O Império dos monopólios – Joseph Stiglitz

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“Setor após setor, assistimos a um crescimento da concentração de mercado; setor após setor, assistimos a um crescimento da margem de lucro bruta (a diferença entre preços e custos de produção). Não só aumentou o poder de mercado das empresas, mas também diminuiu o poder de mercado dos trabalhadores.”

A opinião é do economista estadunidense  Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia de 2001 e professor da Columbia University.

O artigo foi publicado por La Repubblica, 22-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Muitos países avançados estão lidando com uma síndrome que parece sugerir uma “economia doente”: desigualdade elevada, baixo crescimento, investimentos escassos, crescimento da produtividade atrofiado. É desconcertante a fraqueza dos investimentos, considerando-se os lucros elevados e o baixo nível das taxas de juros. É um quebra-cabeças particular aquilo que está acontecendo nos Estados Unidos: teoricamente, são o país mais inovador do mundo, mas os dados indicam um crescimento medíocre da produtividade e um ritmo baixo de criação de novas empresas.

Há também outros enigmas: enquanto, historicamente, os salários aumentaram paralelamente à produtividade, nos últimos anos a conexão entre os dois indicadores implodiu, com salários parados, apesar do crescimento da produtividade.

Estudos recentes sugerem uma resposta simples: a crescente concentração do poder de mercado. O poder de mercado leva a lucros elevados, mas as empresas monopolistas estão conscientes de que, ao investirem para expandir a produção, fariam cair os preços dos seus produtos e, assim, limitam os investimentos, apesar dos lucros recorde e das taxas de juros baixas.

Esses monopolistas fazem todo o possível – e conseguem – para criar barreiras na entrada, a fim de manter estáveis os seus lucros: daí o baixo nível de novas empresas. Por fim, com a propriedade concentrada nas mãos dos ricos, o aumento dos lucros monopolistas se traduz em uma maior desigualdade.

Essa visão é suportada por uma grande quantidade de dados: setor após setor, assistimos a um crescimento da concentração de mercado; setor após setor, assistimos a um crescimento da margem de lucro bruta (a diferença entre preços e custos de produção).

Não só aumentou o poder de mercado das empresas, mas também diminuiu o poder de mercado dos trabalhadores. Por causa do declínio dos sindicatos, de uma mudança na estrutura da contratação, da normativa sobre o trabalho e da interpretação que lhe é dada pelos tribunais e da globalização. As empresas podem ameaçar os trabalhadores que não aceitam um corte nos salários ou nas indenizações por transferir a produção para outro lugar, com os acordos bilaterais sobre os investimentos que garantem direitos de propriedade mais seguros no exterior do que na pátria.

Com efeito, basta dar uma olhada nos dados para ver que não é apenas a cota do trabalho que recua (especialmente se excluirmos da conta o 1% mais rico), mas também a do capital. A única que cresce é a cota das rendas, que inclui não apenas as rendas monopolistas, mas também as associadas à propriedade intelectual e aos imóveis.

Um modelo de economia em que as rendas desempenham um papel central se afasta do modelo de economia competitiva ilustrado nos manuais, e são diversas as implicações políticas. Pensem no impacto de um aumento do imposto sobre o lucro das empresas. No modelo do manual, a preocupação é que tal incremento possa desencorajar os investimentos, prejudicando a produtividade e os salários.

No novo “modelo”, o incremento da alíquota afeta os lucros monopolistas e outras rendas. A alíquota mais alta pode até desencorajar a busca de renda, levando a um aumento da eficiência. Além disso, com uma diminuição do valor capitalizado dos lucros monopolistas líquidos e de outras rendas, haverá um aumento dos investimentos reais, já que, antes, lucros e rendas anteriores “expulsavam” os investimentos produtivos.

