Luiz Marques: “A crise brasileira é a espuma superficial de um problema estrutural ignorado pela esquerda”  

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A esquerda erra ao separar a agenda ambiental da agenda social, como se fosse possível manter o combate à desigualdade sem levar em consideração as consequências suicidarias de uma política desenvolvimentista que concebe o planeta erroneamente como estoque infinito de recursos. Esta é a avaliação do historiador Luiz Marques que avalia neste entrevista a atual conjuntura política e econômica do Brasil da perspectiva ambiental. “A crise brasileira é a espuma superficial de um problema estrutural e profundo, para o qual os contingentes majoritários da esquerda não estão dando a devida atenção,” afirma o autor de Capitalismo e colapso ambiental (Ed Unicamp, 2015), “conservar o que resta da biosfera tornou-se essencial para manter qualquer sociedade organizada”.

Esta conversa, conduzida por Gabriel Zacarias (pós-doutorando USP/EHESS-Paris) e Fernanda Marinho (pós-doutoranda Unifesp/Musée du Louvre), dá sequência à série de entrevistas do Movimento Democrático 18 de maio (MD18) com grandes intelectuais de esquerda publicadas no Blog da Boitempo. Leia a primeira entrevista da série, com o sociólogo franco-brasileiro Michael Löwy, clicando aqui, e a segunda entrevista da série, com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, clicando aqui..

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O senhor foi militante político e atuou na resistência à ditadura militar no Brasil. Partindo dessa experiência, como o senhor considera a atual situação política brasileira? É possível estabelecer, de fato, um paralelo entre o Brasil pós-64 e o momento atual?

Paralelos são sempre possíveis e tentadores, mas não subestimemos o que foi o golpe de 1964. Ele instalou uma ditadura militar que se tornou, sobretudo após 1968, terrivelmente violenta. Fechou o Congresso Nacional, criou órgãos específicos de repressão dirigidos pelas Forças Armadas e articulados com outras ditaduras latino-americanas e com os Estados Unidos. Tão ou ainda mais grave que tudo isso, mas menos lembrado, a ditadura é também culpada pelo mais fulminante “ecocídio” jamais perpetrado pelo gênero humano. Segundo o INPA, até meados do século XX a ocupação humana da Amazônia não ocasionara alterações significativas em sua cobertura vegetal. Foram os militares que desencadearam a dinâmica de sua destruição. Em 1992, sete anos após o fim da ditadura, a área desmatada por corte raso da Amazônia correspondia, segundo dados do IBGE, a 499.037 km2. Em apenas 25 anos (1967-1992), a ditadura e os governos civis que ela gerou – os de José Sarney (1985-1990) e de Fernando Collor de Mello (1990-1992) –, haviam destruído na Amazônia uma área de floresta quase equivalente ao território da França.

Diante desse quadro, o paralelo proposto com o golpe parlamentar em curso é até compreensível, mas a escala dos dois fenômenos é incomparável. O que presenciamos é uma sórdida manobra parlamentar, no intuito, até agora não bem-sucedido, de circunscrever a ofensiva do Judiciário contra o PT e de salvar a própria pele. A precária coalizão que hoje dirige o país aproveita-se de uma crise econômica profunda e da desmoralização do PT para tentar anular as pequenas, mas significativas, conquistas sociais obtidas durante o primeiro decênio do século. Encontrará dificuldades, talvez intransponíveis se considerarmos sua imoralidade, impopularidade e os conflitos entre os grupos rivais dentro da própria coalizão. A dupla Temer-Blairo Maggi tentará a proeza de ser ainda pior que a dupla Dilma-Kátia Abreu em termos de devastação ambiental. Isso posto, não há como equiparar sua destrutividade, por hedionda que seja, à do ecocídio perpetrado pela ditadura, pelo simples fato de que Temer não pode passar por cima da sociedade, da crítica internacional, da comunidade científica e das instituições em geral, vigilantes em relação à conservação do que ainda resta da Amazônia.

Para alguns comentadores, a atual crise brasileira seria resultante de uma luta de classes que encontra sua expressão em duas formas distintas de políticas públicas: políticas neoliberais, de Estado mínimo, por um lado, e políticas sociais, por outro lado, ainda inspiradas pelo modelo do Welfare State. O senhor concorda com essa visão? A crise ambiental provocada pelo capitalismo, da qual o senhor trata em seu livro Capitalismo e colapso ambiental, não apontaria justamente para um limite da política de Bem-Estar Social?

Para responder à primeira pergunta, digo que a visão de que a atual crise brasileira reflete um conflito social, uma luta de classes, é indiscutível. Os que detêm a propriedade e o controle sobre o capital querem, como sempre, aumentar sua rentabilidade. Os que não detêm capital lutam para pelo menos manter sua participação na distribuição da riqueza nacional, participação em parte assegurada pelo Welfare State. Isso é uma constante social, mesmo quando não há crise. Quando a crise se instala, o conflito tende naturalmente a se acirrar. Mas aqui beiramos o truísmo: como imaginar uma crise socioeconômica e política alheia à luta de classes?

Quanto à segunda, não acredito que a crise ambiental apontaria para um limite da política do Bem-Estar Social. Ao contrário. O Welfare State é fundamental para a diminuição do impacto ambiental. Satisfazer as carências básicas de 90% da humanidade aumentaria de modo irrelevante o impacto humano sobre os ecossistemas ou mesmo o diminuiria. Por exemplo, em 2015, havia 2,7 bilhões de pessoas sem acesso à infraestrutura sanitária básica. Provê-las dessa infraestrutura, missão primeira do Welfare State, implicaria radical diminuição, e não aumento, de seu impacto ambiental.

No mesmo livro, o senhor apresenta como crenças falaciosas duas posições comumente defendidas também por setores progressistas: a de que seria possível um capitalismo ambientalmente sustentável, e a crença segundo a qual “quanto mais excedente material e energético formos capazes de produzir, mais segura (e feliz) será a nossa existência”. Seria, portanto, necessário romper com a própria lógica do crescimento econômico, como apontam aqui na França grupos como o do “decrescimento” e o da “crítica do valor”? Ou ainda, mais além, romper com o próprio estado tecnológico atual, como afirmam, por exemplo, os “anti-industriais”?

A crença de que o crescimento econômico como um fim em si ainda é um bem é errônea. Como afirma Herman Daly, “o termo ‘desenvolvimento sustentável’ […] faz sentido para a economia, mas apenas se for compreendido como desenvolvimento sem crescimento”. A ideia de um decrescimento administrado remonta às teses de Nicholas Georgescu-Roegen sobre as relações inevitáveis entre economia e entropia. Ela se afigura, hoje, como a proposta mais consequente, talvez a única efetiva, para uma sociedade viável. Ela se assenta sobre dois pressupostos, sem a compreensão adequada dos quais ela pareceria absurda. O primeiro pressuposto é que o decrescimento econômico, bem longe de ser uma opção, é uma tendência inexorável. Já estamos crescendo, em escala internacional, a taxas muito inferiores às dos anos 1945-1973 e iremos decrescer dramaticamente num futuro muito próximo, porque estamos esgotando os recursos minerais, hídricos e biológicos do planeta, e porque estamos desestabilizando as coordenadas ambientais que prevaleceram no Holoceno. Um crescimento anêmico ou mesmo negativo já é a nova normalidade do capitalismo. Os poucos países que ainda apresentam taxas elevadas de crescimento são vítimas de estrangulamentos ambientais que imporão em breve também estrangulamentos econômicos. Conscientes de que a ilusão desenvolvimentista está conduzindo à falência os serviços prestados pela biosfera aos seus integrantes, os partidários do decrescimento percebem que um decrescimento administrado seria a única forma de evitar um colapso ambiental, o qual será tanto mais brutal e mortífero quanto mais for protelado.

Segundo pressuposto: o decrescimento administrado é essencialmente anticapitalista. A ideia de decrescimento nos marcos do capitalismo foi justamente definida por John Bellamy Foster como um teorema de impossibilidade. Um mal-entendido tenaz deve definitivamente ser dissipado: o decrescimento administrado não é uma proposta de redução quantitativa do PIB. Ele advoga uma redefinição qualitativa dos objetivos do sistema econômico, que devem passar a ser a adequação das sociedades humanas aos limites da biosfera e dos recursos naturais. Essa adequação implica, como é óbvio, investimentos em áreas e países carentes de infraestrutura básica e, em geral, crescimento econômico imprescindível à transição para energias e transportes de menor impacto ambiental. Mas se trata de investimentos localizados, vetorizados e orientados para a diminuição de impactos ambientais (infraestrutura sanitária, abandono do uso de lenha, transporte público, etc); jamais de um crescimento pelo crescimento. Serge Latouche explicita o liame entre decrescimento e superação do capitalismo: “O movimento do decrescimento é revolucionário e anticapitalista (e até antiutilitarista), e seu programa, fundamentalmente político”.

Sobre a segunda parte da pergunta, o decrescimento não é tecnofóbico. É preciso evitar o mal-entendido que consiste em atribuir a crise ambiental à técnica como se esta fosse uma instância originária. A técnica é a objetivação de uma faculdade inerente a todas as espécies e em uma escala muito maior à nossa. Parece impossível, de resto, separar cirurgicamente seu lado benfazejo de seu lado ominoso. Mais que nunca, de qualquer modo, seu progresso é, hoje, imprescindível pois a inadiável transição para uma sociedade de baixo impacto ambiental requererá aceleração da inovação tecnológica. Pôr o engenho humano a serviço da diminuição da pressão antrópica sobre a biosfera – ao invés de mantê-lo cegamente atrelado a uma anacrônica e disfuncional pulsão acumulativa –, tal é a questão inescapável, definidora de uma nova agenda e de um novo espectro político-ideológico, inconcebíveis enquanto persistir a ilusão de que podemos crescer de modo ilimitado.

Nesse contexto, como situar a crise política brasileira? Encontramo-nos diante da deposição ilegítima de um governo de esquerda, mas cujo projeto não representava, porém, uma ruptura com essa lógica de acumulação capitalista. Tendo em vistas os limites ecológicos do capitalismo, como podemos nos posicionar perante o projeto desenvolvimentista da esquerda brasileira? O risco ambiental de projetos como o da exploração do pré-sal ainda podem valer à pena se seus ganhos forem reconvertidos em políticas públicas de combate à desigualdade? Ou se trataria de apenas mais uma ilusão?

A crise brasileira é a espuma superficial de um problema estrutural e profundo, para o qual os contingentes majoritários da esquerda não estão dando, a meu ver, a devida atenção. A defesa do monopólio do pré-sal pela Petrobrás é um ótimo exemplo do extravio da esquerda. Como se o petróleo da Petrobrás emitisse menos gases de efeito estufa… A esquerda deveria estar lutando, é sua obrigação, pelo fim de todo e qualquer petróleo! O consenso da direita de que o crescimento econômico contínuo é uma condição de possibilidade de uma sociedade segura e próspera tem sido subscrito também pela maioria das agremiações de esquerda, ou que assim se denominam. Os partidos socialdemocratas, socialistas e ex-comunistas na Europa e na Ásia, assim como o PT no Brasil, não apenas integram esse consenso, mas reivindicam maior competência que os governos supostamente situados à sua direita para garantir taxas mais robustas de crescimento econômico. São mais ou menos competentes, que importa? O traço mais distintivo do capitalismo no século XXI é a tendência ao colapso ambiental. Diante dessa tendência definidora de nosso século, conservar o que resta da biosfera tornou-se a condição primeira de possibilidade, não apenas de avanços sociais (os quais serão cada vez mais improváveis e efêmeros, a se manter o paradigma desenvolvimentista), mas da simples manutenção de qualquer sociedade organizada.

Não percebendo a radical novidade da situação histórica atual, e muito menos sua gravidade, as esquerdas em sua maioria, o PT entre elas, ainda dissociam a agenda social da agenda ecológica, reservando a esta última um espaço secundário em seu ideário e em seus programas, isso quando não a desqualificam como um estratagema de dominação imperialista, como na tristemente famosa carta de Aldo Rebelo a Marcio Santili, de 15 de julho de 2010, intitulada “A trapaça ambiental”, carta na qual afirma: “O chamado movimento ambientalista internacional nada mais é, em sua essência geopolítica, que uma cabeça de ponte do imperialismo”. Tal posição negacionista do PCdoB define à perfeição a política ambiental do governo de Dilma Rousseff e é, aliás, quase idêntica à do Partido Republicano dos EUA.

Atardadas na concepção de um planeta estoque-de-recursos (e ainda mais grave: estoque infinito), essas esquerdas distinguem-se da direita apenas por reivindicar mais investimentos nas áreas sociais e uma melhor distribuição de renda e dos serviços. No mais, subscrevem a premissa que legitima como universal o ponto de vista do capital, a saber, a da bondade e mesmo da necessidade de acumulação contínua de excedente e de energia. Escapa-lhes que a única crítica que vai à raiz do sistema capitalista é a crítica dessa premissa e do tipo suicidário de sociedade que ela implica. A protelação de um “aggiornamento” [atualização], melhor seria dizer de um “svecchiamento” [desenvelhecimento], de parte da maioria da esquerda é a maior responsável pela incipiência atual das alternativas políticas às crises socioambientais que se alastram e se agravam.

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Movimento Democrático 18 de Março (MD18) nasceu da luta contra o golpe de Estado no Brasil. Sediado em Paris, e com grande presença de pesquisadores, professores universitários, artistas e militantes de movimentos sociais, o movimento propõe ampliar a reflexão sobre as possibilidades da esquerda na atual conjuntura de crise. É com esse objetivo que o MD18 inaugura uma série de entrevistas com intelectuais, artistas e militantes de diferentes horizontes, que visam ampliar o debate sobre as formas de resistência que podem e devem advir. O projeto se inicia com a participação de grandes pensadores da esquerda como Michael LöwyBoaventura de Sousa SantosNancy Fraser e Anselm Jappe, além de contar com a colaboração de inúmeros intelectuais brasileiros. As entrevistas serão disponibilizadas em português e em francês no site do MD 18.

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Luiz Marques é professor do Departamento de História (IFCH) da Unicamp. Publicou diversos livros e ensaios sobre a Tradição Clássica e, mais recentemente, também sobre a crescente degradação antropogênica dos ecossistemas, entre os quais, “Brazil. The legacy of slavery and environmental suicide” (History of Nations, Londres, Thames & Hudson, 2012); e Capitalismo e colapso ambiental (Ed Unicamp, 2015). Atualmente participa, com um coletivo de professores da Unicamp, da criação do portal Rio+40, dedicado à informação, pesquisa, debate e mobilização acadêmica em torno das crises socioambientais contemporâneas.

 

 

A nova Guerra Fria: Estados Unidos e China em busca da hegemonia internacional  

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A comunidade internacional se encontra em momentos de grande apreensão e instabilidade com os movimentos geopolíticos globais mais recentes, depois de anos de hegemonia norte-americana, percebemos movimentos que despertam interesses e preocupações nos países ocidentais, a ascensão chinesa não deve ser vista mais como uma possibilidade, mas como uma realidade, uma tendência cada vez mais atual e preocupante, levando os Estados Unidos a se preparar para uma nova guerra fria, desta vez o adversário é a China, uma sociedade marcada por uma cultura rica e mais de cinco mil anos de história, estamos nos encaminhando para um conflito entre Ocidente versus Oriente.

Depois de um período de hegemonia no cenário internacional, os Estados Unidos vem perdendo espaço em vários setores, sua indústria não é a mais importante do mundo, seus valores perderam força e não mais inspiram outras civilizações, seu poderia inconteste está apenas no poder bélico, mesmo assim sofre com a ascensão chinesa e o poder militar da Rússia, o dólar, que desde o Acordo de Bretton Woods, se notabilizou como a moeda dominante, na atualidade sofre com a ascensão do Euro e com o crescimento do Yuan, moedas que vem ganhando novos adeptos neste cenário global cada vez mais concorrencial, competitivo e marcado por jogadas estratégicas e planejadas.

Os anos 80 trouxeram grandes novidades nos países asiáticos, de uma economia fortemente centralizada e socialista, a China inicia sua abertura econômica, marcada pelo fortalecimento do poder do Estado, como agente estrategista e planejador, e pela centralização de poder nas mãos do Partido Comunista Chinês, o PCC, cujo poder extrapola todas as regiões e províncias do país, elevando a China ao panteão das maiores economia da mundo, em apenas trinta anos o país sai de uma posição intermediária para o posto de segunda maior economia do mundo, além disso, o país se tornou o maior exportador, ganhando posições de países que sempre se caracterizaram como grandes exportadores, como as economias da Alemanha e do Japão.

O crescimento chinês foi, num primeiro momento, visto como algo bastante positivo para as economias desenvolvidas, a grande quantidade de mão de obra e o baixo custo levaram os países desenvolvidos a buscar, nesta região, novos espaços de produção e organização industrial, com isso, a China recebe uma grande quantidade de investimentos estrangeiros, transformando-a num dos grandes pilares do desenvolvimento econômico mundial, atraindo empresas de inúmeros países e produzindo mercadorias a preços reduzidos, contribuindo para inserir os mercados asiáticos neste novo cenário internacional.

No século XXI, depois de seu espantoso crescimento econômico, os países industrializados passam a perceber que todo aquele crescimento gerou, em muitas regiões do mundo desenvolvido, impactos variados, desde a redução do preços dos produtos até a destruição de muitos setores de sua estrutura produtiva, que para sobreviver acabaram fechando suas fábricas no ocidente e abriram unidades em países asiáticos, principalmente na China, tudo isto levou a uma diminuição dos empregos industriais e a uma queda nos salários dos trabalhadores, transformando a classe média dos países desenvolvidos em uma classe decadente, marcada por empregos degradados e com uma alta carga de rancor e ressentimento.

A ascensão asiática, liderada pela China, não é uma miragem, tudo que estamos vivendo e vivenciando no mundo contemporâneo é uma grande realidade, os chineses traçaram uma estratégia muito clara nos anos 80, desde que Deng Xiaoping assumiu os comando dos país, e destacou que não importa a cor do rato, desde que ele cace o gato,  o país deixou de lado as amarras ideológicas do socialismo, características do período Mao Tsé Tung e passou a se direcionar pelo pragmatismo, mesclando, de um lado uma forte dose de mercado, concorrência e competição e, de outro, centralização, autoritarismo, intervencionismo e planejamento.

Diante da ascensão chinesa, os norte-americanos mesclam dois sentimentos com relação a China, são vorazes compradores de mercadorias e dependentes de seus produtos para sua sobrevivência cotidiana e, ao mesmo tempo, ressentem do crescimento do país asiático, que ao crescer atrai para suas fronteiras grandes investimentos e empresas que antes concentravam seus investimentos nos Estados Unidos, com isso, os trabalhadores norte-americanos são obrigados a aumentar sua carga de trabalho para conseguir manter sua renda, buscar novos empregos, reduzindo seu tempo de lazer, sua vivência com seus familiares e seus momentos de ócio, o resultado imediato disto é o aumento do estresse, da ansiedade, da depressão e, em muitos casos, de suicídio.

Depois da ascensão de Donald Trump a presidência dos Estados Unidos, percebemos uma mudança bastante considerável na sua política comercial, as relações com a China estão sendo alteradas e muitos produtos chineses estão sendo sobretaxados, com isso, os dois países estão começando uma grande guerra comercial, os impactos deste movimento para a economia internacional ainda são pouco compreendidos, mas o objetivo maior destas medidas é reverter o alto déficit comercial que os norte-americanos possuem com o país asiático, apenas em 2017 as exportações dos Estados Unidos foram de US$ 140 bilhões enquanto as exportações do dragão chinês foram de mais de US$ 520 bilhões, com isso, o déficit norte-americano foi de quase US$ 400 bilhões.

O que estamos assistindo neste momento é uma grande reconfiguração do poder geopolítico global, um verdadeiro conflito entre as duas maiores economias do mundo, deste conflito teremos o nascimento de uma nova sociedade internacional, com uma nova estrutura de poder e de dominação, o momento atual é tão complexo e assustador que o historiador Nial Ferguson o chamou de uma nova Guerra Fria, um novo momento onde os chineses em ascensão estão sendo chamados para o conflito pelos até então hegemônicos norte-americanos, o resultado deste confronto só o tempo vai poder nos mostrar.

Um dos momentos mais importantes deste conflito foi as medidas adotadas pelo governo dos Estados Unidos para impedir que empresas chinesas comprassem conglomerados norte-americanos, principalmente empresas produtoras de semicondutores e produtos de alta tecnologia, os popularmente conhecidos como chips, esta indústria está no centro do conflito entre chineses e norte-americanos, embora estes últimos sejam os líderes incontestes neste mercado, os chineses estão se movimentando rapidamente neste setor, recentemente o governo do país asiático tornou público um megaprojeto para que até 2025 a China se transformasse no maior produtor mundial de semicondutores, assumindo a liderança que, na atualidade, pertencem aos Estados Unidos.

O que vemos nestas políticas adotadas por ambos os países é que os discursos de liberalismo, de concorrência, competição e de baixa intervenção do Estado na economia são muito mais uma retórica para os outros países do que um ideário seguido por Estados Unidos e China, ambos são intervencionistas, ambos adotam medidas governamentais quando estas se revertem para seus interesses imediatos, o discurso fica mais claro quando identificamos um faça o que digo mas não faça o que faço.

Destacamos ainda, que os impactos desta guerra comercial sobre a economia mundial é algo difícil de mensurar, alguns países acreditam que o conflito lhes trará benefícios futuros, enquanto outros acreditam que terão prejuízos imensos  e imensuráveis mas, na verdade, as consequências desta guerra será prejudicial para toda a economia internacional, afetando países ricos e pobres e trazendo um grande retrocesso para o multilateralismo, dificultando uma maior integração mundial via comércio e produção.

Recentemente, na reunião do G20 realizada na Argentina, os governos envolvidos no imbróglio comercial, assinaram uma pequena trégua nesta disputa por um período de 90 dias, este acordo deve arrefecer os ânimos dos dois países, mas ao mesmo tempo, nos mostra claramente que o conflito já começou a deixar marcas profundas nos contendores, principalmente nos Estados Unidos, cujos impactos econômicos foram bastante sentidos pela população, com incremento na inflação e no aumento nos déficits comerciais.

Com as medidas impostas pelo presidente Donald Trump, que taxou mais de US$ 250 bilhões em importações chinesas, a balança comercial sino-americana ficou ainda mais negativa para os Estados Unidos, os preços dos produtos importaram aumentaram, a renda do trabalhador médio se reduziu e a inflação apresentou sinais de elevação, o que está levando o Banco Central (FED) a elevar as taxas de juros e, com isso, a contrair o crescimento da economia.

Mais do que isso, a guerra comercial está deixando claro as fragilidades da economia norte americana neste momento, seu déficit comercial com a China se elevou, até setembro o déficit acumulado do ano soma US$ 305 bilhões, comparado aos US$ 276,6 bilhões de 2017. Com uma economia com pouca capacidade ocioso, os norte-americanos teriam dificuldades para aumentar os investimentos e fazer novas contratações de trabalhadores para substituir os produtos chineses e se estes investimentos fossem feitos seriam às custas de outras decisões de negócios que são mais lucrativas e cujos retornos são mais seguros e imediatos.

Outro erro central do presidente norte-americano Donald Trump é que sua atenção imediata está nos setores da indústria convencional, desde os tempos de campanha eleitoral, nos estados do Nordeste, do meio-oeste e da Região dos Lagos, em vez de concentrar esforços naquilo que consideramos mais importante, a saber, a competição com a China em setores de alta tecnologia, este sim é o verdadeiro local de embate econômico entre os Estados Unidos e a China.

O novo embate entre estes países não mais será sobre a produção de petróleo, de combustível ou de aço, mas sobre as novas tecnologias do século XXI, principalmente sobre os mercados de inteligência artificial, de computação quântica e de biotecnologia, estes produtos serão as novas armas nucleares e seu domínio prenunciará os ganhadores e os perdedores do mundo contemporâneo, a ciência deve nortear as decisões estratégicas de todos os países, desde os grandes até os menores, sem ela as populações terão grandes dificuldades para assimilar as conquistas do mundo.

O episódio mais recente deste conflito foi a prisão da herdeira e diretora financeira do conglomerado chinês Huawei, ocorrida no Canadá no começo do mês, esta empresa é uma das maiores empresas chinesas, responsáveis pela produção de suprimentos para setores fundamentais do mercado de tecnologia, principalmente para o setor de telecomunicações. O governo norte-americana acusa a Huawei de fornecer informações para o governo chinês, como trabalha com milhares de empresas de tecnologia, os norte-americanos acreditam que esta empresa coleta informações confidenciais e repassa ao governo chinês, cometendo, com isso, inúmeros crimes e estes devem ser punidas.

Ao contrário do que apregoa o liberalismo, vendido pelos países desenvolvidos ao mundo em desenvolvimento, as políticas desenvolvidas na China foram fortemente centradas no planejamento do Estado, nos anos 80 estas empresas eram frágeis e sucateadas, apenas uma política correta de incentivos e posterior concorrência para auxiliar no crescimento destes conglomerados e no fortalecimento do mundo corporativo chinês.

A resolução deste imbróglio pode sinalizar como os dois países estão enxergando este momento de conflito e de incertezas na economia internacional, as discussões iniciais mostraram uma animosidade grande entre as partes, com retóricas exaltadas de ambos os lados, a Huawei não é uma empresa qualquer, trata-se de um dos grandes gigantes da tecnologia chinesa, os próximos capítulos deste confronto podem nos mostrar se os ânimos continuarão exaltados ou se o bom senso deve predominar.

A relação comercial e política entre os dois países piorou sensivelmente depois do episódio acima, o embate descrito como comercial, na verdade é um conflito por hegemonia, os Estados Unidos sentem a ascensão chinesa que, por outro lado, apresenta ambições hegemônicas, com isso, o mundo caminha para um novo conflito econômico, político, cultural e, quem sabe, uma guerra militar, estamos presenciando um momento bastante conturbado e ao mesmo tempo bastante rico e interessante, o início de uma nova guerra, cujos desdobramentos, na atualidade, nos parecem bastante assustadores.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mundo perigoso, violento e de perspectivas sombrias

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Vivemos em uma sociedade marcada por grandes medos e desesperanças, de um lado uns milionários ou melhor, bilionários, vivendo de forma nababesca, ganham recursos de forma rápida, na maioria das vezes com o preço de suas ações e de títulos públicos, se fecham em condomínios fechados, moram em casas suntuosas, seguranças disfarçados, luxo, ostentação e hedonismo são as marcas destes indivíduos, seus gastos diários correspondem aos recursos que os grupos mais fragilizados ganham durante anos, uma sociedade onde as classes médias estão desaparecendo e dois extremos surgindo, os muito ricos e os muito pobres.

Esta nova organização social ainda está sendo construída, de um lado percebemos a destruição e a violência intensa dos países desenvolvidos, fenômenos anteriormente restrito aos países pobres e subdesenvolvidos, hoje se tornou rotina em países desenvolvidos e estruturados, como a França, que recentemente se viu acossada por revoltas e destruições nas ruas, vandalismo e destruição em massa, com saques e roubos no cair da tarde, as reivindicações são as mais variadas, desde os aumentos constantes nos preços dos combustíveis que reduzem o poder de compra da população até os mais variados medos de um futuro próximo, descrito como sombrio, nebuloso e de desesperança.

