e dividendos, com isso, deixamos de lado a importância da economia como uma ciência da escassez, criada para gerir os recursos da sociedade e melhorar a distribuição, garantindo que todos tivessem acesso ao essencial e, com isso, poderem sobreviver de forma digna e construir boas perspectivas de futuro para si e para seus descendentes.

Na sociedade contemporânea, a economia e a gestão estão se transformando em um instrumento de maximização dos lucros dos grandes grupos econômicos e financeiros, seus interesses mais imediatos visam saciar seu estilo de vida centrados no hedonismo e na busca acelerada por prazeres materiais e gozos sexuais, deixando de lado o planejamento e a construção de bases sociais mais sólidas e sustentáveis.

Numa sociedade onde a tecnologia se coloca como o grande gerador de desemprego, criando medo e desesperança para os grupos com menores oportunidades e qualificações, muitos trabalhadores são obrigados a aceitar formas de trabalho degradantes e jornadas excessivas sob pena de ficarem sem emprego e sem condições de sobrevivência. Estes trabalhadores são “obrigados” a aceitar trabalho em finais de semana e feriados, levando o empregador a criar escalas absurdas que devem ser seguidas pelo trabalhador, com isso, o funcionário é obrigado a se ausentar de sua casa e relegar sua família a uma condição secundária, nestes ambientes percebemos um incremento da degradação das famílias, uma piora nas relações entre pais e filhos e um aumento considerável da violência e da exclusão social, obrigando as escolas a assumirem um papel que, em todas as sociedades desenvolvidas, deve ser exercido pela família.

O pior desta situação é que os trabalhadores perderam seus instrumentos de proteção, em uma sociedade com um desemprego acelerado são obrigados a condições indignas e cobranças exageradas, com isso se degradam e devem aceitar esta condição de forma pacífica e subserviente, sem reclamar, sem fazer greves e sem se filiar a movimentos sindicais, mesmo porque, muitos destes sindicatos se mostraram, ao longo do tempo, sem condições de amparar seus filiados e prepará-los para as mudanças em curso na sociedade global, muitos deles se comportaram como verdadeiros cabides de empregos e refúgio de pessoas desqualificadas e desonestas.

Outro setor que devemos acompanhar com atenção e responsabilidade é o Meio Ambiente, este setor vem se degradando de forma acelerada nos últimos anos, muito desta degradação está vinculada ao domínio de uma visão imediatista de gestão centrada nos lucros e nos ganhos financeiros, por esta visão, que está cada vez mais dominante neste setor e no mundo econômico, a sociedade deve incrementar a exploração do ambiente como forma de retirar da pobreza e da indignidade muitas famílias e grupos sociais que vivem em situação de risco. Precisamos compreender que a situação de indignidade destas famílias está muito mais associada e uma visão limitada da gestão e dos negócios do que a falta de recursos para a produção. A preservação do Meio Ambiente é condição fundamental para que tenhamos um futuro digno e decente, as terras e os recursos naturais disponíveis são suficientes para que a população viva de forma decente, mas para que isto aconteça faz-se necessário que os abutres financeiros se conscientizem de que precisam retirar uma parte condizente com seus esforços e merecimentos, e deixem para os outros grupos sociais os recursos referentes a seus méritos, enquanto esta divisão for desigual os resultados desta equação serão sempre marcados pela exclusão social e pela desigualdade crescentes, onde os grandes prejudicados serão os mais pobres e marginalizados.

A economia contemporânea e os modelos de gestão precisam retomar as suas origens e repensar seus papéis na sociedade, se estes instrumentos continuarem a se limitar a ganhos financeiros e monetários improdutivos, a sociedade tende a mergulhar em condições degradantes, com desemprego em ascensão e um crescimento exponencial de indivíduos desequilibrados e doentes mentais, dotados de um individualismo crescente e desagregador incapaz de pensar e de se solidarizar com as dores dos outros, neste momento perceberemos que nossa sociedade está caminhando realmente para o caos e para a degradação social, sendo urgente alterar a rota e direcionar a sociedade para um novo caminho, mais sustentável e equilibrado.

Numa sociedade marcada pela centralidade do dinheiro e do poder econômico, os gestores e os economistas ligados a este poder financeiro se arvoram de um poder e de uma arrogância excessivos, definindo regras e escolhendo os ganhadores e transformando tudo em mercadoria, desde a educação, a saúde, os relacionamentos e a segurança, neste ambiente, os grupos mais vulneráveis da sociedade estão sempre em situação de marginalidade e de degradação,  vivendo a margem e convivendo no cotidiano com os dramas e os traumas de uma coletividade degradada pelo poder do dinheiro e da falta de solidariedade entre os indivíduos.

 

 

Sociedade precisa se convencer do problema que é a desigualdade, diz Martin Wolf

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Para comentarista-chefe do jornal Financial Times, ascensão do populismo é um dos sintomas da ‘doença’ da disparidade de renda

Fernando Canzian – Folha de São Paulo, 07/08/2019

LONDRES

Para Martin Wolf, 73, comentarista-chefe do jornal Financial Times, a ascensão do populismo é sintoma da “doença” da desigualdade de renda e só tem a oferecer respostas que tornarão as sociedades “mais furiosas, menos justas e mais violentas”.

Segundo ele, o populismo de direita é quase sempre “uma fraude”. “O de esquerda pode ser mais produtivo, mas apenas se for muito disciplinado”. O risco, diz, é terminar como a Venezuela. Wolf, um dos mais conceituados colunistas de economia e finanças da atualidade, afirma que a sociedade precisa se convencer de que a desigualdade é um problema.

As evidências mostram importante aumento da desigualdade de renda em praticamente todos os países. Há meios de reverter ou atenuar essa tendência?

É importante perceber que, embora existam tendências subjacentes que podem ser vistas no mundo todo, o que sugere que algumas forças econômicas estão presentes, também vemos enormes diferenças [em relação ao grau de desigualdade] entre países com níveis similares de renda. Isso evidencia que há coisas a serem feitas.

Se você tiver uma educação de alta qualidade, como alguns países da Europa continental e o Japão, isso reduz a desigualdade drasticamente.

Há políticas de gastos e de impostos. Há regulamentações e normas que afetam a economia. Há o papel dos sindicatos e o de outras atividades humanas que, de modo cumulativo, fazem muita diferença. Em última análise, todas essas coisas refletem até que ponto a igualdade é uma norma social.

Se uma sociedade como um todo não acredita que seja possível um grau razoavelmente alto de igualdade, e de igualdade de oportunidades para filhos de pessoas pobres, será impossível obter um alto nível de educação para todos.

Se tivermos apenas sociedades muito heterogêneas, com níveis relativamente limitados de solidariedade, sobretudo entre ricos e pobres, as instituições não forçarão a igualdade, o governo será indiferente a essa questão e nada vai acontecer.

Ao contrário de respostas solidárias, o que se vê em todo o mundo são respostas populistas, sobretudo da direita, não?

O populismo de direita é quase sempre uma fraude, porque essencialmente é uma maneira de desviar a atenção e ignorar as pessoas que estão sofrendo com a desigualdade. Coloca-se a culpa nos imigrantes, nos estrangeiros, nos criminosos, e os verdadeiros problemas não são enfrentados.

Acho que o populismo de direita é sempre uma armadilha e um delírio. O populismo de esquerda pode ser mais produtivo, mas apenas se for muito disciplinado. Se você só gastar muito dinheiro sem pensar a respeito, pode acabar como a Venezuela.

O populismo é um sintoma dessa doença [a desigualdade], e às vezes dá uma resposta ou outra, mas nunca a resposta final. É preciso respostas mais inteligentes e, acima de tudo, que a sociedade realmente acredite que esse é um problema a ser enfrentado.

O sr. diria que Donald Trump, brexit e políticos de esquerda e de direita são produtos da desigualdade?

Diria que são em parte produto da desigualdade, sim. Eles também são o resultado da estagnação e até certo ponto o resultado da mudança cultural. Mas a desigualdade ou a crescente desigualdade é uma parte disso.

O que me preocupa é que respostas como Trump e brexit não farão nada para resolver o problema. Na verdade, vão piorar as coisas e vão encorajar as pessoas a culpar algum outro grupo, muitas vezes mais vulnerável. Isso tende a tornar a sociedade ainda mais dividida. Essas respostas são uma consequência de males sociais, mas nunca serão uma solução para isso.

Tivemos uma longa experiência com o populismo de direita no mundo nos últimos 150 anos que levou, na minha opinião, ao desastre. O populismo de esquerda geralmente fez a mesma coisa, de maneira bastante uniforme.

Então, o que me preocupa é que ao mesmo tempo em que entendo o ultraje populista, entendo a necessidade de mudança. Sinto que os políticos populistas só oferecem respostas que tornarão nossas sociedades mais furiosas, menos justas, mais amargas e violentas.

Alguns acadêmicos defendem a implementação de renda básica universal para atenuar a desigualdade. O que o sr. acha?

Eu diria que essa não é a resposta fundamental. Se você tiver condições de aumentar substancialmente os impostos, então pode adotar gastos para tornar a sociedade um lugar melhor, e menos desigual. Mas a renda básica não é suficiente para atingir esse objetivo.

Porque ainda haveria o problema da educação, que não se resolve com renda básica. Haveria a questão da preocupação com o nível de prosperidade da sociedade, que depende fundamentalmente do investimento em infraestrutura e em tudo o que torna uma sociedade produtiva.

Para fazer um programa desses funcionar, de modo que se dê uma renda mínima a todos, seria preciso elevar o nível dos impostos para um patamar muito alto. E é óbvio que, quando se pensa nisso, será preciso tirar dinheiro da classe média e depois devolver isso a ela. A renda básica não vai resolver muitas das coisas das quais dependem a vitalidade, a prosperidade e as perspectivas de uma sociedade. Preocupa-me que isso esteja sendo apresentado como uma panaceia.

 

Classe média encolhe no Ocidente, mas China puxa renda global

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Apesar do avanço dos asiáticos, EUA e Europa concentram a maior fatia de altos rendimentos 

Fernando Canzian – Folha de São Paulo, 05/08/2019

WASHINGTON

Para o economista Rakesh Kochhar, do Pew Research Center, de Washington, a China é o país que mais tem contribuído para o aumento da classe média no mundo.

Segundo ele, vários fatores levam, porém, ao encolhimento desse estrato no Ocidente.

 

Os países asiáticos, sobretudo a China, estão tirando rapidamente milhões de pessoas da pobreza extrema e, ao contrário do que ocorre no Ocidente, têm ampliado as suas classes médias. Quais as perspectivas futuras desse processo?

Consideramos a distribuição das pessoas em cinco grupos. Começamos no nível de pobreza e vamos para os grupos de baixa renda, renda média, renda média alta e renda alta.

A renda média engloba pessoas que ganham entre US$ 10 a US$ 20 ao dia. Globalmente, o número de pessoas com essa faixa de rendimentos médios dobrou a partir de 2000.

Grande parte desse crescimento veio apenas da China, responsável por mais da metade desse aumento. Por isso, a história do crescimento da classe média em alguns locais do mundo deve-se ao grande número de pessoas na China que se beneficiaram de um tremendo crescimento, baseado em reformas econômicas iniciadas na década de 1980.

Secundariamente, há crescimento da classe média vindo também da América Latina, particularmente da Argentina e do Brasil. Essa região contribuiu com cerca de 50 milhões de pessoas que recentemente chegaram à renda média neste século.

Em outros países em rápido crescimento, como a Índia, principalmente, pessoas migraram da pobreza para o grupo de baixa renda. Mas um grande número de pessoas ainda têm de ser colocado no grupo de renda média, de acordo com o padrão global.

Portanto, há crescimento, mas ele não é igualitário. Alguns países de renda média ainda estão atrás da curva em comparação a outros de renda alta, como a Europa Ocidental ou os Estados Unidos e o Canadá, onde a classe média alta prevalece.

Houve alguma melhora no sentido de alcançá-los. Mas a grande maioria, entre 80% e 90% das pessoas consideradas globalmente como de renda alta, ainda vivem nesses países do Ocidente.

Quando se fala em concentração de renda e do encolhimento da classe média no Ocidente, muitos apontam para a Ásia como uma das causas, devido ao deslocamento da produção industrial para lá. Mas há outros aspectos, como a diminuição dos sindicatos e a tecnologia. Qual a sua opinião?

Há uma infinidade de fatores aqui. Infelizmente, não temos uma boa resposta para o quanto determinado aspecto contribuiu para a diminuição da participação da classe média.

O declínio dos sindicatos, associado ao declínio da indústria manufatureira, desempenhou um papel importante.

A globalização e a concorrência, com mais mão de obra no exterior capaz de fazer o trabalho que se fazia nos Estados Unidos, por exemplo, desempenham um papel também.

O mesmo acontece com a tecnologia. A maioria das pessoas diz que a tecnologia tem mais a ver com isso do que qualquer outra coisa.

Por tecnologia entendemos aquele engenheiro que projeta o carro e é muito produtivo. Ele ou ela realmente se beneficia da informatização. Essa pessoa é produtiva e é bem paga.

Mas a mesma informatização, ou automação, tira o trabalho da pessoa que costumava montar o carro. Ela é substituída, e seus rendimentos e empregos sofrem pressão.

A maioria apontaria para a tecnologia, a globalização e o enfraquecimento dos sindicatos como forças que contribuíram para o declínio da classe média. Mas é impossível definir se isso explica 50% ou 80% do problema

O significado da vida em um mundo sem trabalho, segundo Yuval

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A maioria dos empregos que existem hoje pode desaparecer dentro de décadas. À medida que a inteligência artificial supera os seres humanos em tarefas cada vez mais, ela substituirá humanos em mais e mais trabalhos. Muitas novas profissões provavelmente aparecerão: designers do mundo virtual, por exemplo. Mas essas profissões provavelmente exigirão mais criatividade e flexibilidade, e não está claro se os motoristas de táxi ou agentes de seguros desempregados de 40 anos poderão se reinventar como designers do mundo virtual (tente imaginar um mundo virtual criado por um agente de seguros!?). E mesmo que o ex-agente de seguros de alguma forma faça a transição para um designer de mundo virtual, o ritmo do progresso é tal que, dentro de mais uma década, ele pode ter que se reinventar novamente.

O problema crucial não é criar novos empregos. O problema crucial é a criação de novos empregos que os humanos apresentam melhor desempenho do que os algoritmos. Consequentemente, até 2050, uma nova classe de pessoas poderá surgir – a classe desocupada. Pessoas que não estão apenas desempregadas, mas desempregáveis. A mesma tecnologia que torna os seres humanos inúteis também pode tornar viável alimentar e apoiar as massas desempregadas através de algum esquema de renda básica universal. O problema real será, então, manter as massas ocupadas e o conteúdo. As pessoas devem se envolver em atividades propositadas, ou ficam loucas. Então, o que a classe desocupada irá fazer o dia todo?

Uma resposta pode ser jogos de computador. Pessoas economicamente redundantes podem gastar quantidades crescentes de tempo dentro dos mundos da realidade virtual 3D, o que lhes proporcionaria muito mais emoção e engajamento emocional do que o “mundo real” externo. Isso, de fato, é uma solução muito antiga. Por milhares de anos, bilhões de pessoas encontraram significado em jogar jogos de realidade virtual. No passado, chamamos essas “religiões” de jogos de realidade virtual.

O que é uma religião, se não um grande jogo de realidade virtual desempenhado por milhões de pessoas juntas? Religiões como o Islã e o Cristianismo inventam leis imaginárias, como “não comem carne de porco”, “repita as mesmas preces um número determinado de vezes por dia”, “não faça sexo com alguém do seu próprio gênero” e assim por diante. Essas leis existem apenas na imaginação humana. Nenhuma lei natural exige a repetição de fórmulas mágicas, e nenhuma lei natural proíbe a homossexualidade ou a ingestão de porco. Muçulmanos e cristãos atravessam a vida tentando ganhar pontos em seu jogo de realidade virtual favorito. Se você reza todos os dias, você obtém pontos. Se você esqueceu de orar, você perde pontos. Se, no final da sua vida, você ganhar pontos suficientes, depois de morrer, você vai ao próximo nível do jogo (também conhecido como o paraíso).

Como as religiões nos mostram, a realidade virtual não precisa ser encerrada dentro de uma caixa isolada. Em vez disso, ele pode se sobrepor à realidade física. No passado, isso foi feito com a imaginação humana e com livros sagrados, e no século 21 pode ser feito com smartphones.

Algum tempo atrás, fui com o meu sobrinho de seis anos, Matan, para caçar Pokémon. Enquanto caminhávamos pela rua, Matan continuava a olhar para o seu telefone inteligente, o que lhe permitia detectar Pokémon à nossa volta. Eu não vi nenhum Pokémon, porque não carregava um smartphone. Então vimos outras duas crianças na rua que estavam caçando o mesmo Pokémon, e quase começamos a lutar com eles. Parecia-me como a situação era semelhante ao conflito entre judeus e muçulmanos sobre a cidade sagrada de Jerusalém. Quando você olha a realidade objetiva de Jerusalém, tudo que você vê são pedras e edifícios. Não há santidade em qualquer lugar. Mas quando você olha através de smartbooks (como a Bíblia e o Alcorão), você vê lugares sagrados e anjos em todos os lugares.