Os efeitos também são sentidos do lado da demanda: com o dinheiro se deslocando para a cúpula da pirâmide econômica e com uma redução do dinheiro destinado aos consumos, a demanda agregada enfraquece. E a fraqueza da demanda desencoraja os investimentos, inclusive aqueles em pesquisa e desenvolvimento. Põe-se em movimento um círculo vicioso.

Tudo isso está ligado ao debate sobre reforma tributária, nos Estados Unidos, mas não só. Se essa nova teoria estiver correta, as propostas de Trump, centradas em uma redução do imposto sobre os lucros empresariais, se adotadas, acabariam por frear o crescimento e aumentar a desigualdade. Um pequeno país poderia esperar atrair investimentos às custas de outros países, reduzindo os impostos (a clássica corrida ladeira abaixo), mas, para os Estados Unidos, as margens são limitadas. Ou, melhor, com o sistema territorial, pelo qual a produção realizada fora não é taxada pelo governo estadunidense, a “reforma” tributária encoraja as empresas a localizarem a produção no exterior.

Um governo normal não proporia aumentar os impostos para a classe média para financiar uma redução dos impostos para as grandes empresas, especialmente em uma época em que o crescimento da desigualdade é um problema central. Mas estes não são tempos normais, e Trump não é um presidente normal.

Há outro círculo vicioso: a desigualdade econômica determina uma desigualdade política, especialmente nos Estados Unidos, onde a Suprema Corte removeu as barreiras democráticas à influência do capital na política. Os ricos veem o mundo através de uma lente particular. Controlam grande parte da mídia e usam o poder de infectar a visão geral da situação.

Em suma, a mídia e os políticos de direita vão propagandear as reformas fiscais sob a bandeira da trickle-down economics, um reavivamento das teorias econômicas reaganiano-thatcherianas, já desacreditadas. Essas políticas não produziram uma aceleração do crescimento, ao contrário. A trickle-down economics não funcionou: a renda dos 90% mais pobres da população permaneceu parada lá embaixo, só os muito ricos se beneficiaram com ela.

Mas 2017 é diferente de 1980: agora, temos uma sociedade mais desigual e uma economia menos competitiva. Os cortes de impostos de Trump em favor de bilionários e de grandes empresas serão piores do que os de Reagan: o orçamento do Estado sofrerá uma queda mais pesada do que Trump admite, o crescimento a longo prazo será comprometido, e o problema central da sociedade, a desigualdade, vai se agravar ainda mais.

 

Há emprego que não vale a pena salvar, diz historiador Yuval Harari

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Para autor de “Sapiens”, certas funções não devem ser preservadas com a automação.

Francesco Marconi – Folha de São Paulo, 08/10/2018

NOVA YORK

A ficção científica está repleta de histórias sobre uma inteligência artificial que desenvolve consciência e parte para a destruição da humanidade.

Na verdade, a ameaça é muito menos dramática, mas igualmente assustadora, de acordo com o historiador Yuval Noah Harari, que prevê desordenamento na força de trabalho, nos governos mundiais e na nossa vida emocional.

Harari criou uma base mundial de fãs com “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, em 2001. O best-seller questionava a interpretação convencional sobre a origem das espécies.

Em 2017 ele seguiu esse trabalho como “Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã”.

Em “21 lessons for the 21 st Century” (21 lições para o século 21), publicado em setembro, o pesquisador israelense oferece conselhos sobre como enfrentar as questões mais prementes do amanhã, da tecnologia da informação ao terrorismo.

Harari, 43, fala sobre quem deve sair ganhando e quem deve sair perdendo com a revolução da automação sobre como a inteligência artificial poderia ajudar ditaduras a superar as democracias e sobre a ascensão de máquinas que demonstrarão mais simpatia do que os seres humanos.

Não valerá a pena salvar a maioria dos empregos

“A revolução da automação fará com que muitos empregos desapareçam. A questão é se poderemos sustentar as vidas das pessoas e seu desenvolvimento espiritual e emocional sem esses empregos.
Muitos empregos —talvez até a maioria— que existem hoje não merecem ser defendidos.