Nas décadas anteriores vivíamos em uma sociedade mundial marcada por países ricos e pobres, os primeiros eram os grandes beneficiários das benesses da civilização, nestes países a produtividade era alta, os recursos eram abundantes, os serviços públicos eram de excelência e o bem-estar da população era garantido. Nos países mais pobres ou subdesenvolvidos, a situação era diferente, os serviços prestados pelo poder público deixavam muito a desejar, a produtividade dos trabalhadores era alta e as condições sociais eram bastante negativa.

Com o avanço do século XX, percebemos o surgimento de uma nova organização social, a economia passou a ser o centro das atividades produtivas, a política se transformou em refém das decisões econômicas e todo o espectro social se alterou imensamente, era a economia dando as cartas na sociedade, transformando tudo em instrumentos de acumulação, o poder do dinheiro destruía as bases da sociedade e corrompia todas as estruturas sociais, criando uma nova sociedade marcada pelo lucro, pela produtividade e pela busca constante por acumulação, nesta nova sociedade se compra de tudo, desde as mercadorias mais sofisticadas até os prazeres do sexo e do amor verdadeiro, isto mesmo, no mundo contemporâneo compramos até amor verdadeiro.

Com o crescimento do poder da economia, as pessoas são obrigadas a trabalhar todos os dias e horários, se dependessem dos empresários as empresas estariam abertas 24 horas por dia, para este poder dominante da sociedade o trabalho é fonte criadora, apenas esquecem de destacar que numa sociedade onde os trabalhadores trabalham diuturnamente, as famílias perdem seus referenciais e as relações familiares se degradam intensamente, abrindo novos espaços para o avanço da criminalidade, da violência e do banditismo. Não estamos condenando o trabalho e colocando-o no centro dos problemas da sociedade, apenas estamos refletindo sobre o excesso de trabalho, o acúmulo de metas agressivas e a redução do tempo e das relações entre pais e filhos, menos exemplos em casa os adolescentes são facilmente recrutados para atividades paralelas, esta sim está no centro da desagregação e do incremento na violência urbana em curso na sociedade.

Regiões mais desenvolvidas do mundo, como Europa, América do Norte e Japão, viram seu poderio econômico perder força com a nova organização produtiva global, uma nova geopolítica passou a dominar a sociedade global, empresas das regiões mais avançadas migram intensamente para regiões mais pobres e subdesenvolvidas, esta migração objetiva a construção de novos mercados consumidores e a exploração da mão de obra barata destes países, este fluxo econômico e financeiro, num primeiro momento é bem vindo e exaltado por todos, afinal geram empregos e novos investimentos, angariando um incremento da renda, dos salários e do desenvolvimento econômico, mas posteriormente geram instabilidades e incertezas variadas, isto porque estes conglomerados acumulam poder econômico e uma gigantesca força política, influenciando o poder político, fragilizando e colocando em xeque as bases da democracia representativa.

As novas empresas levam também o poderio econômico e político de seus Estados Nacionais, são estes que abrem as portas através de negociações comerciais e financeiras para a instalação destes conglomerados em solos estrangeiros, esta parceria foi muito importante para a internacionalização destas organizações e para o fortalecimento da chamada globalização, cujos malefícios hoje nos parecem mais claros e os benefícios, embora muitos, estão sendo esquecidos e sobrepostos pelas dificuldades do momento.

Depois de mais de trinta anos de crescimento econômico e melhorias sociais inquestionáveis, os anos 1980 nos trouxeram grandes inquietações e preocupações, as corporações ganharam força e poder político, com isso, passaram a dominar as sociedades e traçar estratégias de dominação e cooptação, com seu poder em ascensão e o enfraquecimento dos Estados Nacionais, estas instituições passaram a comandar um novo modelo de capitalismo, mais financeiro e imediatista, onde o lucro crescente, as metas exigentes e os ganhos constantes se transformaram no novo mantra da sociedade internacional.

Nesta nova sociedade, percebemos os impactos crescentes sobre os trabalhadores, de um lado a tecnologia transforma os postos de trabalho, diminuem a contratação e reduzem os salários, obrigando os trabalhadores a salários cada vez menores e jornadas maiores, toda e qualquer reclamação pode, simplesmente, levar a demissão, obrigando-o a trabalhar, trabalhar e trabalhar… até o final de suas forças físicas e emocionais. É neste ambiente, que percebemos um crescimento dos desequilíbrios psíquicos e emocionais, pesquisas recentes destacam que as pessoas estão sofrendo de problemas psiquiátricos com maior frequência, o trabalho exacerbado, as metas inatingíveis e as cobranças desmesuradas estão levando uma parcela cada vez maior dos trabalhadores para os consultórios de psicólogos e para as clínicas psiquiátricas, são verdadeiros zumbis que para enfrentar mais uma jornada exaustiva de trabalho precisam se dopar, com medicamentos e drogas tarjas pretas, sem estes o destino final ou é o manicômio ou o cemitério, isto sem falar no crescimento nos índices de suicídio, somente no amo passado tivemos mais de 800 mil pessoas que se suicidaram no mundo, um número em torno de um suicídio a cada 40 segundos.

Os movimentos ocorridos na França neste final de semana retratam que as dificuldades não estão limitadas apenas aos países em desenvolvimento, depois de um período de forte crescimento econômico e uma ampla melhoria em suas condições de vida, a população dos países desenvolvidos percebeu uma queda considerável em seu padrão de vida, sua renda vem sofrendo uma forte redução nos últimos vinte anos, tudo isto gerou grave descontentamento político e social, levando a população a novas reivindicações e demandas que não estão mais sendo respondidas a altura pelo Estado Nacional e por toda a classe política destes países, o grande risco está na demonização da política, sem ela o que sobra é a lei do mais forte, e nesta os grandes sempre levam vantagens.

Nos Estados Unidos os movimentos e as perspectivas sociais não são mais animadores que os ocorridos na França, a vitória de Donald Trump para a presidência em 2016 mostrou uma forte insatisfação de grupos que estão, nos últimos anos, sendo alijados do poder e vendo sua renda, seus recursos e seus rendimentos serem reduzidos, seu status quo diminui e seus medos com relação aos produtos estrangeiros e aos indivíduos que chegam de outros países crescem de forma acelerada, alimentando grupos de direita e setores mais reacionários da sociedade.

Com a integração das economias e o crescimento dos blocos econômicos, o fortalecimento dos conglomerados transnacionais, os Estados perderam força política e poder econômico, ao mesmo tempo que as demandas sociais da comunidade cresceram de forma acelerada, a competição desenfreada e a busca constante por lucros e rendimentos geraram um incremento no desemprego e uma queda na renda agregada da economia, tudo isto impactou sobre as receitas dos governos e, ao mesmo tempo, pressionou seus gastos, levando a um incremento na dívida pública e a uma maior dependência dos mercados para financiar estes gastos adicionais e constantes, o resultado disso tudo é que a maior parte dos Estados Nacionais estão presos aos mercados financeiros nacional e internacional, suas dívidas crescem de forma acelerada e grande parte de seus recursos são tragados para o pagamento destes compromissos, deixando a população, principalmente as mais vulneráveis, em condições de calamidade.

O avanço da tecnologia nos últimos anos contribuiu para uma melhoria na prevenção e na cura de inúmeras doenças, moléstias que até recentemente eram vistas como muito agressivas e os pacientes estavam condenados a morte, agora sobrevivem e vivem muitos anos, tudo isto pode ser descrito como uma das maiores conquistas da humanidade, nesta sociedade global os seres humanos estão vivendo mais e melhor e os impactos sobre as finanças da sociedade é imediato e preocupante, levando todos os Estados a repensarem seus gastos com a previdência  e a seguridade social.

Ao mesmo tempo que tivemos melhorias na medicina nos anos recentes, percebemos também um incremento na insegurança pública, a violência cresceu de forma acelerada em todas as regiões do mundo, países como o Brasil apresentaram em 2017 mais de 63 mil assassinatos, colocando-nos nos primeiros lugares entre os países mais violento do mundo, em situação semelhante a países que se encontram, a muito tempo, em guerras fratricidas. Além do crescimento da violência, percebemos o crescimento do crime organizado, grupos bem estruturados que atuam dentro do território nacional em várias áreas e setores altamente rentáveis, desde o roubo de cargas, comércio clandestino de cigarros, prostituição, tráfico de drogas, terrorismo, corrupção e roubos a bancos e, com isso, movimentam bilhões de reais criando medo, insegurança e instabilidade. Este avanço exige uma forte organização dos Estados Nacionais, estrutura repressiva, judiciário capacitado e políticas públicos concatenadas para o combate a estas organizações que crescem de forma acelerada, cooptam pessoas nas mais variadas áreas e setores e minam a democracia e o poder das instituições governamentais.

A população dos países desenvolvidos percebe que o futuro está marcado por incertezas, medos e desesperanças, os cidadãos que conheceram as benesses do crescimento econômico e da melhoria das condições sociais, hoje estão amedrontados com as condições que se colocam, a concorrência acirrada e os fortes investimentos em tecnologias, colocam os trabalhadores em condições secundárias no mercado de trabalho, a qualificação e o aperfeiçoamento sozinhos não respondem as principais indagações na busca por empregos, as corporações exigem cada vez mais capacitação e remuneram cada vez menos, estamos no pior momento da classe trabalhadora que, definitivamente, na atualidade não vai mais para o paraíso.

Aos trabalhadores, a busca por trabalho e qualificação é uma constante, na era da inteligência artificial, os novos empregos exigem investimentos enormes e de uma motivação infinita, além de uma grande bagagem emocional e sólida estrutura espiritual, como construir uma carreira de sucesso se o mundo se transforma com uma rapidez jamais vista na história da humanidade? E como compatibilizar carreira de sucesso com uma família estruturada e feliz? E o que podemos entender, no mundo contemporâneo, como uma carreira bem sucedida? São perguntas que toda sociedade civilizada precisa responder para poder viabilizar um futuro melhor digno e esperançoso para seus cidadãos.

Nestes momentos de instabilidades e medos, faz-se necessário repensar o modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade internacional, de nada adianta aumentar a produtividade do trabalhador, diminuir o preço dos produtos, produzir em escalas cada vez maiores se o ser humano precisa urgentemente de ajuda emocional, se continuarmos criando indivíduos doentes e com graves desequilíbrios emocionais o fim da humanidade estará diuturnamente mais próximo e todos seremos condenados e responsabilizados por esta destruição.

Todos nós somos culpados pelos desajustes desta sociedade, todos contribuímos para esta desagregação dos vínculos sociais e da desumanização que cresce a passos largos e consolidados, as revoluções armadas não conseguem e não conseguiram sozinhas dar as respostas que todos desejamos, apenas uma revolução silenciosa e individualizada, onde cada um deve fazer a sua parte, com isso, os resultados positivos crescerão rapidamente e a sociedade tende a se consolidar, abrindo espaço para a empatia, o respeito e a solidariedade, sentimentos esquecidos no mundo contemporâneo mas fundamental para a construção de uma sociedade inclusiva e solidária.

 

 

 

 

 

Não faz sentido culpar só a internet pela disseminação de fake news, diz autor

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Ricardo Abramovay analisa estudo sobre como influência da televisão e círculos ideológicos geram desinformação

Ilustríssima – Folha de São Paulo – 18/11/2018

A ascensão da extrema direita em várias partes do mundo lançou a internet num ameaçador território distópico. O otimismo em torno de sua vocação democratizante e descentralizadora esvaneceu, até para seus mais vigorosos apologistas. Nicholas Thompson, comemorando os vinte e cinco anos da revista Wired (a mais importante publicação sobre tecnologia em todo o mundo) afirma, logo ao início da imperdível conversa que manteve com Yuval Nohah Harari e Tristan Harris[1]: “quando a revista foi fundada, ela tinha a marca do otimismo, da mudança e pautava-se na ideia de que tecnologia é bom e mudança é bom. Vinte e cinco anos depois, olhando como o mundo está, não dá mais para manter integralmente aquela filosofia”.

A internet pede desculpas: este é o título de um conjunto de entrevistas que a revista norte-americana Intelligencer[i] fez com figuras icônicas do Vale do Silício como Jaron Lanier (cujo último livro[ii] propõe que as pessoas abandonem todas as redes sociais), Guillaume Chaslot (que ajudou a desenvolver o algoritmo de recomendações do You Tube e que hoje denuncia seus efeitos nefastos) e Roger McNamee (investidor que foi conselheiro de Mark Zuckerberg e é atualmente um de seus mais implacáveis críticos), entre outros. Acumulam-se artigos científicos e imensa quantidade de livros nos últimos dois ou três anos denunciando o modelo de negócios dos gigantes digitais contemporâneos por estar conduzindo o bem público que é a internet a um caminho oposto ao concebido por seus criadores.

Yochai Benkler, Robert Faris e Hal Roberts (os três do Berkman Klein Center para Internet e Sociedade da Universidade Harvard) acabam de publicar Network Propaganda[iii] em que, mesmo reconhecendo as ameaças do modelo de negócios dos gigantes digitais à vida cívica contemporânea, mostram que as mídias sociais não podem ser consideradas como os vetores fundamentais da ascensão do que chamam de “majoritarianismo autoritário” nos Estados Unidos e, provavelmente, tampouco no resto do mundo.

A individualização massificada

Na base deste modelo de negócios estão as mudanças tecnológicas que tiveram início com o smartphone, a computação em nuvem, o avanço da aprendizagem de máquinas e da inteligência artificial. Captadores de imagens, de voz, que reconhecem o movimento das pessoas, mesmo que não estejam em posse de seus celulares completam o que Shochana Zuboff caracteriza como o capitalismo de vigilância[iv]. Os dados que fornecemos permanente e involuntariamente não só no uso de dispositivos digitais, mas até caminhando pelas ruas ou fazendo compras são coletados, armazenados, processados e permitem o conhecimento individualizado de cada um de nós num grau de detalhe que vai além de tudo o que o marketing convencional (comercial ou político) jamais sequer imaginou.

O conhecimento tão minucioso e personalizado não só de nossos comportamentos, mas até de nossos sentimentos íntimos abriu caminho a um modelo de negócios pelo qual os gigantes digitais conquistaram um grau de riqueza e de poder inédito na história da economia moderna. Como bem mostra Woodrow Hartzog no recém publicado Privacy’s Blueprint[v], a concepção dos dispositivos digitais e dos aplicativos a partir dos quais os usamos agride alguns dos mais importantes valores da democracia, a começar pela privacidade. Mas como esta permanente invasão da privacidade é um fenômeno coletivo, atingindo hoje bilhões de pessoas, Hartzog denuncia um perigoso poder de influir nas opções dos consumidores e dos cidadãos por parte de quem detém o conhecimento dos perfis de cada um de nós. O escândalo do vazamento dos dados dos usuários do Facebook, coletados pela Cambridge Analytica levantou a suspeita de que o resultado das eleições norte-americanas de 2016 teria sido outro sem a manipulação que permitiu o envio de mensagens personalizadas e de forma massiva voltadas a destruir a figura de Hillary Clinton.

O diagnóstico parece irrefutável, que se trate de Trump, do Brexit, de Orbán na Hungria ou de Duterte nas Filipinas: o modelo de negócios dos gigantes digitais, a coleta generalizada de dados pessoais, o tratamento destas informações por algoritmos cada vez mais sofisticados e o conhecimento individualizado a que abrem caminho tudo isso permite uma influência sobre a vida cívica e eleitoral que compromete a própria democracia. Junte-se a isso o uso destes dispositivos por estrangeiros (e sobretudo russos, no caso norte-americano) e está formado o quadro que poderia ser sintetizado numa fórmula sombria: a democracia não tem como sobreviver à internet.

Polarização assimétrica

Network Propaganda contesta esta conclusão, respaldado por colossal massa de dados empíricos. Não que a internet esteja isenta de ameaças para a vida democrática ou que as mídias sociais não tenham sido veículos de transmissão de notícias falsas em larga escala. No entanto, segundo pesquisa citada por Benkler, Faris e Roberts, apenas 14% dos norte-americanos identificavam as mídias sociais como as mais úteis fontes para sua informação, no processo eleitoral de 2016. Isso significa que os eleitores foram às urnas bem informados?

Para responder a esta pergunta os autores mostram uma impressionante assimetria entre o ecossistema informativo em que vivem os eleitores da extrema-direita norte-americana e aquele que marca os de centro e os de esquerda. 47% dos norte-americanos que se consideram “consistentemente conservadores” informam-se sobre governo e política quase exclusivamente pela Fox News. Trata-se de um canal de TV que não hesita em difundir e fazer “reportagens” sobre a filiação de Hillary Clinton ao fundamentalismo islâmico (ao ISIS), sobre o poder da Arábia Saudita na Fundação Clinton, sobre o acordo secreto para que os americanos vendam urânio para os russos, sobre o tráfico de crianças vindas do Haiti, promovido pelos Clinton, visando a pedofilia ou sobre o chefe da campanha de Hillary (John Podesta, hoje professor visitante da prestigiosa Georgetown Law University) como praticante de magia negra. Por maior que tenha sido a divulgação destas histórias pelo Facebook, este era a fonte principal de informação para apenas 7% dos eleitores de Trump.

Já as pessoas que se declaram “consistentemente liberais” tinham suas fontes de notícias muito mais diversificadas: 15% assistiam a CNN, 13% a NPR, 12% a MSNBC e 10% liam o New York Times. Da mesma forma que com os eleitores de Trump, o Facebook foi a fonte primária de informação para apenas 8% dos eleitores democratas.

É verdade que a desconfiança com relação à imprensa aumentou muito nos EUA dos anos 1970 para cá, quando atingia entre 10% e 20% da população (um pouco mais os republicanos que os democratas). Em 2016 esta desconfiança subiu assustadoramente, mas chega a 40% entre os democratas e a nada menos que 60% entre os republicanos.

Três conclusões emergem destes dados: a primeira é que a influência das mídias sociais nas eleições norte-americanas de 2016 foi bem inferior ao que inúmeros estudos estimam. Mesmo que o envio personalizado, mas massivo, de mensagens ameacem a democracia, não foi este o principal responsável pela informação de que se alimentou o eleitor norte-americano em 2016. A segunda conclusão é que a televisão teve um papel decisivo. A terceira é a mais importante, sobretudo porque traz lições sobre a ascensão da extrema-direita além dos Estados Unidos: são muito mais concentradas e exclusivas as fontes de informação dos eleitores de Trump, quando comparados aos democratas.

Se esta concentração fosse o resultado do formato e do design das mídias sociais, ela atravessaria de modo mais ou menos homogêneo todo o espectro político. Mas na extrema-direita é impressionante a crença e a falta de meios de contestação de histórias totalmente absurdas e que só podem ser compartilhadas por quem está fechado num círculo político e cultural que reitera as identidades que o constituem (a supremacia branca, a aversão à imigração, os valores tradicionais contrários à revolução sexual e à emancipação feminina, entre outros). Nos Estados Unidos, o compartilhamento de informações fantasiosas, sem qualquer verificação de sua veracidade, atinge, de forma sistemática nada menos que 40% da população. Mas a fantasia não se distribui de forma homogênea no espectro político e eleitoral.

A palavra “polarização” escamoteia uma notável assimetria entre o comportamento da mídia de extrema-direita e as regras que norteiam o ecossistema informativo que a ela não se filia. São duas comunidades epistêmicas que funcionam a partir de lógicas bem distintas uma da outra. Claro que na esquerda também circulam histórias falsas como a veiculada em 2016, de que Donald Trump violentou uma criança de treze anos em 1994. Mas esta informação foi muito mais submetida ao crivo da crítica e das fontes alternativas do que as criadas pela Fox, pelo Breitbart e por inúmeros colunistas (muitos dos quais praticantes do poderoso tele evangelismo), difusores de histórias em que é difícil imaginar que as pessoas acreditem.

O declínio da objetividade

O poder destas narrativas fantasiosas torna-se ainda mais intrigante quando se leva em conta que durante o Século XX desenvolveram-se instituições e uma cultura voltada a coibir o charlatanismo em quase todos os campos profissionais. Isso se exprime nas associações médicas, na generalização dos métodos de revisão pelos pares em publicações científicas, nas associações de economistas, cientistas políticos, advogados e na edição, por parte da maior parte dos grandes jornais em todo o mundo, de manuais de redação que procuram estabelecer os meios que permitem ao público a crença compartilhada nas informações transmitidas e as bases do jornalismo objetivo. É claro que a mentira, a má informação, a desinformação intencional e a má fé sempre existiram, sobretudo no calor das disputas eleitorais. Mas o Século XX, sobretudo após a IIª Guerra Mundial, traz a marca de instituições e do fortalecimento de uma cultura, ao menos nas sociedades democráticas, voltadas a coibir a informação e as narrativas mentirosas.

Este mundo desabou, sobretudo na segunda década do Século XXI, quando, nos Estados Unidos, entram em cena tanto um conjunto de sites, blogs (Breitbart, Infowars, Truthfeed, Zero Hedge, Gateway Pundit) e colunistas de repercussão nacional sem qualquer compromisso com estas normas de objetividade. Mas mesmo emissoras como Fox News e Daily Center, que alegam seguir normas de jornalismo objetivo, na verdade não o fazem.

Benkler, Faris e Roberts mostram que nos Estados Unidos o ecossistema informativo não é marcado por uma polarização direita/esquerda e sim entre direita e todo o restante da mídia. É na direita, mostram os dados, que se concentram os modelos de câmaras de eco, com alto grau de impermeabilidade de seus participantes a tudo que não pertence ao universo cultural em que vivem, o que os torna ainda mais suscetíveis à crença em teorias conspiratórias e narrativas inverossímeis. O noticiário, as opiniões dos colunistas de repercussão nacional e dos blogs mais frequentados têm, permanentemente esta propensão de confirmar a identidade cultural dos que os recebem e transmitem.

Em que consiste esta identidade conservadora? No caso norte-americano ela é uma reação ao movimento de direitos civis (contra o racismo), às lutas pela emancipação feminina, à revolução nos costumes, que os anos 1960 trouxeram e contra as quais um vasto conjunto de pregadores religiosos, de colunistas e de emissoras de rádio e TV (que passaram a ter alcance nacional por mudanças na legislação de broadcasting) se organizou. A valorização da família patriarcal e a apologia ao individualismo são o sustentáculo dos pilares pelos quais a coalizão que resultou na presidência de Donald Trump imprimiu sentido e identidade (mais do que um programa de governo) a milhões de norte-americanos que se alimentam espiritualmente do fechamento em si mesmo de seu ecossistema informativo.

Duas conclusões emergem da análise de Benkler, Faris e Roberts. A otimista é que a internet não está condenada a ser um vetor de destruição da democracia. É fundamental e é possível estabelecer regras que permitam ao público distinguir a informação da propaganda política tóxica e há um forte movimento nesta direção, não só nos EUA. A pessimista é que não há forma simples de enfrentar a crise epistêmica em países onde grande parte da população vive em círculos culturais que fazem da informação distorcida e muitas vezes falsa um meio para fortalecer as identidades e os significados a partir dos quais as pessoas enxergam o mundo.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/11/nao-faz-sentido-culpar-a-internet-pelas-fake-news-afirma-pesquisador.shtml

[1] https://video.wired.com/watch/yuval-harari-tristan-harris-humans-get-hacked

[i] http://nymag.com/intelligencer/2018/04/an-apology-for-the-internet-from-the-people-who-built-it.html

[ii] https://www.intrinseca.com.br/livro/857/

[iii] https://global.oup.com/academic/product/network-propaganda-9780190923624?cc=us&lang=en&

[iv] https://www.publicaffairsbooks.com/titles/shoshana-zuboff/the-age-of-surveillance-capitalism/9781610395694/

[v] http://www.hup.harvard.edu/catalog.php?isbn=9780674976009

 

 

Competências para o mercado: todos precisam ser líderes?

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Ainda que a formação de profissionais capazes de liderar projetos seja altamente relevante, as instituições não podem descuidar da diversidade de perfis. Há muitas outras competências para serem desenvolvidas

Diego Braga Norte  20 DE OUTUBRO DE 2018 – Revista Ensino Superior

De todas as competências socioemocionais trabalhadas no ensino superior, a liderança é certamente a mais incensada. Muitos cursos de graduação e pós dedicam horas ao seu desenvolvimento, pois seus coordenadores acreditam que, ao despertar o espírito de liderança em seus alunos, estarão desenvolvendo também a capacidade de resolver problemas, de se comunicar, de trabalhar em equipe, entre tantas outras características valorizadas pelo mercado.

Porém, enquanto alguns são líderes natos, outros só conseguem desenvolver parcialmente tal capacidade. Há ainda aqueles que não desejam ou mesmo não têm o perfil de um líder, dentre as muitas nuances nessa zona cinzenta que envolve a personalidade e os anseios humanos.

“Esse papo que todo mundo pode ser líder é uma falácia. E excesso de líderes não funciona. Tribo com dois caciques não existe”, indica Victor de La Paz, supervisor do laboratório de recursos humanos da ESPM. Fato posto, estariam as IES falhando ao se dedicarem com tanto afinco à formação de líderes? A resposta é sim e não.

Sim, se elas pretenderem ensinar apenas um tipo de liderança para diferentes perfis. E não, quando ensinam o autoconhecimento e valorizam os pontos fortes de cada indivíduo, num ensino mais integral e inteligente.

Do mercado de trabalho para a sala de aula

A emergência desse tema nas faculdades brasileiras é recente. De acordo com Luiz Felippe Mata Ramos, pesquisador e professor do Centro Universitário Senac, a importância das habilidades socioemocionais e, mais especificamente, da capacidade de liderança surgiu no mercado de trabalho e, como sempre acontece, extravasou para a formação profissional e acadêmica.

“Não é algo casual; é decorrente de um processo histórico da pós-modernidade, que passou a ser enxergada e discutida do final dos anos 1980 e durante a década de 1990”, diz Ramos.

Em 1995, a publicação do livro Inteligência emocional, de Daniel Goleman (Ed. Objetiva), popularizou definitivamente as habilidades socioemocionais, complementa Paulo Vieira de Campos, professor de liderança corporativa da ESPM. Também no mesmo período, tivemos o surgimento de um mercado de trabalho global, mais dinâmico e altamente especializado — algo que primeiro foi notado nos Estados Unidos e Europa.

Esse novo contexto criou um lapso entre a formação e o emprego. “Era uma geração de pessoas carentes de experiências profissionais e sem nenhum contato com práticas corporativas”, prossegue o pesquisador Ramos.

Para suprir essa carência profissional, surgiram os MBAs. E com os MBAs, técnicas e processos utilizados em corporações multinacionais entraram definitivamente nas salas de aula, como a ênfase na liderança.

 Sem múltipla escolha

Hoje, a relevância que se dá às características socioemocionais e à personalidade dos alunos é tão grande que algumas faculdades — como a FGV, o Insper e a Faculdade Israelita d​e Ci​ências da Saúde Albert Einstein, por exemplo — já utilizam avaliações presenciais, entrevistas e dinâmicas de grupo para escolher seus futuros alunos.

Similares aos processos de seleção utilizados por grandes empresas, essa forma de triagem pode ser muito útil para garimpar determinados perfis, mas não são perfeitas. Como todos os processos coordenados por humanos, estão sujeitos a falhas, geralmente provocadas pela ampla margem de subjetividade envolvida na tarefa.

Para Marcelo Haegenbeek, CEO da Apponte, empresa de gestão de RH, com esse modelo de seleção, há o risco de tanto as IES como as empresas contratarem pessoas com perfis muito parecidos. “Isso muitas vezes ocorre e afeta a diversidade de personalidades e de forma de pensamento”, avalia.