A ideia de encontrar um significado na vida ao jogar jogos de realidade virtual é, evidentemente, comum não apenas às religiões, mas também às ideologias seculares e estilos de vida. O consumo também é um jogo de realidade virtual. Você ganha pontos adquirindo carros novos, comprando marcas caras e tendo férias no exterior, e se você tiver mais pontos do que todos os outros, dizendo a si próprio que ganhou o jogo.

Você pode contrariar dizendo que as pessoas realmente gostam de seus carros e férias. Isso certamente é verdade. Mas os religiosos realmente gostam de orar e realizar cerimônias, e meu sobrinho realmente gosta de caçar Pokémon. No final, a ação real sempre ocorre dentro do cérebro humano. Não importa se os neurônios são estimulados observando pixels em uma tela de computador, olhando para fora das janelas de um resort do Caribe ou vendo o céu nos olhos da mente? Em todos os casos, o significado que atribuímos ao que vemos é gerado pelas nossas próprias mentes. Não é realmente “lá fora”. Para o melhor de nosso conhecimento científico, a vida humana não tem significado. O significado da vida é sempre uma história de ficção criada por nós humanos.

Em seu ensaio inovador, Deep Play: Notas sobre a Briga de Galos em Bali (1973), o antropólogo Clifford Geertz descreve como na ilha de Bali, as pessoas passaram muito tempo e dinheiro apostando em brigas de galos. As apostas e as lutas envolveram rituais elaborados, e os resultados tiveram um impacto substancial na posição social, econômica e política de jogadores e espectadores.

As brigas de galos eram tão importantes para os balineses que, quando o governo indonésio declarou a prática ilegal, as pessoas ignoraram a lei e se arriscavam a prisão e multas pesadas. Para os balineses, as brigas eram “jogo profundo” – um jogo confeccionado que é investido com tanto significado que se torna realidade. Um antropólogo balines poderia, sem dúvida, ter escrito ensaios semelhantes sobre futebol na Argentina, Brasil ou no judaísmo em Israel.

De fato, uma seção particularmente interessante da sociedade israelense fornece um laboratório exclusivo de como viver uma vida satisfeita em um mundo pós-trabalho. Em Israel, um percentual significativo de homens judeus ultra-ortodoxos nunca trabalhou. Eles passam toda a vida estudando escrituras sagradas e realizando rituais de religião. Eles e suas famílias não morrem de fome, em parte porque as esposas muitas vezes trabalham, e em parte porque o governo lhes fornece generosos subsídios. Embora geralmente vivam na pobreza, o apoio do governo significa que eles nunca faltam para as necessidades básicas da vida.

Isso é uma renda básica universal em ação. Embora sejam pobres e nunca trabalhem, em pesquisa após pesquisa, esses homens judeus ultra-ortodoxos relatam níveis mais elevados de satisfação com a vida do que qualquer outra parte da sociedade israelense. Nos levantamentos globais sobre a satisfação da vida, Israel está quase sempre no topo, graças em parte ao contributo destes pensadores profundos e desempregados.

Você não precisa ir a Israel para ver o mundo do pós-trabalho. Se você tem em casa um filho adolescente que gosta de jogos de computador, você pode realizar sua própria experiência. Fornecer-lhe um subsídio mínimo de Coca-cola e pizza e, em seguida, remover todas as demandas de trabalho e toda a supervisão dos pais. O resultado provável é que ele permanecerá em seu quarto por dias, colado na tela. Ele não vai fazer qualquer lição de casa ou tarefas domésticas, vai ignorar a escola, ignorar as refeições e até mesmo ignorar os chuveiros e dormir. No entanto, é improvável que ele sofra de tédio ou uma sensação de sem propósito. Pelo menos não no curto prazo.

Portanto, as realidades virtuais provavelmente serão fundamentais para fornecer significado à classe desocupada do mundo pós-trabalho. Talvez essas realidades virtuais sejam geradas dentro dos computadores. Talvez sejam gerados fora dos computadores, sob a forma de novas religiões e ideologias. Talvez seja uma combinação dos dois. As possibilidades são infinitas, e ninguém sabe com certeza que tipos de peças profundas nos envolverão em 2050.

Em qualquer caso, o fim do trabalho não significará necessariamente o fim do significado, porque o significado é gerado pela imaginação em vez de pelo trabalho. O trabalho é essencial apenas para o significado de acordo com algumas ideologias e estilos de vida. Os escravos ingleses do século XVIII, os judeus ultra-ortodoxos atuais e as crianças em todas as culturas e eras encontraram muito interesse e significado na vida, mesmo sem trabalhar. As pessoas em 2050 provavelmente poderão jogar jogos mais profundos e construir mundos virtuais mais complexos do que em qualquer momento anterior da história.

E quanto à verdade? E a realidade? Realmente queremos viver em um mundo no qual bilhões de pessoas estão imersas em fantasias, buscando objetivos criativos e obedecendo leis imaginárias? Bem, goste ou não, esse é o mundo em que vivemos há milhares de anos.

Yuval Noah Harari é professor na Universidade Hebraica de Jerusalém e é autor de ‘Sapiens: Uma Breve História da Humanidade’ e ‘Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã’

Brasileiro abandonou ‘máscara’ de cordial e assumiu sua intolerância, diz Lilia Schwarcz

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 Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil/São Paulo. 01/07/2019

As manifestações em 2013 e o impeachment da presidente Dilma Rousseff “abriram a tampa da democracia no Brasil e permitiram aflorar sentimentos que andavam um pouco reclusos”, diz a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz.

Para ela, até então o brasileiro zelava por uma imagem “de muito receptivo, muito aberto” que servia de verniz para uma intolerância e um autoritarismo que ficavam escondidos e que estavam enraizados na própria história do país – a característica mais marcante do “homem cordial” descrito em 1936 pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda.

O conceito, que dá nome ao capítulo mais célebre do livro Raízes do Brasil, foi muitas vezes mal interpretado como um elogio – quando queria expor, na verdade, “uma representação do que queríamos ser”, explica a historiadora.

A “cordialidade” que se manifesta, por exemplo, no uso de diminutivos ou na informalidade que marca a nossa cultura seria o expediente usado para misturar as relações públicas e privadas e guardar uma proximidade que, na verdade, disfarça as distâncias sociais. Algo que “evita as hierarquias para, no silêncio, reafirmá-las”.

Quase 80 anos depois, em um contexto de avanço do conservadorismo no mundo e de crise das democracias, esse homem “tira a máscara”.

 

“Com a crise, a recessão, o impeachment, acho que nós avalizamos pessoas que não tinham a coragem de dizer coisas do tipo: ‘eu sou contra negro mesmo’, ‘acho que lugar de mulher é no fogão’, ‘acho que os trans são uma vergonha'”, diz ela.

Uma mudança que transformou a percepção que o mundo tinha sobre o país, diz a historiadora, que dá aulas na Universidade de São Paulo (USP) e na universidade americana de Princeton.

No recém-lançado Sobre o Autoritarismo Brasileiro (Companhia das Letras), escrito entre outubro de 2018 e março deste ano, ela traça um longo histórico da violência, da corrupção, das desigualdades sociais, da intolerância e das questões de raça e gênero no país para discutir o momento atual, que caracteriza como uma “guinada conservadora e reacionária”.

Para ela, a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 marca uma nova fase do autoritarismo brasileiro, referendado pelas urnas.

“Por mais que (o livro) tenha endereço certo, acho que de nada adianta apontar só para o Bolsonaro, senão eu também faria o jogo do personalismo que eu quero evitar.”

O livro é uma tentativa de abrir mão dos rigores da academia para buscar um público maior e debater temas atuais, à semelhança de autores americanos como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ambos da Universidade Harvard e autores de Como as Democracias Morrem, e Timothy Snyder, da Universidade Yale, que escreveu A Tirania e Na Contramão da Liberdade: A Guinada Autoritária nas Democracias Contemporâneas.

Nesse sentido, ela foi além: mantém uma conta no Instagram e um canal no YouTube em que aborda temas que vão de violência e racismo a ditadura e corrupção.

Se há alguns meses a antropóloga não sabia ainda que as respostas aos comentários no YouTube eram públicas ou que o Instagram não era lugar de “textão”, hoje ela admite que quer usar o espaço das redes sociais para “cutucar” aqueles que discordam de seus pontos de vista a fim de discutir “com argumentos”.

Leia, a seguir, trechos da entrevista à BBC News Brasil.

BBC News Brasil – Muita gente defende que Bolsonaro só existe como presidente por causa do PT. Em que medida corrupção e crise formam o alicerce desse, como a senhora classifica, novo período autoritário referendado nas urnas?

Lilia Schwarcz – O primeiro eleito nas urnas e o primeiro que usa as redes sociais, isso é muito importante. Eu acho que a gente tem que ser um pouco mais sério com o Bolsonaro. Fazer esse jogo do tipo “ele só ganhou porque”… Ele também ganhou. Mas dizer que só ganhou (por causa do PT) é minimizar um fenômeno que eu tento mostrar no livro que é de mais longo curso.

Ou seja, não é que os brasileiros viraram autoritários, eles sempre foram autoritários.

Acho que a gente também tem que entender o fenômeno Bolsonaro à luz do fenômeno do autoritarismo no mundo.

Porque se você pensar em EUA, Hungria, Polônia, Filipinas, Israel, Venezuela, estamos falando de governos populistas e autoritários.

Diferentes, mas governos, sobretudo os populistas autoritários mais à direita, que têm uma fórmula muito comum: esse repúdio à imprensa – você deve estar sentindo isso -, essa desautorização do discurso das minorias, essa tremenda desautorização do discurso da academia, o uso muito inteligente das redes.

Esse é o modelo internacional, grosso modo. Mas cada país carrega sua própria especificidade.

A do Brasil é essa que eu tentei tratar nesse livro: o fato de ter sido o último país a abolir a escravidão, de ter recebido quase metade dos africanos e africanas que saíram compulsoriamente de seu continente, de ter sido uma colônia de exploração, administrada por meio de mandonismos localizados, um país tremendamente violento, muito corrupto.

E eu tento mostrar como a corrupção é longa entre nós. A gente atribuir tudo ao PT…

O PT teve uma parte fundamental, e acho que meu capítulo da corrupção mostra o quão independente eu sou…

BBC News Brasil – Vou aproveitar então para emendar uma pergunta. Em alguns trechos, ainda que com ressalva, a sra. coloca argumentos que fazem parte do discurso do PT, especialmente o da perseguição política, como no trecho em que fala que “jogar todas as baterias contra apenas uma pessoa – e, assim, personalizar a questão ou transformar um único partido em bode expiatório – não dá conta do problema”. Não teme que seja interpretado como partidarismo e abra um flanco para críticas?

Schwarcz – Eu penso que o livro tem flanco pra todos os lados. Acho que os meus colegas do PT não vão gostar da análise que eu faço do Mensalão e da Lava Jato – e é esse mesmo capítulo.

Esse é o capítulo mais longo, salvo engano, e o mais difícil justamente porque eu tinha uma questão de mostrar a minha independência e a minha autonomia aí muito claras.

Quando você vai tratar da questão da corrupção, ninguém é favor da corrupção e ninguém é corrupto. Eu sou uma pessoa da academia que chego lá e digo com todas as palavras que a corrupção criou uma máquina de governar, não eximo o PT, não eximo o PSDB.

Essa sua pergunta poderia ser “Você não tá dando argumento pros ‘bolsominions’?”. Tô também – “até ela está mostrando como o PT foi corrupto”. Acho que, se a gente for pegar o livro nesse momento de polarizações afetivas que nós vivemos, a cada página você vai ter alguém de carteirinha contra ou a favor.

O que eu tentei fazer foi me valer muito dos dados, contar a história inteira, para só depois me dar ao luxo de opinar.

BBC News Brasil – O livro está recheado de ironias e provocações. Há um momento em que a sra. se refere de forma indireta à ministra Damares Alves, quando diz, ao falar dos feminicídios, que “a princesa não casa com o príncipe”, há também uma crítica velada ao ministro Sergio Moro no trecho: “juízes que combateram a corrupção vigente, mas igualmente, usaram de seu poder de formas muitas vezes subjetiva e ao sabor dos afetos políticos”. Com que emoção a sra. escreveu?

Schwarcz – Eu fiz em pouco tempo, mas fiz muitas versões desse livro. Tive momentos claramente destemperados, né, e meus editores aqui falavam: “Beleza, mas agora vamos ponderar isso, aquilo”.

Eu tentei de alguma forma contrabalançar as opiniões, tentei bravamente.

Tem um lado que você pode falar que é muito meu, a parte dos feminicídios. Claro, vai ter que me aguentar. Pediu para uma mulher escrever, então vamos lá, né?

Essas são todas questões que me afetam no sentido de “afetar” da antropologia, porque o afeto é produtor. Porque, quando você se afeta, isso quer dizer que você se contamina do outro.

BBC News Brasil – Voltando ao seu comentário sobre o fato de o fenômeno de ascensão da direita ser global. Em que medida ela não se deve também a uma crise global das democracias liberais, que não estão conseguindo mais dar conta dos efeitos da globalização, aumento da desigualdade, da violência?

Schwarcz – Com certeza, eu digo no livro que corrupção, violência, insegurança não são sentimentos inventados por Bolsonaro.

Costumo dizer que a minha geração falhou. Colocou todas as fichas na democracia e não lidou muito bem com o que fazer com a nossa recessão, o que fazer com as populações que vão ascendendo e que não se espelham exatamente nesse momento.

Como é que a gente pode valorizar a nossa Constituição, mas também mostrar as suas falácias? Quais são os nós que resolvemos não enfrentar e que vão aparecendo agora?

Você tem toda razão. Houve uma soberba, sobretudo no consórcio criado entre PT e PSDB. Uma cegueira. Nós não atendemos a uma parte da população que se sentiu atendida por Bolsonaro.

E não é possível caricaturar essa população. Eu, por exemplo, tenho como projeto entender mais as igrejas evangélicas. E no plural. Porque a gente ataca tanto as pessoas que fazem de nós um só…

Esse é um fenômeno fundamental para entender o Brasil, e eu nunca parei para estudar.

BBC News Brasil – Fazem sentido então críticas como a do cientista político Mark Lilla, de que a esquerda vem perdendo espaço porque se prende a pautas identitárias e não privilegia, por exemplo, pautas econômicas ou temas que falem com um público mais amplo?

Schwarcz – Eu gosto muito do Lilla, mas discordo que o discurso identitário seja só ruim. Há uma tese lá de que o discurso identitário enrijeceu esses famosos lugares de fala e jogou para fora parte da população que não sentia de modo algum representada por esses discursos.

Eu penso que o discurso dos direitos civis produziu esse discurso de identidade, um discurso que vai ter que se transformar em algo menos enrijecido, mas que tem um papel fundamental para pressionar para que o mundo mude.

Nós vivemos em um mundo muito branco, muito “europocêntrico”, muito colonial, que só vai mudar se for questionado.

BBC News Brasil – E a sra. vê a esquerda brasileira fazendo isso, se reinventando para abordar essas pautas de forma diferente, não se isolar?

Schwarcz – Eu digo no livro – e vai desagradar as esquerdas também – que a polarização é uma relação. Você só polariza de um lado se o outro lado polarizar também.

Acho que as esquerdas brasileiras são muitas. E vão ter que vivenciar esse luto, vão ter que se haver com o que aconteceu com o Partido dos Trabalhadores. Mas não só: também com o que aconteceu com esse projeto das esquerdas. Vão ter que se reinventar.

É difícil falar de todos, senão eu vou estar caricaturando, mas acho que uma parte das esquerdas tem ficado mais alerta e mais ciente sobre o que foi esse processo das eleições de 2018. Acho que a gente não tem que só demonizar o que foi, mas fazer um esforço de compreensão, até para fundar uma nova República.

BBC News Brasil – A sra. se refere a quais figuras, à corrente mais jovem, representada, por exemplo, pela deputada Tabata Amaral?

Schwarcz – Acho que houve um projeto de uma geração que se mostrou insuficiente.

E acho que existe aí um outro discurso, não só o discurso dos jovens, mas que carrega outros marcadores, um discurso feminista, negro, trans. Pessoas que vêm de outros locais. Um discurso religioso progressista.

Penso que a saída virá da formação de novas figuras. Não só de novas figuras, porque eu não gosto de “essencializar” a juventude. Juventude não é uma qualidade em si, é uma situação. Mas eu acho que a gente tem que encontrar novas saídas e novos repertórios. Nós estamos carentes de repertório mesmo.