O que precisamos proteger são os humanos.

No sistema político e econômico atual, se você quer que suas necessidades básicas sejam atendidas e, para muitas pessoas, se você deseja que sua vida tenha significado e propósito, é preciso ter um emprego.

Se fôssemos capazes de atingir esses outros objetivos sem um emprego, então seria desnecessário proteger muitos dos empregos existentes. Muitos empregos são difíceis demais, tediosos demais, insatisfatórios demais.

As pessoas os têm porque precisam, não porque seu sonho seja realmente trabalhar como caixa ou dirigir caminhões.

Se você puder ser libertado dessas horas de trabalho, talvez seja capaz de desenvolver seu potencial humano de maneira muito mais plena. Nesse sentido, você estará se tornando mais humano.”

A automação pode aumentar a desigualdade mundial

“As pessoas que falam em renda básica universal em geral querem dizer renda básica nacional. Acreditam que tributaremos o Google e o Facebook na Califórnia para sustentar mineiros de carvão na Pensilvânia e taxistas desempregados em Nova York.

O problema verdadeiramente grande surgirá em lugares como Honduras ou Bangladesh. Você realmente acredita que o governo tributará as empresas e usará o dinheiro para desempregados em Bangladesh ou Honduras?

Parece muito, muito improvável. E esse é o verdadeiro problema do desemprego. A revolução da automação tende a enriquecer algumas áreas e a destruir completamente a economias de outras.”

A inteligência artificial centralizará o poder

“A democracia processa informação de maneira distribuída. Distribui informações e o poder de tomar decisões a muitas instituições, organizações e indivíduos. Ditaduras concentram toda a informação e poder em um só lugar.

Dada a tecnologia do século 20, isso era muito ineficiente. Ninguém era capaz de processar as informações em velocidade suficiente para a tomada de boas decisões, e essa é uma das principais razões para que a economia da União Soviética em geral fosse muito inferior à dos Estados Unidos.

A inteligência artificial e o aprendizado de máquina podem conduzir o pêndulo na direção dos sistemas centralizados. Pense na revolução da genética. Os EUA talvez não sejam autorizados a criar um banco de dados médicos com informações sobre todos os seus cidadãos, por razões de privacidade e direitos humanos.

Não seria um empecilho para a China, que pode criar um banco de dados genético nacional e incluir nele todos os seus registros médicos, educacionais e tudo mais sobre o povo do país. Isso poderia permitir grandes avanços na pesquisa genética.”

Nós nos adaptaremos a robôs simpáticos

“Quando você entra em um consultório, o médico não sabe como você se sente. Ele talvez tenha acabado de brigar com sua mulher e não esteja nem aí para você.

Mas o médico de inteligência artificial monitorará o paciente por meio de sensores biométricos e saberá melhor até do que a pessoa se ela está incomodada, com medo ou irritada.

O computador não tem mulher ou marido. Seu foco é dirigido 100% ao paciente, e o computador reage a este da melhor maneira possível, ou ao menos da melhor maneira que as teorias científicas atuais apontam.

Nós nos acostumaremos a essas máquinas maravilhosamente simpáticas. Nós nos tornaremos muito menos tolerantes com os seres humanos que não compreendem como nos sentimos —e tampouco ligam para nós.”

A vigilância não será completamente ruim

“Um cenário é que sensores biométricos de inteligência artificial sejam usados para vigiar as pessoas e serviço do governo e que o governo monitore aquilo que você pensa, faz e sente e o puna ou restrinja por qualquer coisa que contrarie a política ou as metas do governo.

A mesma tecnologia poderia ser usada para vigiar o governo em seu serviço às pessoas, para garantir que todos os funcionários públicos estejam fazendo o que deveriam.