Os prejuízos da falta de diversidade tendem a aparecer no médio e longo prazo, comprometendo metas e o próprio desempenho de uma sala de aula ou de uma companhia. “Empresas precisam buscar a complementaridade, sempre. A diversidade propicia a inovação no ambiente organizacional. Equipes bem estruturadas têm pessoas com diferentes habilidades e competências; e um bom gestor para direcionar os trabalhos e dirimir os conflitos”, opina Marco Antônio Lovizzaro, professor de Liderança e Gestão de Pessoas da Fiap.

A vingança dos tímidos

“Nossas escolas e instituições são pensadas para pessoas extrovertidas. Temos também um sistema de crença, que eu chamo de ‘novo pensamento de grupo’, de que toda a criatividade e produtividade vêm de um lugar muito sociável e comunitário”, escreve a autora americana Susan Cain em seu livro O poder dos quietos (Ed. Agir).

De acordo com a pesquisadora, as sociedades ocidentais sempre favoreceram o homem de ação em detrimento do homem de reflexão e contemplação.

Analisando o desenvolvimento da sociedade ao longo do século 20 e mais acentuadamente agora, no 21, com o culto às personalidades, celebridades e a influência da cultura “corporativa descolada” do Vale do Silício, é perfeitamente compreensível que magnetismo pessoal, carisma e capacidade de influenciar os outros tenham se tornado muito importantes. Sendo assim, não espanta constatar que os youtubers são os atuais ídolos da juventude.

Há atualmente um sistema que privilegia a formação de grupos e o trabalho em equipe, algo muito importante, sem dúvida, mas que pode prejudicar pessoas brilhantes e mais introspectivas.

A psicologia contemporânea já comprovou que as pessoas não conseguem ficar num grupo sem imitar opiniões e comportamentos dos demais, muitas vezes sem mesmo notarem isso. Geralmente, uma ou mais personalidades extrovertidas dominam o ambiente e influenciam os demais, que podem estar seguindo uma ótima ideia, ou não.

Se um jovem decide se afastar e fazer o trabalho sozinho, é geralmente visto como estranho, ou pior, problemático. E a maioria dos professores acredita que o estudante ideal é o extrovertido, mesmo quando introvertidos têm melhores notas e são mais cultos, de acordo com pesquisas.

Pessoas mais reservadas são normalmente rechaçadas de posições de liderança, mesmo que introvertidos sejam muito cautelosos, menos passíveis de cometer erros. Uma pesquisa coordenada por Adam Grant, professor de gestão e psicologia da Wharton School (considerada a escola com o melhor MBA de Administração dos EUA), na Filadélfia, descobriu que líderes introvertidos apresentam melhores resultados que os extrovertidos.

Os introvertidos são melhores ouvintes e deixam seus subordinados mais à vontade, enquanto os extrovertidos têm a característica de ficar tão excitados a ponto de atropelar as ideias de seus subordinados.

Para evitar que problemas assim aconteçam, os especialistas não propõem o fim dos trabalhos em grupo, mas indicam que, paralelamente, é preciso incentivar os “voos solitários”, momentos e atividades que favoreçam a privacidade e a autonomia.

Em tarefas que precisam ser necessariamente feitas em equipe, o ideal é cada integrante gerar suas próprias ideias e depois discutir com os demais, evitando assim a predominância de um falso líder.

Siga o líder

É preciso sempre ter em vista que existem maneiras diferentes de liderar, avalia a psicanalista Roberta D’Albuquerque. “Há espaço para pensar as pessoas a partir de suas singularidades, o que as torna quem são e como isso pode contribuir para o grupo social”, completa.

Sofia Esteves, presidente do Conselho da Cia. de Talentos, empresa de consultoria em gestão de pessoas e RH, afirma que a extroversão não é uma característica determinante num líder. “Autoconhecimento e equilíbrio para fazer as escolhas certas são muito mais impactantes”, pensa.

“Ninguém nasce para liderar, não há prova científica disso. Há pessoas com mais capacidade de comunicação, mais expansivas, mais carismáticas, mas isso não necessariamente as torna líderes”, explica Lovizzaro, da Fiap.

Liderar, basicamente, é ter a capacidade de influenciar o comportamento de outras pessoas e isso pode ser treinado e aprimorado. Saber conviver socialmente é uma necessidade de qualquer indivíduo. Ninguém consegue fazer muita coisa sozinho; profissionalmente, muito menos.

Portanto, resta aos tímidos e introspectivos serem incentivados a desenvolver suas próprias formas de exercer a liderança – se assim desejarem.

 

 

 

 

Cristãos precisam enfrentar esquemas conspiratórios da esquerda e direita, diz líder evangélico

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Valdinei Ferreira, da 1ª Igreja Presbiteriana Independente de SP, defende tolerância e critica Escola sem Partido

Anna Virginia Balloussier

SÃO PAULO

A direita fala de Ursal, uma ficcional União das Repúblicas Socialistas da América Latina, como se fosse verdade. A esquerda não fica atrás e vem com um papo de que Sergio Moro é cria da CIA. Para onde esses esquemas conspiratórios nos levam?

Para longe da tradição cristã de tolerância, diz o pastor Valdinei Ferreira, titular no mais antigo templo protestante da capital paulista, a Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, de 1865.

Ferreira assinou, três dias após a vitória de Jair Bolsonaro, um manifesto em nome do movimento Reforma Brasil pedindo que cristãos se posicionem “de modo intransigente a favor da institucionalidade democrática”.

Há um ano, a frente —capitaneada por sua igreja— se lançava com outro manifesto, crítico aos “cadáveres da política” e à bancada evangélica.

A cena política era então descrita como um “vale de ossos secos”, recuperando a expressão do profeta bíblico Ezequiel, “dominado por legiões de mortos-vivos, instalados nos centros de poder”.

Agora Brasília deu uma cambalhota, e o apoio dos evangélicos a Bolsonaro beirou os 70%. Para Ferreira, a esquerda não errou em defender minorias, mas abraçou lutas identitárias —como a da mulher, do negro— sem o zelo de não alienar outros blocos, como o evangélico.

Vê como “legítima a reivindicação que você não tenha doutrinação” na aula, mas acha o Escola Sem Partido “uma bobagem”. Pondera: “Você vai criar um índex do que pode ser lido? Dou aula na nossa faculdade. ‘Manifesto Comunista’ é leitura obrigatória.”

Da internet às ruas, há muita hostilidade no ar. Como retomar o diálogo entre quem pensa diferente?

Agostinho diz que a verdade não pode ser minha nem sua, tem que ser nossa. O próprio cristianismo tem recursos para que as partes se ouçam e cedam mutuamente. É voltar para aquilo que é a tradição cristã: tolerância. Difícil é enfrentar esses esquemas conspiratórios.

E quais seriam? 

Pega gente da direita que fala em Ursal, Foro de São Paulo, tudo como se fosse um grande plano em marcha. O mesmo se aplica à esquerda que diz que a Lava Jato é ação do FBI, que o Moro foi treinado pelos americanos. Uma simplificação que faz a pessoa perder a capacidade de entender o que se passa.

O sr. fala em “apoio estridente” do bloco evangélico a Bolsonaro. Seriam cerca de 70%. A que atribui isso?

As razões pelas quais as pessoas votaram são legítimas. Querem uma sociedade mais segura, e Bolsonaro canalizou isso. Votaram contra o sistema, e ele também conseguiu personificar isso. Acredito que o fator decisivo foi o discurso em torno da família tradicional. Um negócio que vai demorar muito tempo para se esclarecer é toda essa narrativa a respeito de “kit gay”, discussões de gênero. Isso teve um efeito grande nas igrejas em geral.

Como conciliar, numa democracia, direitos de minorias e daqueles que querem preservar um núcleo familiar que veem como biblicamente correto? 

Aí que os extremos atrapalham. Parte das minorias não se sente representada, e parte da maioria se sente acuada pela emergência das minorias. É algo novo na sociedade brasileira, e também na Europa, nos EUA. Nossa democracia está buscando jeitos de conciliar interesses conflitantes. Por exemplo, uma fronteira é a questão do papel do Estado, da escola e da família na esfera íntima que é a orientação sexual. A gente não vai sair disso sem bom senso.

Nesse contexto, como vê o Escola Sem Partido?

Uma bobagem. É legítimo reivindicar que não se tenha doutrinação, no sentido de quase que um aliciamento por partidos ou movimentos sociais. Agora, qual a linha a julgar que o professor, ao passar conteúdo de marxismo, parte da história do Ocidente, induziu o aluno a integrar movimentos de esquerda? Dou aula na nossa faculdade. “Manifesto Comunista” é leitura obrigatória. É entender o papel de Marx no capitalismo. Vamos criar um índex do que não se pode ler? Entrei na Universidade Estadual de Londrina nos anos 1980. Só Marx, tudo Marx. Daí fui para a USP, e a briga maior era para ensinar Max Weber. Quem defende o Escola Sem Partido faria um favor à sociedade se criasse institutos para promover pensamentos que divergem da esquerda. O que vale é o debate de ideias.

Há uma minoria evangélica mais progressista. Como é a divisão no segmento?

O segmento é conservador. Agora, isso não significa ser contra minorias, preconceituoso. Você conserva a manutenção da sua vida, sem que isso tenha que ser imposto aos outros. Uma das bandeiras do protestantismo: não teríamos igrejas protestantes se você não tivesse liberdade de escolher a que igreja pertencer. Conservadorismo não é necessariamente ser intolerante, e progressismo não é necessariamente ser tolerante.

Hoje alas da esquerda avaliam se não trataram mal evangélicos e agora perderam esse eleitorado. É preciso frisar: aqueles que deram apoio estridente a Bolsonaro também estiveram nos palanques de Lula e Dilma [Edir Macedo, Silas Malafaia etc.]. Existe um setor evangélico muito bem articulado politicamente, que tem compromisso com o poder. Agora, a esquerda muitas vezes tem preconceito em relação à religião. Uma coisa que as pentecostais têm muito forte é a sensibilidade social. Há um esforço social forte com viciados, moradores de rua. Nesse sentido, a esquerda poderia manter diálogo muito maior com as igrejas. Quando ela se identificou com essas bandeiras identitárias, sejam mulheres, LGBTs, não fazia uma coisa errada. Mas, ao colocar o acento de uma forma mais forte nisso, criou esse sentimento “olha, [evangélicos] não somos representados por eles adequadamente”.

Recurso usado por pastores de frentes progressistas é frisar que nenhum cristão apoiaria frases como “bandido bom é bandido morto” ou falas de Bolsonaro como “prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. Por que isso não teve impacto no segmento? 

Você tem declarações de natureza anticristã, claramente. Mas precisa separar o seguinte: a igreja  enquanto instituição não deve apoiar ou vetar qualquer candidato. Agora, [fiéis], de acordo com sua sensibilidade, filtram esse tipo de declaração, decidem se é impeditivo de votar no candidato ou se merece ser relevado no contexto político. Quem está do outro lado também usa raciocínio para vetar nomes da esquerda, como evocar o “kit gay”. Bolsonaro tem a oportunidade de amadurecer. A Constituição prevê o direito de minorias. Se não conseguir lidar com isso, serão quatro anos terríveis, de turbulência.

Qual papel a igreja deve ter no Estado e na educação? 

Precisa participar. A laicidade é vista como “todos os argumentos valem, menos o religioso”. Isso empobrece a diversidade. O desafio das igrejas é aprender a separar o que, do ponto de vista da doutrina, é imoral do que é ilegal. Você não pode, numa sociedade plural, se apropriar de mecanismos do Estado para impor determinado conteúdo. E não faz sentido nenhum, todo tipo de obediência só faz sentido se for livre, se for de coração, e não por constrangimento de qualquer natureza.

O sr. diz que, após a eleição de Bolsonaro, cabe zelar “de modo intransigente” pela “institucionalidade democrática”. Até aqui, acha que ele dá sinais disso? 

Bolsonaro  e os filhos agem como o sujeito que atira usando um simulador. Agora ele é o presidente, o filho é senador [Flavio], o outro, deputado [Eduardo]. O que falam produz estragos reais. Tenho a impressão de que não conseguem avaliar a dimensão disso e continuam fazendo discurso como se fosse o da simulação, da campanha. Mas a fala do presidente tem peso no mundo inteiro. Exemplo foi a transferência da embaixada para Jerusalém. Imediatamente o Egito reagiu. Espero que Bolsonaro amadureça e aprenda que não há mais espaço para falas que agradam a determinado setor da população.

O que achou da ideia de transferir a embaixada, elogiada por muitos evangélicos?

Tem que ser avaliado com cautela. O Brasil não tem o peso dos EUA. O ato atrapalha negociações sobre o status final de Jerusalém, fundamental para pacificar a região. Não contribui para uma solução que faça justiça aos palestinos.

A bancada evangélica crescerá em 2019. É um sinal da pluralidade no Brasil, que sempre teve uma cultura de esconder diferenças, a ideia do caldeirão onde se mistura tudo. Nos anos recentes, tivemos pessoas colocando a identidade: sou negro, mulher, gay. Alguém se identificar como evangélico e ter uma bancada alinhada a isso não é o problema, o problema é o que você defende enquanto evangélico.

O que quer dizer o painel “Fé Pública” em frente à igreja? 

A fé em Deus é pessoal, mas nunca individualista. Como disse Jesus: “Amarás o Senhor, teu Deus, e o teu próximo como a ti mesmo’”. A fé sempre diz respeito ao modo como trato os outros. Num segundo painel, citamos o teólogo Karl Barth: a igreja atravessa a história obedecendo e desobedecendo. Contamos quando Billy Graham [um dos maiores evangelizadores americanos, morto em fevereiro] foi convidado a pregar na África do Sul. Queriam que fizesse um encontro para brancos e outro para negros. Ele se recusou. Claro, há muitos erros por trás dos acertos. A ideia não é camuflar, dizer que a igreja sempre esteve do lado certo. Mas quem lê o Evangelho com profundidade tem capacidade de autocrítica. Nem sempre acompanhar a maioria significa ser fiel ao Evangelho.

E onde a igreja errou? 

Apoiou a escravidão, teve dificuldade em lidar com o papel das mulheres. É histórico.

 

Meritocracia, enriquecimento e ascensão social

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Vivemos em uma sociedade que se transforma com uma rapidez muito grande, os paradigmas antigos estão sendo destruídos e novos estão sendo construídos, gerando novas oportunidades e possibilidades, além de incertezas e instabilidades, diante disso, percebemos uma grande transformação na chamada ascensão social, inaugurada pelo sistema capitalista no pós revolução industrial e que serviu para o aumento da legitimidade do sistema, passa por mudanças substanciais e preocupantes, colocando em xeque grandes conquistas da sociedade.

O conceito de meritocracia advoga a tese de que todos os indivíduos que se esforçarem, estudarem e se dedicarem com afinco e superação serão premiados com boas oportunidades de ascensão social e melhoria de sua qualidade de vida, empregos melhores e garantindo-lhes condições financeiras e sociais positivas de vida e de construção de seu futuro imediato, um preceito muito caro ao ideário dos protestantes que se expandiu por todas as regiões administradas pelos teóricos desta religião.

Em uma sociedade baseada em conhecimento, onde a informação se transformou em um dos ativos mais importantes, a educação ganha relevância e importância central, para sobreviver neste emaranhado de desafios, a capacitação ganha espaço nas famílias e obriga os indivíduos a buscas constantes pelo estudo e qualificação, aqueles que apresentam condições familiares favoráveis largam na frente desta grande empreitada, aqueles que não possuem este ativo fundamental são relegados ao final da fila e, muitas vezes, condenados e uma posição de subalternidade e subserviência na sociedade.

As estruturas sociais e econômicas  devem ser construídas pelos Estados Nacionais objetivando uma melhor qualificação para todos os seus cidadãos, garantindo as condições mínimas para a competição em sociedade, investimentos em educação e saúde são centrais nesta nova sociedade, cidadãos formados e altamente qualificados são ativos importantes que colocam o país na rota dos grandes investimentos da economia internacional e garantem boas condições para todos os grupos sociais.

Nesta nova sociedade os gastos em educação, ou melhor, os investimentos em educação ganham relevância, formar mão de obra qualificada é uma exigência do grande capital, aos Estados Nacionais cabem a construção de um sistema sólido de educação e capacitação dos trabalhadores para a atração dos investimentos, diante das novas demandas do capital, a educação se transforma, cada vez mais, em um negócio rentável e bastante lucrativo, atraindo empresas e fundos de investimentos, transformando pequenas instituições de ensino regionais em grandes conglomerados educacionais com mais de 1 milhão de alunos.

Como a educação ganhou relevância nesta nova sociedade, muitas discussões sobre meritocracia ganharam espaço na academia e no universo jornalístico, alguns defendendo-a como a forma mais evidente de construção de uma sociedade melhor, enquanto outros destacando que não existe meritocracia em uma sociedade desigual e injusta como a brasileira, sendo apenas uma conceito charmoso e elegante para denegrir os esforços, na maioria das vezes insuficientes, daqueles grupos sociais mais frágeis socialmente e menos abastados financeiramente.

Pesquisas recentes divulgadas nos Estados Unidos, concluíram o que muitas pessoas já suspeitavam e poucos diziam em público, nascer em uma família abastada garante mais o seu sucesso futuro do que suas próprias capacidades, segundo a pesquisa, não adianta nascer superdotado, se a pessoa vier de uma família que não forneça o suporte econômico necessário, isso vai impactar diretamente nos seus resultados mais para frente.

Segundo a pesquisa, as “dotações genéticas” (genes que conferem altas capacidades de aprendizado e inteligência) estão distribuídas quase igualmente entre as crianças vindas de famílias de baixa e alta renda, mas o sucesso não, com isso, percebemos a importância e a centralidade da família e das relações sociais na formação dos indivíduos, lembrando uma fala do médium mineiro Francisco Cândido Xavier, ao ser indagado sobre se tinha medo do retorno ao corpo físico, o que o médium prontamente respondia: “o maior temor que tenho é dos pais que me serão destinados”.

O economista Kevin Thom, da Universidade John Hopkins, responsável pela pesquisa, utilizou a base de dados genéticos de uma pesquisa que avaliou o genoma de mais de 1 milhão de pessoas e os relacionou a diferentes potenciais de aprendizado. Essa pesquisa comprovou que há pessoas com genes que conferem altas capacidades de aprendizado, e isso está distribuído em todas as classes sociais.

Ao colocar em números, o economista e seu grupo de pesquisadores descobriram como se dava o sucesso futuro das pessoas com esses genes, apenas 24% delas, se nascidas em famílias pobres conseguiram concluir a faculdade, enquanto que das famílias ricas, 63%, conseguem concluir o ensino superior, com isso, conseguiam se destacar na corrida por bons empregos e postos de trabalho.

Segundo Thom: “Se você não tem os recursos da família, até as crianças brilhantes – aquelas naturalmente dotadas – terão que enfrentar batalhas muito difíceis”. Com isso, a pesquisa nos revela de forma clara e sombria, quantos talentos estão sendo desperdiçados todos os dias na sociedade mundial, gerando perdas individual e coletiva, imagine o quanto de talento e de pessoas talentosas que poderiam responder perguntas e indagações importantes da sociedade internacional, como a descoberta de remédios para inúmeras moléstias e doenças altamente contagiosas, estão sendo castradas em suas potencialidades.

Com estas descobertas o mito da meritocracia perde força, em contrapartida, percebemos que nascer em família abastada e ter boa educação garante mais sucesso do que as habilidades natas dos indivíduos, colocando as relações sociais e familiares em um local de destaque na sociedade, obrigando-nos a rever nossos conceitos mais básicos de família e grupos sociais.

É importante destacar ainda, que muitos bem nascidos da sociedade brasileira ainda relutam em destacar que sua ascensão social social foi facilitada pelas suas condições de nascimento e criação, sempre que indagados destacam seus esforços pessoais e, com isso, querem destacar seus méritos nas conquistas profissionais, será que suas conquistas seriam as mesmas se sua história de vida fosse outra? Estas indagações deveriam ser feitas por todos os grupos sociais que são colocados no topo da pirâmide social e minimizam suas origens destacando seu empenho, seu suar e seu esforço pessoal, empresários bem nascidos que começaram sua trajetória profissional depois de uma formação técnica e intelectual marcada por grandes investimentos feitos por seus pais e familiares, herdaram patrimônios e se colocam como empreendedores capacitados, dinâmicos e inovadores.

Na sociedade contemporânea, a ascensão social está cada vez mais difícil e complexa, os grupos mais favorecidos financeiramente apresentam melhores possibilidades de ver seus filhos ascenderem na escala hierárquica, estas famílias possuem recursos que se bem investidos aumentam o potencial de cada membro familiar, a formação prescinde de cursos e colégios bons e de qualidade, além de recursos para estudos, compras de materiais e viagens culturais, o que faz com que, seus filhos tenham maiores oportunidades de ascenderem profissionalmente e conseguir empregos com melhores salários e em cargos de liderança, com isso, percebemos uma perpetuação das condições de mando na sociedade e os de escalas inferiores acabam perpetuando as condições de vida de seus pais e familiares.

Nas famílias mais abastadas, os filhos entram no mercado de trabalho mais tarde, estudam e aprendem novas habilidades, além de cursos de línguas estrangeiras para se manterem competitivos no mercado de trabalho, encontramos alunos de classe média alta que, como seus pais, estudam e através de concursos públicos se efetivam em cargos de ótima remuneração e de grande status social, chegando na Magistratura, no Ministério Públicos e nas áreas médica e diplomática, são jovens bem nascidos e altamente qualificados, tecnicamente brilhantes mas que ainda não conhecem as durezas da vida e as dificuldades que passam a grande maioria da sociedade para sobreviver, nos grupos mais qualificados os esforços são sempre premiados com presentes caros e de alta qualidade, enquanto nos grupos mais fragilizados seus esforços nem sempre recebem alguma recompensa.

Enquanto nas famílias mais necessitadas, os poucos que conseguem adentrar as portas das universidades, normalmente as privadas, precisam trabalhar muito para pagar suas mensalidades, estudam com grande dificuldade e quando se formam, precisam iniciar suas vidas profissionais mantendo cargas de trabalho extenuantes, muitas vezes trabalhando vários períodos, ganhando pouco e sobrevivendo com bicos variados, com isso, sua capacitação e seus estudos são postergados e sua formação técnica se fragiliza, obrigando-os a novos cursos e dispêndios adicionais.

Outro ponto central a se destacar é que, muitos destes profissionais buscam no magistério seu diploma profissional, na maioria das vezes esta busca se dá muito mais por necessidade e pelo baixo custo financeiro destes cursos do que por vocação, surgindo profissionais sem estímulo, pouco remunerados e com grande defasagem técnica e profissional, perpetuando uma escola público de pouca qualidade, baixa capacidade de melhoria das condições sociais e ascensão profissional.

O termo meritocracia é muito sedutor, remete ao esforço pessoal que cada individuo deveria fazer para conseguir angariar novos espaços dentro da sociedade atual, lembra as bases do protestantismo norte-americano, onde um negro ou cidadão pobres nascidos em condições degradantes conseguem, via estudo e capacitação, galgar novos espaços dentro da sociedade e se transformar em um grande executivo, um secretário de Estado ou um Presidente da República. Estes casos existem e são apregoados pela mídia a todos os momentos, fazem parte de enredos de livros de empreendedorismo e servem para motivar milhões de pessoas em palestras cheias de dinamismo e entusiasmo, mas no final desprovidas de conteúdo e fora da realidade da sociedade.

Na vida real encontramos uma situação muito diferente, embora encontremos inúmeros casos de sucesso, estes representam uma porcentagem irrisória, na verdade a grande maioria reproduz as condições de seus pais, nascidos na pobreza e com baixa capacitação intelecto-cultural, vive-se desta forma e se reproduz uma condição de subserviência, onde os filhos reproduzem a vida dos pais e sucessivamente, é o círculo vicioso da pobreza, que se espalha para todos os rincões da sociedade global e seu crescimento ameaça as bases do capitalismo e da meritocracia.

O mundo não é um conto de fadas, muito pelo contrário, o estudo é a única forma de se estabelecer na sociedade globalizada, a concorrência prescinde de profissionais qualificados e competitivos, estudar, pesquisar e capacitar continuamente exigem esforços constantes dos indivíduos, mas todos estes esforços devem ser precedidos por boas condições físicas, emocionais e espirituais, cabendo ao Estado Moderno dar as condições para que todos os indivíduos possam se capacitar, escolas, creches e universidades, além das condições de trabalho, estas são premissas importantes para garantir que todos os grupos sociais, desde os mais vulneráveis até os mais abastados, tenham condições de competir, afinal, o importante é construir uma sociedade onde todos saiam do mesmo local, garantir a chegada de todos é algo difícil e bastante complexo, uns se dedicam mais, se esforçam mais e conseguem transformar seus esforços em ótimas condições de vida e de reprodução social e econômica, ao Estado Moderno e a sociedade contemporânea cabem que todos os cidadãos larguem do mesmo local e com as mesmas condições, quem ganhará esta corrida é uma outra questão que pouco importa.

 

Perspectivas econômicas de um governo liberal e conservador

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Depois de uma eleição esvaziada e marcada por discussões secundárias, violências físicas e verbais e reflexões pouco importantes, o vencedor desta contenda, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro, projeta para o país um mergulho em uma plataforma liberal, marcada pela desestatização, desburocratização, abertura econômica e nacionalismo, uma pauta que mescla liberalismo na economia e conservadorismo nos costumes, levando o país a se aderir ao movimento conservador que se espalha pela sociedade internacional e nos promete uma ampla transformação na sociedade.

A economia brasileira está num momento de grandes incertezas e indefinições, depois de uma forte recessão que perdurou por mais de três anos, o Brasil dá sinais de alguma melhora, os indicadores econômicos estão em lenta recuperação, a confiança deve voltar aos poucos, a renda tende a melhorar no curto prazo, mas o produto interno bruto deve demorar alguns anos para retornar aos números de 2013, as previsões mais otimistas destacam que apenas em 2023 o país deve alcançar os números obtidos antes da forte recessão econômica.

Neste momento a sociedade se encontra em grande apreensão, as expectativas são levemente positivas mas, as decisões adotadas pelo governo nos próximos dias devem gerar ondas de otimismo ou de pessimismo, gerando momentos de esperança ou de desesperança, se o novo governo se mostrar confiável ao mercado e aos investidores nacionais e internacionais, os indicadores deverão apresentar melhoras consideráveis, agora, se as medidas anunciadas pelo novo governo não forem positivas o ambiente deve se tornar mais negativo e as perspectivas econômicas devem se tornar sombrias e preocupantes, gerando fuga de capital e desvalorização da moeda nacional, além de inflação, redução da renda real dos trabalhadores e uma sensível piora nos indicadores sociais.

Dentre as medidas econômicas esperadas pelo mercado, destacamos a privatização de empresas estatais, a reforma da previdência, a reforma tributária, o aumento das concessões públicas e da abertura da economia, estas medidas, acreditam os investidores, impulsionarão os investimentos e tendem a atrair para o mercado nacional um grande fluxo de investimentos com impactos sociais positivos e duradouros, com aumento do emprego e da renda e um incremento nas receitas públicas, auxiliando na redução do endividamento do Estado que atualmente ultrapassou os 70% do produto interno bruto, um número preocupante para um país com histórico de desequilíbrios macroeconômicos.