BBC News Brasil – E consegue enxergar essa mudança?

Schwarcz – Eu penso que sim. Outro dia falei que era otimista e fui quase morta. Nós não estamos em um momento bom, estamos em uma crise de desemprego, temos essa questão pela frente da reforma, senão o Estado vai falir, estamos vivendo momento de grande intolerância.

Por todos os lados que você olhar não há motivo para otimismo. Mas, por exemplo: uma manifestação como a do dia 15 (contra os contingenciamentos na Educação) me faz otimista, porque você vê na rua que tem mais pessoas clamando por um Brasil mais justo, mais generoso.

BBC News Brasil – Como vê as manifestações do último domingo, a favor do presidente?

Schwarcz – Foi um ato democrático como aquela do dia 15. Mas o esforço do governo de, ao mesmo tempo, afirmar que tudo era “espontâneo”, mas também “convocar a manifestação” representa mais um gesto populista.

Esse tipo de palavra de ordem serve mais para candidatura do que para mandato.

BBC News Brasil – A sra. não cita nominalmente o presidente em nenhum momento do livro. Foi proposital?

Schwarcz – Foi. E foi um esforço. Porque, por mais que tenha endereço certo, eu acho que de nada adianta apontar só para o Bolsonaro. Isso aí é, de alguma forma, perder a figura e o fundo.

A família aparece claramente no capítulo dos mandonismos, né.

Mas foi proposital, porque senão eu também vou fazer o jogo do personalismo que eu quero evitar. O meu problema não é pessoal, é com aquele que ocupa a chefia do Estado.

BBC News Brasil – Em mais de um trecho a senhora afirma que o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda não é um elogio ao brasileiro, pelo contrário. Próximo ao fim, parece chegar à conclusão de que essa figura não existe mais e tem dado lugar ao “homem da intransigência e da aversão à diferença”. Esse seria, então, um momento de inflexão?

Schwarcz – Eu tento mostrar aqui que nunca foi (cordial), né, que é uma representação do que queríamos ser.

BBC News Brasil – Isso, mas a tese do Sérgio Buarque é de que a gente ainda disfarçava…

Schwarcz – Eu penso que o tempo provou que o processo do impeachment da presidente Dilma de alguma maneira abriu a tampa da democracia e permitiu aflorar uma série de afetos e sentimentos que andavam um pouco reclusos porque “não ficavam bem”, porque o que era bom era dar sempre essa face – como nós brasileiros somos muito cordiais, muito receptivos, muito abertos.

O livro tenta provar que nunca fomos isso.

Mas eu acho que, a partir de 2013, com a crise, a recessão, o impeachment, nós avalizamos pessoas que não tinham a coragem de dizer coisas do tipo: “eu sou contra negro mesmo”, “acho que lugar de mulher é atrás do fogão”, “acho que os trans são uma vergonha”.

BBC News Brasil – Então o “homem cordial” agora tira de vez a máscara, é isso?

Schwarcz – Por isso um episódio como o da Marielle é pra mim muito significativo, porque nós tiramos a máscara não só nacionalmente, mas também internacionalmente.

Internacionalmente o Brasil não é mais visto (como um país receptivo e tolerante)… e isso eu sei porque há dez anos dou aula em Princeton e os meus cursos foram mudando sistematicamente. E não porque eu mudei.

As pessoas vinham em busca do Zé Carioca, do futebol, da capoeira, dessa “exotização” dos trópicos como paraíso dos costumes, dos hábitos. E cada vez mais as pessoas vêm pra falar de contravenção, violência, falta de lei, intolerância.

Você tem um governo como esse, ministros como esses, da Educação, das Relações Exteriores, da Agricultura. São ministros que não têm a mínima preocupação em professar valores que nós acreditávamos que eram nossos. Esse foi o tombo grande que as esquerdas tomaram também.

 

Políticos usam caricaturas da globalização para ludibriar eleitores, diz ex-diretor do Banco Mundial

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Economista diz que distorções criadas para atender a demandas domésticas prejudicam a economia mundial

Fernando Canzian/ WASHINGTON – Folha de São Paulo, 31/07/2019.

Para o economista Homi Kharas, pesquisador do Brookings Institution e ex-diretor do Banco Mundial, políticos como Donald Trump e movimentos como o Brexit vêm fabricando a narrativa de que problemas internos são causados por outros países.

Segundo ele, há muitos dedos apontados, afirmando que “estamos indo mal porque essas pessoas não jogam limpo; essas pessoas estão roubando nossos empregos, estão fazendo algo injusto”.

Kharas enxerga essas alegações como falsas “caricaturas da globalização” —distorções criadas por políticos para atender a demandas domésticas. Elas prejudicariam estruturas da economia mundial que estão na base do progresso global.

Alguns especialistas afirmam que a classe média nos países ricos encolhe devido à transferência de empregos, sobretudo industriais, para a Ásia. O sr. concorda? 

Sempre que duas coisas acontecem ao mesmo tempo as pessoas observam essas tendências e acham que elas estão conectadas. Não creio que a história seja essa. A classe média na Ásia está indo muito bem porque a economia cresce.

A classe média nas economias avançadas não vai bem porque a desigualdade está aumentando rapidamente e também devido à natureza do crescimento, que vem muito mais das empresas de tecnologia, que têm um número reduzido de funcionários.

São dois padrões de crescimento simultâneos. Mas as pessoas querem tentar conectar os dois e, como sempre, em qualquer país, diante de problemas econômicos, a coisa mais fácil para um político é colocar a culpa em alguém.

Nas economias avançadas há muitos dedos apontados: “Estamos indo mal porque essas pessoas não jogam limpo, essas pessoas estão roubando nossos empregos, estão fazendo algo injusto”. São caricaturas da globalização, que considero falsas, uma história fabricada por políticos, por razões políticas domésticas.

Mas agora essa ideia se tornou parte perigosa de uma narrativa global que prejudica muitas das forças e das estruturas da economia global, como o comércio internacional, que é a base do progresso.

Como o sr. avalia o encolhimento dos empregos industriais e o aumento da desigualdade nos EUA? 

A indústria dos EUA vem perdendo empregos há décadas. Isso é uma tendência. À medida que economias se desenvolvem, a participação da indústria cai e a do setor de serviços aumenta.

Assim, em muitos aspectos, a grande classe média dos EUA foi construída também pelas pessoas que deixaram o setor industrial. Muitos empregos da indústria são perigosos, há acidentes, e há limites para o quanto se pode pagar.

As pessoas nos EUA preferiram migrar para áreas financeiras, de imóveis, da saúde. Elas se profissionalizaram, tornaram-se advogados, economistas. Todas essas profissões são mais bem pagas do que empregos em fábricas.

A maioria dos estudos assinala que a tecnologia é responsável pela mudança na natureza do trabalho. Os carros costumavam ser pintados à mão; hoje, por robôs. Há segmentos inteiros da força de trabalho que tiveram que encontrar outros tipos de ocupações.

Não há evidências de que essas mudanças na economia mundial estejam reduzindo o número de empregos nos EUA. Elas estão mudando a estrutura de um lugar para outro, e isso cria problemas de transição para muitos.

O sr. mencionou o fato de políticos usarem “o outro como inimigo” na narrativa da desigualdade. Quais são as consequências disso? 

Na verdade, acredito que seja possível que a tendência da desigualdade comece a mudar, mas será preciso mais do que ação governamental. Acho que hoje as corporações percebem que é bastante útil serem vistas como empresas que pagam um salário decente.

Hoje, nos EUA, existe uma grande empresa de varejo chamada Target. Ela acaba de aumentar seu salário mínimo para US$ 13 (R$ 48) por hora e concorre com a Walmart, cuja tendência histórica é a de pagar salários muito baixos.

As empresas também estão competindo umas com as outras em termos de reputação, e algumas das melhores empresas estão buscando tanto aumentar os salários quanto alterar a desigualdade salarial.

Assim, as empresas agora se concentram em garantir que homens e mulheres recebam salários iguais por trabalhos iguais, de modo que muitas fontes de desigualdade inseridas em nossas estruturas sociais estão sendo abordadas à medida que as pessoas olham mais de perto.

Outra grande fonte de desigualdade é geográfica. Se você pegar o exemplo do Reino Unido, sobre sair ou ficar na União Europeia: todo mundo em Londres, que é onde o crescimento econômico está concentrado, quer ficar. Outros, no interior, querem sair.

A desigualdade que está sendo gerada em lugares como o Reino Unido deve-se em parte à baixa mobilidade. As pessoas não querem se mudar para outro lugar apenas porque há empregos lá. E se elas não estiverem preparadas para mudar, será um período de transição de maior desigualdade.

Então ocorrem mudanças no poder político à medida que as pessoas se mudam geograficamente. Mas, em vez de se mudar, as pessoas podem votar. No “rust belt” (cinturão da ferrugem, estados industriais dos EUA), ou no brexit, em Manchester ou no norte da Inglaterra.

E as pessoas vão tentar ver se há soluções que o governo possa oferecer, que não exijam que elas se mudem. De muitas maneiras, governos tentam estabelecer políticas que superem as forças do mercado, e isso não é fácil. Muitas vezes acaba criando problemas ainda maiores do que os que você estava tentando resolver.

No curto prazo o que vemos é o desejo dessas pessoas de permanecer onde estão, por isso estão votando em Trump, não? 

Claro. Raízes familiares são algo muito poderoso, e não estou dizendo que é ruim. É bom que pessoas se sintam conectadas a onde estão. Mas é algo muito difícil de sustentar em um ambiente moderno, cuja economia exige que você vá para lugares onde os outros se aglomeraram.

Então, a desigualdade no curto prazo…

Pode piorar.

Uma das lições do século 20 foi que, ao final do século 19, quando se comparam países, a desigualdade diminuía. Mas internamente, em cada país, ela aumentava, como vemos agora. No começo do século 20 tivemos uma guerra e agora temos outro tipo, comercial. Como o sr. compara os dois períodos? 

Pode-se afirmar que no final do século 19 e início do 20 a globalização estava em um nível muito alto. Muitos negócios, movimento de capital, de pessoas.

E muitos disseram que as economias estavam tão conectadas umas às outras que uma guerra não poderia acontecer. Bem, hoje sabemos que foi uma avaliação totalmente errada. O fato de as economias estarem conectadas não significa que não poderia haver uma guerra, e tivemos uma das mais brutais. E ainda tivemos que ter uma segunda.

Espera-se que as pessoas tenham aprendido algo com isso. Mas a história tem uma tendência a se repetir. E hoje novamente temos uma situação em que há uma grande potência, os EUA, e uma nova potência surgindo muito rapidamente, a China.

A economia da China está crescendo, mas seu poderio militar ainda é inferior ao dos EUA. Sua economia é, em termos de projeção internacional, muito inferior à dos EUA, e sua tecnologia, apesar de muitas histórias que contam, é na maioria dos setores inferior à americana.

Mas a China está se aproximando em todas as áreas. E a questão, para todo mundo, é como essas duas potências lidarão uma com a outra.

Acredita-se que se houver uma ordem internacional baseada em regras, isso ajudará a minimizar o grau de confronto entre potências. Por isso queremos uma ordem internacional baseada em regras. Por isso o que realmente importa neste momento é abraçar o multilateralismo.

Isso é muito difícil quando se têm sistemas econômicos muito diferentes, e China e EUA os têm. É isso que torna a ordem internacional tão difícil de se construir e manter no período atual.

Homi Kharas, 65
Pesquisador do Brookings Institution, trabalhou durante 26 anos no Banco Mundial, no qual foi economista-chefe para a Ásia. Com o economista Indermit Gill, criou o conceito de “armadilha da renda média”, em que países que alcançam um determinado nível de renda por conta de vantagens específicas têm dificuldades em se tornar ricos (o Brasil é dado como exemplo por alguns)

Espiritismo, conhecimento e transformação

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O mundo esta passando por um amplo processo de desenvolvimento científico e tecnológico, nos últimos cinquenta anos as descobertas e invenções foram inúmeras, alterando as formas de pensar, de comunicar e de sobreviver, vivemos um verdadeiro renascimento, onde o conhecimento, a ciência e a tecnologia estão no centro desta nova sociedade, gerando novos desafios e oportunidades para o ser humano e novas oportunidades de progresso para a humanidade.

Neste novo momento da humanidade, muitas atividades serão destruídas, muitas profissões serão extintas e muitas novas formas de ocupação surgirão e ganharão força, obrigando os indivíduos a uma verdadeira rediscussão sobre as bases e os contratos sociais que embalam a sociedade, obrigando as autoridades a olharem os grupos menos favorecidos de uma forma diferente, sob pena de vermos um aumento considerável de conflitos abertos, guerras e desequilíbrios generalizados, ainda mais quando observamos, que um conflito na sociedade contemporânea, tende a destruir e gerar graves constrangimentos para a coletividade global.

Desde o século XIX as tecnologias vêm ganhando força na sociedade, o surgimento e o desenvolvimento de indivíduos capacitados e qualificados que se entregam ao estudo e ao desenvolvimento de novos produtos e tecnologias, em parcerias com pessoas dotadas de recursos econômicos e financeiros, auxiliou no nascimento de uma nova classe, mas estruturada, com métodos e pensamentos científicos, cujas ideias e descobertas auxiliaram no progresso da ciência e da sociedade global.

Se analisarmos em épocas remotas, as pessoas estavam muito sujeitas a doenças variadas, qualquer nova peste ceifava a vida de milhares de pessoas e geravam rastros de destruição e violências generalizadas, nestes momentos a ciência era muito atrelada a bruxaria e os atuais médicos eram vistos como bruxos dotados de conhecimentos escassos e grandes habilidades de manipulação de ervas e chás, no livro O físico, de Noah Gordon, o autor destaca a saga e as dificuldades da medicina neste momento de privações e dificuldades.

Estes aspirantes a médicos eram acompanhados, como são na atualidade, por espíritos desencarnados que os auxiliavam nas manipulações e no desenvolvimento de medicamentos e vacinas para reduzir as dores dos indivíduos vitimados por variadas doenças, neste momento percebemos como a espiritualidade nos auxilia em todos os momentos de nossas existências, muitos pesquisadores amadores eram levados em espírito durante o sono físico para estágios com médicos e pesquisadores renomados desencarnados, nestas viagens recebiam informações e participavam de pesquisas e descobertas, todas visando o aperfeiçoamento da medicina terrestre e a redução das dores e dificuldades dos encarnados, cujas dores causavam constrangimentos físicos variados.

Com o surgimento da Doutrina Espírita e o crescimento da ciência e da investigação científica, novas áreas e setores surgiram na sociedade, descobertas revolucionárias, inovação e novas linhas de pesquisa foram apresentadas para a coletividade, impulsionando a pesquisa e o conhecimento científico, levando muitos indivíduos a se aperfeiçoar em novas áreas e setores, abrindo novas oportunidades e um amplo leque de escolhas para a sociedade, por trás destas descobertas a atuação discreta de pesquisadores encarnados motivas e inspirados por renomados cientistas desencarnados.

Neste momento histórico, marcado ainda pelo poder da Igreja Católica, mesmo este poder tendo sido diminuído por equívocos anteriores e pelos lances finais da inquisição, a ascensão da Doutrina dos Espíritos inaugura o fortalecimento de uma visão religiosa que enxerga a ciência como parceira e não mais como rival, como acontecia até então por outras visões religiosas. O Espiritismo nasce baseado em um tripé, como destacou Allan Kardec em O Livro dos Espíritas, neste novo modelo a ciência e a fé raciocinada devem caminhar passo a passo com a filosofia e a religião, esta tríade sustenta a doutrina espírita e faz dela uma nova forma de pensar a sociedade e a relação entre ciência e religião.

A Doutrina dos Espírito vai inaugurar um novo momento na história da sociedade mundial, a partir das obras de Allan Kardec, o mundo vai se deparar com uma nova estrutura de pensamento, segundo esta, o mundo material está umbilicalmente relacionado com o mundo espiritual, nesta concepção de sociedade somos espíritos animando corpos materiais mas a verdadeira vida se dá no mundo imaterial, estas ideias vão gerar muitos constrangimentos e vão criar adeptos e detratores, sendo que estes últimos serão implacáveis tentando denegrir e constranger os adeptos da nova revelação.

A Doutrina se apoia em princípios como a reencarnação e nas variadas vidas sucessivas, onde ora estamos encarnados ora nos encontramos no mundo dos espíritos, estes dois mundos estão interligados e se comunicam muito mais do que imaginamos, nos influenciando e, muitas vezes, até nos comandando. No século XX, inúmeras pesquisas científicas, muitas delas ainda não foram divulgadas ou muitas foram boicotadas, encontraram rastros da existência de variados mundos que se interligam, como a física quântica e suas descobertas de mundos integrados.