Você poderia vigiar a você mesmo, em seu próprio benefício. Todas as informações e compreensão sobre o que acontece dentro de você, em seu cérebro, poderiam ser usadas para permitir que você conhecesse suas fraquezas de uma maneira que não era possível no passado.”

Traduzido por Paulo Migliacci

 

Eleições 2018: Intolerância, xenofobia e sectarismo

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Estamos saindo de uma eleição presidencial marcada por muitos extremos, conflitos e desentendimentos, desde a democratização nunca tivemos uma eleição presidencial marcada por tantos contrastes, confrontos aberto e intolerância, onde a violência se transformou em regra e a civilidade foi deixada de lado, estamos num momento de grandes descobertas e transformações, nossas decisões atuais nos ajudarão na construção de um país melhor, mais justo e inclusivo ou, regredimos de forma acelerada para a barbárie, onde o confronto se generaliza e os fins passam a justificar os meios.

Depois de sete eleições presidenciais, sendo que a maioria delas foi marcada por conflitos ideológicos e políticos entre dois partidos e visões diferentes de país, onde o Partido dos Trabalhadores (PT) foi vitorioso em quatro e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) saiu vencedor em outras duas, o confronto deste segundo turno mudou, sai da disputa os tucanos e ascende o, até então nanico, Partido Social Liberal (PSL), capitaneado pelo capitão reformado Jair Messias Bolsonaro, carregando na bagagem um arsenal de ideias e pensamentos liberais, marcados pela privatização, abertura econômica e redução do papel do Estado na economia, um verdadeiro confronto de extremos.

O Partido dos Trabalhadores (PT) emerge como uma fênix e retorna para mais um segundo turno, os anos posteriores ao impeachment foram muito negativos para o partido, além de perderem grande espaço no cenário político depois das eleições municipais de 2016, o partido viu inúmeros quadros de destaque do partido serem presos ou processados por corrupção, dentre eles o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, que mesmo preso foi o grande artífice da candidatura de Fernando Haddad, que ora disputa o segundo turno com o candidato Bolsonaro.

Neste clima de confrontos e de acusações variadas, marcado por Fake News nas redes sociais, onde a honra das pessoas é agredida diuturnamente como forma de denegrir, humilhar e gerar constrangimentos, onde o debate saudável e salutar é substituído por conversas superficiais e fúteis, é neste ambiente que as eleições brasileiras transcorrem.

Infelizmente, o país, neste momento de eleições presidenciais, perde uma grande oportunidade de discutir assuntos mais importantes e urgentes, dentre eles, é fundamental que discutamos os rumos da sociedade brasileira, o que queremos ser num futuro muito próximo? Quais os pontos fortes que temos e quais os pontos fracos que precisam ser repensados e reestruturados para que consigamos nos transformar em um país do futuro?

Todos sabemos que vivemos um momento único da sociedade brasileira, muitas das sujeiras estão vindo á tona, pela primeira vez políticos importantes estão sendo presos e condenados, empresários milionários estão sendo conduzidos de forma coercitiva e presos, o país está vivendo um momento de depuração e todos precisamos nos conscientizar, num primeiro momento a degradação precisa vir á tona para que possamos construir uma sociedade com bases mais sólidas e consistentes.

Embora tenhamos muitas coisas para comemorar, é fundamental que entendamos, que todo este processo demanda tempo e trabalho árduo, as mudanças virão mas ainda vai demorar um tempo considerável e a classe política percebeu que a população está de olho nos passos de seus representantes e não vai titubear em cobrar e exigir mudanças consistentes nos serviços públicos e na transparência no uso dos recursos pagos via impostos, taxas e contribuições, a sociedade civil está viva e exige mudanças generalizadas.