Se estas medidas forem implementadas, os investidores preveem um grande afluxo de recursos produtivos para o país, se somarmos a isto, algumas medidas como a desburocratização e a redução da máquina pública, além de uma melhoria dos gastos do Estado e uma maior agilidade nas políticas públicas, com estas medidas o país tende a garantir um assento confortável no rol dos países desenvolvidos, com recursos suficientes para melhorar os indicadores sociais e as perspectivas econômicas, dando um impulso considerável ao crescimento e ao desenvolvimento econômicos.

Todos estes avanços são vistos como essenciais para o Brasil se cacifar para uma melhor inserção no mercado internacional, além destas medidas, faz-se importante uma política educacional séria e competente, marcadas por forte valorização dos professores, avaliações constantes e periódicas, investimentos crescentes no ensino médio e fundamental, além de escolhas centradas no mérito e na competência e não mais em critérios políticos e imediatistas, que perpetuam uma pobreza constante e um atraso que coloca o país no final da fila dos indicadores de educação, criando um círculo vicioso que leva o país a uma situação de atraso e desesperança.

Nos últimos anos, os movimentos conservadores se concentraram em fortes críticas ao chamado escola sem partido, vistos por eles como um movimento em que professores trazem discussões ideológicas de esquerda para a sala de aula e, com isso, transformam alunos em militantes comunistas e marxistas. Estes movimentos são legítimos e importantes para estimular a reflexão da escola e da sociedade em geral mas, é importante destacar, que a censura dos professores e o controle dos instrumentos de ensino são deletérios para a educação e para a formação dos jovens e dos trabalhadores de uma forma geral, outro ponto importante, algumas propostas do novo governo pretendem trazer para as escolas a disciplina de Educação Moral e Cívica, como existia antigamente nas escolas de ensinos médio e fundamental, diante disso, faz-se importante destacar quem serão os responsáveis por definir os conteúdos que serão ministrados por esta disciplina? Devemos tomar cuidado para que as propostas que estão sendo colocadas não nos levem a uma situação parecida com a anterior, em vez de criarmos autômatos da esquerda podemos estar construindo cidadãos automatizados da direita, ou seja, toda mudança deve ser pensada e estudada para criar cidadãos críticos e conscientes, não autômatos robotizados para continuar sendo explorados e excluídos da sociedade globalizada.

Diante desta realidade é importante destacar que a escola deve ser um espaço plural de discussões variadas e onde sejam abordadas todas as ideias e pensamentos econômicos, sociais e políticos mas, para isso, os investimentos em educação devem ser aumentados e a escola pública deve ser recuperada, o salário dos professores, diretores e profissionais do ensino devem ser atraentes para que os melhores quadros, os mais bem formados e os mais capacitados se sintam atraídos a investir no magistério, pois da forma como está, uma parte considerável dos que ensinam nas escolas são indivíduos oriundos de setores sociais com menor renda e bagagem cultural mais reduzida, perpetuando uma visão de mundo restrita, deficiente e fortemente ideologizada.

Abertura econômica, privatização, redução do Estado e desburocratização são medidas urgentes e necessárias para dar uma maior previsibilidade para a economia brasileira, todas estas medidas podem moderniza o sistema econômico e abrir espaço para novos investimentos, apenas os custos que as empresas brasileiras tem com o sistema tributário foram calculados em mais de 65 bilhões de reais, estes recursos poderiam sem melhor alocados em outras áreas, para isto acontecer, faz-se necessário que o Estado faça uma ampla alteração e simplificação do sistema tributário, melhorando a produtividade de toda a economia e alterando a forma de cobrança de impostos no país, de uma estrutura que tributa fortemente o consumo para uma forte tributação na renda e na propriedade, esta medida seria uma grande revolução no Brasil, ajudaria na desoneração dos grupos que hoje são fortemente tributados e de uma maior tributação daqueles que são menos tributados, mas para que isto aconteça o novo governo tem que comprar uma briga com setores econômicos fortes e bem organizados.

As privatizações e a abertura econômica se tornaram um tema espinhoso e controverso, a transferência de empresas da órbita estatal para a iniciativa privada pode trazer ganhos econômicos consideráveis, como exemplo destacamos a venda da Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale, e a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), que foram privatizadas nos anos 90 e ganharam escala, produtividade e um espaço consolidado no mercado internacional. A privatização de outros setores não trouxe resultados da mesma intensidade, como por exemplo no setor elétrico, cuja privatização trouxe problemas sérios que levaram os governos a uma reestatização de inúmeras empresas e a uma forte elevação de tarifas cobradas da população e dos setores produtivos, aumentando custos importantes da cadeia produtiva e perda de competitividade.

A privatização pode trazer inúmeros benefícios, seus apoiadores destacam que a venda de ativos pode abrir espaço para reduzir a dívida pública e, posteriormente, uma redução nas taxas de juros e uma melhora fiscal considerável do Estado brasileiro que, na atualidade, gasta mais de quatrocentos bilhões de reais com juros da dívida, inviabilizando inúmeros investimentos produtivos e deixando uma parte considerável da população brasileira com serviços públicos degradados e altamente ineficientes. Os detratores da privatização acreditam que as empresas estatais são patrimônio público e devem ser preservados porque pertencem ao povo brasileiro e fazem parte de nossa história e nossa identidade, as opiniões se conflitam e a sociedade deve definir qual decisão estratégica deverá ser adotada pelos governantes nos próximos anos.

Algumas medidas econômicas estão sendo pensadas para reduzir a burocracia do Estado e facilitar a estrutura tributária, além disso, o governo estuda a redução do número de ministérios, de um total de quase 30 ministérios o novo governo pretende reduzir para algo em torno de 15, esta medida tem um efeito simbólico, mas de grande visibilidade para a população, embora atraente é importante que o novo governo não comece desagradando um grande grupo da sociedade civil que veria nesta política um desrespeito a suas demandas e deslegitimação de suas propostas e demandas, gerando com isso, uma redução nos apoios angariados nas eleições.

A eleição de Jair Bolsonaro pode trazer para a arena política, um grupo político que defende abertamente a adoção de políticas liberais, estas ideias e princípios são sedutores e estão sendo usadas como uma propaganda forte do novo governo para melhorar a vida da população, garantindo condições favoráveis para melhorar os indicadores econômicos, o grande problema destas previsões favoráveis é saber como será o equilíbrio de poder no legislativo federal, será que este novo governo vai conseguir impor sua agenda de reformas e negociar com os grupos mais afetados por todas estas mudanças, garantindo novos espaços políticos e um consenso em prol destas medidas liberais?

A sociedade brasileira disse claramente nas urnas que rechaça a corrupção e vai exigir do Estado uma postura mais eficiente e empreendedora, os serviços públicos são precários e a população se mostrou cansada de pagar uma carga tributária imensa e conviver com serviços públicos péssimos, tudo isto contribuiu para a ascensão de novos grupos políticos e fragilizou muitos políticos tradicionais, garantindo uma renovação na classe política.

O novo governo, pela primeira vez, tem a oportunidade de acabar com todo o atraso na distribuição de cargos comissionados no Estado brasileiro, impor aos agentes políticos uma nova forma de gerir a coisa pública e com isso, abrir novas perspectivas politicas para a sociedade brasileira, cargos públicos apenas por concurso, diminuição dos privilégios e dos benefícios para servidores, militares, políticos e grandes empresas, chegou a hora de transformar este slogan tão charmoso e contundente mais Brasil e menos Brasília  em um início de novos horizontes para o país.

A Reforma da Previdência é, na atualidade, uma das mais importantes medidas a serem implementadas, os gastos do Estado com o setor já está na casa dos 60% da arrecadação, com isso, em poucos anos, os recursos oriundos dos impostos serão consumidos com o pagamento de aposentadorias e pensões, inviabilizando todo e qualquer tipo de políticas públicas e condenando os próximos governantes a uma situação fiscal e financeira de total insolvência.

A reforma previdenciária é urgente e essencial, o grande desafio é conseguir da sociedade, o apoio necessário para sua efetiva aprovação, somente com muito poder político e negociação, os novos governantes conseguirão a aprovação que é vista, na atualidade, como a mais importante de todas as reformas econômicas, todos apoiam a Reforma da Previdência desde que os seus vencimentos e ganhos pecuniários sejam mantidos e conservados, com isso, todos aprovamos a mudança quando ela não nos afeta diretamente.

Devemos destacar ainda, que os grandes ganhadores deste modelo previdenciário sabem que as mudanças tendem a prejudicá-los e, com isso, já estão se mobilizando para inviabilizá-la, os servidores públicos federais e os militares sabem que seus benefícios estão ameaçados e para proteger seus interesses estão se transferindo para as fileiras da política, são as corporações se movimentando para defender seus interesses imediatos, tudo isso faz parte da disputa política, estes grupos não estão errados, defendem apenas os seus interesses, mas precisam ser alertados que, se a situação fiscal continuar da forma como está, num momento muito breve, os recursos não serão suficientes para arcar com a aposentadoria e as pensões de nenhum grupo social, o Estado estaria em forte insolvência e a falência do país seria iminente, vide os exemplos de estados como o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

A ascensão de Jair Bolsonaro e do desconhecido Partido Social Liberal (PSL)  são frutos deste momento histórico e, principalmente, do rechaço da população ao Partido dos Trabalhadores (PT) que, mesmo tendo governado o país de 2003 a 2016, deixou uma herança que combina corrupção, roubalheira e políticas públicas variadas, umas com resultados empolgantes como o Bolsa Família e outras com prejuízos imensos para o erário público, como o Financiamento Estudantil (Fies), cujo passivo estimado para os próximos anos está na casa dos 80 bilhões de reais.

Depois de treze anos no governo, o Partido dos Trabalhadores se recusa a fazer uma autocrítica mais efetiva, mesmo vendo a economia do país mergulhar em uma forte recessão, com aumento no desemprego e redução na renda agregada, seus dirigentes insistem em atribuir aos golpistas as raízes da crise, com esta postura equivocada e uma visão autoritária e imediatista, o partido está perdendo espaço na sociedade, mesmo conservando a maior bancada na Câmara dos Deputados, o partido conseguiu manter apenas alguns poucos Estados na região nordeste, perdendo em regiões importantes do país, como no estado de Minas Gerais, além de ver diminuído seus senadores.

Neste ambiente de divisão em curso na sociedade brasileira, faz-se importante destacar o papel do Partido dos Trabalhadores, que sempre se mostrou donos da verdade e atribuindo aos opositores slogans negativos e degradantes, como a conhecida herança maldita,  expressão criada pelo partido para se referir aos anos FHC, com isso, o partido se esquece que sua chegada ao governo em 2003 só foi possível, graças as muitas medidas implementadas no governo do tucano, dentre elas destacamos a estabilização da moeda, o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o chamado tripé macroeconômico, todas estas medidas foram defenestrada pelo Partido dos Trabalhadores quando estavam na oposição e abraçadas abertamente quando o partido chegou ao poder, um verdadeiro sinal de hipocrisia, imaturidade e inconsistência.

Muitos acreditam que o novo governo apresenta um forte viés autoritário e repressor, confesso que muitas de suas falas me desagradam e me assustam e nos geram incertezas e instabilidades, na arena econômica o ungido do presidente me parece capacitado para definir as principais prioridades mas, ao mesmo tempo, seus comentários se mostram arrogantes e precipitados, usar as reservas internacionais para pagar dívida pública foi uma proposta heterodoxa dos economistas petistas e muito criticada por economistas e analistas ortodoxos, ver o ultraliberal Paulo Guedes defendendo esta medida nos mostra claramente que o mundo das ideias está mesmo em constante mudanças e nos leva a refletir sobre a máxima de Roberto Schwarz de que, realmente, as ideias estão fora de lugar.

A situação do país é grave e exige medidas fortes e imediatas, alguns estão torcendo para que o governo seja um verdadeiro fracasso para dizer abertamente, eu já sabia, se isto acontecer efetivamente todos seremos prejudicados, todos teremos graves impactos econômicos e sociais, o desemprego aumentará e as condições sociais se degradarão e o futuro do país será algo parecido com o caos vivido por países muito próximos, onde a população mais pobre será a classe social mais afetada e a violência se transformará na tônica nesta sociedade, o caos triunfará e os prejuízos serão de todos os brasileiros.

O discurso liberal é muito sedutor, sua capacidade de seduzir as massas é muito grande e não deve ser subestimado, muitos indivíduos pobres e de classe média baixa se sentiram atraídos por este discurso, sua magia é grande e fortemente sedutora, o grande problema é que, em muitos momentos, os perdedores deste discurso são as massas mais fragilizadas, o mundo da racionalidade econômica de hoje exige grandes esforços da população e estes esforços recaem, na maioria das vezes, nos grupos mais frágeis e vulneráveis, isto sim pode ser considerado um discurso exitoso de alienação e de populismo para arrebatar as massas.

 

 

 

 

 

 

A importância da inovação para as empresas – Valter Pieracciani

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Com a infinidade de opções que as pessoas possuem para realizar qualquer atividade e/ou adquirir produtos, a necessidade de inovar e se diferenciar dos concorrentes é cada vez mais necessária. A inovação faz parte da história de nossa sociedade, visto que inovar significa facilitar, fazer algo de uma forma mais fácil e eficaz.

As organizações percebem cada vez mais esta tendência, por isso, os investimentos em áreas de inovação corporativa são tão altos. Confira a entrevista que o Carreira & Sucesso fez com Valter Pieracciani, especialista em inovação e sócio-diretor da Pieracciani Desenvolvimento de Empresas, e saiba porque a área de inovação é tão importante para o sucesso das organizações.

Autor: Roni Silva – Revista CATHO – 19 de Outubro de 2018

Carreira & Sucesso: Qual a importância de inovação para as organizações?

Valter Pieracciani: Em cinco anos, existirão dois tipos de organizações: as inovadoras e as mortas. Basta ver o fenômeno da desindustrialização e a velocidade com que as empresas que não inovaram foram arrasadas pela concorrência. Inovar é o único caminho para conquistar competitividade.

C&S: Quais as maiores diferenças entre uma organização que inova e as que não inovam?

VP: As empresas inovadoras são aquelas que conseguem produzir inovações sistematicamente. Que inovam sempre, repetidamente… Inovação em série. São nelas que se caracteriza a gestão inovadora.

Essas empresas conseguem criar produtos e serviços que fascinam os clientes. Isto lhes permite praticarem margens múltiplas vezes, maiores e por mais tempo. Crescem e se desenvolvem e, com isso, desenvolvem a atividade econômica do país.

C&S: Inovar é a mesma coisa para organizações de grande, médio e pequeno porte?

VP: Vale para todas essas. A beleza da inovação é, muitas vezes, inversamente proporcional ao tamanho da empresa. Empresas menores podem ser mais ágeis, arrojadas e criativas.

A inovação é democratizante nesse sentido. Permite que empresas pequenas produzam inovação mais rapidamente e, muitas vezes, até melhor que as grandes. O que explicaria o sucesso de algumas startups. As empresas grandes têm dificuldades de lidar com riscos e a incertezas. O caminho da inovação é enfim uma excelente estratégia para empresas menores competirem e vencerem.

C&S: Ainda é caro inovar?

VP: Esse é um mito a ser superado. Associamos normalmente inovação a sofisticação, a tecnologia de vanguarda, existe uma série de inovações que não requerem nem uma coisa nem outra.

Aliás, é o tipo de inovação na qual somos (Brasil) poderosos, é a inovação de significado. Quando conseguimos atribuir novos e diferentes significados a produtos e serviços, acabamos gerando uma relação de afeto entre as pessoas e os produtos comprados.

Pense no novo Uno que de tecnologia nova não tinha nada quando foi lançado, nas sandálias havaianas que são idênticas há 50 anos, nos cadeados Papaiz linha futebol e em tantos outros produtos e serviços que significam inovação, mas que não utilizaram novas tecnologias.

C&S: Fora o lucro, quais são os outros retornos da inovação?

Muitos! Se considerarmos o encantamento e a fidelização dos consumidores, alguns não vivem sem seus smartphones, sem seus aplicativos etc. Mas, talvez, o mais importante seja as pessoas. As empresas inovadoras são voltadas para as pessoas, para sua felicidade. São mais abertas, lidam com os erros como aprendizados, procuram viver os clientes e fazê-los mais felizes.

C&S: Como inovar em meio à crise?

VP: Fazendo-a caber no bolso do consumidor. Porque as necessidades continuarão existindo. Existem alguns tipos de inovações que são campeãs em tempos de crise: a inovação de custos, na qual busca-se oportunidades de redução de custos. Um exemplo poderia ser os produtos em embalagens maiores ou, se menores, mais concentrados, ambos impactando nos custos.

As inovações frugais também são opções para inovação em meio à crise, pois neste modelo a inovação é baseada em necessidades específicas de regiões ou países e procura-se oferecer produtos e serviços em nível de qualidade adequado e com custos acessíveis.

C&S: Existem riscos ao inovar?

VP: Risco e inovação são irmãos, andam de mãos dadas, não há um sem o outro. Para inovar é preciso aprender a conviver com os riscos, talvez por isso, a inovação não avance em muitas empresas. Falar em riscos era proibido nos últimos 20 anos, não sabiam, mas estavam sufocando junto à inovação. Uma possível dica é passar a chamar tudo o que for risco de desafio.

 

 

 

Profissões do futuro e o mundo do trabalho

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A sociedade vive momentos de grandes transformações, a concorrência e a competição são as grandes molas do capitalismo contemporâneo, o mundo corporativo domina a sociedade internacional e transforma todas as relações sociais em negócios, compramos e vendemos mercadorias e serviços a todos os momentos, obrigando-nos a uma constante reestruturação sob pena de exclusão de uma sociedade baseada no hedonismo, no prazer imediato e no consumo exacerbado, comprar e consumir da prazer, nos alegra e faz com que nos afastemos de todos os vestígios de depressão e ansiedade.

O trabalho é uma das áreas que mais se transforma na sociedade atual, somos passageiros de um mundo onde as novas tecnologias estão moldando o conjunto da sociedade e modificando as relações sociais, nesta nova sociedade, a internet é uma realidade imprescindível, a conexão em banda larga nos abre uma imensa janela de oportunidades, a comunicação se tornou instantânea e imediata e, pela primeira vez, os limites de tempo e espaço estão sendo reduzidos, obrigando os indivíduos a transformações jamais vistas anteriormente, vivemos em um mundo excitante e, ao mesmo tempo, assustador.

Desde a revolução industrial os trabalhadores convivem com tecnologias que alteram o mundo do trabalho, de produtores individuais até a produção em série, as forças produtivas se alteram com rapidez e geram oportunidades variadas e ao mesmo tempo inseguranças e instabilidades, o resultado é uma busca constante por inovação e capacitações constantes, inovar e se reinventar são duas palavras que estão redesenhando e moldando o futuro do trabalho.

No começo do século XXI, os filmes de Hollywood retratavam o predomínio e o crescimento constante dos robôs e da inteligência artificial, os filmes mostravam sociedades dominadas pelas tecnologias e os seres humanos sendo subjugados pelas máquinas, esta sociedade que nos parecia tão distante hoje nos apresenta como uma marca da sociedade contemporânea, o mundo de Hollywood retratado nos filmes e nos documentários se transformou no nova realidade e somos obrigados a nos adaptar  a esta nova organização da sociedade.

Os exigências do mundo contemporâneo são imensamente diferente de sociedades anteriores, de um mundo marcado pela força física e pelo trabalho braçal, onde o paradigma fordista era a melhor forma de preparar os trabalhadores para a produção, na atualidade as demandas são muito diferentes, o trabalho intelectual e o conhecimento ganham força nesta nova sociedade, as emoções, a flexibilidade e a agilidade se transformaram em eixos centrais de organização do mundo do trabalho, sem criação e espírito empreendedor, dificilmente os trabalhadores do século XXI vão garantir espaços saudáveis dentro desta nova sociedade.

Se o mundo do trabalho se transforma tão rapidamente, faz-se necessário que a educação se transforme, as escolas, faculdades e universidades precisam passar por estas transformações, estas instituições não podem perder a vanguarda e a capacidade de construção de novas sociedades, as mudanças no ensino, no aprendizado e do conhecimento são imprescindíveis e todos precisamos nos adaptar a estas transformações.

Segundo o economista José Pastore, professor da USP e especialista nas relações de trabalho, nesta nova sociedade caracterizada como a 4● Revolução Industrial, a capacidade de pensar será fundamental para ingressar ou se manter no mercado de trabalho, e destaca ainda, que essa capacidade deve ser desenvolvida nas escolas, com uma educação de qualidade e que prepare os alunos não apenas para passar nas provas mas, que o auxilie a pensar e refletir em todos os momentos, dando-lhes autonomia e flexibilidade.

Devemos destacar ainda que, embora a presença de robôs deva crescer cada vez mais, só o ser humano possui habilidades sociais, como criatividade, empatia, coragem e toda a parte emocional e afetiva do trabalho e nas relações interpessoais, as máquinas ainda não possuem esta habilidades, diante disso, percebemos que todas as profissões que demandam habilidades empáticas cresçam e ganhem relevância na sociedade.

Outro ponto importante a se destacar é que, nesta nova sociedade, a articulação entre empresas, escolas e governo deve ser aumentada, não sendo mais possível ter inovação do século 21, mentalidade do século 20 e instituições do século 19. As escolas, as faculdades e as universidades precisam ser parceiras das empresas e dos governos e das demais organizações, além de dinâmicas, versáteis, diversificadas e inclusivas.

Esta articulação é muito importante para construção de uma sinergia, as instituições precisam entender que na atualidade, os agentes precisam se integrar e construir os conhecimentos necessários para competir no mercado global, compartilhando ideias e estimulando pesquisas e inovação, as escolas precisam sair dos modelos tradicionais e agregar novas tecnologias, o processo de construção do conhecimento está cada vez mais dinâmico e flexível, os grupos que continuarem investindo no ensino tradicional tende a perder espaço na competição global.

As empresas precisam se abrir para a inovação e se integrarem mais com as escolas e as universidades, no Brasil percebemos uma grande distância entre estas instituições, uma boicotando a outra e evitando que o conhecimento circulo e consolide opiniões novas, a concorrência da economia global tende a acabar com este ranço entre as instituições e abrir espaço para uma atuação em conjunto, afinal todos os agentes tem objetivos comuns e a  integração entre elas é uma forma de vencer os grandes desafios da Indústria 4.0.

As transformações geradas pela Indústria 4.0 estão contribuindo para que a sociedade mundial se transforme de forma acelerada e as profissões sejam alteradas rapidamente, mas devemos destacar ainda, que outros fatores estão alterando a sociedade global, as profissões e o mercado de trabalho, dentre eles podemos destacar as mudanças demográficas, a globalização e a emergência de novos valores culturais.

Pesquisas nos mostram, que nas 20 maiores economias do mundo, as mudanças geradas pelas transformações demográficas estão alterando significativamente o perfil populacional, países como China, Japão, Rússia, Itália, Alemanha estão apresentando um declínio acentuado na população economicamente ativa nas próximas décadas, além de um forte crescimento no número de aposentados, com impactos imensos sobre o mercado consumidor, que passará a priorizar o setor de serviços, como os de assistência médica, em detrimento de bens duráveis, como os automóveis. O contrário pode ocorrer nos países dotados de uma força de trabalho jovem, ativa e em ascensão.

As mudanças geradas pela globalização são positivas, de uma forma geral, mas apresentam alguns desajustes que precisam ser compreendidos e corrigidos, o barateamento dos custos de comunicação e transporte aumentou a integração entre os mercados. Esta integração abre portas para profissionais de determinados perfis, o que é visto como altamente positivo mas, ao mesmo tempo, está gerando uma precarização das condições de trabalho para a maioria da população e uma desindustrialização em muitos países do mundo, com graves impactos sociais e econômico.

As mudanças trazidas pela tecnologia estão criando novas demandas por condições de trabalho mais flexíveis e dinâmicas, entre os jovens percebemos que, cada vez mais, eles querem escolher para quem vão trabalhar, onde, como e em que ritmo, além de buscarem um propósito para seu trabalho, em vez de pensar em como equilibrar a vida pessoal e profissional, agora eles buscam integrar os dois universos – e isso não poderá ser ignorado pelos empregadores.

Todas estas megatendências relacionadas ao mercado de trabalho, além das mudanças específicas de cada área, estão alterando o planejamento de empresas, indústria e setores produtivos e também das instituições de ensino, todas buscando se atualizar para acompanhar as mudanças em curso.

Os cursos estão passando por grandes transformações para acompanhar as mudanças geradas pela tecnologia, nos mais tradicionais como Direito e Administração as alterações são visíveis, no primeiro os futuros advogados já trabalham com contratos automáticos (feitos sem a intermediação humana) e acessam extensos bancos de dados a partir de recursos como o Big Data.

Os profissionais da gestão estão sendo estimulados, nas escolas de Administração, a fazerem as perguntas corretas para poder extrair dos especialistas informações  precisas, o profissional não precisa ser um especialista em algoritmos, mas tem que dominar as estratégias de gestão de pessoas capacitadas a lidar com estes dados. Além disso, as instituições de ensino estão valorizando a versatilidade e os conhecimentos socioemocionais, com disciplinas e cursos de extensão inseridos na grade dos cursos de Administração.

Os gestores de Recursos Humanos acreditam que em muitas indústrias e países, as ocupações mais requisitadas não existiam a dez ou mesmo a cinco anos, além disso, estimam que 65% das crianças que hoje estão iniciando os estudos vão exercer funções que ainda não foram criadas, a grande dúvida que a sociedade ainda não tem elementos para responder com precisão é se estes empregos que serão criados nos próximos anos serão suficientes para empregar esta massa de pessoas que estão sendo dispensadas pelas novas tecnologias que estão transformando o mundo do trabalho.

Em uma pesquisa feita pelo Fórum Econômico Mundial, publicada em 2016, intitulada The Future of Jobs (O futuro do trabalho), elaborado a partir de entrevistas feitas com executivos e gestores de recursos humanos das maiores companhias do mundo, nesta pesquisa estes gestores disseram como estavam se preparando para se adaptar a estas transformações em curso no mercado de trabalho. Os resultados desta pesquisa identificaram que, 59% dos gestores investiriam na reciclagem dos atuais funcionários, 52% incentivariam a mobilidade e a rotação de tarefas, 28% buscariam novos talentos no sexo feminino, outros 28% aumentariam a colaboração com instituição de ensino, 28% atrairiam talentos estrangeiros, 17% buscariam talentos entre as minorias, 14% aumentariam a colaboração com empresas de outros setores e outros 14% ofereceriam oportunidades de aprendizagem.

As respostas corretas para as questões do emprego e da empregabilidade do século XXI são pouco conhecidas, as mudanças são necessárias, imprescindíveis e imediatas, os resultados educacionais brasileiros são vergonhosos, somos a oitava economia do mundo e no exame de PISA estamos atrás de países como Vietnã, Estônia e Indonésia, países com histórico recente de guerras, golpes de Estado e herança comunista, precisamos superar este atraso com urgência, senão seremos condenados a uma condição de subalternidade em uma sociedade onde a concorrência e a competição se transformaram em um dos mantras mais adorados e cultuados de todos os tempos.

As profissões estão se transformando rapidamente e os profissionais também estão em constantes mudanças, a sociedade atual prescinde destas mudanças, todas as áreas estão sendo alteradas pela tecnologia e pela comunicação instantânea, pessoas até pouco tempo desconhecidas passam a condição de celebridade em um curto espaço de tempo, motivados e estimulados pelas redes sociais, o mundo se transformou rapidamente e tudo foi alterado, o profissional contemporâneo deve apresentar empatia, liderança e carisma, além de grande criatividade, dinamismo e capacidade de cooperação, todas estas habilidades são imprescindíveis para o profissional do século XXI, as demandas são muito grandes e variadas e exigem do trabalhador uma capacitação constante e uma atualização diária, vivemos mesmo num mundo assustador, o que está por vir nos próximos anos nos preocupam e nos deixam em polvorosa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Nobel de Economia de 2002 – Daniel Kahneman.