A Doutrina está centrada no estudo e na reflexão criticas, nestes estudos os indivíduos recebem informações variadas sobre fenômenos que se sucedem, nestes estudos compreendemos as leis da natureza que estamos sujeitos em nossas vivências cotidianas, diante disso, percebemos o quanto para o Espiritismo as leituras e o conhecimento são importantes e fundamentais, no espiritismo não fugimos da ciência, muito pelo contrário, a ponto de muitos considerarem o Espiritismo como a religião dos livros.

A Doutrina nos mostra como é a vida no mundo espiritual, para isto nos traz inúmeras obras, tais como a coleção de André Luiz, onde o autor dita para o médium Francisco Cândido Xavier, como vivem os espíritos, seu cotidiano, sua relação com o mundo material, com a ciência e com o conhecimento, dentre outros temas, nos mostrando que a realidade da vida é muito mais intensa e compreensível do que as religiões anteriores divagavam e conjecturavam, a doutrina nos mostra in loco, via depoimento de espíritos desencarnados através de médiuns, estes relatos nos auxiliam a desmistificar a morte e o morrer, afinal, em quarenta mil anos de racionalidade no mundo, nós seres humanos já fomos ao mundo imaterial e voltamos ao mundo material ao menos algumas centenas de vezes.

Muitas descobertas da ciência são creditadas a pesquisadores e homens da ciência e do conhecimento, a maioria ignora o trabalho do mundo espiritual e da atuação dos bons espíritos, mal sabem eles que muitas inspirações e direcionamento nas pesquisas científicas são dadas por pesquisadores desencarnados, isto acontece tanto para pesquisas que geram bem-estar e avanços para a coletividades quanto para pesquisas que levam a descobertas de mercadorias e produtos que geram vícios e desequilíbrios para a coletividade. Um bom exemplo destas descobertas são os medicamentos e drogas que geram dependência dos usuários e causam inúmeros constrangimentos para os dependentes, que enveredam para um mundo que propiciam inicialmente prazeres e gozos terrestres e geram dependência e degradação emocional, psicológica e espiritual.

Os ensinamentos espíritas no mostram a importância da leitura e do conhecimento, que podem ser compreendidos como instrumentos de reflexão e de melhoras visando um crescimento espiritual, objetivo primeiro e fundamental para todos os indivíduos. A literatura espírita é bastante volumosa, desde romances e dissertações, passando por biografias e obras variadas, todas elas nos trazem uma ampla gama de conhecimentos para que a coletividade possa repensar seus comportamentos e alterar suas formas de vida, visando os tão almejados progressos moral e espiritual.

A tríade Espírita nos mostra que para o progresso do ser humano, faz-se necessário o crescimento espiritual, o moral e o intelectual, a leitura pode nos ajudar nesta renovação, o conhecimento pode nos levar a uma reflexão e esta pode nos mostrar os nossos equívocos e orientar para que alteremos rotas e atitudes, sem estas mudanças teremos grandes dificuldades para progredir. Muitas pessoas buscam na Doutrina Espírita elementos para compreender melhor suas dificuldades, nesta busca constante se deparam com o conhecimento espírita, estes conhecimentos auxiliam em sua renovação interior e podem abrir portas importantes para seu progresso, nesta caminhada muitos indivíduos desistem desta transformação, pois percebem que, para o espiritismo, não existem vítimas, somos todos culpados.

O conhecimento nos auxilia mas, muitas pessoas não aceitam as suas dificuldades e mesmo percebendo a racionalidade desta situação, continuam questionando e se rebelando contra as forças do bem, colocam-se como vítimas e se esquecem de que se sofrem na vida atual as razões deste sofrimento está ou em experiências e vícios anteriores ou nos equívocos contemporâneos, sair da zona de conforto e se colocar no centro de suas dificuldades ainda é difícil para muitas pessoas que preferem se colocar como vítimas, terceirizando suas responsabilidades.

O conhecimento é uma grande benção divina, estudar, refletir e compreender as questões que envolvem a sociedade e o cotidiano de todos é algo fundamental e transformador, muitos se dedicam a este conhecimento e o distorcem em prol de interesses imediatos, usam de forma equivocada tudo que aprendem, visando apenas seus interesses mesquinhos e imediatos, buscando o lucro e os gozos terrestres. Estes indivíduos se deixam levar por vaidade e egoísmos variados e passam a acreditar que seus saberes são bens individuais e se esquecem do caráter coletivo e social, neste instante passam a acumular passivos negativos que, num futuro muito próximo, terão que prestar contas a Deus e as entidades superiores, afinal muitos lhes foi dado e, por isso, muito lhes será cobrado.

Muitas vezes encontramos indivíduos idiotizados ou desprovidos de uma maior capacidade reflexiva, alguns atrasos mentais e sensoriais, neste momento nos perguntamos porque nascem e vivem desta forma? Porque Deus autoriza alguns a nascerem com tais limitações e outros apresentam saúde física e plenas capacidades reflexivas? A Doutrina Espírita nos concede algumas pistas para estas indagações, nos auxilia na compreensão dos porque e esclarece algumas dúvidas e nos abrem novas questões e indagações. Muitos destes irmãos nascem desta forma e com estas limitações porque abusaram da inteligência e do conhecimento em vidas anteriores, são indivíduos altamente inteligentes que se deixaram levar por interesses imediatistas e particulares, utilizando seus conhecimentos para acumular riquezas e degradar a vida de outros irmãos, nesta encarnação serão educados com estas limitações físicas e emocionais, sua inteligência ainda existe e se faz latente dentro de sua alma, mas momentaneamente se encontra em estado de repouso e brevemente será reativada por completo.

O conhecimento deve ser uma mola para o progresso da humanidade, deve ser vista como um instrumento de prosperidade e crescimento dos indivíduos e, principalmente, da coletividade. Quando nos deixamos levar pelos gozos imediatos e pelos prazeres materiais, nos distanciamos de Deus e dos princípios que regem a sociedade universal e seremos cobrados integralmente por nossas escolhas e direcionamentos.

A Doutrina dos Espíritos nos traz grandes instrumentos de reflexão, muitos a enxergam apenas como uma filosofia, enquanto outros a veem como uma religião, na verdade o pensamento Espírita é muito mais do que isto, une uma tríade de conceitos e áreas diferentes e nos auxilia na compreensão da vida e dos processos evolutivos, sempre com responsabilidades e segurança, mostrando-nos que somos atores de nosso próprio desenvolvimento. Enquanto não nos conscientizarmos disso, vamos continuar deixando oportunidades sublimes para trás e, mais uma vez, atribuindo a outros as responsabilidades por nossos fracassos e limitações.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Crescimento, Estado de bem-estar e a democracia seguirão ameaçados

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Branko Milanovic

Para economista, quanto maior a desigualdade, menor a tendência de crescimento e da parcela de ricos interessados em financiar serviços públicos aos demais 

Fernando Canzian/ BARCELONA

Um dos maiores especialistas em desigualdade global, o economista Branko Milanovic diz que o encolhimento da classe média em países como os EUA leva à ascensão de líderes populistas e coloca em risco o crescimento mundial.

“Estamos votando contra porque estamos infelizes”, diz.

De fora, o mundo parece cada vez menos desigual, com a renda dos países pobres e ricos convergindo. Internamente, porém, a desigualdade só aumenta, espremendo a classe média. Qual a consequência disso?

Há de fato uma melhora significativa entre as classes mais pobres em países emergentes, principalmente na Ásia. A China atrai mais atenção, mas essa tendência ocorre também na Índia, na Tailândia, no Camboja e no Vietnã.

Esses países têm uma força de trabalho razoavelmente bem-educada, capaz de fazer o que era feito no Ocidente a um custo muito menor.

Vem daí parte do fato de a classe média estar sendo espremida. É a globalização somada ao avanço tecnológico trabalhando juntos. Mas é ilusório acreditar que seja possível isolar quanto disso se deve à globalização e quanto às mudanças tecnológicas, porque a globalização é a moldura do quadro no qual acontecem as mudanças tecnológicas.

Mas há uma segunda pressão, que vem do topo. Dos 1%, 5% ou até 20% mais ricos que estão no alto da pirâmide. São pessoas que conseguem se dar muito bem na globalização, que não estão competindo com os que estão na China ou em outros locais.

Pessoas que, de certo modo, se beneficiam da existência de uma força de trabalho mais barata nesses países.

Então, temos uma situação paradoxal, pois o que há de fato é um alinhamento de interesses entre o mundo pobre e o mundo rico contra a classe média nos países ricos.

Ao contrário do dinheiro, que se movimenta livremente pelo mundo, há um limite claro para a imigração. É possível atacar a desigualdade só com taxação sobre o capital, que é móvel?

Os governos se tornaram impotentes para fazer muita coisa, particularmente para colocar impostos sobre o capital.

Conhecemos boas citações de Adam Smith (1723-1790) dizendo basicamente que uma pessoa que possui capital não é um cidadão do seu país de origem, é um cidadão do mundo. Porque pode movê-lo para onde quiser.

E isso agora também é verdade para a mão de obra altamente qualificada.

Você pode fazer muitos trabalhos em muitos lugares do mundo hoje em dia. Com isso, os governos nacionais não são capazes de cobrar impostos facilmente dessas pessoas. É uma situação muito difícil para o Estado de bem-estar social, sob as condições da globalização, porque as pessoas que têm capital monetário ou habilidades muito qualificadas realmente deixam esses países e vão para outros lugares.

E, como se sabe, há muitos países que ficariam felizes em recebê-los, porque eles trazem o poder de compra, dinheiro e tudo o mais.

A ironia aqui é que enquanto países ricos no Ocidente se beneficiam do influxo de trabalho qualificado vindo de países pobres, eles não estão felizes em receber mais estrangeiros. Por isso, fecham a fronteira.

A consequência parece ser um revide da classe média, quando ela vota em governos e líderes populistas, não?

É verdade. E é comum as pessoas perguntarem qual é o programa para as classes médias, como elas poderiam mudar. O fato é que não há nenhum programa coerente.

Então, grande parte dessa votação é o que costumava ser, e ainda é, o chamado voto de protesto. Em outras palavras, estamos votando contra e em boa medida porque estamos infelizes.

Agora, quais são as promessas que pessoas como Donald Trump fazem? São de dois tipos.

De um lado, de que algo será alterado na globalização. No caso de Trump, a promessa é ir a uma guerra comercial com a China, trazer esses empregos de volta para os EUA, o que evidentemente é impossível. Os empregos se foram e não vão voltar.

Mas pelo menos existe uma retórica, existe algum uso de força política para possivelmente forçar a China a mudar os direitos sobre propriedade intelectual, o uso da tecnologia estrangeira, talvez aumentar a importação de soja e coisas assim.

Do outro lado, há só promessa de melhora da distribuição em nível nacional. Porque até agora vimos a reação contra a China e a globalização. Mas muito pouca reação política em termos de medidas a favor da diminuição da desigualdade interna.

Há idas e vindas de políticos. Há, por exemplo, [a deputada democrata norte-americana] Alexandria Ocasio-Cortez, que fala em alíquotas de 70% para os mais ricos ou [o senador independente] Bernie Sanders.

A ironia é que hoje vemos essa ala do espectro político americano mais à esquerda do que em qualquer outra nação no Ocidente. Estamos acostumados a ver os EUA mais à direita do que, digamos, a Suécia ou a Alemanha. É irônico que haja um segmento socialista nos EUA.

Qual a consequência do aprofundamento das desigualdades para o crescimento econômico sustentável?

Essa é a grande questão. O argumento de sempre era o de que seria preciso uma classe média muito forte não apenas para manter a democracia, mas para criar um grupo de pessoas com o mesmo padrão de consumo para gerar produção em massa.

O perigo de fazer a classe média desaparecer é que o motor do crescimento terá que mudar. Não significa que não haverá crescimento, mas que haverá um tipo muito diferente de crescimento.

Outra questão é que quanto maior a desigualdade, menor será a parcela de ricos interessados em serviços públicos, porque eles podem pagar por serviços privados de melhor qualidade como escolas, transporte e saúde.

Numa sociedade polarizada e desigual será possível existir seguro social, sendo que, por definição, a seguridade social inclui todo mundo? Porque se o seguro social for apenas para pessoas que não têm dinheiro ou estão sem trabalho, quem vai pagar por isso?

Os ricos, com certa razão, então pensam que, se não usam nada do Estado, porque pagam por serviços privados, não deveriam pagar pelos serviços públicos.

Portanto, percebemos que há problemas imensos à frente. Primeiro, do Estado de bem-estar social; segundo, do tipo de crescimento que estamos tendo; e, terceiro, da democracia.

Isso não é brincadeira. São questões sérias sobre as quais não teremos consequências em seis meses, mas daqui a 10 ou 20 anos.

 

Pré-distribuir habilidades é melhor jeito de reduzir desigualdade, diz Nobel de Economia

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James Heckman afirma que só é possível haver livre competição com igualdade de oportunidades 

Fernanda Mena – Folha de São Paulo, 29/07/2019.

CHICAGO

Políticas para a primeira infância podem ser o antídoto contra a perpetuação de desigualdades de uma geração para outra. Isso porque a tendência é que famílias estruturadas invistam na educação dos filhos desde o berço, enquanto as mais vulneráveis não conseguiriam fazê-lo, consumidas pela batalha da sobrevivência diária.

O economista James Heckman, 75, já havia sido consagrado com um prêmio Nobel quando descobriu a relação entre a desigualdade e o estímulo a crianças de zero a cinco anos de idade.

Sua pesquisa acompanhou indivíduos expostos a estímulos no início da vida e descobriu que, no longo prazo, eles obtiveram melhor desempenho escolar, salários mais altos, melhor saúde e menor envolvimento com crimes. Tais benefícios, constatou, se estenderam à geração seguinte.

“São as habilidades que farão com que alguém deixe de ser meramente uma criatura de seu berço desprivilegiado”, disse Heckman à Folha no Centro de Economia do Desenvolvimento Humano da Universidade de Chicago (EUA), que dirige. “Quanto mais as pessoas adquirirem competências, menor tende a ser a desigualdade”.

A partir da ideia de que é possível aprender habilidades que garantirão melhores escolhas, mais trabalho e mais renda, Heckman defende como melhor estratégia de redução da desigualdade a pré-distribuição de competências, no lugar da redistribuição de renda.

Com isso, ele refuta cânones do pensamento político ocidental à esquerda e à direita. Assim, de um lado, falar em classes sociais é “algo que pertence ao reino da eugenia”; de outro, a livre competição defendida pelos ultraliberais só é possível com igualdade de oportunidades, algo atingível apenas por meio de políticas públicas.

Heckman defende também que a pré-distribuição tenha como base as famílias, que passam por mudanças estruturais profundas nas sociedades contemporâneas e, por isso, precisam de apoio.

Para reduzir desigualdades, pré-distribuição é melhor que redistribuição? Antes de discutirmos a redistribuição de dinheiro de um adulto para outro, precisamos pensar em prover crianças com as habilidades básicas para o mercado de trabalho no futuro.

Nessa fase, do nascimento até os cinco anos, as crianças são muito maleáveis, aprendem com grande facilidade e podem desenvolver uma base sobre a qual aprenderão todas as proficiências que a vida vai lhes oferecer. E isso cria vantagens diante das oportunidades que a vida ou mesmo a escola proporcionam.

É preciso preparação para a vida escolar? Sim. Quando falamos em adquirir destrezas, não basta mandar as crianças para a escola. É preciso que estejam preparadas para receber o conhecimento, equipadas com habilidades cognitivas e socioemocionais com as quais possam enfrentar desafios e interagir.

Se uma criança recebe estímulos aos três anos, ela será mais concentrada nas aulas no ensino médio, portanto mais inclinada a se beneficiar das oportunidades que a vida vai lhe oferecer.

Mas o foco na primeiríssima infância não desencoraja os investimentos na educação básica? Os estímulos e o desenvolvimento de habilidades podem ser adaptados para crianças maiores, adolescentes ou mesmo adultos de 20 e poucos anos.

Sabemos, pela neurociência, que as competências relacionadas às tomadas de decisão, chamadas de funções executivas, influem em nossa personalidade e podem ser desenvolvidas bem mais tarde do que apenas aos 5 anos.

Não existe a ideia de que, após certo período, tudo está perdido — essa ideia é errada. Uma criança que não teve acesso a estímulos na primeira infância ainda deve ser objeto de atenção para intervenções públicas na puberdade.

Qual a relação custo-benefício da pré-distribuição em relação à redistribuição? Do ponto de vista de um economista, se eu tirar R$ 1 de mim e der para você, isso é uma transferência de recursos. É algo que não vai aumentar a riqueza nacional, ainda que possa ser importante porque você precisa mais desse recurso do que eu.

Para além da questão ética —devo dar dinheiro para uma pessoa pobre? — , o que proponho é um investimento nos indivíduos de uma idade muito tenra, pois isso traz taxas muito altas de retorno econômico.