Neste clima de confrontos e enfrentamentos, percebemos que, muitos grupos são tomados pela intolerância e pelo sectarismo, colegas de sala, amigos de longa data, familiares e até casais de namorados estão se digladiando na defesa de seus grupos políticos e interesses ideológicos,  estas brigas geram uma forte desagregação social, as redes sociais contribuem para incendiar estes conflitos, muitas pessoas se escondem no anonimato, mentem e caluniam para constranger os adversários, distantes de um debate civilizado, marcados pela moderação e pelo bom senso, muitos se entregam ao extremismo e a violência.

Depois das eleições, os jornais trouxeram estampados nas páginas principais, o assassinato de um mestre de capoeira que ousou vestir a camisa de seu candidato a Presidência da República, que colocou a camisa estampando o 12 de Fernando Haddad e foi tomar uma cerveja em um bar próximo de sua residência, neste momento foi golpeado com cinco facadas e morreu no local, a intolerância mata mais uma pessoa no país, deixando em seu lar esposa, filhos, talvez netos, e amigos chorando pela sua memória.

Colegas que sempre se deram bem, que conversavam sobre futebol outros temas, e nestas conversas nunca se enfrentaram, passaram a se tornar inimigos, um defendendo suas ideias e renegando o pensamento do outro, o sectarismo é tanto que o meu pensamento é correto e o dos outros é equivocado, todos que discordarem de mim estará errado e deve ser punido, as bases do pensamento conservador, autoritário e intolerante repousa no Brasil, mas dá sinais claros de que seu período de hibernação se encontra próximo do fim, as bases da democracia está ameaçada e não apenas no Brasil, mas em vários países e regiões do mundo.

Enquanto outros países estão preocupados com os impactos da quarta revolução industrial sobre o emprego e o trabalho de uma forma geral, os brasileiros estão discutindo questões de gêneros, enquanto o mundo inteiro está discutindo os impactos das mudanças climáticas na sociedade, estamos discutindo medidas para liberar o porte de armas para que o cidadão possa se “defender” dos ataque de marginais, somos um país estranho, paradoxal e extremado, e como disse Tom Jobim: “O Brasil não é para principiante”

Neste ambiente, precisamos ter em mente que podemos e devemos discutir sobre todas as coisas, desde religião, futebol e até política mas, que tenhamos claros de que esta conversa deve ser marcada pelo respeito entre os indivíduos, muitos querem conversar e ao mesmo tempo, ambicionam em converter seu oponente, usam todas as suas armas para tentar doutrinar e, com isso, acaba gerando constrangimentos, brigas e ressentimentos, levando amizades antigas e estruturadas a naufragar nas águas do desentendimento.

Política é uma ciência fundamental para a sociedade, discutir sobre política, conversar sobre ideologias e analisar ideias fazem parte da democracia, o debate é algo inerente ao processo democrático e todos devemos estar conscientes desta conversa, agora, faz-se fundamental o respeito e a moderação, pois quando estas acabam a barbárie e a intolerância estão construindo as bases para o conflito, para a guerra e para a violência.

No Brasil contemporâneo percebemos que as divergências são imensas, o modelo de homem cordial defendido anteriormente se mostrou ultrapassado, somos um povo marcado pelo pensamento autoritário e conservador, nos anos anteriores percebemos que novos assuntos foram trazidos para o campo da política, grupos antes marginalizados e deixados a margem da sociedade foram incluídos e suas demandas foram incorporadas, gerando desconforto e sectarismo de outros grupos que se sentiram ameaçados, o campo da política é o único espaço legítimo e democrático para consolidar esta discussão e superar estes constrangimentos.

As eleições mostraram um Brasil mais conservador, a população está dando um recado claro para a classe política e para a sociedade de uma forma geral, muitos coronéis da política foram apeados do poder, desde oligarquias como a de José Sarney e Edson Lobão no Maranhão, até governadores que eram considerados fortes, influentes e invencíveis em seus estados, como Marconi Perillo e Beto Richa, perderam eleições consideradas fáceis, a população está dando mostras que cansou dos políticos tradicionais e quer um novo grupo político ditando os rumos da política nacional.