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Osmar Freitas Jr.
Revista Isto É – Edição 13/08/2003 – nº 1767

O professor Daniel Kahneman, 69 anos, dividiu com seu parceiro de pesquisas Vernon Smith (Universidade George Manson) o Prêmio Nobel de Economia de 2002. O curioso é que Smith é um economista, mas Kahneman é psicólogo. Está lá em seu currículo, para quem quiser ver: Daniel Kahneman, professor de psicologia da Universidade de Princeton, no Estado de Nova Jersey. Mas este título parece mero detalhe inoportuno para os interlocutores deste israelense formado pela Universidade Hebrew, em Jerusalém – nas cadeiras de psicologia e matemática –, e depois pela Universidade da Califórnia, onde obteve PhD, também em psicologia. Assim como a Academia Sueca de Ciências Econômicas, há quem ache que o trabalho deste homem – nascido em Tel- Aviv, e naturalizado americano – tem muito a ver com a área econômica. O megainvestidor e escritor Nassin Nicolas Taleb, por exemplo, diz: “O professor Daniel Kahneman é um dos dois economistas mais influentes dos últimos 100 anos.”

Parece um certo exagero, mas em escala até que razoável. Afinal, Kahneman – com suas pesquisas de behaviorismo econômico – mudou a relação entre clientes, consultores econômicos e gestores financeiros. Colocou foco revelador sobre fatos desprezados – como a influência psicológica sobre processos decisórios financeiros. Delineou de modo mais claro as premissas que devem nortear os investidores em resoluções monetárias. Mostrou que nós, humanos, temos tendências prejudiciais à nossa capacidade de escolha econômica, principalmente quando colocamos lucro, prejuízo e prosperidade num mesmo saco de gatos.

Todos esses – e muitos outros exemplos – levam a crer que Kahneman é um economista de mão cheia. O que é negado com veemência por este professor simpático e de fala baixa. “Não sou economista. Fui puxado para esta conversa por outras pessoas”, disse a ISTOÉ, na semana passada, na entrevista, em Nova York, que antecedeu sua ida ao Brasil. Num programa de dois dias, à convite do BankBoston, o Nobel de Economia de 2002 vai dar duas palestras – uma privada e outra pública –, deixando um terceiro dia livre para a apreciação do ethos psicológico dos nativos – cuja economia, o visitante confessadamente, não entende nada. E que fiquem avisados os brasileiros: não peçam dicas sobre bons investimentos na Bolsa de Valores. Daniel Kahneman, como deixa
claro a seguir, é psicólogo.

ISTOÉ – Qual o motivo de sua viagem ao Brasil? O sr. conhece o País?

Daniel Kahneman – Vou passar três dias no Brasil, a convite do BankBoston. E minhas atividades vão depender muito daquilo que eles queiram que eu faça. Eles vão me dizer. Acho que desejam
que eu fale em duas conferências – uma delas será mais para o
público em geral, a outra será mais privada, e tenho um terceiro
dia livre. Eu já estive no Brasil há dez anos.

ISTOÉ – O sr. está familiarizado com a economia brasileira?

Daniel Kahneman – Não, não só não conheço a economia brasileira como não sei muito sobre a economia em geral. Eu sou psicólogo.

ISTOÉ – No entanto, o sr. ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2002…

Daniel Kahneman – Isso foi consequência do uso de alguns de meus experimentos, que foram depois utilizados por alguns economistas.
ISTOÉ – Como é que o sr. foi levado a trilhar a tortuosa estrada da economia?

Daniel Kahneman –Na verdade, não foi uma decisão minha. Nós não escolhemos o estudo de assuntos econômicos a priori – e quando eu digo “nós” estou me referindo também ao professor Vernon Smith, com quem eu colaborei em 1996, e com quem dividi o Prêmio Nobel. Por causa de nossos experimentos, os economistas nos puxaram para dentro do assunto. Foram eles que “puxaram conversa”. Essa aproximação ocorreu em múltiplas fases. O momento mais importante aconteceu quando um jovem em particular – um brilhante economista – apostou sua carreira, por assim dizer, na idéia de usar a psicologia em teorias econômicas. O nome desse homem é Richard Thaler (professor de economia comportamental da Universidade de Chicago), que desde então se transformou num economista muito importante e também meu amigo particular. Richard é a figura fundamental no campo da chamada “Behavior Economics” (“economia comportamental”). Foi quem deu os passos essenciais nessa área. Assim, como você vê, eu não sou um “economista comportamental”: sou um psicólogo. Como disse, fui puxado para dentro desta conversa e desse modo publiquei trabalhos em conjunto com economistas.
ISTOÉ – Mas seus experimentos alicerçaram esta área. O sr. poderia nos descrever um experimento típico, conduzido em seus estudos?

Daniel Kahneman – Bem, eis um deles: dá-se a um grupo de pessoas um objeto de algum valor. Digamos uma condecoração. Num grupo grande
de estudantes de uma classe, metade das pessoas recebe uma dessas condecorações. A outra metade não ganha nada. Para aqueles contemplados é dito que eles podem levar o objeto para casa ou trocá-lo por dinheiro. Pergunta-se a essa gente: caso aceitem a troca, por quanto estariam dispostos a vendê-lo? Nós vamos decidir por quanto será feita essa venda. Perguntamos se eles venderiam a peça por US$ 10. Depois perguntamos se venderiam por US$ 9,50, e vamos baixando o preço até uma base de 50 centavos de dólar. Já aqueles que não ganharam a condecoração – e não têm nada – sabem que alguns de seus companheiros de classe receberam o prêmio. A estes foi dito: vocês têm a chance de receber a condecoração – como os outros – ou receber uma quantia em dinheiro. Novamente fazemos ofertas: US$ 10; US$ 9,50, baixando até os 50 centavos e fixando uma quantia mínima para a venda. O que essa gente toda está fazendo é calculando quanto vale aquela peça. E se você pensar bem as opções colocadas diante dos dois grupos são idênticas. Uns ganharam a condecoração e podem trocar por dinheiro, outros não ganharam, mas podem recebê-la ou trocar por dinheiro, do mesmo modo. Basicamente, as situações dos dois grupos são semelhantes. Mas verificamos que as pessoas que já tinham em mãos a peça pediram o dobro em dinheiro. A média foi o preço de US$ 7 para aqueles que tinham ganhado a condecoração e US$ 3,50 para o outro grupo. Esse é um experimento típico realizado por mim.
ISTOÉ – E o que isso vem a provar?

Daniel Kahneman – O que se vê nesse experimento é que as pessoas que são as vendedoras – aquelas que já têm o objeto – olham para sua posse como algo de que eles teriam de abrir mão. E as pessoas simplesmente odeiam ter de abrir mão de qualquer coisa: imaginam a transação como uma perda, mesmo recebendo em troca um valor em dinheiro. Já aqueles que não tinham o item em mãos não reagem dessa forma. Eles veem o objeto como algo que podem receber, não têm nada a perder. As atitudes dos dois grupos são diferentes. As pessoas têm reações muito distintas quando recebem algo e quando não recebem nada, mas contemplam a possibilidade do recebimento. Este é um dos experimentos típicos, que foi combinado com outros para formularmos teses.
ISTOÉ – O sr. poderia dar um outro exemplo de experimento que se complemente a este?

Daniel Kahneman – Como complemento a este experimento que citei nós fizemos outro. Em termos psicológicos, os dois exemplos estão relacionados. Essa nova experiência envolve um jogo de “cara e coroa” com uma moeda. Estipulamos que, se a moeda lançada caísse no lado “cara”, a pessoa perderia US$ 10. Caso contrário – caindo em “coroa” –, a pessoa iria receber uma quantia “X”. Perguntamos, então, qual seria a quantia mínima de “X” para que a pessoa aceitasse participar do jogo. A maioria das pessoas pediu entre US$ 20 e US$ 25. Novamente, a quantia pedida corresponde ao dobro do valor da perda ou duas vezes aquilo que poderiam perder. Trata-se de nova constatação de que as pessoas dão muito maior valor àquilo que podem perder do que àquilo que podem receber. Assim, em ambos os experimentos verificamos este padrão.
ISTOÉ – Em termos de teoria econômica, o que esses experimentos provam?

Daniel Kahneman – Estabelece-se que as pessoas não costumam pensar em termos de prosperidade, mas sim de lucros e prejuízos.

ISTOÉ – Explique melhor essa conclusão. As pessoas comuns fazem uma grande conexão entre lucros, perdas e prosperidade, não é verdade?

Daniel Kahneman –Vamos explicar isso com um exemplo: imagine que você investiu uma certa importância agora. O investimento tem o prazo de
um ano e você não sabe exatamente o que irá acontecer ao final desse tempo. Como se dá seu mecanismo de pensamento? Você pensa em quanto dinheiro irá ganhar no próximo ano nesse investimento no futuro. Mas pensar em termos de prosperidade é algo totalmente diferente. Nesse caso, calcular prosperidade é se perguntar: qual minha riqueza agora (ou quanto dinheiro eu tenho no total neste momento) e quanto dinheiro eu terei no próximo ano se o investimento que fiz der certo ou der errado? Essa última linha de pensamento segue uma análise sobre prosperidade: é quando se consideram todas as probabilidades para calcular a extensão de sua riqueza num futuro determinado. A riqueza
do momento e a futura são colocadas na balança.
ISTOÉ – Qual a diferença entre esse cálculo e aquele que as pessoas fazem quando têm como foco principal as considerações sobre perdas e ganhos?

Daniel Kahneman – Quando as pessoas pensam mais em perdas – enfocando o raciocínio em termos de prejuízos possíveis –, elas têm reações mais conservadoras. E, como vimos, as pessoas odeiam perder algo, mais do que ganhar alguma coisa. Mas quando elas pensam em termos mais gerais, mais globais, em prosperidade, são mais receptivas à aceitação de riscos. Quando se tem a prosperidade como foco principal, a pessoa fica mais confortável com a idéia de arriscar.

ISTOÉ – O sr. já declarou que superconfiança tem enormes implicações em termos econômicos. O que isso significa?

Daniel Kahneman – A idéia geral é a de que as pessoas parecem agir na crença de que conhecem uma situação, estão por dentro dos fatos, quando na verdade não sabem tanto quanto pensam. No mercado de ações, por exemplo, muita gente acredita que sabe o momento em que deve parar de investir, ou vender suas ações, ou aumentar seus investimentos, quando, na verdade, essas pessoas não sabem. Não têm informações suficientes para tomar essas decisões com a segurança que pensam possuir. Desse modo, pode-se afirmar que as pessoas em geral são muito superautoconfiantes. Esta característica tem enormes efeitos no comportamento do mercado.
ISTOÉ – Em qual área de investimentos o sr. acredita que esses padrões de comportamento econômico têm maior impacto?

Daniel Kahneman – Acho que esses padrões levantam sérias questões sobre a sabedoria – ou o bom senso – das pessoas ao investir. Principalmente levando-se em consideração que elas estão no mercado financeiro, competindo contra grandes corporações, as consequências das decisões individuais são enormes e trazem grandes impactos. Acho que o estudo do behaviorismo econômico será cada vez mais importante para explicar e apontar fundamentos básicos para se aumentar a poupança dos indivíduos e da população em geral. Uma das grandes preocupações econômicas hoje em dia trata da questão das poupanças individuais. Acho que nossos estudos vão ter implicações imediatas para as pesquisas neste campo. Por outro lado, existem instituições financeiras que usam as teorias e estudos de comportamento econômico para apostar contra o mercado em geral. Um exemplo disso: existe um fenômeno no qual quando se olha um grupo de ações, um fundo de investimento que perdeu dinheiro por um longo período de tempo, em geral esse fundo se torna uma boa aposta futura. O valor das ações que têm perdido dinheiro por muito tempo é muito baixo. Um portfólio desse tipo de ações geralmente vai ter melhor performance do que o restante do mercado. A isso se chama aposta contra a corrente, e as grandes instituições financeiras se aproveitam dessa tática.
ISTOÉ – Suas teorias têm validade multicultural, ou seja, elas representam tendências humanas globalizadas? Pessoas na França, Nigéria, Cingapura ou Brasil agem da mesma forma em experimentos semelhantes àqueles feitos pelo sr. nos Estados Unidos?

Daniel Kahneman – Nós realmente não sabemos com certeza. Não há uma quantidade grande de estudos internacionais nessa área. Mas, pelo
que vimos em algumas pesquisas, nossas descobertas principais são provavelmente bastante universais. É claro que também existem muitas diferenças culturais. Mas ainda não foi estudado e qualificado qual o
peso dessas diferenças nas decisões feitas em experimentos iguais
aos nossos em outros países. Aquilo que nós aprendemos veio de experiências nos Estados Unidos.

 

ISTOÉ – Tempos atrás o sr. escreveu que aparentemente as pessoas são mais felizes na Califórnia. O que o levou a essa conclusão?

Daniel Kahneman – Na verdade, o ponto principal deste texto é que elas não são mais felizes que pessoas em outras partes. O que acontece é que em outras partes todo mundo acredita que os californianos são mais felizes. Mas isso é uma impressão errada. E tenho certeza de que neste momento, com o enorme déficit orçamentário (US$ 36 bilhões) e outros problemas no Estado, os californianos não estão muito felizes.

 

ISTOÉ – O sr. poderia dar alguma dica de investimentos futuros?

Daniel Kahneman – Eu não seria tolo a ponto de dar qualquer dica nessa área.

 

ISTOÉ – Alguns analistas vêem em seus estudos a validação do mercado financeiro. Outros acreditam que suas pesquisas mostram que o mercado não funciona. Quem está certo?

Daniel Kahneman – Novamente devo dizer que está fora de minha alçada, mas em todo caso posso opinar que o mercado financeiro funciona bem – ainda que tenha imperfeições –, mas está provado que é muito, mas muito difícil ganhar dinheiro nele. Não é para qualquer um.
ISTOÉ – Como o sr. acha que os investidores vão se comportar em 2004, nos Estados Unidos:

Daniel Kahneman – Não tenho a menor idéia. Não sou economista.

Quem conhece os impactos das pesquisas brasileiras?

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Em entrevista, presidente da Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação) afirma que população não conhece pesquisas que mudaram a realidade social do país

Apesar dos altos investimentos, a população não consegue citar dez trabalhos da USP que tenham mudado a realidade social. E isso vale praticamente para quase todas as universidades, aponta Antonio Freitas, pró-reitor de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação da FGV e presidente da Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação).

Em sua opinião, para alterar isso é preciso fazer amplas mudanças no sistema educacional, começando pela revisão dos gastos governamentais para priorizar a educação básica. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

O senhor defende a realização de pesquisas mais relevantes, tanto para a sociedade como para a academia. Por que? 

A inovação é um ponto fraco dos países em desenvolvimento, incluindo Brasil. Entrando especificamente do campo das pesquisas, há um índice que afere o impacto delas. A média mundial é 1, enquanto a taxa do Brasil é 0,86, o que indica que as nossas pesquisas são pouco citadas.

O Brasil tem alguns centros de excelência na aeronáutica e na agricultura, por exemplo, mas, em geral, nossas  pesquisas não têm relevância – e  também não têm impacto social.

Contudo, isso deveria ser diferente, pois o dinheiro do contribuinte, que paga a universidade pública, o Fies, o ProUni, deveria ter retorno para a sociedade. Hoje a pesquisa fica encapsulada na universidade.

Quem conhece os impactos das pesquisas brasileiras? Você não consegue citar dez pesquisas da USP que tenham beneficiado a sociedade, apesar dos altos investimentos que ali são feitos.

Há também pouco incentivo para os brasileiros trabalharem com pesquisadores de outro país. O Ciência sem Fronteiras deveria ter investido nisso.

Voltando ao índice de impacto, o fator de impacto da Suécia é 1,16, que é acima da média, enquanto o nosso é de 0,86. Porém, considerando os 2,6 mil trabalhos conjuntos de brasileiros e suecos, temos o fator 4,19.

O trabalho em parceria, além de motivador, enriquece a pesquisa, visto que o problema passa a ser visto de diferentes perspectivas.

Como poderíamos reverter essa situação?

Um problema grande que temos é a má gestão da educação em todos os níveis, mas principalmente na educação básica. Por que o Rio de Janeiro investe o dobro do Piauí na educação e está com notas piores no Ideb?

Por causa da má gestão. E sem melhorar a educação básica, não vamos avançar no ensino superior e tampouco conquistar centros de pesquisa relevantes.

Em vez de investir 70% dos recursos na educação superior e 30% na educação básica, deveríamos inverter isso, tal como fez a Coreia do Sul. Também temos de usar leis, como a Lei Rouanet, para permitir às empresas investir diretamente na educação.

E o que as instituições de ensino superior poderiam fazer?

Em geral, as instituições de ensino preparam as pessoas para o mercado de trabalho, mas alguns poucos indivíduos têm interesse em fazer pesquisa.

Esse grupo deve receber atenção e, acredito, não faltam empresas que desejam apoiar esses indivíduos. Além disso, os alunos dos cursos mais concorridos da USP e de outras universidades públicas deveriam pagar pelo ensino, pois certamente eles podem fazer isso.

Essa mudança permitiria dar aos pobres não apenas a gratuidade do ensino, mas todo o auxílio de que eles necessitam para se manter e estudar.

Eles devem ter bolsas de estudo para estudar e pesquisar com tranquilidade e sair dessa condição em que estão hoje, trabalhando o dia todo para conseguir estudar à noite.

O senhor é favorável a uma mudança radical em nosso sistema de ensino.

Sim. O Brasil precisa de mudanças radicais em muitos setores, inclusive na educação. A postura do MEC também tem de mudar, pois acho que a posição do MEC deveria ser semelhante à de um pai diante de uma escola que está em dificuldade.

Em vez de fechar essa escola, ele deveria ajudá-la. As melhores universidades públicas também poderiam ajudar, dando assistência a outras instituições. E na educação básica, poderíamos aceitar a participação da iniciativa privada para gerenciar as escolas.

Hoje, os diretores das escolas públicas são definidos a partir de conchavos políticos. Diria ainda que as IES públicas são muito mal gerenciadas.

Como seria essa ideia de uma instituição de ensino superior pública supervisionar outras instituições?

Elas podem ajudar na atualização dos professores das escolas privadas que são contratados em regime parcial. Muitos deles trabalham em alguma empresa e dão aula de noite.

Eles têm o conhecimento prático, mas eventualmente não estão acompanhando a evolução do conhecimento em suas áreas. Também poderia haver um suporte para aprimorar o uso de técnicas de ensino e até para estruturar algumas instalações, como laboratórios e grupos de pesquisa.

O CNE está renovando as diretrizes de muitos cursos. Quais mudanças podemos esperar nas engenharias?

Nesses cursos, as diretrizes estão sendo renovadas com a participação de docentes, do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), de pesquisadores engenheiros do ITA e de muitas empresas.

A primeira versão já está disponível para consulta na internet. O objetivo das mudanças é criar pesquisas relevantes e formar profissionais transdisciplinares, ou seja, aptos a trabalhar em equipe com especialistas de outras áreas.

As novas diretrizes também estão sendo pensadas para dar mais liberdade às IES para escolher o caminho que querem seguir, ou seja, se querem ser fortes em engenharia automotiva, em engenharia aeronáutica, em resistência dos materiais,  e assim por diante. Pretendemos relatá-las em outubro.

E a renovação das diretrizes do Direito?

O caso do Direito é o mais complicado, porque a OAB é muito conservadora.  Levamos cinco anos, de 2013 a 2018, para reelaborar as diretrizes, que também serão relatadas em outubro, conforme previsão.

Definimos os conteúdos que todos os alunos terão de estudar e um conjunto de disciplinas optativas que serão escolhidas pelas IES conforme a especialidade que querem conferir aos seus cursos, se ambiental, cibernético, eleitoral.

Todos os cursos querem imitar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, mas as novas diretrizes estão sendo pensadas para mudar isso.

 

Brado pela eficiência – Ricardo Paes de Barros

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ENTREVISTA com Ricardo Paes de Barros | Edição 201 Economista crê que investimento de 10% do PIB em educação deva ser apenas por um …

ENTREVISTA com Ricardo Paes de Barros | Edição 201

Economista crê que investimento de 10% do PIB em educação deva ser apenas por um tempo e condicionado ao atingimento de metas

por Rubem Barros

São quase 18h30 de uma sexta-feira. Pelo corredor da sede do Instituto Unibanco, Ricardo Paes de Barros vem ao encontro da reportagem, desculpando-se pelo atraso. Acabou uma reunião de avaliação de projetos com um grupo de economistas e estudantes. Apesar disso, não se furta a uma longa entrevista em que, muitas vezes, começa as respostas protelando-as, ganhando tempo para pensar sobre a questão.

Paes de Barros, hoje identificado como o cérebro por trás do Bolsa Família, tem longa trajetória na reflexão sobre desigualdades sociais e educação. Pupilo de Carlos Langoni  (ex-presidente do Banco Central), ex-orientando do Nobel de Economia de 2000, James Heckman, em doutorado na Universidade de Chicago, foi ainda diretor do Ipea entre 1999 e 2008. Atualmente, é titular da Cátedra Instituto Ayrton Senna, no Insper.

Ao olhar para a educação brasileira, diz que é preciso que os investimentos sejam efetivos, e não apenas ancorados em promessas que não se cumpram. E alerta para a acentuada queda dos ganhos por anos de escolaridade básica no mercado de trabalho.

Ensino Superior: Mais anos de estudos diminuem a desigualdade social. Quanto mais dessa desigualdade poderia ter sido diminuída com melhor qualidade educacional?
Ricardo Paes de Barros: A educação é um instrumento poderoso para reduzir desigualdades. Mas, por mais que a redução que conseguimos nos últimos anos esteja relacionada às reduções das desigualdades educacionais e de renda que vêm da educação, muito mais poderia ter sido feito. Devemos ter em mente que a probabilidade média de uma criança de boa condição socioeconômica completar o fundamental na idade certa pode ser cinco vezes maior do que a de uma criança pobre. Ou seja, a desigualdade de oportunidades é gigantesca no Brasil. O ex-ministro Cristovam Buarque sempre chama a atenção para o fato de que, ao visitar o interior do Nordeste, precisou ir à Caixa Econômica e se deu conta de que a agência era idêntica à do Lago Sul, em Brasília. Mas foi visitar uma escola de ensino fundamental, e era completamente diferente de outra escola pública do Distrito Federal. Que estranho país é esse que consegue padronizar agência bancária e deixa que a qualidade de uma escola pública seja completamente diferente de outra, dependendo de aonde a criança vá estudar? Daí a importância de toda a essa discussão sobre qualidade mínima no Brasil. O Fundeb está longe de equalizar o custo por aluno no país. É claro que ainda temos um sistema educacional muito desigual. Mas o quanto mais daria para reduzir a desigualdade não sabemos ao certo, exigiria um trabalho mais delicado.

Qual a sua opinião sobre o Plano Nacional de Educação, em especial sobre os 10% do PIB?
Não tenho muita ideia de como o Brasil conseguirá gastar 10% do PIB em educação tendo demandas crescentes com o envelhecimento da população, na área de saúde etc. Se são 10% para sempre é um erro meio grosseiro, pois a população em idade escolar está diminuindo. É certo que temos um problema educacional gravíssimo, temos de dar um salto. Se tivermos um plano para, excepcionalmente, passar um momento em que vamos gastar 10%, que se gaste. Mas temos de demonstrar à população e aos outros setores que serão sacrificados – infraestrutura, saúde, assistência social, previdência, algo será sacrificado para isso – que temos um plano convincente de uso eficiente desses recursos. E nossa história não está mostrando isso, pois das metas do Todos pela Educação a única que foi cumprida foi a de gastos. Metas de resultados não estamos cumprindo.

Mas o PNE traz metas e estratégias.
Tem a meta e as estratégias, mas não tem avaliação nenhuma e não estão articuladas de maneira que permita saber que vão entregar aquilo que elas dizem que vão entregar. Não estamos cumprindo nem as metas do ensino médio do Ideb. Estamos aumentando sistematicamente os gastos sem garantir compromissos com os resultados. Precisamos de mais governança para entregar esses 10%. Precisamos que a Presidência da República, o MEC ou quem for venha a público garantir que atingiremos os resultados aliados ao plano e evidências que o sustentem. Precisamos saber o que irá acontecer se após um ano a meta não for cumprida. Isso está faltando. É como se a missão das autoridades educacionais brasileiras fosse tentar fazer algo, quando a missão é efetivamente entregar esse algo.

Qual a sua opinião sobre o modelo do Fies?
Não há país que não tenha um sistema de financiamento da educação superior, não há dúvida sobre sua importância. A questão são as regras para fazer isso funcionar, como torná-lo sustentável, como recuperar o investimento, quais profissões devem ser mais subsidiadas, como a formação de professores é mais subsidiada no mundo inteiro. Outras áreas, como administração e economia, por exemplo, não é preciso subsidiar.

No novo modelo privilegia-se formação docente, saúde, engenharia…
Precisamos ajustar esses detalhes de tal maneira que realmente funcionem, que o dinheiro vá para quem precisa do crédito e que viabilizemos a sustentabilidade disso, que as pessoas que recebem o Fies terminem de fato a universidade e paguem o empréstimo contraído, com um nível aceitável de taxa de juros.

Qual seria esse nível?
Para um financiamento de longo prazo, temos de trabalhar muito mais para assegurar que todos paguem. Se reduzirmos a inadimplência, talvez consigamos baixar a taxa de juros. Mas a taxa para um investimento desses, que tem uma tremenda externalidade para a sociedade brasileira, deveria ser baixa. Não conheço a questão tão de perto, mas deveríamos pensar, por exemplo, qual taxa de juros estamos usando no Minha Casa, Minha Vida. Não poderia ser mais alta. Não poderíamos financiar moradia a uma taxa de juros e investimento em capital humano com um valor mais alto. Deveria haver uma equiparação com investimentos similares – estradas, infraestrutura pública, eletricidade, telecomunicações – ver a que taxa de juros estamos usando recursos públicos para financiar essas atividades.  Por exemplo, qual  taxa de juros usamos para o Pronaf, de agricultura familiar? Deveríamos trazer a realidade do Fies para algo similar.

Como você vê o papel do ensino superior privado?
A instituição privada deveria estar em todos os níveis da educação, e o financiamento público deveria aumentar para alunos no setor privado. Vamos ter de expandir a educação superior de várias formas, não necessariamente de quatro ou cinco anos, mas de dois, três anos, educação tecnológica etc. A participação do setor privado é mais do que bem-vinda, temos de aumentar ProUni, Fies, não há outra alternativa.

Isso aliado à melhora da Educação Básica, para termos alunos em condições de chegar ao ensino superior…
Sem dúvida. Mas hoje já há uma demanda potencialmente reprimida pela educação superior por falta de acesso de uma forma ou de outra, insuficiência de alocação de recursos públicos na educação superior. Se tem uma coisa que diferencia o Brasil de vários países é a parcela pequena da população que conclui o ensino superior.