Qual é essa taxa? Calculamos que o investimento nos primeiros anos de vida tem taxas de retorno tão altas quanto 10% ou até 14% por ano. Isso porque fornecer habilidades básicas a uma criança melhora, no longo prazo, a saúde do indivíduo, sua cognição e sua autorregulação, o que faz com que fique longe de problemas.

São consequências amplas, que impactam toda a sociedade. Diminui custos da saúde, reduz os crimes, melhora a educação, aumenta os rendimentos. Não estou dizendo que não devemos transferir recursos em caso de necessidade, mas, sim, que podemos evitar que pessoas permaneçam pobres oferecendo habilidades para que floresçam e, com elas, a economia.

Essas vantagens se transferem para as gerações seguintes? Sim. Observamos que os filhos dos que receberam esse tipo de intervenção na infância também foram beneficiados. Mais do que ganhar mais status social e econômico, essas pessoas se tornam capazes de ajudar seus filhos a se desenvolverem melhor.

E como os pais podem promover esse estímulo? O ambiente doméstico tem papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo, pois o bebê é influenciado pela família, especialmente nos primeiros meses de vida. Ter um ambiente saudável é crucial para desenvolver habilidades. Ler para as crianças, envolvê-las em atividades da casa, brincar com elas, desenhar com elas. A interação com os pais é muito importante.

Como a mulher, historicamente responsável por cuidar dos filhos, mas que agora ocupa posições no mundo político e corporativo, pode lidar com esse dilema? Estudos norte-americanos mostram que mulheres com mais anos de educação tendem a trabalhar mais, ao mesmo tempo em que querem passar o máximo de tempo possível estimulando e educando os filhos.

O que se descobriu é que é relativamente pequena a diferença de tempo dedicado aos filhos entre uma mãe que trabalha fora e uma que fica em casa. A mãe que trabalha retira esse tempo dos seus momentos de lazer. Mas, se ela encontra uma boa creche ou escola de educação infantil que possa ser sua parceira, é possível substituir parte das horas diárias do estímulo materno.

Essa nova perspectiva fez da desigualdade algo menos problemático? Você pode abordar a desigualdade como uma questão moral. Mas, em vez de falar do capitalista rico espremendo o pobre trabalhador, estou falando do pobre trabalhador aprimorando suas condições para se integrar ao restante da população.

Nesse sentido, a ideia de classe é algo que pertence ao reino da eugenia. Duzentos anos atrás, um menino nascido em uma família de mineiros seria um mineiro. Hoje sabemos que isso só acontece se forem restritas suas oportunidades em termos de educação e acesso à sociedade.

Ainda assim, é fato que a desigualdade está aumentando em muitos países. A pobreza é que é um problema. Mas claro que, se as pessoas estão passando fome ou não satisfazem suas necessidades básicas, isso é coisa séria.

Algo interessante no Brasil é que estudos feitos nos anos 1960 mostraram que a desigualdade havia aumentado, o que motivou grande preocupação. Mas um jovem que foi meu aluno aqui na Universidade de Chicago, Ricardo Paes de Barros, mostrou que toda a distribuição de renda havia mudado, e que os brasileiros pobres estavam bem mais ricos do que 15 ou 20 anos antes.

​E isso hoje é verdade na China e em muitos outros países do mundo. Nesses casos, a desigualdade de fato aumentou, mas também aumentou o bem-estar da população.

Não existe problema em uns ganharem muito e outros, muito pouco? Por que deveria ser uma preocupação para mim se outra pessoa ganha muito mais do que eu? Falando tecnicamente, se tenho recursos, uma vida digna, o que isso importa? A questão se torna de inveja, que não é bom motivo para nada.

A renda da classe média está encolhendo em várias partes do mundo. Quais os perigos disso? As evidências são menos claras do que parecem. Existe, sem dúvida, uma transformação da força de trabalho, e ela envolve um agrupamento de habilidades que coloca muita gente em desvantagem, especialmente os mais velhos.

É um problema grave, mas eu diria que é um problema de transição. Porque outras carreiras estão surgindo, beneficiando outros grupos de pessoas, especialmente as mulheres, que são mais educadas do que os homens, na média.

Um dos maiores desafios desse processo, sobre o qual as pessoas não gostam muito de falar, é o da família.

Como assim? A estrutura da família tradicional tem se transformado tremendamente. Se a mulher é o arrimo de uma casa, algo cada vez mais frequente, ela em geral combina dois desafios muito difíceis: formação ruim e dificuldade extrema em criar os filhos, o que contribui para a pobreza.

Essa questão é tão sensível nos Estados Unidos que nem sequer é debatida. Os governos resistem a prover educação pré-escolar porque presumem que as crianças estão em famílias saudáveis, com dois adultos relativamente educados cuidando delas. A realidade, porém, é que a família mudou e precisa de apoio.

Por que alguns países atingem alto grau de desenvolvimento enquanto outros não? Acho que isso tem a ver com a política. O populismo, em qualquer lugar, tem sido uma maldição para o crescimento. Corrupção, falta de vontade política e políticas ineficientes frequentemente impediram que nações se desenvolvessem.

Isso é verdade para o Brasil também? O Brasil, sem dúvida, apresenta muita desigualdade, social e racial. Embora a educação esteja certamente se expandindo, ainda há muito a ser feito.

É um país engraçado aos olhos de um norte-americano porque, mesmo que haja casamentos interraciais, o grupo cultural dominante é extremamente distinto do resto da sociedade. Está na cara das pessoas. E as forças da sociedade têm ainda que encorajar uma maior integração racial.

James Heckman 
Desde que foi laureado com o Nobel de Economia em 2000, o economista James Heckman, 75, tem se dedicado a pesquisar tanto as origens de grandes problemas sociais e econômicos, como a desigualdade, quanto as estratégias para remediá-los.

Ele desenvolveu modelos teóricos sobre escolhas parentais, bem como modelos intergeracionais de influência familiar, para determinar as origens das diferenças entre as pessoas e quais intervenções são efetivas para remediar desvantagens.

Nascido em Chicago (EUA), formou-se em matemática e fez mestrado e doutorado em economia na Universidade Princeton. É professor do Departamento de Economia da Universidade de Chicago desde 1973, onde dirige o Centro de Economia do Desenvolvimento Humano.

A origem da desigualdade, o custo do capital e a manutenção do poder

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Carta Maior – 23/07/2019

Os teóricos economistas que serviram aos governos ao longo da história brasileira sempre se mantiveram afastados do verdadeiro processo econômico. A maior parte esteve próximo à gestão financeira, associada e orientada ao mercado. Para atender a sua demanda, não aprenderam a gerar riqueza, então focaram suas fórmulas no outro lado, diminuindo custos, cortando gastos, economizando riquezas.

A mudança que o Brasil precisa é através da geração e distribuição de suas riquezas. E, não existe crescimento, geração de riquezas, sem investimento. Esse investimento pode vir pela iniciativa privada da riqueza de pessoas ou pelo investimento público, advindo da riqueza de todos, por meio do Estado. Nesse caso, envolve, sobretudo, o entendimento e o exercício do conceito de nação.

É nesse momento que a velha elite econômica, detentora histórica do poder e da riqueza atua e sempre atuou. Ela é a mão que impulsiona os investimentos, mas que majoritariamente são feitos para atender seus próprios interesses, afastando a nação da riqueza e revertendo para ela própria o bônus do investimento. Além disso, ao emprestar esse recurso ao Estado ela se torna credora dele. Um credor que cobra juros e favores.

Com o aumento do endividamento interno, o Estado não consegue investir. Essa dívida vem contraída de juros e esse juros consome cada vez mais a capacidade das pessoas de entregar um pouco de suas riquezas para o bem comum, através do pagamento de impostos.

O Estado arrecada esse montante de impostos, mas endividado, passa a pagar somente juros para quem deve e perde sua capacidade de investir. O problema é que quem recebe esses juros é aquela mesma elite financeira, sobretudo os grandes bancos, que emprestaram o dinheiro ao governo. Para piorar, o dinheiro que recebem como pagamento de juros não vai para a geração de riqueza, mas sim para a compra de títulos de dívida pública, aumentando ainda mais seus ganhos e, crescendo o endividamento do Estado, criando um círculo vicioso, não virtuoso.

Isso posto, a elite econômica, utilizando do discurso dos economistas de mercado citado anteriormente, transfere ao Estado a responsabilidade que ela mesmo causou e escolhe os representantes políticos como marionetes para a articulação e atuação nas esferas legais do poder, afastando os interesses populares das decisões políticas.

O povo, desencantado com o Estado, vislumbra no discurso político do “bom gestor” associado a uma equipe de economistas igualmente reconhecida pela sua “competência”, a solução para os problemas econômicos do país.

Contudo, como já foi dito, o sistema econômico não é capaz, sozinho, de gerar riqueza. Ele precisa da nação e do apoio do Estado. Em um país com extrema desigualdade, esse processo facilita a concentração de riqueza (fundiário, financeiro, imobiliário etc) e, perpetua por gerações, o ônus da pobreza. Ela (a elite econômica) passa, então, a ser administradora dessa divisão social. Cria um muro e separa aqueles que são capazes de gerar riqueza através do trabalho, que é uma fonte geradora de riqueza, daqueles que detém os meios de produção.

Essa frágil divisão tem que ser mantida a todo custo, minando a capacidade desses trabalhadores derrubarem essa relação de dependência, impedindo que se reúnam em associações, dificultando greves e manifestações. No passado isso era facilmente controlado pela própria falta de consciência de classe dos trabalhadores e do desamparo legal em relação a eles.

Para conduzir a economia brasileira na atualidade, a elite econômica não precisa se utilizar desses subterfúgios e indisposições sociais. Basta apenas elevar os custos e impedir que essas pessoas atravessem o muro que as separa dos meios de produção.

Com os custos do dinheiro (juros) mais altos do que a riqueza que ela consegue gerar, a classe trabalhadora se torna dependente do sistema. Além disso, através do poder político e com o urgente discurso de que o Estado precisa reverter essa situação, o governo e os seus economistas convencem a população de que a solução se faz pelo “corte” de gastos. E assim, o governo vai promovendo o desmantelamento das conquistas e dos direitos populares e trabalhistas. São as tais das “reformas” e dos cortes.

Por essas razões, o trabalhador e o pequeno produtor têm dificuldade de empreender e ascender socialmente. A desigualdade se mantem como um projeto de poder e de riqueza nas mãos de poucos.

A república repete as velhas práticas oligárquicas.

Precisamos de um Estado democrático que valorize o trabalho e o pequeno produtor, como geradores de riqueza.

*Gabriel Davi Pierin é professor, historiador e escritor, autor de “Uma Estrela na Escuridão – A história do único brasileiro sobrevivente ao holocausto”.

 

A ressaca da Globalização, democracia e a desigualdade social

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O processo de globalização foi responsável por um grande conjunto de transformações na sociedade mundial nos últimos trinta anos, desde uma maior aproximação entre os agentes econômicos e produtivos, até um incremento no desenvolvimento científico e tecnológico e uma maior aproximação entre os indivíduos, com um aumento da imigração e uma maior integração entre as culturas, as línguas e os comportamentos, este processo alterou a vida de todas as regiões e transformou o cotidiano de grupos sociais e comunidades, gerando novos desafios, oportunidades e muitos medos.

Os defensores do processo de globalização defendiam a ideia de que a imersão no mundo globalizado seria a grande panacéia da sociedade global, os ganhos seriam generalizados, a pobreza e a fome estariam com os seus dias contados, o mundo estaria iniciando uma nova fase de integração, solidariedade e forte crescimento e desenvolvimento econômico.

Nestes anos a economia dos países se abriram para uma maior integração comercial, os fluxos financeiros cresceram de forma acelerada, as exportações e importações se tornaram fundamentais para que a nova produção global se efetivasse, os investimentos estrangeiros se avolumaram, os fluxos de imigração cresceram e as empresas multinacionais ganharam uma centralidade poucas vezes vistas na história da humanidade.

O pós segunda guerra mundial propiciou um momento fértil para o avanço do processo de globalização, como a grande parte das regiões foram destruídas pelo conflito, foi necessário a construção de consensos entre os países, para que a sociedade mundial fosse reconstruída e os países tivessem a oportunidade de se levantar, criando instrumentos para suas populações voltarem a ter melhores perspectivas, depois de décadas de mortes e conflitos que deixaram mais de 100 milhões de pessoas mortas e regiões inteiras destruídas, inclusive locais vitimados com bombas nucleares de alta destruição.

O grande líder deste período foi os Estados Unidos da América, país emergente em todas as áreas e setores, desde o industrial até o tecnológico e o cultural, além de possuírem a moeda que se tornaria reserva para a nova estrutura econômica internacional. Para agilizar a recuperação global e se consolidar como potência hegemônica, os Estados Unidos levaram sua moeda e suas empresas para as mais variadas regiões, obrigando os outros países a aceitarem suas empresas, seu modelo de produção baseado no fordismo e a aumentar o comércio, a integração financeira e produtiva.

O crescimento do comércio e a integração produtiva, somados ao aumento dos fluxos financeiros consolidaram os Estados Unidos como a grande economia do mundo, levando seu governo a adotar políticas liberais, desde que estas atendessem aos seus interesses econômicos e políticos, ou intervencionistas, desde que fossem positivas para civilização, com isso, garantiram grandes benefícios para sua economia e se consolidavam como a maior estrutura militar da sociedade global, líder em variados setores mas tendo no militar sua grande força bélica e, principalmente, tecnológica e científica.

O modelo difundido pelos Estados Unidos estava centrado, na democracia representativa e na economia de mercado, com separação de poderes e uma maior liberdade para seus agentes econômicos, estimulando o empreendedorismo, a concorrência e a inovação, bases para a construção de uma nova sociedade, mais dinâmica e menos dependente do estado.

Com a ascensão da China nos anos 1990, os Estados Unidos acabaram perdendo a centralidade deste modelo, mesmo tendo sido considerado o grande vencedor da chamada Guerra Fria, os norte-americanos perderam terreno com a ascensão asiática, primeiramente o Japão, a Coréia do Sul e, principalmente, com a chegada da China. Inicialmente, os norte-americanos viram a região oriental como um local para produção com mão de obra mais barata e, posteriormente, vendo-a como um forte competidor, um rival e até para muitos como inimigos, vide a guerra comercial deflagrada contra empresas chinesas.

A ascensão asiática, vista inicialmente como uma grande oportunidade de reduzir custos de produção, já que estes países são dotados de mão de obra abundante e com preços baixíssimos, se mostrou um grande fator de desequilíbrio para toda a economia internacional. Com uma economia mais integrada e interdependente, grandes conglomerados ocidentais passaram a transferir suas estruturas produtivas para os países asiáticos, gerando milhões de empregos e contribuindo para uma vigorosa transformação na estrutura dos países asiáticos.

Nestas regiões da Ásia, milhões de pessoas que viviam em condições de forte degradação, passaram a ser empregados em grandes empresas ocidentais, foram treinados e capacitados para participar dos processos produtivos, com isso, as regiões mais pobres passaram por um grande fluxo migratório para as regiões mais industrializadas, gerando novas ocupações e garantindo um maior crescimento econômico, com fortes impactos sociais e políticos.

Os trabalhadores orientais passaram a trabalhar no setor industrial, foram treinados e capacitados, ao mesmo tempo os governos investiram fortemente em qualificação e expandiram os recursos para a educação básica, transformando alguns países da região em grandes produtores de mão de obra qualificada e fortalecendo a perspectiva de que, num futuro muito próximo, a região se transformará em um grande polo de desenvolvimento tecnológico, gerando inovação, ciência e tecnologia.

Neste movimento os países asiáticos, principalmente, China, Coréia do Sul, Japão, Indonésia, Malásia, Singapura, dentre outros, foram os grandes ganhadores com o processo de globalização, sua participação no comércio internacional cresceu de forma acelerada, galgando novos espaços, atraindo investimentos e se utilizando de uma política pragmática que combina governos fortes e autoritários com uma economia de mercado, centrada na ampla concorrência e competição, é bom lembrar que esta competição só aconteceu quando os países estavam capacitados e suas empresas preparadas, antes disso, o Estado teve um papel central como grande construtor de instituições dinâmicas e eficientes.

O modelo chinês se caracteriza por traços de grande autoritarismo, os cidadãos são reprimidos e são obrigados a seguir as regras implementadas pelo Partido Comunista Chinês, PCC, que define as regras e estrutura todas as instituições. Este modelo ajudou a garantir um crescimento fantástico desde os anos 1980 e foi responsável por um recado negativo para o sistema democrático dos países ocidentais, isto porque deixou em aberto que os regimes autoritários podem garantir crescimento econômico e ganhos sociais consideráveis, ao contrário das democracias ocidentais.