A intolerância existe e está sendo estimulado pelos dois lados da disputa, desde as provocações dos grupos à esquerda até as respostas dos grupos à direita, depois de uma eleição desastrosa em 2014, marcada por mentiras generalizadas e degradação da honra e da conduta pessoal do outro candidato, onde o vencedor foi “obrigado” pelas circunstâncias políticas e econômicas a adotar as medidas que sempre rechaçou e criticou quando foram adotadas pelos oponentes, com isso, percebemos que, mais uma vez, estamos deixando passar um momento crucial de discutirmos nossos verdadeiros problemas, os custos desta postergação teremos que discutir num outro momento de nossa história.

A política é importante, e refletir sobre tudo isto é fundamental, o brasileiro cada vez mais está se conscientizando da importância das questões políticas para sua vida cotidiana, desde os recursos que faltam para suprir as demandas em saúde, educação e segurança até a ineficiência das políticas públicas que são oferecidas pelo Estado, marcadas pela burocracia e pela inconstância, toda esta descoberta por parte da população deve ser comemorada, tudo é positivo e fundamental para que construamos um futuro melhor e mais igualitário.

Nesta situação, onde o debate se extrema e a violência cresce, levando pessoas a atitudes extremadas e autoritárias, faz-se fundamental que entendamos que para construir um país melhor e mais justo, que além do governo e dos governantes de plantão, é importante que todos os cidadãos assumam suas responsabilidades e aceitem participar ativamente desta construção, que exige esforços, dedicação, espirito crítico e paciência, pois um país melhor dificilmente será visto por esta geração, mas visitará o país num período de algumas décadas.

 

 

Eleições nacionais e o recado do eleitor brasileiro

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As eleições nacionais são sempre um momento de grande apreensão para a sociedade, ainda mais quando nos debatemos sobre várias escolhas diferentes, desde Presidente da República, passando por Senadores, Deputados e Governadores, o leque de votação é imenso e o desafio da escolha é sempre bastante desafiador afinal, a escolha atual recai sobre quatro anos ininterruptos, os erros tem preços altíssimos e resultados assustadores.

Nestas últimas eleições percebemos um recado claro dos eleitores para a classe política, de um lado percebemos uma busca por nomes novos e desvinculados com denúncias de corrupção e desmandos com o dinheiro público, uma forma clara de protesto contra uma classe política acostumada ao enriquecimento ilícito e a mal utilização do dinheiro público, e de outro uma mudança para um perfil mais centro direita, um comportamento mais conservador por parte do eleitor, que depois de eleições votando em candidatos mais à esquerda, opta por uma mudança mais forte e estruturada para a direita e para o conservadorismo.

Neste ambiente, percebemos muitos políticos tradicionais que foram derrotados nas urnas, desde a família Sarney, passando pelos ex-governadores Beto Richa, Marconi Perillo e Fernando Pimentel, pela ex-presidente Dilma Rousseff que buscava uma vaga no senado por Minas Gerais, pelo ex-senador e atual vereador paulistano Eduardo Suplicy e pelos atuais senadores Romero Jucá, Edison Lobão, Eunício Oliveira, Magno Malta e Ricardo Ferraço que não conseguiram se reeleger, todos e muitos outros foram desaprovados pelos eleitores, políticos importantes e com grande força nos seus estados e com influência na política nacional.

Os eleitores estão mostrando para a sociedade um descontentamento generalizado com a classe política, depois de séculos de desmandos e pouca transparência, a população está se manifestando de forma direta e exige da classe política uma postura diferente, depois de três anos de recessão e baixo crescimento econômico, que fez a renda da população ser reduzida a números próximos ao encontrado em 2013, a população exige mudanças substanciais tanto no trato da coisa pública como no desempenho e na performance das políticas públicas, um desafio e tanto para uma classe política amadora e marcada por indicações baseada em critérios políticos e eleitorais.