O grande número de aquisições e fusões do setor privado é sustentável?
Vejo o setor privado como uma indústria onde o setor público vai comprar o serviço, nunca parei para olhar como negócio e em que medida há sobrevalorização ou subvalorização nessa indústria. Mas ela tem um papel muito importante para a sociedade brasileira, e espero que tomem decisões adequadas e que tenhamos um setor privado forte, competitivo, produzindo educação de boa qualidade a um preço aceitável, de tal maneira que o setor público possa usar esses serviços em quantidade. Obviamente, se o preço do setor privado for muito alto, o setor público não poderá comprar serviços dele, vai ter de criar novas universidades públicas. Então, quanto mais o setor privado demonstrar que é capaz de produzir boa qualidade a preços inferiores ao custo do setor público, maior será a capacidade de expandir-se e absorver recursos públicos.

Os economistas têm tido grande centralidade na discussão de políticas públicas de educação nos últimos anos. Quais foram suas maiores contribuições?
A economia teve e tem um papel – como o do [ex-presidente do Banco Central Carlos] Langoni – fundamental para mostrar a importância da educação para todas as dimensões do desenvolvimento do país, o crescimento, a igualdade, a produtividade. Contribuíram até para mostrar que a educação é um direito humano básico e um instrumento para as pessoas garantirem o acesso à mais ampla variedade de direitos humanos.

Mas os economistas pensam de um jeito diferente dos educadores.
É onde eu estava querendo chegar. Há o lado de mostrar que a educação é muito importante. Precisamos de mais educação do que temos. Com a que temos, estamos fazendo um milagre de ter o PIB e a competitividade que temos. Nisso, os economistas são muito bons. Outra área é aquela que diz: “Tá bom, educação é importante, mas como é que a gente produz isso? Como fazemos as escolas funcionarem?”.
Os educadores acham que, para isso, os economistas buscam uma variável mágica, única, para um problema multifatorial.
Todo mundo entende bem o que é uma derivada parcial, que se você mexer uma coisa e mantiver o resto constante, vai ter uma mudança; se mexer em dez coisas vai ter outra mudança. O fato de muitas vezes os economistas trabalharem com o impacto de uma variável e não de 10 variáveis não quer dizer que não entendam isso. Mas a economia e os modelos econômicos são bem-sucedidos em demonstrar a importância da educação e relativamente bem-sucedidos em mostrar que uma certa intervenção educacional tem impacto. São muito poderosos em dizer como a escola ou a política educacional deveria ser. Têm menos capacidade de desenhar uma escola efetiva, embora sejam muito capazes de dizer “olha essa escola é efetiva e a educação é importante”. Com economia, consigo saber que educação é importante, que o Pronatec tem tal impacto sobre a economia, mas tenho dificuldade em saber como desenhar o Pronatec. Os economistas entraram muito nisso, dizendo qual deve ser o tamanho da sala de aula, a escolaridade do professor etc., ou seja, como deveria ser produzida a educação. Aí o instrumento econômico é meio frágil. Não sei o quanto os economistas conseguiram ajudar. Eles tentaram.

Se tivesse de aconselhar jovens economistas interessados em educação, qual ou quais seriam os temas que estão esperando por bons pesquisadores no momento?Há muitas coisas. Uma delas é entender a aparente rejeição do jovem à escola. Corremos o risco de gastar uma quantidade enorme de dinheiro, produzir a escola e o jovem continuar se evadindo. Hoje, no ensino médio, temos perto de 700 mil alunos que começam um ano letivo e não terminam. Muito disso tem a ver com a escola não ser atrativa, ser chata. Mas no Chile ou na Coreia a escola também é chata e o cara fica. Temos muitos trabalhos mostrando a importância de outras habilidades além do cognitivo – sociais, emocionais, ligadas à criatividade e protagonismo –, que, se a escola utilizá-las, podem ter um enorme impacto na participação do jovem. Ter o engajamento maior do jovem pode ser fundamental para o Brasil avançar. O baixo engajamento pode vir do fato de a escola não ser dos jovens, para os jovens. Ceará, Rio de Janeiro têm feito grandes avanços para tornar a escola um lugar da juventude. Saber quanto essa mudança de cara da escola resolverá o problema da evasão não só no ensino médio, mas também no fundamental 2, é uma grande questão de pesquisa.

E há algo que relacione mais educação e economia?
Outra questão fundamental é que o impacto da educação sobre os salários, a relação entre educação e renda está cada vez mais tênue. Cada vez mais, um ano a mais de educação dá um aumento menor em termos de remuneração, o que é excelente. Sem isso, não teríamos reduzido desigualdade. Mas o valor de um ano a mais de educação em termos de remuneração está despencando no Brasil.

Em relação a todos os níveis educacionais?
Na educação superior, ainda não. Mas no ensino médio caiu à metade. Fazer o ensino médio aumentava o salário em 40%, 50%, agora aumenta 20%. Isso em dez anos. Ainda é uma tremenda vantagem, mas precisamos entender por que isso está despencando. Se cair um pouco mais será bom, mas muito mais será problemático.

Essa queda pode estar relacionada à baixa qualidade da educação?
Sim. Pode também estar relacionada ao aumento sistemático do salário mínimo, há várias explicações possíveis. É como a taxa de juros: muito alta, horrível; se cair demais, ficar negativa, é um problema. Juro real negativo é um problema para promover poupança etc. A taxa de retorno da educação no Brasil já caiu muito, o que é bom, permite que muitas famílias pobres tenham acesso a serviços que envolvem pessoas com maior escolaridade, torna a sociedade mais justa. Mas há uma hora em que essa queda desmotivará as pessoas a estudar. Entender essa queda é um desafio extremamente importante neste momento.

 

Forças ocultas na política terão que se civilizar, diz Giannotti

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Professor de filosofia diz que não se governa com ameaças e que vitória de Bolsonaro levará conservadores a moderação

16.out.2018 às 2h00 – Folha de São Paulo

Mario Cesar Carvalho                                

SÃO PAULO

A eventual eleição de Jair Bolsonaro (PSL) vai jogar conspiradores e golpistas na dança política, afirma José Arthur Giannotti, 88, um dos mais influentes professores de filosofia do país, que já deu aulas na USP, da qual se aposentou, e na Universidade Columbia, em Nova York.

E essa é uma boa notícia, segundo ele. “A grande sorte dessas eleições foi trazer para a política as forças ocultas”, disse à Folha. “Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com ameaças nem
se mostra publicamente como bandido. Eles serão obrigados a se civilizar.”

Um dos primeiros intelectuais a dizer que os tucanos caminhavam para a morte, em 2014, Giannotti afirma que não há chance de renascimento do PSDB, partido do qual já foi considerado um ideólogo informal. Mas defende que um partido de centro é essencial. “Para conter o discurso e a prática velha do PT. E para conter essa onda que acredita na violência pela violência.”

Ele elogia o desmonte do sistema político provocado pela onda conservadora por achar que ela abrirá a estrutura extremamente fechada. Ele nem esperou o repórter perguntar para começar a falar.  

Nós estávamos numa negação política. O Congresso fechado nele mesmo, armado para se reproduzir. O governo isolado, incapaz de enfrentar as crises econômicas e sociais. Estávamos num fechamento total. E a Lava Jato denunciando, num processo jurídico-político, na medida em que atua juridicamente mas com intenções políticas. Sua intenção é jogar uma bomba atômica no processo político.

Por que a polaridade PT-PSDB foi varrida? Foi varrida porque ao PSDB faltaram lideranças, faltou se renovar. Quando você chega ao João Dória, que é pura aparência, é o fim. Nós vivemos numa sociedade do espetáculo, mas com o Doria você só tem espetáculo, não tem conteúdo político. O PSDB ficou dividido entre o Alckmin e o Dória. Do outro lado, o PT levou o país a uma recessão brutal por causa de uma série de equívocos econômicos. Esta eleição recupera e amplia 2013 (movimento contra a alta de tarifas de transportes) que depois começou a questionar a agenda dos partidos e a eficiência do Estado].

O que o sr. achou do resultado das eleições? Estou contente porque esse movimento antidemocrático, que é profundo e ocorre no mundo inteiro, representa o capitalismo atual, que é o capitalismo de conhecimento. Isso exige uma universidade que faça pesquisa, e o lulismo transformou a universidade num processo de ascensão social: você sai de secretária 3 para secretária 1. Os tucanos também fizeram isso em SP.

A eleição trouxe essa violência toda para o jogo político. Nós temos uma violência insustentável: morre mais gente aqui do que na guerra da Síria. A eleição foi um banho de soda cáustica revelando as nervuras da real luta política.

Essa onda conservadora tem relação com a violência? Evidente. Mas é também uma reação violenta. Não esqueça também que o PT achava todo mundo que não fosse petista um canalha, golpista. A violência na política não está apenas no lado fascista, mas está do lado do populismo. Ao trazer a violência para a disputa, você traz inclusive os milicos para a política. Em vez de ficarem conspirando entre eles, uma parte da conspiração vai para a política. Porque a conspiração vai continuar.

Há perigo de golpe? Esse perigo diminuiu. Agora tem menos risco de golpe porque as pessoas que eram golpistas encapuzadas passaram a ser golpistas dentro da dança política. Viraram parte da instituição. O golpe pode vir no impeachment do Bolsonaro. Em seis meses ele não vai ter essa aprovação que tem porque não vai resolver a crise econômica. Está todo mundo assustado, mas o resultado é bom.

Não há razão para susto? Pelo contrário. Temos que fincar as nossas razões democráticas e começar a combater as causas dessa violência toda. O país está se preparando para sair da crise com crescimento de 1,5%, como se estivéssemos no século 19. Quais são essas causas? O petismo imaginou que existia um capitalismo brasileiro com características diferentes do mundial. Isso não dá num capitalismo de conhecimento.

O PSDB pode renascer? Não. O fundamental é que renasça o centro. Porque não existe política sem centro. Para conter o discurso e a prática velha do PT. E, por outro lado, para conter essa onda que acredita na violência pela violência.

Por que o voto nos extremos? O eleitor foi para os extremos porque ele raivosamente se apegou às promessas do PT, que foram frustradas. Essa raiva faz parte da tradição política, mas ela piorou. Nunca vi tanta violência, nem em 1964. Porque agora há muito ódio. E a violência está dos dois lados. Muitas vezes os que são contra Bolsonaro têm uma violência bolsonarista.

Há outras razões para o voto nos extremos? Há. O eleitor vive num mundo violento e acha que só a violência resolve. Para acabar com a violência, ele acha que é bandido na cadeia ou morto. Isso não funciona no mundo real. Você só resolve isso criando instituições democráticas. Você tem de criar empregos, tem de esclarecer como será a reforma da Previdência e acabar com vantagens.

Quais vantagens? As vantagens do funcionalismo, como auxílio-moradia. Quando você tira as vantagens, dizem que estão tirando direitos. Desculpe, mas estão tirando vantagens. Sou beneficiário disso também. Todos nós tivemos aposentadoria integral na USP. Eu me lembro quando estava construindo esta casa, eu peguei o [o filósofo francês Michel] Foucault e ia levá-lo para a faculdade [de Filosofia], mas tive que passar na obra. O Foucault perguntou: “Você tem bens pessoais, herança? Porque um professor na França jamais faria uma casa desse tipo”. Todo mundo tinha esses privilégios na USP. Há benefícios para militares, professores e juízes que nenhum país do mundo tem. Isso tem de acabar.

Dá para pacificar o país? A grande sorte dessas eleições foi trazer para a política as forças ocultas. Com isso, elas vão se moderar. Você não governa com ameaças nem se mostra publicamente como um bandido. Eles serão obrigados a se civilizar. Não dá para ter também um país tão pobre. Isso não é mais tolerável.

Bolsonaro ataca mulheres, negros, gays e indígenas. Isso significa um retrocesso comportamental ou ele fala por um Brasil que é conservador mesmo? Uma parte do país é conservadora. Mas esse discurso é uma estratégia, uma forma de se mostrar como durão. Isso pode ter repercussões muito ruins. Uma coisa é um deputado dizer que não estupra uma deputada porque ela é feia. Se um presidente disser isso, sofre impeachment. Esse comportamento é inaceitável para um presidente. Ou ele muda ou cai. Na eleição tínhamos que escolher entre duas crises.

Quais? A crise que vem junto com Bolsonaro, com violência e não democracia, ou o impeachment por estelionato eleitoral do PT. Tudo indica que, pelo plano de governo que o Lula tinha montado, não daria para cumprir as promessas. O Brasil está encalacrado e só vai desatar quando o sistema político ficar mais moderno e democrático. Antes estava inteiramente fechado. Agora desarrumou tudo. Que bom!

 

Ascensão chinesa e a nova configuração geopolítica mundial

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A economia internacional vem passando por muitas transformações nos últimos trinta anos, a economia mundial centrada no Oceano Atlântico vem perdendo espaço para a ascensão asiática, quem vislumbra uma nova configuração de poder centrada no oriente e fortemente concentrada no Oceano Pacífico, os países asiáticos ganham força em detrimento da Europa e das Américas.

Dos países asiáticos, faz-se importante destacar a ascensão da economia chinesa, de um país intermediário no cenário internacional, a China se transformou, num curto espaço de quarenta anos, na segunda maior economia do mundo, perdendo apenas para a economia norte-americana, com isso, destacamos a previsão feita por Napoleão Bonaparte no começo do século XIX quando profetizou: “Quando a China acordar, o mundo vai tremer”.

Depois de quase trinta anos de sistema comunista, iniciada com a Revolução Socialista de 1949, e depois da morte de seu grande líder, Mao Tsé Tung, a China inicia no final dos anos 70 a construção de um novo paradigma de desenvolvimento econômico, este novo modelo foi construído pelo líder Deng Xiaoping que se destacou como um dos maiores estrategistas da China ao destacar: “Não importa a cor do gato, mas se ele caça o rato”.

As mudanças implementadas no país asiático, no período 1980/2010, trouxeram grande crescimento econômico e inúmeras transformações sociais, na literatura econômica desconhece um modelo que tenha trazido tantas modificações em um país num curto período de tempo e com resultados tão auspiciosos, levando este país a sair de uma situação intermediária para o panteão de segunda maior economia do mundo, com grandes chances de se transformar na maior economia do mundo nas próximas décadas.

A estratégia construída pelo governo chinês era fortemente baseada na intervenção do Estado, que tinha um papel central, não apenas na estrutura econômica, mas em toda lógica política, social e cultural, concentrando, com isso, um grande poder na estrutura social.

Economicamente, cabia ao Estado adotar políticas para fomentar e, ao mesmo tempo, estruturar, fiscalizar e coordenar as grandes alterações na sociedade chinesa, de um país fortemente fechado para uma sociedade mais aberta e cosmopolita, sem perder suas raízes culturais que eram uma das características mais admiradas na sociedade global, integrar a economia chinesa na economia mundial e, ao mesmo tempo, manter as bases culturais do país, este era o grande desafio da sociedade chinesa.

A grande quantidade de mão de obra disponível era um dos maiores ativos da sociedade chinesa, afinal estamos falando de uma sociedade com mais de 1,3 bilhão de pessoas, um contingente imenso que sempre foi visto pelas empresas internacionais como uma grande oportunidade de negócios e investimentos, com forte potencial consumidor e como fonte barata de produção de produtos ocidentais.

O modelo econômico inaugurado na China nos anos 70 estava fortemente atrelado ao comércio internacional, as exportações foram estimuladas como forma de angariar novos recursos monetários e, com isso, garantir uma saúde financeira para financiar as políticas estratégicas do país nas próximas décadas, garantindo condições para melhorar as condições de vida da população e contribuir para o desenvolvimento econômico chinês.

Somente como critério de comparação, no começo dos anos 80, as exportações chinesas eram de US$ 22 bilhões, enquanto as brasileiras eram de US$ 24 bilhões e as coreanas eram de US$ 20 bilhões, em 2010 as exportações brasileiras foram de US$ 250 bilhões, as coreanas de US$ 350 bilhões e as chinesas ultrapassaram os US$ 1,2 trilhão, com estes dados podemos compreender que o paradigma adotado pelo país asiático estava fortemente atrelado ao comércio internacional.

O Estado chinês contribuiu decisivamente para este crescimento das exportações, adotando políticas que contribuíram para a atração de milhares de empresas transnacionais com a criação das Zonas Especiais de Exportação (ZEEs), espaço caracterizado por inúmeros incentivos tributários, financeiros e logísticos para as empresas se instalar, gerar empregos e exportar seus produtos, aumentando a participação das empresas no comércio internacional.

Os investimentos chineses em ciência e tecnologia cresceram de forma acelerada, os produtos oriundos da China ganharam envergadura e conseguiram aumentar o valor agregado de forma crescente, garantindo novos mercados e retornos de escalas consideráveis e impressionantes, transformando o país em um dos líderes no registro de patentes de novos produtos, mercadorias e serviços.

A formação de quadros para a nova estratégia chinesa foi construída no começo dos anos 80, quando o país estimulou e financiou a saída de jovens estudantes para cursos de graduação e de pós-graduação no exterior, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, com o compromisso de se capacitarem para gerenciar as empresas estatais do país, com isso, um grande contingente populacional de pesquisadores altamente qualificados foram absorvidos pelo mercado de ciência e tecnologia, contribuindo para uma nova estrutura produtiva e avanços consideráveis em várias áreas do conhecimento científico, desde a medicina e outras áreas de saúde, a gestão, as engenharias, a física e a biologia.

Empresas de alta tecnologia foram fortemente estimuladas, políticas sólidas garantiram novos investimentos do Estado e de empresas privadas, tudo isso fez da China um dos países que mais ganha espaço neste mercado crescente de tecnologias, inovação e produtos integrados ao setor industrial, a chamada Indústria 4.0, que tende a moldar e a influenciar o novo cenário competitivo internacional.

Outra política adotada pelo governo chinês foi a exigência de uma parceria com empresas locais, ou seja, todas as empresas internacionais que se interessassem em produzir do território chinês, deveriam se associar com uma empresa local, esta associação teria duração de 20 ou 30 anos, e garantiria livre acesso ao mercado e ao consumidor chinês e, ao mesmo tempo, obrigaria a empresa transnacional a transferir tecnologias para a parceira local, auxiliando-a na melhora de seus produtos, dentre as empresas que tiveram que se associar a uma parceira local destacamos a brasileira Embraer, que para ser aceita no mercado teve que se associar com a estatal de aviação Avic 2, mas são inúmeros os casos de empresas transnacionais que aceitaram esta associação.

O governo chinês se utilizou de uma política de câmbio desvalorizado para incrementar suas exportações, esta atuação exigia uma forte intervenção no mercado de câmbio, gerando forte descontentamento dos competidores e dos parceiros comerciais mas, mesmo assim, os governantes do país se utilizaram deste expediente para fomentar os ganhos dos exportadores, aumentar a participação do país no comércio internacional, garantiu uma grande quantidade de dólares para alavancar a economia e melhorar os indicadores sociais, legitimando a estratégia construída pelo governo, estima-se que o governo da China possua investido em bancos estrangeiros um montante de US$ 3,9 trilhões, recursos estes fundamentais para consolidar as estratégias construídas pela China para o século XXI.

O governo chinês está fortemente atrelado ao Partido Comunista Chinês (PCC), que controla toda a estrutura social, cabe ao partido definir as políticas, as diretrizes e as estratégias que serão adotadas, destacando que o PCC controla a sociedade com força e autoritarismo, reprimindo e censurando todos aqueles que se manifestarem contrariamente as suas políticas e levando pessoas e grupos dissidentes à morte, um regime fechado, autoritário, violento e fortemente repressor.

O poder centralizado nas mãos do Partido Comunista Chinês é um dos grandes diferenciais da China, as mudanças feitas no país, num período curto, só foram possíveis graças ao forte poder do Partido, em regimes democráticos estas mudanças para serem feitas demorariam muitos anos, talvez décadas e a resistência da sociedade civil organizada seria muito grande e os entraves levantados seriam enormes.

O modelo foi exitoso em garantir um forte crescimento econômico para a economia chinesa, no período 1949/1980 o crescimento anual foi de 4,9%, no período 1980/2010 este crescimento foi quase o dobro, alcançando mais de 9,5%, levando o produto interno bruto (PIB) do país a dar saltos e levar a economia chinesa ao posto de segunda maior economia do mundo, atrás apenas da economia norte-americana e, para muitos analistas internacionais, até 2030 os Estados Unidos serão ultrapassados pelos asiáticos no posto de maior economia mundial.

A ascensão chinesa gerou uma imensa transformação na estrutura produtiva global, a entrada da China no mercado atraiu milhares de empresas transnacionais para o mercado asiático, muitas delas para a própria China, gerando mais empregos e melhorando a renda agregada do país, contribuindo para a transformação das cidades que passaram a atrair novos contingentes de mão de obra, chineses que sempre viveram no meio rural foram para as cidades e transformaram as cidades do país nas maiores metrópoles internacionais, criando novos desafios e oportunidades para os trabalhadores, uma excelente notícia para um país que precisa gerar milhões de empregos anualmente para evitar uma forte degradação social.

Com a chegada das empresas transnacionais, seus países de origem foram vitimados por um aumento no desemprego e uma forte redução na renda, gerando uma degradação no trabalho e um incremento na pobreza e na marginalidade, transformando cidades antes estáveis e bem organizadas em antros marcados por violência e degradação social, onde os investimentos do Estados passaram a ser mais necessários e urgentes.

Melhorias em um lado e degradação em outro, a ascensão da China e de outros países asiáticos, levou a economia internacional a uma nova configuração de poder, as classes médias ocidentais perceberam uma forte degradação em seus empregos e uma redução considerável em sua renda agregada, criando um grupo conhecido como precariado, que se espalha por todas as regiões do mundo e mostram uma nova cara do emprego e das relações sociais em curso na sociedade global.

A ascensão chinesa culminou no fortalecimento das empresas que passaram a dominar inúmeros setores, se antes o país era conhecido como um país produtor de produtos de baixo valor agregado, atualmente a China possui empresas com grande potencial produtivo em vários setores, destacamos a Alibaba, Lenovo e Tencent, empresas que atuam em um setor altamente competitivo e concorrencial, competindo com gigantes norte-americanas e europeias. No setor automobilístico destacamos a ascensão da Chery e da JAC, empresas que vem ganhando espaço e atraindo os melhores projetistas e engenheiros para seus quadros, vislumbrando novas oportunidades para o século XXI.

A China promoveu grandes avanços na sociedade, mais de 500 milhões de pessoas saíram do meio rural e foram transferidos para as cidades, criando grandes polos urbanos e modernas metrópoles, garantindo uma melhora considerável na vida destas pessoas, nas condições de higiene pessoal, na alimentação, na segurança e no conhecimento, elevando as expectativas de vida da população.

A crise de 2008 gerou novas preocupações para a sociedade chinesa, o incremento do nacionalismo e do xenofobismo, além de uma redução generalizada do comércio internacional, levou o país a repensar seu modelo de desenvolvimento, permanecer dependente das políticas anteriores, centradas no setor exportador se mostraram insuficientes para alavancar o crescimento do país, com isso, um novo modelo surge e passa a ser desenvolvido pelo Partido Comunista, este novo paradigma está centrado no mercado interno e na melhoria das condições de vida do trabalhador chinês, com melhorias sociais, previdência social e políticas públicas.

A adoção deste novo modelo econômico é marcada por inúmeros desafios e oportunidades, mais poder de compra e recursos monetários nas mãos da população pode levar o cidadão a demandas novas e crescentes, dentre estas demandas, os chineses podem demandar mais liberdade e mais benefícios que podem culminar em exigências democráticas, incompatíveis a um regime autoritário e fortemente centralizado.

A adoção de um novo modelo econômico está envolto em inúmeros desafios políticos e econômicos, de um lado o Partido Comunista busca uma forma de criar um novo catalisador para o crescimento do país, diminuindo a dependência do setor externo, que com a crise imobiliária norte-americana se mostrou instável e pouco confiável. Os riscos do novo modelo são muito mais políticos do que econômico, isto porque uma população mais rica e com renda em ascensão, com mais acesso aos mercados globais, ao turismo internacional e aos prazeres do capitalismo, pode demandar muito mais do que produtos e mercadorias, pode demandar mais liberdade, mais transparência e menos censura, gerando constrangimentos futuros para os donos do poder no país asiático.

A dependência do setor exportador se mostrou uma estratégia muito exitosa, num determinado momento garantiu grande crescimento econômico e uma melhoria considerável da economia do país, elevando-o a uma categoria de destaque na sociedade global, de uma economia média a um player de destaque no mundo contemporâneo, o novo modelo tem este desafio, aprofundar os ganhos chineses, melhorar os indicadores sociais e transformar o país na economia hegemônica do século XXI, os desafios são imensos mas se analisarmos historicamente tudo que foi feito no país nos últimos quarenta anos, poucos analistas internacionais duvidam do potencial e da capacidade empreendedora e criativa da população chinesa.

Outro ponto importante a se destacar é que, depois de ganhar mercados na economia internacional e elevar sua participação nas exportações globais, a China angariou aliados e inúmeros adversários e concorrentes, dentre eles destacamos os Estados Unidos, que sob o governo Donald Trump decretou uma verdadeira guerra comercial com o país asiático, onde os lados estão defendendo políticas e pensamentos diferentes, um mais nacionalista e protecionista, e outro mais internacionalista e concorrencial, sendo que os norte-americanos responsáveis por este modelo construído no pós segunda guerra, que pregava a competição e a integração entre as economias, hoje se coloca como nacionalista e fortemente protecionista, são os novos ventos da economia internacional, a China está realmente transformando as estruturas da economia mundial e gerando uma reconfiguração dos espaços de poder político e institucional.

Os impactos desta guerra comercial deverão ser sentidos em todas as regiões do mundo, o cerne desta discórdia entre norte-americanos e chineses é o crescente déficit comercial que o primeiro tem com o país asiático, apenas em 2017, os Estados Unidos exportaram US$ 130 bilhões para a China e importaram US$ 520 bilhões, acumulando um déficit comercial de quase US$ 400 bilhões que, segundo o presidente Donald Trump está relacionado as políticas adotadas pela China, que distorcem as relações comerciais entre os países e geram fortes perdas econômicas para os norte-americanos e como seu lema é “A América Primeiro”, a guerra comercial é a única forma de reverter esta situação e gerar perdas aos chineses.

Um outro ponto de grande preocupação dos analistas internacionais é com o setor bancário e financeiro chinês, o país possui uma dívida acumulada de trilhões de dólares que podem gerar graves constrangimentos no país nos próximos anos, bancos estatais mal administrados podem elevar as dívidas para patamares de insustentabilidade, levando o país a uma crise forte e graves impactos sobre a economia internacional.

O paradigma chinês não se baseia no pensamento liberal como querem os defensores desta ideologia e também não se caracteriza como uma estratégia socialista ou comunista, o modelo criado no país asiático é um grande híbrido que associa uma forte intervenção do Estado na sociedade e um estimulo brutal a concorrência e a competição, o modelo dominante e exitoso no século XXI não pode se basear apenas em ideologias que restringem e limitam a análise e as políticas a serem implementadas, faz-se fundamental a agilidade e a rapidez na adoção de políticas concatenadas e compartilhadas entre Estado e Mercado, como forma de garantir um novo espaço de construção econômica e produtiva para os países num ambiente de grande concorrência e busca por ganhos de competitividade mas com melhorias sociais e novas perspectivas para a comunidade.

 

Que juventude é essa? Marcelo Ridenti

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Diversidade de insatisfações com sinais ideológicos misturados, cada qual identificando no movimento a realização dos próprios desejos

De modo inesperado, tomaram as ruas os netos da Marcha da Família com Deus pela Liberdade de 1964 e da Passeata dos Cem Mil de 1968. Os filhos dos que apoiaram a eleição de Collor em 1989 e dos que se manifestaram por seu impeachment em 1992. Todos contraditoriamente juntos.