Uma população que sempre viveu, em sua grande parte, na miséria, sob governos autoritários ou em condições de indignidade, moradores de comunidades rurais que sobreviviam em condições degradantes, muitos deles viviam como seus antepassados viveram durante muitos séculos, sem perspectivas e esperanças de melhorias e avanços nas condições de sobrevivência. Nesta situação, a chegada de investidores estrangeiros e um forte planejamento e intervencionismo do Estado, levaram estas populações a um espasmo de crescimento, com melhoras consideráveis na vida, mesmo ganhando pouco, mesmo assim, era algo muito melhor e mais consistente do que ganhavam anteriormente.

A chegada de empresas multinacionais em territórios asiáticos significou, para os países ocidentais a migração de suas empresas para a Ásia, afinal num mundo marcado pela concorrência crescente, os custos da mão de obra fazem a diferença na conquista ou na perda dos mercados. A migração de multinacionais dos países desenvolvidos para a Ásia, significou a perda de empregos e a redução do poder de compra da população dos países desenvolvidos, impactando diretamente sobre a classe média destes países, que viram seus empregos serem reduzidos e suas massas salariais em queda acentuada.

A globalização trouxe benefícios para os países asiáticos, os investimentos estrangeiros criaram bons empregos e alteraram de forma substancial a vida destes trabalhadores, que migraram do campo para as cidades, impulsionaram o crescimento econômico destes países e abriram espaço para novos mercados e setores produtivos dentro da sociedade, incorporando uma região inteira no sistema capitalista de produção.

No lado ocidental os impactos são variados, de um lado, o preço dos produtos que passaram a ser produzido nos países asiáticos se reduziram rapidamente, inundando o mercado mundial com mercadorias de baixo preço e bastante competitivas. De outro lado, os empregos migraram dos países ocidentais para as economias emergentes da Ásia, gerando uma leva de desempregados e subempregados, levando muitas regiões a um amplo processo de desindustrialização, com queda na arrecadação de impostos e graves desequilíbrios para as finanças dos governos estaduais e municipais. Um exemplo interessante deste esvaziamento das regiões, geradas pelo processo de desindustrialização, foi a cidade de Detroit, que sempre se caracterizou pela dependência do setor automobilístico, sua economia girava em torno destes produtos e das cadeias produtivas dos automóveis, com a migração destas empresas para os mercados da Ásia, a região entrou em uma situação falimentar, com graves desequilíbrios sociais, econômicos e políticos.

A fragilização desta classe média em países ocidentais levou uma parcela considerável de seus membros a flertarem com o populismo de direita, apoiando decisões protecionistas e xenofóbicas, além de uma grande hostilidade a imigração e uma ojeriza a órgãos e instituições multilaterais, com isto, estes grupos passaram a flertar com políticas autoritárias e eleger líderes com viés totalitária, fragilizando e colocando em xeque a democracia. As pessoas estão ansiosas em relação ao futuro, e como nos diz a Psicologia, quando ansiosas, olham para o mundo exterior em busca de culpados. Ao propor o fechamento das fronteiras, isso acalma a ansiedade das pessoas mas não resolve os problemas que as afligem.

A classe média passou a se afastar das classes ricas e a se aproximar dos grupos mais depauperados, esta aproximação gerou graves constrangimentos para a classe média e uma grande revolta com relação a sua degradação e perda de centralidade na sociedade contemporânea, alimentando partidos e movimentos de direita ou de ultra direita, que defendiam ideias e prometiam reverter a situação de empobrecimento da classe média, tão central no desenvolvimento das economias e fundamental para setores culturais e de direitos humanos, setores estes abandonados atualmente.

Como destacou Lucas Chancel, um dos coordenadores do Relatório de Desigualdade Global, as promessas da globalização fracassaram para muitos ao redor do mundo: “Onde quer que olhemos ao redor do mundo, na Europa, na América Latina, na América do Norte ou na Ásia, vemos a renda do 1% mais rico subindo brutalmente. São taxas acima de 100% ou de 200% para 1% do topo entre 1980 e hoje. Em alguns países a taxa ultrapassa os quatro dígitos”.

Neste novo modelo, os grupos mais poderosos dos países desenvolvidos e em desenvolvimento conseguiram construir um modelo com grandes benefícios para o capital em detrimento do trabalho, como controlam ou tem muitas influencias sobre os Estados nacionais, controlam estes órgãos e definem as políticas que lhes garantem ganhos consideráveis, com isto as Bolsas batem recordes de rentabilidade, agora, quando percebem movimentos perturbatórios, os capitais fogem rapidamente, esvaziam as Bolsas e geram perdas substanciais, com isso, mostram seu poder e sua capacidade de acumular ganhos consideráveis.

O grande problema do processo de Globalização é que nos últimos anos, os grandes comandantes deste processo, foram os donos do capital financeiro, estes senhores passaram a controlar os recursos disponíveis na sociedade global e transformaram este poder em rentabilidades maiores, garantindo retornos fáceis e astronômicos. Cabe a este grupo de poderosos o controle dos Bancos Centrais, dos Secretários do Tesouro, dos Ministros da Economia e das Finanças e das agências multilaterais, garantindo aos membros ganhos crescentes e aos dissidentes um empobrecimento e um afastamento da inovação e do conhecimento científico e tecnológico.

A classe média perdeu espaço neste modelo, principalmente das cidades menores que apresentam menos oportunidades e esperanças de angariar bons empregos, obrigando-as a migrarem para outras regiões ou cidades maiores, objetivando uma melhor colocação profissional, única forma de manter seus ganhos e vantagens como classe.

Com o crescimento da fome e da pobreza e um enfraquecimento da democracia, percebemos que o processo de globalização apresentou ganhos relativos, neste ambiente de instabilidades e constrangimentos aos perdedores, cabe aos Estados Nacionais uma centralidade maior, organizando as estruturas e garantindo serviços públicos de qualidade e com eficiência, com isso, aliviam os temores da classe média, pois se estes temores crescerem, os movimentos posteriores serão bastante negativos e preocupantes, com impactos generalizados sobre todas as comunidades, no final do século passado estas instabilidades culminaram em duas grandes guerras mundiais, esperemos que neste momento a civilidade e o respeito não abram espaço para a barbárie.

Sobre Santidades, Medianeiros, Missionários e homens comuns

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A humanidade sempre concedeu a algumas pessoas uma importância fundamental, deram-lhes títulos e responsabilidades adicionais, vendo nestes habilidades para conversar e se relacionar com forças superiores, eram homens e mulheres ungidos para missões especiais, dotados de sensibilidades e uma grande capacidade de conversação com entidades abstratas e imateriais, antigamente eram os feiticeiros, bruxos e pitonisas e, na atualidade, são conhecidos como pastores, missionários e médiuns, todos dotados de um elevado poder espiritual e grandes estruturas moral e carisma, sendo vistos como exemplos a serem seguidos por suas comunidades.

Estes indivíduos eram vistos como pessoas especiais, dotados de uma grande capacidade de comunicação, carisma e empatia, eram seres enviados pelas forças superiores para auxiliar os indivíduos nas duras lutas existentes no mundo material, ajudando-os a superar as dificuldades e angariar valores para seu amplo crescimento espiritual, todas as religiões e crenças traziam em suas fileiras pessoas com estes dons divinos.

Nos escaninhos da humanidade, estes indivíduos desempenhavam um papel central, se dotados de bons sentimentos auxiliavam as comunidades e seus cidadãos a uma reflexão mais íntima e a atitudes mais salutares, angariando informações e consolidando valores muitas vezes esquecidos, em um mundo marcado pelas brutalidades e por tendências de violentas e de agressividade. Agora, se fossem marcados por sentimentos menores e por uma ambição descontrolada, eram responsáveis por atitudes de dominação e controle, levando muitos indivíduos a se perpetuarem em situações degradantes e constrangedoras.

Com o passar do tempo, muitos líderes religiosos passaram por momentos de contestação e foram desmascarados pela sociedade, muitos deles se mostraram mais intimamente, como nos dizia Maquiavel, quer conhecer os homens, dê a eles poder. Muitos se misturaram com os prazeres do mundo e se deixaram levar pelas paixões mundanas e imediatistas, deixando de lado seus compromissos espirituais e se entregando aos gozos sexuais e aos supostos prazeres do álcool, tendo seus caminhos e jornadas alteradas e, em muitos casos, até interrompidas pelo plano espiritual para que seus equívocos não fossem maiores e suas dificuldades posteriores não lhes impusessem esforços descomunais.

No Espiritismo, muitas são as obras que retratam casos de degradação e abandono de ideais superiores em prol de prazeres materializados, dentre eles destacamos o livro Trilhas da Libertação, escrito pelo médium Divaldo Pereira Franco e ditado pelo espírito Manuel Philomeno de Miranda, uma obra central para que entendamos as paixões e os desejos que levam muitas pessoas a abandonar ideais construídos no mundo espiritual em busca de caminhos suspeitos e equivocados, cujos constrangimentos futuros são intensos e as dores posteriores marcam a trajetória do espírito.

Os médiuns devem ser vistos como seres humanos, dotados de valores e sentimentos como qualquer indivíduo, tendo como única diferença, uma maior sensibilidade e uma abertura maior com o mundo espiritual. Muitos deles passam a ser divinizados por uma sociedade doente e carente de cultos e personalidades, estes sensitivos sentem prazer nesta bajulação e, aos poucos, se afastam de ideais e de valores mais sólidos e consistentes, sentindo uma maior atração pelos prazeres da carne, que tem levado os indivíduos a uma vida marcada pela ilusão e pela insignificância moral, trazendo-lhes um grande vazio interior, levando muitos deles a patologias, ansiedades e depressão.

Os presentes e os mimos passam a ser constantes, os beneficiados pelos seus auxílios se sentem agradecidos e passam a presentear estes médiuns e passam a confundir seus chamados dons, concedendo-lhes títulos e vendo-os como seres especiais, ungidos por Deus e dotados de poderes que estes não possuem, tudo isto contribui para que estes médiuns passem a se sentir seres especiais, passem a acreditar que são possuidores de poderes e forças diferenciadas, neste momento passam a se afastar dos verdadeiros ideais de progresso espiritual e se entregam aos prazeres da bajulação e das tietagens, estampando capas de revistas e matérias em jornais e documentários televisivos.

As religiões nos trazem inúmeros exemplos de pessoas vistas como diferenciadas, dotados de poderes sobrenaturais, que se envolveram em episódios destrutivos e suas imagens foram destruídas, desde padres e bispos católicos pegos e denunciados em pedofilia, passando por pastores e lideres evangélicos que se comprazem com os prazeres do dinheiro público e se empanturram na política para defender seus interesses e de seus rebanhos, até médiuns espírita que se utilizam de um falso poder para enganar e degradar os valores e sentimentos de pessoas incautas e ignorantes, os exemplos são muitos e não se restringem a uma única religião ou grupo religioso.

Os prazeres do mundo espiritual são inúmeros e são estimulados por entidades que querem fragilizar o médium e boicotar seu trabalho, são inimigos espirituais do próprio médium ou da religião que estes professam, são irmãos que ora estão centrados em vingança e em ressentimentos, infelizmente se comprazem com a degradação e elegem como inimigos e fazem de tudo para destruí-los, impedindo que as luzes difundidas pelos conhecimentos religiosos reduzam seus poderes e angarie adeptos para suas fileiras religiosas.

Estes espíritos atuam fortemente sobre o médium, querem humilhá-lo e enfraquecer seus conhecimentos e desviar seu caminho, com isso, denigrem as religiões e levam o médium a humilhações, gerando constrangimentos variados e colocando a população da comunidade em rota de colisão com os adeptos da religião, neste ambiente de intolerância e de xenofobia, acabam gerando violências e atitudes equivocadas.

Em um livro recentemente publicado no Brasil No Armário do Vaticano, o escritor francês Frédéric Martel, destaca como a cúpula da Igreja Católica se degradou e passou a inviabilizar mudanças importantes, acumulando ilícitos de todas as naturezas, desde corrupção, passando por pedofilia, homossexualidade e variados desequilíbrios, gerando no movimento religioso graves constrangimentos morais e degradando os valores defendidos pelo Cristianismo e sempre divulgados em suas fileiras.

Quando analisamos estes fatos destacados no livro, percebemos que muitos grupos religiosos são caracterizados por discursos fortemente centrado na moral e nos bons valores e que, na intimidade cultivam atitudes e comportamentos diferentes, pregam valores que não possuem, exigem das pessoas e, principalmente, dos fiéis, comportamentos exemplares e atuam clandestinamente em movimentos de intolerância, defendendo uma limpeza espiritual incompatível com seus gestos e comportamentos.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra claramente que a renovação moral deve ser o primeiro passo para que os indivíduos cresçam e se consolidem espiritualmente, para isto, faz-se necessário uma atuação constante no bem, o cultivo do hábito saudável da oração, da renovação e da reflexão, seguindo sempre a máxima de que fora da caridade não há salvação.

            Todos que levantam bandeira do bem e do equilíbrio espiritual são alvos dos espíritos desequilibrados, estes últimos se associam para destruir os trabalhos no bem, se utilizam da escuridão para constranger os trabalhadores do bem, para atuar na matéria controlam todos aqueles irmãos desequilibrados, utilizando-os para denegrir, humilhar, maltratar e gerar falsas notícias, distribuindo calúnias e difamação, sempre visando atingir e fragilizar os trabalhadores do bem. De outro lado, todos que cogitam trabalhar para o bem, devem cultivar hábitos saudáveis e vigiar sempre, suas energias e pensamentos devem estar sempre calibrados com os ideais do Cristo, com isso, atraem bons espíritos para a construção de um trabalho digno e edificante, tendo a proteção e o amparo de todos que se esforçam para que o mal, o rancor e o ressentimentos sejam transformados em energias de luz e de equilíbrio e possam retornar para a humanidade em forma de amor, caridade e bons sentimentos.

A Doutrina Espírita nos mostra que, quando um médium começa a adotar uma postura equivocada, os bons espíritos que o acompanhavam até então, acabam deixando o medianeiro, antes disto usam todos os instrumentos possíveis para auxiliá-lo e dissuadi-lo de seguir para um outro caminho, tentam instruí-lo no sono físico e colocam pessoas em seu caminho para que este lhe traga informações confiáveis para evitar que o médium altere o caminho planejado anteriormente, muitos fazem este planejamento no mundo espiritual e são lembrados constantemente sobre o projeto antes de reencarnar.

Os espíritos que querem desviar o caminho do medianeiro, se utilizam de um instrumento que, constantemente, gera um êxito aparente e desviam o médium de seu caminho anterior, estimulam a vaidade e a ambição do indivíduo e colocam pessoas para o elogio fácil e para a bajulação constante, concedendo-lhe uma falsa sensação de poder e superioridade, que o leva facilmente, isto se não manter seus interesses, pensamentos e valores blindados, a escolhas equivocadas e quedas bastante violentas, gerando dores e constrangimentos variados.

Francisco Cândido Xavier foi um exemplo completo de médium integral, sua mediunidade abarcava vários tipos e modelos, para fugir da vaidade e da bajulação adotava princípios e valores edificantes, a oração era presente frequente em suas atividades cotidianas, a companhia de seu mentor espiritual, Emmanuel, lhe trazia, muitas vezes a realidade da vida, sua dureza e perseverança foram fundamentais para que o nosso Chico Xavier conseguisse obter êxito máximo em sua vivência material, sendo que seu mentor espiritual, no momento do encontro definiu de forma intensa três palavras e conceitos fundamentais para a consolidação de seu mandato mediúnico: disciplina, disciplina e disciplina.

A sociedade busca constantemente a santidade das pessoas em todos os momentos e épocas e, ao mesmo tempo, se refestela quando os supostos missionários caem e são vítimas de humilhações e constrangimentos, transformando-os em escárnios e portadores de verdadeiras doenças contagiosas, o que os tornam mais humanos e os fazem mais parecidos com o cidadão comum, marcados por equívocos e limitações.

Somos todos imperfeitos e inconsequentes, a perfeição não existe neste mundo de provas e expiações, se aqui estamos temos muito trabalho a fazer, a Doutrina dos Espíritos e as outras religiões podem ser vistas como um instrumento para que encontremos o caminho, nenhuma religião sozinha garante a evolução espiritual mas podem auxiliar, desde que nos utilizemos deste instrumento para refletir e nos transformarmos intimamente, a evolução é inexorável e inadiável, uns evoluem mais rapidamente enquanto outros estão ainda esperando a chegado de um todo poderoso para lhes mostrar o caminho e, quem sabe, caminhar ao lado deles nesta estrada.

 

 

Globalização fracassou para muitos, e reações podem ser violentas

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Coordenador do Relatório da Desigualdade Global diz que ‘fuga para o mais barato’ achatou as classes médias e levou à precarização dos serviços públicos

Para o economista Lucas Chancel, um dos coordenadores do Relatório da Desigualdade Global, as promessas da globalização “fracassaram” para muitos ao redor do mundo.

Em sua opinião, os países precisam reorganizar a integração econômica global para evitar “reações violentas” no futuro.