Claro, em outro contexto. Diversidade de insatisfações com sinais ideológicos misturados, que se expressam também nas várias interpretações, cada qual identificando no movimento a realização dos próprios desejos e tentando influenciá-lo.

Setores de esquerda encantaram-se com o que lhes pareceu o início de uma revolução espontânea, mas ficaram embasbacados com as hostilidades sofridas, não por parte da polícia, mas de alguns anticomunistas. Adeptos do PT, percebendo que o movimento redunda em questionamentos variados a seus governos, tendem a reduzi-lo ao caráter fascista de certos manifestantes.

Os conservadores –inclusive na imprensa, sobretudo televisiva– ressaltam os protestos ordeiros contra a corrupção, tentando restringir o movimento a um aspecto pontual, como se todas as mazelas da ordem constituída se devessem à malversação das verbas públicas pelo PT.

Por sua vez, os defensores de causas como a tarifa zero sonham que a multidão está envolvida numa nova democracia horizontal e plebiscitária, pacificamente movida a internet, mas também se assustaram com a ferocidade de alguns grupos.

Em todos os pontos de vista, há algo de verdade e mistificação. O enigma começa a ser resolvido com a pergunta: quem se lança às ruas? Ao que tudo indica até o momento, são principalmente setores da juventude, até há pouco tida como despolitizada, e que não deixa de expressar as contradições da sociedade.

Parece tratar-se de uma juventude sobretudo das camadas médias, beneficiadas por mudanças nos níveis de escolaridade, mas inseguras diante de suas consequências e com pouca formação política.

Dados do MEC apontam que há hoje cerca de 7 milhões de universitários. O acesso ao ensino superior praticamente dobrou em uma década. Em 2000, eram admitidos anualmente 900 mil calouros. Em 2011, quase 1,7 milhão. Dois terços no ensino privado.

A título de comparação, tome-se a década das manifestações estudantis. Em 1960, havia 35.909 vagas disponíveis no ensino superior, número que saltou para 57.342 em 1964, ano do golpe de Estado, chegando a 89.582 no tempo das revoltas de 1968, a maioria no ensino público. Em termos absolutos, a evolução foi enorme. Não obstante, apenas 15% dos brasileiros com idade para estar na faculdade cursam o ensino superior.

Quanto à origem dos universitários, muitos compõem a primeira geração familiar com acesso ao ensino superior. Outros são de famílias com capital cultural e/ou econômico elevado, atônitos com a ampliação do meio universitário.

No que se refere às expectativas, parece haver o temor de alguns de não poder manter o padrão de vida da família e de outros de não ver realizada sua esperada ascensão social.

Produziu-se uma massa de jovens escolarizados, com expectativas elevadas e incertezas quanto ao futuro, sem encontrar pleno reconhecimento no mercado de trabalho nem tampouco na política. Ademais, detecta-se insatisfação com o individualismo exacerbado.

Em suma, um meio social efervescente em busca de causas na era da i(nc)lusão pelo consumo, em meio à degradação da vida urbana.

E por onde andam os 70% de jovens de 18 a 24 anos que não estão na escola? Alguns, no mercado de trabalho precarizado. Outros compõem o chamado “nem nem”, nem escola nem trabalho. Massa ressentida que em parte também integra as manifestações.

No ano que vem, completam-se os 50 anos do golpe de 1964, cuja bandeira ideológica era o combate aos políticos e à corrupção. O risco está dado novamente? Por sorte, as manifestações trazem também reivindicações por liberdades democráticas, busca de reconhecimento e respeito, tocando num aspecto central: a luta pelo investimento em transporte, saúde e educação, contra a apropriação privada do fundo público.

Chegaram ao limite as possibilidades de mudança dentro das estruturas sociais consolidadas no tempo da ditadura e que não foram tocadas após a redemocratização? Será possível aperfeiçoar a democracia política, também num sentido social? Abre-se um tempo de incertezas.

Folha de São Paulo – 23 de junho de 2013

MARCELO RIDENTI, 54, é professor titular de sociologia na Universidade Estadual de Campinas e autor de “O Fantasma da Revolução Brasileira”

 

Precariado: a espinha dorsal dos protestos nas ruas das 353 cidades brasileiras. Entrevista especial com Giovanni Alves

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 “As sociedades capitalistas vivem hoje sob o pêndulo perverso do capital, oscilando entre uma social-democracia medíocre, incapaz de avançar nas reformas sociais necessárias, e uma direita liberal conservadora que, aproveitando-se da mediocridade da social-democracia, ocupa espaços no jogo político, implementando, quando chega ao governo, suas políticas de desastre social”, constata o sociólogo.

O precariado, formado por jovens-adultos escolarizados, mas com inserção precária nas relações de trabalho e vida social, constitui a “camada média do Subproletariado urbano” e é a “espinha dorsal dos protestos nas ruas das 353 cidades brasileiras, ocorridos em junho de 2013”, avalia Giovanni Alves em entrevista concedida à IHU On-Line.

Na interpretação dele, os jovens não vivenciam apenas uma “precarização salarial” por conta do desemprego, dos baixos salários e dos contratos salariais precários, mas estão diante de uma “precarização existencial que ocorre com a precariedade dos serviços públicos nas cidades brasileiras – transporte público, saúde, educação, espaços públicos – e o modo de vida just-in-time”.

As manifestações que tomaram as ruas nos últimos dias representam também uma “insatisfação social” com as demandas sociais reprimidas da camada média do subproletariado urbano, durante os governos Lula e Dilma. “A frente política do neodesenvolvimentismo de Lula e Dilma focou o gasto público no subproletariado pobre (por exemplo, aumento do salário mínimo, Bolsa Família, acesso ao crédito), deixando de lado as demandas sociais reprimidas da camada média do subproletariado urbano”, salienta em entrevista concedida por e-mail.

Para Alves, as manifestações são “incapazes, em si e para si, de ir além da explicitação cotidiana da inquietação social e carecimentos sociais. O problema dos movimentos sociais é a sua pluralidade setorial que tende a promover a dispersão de sua força social e política. A revolta do precariado manifestou, por exemplo, como Movimento do Passe Livre, explicitando problemas nos transportes públicos no Brasil. Depois foram incluídas outras pautas de insatisfação social – algumas pautas políticas criadas pela imprensa conservadora. Mas, no geral, as demandas sociais inscritas eram difusas”.

Giovanni Alves  é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp, no campus de Marília. Livre-docente em teoria sociológica, é mestre em Sociologia e doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Atualmente, desenvolve o projeto de pesquisa “A derrelição de Ícaro – Sonhos, expectativas e aspirações de jovens empregados do novo (e precário) mundo do trabalho no Brasil (2003-2013)”.

É autor de, entre outros, Dimensões da precarização do trabalho – Ensaios de sociologia do trabalho (Bauru: Projeto editorial praxis, 2013).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Ao comentar as manifestações que acontecem em todo o país, o senhor diz que se trata da “revolta do precariado”. Pode nos explicar essa ideia? Quem é o precariado e como a precarização do trabalho reflete nas manifestações?

Um misto de frustração de expectativas e insatisfação socialGiovanni Alves – Tenho utilizado o conceito de precariado num sentido bastante preciso: o precariado é a camada média do subproletariado urbano, constituída por jovens-adultos altamente escolarizados, mas com inserção precária nas relações de trabalho e vida social. O precariado é constituído por um conjunto de categoriais sociais como, por exemplo, estudantes de nível médio ou nível superior, recém-graduados desempregados ou inseridos em relações salariais precárias; ou ainda por jovens empregados precarizados. Portanto, o conceito de precariado como camada social da classe dos trabalhadores assalariados está delimitado pelas variáveis salariais, etárias e educacionais. Esse contingente de jovens-adultos, por serem altamente escolarizados, tende a cultivar um ethos de “classe média” baseado nos anseios de ascensão social por meio da carreira profissional e desejo de consumo. Por isso pertencem às camadas médias do proletariado urbano. Entretanto, tendo em vista a nova dinâmica do mercado de trabalho no Brasil, um contingente de jovens altamente escolarizados estão desempregados ou estão inseridos em relações salariais precárias tendo em vista a degradação do estatuto salarial (por exemplo, contrato precário de trabalho e baixa remuneração salarial).

Por exemplo, segundo o jornal O Estado de São Paulo, de 30-06-2013, o salário médio mensal dos trabalhadores com mais anos de escolaridade recuou entre 2002 e 2011 no Brasil. A média de salário dos profissionais com 12 anos ou mais de estudo caiu 8% nesse período, de R$ 3.057 para R$ 2.821 (a variação já desconta a inflação do período). Isso significa que o poder aquisitivo desse grupo caiu em 10 anos. Na verdade, as camadas mais escolarizadas do mundo do trabalho no Brasil viram aumentar a concorrência na última década. Nos últimos anos, as pessoas ficaram mais tempo na escola, e a oferta de profissionais com ensino médio e superior aumentou. Cresceu a fatia dos trabalhadores brasileiros com ensino médio e superior em andamento ou concluído. O crescimento da escolaridade também foi impulsionado pelo aumento do número de universidades privadas. Enfim, houve mais ofertas de trabalhadores assalariados altamente escolarizados, a maior parte deles jovens recém-graduados. E muitos profissionais podem ter ingressado no nível mais elevado de escolaridade, mas com o mesmo salário, o que reduziu a média de ganho da categoria. Desse modo, o precariado possui, em si e para si, um misto de frustração de expectativas e insatisfação social e, por outro lado, carecimentos radicais que o torna susceptível de atitudes de rebeldia.

A meu ver, o precariado constituiu a espinha dorsal dos protestos nas ruas das 353 cidades brasileiras, ocorridos em junho de 2013. Na medida em que cresceram por conta da exposição midiática, o corpo das manifestações massivas que atingiram as cidades brasileiras incluiu outras camadas sociais, frações e categorias de classe que ocuparam as ruas. Mas o que eu saliento é que a espinha dorsal da multidão massiva que ocupou as ruas era constituída pelo precariado. De repente, o Movimento do Passe Livre – MPL deu visibilidade nas ruas brasileiras à camada social do precariado, o subproletariado médio das cidades brasileiras.

Por exemplo, no artigo “Que juventude é essa”, publicado no jornal Folha de S.Paulo, de 23-06-2013, o sociólogo Marcelo Ridenti descreveu a juventude que ocupou as ruas nas manifestações do Outono Quente do seguinte modo: “Ao que tudo indica até o momento, são principalmente setores da juventude, até há pouco tida como despolitizada, e que não deixa de expressar as contradições da sociedade. Parece tratar-se de uma juventude sobretudo das camadas médias, beneficiadas por mudanças nos níveis de escolaridade, mas inseguras diante de suas consequências e com pouca formação política” (o grifo é meu). O que Marcelo Ridenti descreve, sem o saber, é o precariado. O corte geracional torna a camada social do precariado susceptível à utilização das redes sociais (Facebook e Twitter).

Ao mesmo tempo, como o precariado nasceu e cresceu na era do neoliberalismo, que aprofundou nas últimas duas décadas, a imbecilização cultural, a despolitização e o irracionalismo social na sociedade brasileira, ele tornou-se bastante susceptível às atitudes anarcoliberais, anarcopunks, neofascistas e esquerdistas tout cort, isto é, atitudes “extremistas”, manipuladas tanto à esquerda como à direita, principalmente numa conjuntura social instável e polarizada politicamente. Na verdade, partidos e sindicatos têm dificuldades em absorver as insatisfações sociais, demandas radicais e formas de organização do precariado.

Precarização existencial

Enquanto camada média da classe social do proletariado, o precariado tem uma cultura e psicologia social própria. Por um lado, seus membros são movidos pela profunda insatisfação social. O que significa que a rebeldia do precariado é expressão das novas dimensões da precarização do trabalho que ocorre no Brasil. Não se trata apenas da precarização salarial, tendo em vista o desemprego, baixos salários, rotatividade do trabalho, contratos salariais precários e frustração de expectativas de carreira profissional; mas trata-se também da precarização existencial que ocorre com a precariedade dos serviços públicos nas cidades brasileiras – transporte público, saúde, educação, espaços públicos – e o modo de vida just-in-time (discuto isso no meu último livro “Dimensões da Precarização do Trabalho no Brasil”). Por outro lado, o precariado é movido pelos carecimentos radicais: a juventude escolarizada torna-se vulnerável ao desalento e angústia intrínsecos ao prosaísmo da vida burguesa e a incapacidade da sociedade das mercadorias em sua etapa de capitalismo manipulatório em dar uma vida plena de sentido. Enfim, o precariado representa, em si e para si, a carência de futuridade intrínseca à ordem do capital. É por expressarem as contradições radicais da ordem burguesa hipertardia que o precariado é suscetível a absorver em suas atitudes sociais, formas de irracionalidade que caracterizam a ordem decadente do capital. É importante salientar que o cerne da radicalidade do precariado é a contradição visceral entre “ideais de classe média”, impulsionados pela educação do capital, além da condição de proletariedade que caracteriza a situação existencial da juventude rebelde. Mas os protestos de rua no Brasil não dizem respeito à revolta da “classe média”. Na verdade, a pobreza heurística do conceito de “classe média” tende a ocultar a condição existencial de classe da multidão insatisfeita das ruas, multidão de jovens-adultos proletários altamente escolarizados insatisfeitos socialmente e carentes de uma vida plena de sentido.

IHU On-Line – O que a “revolta do precariado” demonstra sobre a condução política, econômica e social do país nos últimos anos, especialmente em relação à ascensão da classe C via consumo, à expansão econômica via crédito, ao aumento do salário mínimo e às políticas públicas sociais de distribuição de renda?

Giovanni Alves – A curta década de 2000 foi marcada pela ascensão e impasses do neodesenvolvimentismo no Brasil. O projeto lulista ou projeto de desenvolvimento burguês redistributivista, com foco no subproletariado pobre (a dita “Classe C”), adotou a linha de menor esforço do redistributivismo de renda, privilegiando, desse modo, a formação de “sujeitos passivos” da agenda governamental (Bolsa Família). Na verdade, por trás do realinhamento eleitoral do PT em 2008, constatado por André Singer no livro “O sentido do lulismo” (o PT tornou-se o partido dos pobres), está à opção política pela linha de menor esforço do redistributivismo de renda – o “reformismo fraco”. Enquanto o neoliberalismo da década de 1990 sucateou os serviços públicos, o neodesenvolvimentismo da década de 2000 não os recuperou efetivamente. Na verdade, a frente política do neodesenvolvimentismo de Lula e Dilma focou o gasto público no subproletariado pobre (por exemplo, aumento do salário mínimo, Bolsa Família, acesso ao crédito), deixando de lado as demandas sociais reprimidas da camada média do subproletariado urbano – o precariado, imerso na dupla dimensão da precarização do trabalho: precarização salarial e precarização existencial.

Demandas sociais

Entretanto, tratar das demandas sociais do precariado significaria enfrentar efetivamente o capital financeiro, tendo em vista que a linha de menor esforço do redistributivismo do capital significa, em si e para si, renunciar a enfrentar os constrangimentos do orçamento estatal pela dívida pública nas mãos do capital financeiro que impede, por exemplo, investimentos de maior porte nos serviços públicos. A direita neoliberal, sedenta em manipular a revolta do precariado, oculta a radicalidade das demandas sociais das manifestações das ruas e suas implicações políticas. Por exemplo, quem financiaria a melhoria efetiva dos serviços públicos? Em que medida a melhoria dos serviços públicos significaria alterar o modelo de controle social, propriedade e gestão da coisa pública no Brasil? Etc. Portanto, surgiram impasses sociais e políticos e explicitaram-se os limites radicais do neodesenvolvimentismo com a ascensão das camadas médias do subproletariado urbano, que cresceu na última década devido à renovação geracional do mercado de trabalho e ao aumento do perfil de escolaridade da massa proletária urbana (por exemplo, o acesso ao ensino superior praticamente dobrou em uma década.

O precariado como subproletariado urbano

Em 2000, eram admitidos anualmente 900 mil calouros. Em 2011, quase 1,7 milhão. (Dois terços no ensino privado.) Enfim, cresceu o precariado como subproletariado urbano, inserido na condição pós-moderna no sentido de rompimento dos parâmetros da modernidade fordista baseada nos ideais de educação como capital humano, emprego como carreira profissional e consumo/família como realização pessoal; uma condição pós-moderna que possui também um caráter cultural caracterizado pela corrosão do caráter, valores do individualismo e sentimento de “presentificação crônica”. Enquanto o neodesenvolvimentismo interpelou o subproletariado pobre como “sujeitos passivos” da agenda governamental, o precariado que se manifesta hoje nas ruas aparece como “sujeitos ativos” da insatisfação social com os limites do neodesenvolvimentismo e portadores de carecimentos radicais intrínsecos da ordem burguesa hipertardia. Na verdade, o precariado expõe os limites radicais do neodesenvolvimentismo como modo de desenvolvimento capitalista incapaz de dar resposta às necessidades sociais das cidades como espaço público.

Insatisfação acumulada

As causalidades imediatas dizem respeito à insatisfação social acumulada nas últimas décadas de democracia brasileira com a precarização do trabalho em sua forma de precarização salarial e precarização existencial, onde a critica da qualidade dos serviços públicos é um traço crucial: saúde, educação, transporte público e espaços públicos urbanos. Por isso, a rebeldia do precariado nasceu com o MPL, que depois se transfigurou como movimento social permeado de um complexo de demandas sociais acumuladas insatisfeitas pelo neodesenvolvimentismo burguês. Mas o movimento do precariado no Brasil e no mundo expõe no século XXI os carecimentos radicais das camadas médias do proletariado – o subproletariado médio – sedento de uma vida plena de sentido no interior da ordem estranhada do capital.

IHU On-Line – Em artigo recente, ao mencionar a participação dos jovens nas manifestações, o senhor afirma que a “condição social de estudante é hoje uma condição precária”. O que isso revela sobre as políticas públicas educacionais adotas no país?

Giovanni Alves – É importante salientar que o estudante de ensino médio e ensino superior é uma das categorias sociais que compõe, em sua ampla maioria, a camada média do subproletariado urbano. Na verdade, os estudantes são trabalhadores assalariados em formação, sendo virtualmente trabalhadores precários in fieri tendo em vista as próprias condições estruturais do mercado de trabalho hoje. Eles sofrem no ambiente escolar a condição de proletariedade no sentido do modo de vida just-in-time e frustração das expectativas. Por outro lado, enquanto a juventude está exposta aos carecimentos radicais da ordem burguesa. Escolas e universidades como organizações burocráticas reproduzem a experiência da empresa capitalista que, hoje, está imersa no espírito do toyotismo. Nas salas de aula, verdadeiros locais de trabalho do estudante, temos a pressão contínua pelo comprimento de metas, assédio moral e, até, o crescimento de adoecimentos psicológicos tal como ocorre com o mundo do trabalho (o aumento de suicídio entre jovens é uma realidade no Brasil neodesenvolvimentista).

As requisições estranhadas do trabalho abstrato virtual estão presentes no metabolismo social escolar. Por isso, cresce na juventude, o uso de bebidas e drogas como formas espúrias de resistir ao estranhamento (no sentido utilizado por Georg Lukács). Portanto, é isto: a condição existencial do estudante é uma condição precária, tal como a do empregado e operário. Mas é importante salientar que não se trata apenas de investir em educação. Mas, nas condições históricas em que vivemos, é importante e fundamental, mas não o suficiente – por exemplo, Portugal nos últimos vinte anos investiu pesadamente em educação, mas só criou uma superpopulação relativa altamente escolarizada, porém desempregada e precária. É importante criar condições econômicas e sociais capazes de realizar as possibilidades reprimidas de realização profissional e humana. É claro que o Brasil precisa crescer, mas também mudar o sentido da macroeconomia do crescimento. Depois, numa perspectiva estratégica, é importante alterar o modelo de desenvolvimento e modo de produção da vida social (o que vai exigir a formação de sujeitos históricos capazes de “negação da negação”, um desafio imenso hoje, tendo em vista o capitalismo manipulatório exacerbado no Brasil, com seus mass media imbecilizantes e alienados e a crise dos intelectuais orgânicos de esquerda).

IHU On-Line – O senhor também comenta que a voz das ruas exige avanços sociais. O que isso demonstra sobre a gestão do PT no país? É possível vislumbrar a retomada desses avanços?

Giovanni Alves – É claro que a voz das ruas exige mais avanços sociais. Não que não tenham ocorrido avanços sociais nos governos do PT. Pelo contrário, o livro “Lula e Dilma – 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil” é a prova irrefutável de que, nos últimos 10 anos de neodesenvolvimentismo, os indicadores sociais melhoraram bastante no país. Neodesenvolvimentismo não é a mesma coisa que neoliberalismo, embora seja também um projeto de desenvolvimento capitalista constrangido pelo bloco histórico neoliberal no plano do mercado mundial. O problema dos avanços sociais necessários para satisfazer as demandas do precariado não se trata meramente de problemas de gestão, mas sim de opções políticas. É preciso alterar a direção política e cultural do neodesenvolvimentismo, promovendo não apenas políticas de crescimento da economia, redução das desigualdades sociais e investimentos nos serviços públicos de qualidade, por exemplo, mas implantando o controle social dos meios de comunicação de massa e promovendo uma reforma política que permita a constituição de uma nova frente política neodesenvolvimentista comprometida com reformas sociais; e num segundo momento, last but not the least, colocar no horizonte estratégico o socialismo como projeto de civilização.

É ilusão acreditar que o capitalismo tenha futuro como modo de civilização. Talvez como modo de produção de riqueza abstrata, principalmente em sua forma fictícia, o sistema capitalista demonstre hoje um notável sucesso. Mas, cada vez mais, o desenvolvimento capitalista implica insatisfação social e carecimento radicais explícitos. Enfim, precarização do trabalho como precarização salarial e precarização existencial. A esquerda social-democrata, incluindo a direção hegemônica do PT, perdeu o horizonte estratégico de crítica do capitalismo. Pelo contrário, o horizonte intelectual-moral de políticos e intelectuais da maioria do PT é tão somente “humanizar” o capitalismo. A crise europeia é a demonstração histórica candente de que o capitalismo é irreformável no sentido de humanizá-lo de forma sustentável, tendo em vista a própria crise estrutural do capital. A revolta do precariado é um sinal das ruas que precisa ser decifrado, não apenas em sua forma contingente, mas também em sua dimensão necessária. Enfim, é importante decifrar o enigma do precariado (este é o título da Parte 3 do meu último livro).

IHU On-Line – Em 2011, comentado os movimentos como Occupy Wall Street (dos EUA) e o 15M (da Espanha), o senhor afirmou que, apesar das manifestações massivas que propõem, eles “são incapazes, em si e por si, de ir além”. Por quê? O senhor mantém a mesma avaliação acerca das manifestações que estão acontecendo no Brasil?

Giovanni Alves – A revolta do precariado como movimento social é incapaz, em si e para si, de ir além da explicitação cotidiana da inquietação social e carecimentos sociais. O problema dos movimentos sociais é a sua pluralidade setorial que tende a promover a dispersão de sua força social e política. A revolta do precariado se manifestou, por exemplo, como Movimento do Passe Livre, explicitando problemas nos transportes públicos no Brasil. Depois foram incluídas outras pautas de insatisfação social – algumas pautas políticas criadas pela imprensa conservadora. Mas, no geral, as demandas sociais inscritas eram difusas. Enfim, os movimentos sociais, como o sindicalismo, tendem a operar com a dialética entre valor e limites. Eles têm um valor – expõem as necessidades sociais e os carecimentos radicais da multidão, do povo e da classe social do proletariado no plano da vida cotidiana, mas possuem limites irremediáveis no sentido da operação política das demandas sociais e seus encaminhamentos no quadro da institucionalidade democrática. Para isso, torna-se fundamental o partido (ou frentes de partidos), operador ontológico da práxis política capaz de dar direção intelectual-moral e política ao movimento social diante do Estado político do capital. Os partidos devem ter uma relação orgânica com os movimentos sociais – evitando instrumentalizá-los – e devem ouvi-los e traduzir em pautas políticas mais gerais no interior da institucionalidade democrática, visando alterá-la, aperfeiçoá-la ou mesmo refundá-la na perspectiva da sociedade autorregulada.

IHU On-Line – Entre os discursos dos manifestantes, há uma crítica a todos os partidos políticos, que é interpretada de diferentes maneiras por eles. Alguns militantes e políticos do PT criticam as manifestações e dizem que elas são um golpe da direita. Outros, por sua vez, utilizam-se de tais manifestações para fazer propaganda política. Que avaliação o senhor faz dessas interpretações, especialmente acerca da posição do PT?

Giovanni Alves – Quem tenta despartidarizar os movimentos sociais e quem identifica neles apenas golpes da direita são aqueles que têm medo da democratização radical da sociedade brasileira. Por um lado, a direita liberal reacionária critica os partidos políticos visando esterilizar o movimento social para torná-lo manipulável tendo em vista os interesses políticos do verdadeiro partido da direita neoliberal no Brasil: os mass media, meios de comunicação de massa, a grande imprensa sob controle da oligarquia liberal; por outro lado, a esquerda social-democrata de cariz burocrático aquartelada hoje, nos governos Lula e Dilma, nas entranhas do poder do Estado político do capital, sente-se inquieta com a insatisfação social e os carecimentos radicais da multidão do precariado vendo nela um “golpe da direita”. Uma parte significativa do PT perdeu a capacidade política de ouvir os movimentos sociais e traduzir em pautas políticas para além da linha de menor esforço da redistribuição de renda no interior da ordem do capital. É claro que a direita oligárquica no Brasil possui uma sanha golpista e procura manipular os movimentos sociais. O espectro do “golpe de direita” sempre ronda governos de esquerda no Brasil – desde Getúlio Vargas em 1951. Mas não atentar-se para o significado radical dos protestos de rua é inadvertidamente colaborar com a estratégia golpista da direita liberal.

Não é à toa que as sociedades capitalistas vivem hoje sob o pêndulo perverso do capital, oscilando entre uma social-democracia medíocre, incapaz de avançar nas reformas sociais necessárias, e uma direita liberal conservadora que, aproveitando-se da mediocridade da social-democracia, ocupa espaços no jogo político, implementando, quando chega ao governo, suas políticas de desastre social. Esta é a verdadeira crise da democracia representativa e seus sistemas políticos esvaziados de sensibilidade social.

IHU On-Line – Diante das manifestações, o governo propõe um plebiscito com perguntas diretas sobre reforma política. Como avalia essa proposta e a condução do governo federal diante das manifestações?

Giovanni Alves – O governo Dilma surpreendeu-se com os movimentos sociais, sendo despertado do “sono dogmático” das políticas redistributivistas focalizadas no subproletariado pobre. Diante da pressão do precariado e suas demandas radicais, a presidente Dilma adotou uma postura progressista: convocar um plebiscito popular visando à reforma política. Como governo social-democrata, apostou-se na linha contingente da contradição social, colocando na pauta política o tema necessário da criação de institucionalidade político-democrática capaz de implementar a mudança do padrão do neodesenvolvimentismo. É a saída progressista possível no interior da ordem democrático-burguesa.

Na verdade, o obstáculo para a satisfação das necessidades sociais e, até, dos carecimentos sociais do precariado é, no plano imediato, um obstáculo político-institucional. A revolta do precariado desvelou uma crise político-institucional no Brasil. As instituições democráticas e suas representações políticas estão aquém das demandas radicais da sociedade brasileira – mas isso obviamente não surgiu com as manifestações do Outono Quente. É importante salientar que o mesmo ocorre também na velha Europa com a crise da democracia representativa burguesa insensível às reivindicações sociais.