Frenando Canzian – 22/07/2019 – Paris

Embora os muitos pobres estejam melhorando por causa da Ásia, os mais ricos ficam cada vez mais ricos em todo o mundo e a classe média está sendo espremida. Quais as razões e as perspectivas desse movimento?

O que vemos são os três lados da história da globalização. O lado mais feliz é o enorme crescimento da Ásia. Na China, na Índia e em outros países. Há uma melhora substancial nos padrões de vida,e isso levou à redução das desigualdades entre os países.

Alguns se concentraram nisso para dizer que a globalização é ótima e que é preciso aprofundá-la,pois a desigualdade global diminuiu.

Mas há um outro lado. A renda cresce em ritmo muito baixo entre as classes trabalhadoras na América do Norte e em alguns países europeus. Nos EUA, toda a metade mais pobre ficou de fora do crescimento da renda nos últimos 38 anos.

Isso também precisa ser entendido a partir da perspectiva da terceira história da globalização, que é a da elite econômica global.

Onde quer que olhemos o mundo, na Europa, na América Latina, na América do Norte ou na Ásia, vemos a renda do 1% mais rico subindo brutalmente. São taxas de crescimento acima de 100% ou de 200% para o 1% do topo entre 1980 e hoje. Em alguns países a taxa ultrapassa os quatro dígitos.

Um debate bem informado sobre a globalização precisa levar em conta essas três histórias. Não dá para dizer apenas que os pobres estão melhorando e que isso é ótimo. Ou que as pessoas do topo estão ganhando muito e que isso é terrível.

O que vai acontecer? O lado bom da história é que tudo depende de nós.

Tudo vai depender do que os formuladores de políticas implementarem. E isso vai depender, em muitos países, das decisões dos cidadãos.

Como os países individualmente podem combater as desigualdades se as empresas hoje são globais e o capital é livre para migrar, mas as pessoas, não?

O capital pode migrar por que organizamos a globalização dessa maneira. Assinamos tratados que nos permitem mover bens e às vezes trabalhadores e, em muitos casos, o capital. Mas não assinamos tratados que harmonizassem a tributação.

Então, qualquer tipo de entidade na qual há livre comércio sem harmonização fiscal será uma entidade econômica que não funcionará adequadamente. Particularmente do ponto de vista da desigualdade. Com certeza, essa é uma questão-chave que precisa ser enfrentada.

Nos últimos 30 anos houve, dentro da União Europeia, uma “fuga para onde for mais barato” em termos de tributação progressiva,ou em termos de tributação de uma empresa. Porque todo país acha que, se não fizer o jogo da “fuga para o mais barato”, vai sair perdendo.

Mas, no final, todo mundo perde porque não sobram recursos para os atores públicos que quer em financiar um bom nível de educação, transporte público e saúde.

Basicamente, os formuladores de políticas foram um pouco preguiçosos, e apenas diziam que “tudo bem, vamos fazer o jogo da fuga para o mais barato”. Mas qual é a consequência desse jogo?

Bem, há contribuintes “móveis”, que são as multinacionais e os cidadãos ricos, que ameaçam e chantageiam o governo com o argumento de que “se você aumentar meus impostos, eu me mudo”.

Mas também há”contribuintes imóveis”, a classe trabalhadora, a classe média e o contribuinte que simplesmente não pode se mudar. E essas pessoas querem a manutenção de bons níveis de serviço público.

Então, quem vai pagar os impostos? Se isso recair sobre a classe média, sobre os grupos de baixa renda, não será nenhuma surpresa que venhamos a ter uma reação muito violenta, brutal.

Já temos fenômenos como Donald Trump, brexit e populistas ganhando terreno. A “desglobalização” vai se acentuar nessa onda?

Um dos problemas é que as promessas da globalização em grande parte fracassam. Ela deveria aumentar o padrão de vida em países de baixa renda, e isso aconteceu

Mas também deveria melhorar a vida das classes médias e dos trabalhadores nos países ricos, e isso não aconteceu.

Uma das formas de entender a rejeição a o multilateralismo é o próprio fracasso do multilateralismo.

Mas uma maneira de tentar torná-lo bem-sucedido é abordar a questão-chave que você colocou, da fuga de capitais. É preciso organizar a globalização e saber com muito mais transparência onde está a riqueza e como ela se move de um país para outro.

Isso significa, por exemplo, que não podemos continuar negociando com paraísos fiscais que não respeitam as regras básicas da transparência. Porque países e governos perdem nesse jogo. Isso justifica a imposição de limites.

Em “The Great Leveler”, Walter Scheidel argumenta que a desigualdade é um fato da vida. Que só diminuiu após eventos extremos, como guerras e pestes. Qual a sua opinião?

Sim, é um fato da vida e, em certa medida, sempre existirá, até o fim dos tempos.

Mas a questão é até que ponto aceitaremos esse nível de desigualdade. E há outro fato, não um fato da vida, mas das sociedades humanas, que é a discussão permanente sobre como a riqueza deve ser compartilhada. E esse tipo de discussão está no centro da construção das democracias modernas.

 

Desencarnação, crescimento e desenvolvimento espiritual

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A morte sempre foi uma grande incógnita para os indivíduos e para as coletividades, as culturas tratam de forma diferente este tema e encontram respostas originais e inusitadas, todos sabemos que desde o nascimento estamos em contagem regressiva para uma outra vida, para alguns vamos para um vazio absoluto ou para uma escuridão sem precedentes, outros acreditam em uma espera que pode durar muitos anos ou quem sabe séculos ou milênios, a morte ainda desperta muitas dúvidas e reflexões das pessoas em todos os lugares do mundo.

Existem muitas discussões e dúvidas sobre a morte, as religiões, as culturas e as correntes filosóficas apresentam visões variadas, algumas trazem explicações mais vigorosas e consistentes, enquanto outras atribuem as respostas a dogmas inatingíveis para os homens no momento atual, contribuindo para o crescimento e o fortalecimento de um verdadeiro misticismo, que cultiva ignorância e desinformação, gerando medos e inseguranças.

A Doutrina Espirita, codificado por Allan Kardec, em 1857, com a publicação de O Livros dos Espíritos nos traz informações novas e originais, suas análises perpassam a questão religiosa e se concentram em uma visão científica e filosófica, com isso, nos mostra uma situação mais completa e uma interpretação mais consistente e inteligente, sem dogmas e desprovida de preconceitos, que muitas vezes limitam a capacidade de compreensão dos indivíduos e das coletividades.

Os conhecimentos trazidos pela Doutrina dos Espíritos nos informam que a morte como a conhecemos não existe, somos espíritos que estagiamos no corpo físico e, posteriormente, retornaremos para o verdadeiro local da vida, o mundo espiritual, embora não nos recordemos este é o verdadeiro local da nossa existência, somos espíritos habitando corpos materiais temporariamente, nele passamos por variadas experiências que devem servir como vivências, nunca como punição, mas como educação, em prol do progresso e de um verdadeiro desenvolvimento espiritual.

As informações trazidas por Allan Kardec geraram muitas controvérsias na época, é importante lembrar que, neste momento histórico, a Europa vivia os últimos espirros da Inquisição, momento marcado pelos desatinos da Igreja Católica, que se outorgava o direito de alienar os indivíduos e impor seus interesses mesquinhos e imediatos, condenando os indivíduos a uma cegueira moral e perpetuando seu poder e dominação.

As ideias descritas por Kardec reviviam os ensinamentos de Jesus de Nazaré, mostrando aos indivíduos a importância de sermos bons e justos com nossos semelhantes, isto porque estas atitudes nos auxiliariam em nosso progresso espiritual e em outros momentos da vida. Pelas doutrinas anteriores, os prazeres do mundo eram os grandes ideais dos indivíduos, as posses materiais, as terras, os títulos e as insígnias eram buscadas como forma de prazer e enriquecimento, formas de poder da sociedade da época.

Quando restringimos a vida dos indivíduos a apenas uma única vida, quando não cogitamos a existência de uma vida posterior a existência atual, nos deixamos levar por todos os instrumentos de acumulação e de prazeres materiais, afinal a vida se restringe aos momentos atuais, os prazeres do hedonismo dominam os indivíduos e nos garantem prazeres e mais prazeres, esta era, para a grande maioria dos indivíduos, os ideais da existência humana.

Se vivemos eternamente em momentos e em estágios diferentes, a vida material deve ser encarada como uma nova experiência de progresso do ser humano, uma nova oportunidade de crescimento e de desenvolvimento espirituais onde novas oportunidades e antigas experiências são revividas para que consigamos encontrar o equilíbrio e o progredir, estes sim os grandes objetivos da vida e o caminho para a evolução.

A doutrina dos espíritos vem nos mostrar um mundo muito maior e mais complexo, nos esclarecendo sobre verdades e nos mostrando que o verdadeiro caminho para a melhoria espiritual está na máxima fora da caridade não há salvação, onde devemos compreender a caridade como algo maior e mais consistente, não como muitas a veem, como a doação de recursos financeiros e de valores materiais, esquecendo-se de que a verdadeira caridade é algo muito maior do que esta doação monetária, a verdadeira caridade pode ser feita com palavras, gestos e conversas desinteressadas e estimulantes, quando despendendo tempo para ouvir e esclarecer corações aflitos e solitários.

Os desencarnados retornam ao mundo espiritual, voltam ao verdadeiro local da existência humana, quando retornam encontram situações variadas e individualizadas, a Doutrina Espírita nos mostra que não existe um modelo único de desencarnação, existem regras gerais, mas os méritos e a meritocracia são instrumentos que diferenciam os indivíduos, os que melhor se comportaram na matéria, que mais fizeram pelos semelhantes e mais trabalharam para o bem, recebem mais segundo seus merecimentos agora, aqueles que se afastaram dos caminhos do bem recebem de acordo com seus parcos merecimentos.

As pessoas desencarnadas voltam para o mundo espiritual e com a passagem não melhoram instantaneamente, muitos acreditam que os desencarnados passam deste mundo para um outro melhor, isto nem sempre é uma verdade irrefutável, muitos ao desencarnar passam para o mundo espiritual de uma forma muito pior do que estavam na matéria, muitos vivem uma verdadeira ilusão marcada por riquezas, posses e bens materiais e quando desencarnam acordam em uma situação deplorável e degradante, como encontramos no livro Nosso Lar, escrito por Francisco Cândido Xavier e ditado pelo espírito de André Luiz, nesta obra nos deparamos com o relato do médico fluminense que vivia uma vida de conforto e posses materiais e ao desencarnar se depara com uma situação assustadora em uma região fétida e deplorável.

A Doutrina nos mostra que os espíritos são entidades que não mais possuem corpos materiais, o fato de estarem no mundo dos espíritos não os concedem nenhuma capacidade intelectual ou moral superior, são apenas espíritos em uma outra condição de vida, a desencarnação não gera desenvolvimento espiritual em ninguém, a morte física não faz o papel da evolução.

A evolução é uma conquista individual que demanda muito tempo e muita dedicação, reflexão, empenho e reforma íntima são instrumentos centrais para o desenvolvimento do ser humano, a morte é um fenômeno natural e a evolução uma conquista particular e imprescindível que todos alcançaremos, uns mais cedo e outros mais tarde, dependendo do esforço e dedicação de cada indivíduo.

Encontramos muitas pessoas buscando notícias e informações de parentes, amigos e familiares desencarnados, esta atitude é muito saudável e louvável, afinal temos saudade e queremos saber como estão nossos afetos que partiram para uma outra existência, embora saibamos que a desencarnação não conduz ao progresso imediato, muitos familiares oram e buscam auxílio de pessoas recém desencarnadas, acreditando que estes podem auxiliar nos momentos de dores e decepções. A Doutrina Espírita nos mostra que quando retornamos ao mundo espiritual somos nós mesmos, trazemos embutidos na alma os valores e conquistas morais e intelectuais, estas não podem ser tiradas, são conquistas verdadeiras que levamos para todos os momentos de nossa existência.

Todos os indivíduos que desencarnam com sentimentos saudáveis, desprendimento de bens materiais e bons pensamentos, marcados pelos trabalhos no bem e no respeito as Leis de Deus, todos que cultivam a oração e a reflexão edificante, com certeza encontrarão, no mundo espiritual, as energias e os sentimentos compatíveis com seus pensamentos e com a suas condutas individuais, estes irmãos muito brevemente estarão integrados em trabalhos e continuarão suas atividades no mundo espiritual. Ao contrário, todos aqueles que passam para o outro lado da vida, com os corações marcados pelo rancor e pelo ressentimento, muito atrelados aos bens materiais e aos prazeres do álcool e do sexo, com certeza estes irmãos demorarão algum tempo para se libertar destas energias desagradáveis e limitantes, necessitando de oração e bons pensamentos como forma de auxiliá-los no processo de melhoria e de conscientização espiritual.

Todas as vezes que interpelamos familiares desencarnados com problemas particulares, dificuldades materiais ou constrangimentos afetivos, levamos a estes irmãos, energias pesadas e densas, nos deixamos levar por sentimentos menores e transmitimos e estes irmãos desencarnados estas energias e sensações, prejudicando-os muito mais do que imaginamos, embora não queiramos prejudicá-los, nossas energias causam desequilíbrios a estes irmãos. Numa situação como esta devemos evitar os petitórios que fazemos aos irmãos desencarnados, o melhor a fazer nesta situação é nos apegarmos a oração e o envio de boas vibrações, estas devem auxiliá-los em seu progresso e desenvolvimento espiritual.

A oração deve ser uma conduta constante na vida das pessoas, quando oramos e solicitamos o amparo e a proteção de amigos espirituais estamos reconhecendo nossas limitações e fragilidades, no livro Nosso Lar, André Luiz destaca que as poucas orações recebidas em seu auxílio foram fundamentais para que este vencesse seus desequilíbrios e lhe trouxesse as energias necessárias para superar os momentos de dores e dificuldades.

Outro depoimento interessante retratado na literatura espírita está na obra Voltei, neste livro psicografado pelo ilustre Francisco Cândido Xavier, ditado pelo espírito de Frederico Figner, encontramos o autor espiritual descrevendo seu próprio velório, embora um episódio inusitado, percebemos como nos comportamos em um momento de tanta dificuldade, as pessoas se encontram distante das orações e se entregam as conversas desimportantes e as piadas degradantes, todas estas energias são absorvidas integralmente pelo desencarnado, trazendo-lhe energias e sentimentos menores marcados pelo pessimismo, pelo medo e pela insegurança.

Na obra acima, o autor nos mostra como estamos distantes dos sentimentos e das energias edificantes e desenvolvidas, mesmo sendo descrito pelos encarnados como uma pessoa de bem, de boas obras e elevados sentimentos morais, o autor espiritual se encontra em uma situação de medos e preocupações, acreditou encontrar “facilidades” variadas devido a suas obras no plano material, mas infelizmente seu trabalho foi insuficiente para angariar as conquistas que acreditava ser merecedor.

Todos os dias uma grande quantidade de pessoas retornam ao mundo espiritual e uma quantidade elevada retornam ao munda da matéria, estes fluxos mostram a grandeza das obras divinas que nos auxiliam no desenvolvimento constante da sociedade, embora buscamos todos os momentos o crescimento e o desenvolvimento espiritual, para que o angariemos, faz-se necessário nascer, morrer, renascer e morrer novamente, afinal como nos diz Allan Kardec, esta é a verdadeira Lei da vida e da natureza, e todos estamos sujeitos a esta lei para que consigamos evoluir e alcançar o verdadeiro progresso.

A vida nos traz grandes desafios e oportunidades, todos que conseguem compreender as grandes realidades da vida conseguem trilhar caminhos mais sólidos e consistentes, vive melhor e morrem de forma serena e equilibrada, mostrando que a tão falada morte na verdade não existe, mas uma nova vida se abre em um local diferente e com uma maior liberdade e consciência, afinal somos todos seres humanos em constante evolução.

Matthew H. Kramer

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Professor de Filosofia Política e Jurídica na Universidade de Cambridge, Kramer discute temas como teorias da justiça, o positivismo jurídico e a objetividade de juízos morais.

Estado da Arte 

19 de julho de 2019

por Gilberto Morbach

Matthew H. Kramer é professor de Filosofia Política e Jurídica na Universidade de Cambridge. Autor de uma vasta obra, Kramer discute temas como teorias da justiça, o positivismo jurídico, a objetividade de juízos morais, o liberalismo político, direitos e responsabilidades, a pena de morte, enfim, questões que gravitam em torno do núcleo central que constitui sua obra: a filosofia moral, política, jurídica. Seus livros mais recentes são H.L.A. Hart: The Nature of Law — uma das mais completas obras a discutir o legado de Hart — e Liberalism with Excellence — no qual Kramer articula sua versão de liberalismo político.

Tomando suas obras mais recentes como ponto de partida, conversei com o Prof. Kramer sobre Hart, sobre positivismo, sobre uma teoria perfeccionista de liberalismo político e sobre o próprio liberalismo em tempos de populismos iliberais ao redor do globo.

  1. Seu livro mais recente, L.A. Hart, é uma análise tão interessante quanto aprofundada da teoria jurídica de Hart. Naturalmente, há, como em qualquer livro que lide com a obra de um autor, espaço para elogios e críticas. Se estivermos a tratar de sua posição, em que o senhor acompanha Hart, e em que segue um caminho distinto do dele? Dito de outro modo, como o senhor resumiria seus principais acordos e desacordos com Hart?

Kramer: Meu livro de 2018 expõe apenas as ideias de Hart com relação à teoria geral do direito (i.e., suas ideias sobre a natureza do direito, da filosofia do direito, do raciocínio jurídico e do discurso jurídico). Com a maior parte dessas ideias, estou de acordo com Hart. Como Hart, sou um positivista. Especialmente em meus livros In Defense of Legal Positivism (1999), Where Law and Morality Meet (2004) e Objectivity and the Rule of Law (2007) — e, é claro, no próprio livro de 2018 sobre Hart —, eu desenvolvo uma concepção positivista de direito. Além disso, como Hart, sou um positivista inclusivo e não exclusivo. É verdade, estou longe de alguém que não tem críticas a Hart com relação à teoria do direito. Meu livro traz uma série de objeções à obra de Hart em uma série de pontos e meus outros escritos sobre o positivismo são igualmente críticos à teorização hartiana sobre o direito em vários aspectos. Seja como for, em termos de teoria geral, a minha posição e a de Hart são muito próximas uma da outra. Sou imensamente grato a ele.

Em outras questões filosóficas, minhas divergências com relação a Hart são mais contundentes. Por exemplo, Hart foi um dos mais notáveis proponentes da teoria da vontade no âmbito dos direitos, enquanto eu tenho proeminentemente articulado uma teoria do interesse — a teoria rival. No mesmo sentido, embora eu seja, como Hart, um liberal em questões de liberdade civil, seus fundamentos eram eminentemente consequencialistas, ao passo que os meus são fortemente deontológicos. Mais do que isso, embora eu tenha me baseado fortemente na concepção de causalidade no direito elaborada por Hart com Tony Honoré, a minha concepção (desenvolvida de forma mais robusta em The Quality of Freedom, meu livro de 2003) vai além da deles em várias questões. Além disso, sou um realista moral, na medida em que não é assim tão fácil definir a visão de Hart com relação à natureza dos juízos morais. Falarei mais sobre o realismo moral mais à frente.

Finalmente, enquanto Hart era um forte crítico da pena capital (baseado em fundamentos consequencialistas), argumentei amplamente — a partir de fundamentos deontológicos — em favor da legitimidade, em princípio, da pena de morte em determinados contextos bastante restritos. Admitidamente, contudo, deixo em aberto a questão sobre se os problemas práticos subjacentes à administração da pena capital são superáveis

  1. A partir do debate entre positivismo jurídico exclusivo e inclusivo, alguns autores derivam uma espécie de positivismo normativo — ou seja, a aceitação do positivismo inclusivo num plano conceitual, mas com a prescrição de algo próximo aos fundamentos do positivismo exclusivo. Alguns autores adotam essa posição, outros veem-na como possível, outros rejeitam-na. Como um positivista inclusivo, como o senhor vê essa questão?

Kramer: O positivismo jurídico prescritivo é certamente uma doutrina que tem sido defendida por alguns filósofos do direito. Tom Campbell é o filósofo contemporâneo que a articulou de forma mais contínua, mas ela foi ainda mais notavelmente proposta ao início da era moderna por Thomas Hobbes e Jeremy Bentham. Basicamente, ela consiste na proposição de que uma série de leis em determinada jurisdição devem ser formuladas de modo a garantir que o processo por meio do qual se pode atribuir caráter de juridicidade a determinadas proposições raramente ou nunca envolvam juízos morais. Como tal, essa é uma posição ortogonal ao positivismo jurídico enquanto teoria geral do direito (i.e., uma teoria sobre a natureza do direito). Pessoalmente, oponho-me ao positivismo prescritivo; não por fundamentos teóricos, mas por razões de moralidade política.

  1. Algumas pessoas — equivocadamente, a meu ver, mas ainda assim — insistem que é difícil reconciliar o positivismo jurídico com uma posição de realismo moral. Como o senhor articula suas visões sobre a objetividade moral de um lado e, de outro, a tese da separabilidade entre direito e moral?

Kramer: Longe de serem incompatíveis, o positivismo jurídico e o realismo moral ajustam-se um ao outro tranquilamente. Nenhuma dessas teses pressupõe a outra, mas elas são absolutamente consistentes entre si. De fato, dado que a minha versão de positivismo jurídico é parcialmente sobre a relação entre o direito e a moralidade tout court (i.e, a moralidade como um conjunto de princípios básicos cuja existência e conteúdos são independentes daquilo que se pense sobre eles), minha posição na teoria do direito já pressupõe a correção do realismo moral como explicação sobre a natureza da moralidade.

Eu suponho que a visão de que as doutrinas são incompatíveis se dá em razão da crença de que a insistência do positivismo na separabilidade entre direito e moral significa uma asserção de um caráter não moral do direito — i.e., uma asserção de que o direito não é suscetível a apreciações morais. Qualquer asserção desse tipo seria de fato incompatível com o realismo moral, mas (como eu coloco enfaticamente em meus escritos jurídicos) nenhum positivista até hoje sugeriu que o direito é um fenômeno não moral.

  1. Agora, com relação ao seu trabalho na filosofia política: em Liberalism with Excellence (2017), o senhor reflete sobre se é moralmente exigível que governos mantenham-se neutros com relação a concepções razoáveis sobre o desenvolvimento humano e a boa vida. A partir desse debate, o senhor articula uma posição a que chama de perfeccionismo de aspiração [“aspirational perfectionism”]. Como o senhor definiria sua posição dentro da esfera do liberalismo àqueles que ainda não leram o livro?

Kramer: Como indicado em vários momentos do livro, minha posição é amplamente estóica. A sequência a Liberalism with Excellence — que será escrita assim que eu finalizar outros dois livros, sobre aborto e liberdade de expressão — será intitulada A Stoical Theory of Justice. Entretanto, meu liberalismo estoico não pode ser propriamente designado como uma espécie de liberalismo amplo [“comprehensive liberalism”] no sentido utilizado por John Rawls e seus seguidores, tais como Jon Quong. Quero dizer, não se trata de uma tentativa de fundamentar o liberalismo em um valor (ou uma série de valores) que poderia ser sensatamente rejeitado por alguns liberais. Ao contrário: o âmago de meu liberalism estoico é o valor da garantia de autorrespeito — que é igualmente o coração do liberalismo rawlsiano.  Não posso entrar em maiores detalhes aqui, mas, com efeito, o que quero fazer é criar um certo desacordo entre a busca rawlsiana por neutralidade e a doutrina de razão pública de Rawls. Eu apoio, afinal, a neutralidade, enquanto rejeito as limitações da razão pública. (Aos leitores não familiarizados com a obra de Rawls, gostaria de colocar que o princípio da neutralidade prescreve que qualquer Sistema de governança deve manter-se neutro com relação à concepções razoáveis do que é bom e valioso — sendo que “razoável” significaria “consistente com os valores básicos do liberalismo”. As limitações da razão pública são restrições nos tipos de considerações às quais as pessoas podem recorrer em desacordos políticos públicos. Essa limitação foi tomada por seguidores de Rawls como uma decorrência lógica do princípio da neutralidade, mas eu rejeito a primeira conservando a segunda.)

  1. Finalmente, em tempos de democracia iliberal e populismo, qual é a maior ameaça — se houver alguma — ao liberalismo?

Kramer: No Reino Unido e em alguns países como a Venezuela, o populismo de esquerda foi muito mais danoso que o da direita. As calamidades produzidas pelos regimes populistas de esquerda de Chávez e Maduro são certamente bem conhecidos pelas pessoas de sua região, então concentro-me no Reino Unido. Em 2015, o Partido Trabalhista britânico foi dominado pelo ideólogo de extrema esquerda Jeremy Corbyn e sua trupe de sinistros asseclas. Corbyn, à época, talvez fosse mais conhecido por seu apoio de longa data ao terrorismo da República da Irlanda e por seu efusivo apoio a tiranias antiocidentais, mas ele já tinha também uma longa e nada atrativa história de associação com antissemitas fanáticos. Ao longo de seus anos enquanto líder do Partido Trabalhista, os níveis de antissemitismo interno à organização aumentaram de forma exponencial, levando milhares de judeus ao abandono do partido mesmo após uma filiação durante boa parte da vida adulta. Mais do que isso, o partido passou a se comprometer com uma política econômica que transformaria desastrosamente o Reino Unido na Venezuela do Mar do Norte caso os britânicos fossem suficientemente loucos a ponto de eleger um governo liderado por Corbyn. Um governo desse tipo seria firmemente leal a tiranos como Vladimir Putin, Ali Khamenei e Bashar al-Assad. Sobre esses tiranos, Corbyn não tem uma única palavra negativa. Toda sua raiva é direcionada às democracias liberais ocidentais.

Nos Estados Unidos, em seu país e em alguns países europeus, como Hungria, Polônia e Áustria, o populismo de direita tem sido pior que o de esquerda. Donald Trump é o primeiro candidato por um dos grandes partidos a, em quase um século, engajar-se em retórica racial ao longo da campanha. A robustez, o desenvolvimento geral da democracia liberal nos EUA limitou (embora não tenha evitado completamente) os danos gerados pela lamentável presidência de Trump, mas outros países como Polônia e Hungria não tiveram a mesma sorte. Tendo quase definhado sob o despotismo comunista até poucas décadas atrás, cada um desses países é agora governado por regimes manifestamente antissemitas e quasi-fascistas que podem arruinar de vez todo o progresso em direção aos valores da democracia liberal.

Ainda, em outros países como a França, o populismo à esquerda e à direita parece ganhar força. Isso quer dizer que qualquer resposta adequada à sua pergunta deve levar em conta as circunstâncias variáveis de país a país. A democracia liberal, ao longo de sua história, sofreu ataques de uma série de ideologias iliberais, e seus inimigos são diversos e abundantes.

Liberalismo e dogmatismo

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Por André Lara Resende – Valor Econômico – 13/05/2019

No início da década, a Grécia se viu obrigada a fazer um extraordinário ajuste fiscal. Tendo sido beneficiada pela condição de membro da União Europeia, o que lhe permitiu financiar sua dívida a juros baixos, a Grécia tinha sido fiscalmente irresponsável. Com a crise financeira de 2008, a realidade bateu à porta. Os mercados, sempre dispostos a absorver mais dívida quando a maré está alta, com o refluxo, secaram. O aumento do prêmio de risco cobrado pelos bancos tornou a dívida, além de muito alta, também muito onerosa.

Yanis Varoufakis, à época um professor visitante na Universidade do Texas-Austin, foi o primeiro a afirmar o que qualquer pessoa com uma noção básica de aritmética poderia constatar: a dívida grega era impagável. A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, a Troica, preocupados com o impacto sobre o sistema bancário, decidiram entender que não, que a Grécia deveria fazer um drástico ajuste fiscal e refinanciar a dívida. O ajuste foi feito. O déficit, de mais de 10% do PIB em 2010, foi revertido. Em 2017 a Grécia, a Alemanha, a Dinamarca e a Suécia, eram os únicos países da União Europeia com superávit fiscal.

O resultado pode ser avaliado por alguns números. O desemprego, que já era alto antes do início do ajuste, quase de 10%, três anos depois chegou a 28% da força de trabalho e a mais de 60% entre os jovens. No ano passado o desemprego ainda estava perto de 20% e o PIB tinha caído mais de 30% em relação a 2010. A dívida, que era equivalente a 150% do PIB em 2010, depois de quase uma década de ajuste, chegou a 180% do PIB. Mas os números, por mais impressionantes que sejam, não podem exprimir a dimensão da verdadeira tragédia que se abateu sobre a Grécia. O país foi destroçado.

Em 2015, depois de três anos de ajuste fiscal, a população exprimiu sua rejeição ao estrangulamento econômico a que o país estava sendo submetido. Um novo partido de esquerda, o Syriza e seu jovem lider, Alex Tsipras, venceram as eleições. Varoufakis foi convocado para ser o ministro da fazenda e renegociar a dívida. Condicionou a sua aceitação a ser eleito para o congresso. Sem jamais ter exercido qualquer cargo público, em menos de três meses de campanha, foi eleito o deputado mais votado da história. Ministro, enfrentou a tecnocracia europeia e o FMI, procurando demonstrar a inviabilidade do ajuste como exigido pela Troica. Convocou um referendo para avalizar a sua proposta alternativa. Saiu vitorioso das urnas, mas foi derrotado pela tecnocracia. O governo cedeu à Troica e Varoufakis voltou à academia e ao ativismo político. O seu livro, Adults in the Room, publicado em 2017, que resenhei para a revista Quatro Cinco Um, é uma fascinante incursão pelos bastidores das forças políticas do mundo contemporâneo.

Neste início de século, o dogmatismo ameaça derrotar também nossa frágil democracia liberal

A tragédia grega deste século XXI traz à cena todos os elementos do impasse da democracia contemporânea. Desde o início do século passado, sobretudo a partir do fim da Segunda Guerra, o mundo parecia ter encontrado a fórmula do progresso e da paz social. A democracia representativa liberal e a separação dos poderes davam a impressão de compatibilizar a vontade da maioria com a defesa dos direitos individuais e o respeito às minorias. Através de políticas compensatórias, o Estado, administrado por uma tecnocracia ilustrada, garantiria as condições mínimas de vida para os mais desfavorecidos. Nos países mais atrasados, o Estado exerceria ainda o papel de coordenador do desenvolvimento econômico.

Neste início de século, o equilíbrio entre os três elementos que compõem as democracias representativas – a vontade popular, o respeito aos direitos individuais e o governo tecnocrático – se rompeu. O populismo, tanto de direita como de esquerda, que hoje se alastra pelo mundo, deve ser entendido como uma reação à tomada de consciência de que a tecnocracia e as instituições liberais para a defesa dos direitos individuais se tornaram dominantes e abafaram a vontade popular. Tantos as razões desta tomada de consciência, como as implicações para o futuro da democracia têm sido objeto de inúmeros estudos e livros publicados nos últimos anos.

O populismo chega ao poder pelo voto, explorando a percepção de um déficit democrático, que foi acentuada pela internet e pelas mídias sociais. Primeiro, questiona as instituições liberais, depois desmantela a tecnocracia, para em seguida instaurar o autoritarismo. Não importa se a partir da esquerda, como na Venezuela, ou da direita, como na Turquia, na Polônia e nos EUA. Tanto a sua ascensão, quanto a sua capacidade de manter acesa a chama do ressentimento, dependem da frustração das expectativas. Por isso, o mau desempenho da economia, a recessão e o desemprego, são o combustível de que depende para solapar a democracia. Quando a economia se desorganiza mais rápido e profundamente, maior é a probabilidade do populismo descambar para o autoritarismo aberto. Confrontado com a perda de apoio, o populismo sobe o tom contra a política representativa, as minorias e as instituições liberais. A desorganização da economia, a recessão e o desemprego, se tornam um terreno fértil para a sua campanha de ressentimento.

No Brasil, depois de alguns meses do novo governo, a economia não dá sinais de que irá se recuperar. Continua estagnada, com a renda abaixo do que era há cinco anos e o desemprego acima de 12% da força de trabalho. O programa dos tecnocratas que estão no comando da economia parece estar condicionado à aprovação da reforma Previdência, uma reforma há décadas mais do que necessária, mas na qual não faz sentido depositar todas as esperanças. Transformada num cavalo de batalha com o congresso, insistentemente bombardeada como imprescindível pela mídia, a reforma da Previdência, ainda que aprovada sem grande diluição, como os resultados não são imediatos, não será suficiente para resolver o problema fiscal dos próximos anos. Também não será capaz de despertar a fada das boas expectativas. Como demonstra de forma dramática a experiência recente da Grécia, a busca do equilíbrio fiscal no curto prazo, quando há desemprego e capacidade ociosa, não apenas agrava o quadro recessivo, como termina por aumentar o peso da dívida em relação ao PIB.

A Grécia não tinha escolha: ou se submetia ao programa de austeridade fiscal ou seria obrigada a sair da zona do euro, com custos possivelmente ainda mais altos. No Brasil, a obsessão pelo equilíbrio fiscal no curto prazo é uma auto-imposição tecnocrática suicida. O liberalismo econômico do governo parece estar subordinado ao seu dogmatismo fiscal. Como liberalismo e dogmatismo são incompatíveis, o liberalismo sairá inevitavelmente derrotado. No século passado, o dogmatismo monetário derrotou o liberalismo econômico de Eugênio Gudin. Neste início de século, o dogmatismo ameaça derrotar também nossa frágil democracia liberal.

André Lara Resende é economista.