Mas com respeito à proposta do plebiscito popular visando à reforma política, existem nuances político-jurídicas decisivas que podem tornar a proposta do governo tão inócua quanto dispersiva. Por ouro lado, a direita liberal está intrigada com o movimento do xadrez político e arma-se para evitar que o povo entre na cena política – e nesse caso, não se trata apenas do precariado. Obviamente vai tentar esvaziar a proposta do plebiscito sobre reforma política, tornado-a inócua, como tentou fazer com os protestos de ruas, manipulando-as apenas para desgastar o governo Dilma. Caso não consiga manipular, procure esvaziar, tornando inócuo; ou então, reprima violentamente – eis a estratégia do partido da direita no Brasil.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Giovanni Alves – Conheçam meu último livro intitulado “Dimensões da precarização do trabalho”. Nele discuto a precarização existencial e o enigma do precariado. Convido também a conhecerem meus projetos de extensão universitária – www.telacritica.org www.projetocinetrabalho.org. Eles representam tentativas de formação da consciência crítica utilizando filmes do cinema mundial e iniciativas de produção audiovisual que buscam dar visibilidade ao mundo do trabalho. Enfim, na era da crise estrutural do capital, a formação de sujeitos conscientes torna-se uma tarefa política radical indispensável e urgente.

Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

(Por Patricia Fachin – 02 Julho de 2013)

 

Haddad precisa representar mais que o seu partido, diz Marcos Nobre

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Filósofo diz que único caminho para o ex-prefeito é abrir mão do protagonismo petista e atrair adversários para seu governo

Patrícia Campos Mello

Marco Rodrigo Almeida

Folha de São Paulo – 15 de outubro de 2018

SÃO PAULO

Há apenas um caminho para Fernando Haddad (PT) conseguir o feito improvável de derrotar Jair Bolsonaro (PSL) na eleição: mostrar que ele, Haddad, não é o candidato do PT, mas sim o de uma frente democrática.

Palavras, porém, não bastarão para convencer o eleitor e possíveis aliados de que o governo dele seria radicalmente diferente de qualquer governo anterior do PT: o partido terá de ceder poder e fazer gestos concretos, adverte o professor de filosofia da Unicamp Marcos Nobre.

Na avaliação de Nobre, o primeiro passo de Haddad deveria ser abrir mão de se candidatar à reeleição, caso eleito, e afirmar que Ciro Gomes (PDT) será o candidato dessa frente democrática em 2022.

O segundo passo seria incorporar pontos do programa de outros candidatos, de forma unilateral, sem exigir apoio em troca. Isso valeria para qualquer legenda que não tenha anunciado apoio a Bolsonaro, como a Rede de Marina Silva e o PSDB.

O PT também deveria renunciar a uma candidatura à presidência da Câmara, embora tenha a maior bancada, e integrar a sua campanha nomes como Nelson Jobim, para a pasta da Segurança, Joaquim Barbosa, sinalizando um compromisso com o combate à corrupção, e Marina no Meio Ambiente.

“Se quiser ser o candidato do PT, Haddad vai perder, e o peso de uma possível regressão autoritária ficará sobre as costas do PT; o partido tem uma tarefa histórica e, se jogar fora essa chance, as pessoas vão perguntar: por que então não deixaram o Ciro? ”

O senhor falou em artigo recente que, mais uma vez, o PT tem uma chance de renascimento. Qual seria o caminho para o candidato Haddad vencer as eleições, com essa vantagem tão grande para Bolsonaro?

Se quiser ganhar, Haddad tem que ser o candidato de uma frente de defesa das instituições democráticas. Se quiser ser o candidato do PT, vai perder. E o peso de uma possível regressão autoritária vai cair sobre as costas do PT.

E como construir essa frente? 

Haddad deveria sinalizar claramente para o eleitorado que o governo dele será radicalmente diferente de qualquer governo anterior do PT.

A primeira coisa é chamar Ciro Gomes e dizer: “Eu abro mão de me candidatar à reeleição se for eleito e acho que nessa frente que montamos Ciro deveria ser nosso candidato em 2022”. Com isso, afasta-se o medo que as pessoas têm de que o PT vai se perpetuar no poder.

A segunda coisa é tomar pontos programáticos não só dos partidos que apoiarão Haddad, como PSOL, PDT e PSB, mas também tomar de outras candidaturas, de maneira unilateral, sem ter o apoio deles. De todas as forças políticas que disseram que não votam no Bolsonaro, ele tomaria unilateralmente os pontos do programa , sem negociar, sinalizando: “eu quero você dentro do meu governo”.

Poderia adotar, por exemplo, a agenda ambiental de Marina Silva, a proposta de Alckmin de criação de uma força de segurança nacional. Precisa abrir espaço para que Marina e Ciro participem. Deveria chamar uma figura como Joaquim Barbosa para representar, dentro do governo, o combate à corrupção. Chamar Nelson Jobim para ser responsável pela segurança pública.

Haddad precisa fazer movimentos nesse sentido. Se não fizer, não estará querendo de fato ampliar a sua base, não mostrará empenho em fazer um governo diferente.

É um desafio histórico, uma oportunidade de refundação. Para sair das cordas, o PT precisa de ajuda. E o PT pedindo ajuda, precisa também distribuir poder, de verdade.

Mas lideranças como Ciro, Marina e Fernando Henrique Cardoso têm se mostrado resistentes a um apoio aberto a Haddad…

O que acabei de dizer significa fazer gestos concretos na direção dessas pessoas. Não é apenas, “eu quero conversar com você”. Palavras não bastam.

São gestos concretos para se formar uma frente. Uma frente não se forma apenas porque do outro lado há um risco à democracia. “És responsável pelo segundo turno que conquistas” —o “Pequeno Príncipe” aplicado à política.

Não pode simplesmente dizer, “perdemos”. Pode perder, evidentemente, mas tem que de fato tentar.

Pelo que conhecemos do DNA do PT, vê alguma chance de isso realmente acontecer?

Quando se tem uma tarefa histórica na sua frente, as pessoas e as instituições mudam. A situação é completamente diferente da de qualquer outra eleição. Se Haddad jogar essa chance fora, carregará esse peso. Vão perguntar: “por que, então, não deixou o Ciro ir?”.

Então Haddad deveria dizer ao eleitor: “Eu proponho essa frente e quero te convencer de que esse governo será muito diferente de todos os outros, que o PT não terá o protagonismo que teve nos governos anteriores. Então quero que seu voto, que hoje é de Bolsonaro, venha para mim. Mas se isso for impossível para você, se sua ojeriza ao PT é superior a qualquer outro sentimento, então, por favor, não vote em Bolsonaro”. Isso ele poderia dizer ao eleitor do PSDB.

Se FHC se mantiver neutro, isso mancha a biografia dele?

Se queremos formar uma frente que tenha por princípio aceitar toda e qualquer pessoa que defenda as instituições democráticas, não pode ter pedágio. O primeiro pedágio é começar a acusar as pessoas.

A formação dessa frente é uma dança, e cabe a Haddad dar o primeiro passo. São vários passos simultâneos.

Por enquanto, parece que a abordagem do PT tem um pedágio, usa a mensagem de “ou você nos apoia, ou apoia o fascismo”…

Também não digo que essa seja a abordagem do PT. Não quero botar pedágio nem de um lado, nem do outro. Cabe a Haddad, não ao PT, dar o primeiro passo.

Isso são sinais para o eleitorado, as pessoas têm que perceber isso. Haddad tem que dizer: “Há duas possibilidades. Eu proponho que esse sistema funcione de maneira diferente. Meu adversário quer que esse sistema seja destruído. Isso é que está em jogo”.

O senhor sente um movimento de setores da sociedade e da imprensa para normalizar Bolsonaro, ou existe de fato um exagero nessa ideia de que ele fará um governo autoritário?

A normalização está sendo feita há muito pela mídia tradicional e pelo mercado. No momento em que ficou claro que as forças anti-PT e antissistema confluíram para a candidatura dele, passaram a tentar civilizar Bolsonaro.

Mas Bolsonaro já deixou absolutamente claro que é incivilizável. Há uma ilusão da elite pensante de que é um candidato controlável. Pergunto: se o New York Times fosse um jornal brasileiro, o que teria feito com Bolsonaro?

Bom, mas existe a discussão sobre o posicionamento do NYT em relação a Trump, que seria panfletário e enviesado, em comparação, por exemplo, com o Washington Post, que adotaria postura crítica, mas com maior distanciamento…  

O NYT tomou uma decisão: Trump não é um candidato normal, as instituições estão em risco, e nesse momento as regras mudam. O WP resolveu tratar Trump como um candidato normal. A imprensa brasileira foi WP, não o NYT. Acho a posição do WP equivocada.

E não estou aqui comparando Trump a Bolsonaro. São incomparáveis. Um dos movimentos mais fortes de normalização de Bolsonaro é compará-lo a Trump.

Nunca houve uma ditadura militar nos EUA. Nunca o cara que ganhou uma eleição nos EUA apoiou uma ditadura militar. As instituições americanas têm uma solidez que aguenta o Trump. Imagine um presidente autoritário no Brasil, com instituições em colapso, como são as nossas? Não há instituição democrática que aguente Jair Bolsonaro.

O fato de o PSL, o partido de Bolsonaro, ter feito a segunda maior bancada da Câmara, e que provavelmente será engordada com deputados de partidos nanicos que devem migrar para ele, isso não significa que haverá governabilidade?

O partido com a maior bancada, o PT, tem apenas 11% da Câmara. A fragmentação é gigantesca. Você precisa ter uma capacidade de articulação, de reorganização do sistema, que o Bolsonaro não tem. A única resposta que poderá dar é truculência. Ele não tem equipe, nenhum requisito para reorganizar o sistema. Reorganizar o sistema não tem nada a ver com ter maioria parlamentar.

O risco de que o sistema político não consiga se reorganizar é muito alto. E, se não se reorganizar, a hipótese de um golpe volta à mesa.

Quando o senhor menciona a possibilidade de golpe, estamos falando de um golpe clássico ou algo mais insidioso, os golpes graduais, em sistemas com eleições, que vêm ocorrendo em países como Turquia e Venezuela?

Seria uma mistura de Filipinas com Turquia. Nas Filipinas, virou uma coisa do tipo: você tem algum problema para resolver com seu vizinho, com lideranças indígenas, pode resolver que o Estado não vai mais arbitrar. O Estado deixa de arbitrar conflitos violentos na sociedade.

O senhor vê isso como uma possibilidade no Brasil?

Isso já está acontecendo e vai piorar. Se Bolsonaro tivesse alguma responsabilidade, iria para a TV e diria para essas pessoas: parem. Só que ele tem um problema. Se disser para essas pessoas pararem, está aceitando que é responsável por essa violência. Então temos um impasse. Esse é o lado Filipinas. O outro lado é o de estrangular as liberdades, como é no caso da Turquia.

Como sabemos, a mídia tradicional está em crise profunda. Caso ele ganhe, teremos um presidente com tendências claramente autoritárias num momento em que a imprensa está com dificuldades enormes. Então é a receita para ter restrição, para o governo ir para cima da imprensa.

Você elege seus próprios canais oficiais, segue com campanha em redes sociais, em que não há nenhum controle, e diz : “não acredite em nada que a mídia tradicional diga”.

RAIO-X

Marcos Nobre, 53, é professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do Cebrap. É mestre e doutor em filosofia pela USP. Escreveu os livros “Imobilismo em Movimento” (Companhia das Letras, 2013) e “Como Nasce o Novo” (Todavia, 2018)

 

O mal-estar docente e a educação na sociedade do conhecimento

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Vivemos numa sociedade marcada por inúmeras transformações conjunturais e estruturais, a tecnologia vem destruindo as bases da sociedade industrial e construindo uma nova sociedade, os relacionamentos estão sendo repensados, a economia está alterando seus paradigmas, a produção de riqueza está passando por mudanças, as famílias estão em constantes modificações depois de séculos de modelos centrados no paternalismo e na figura do homem como agente central, a educação se modifica e os professores, mesmo ganhando um novo status nesta nova sociedade, se encontram marcado por novos traumas e desafios transformadores, o sonho de reflexão crítica e construtiva vem sendo repensado pelas novas forças que comandam a sociedade de consumo, as forças do capital, da acumulação e do poder financeiro.

Despois de séculos vendo a educação ser tutelada por interesses políticos mesquinhos e imediatos, inicialmente centrados nos poderes da religião e de um Deus materializado, marcados pela força de uma Igreja retrógrada e interessada nos recursos financeiros destinados pelos nobres e imperadores, a educação passa a ser utilizada como forma de construção de uma força de trabalho especializada, onde os indivíduos são reduzidos apenas a uma formação mercantil, se contentando com um aprendizado técnico e medíocre, baseado na reprodução dos lucros e interesses das camadas mais aquinhoadas da sociedade, os capitalistas.

Este modelo educacional contribuiu decisivamente para o fortalecimento e consolidação do capitalismo industrial, auxiliou no crescimento das cidades e melhorou as condições sociais da sociedade, desenvolvendo a ciência e construindo a figura dos pesquisadores, dos cientistas e da união entre o capital e a ciência, união esta fundamental para a descoberta de novas tecnologias, remédios e produtos de grande relevância para os indivíduos.

As mudanças no capitalismo contemporâneo, de bases industriais para uma sociedade centrada no conhecimento e na informação, gerou grandes indagações e preocupações, nesta nova sociedade o conhecimento se transformou no ativo central para os indivíduos e para as nações, obrigando as empresas e os governos a investirem mais recursos na capacitação e qualificação dos trabalhadores, sem estes investimentos os países tendem a perder espaço nesta nova sociedade.

A nova sociedade exige novos trabalhadores, mais rápidos e flexíveis, dotados de uma grande capacidade de aprender, de buscar novas informações, de empreender e de criar, gerando novos negócios e empreendimentos, estas habilidades exigem dos novos trabalhadores uma formação diversificada, estudar uma área específica e depois buscar conhecimentos em outras áreas é essencial, com tudo isto, o papel do professor passa a ser, cada vez mais estratégico, na sociedade do conhecimento o professor se torna um ativo fundamental, cabe a ele estimular os alunos a busca constante dos conhecimentos, cabe a ele a busca constante por qualificações, cursos e aprendizados, exigindo uma boa remuneração e uma boa dose de amor e dedicação.

Depois de mais de duas décadas participando ativamente da educação superior, como professor e pesquisador, algumas informações relevantes conseguimos angariar, a educação apesar de fundamental para o futuro da sociedade, os brasileiros ainda não perceberam o senso de urgência de investir nesta área estratégica para o mundo contemporâneo, inúmeros são os desafios, desde uma péssima qualificação dos professores e coordenadores, passando por salários baixos e cargas de trabalho extenuantes e desgastantes, até cobranças excessivas e desmotivadoras, o cérebro da revolução do século XXI, os professores, estão em grave crise de identidade afetando, com isso, as escolhas e os projetos do país na sociedade do conhecimento.

Enquanto o tema educação é discutido exaustivamente nas campanhas eleitorais em países desenvolvidos e civilizados, já que são discussões estratégicas para a sociedade contemporânea, no Brasil as discussões giram em torno de questões pouco importantes e desnecessárias, tais como as discussões de gênero, liberalização do porte de armas e  redução da maioridade penal, discussões também importantes, mas que devem ser feitas em contextos específicos e engajar os vários grupos sociais, sem ressentimentos e rancores políticos e ideológicos.

O professor no Brasil contemporâneo perdeu status e relevância social, antigamente os filhos das classes médias eram recrutados para a tarefa de ser professor, os salários eram atrativos e os estudos eram estimulantes e extenuantes, obrigando-os a uma constante dedicação e disciplina, pessoas com base cultural oriundas de setores culturalmente mais sólidos abraçavam a docência com esmero e com sentimentos nobres, vendo-a como um eixo fundamental para a consolidação das futuras gerações, atualmente a docência atrai apenas os grupos sociais menos dotados de conhecimento e estrutura cultural, o salário é baixo e a carga horária excessiva, além de todos estes percalços, os professores do Brasil contemporâneo ainda precisam fazer uma gama variada de serviços, desde trabalho não remunerado de secretaria, passando por atendimentos psicológicos e emocionais e ainda mediação de conflitos entre famílias desequilibradas e desajustadas e professores despreparados e desanimados, um verdadeiro universo que consome uma parte considerável de seu tempo e energias, levando-os a dedicar uma pequena parte de seu tempo para seus filhos e familiares e, com isso, vendo sua família corroída por desequilíbrios e desajustes modernos e variados.

Os baixos rendimentos obrigam os professores a se desdobrar em várias escolas, obrigando-os a perder uma parcela de seu tempo se locomovendo de uma instituição para outra, muitos saem de casa ao amanhecer e voltam no final do dia, levando-os a perder um período importante do tempo com seus familiares e amigos próximos, aumentando as dores emocionais e os medos contemporâneos.

A busca constante por qualificação os obriga a cursos variados, especializações, MBAs, mestrados e doutorados, as instituições querem os profissionais prontos e dedicados, capacitados para as atividades docentes, serenos e dedicados aos alunos  e abertos ao conhecimento, as exigências são imensas e variadas, querem muito e não estão interessados em pagar os salários que estes profissionais merecem, muitos deles deixam de fazer mestrados e doutorados por medo de serem desligados destas instituições que usam como critérios apenas valores monetários e deixam de lado a contribuição destes profissionais para a formação dos alunos e o nome da instituição.

Os alunos entram nas faculdades e universidades deslumbrados, muitos acreditam que só de adquirir um diploma de nível superior seu emprego estará garantido e seus problemas profissionais e financeiros estarão resolvidos, são alienados e despreparados para a vida, querem estudar, mas não muito, querem se divertir e muito, querem um emprego que pague bem e traga reconhecimento e não querem desembolsar uma mensalidade alta, obrigando as instituições a buscar, sem encontrar, o equilíbrio entre educação de qualidade e mensalidades baixos, mais uma dos trabalhadores e estudantes brasileiros que adoram cultuar a cultura do auto engano, somos campeões mundiais do jeitinho, acreditamos efetivamente que estamos a enganar os outros e demoramos muito para perceber, que os verdadeiros enganados somos sempre nós.

Recebemos alunos que terminaram o ensino médio em péssimas condições acadêmicas, a educação pública se encontra deteriorada, os conhecimentos são frágeis e a bagagem educacional é cada vez mais deficitária, com isso, percebemos que as faculdades e universidades particulares acrescentam pouco a este público mas, mesmo assim, conseguem agregar algum conhecimento a estes estudantes, tendo um papel social bastante considerável, embora sejam sempre contestadas e chamadas de fábrica de diplomas, o maior gargalo do ensino brasileiro está no início, nos ensinos médio e fundamental, estes setores recebem os menores investimentos do Estado e contribuem para a perpetuação do péssimo ensino que temos no Brasil, ensino este que nos condena a uma posição de pouca relevância da sociedade do século XXI.

O ambiente de  trabalho é marcado, na maioria das vezes, por uma competição exacerbada, aplaudimos em grupos de whatsApp as conquistas de outros profissionais mas, na maior parte das vezes, estamos nos remoendo de inveja e de ressentimentos, somos pouco afeitos as publicações científicas, escrevemos pouco ou quase nenhum artigo científico, participamos marginalmente de debates, projetos acadêmicos, iniciação científica e conversas mais estruturadas, gostamos mesmo é de conversar sobre motivos fúteis e pouco edificantes, principalmente quando falamos de futebol e política, onde todos são corruptos e despreparados,  criticamos a tudo e a todos e pouco falamos sobre nossa tendência a acomodação e a inércia destrutiva.

Vivemos em uma equação difícil de equilibrar, precisamos de alunos e precisamos tratá-los da melhor maneira possível, perdê-los pode nos levar ao desemprego e a redução de nossos rendimentos, levando-nos a uma condição de subalternidade aos nossos clientes, este é o novo status que os alunos conseguem nas escolas, o mérito e a eficiência acadêmica e a capacidade empreendedora  é deixada de lado e somos condenados a uma mediocridade cada vez maior e mais estruturada.

O Mal-estar docente é crescente, a remuneração cai consideravelmente, as perspectivas são desanimadoras, o crescimento do ensino a distância gera medo e preocupação, as regras ditadas pelo capital são alteradas todos os dias, o que valia ontem não mais é interessante, o Ministério da Educação (MEC) se exime das responsabilidade fiscalizadores e reguladoras e entrega seu poder para os grandes grupos privados, nacionais e estrangeiros, que crescem aceleradamente e dominam a educação brasileira, seu enfoque é o lucro imediato e suas preocupações estão limitadas aos seus ganhos financeiros e ao preço de suas ações negociadas nas Bolsas de Valores nacionais ou internacionais, mais uma vez estamos condenados a um futuro nebuloso, a educação vista como a solução dos graves problemas nacionais se transformou em uma grande fonte de ganhos, de lucro e de acumulação.

Diante deste ambiente degradado, o mal-estar docente do século XXI cresce de forma acelerado, percebemos uma classe cada vez mais desmotivadas e desanimada, trabalhasse cada vez mais e ganhasse cada vez menos, as exigências denigrem as atividades docentes e fazem com que os melhores alunos e melhores profissionais busquem novas ocupações, antigamente os melhores eram assediados e contratados pelo mercado financeiro, que os atraia com salários vultosos e condições de trabalho interessantes, na atualidade os melhores buscam inovar e construir suas próprias empresas, com isso as startups crescem de forma generalizada e ganham, cada vez mais, espaço na sociedade.

O Brasil precisa definir o que quer ser quando crescer, se pretende continuar como um país produtor de produtos primários de baixo valor agregado ou se pretende dar passos mais consistentes, a sociedade do conhecimento exige uma centralidade maior da educação, os modelos tradicionais centrados na robotização dos trabalhadores e na ausência de pensamento crítico perdeu relevância, a educação do século XXI exige um profissional mais dinâmico e empreendedor, dotado de rápido raciocínio e reflexão, os modelos tradicionais não mais respondem de forma assertiva estes desafios, a construção deste novo modelo será um dos maiores desafios na atualidade, sem este estaremos condenados a uma vida centrada na subalternidade e na mediocridade, onde a desigualdade tende a aumentar de forma exponencial e acelerada.

O professor pede socorro, a educação brasileira pede socorro, os modelos criados e mantidos pela sociedade perpetuam uma marginalidade crescente e uma desigualdade que coloca em xeque a profissão docente e a educação para o século XXI, estas indagações devem ser feitas e são salutares mas, é fundamental que, mesmo sabendo que os custos educacionais são altos e os resultados são demorados, faz-se importante entender e refletir, como disse o presidente da Universidade de Harvard, Derek Bok: “Se você acha a educação cara, experimente a ignorância”

 

 

 

 

 

 

Destravar a economia do conhecimento – Ricardo Abramovay

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A inovação tecnológica atual, longe de ampliar as oportunidades criativas das pessoas, tornou-se vetor de redução de salários e de concentração de riqueza

Sem aumento na produtividade do trabalho não há como compatibilizar o tamanho do sistema econômico com a preservação e a regeneração dos serviços ecossistêmicos dos quais todos dependemos. O problema é que, nos países que lideram as mais importantes inovações tecnológicas atuais, a produtividade do trabalho está praticamente estagnada. Entre o início dos anos 1990 e 2005 ela cresceu 2,4% ao ano, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Na década seguinte, porém esta taxa caiu a 0,5%.

A recuperação econômica global da crise de 2008 é marcada por aumento dos empregos, mas por queda na produtividade, como mostra um trabalho recente da consultoria global McKinsey. Claro que ampliar os empregos é positivo. Esse aumento, porém, concentra-se hoje em ocupações com remuneração minguada e imensa distância entre as práticas produtivas dominantes e a economia do conhecimento.

As sociedades contemporâneas vivem uma espécie de dualização da vida econômica, em que um punhado de empresas (e de empregos) surfa na onda do que o Fórum Econômico Mundial chama de 4ª Revolução Industrial, enquanto a esmagadora maioria nem chega perto dessas inovações.

Essa é uma das mais preocupantes consequências dos rumos tomados pela atual economia do conhecimento. É verdade que cada um de nós tem um conjunto imenso e crescente de dispositivos digitais que fazem parte de nossas vidas, de nossas relações sociais, de nosso corpo e cada vez mais de nossa própria identidade. Mas esta difusão massiva é paradoxalmente concentrada quando se examina a oferta de bens e serviços e os mercados de trabalho.

A inovação tecnológica atual, longe de ampliar as oportunidades criativas das pessoas, tornou-se vetor de redução de salários e de concentração de riqueza. Pelos cálculos da McKinsey, na Europa Ocidental, somente 12% dos potenciais da revolução digital atingem a vida econômica. Nos Estados Unidos, a proporção é um pouco maior: 18%.

Roberto Mangabeira Unger, em livro a ser lançado ano que vem (e do qual uma primeira versão encontra-se disponível na internet), resume a questão: a economia do conhecimento, mesmo nas sociedades mais ricas e educadas tornou-se um arquipélago de ilhas alheias ao teor principal da vida econômica que as cerca.

Essa é a razão principal que explica a conversão da renda básica de cidadania em verdadeiro mantra do Vale do Silício: as oportunidades de participar da criação da imensa riqueza do mundo atual se reduzem e isso deveria ser compensado por meios institucionais que garantissem a todos, ao menos, sua sobrevivência.

Mangabeira Unger não se opõe, claro, a mecanismos de proteção dos mais pobres. O que ele critica é a ideia de que a concentração de renda, de poder e de oportunidades seja uma consequência natural das próprias tecnologias digitais.

Na verdade, a internet tende a suprimir aquilo que os economistas costumam enxergar como o inevitável trade-off entre equidade e eficiência. Ela abre o caminho para que meios técnicos radicalmente descentralizados, poderosos e operando em rede ofereçam possibilidades inéditas de invenção e criação de bens e serviços. Mas estas possibilidades só se realizarão se forem corrigidos os rumos atuais da economia do conhecimento.

Nosso desafio não está em remediar ex-post os produtos de uma estrutura econômica que reduz as chances de os indivíduos participarem de atividades criativas e socialmente úteis. O desafio maior está em fazer do combate às desigualdades o vetor fundamental para que as bases sociais da inovação se ampliem e, por aí, para que o sentido do crescimento econômico (e, em última análise, do próprio trabalho) se altere.

A ideia de que o trabalho é um fardo do qual nos emanciparemos tão logo a abundância o permita tem tanto em Marx como em Keynes alguns de seus principais defensores. Mas a economia do conhecimento abre a possibilidade, inédita, de que se estabeleça um vínculo orgânico entre a produção de riqueza e sua distribuição, que no capitalismo tipicamente industrial era inconcebível.

Esse vínculo apoia-se no que Mangabeira Unger chama de “vanguardismo inclusivo”, em que as mais avançadas tecnologias possam servir não apenas para ampliar a oferta de bens e serviços, mas sobretudo para converter em protagonistas a esmagadora maioria dos atores econômicos, as micro, pequenas e médias empresas e os próprios indivíduos.

Combater as desigualdades não é apenas um imperativo ético em torno de valores centrais como a liberdade, a autonomia e a dignidade humana. Este combate é também o meio mais promissor de estimular a inovação e colocar a economia do conhecimento a serviço do desenvolvimento sustentável.

Página 22 – 11 de outubro de 2018