Partidos tradicionais perderam espaço no poder, os tucanos que nas últimas cinco eleições presidenciais foram para o segundo turno, nesta eleição ficaram em quarto lugar, com seu candidato angariando menos de 5% dos votos, a menor quantidade de votos do partido em todos os tempos, um recado claro de que a sociedade não mais aceita o seu jeito titubeante de atuação e sua postura omissa e inconsequente, a população está demonstrando que tem memória e sabe, muito bem, que as atitudes desconectadas serão rejeitadas num futuro muito próximo.

Outro partido que sai menor das eleições de ontem foi o Partido dos Trabalhadores (PT), embora tenha conseguido votos suficientes para levar seu candidato ao segundo turno, dificilmente conseguirá reverter a situação que ora se construiu, seu discurso dúbio centrado em uma moral inexistente e sua prática econômica intervencionista, tão deletéria e negativa, contribuiu decisivamente para jogar o país na situação econômica vivida pelo país na atualidade, embora neguem e prefiram colocar a culpa nos outros, suas políticas públicas, principalmente no governo Dilma Rousseff, contribuíram para a degradação econômica atual que estamos vivendo.

Ambos os partidos saem menores destas eleições, reduziram suas bancadas e viram seus ideários serem mitigados por outros grupos políticos que crescem com suas ruínas, a ausência de uma auto-crítica consistente e verdadeira reforçam a percepção de que, infelizmente, a sua debacle abre oportunidades para novos grupos sociais, mais conservadores nos costumes e liberais na economia, o fortalecimento do conservadorismo é cada vez maior e mais consistente.

Na esteira destes grupos políticos que perderam força, destacamos o crescimento de partidos como o Partido Social Liberal (PSL), que até esta eleição tinha apenas 1 parlamentar e passa a ocupar na próxima legislatura, mais de cinquenta cadeiras no legislativo federal, mostrando a força do grupo liderado pelo candidato Jair Messias Bolsonaro que, cada vez mais, se cacifa para ser o próximo Presidente do país.

A eleição presidencial será decidida em segundo turno, os candidatos escolhidos terão mais alguns dias para mostrar suas principais propostas, os debates mostrarão o mais preparado na visão dos eleitores mas, mesmo assim, percebemos que nesta nova eleição se contrapõem duas visões diferentes de sociedade, uma mais liberal na economia e conservadora nos costumes e outra mais desenvolvimentista na economia e mais liberal nos costumes, são pensamentos diferentes que empolgam alguns setores e geram ojeriza em outros, criando instabilidades, incertezas e espaços crescentes de especulação e notícias falsas, as chamadas Fake News.

Percebemos nesta eleição, uma forte tendência ao conservadorismo político, grupos mais conservadores ganharam fortes espaços nos cargos eletivos, discursos mais liberais na economia ganharam espaço na mente dos eleitores, todos sabemos que as condições fiscais e financeiras do Estado Brasileiro são ruins e exigem medidas corretivas fortes e com impactos negativos em toda a sociedade, todos sabemos que estes esforços exigem racionalidade e sabedoria na gestão da coisa pública, todos sabemos que o país tem pressa e as medidas precisam ser iniciadas o mais rápido possível.

Os analistas políticos e os economistas destacaram muito uma forte tendência de fragilização da democracia, este governo descrito como do povo está em franco enfraquecimento em muitas regiões do mundo, em alguns países percebemos um forte pendor autoritário dos governantes, como os da Rússia, da Turquia, da Venezuela, da Áustria, dentre outros, ventos estes que podem afetar países como o Brasil, como destacam os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, na recomendadíssima obra Como morrem as democracias.

Segundo os autores, a democracia está em risco na sociedade global e seus detratores não mais se ocupam de golpes militares para tomar o poder, como era feita a tempos atrás, na atualidade, os governantes eleitos se utilizam deste poder e legitimidade concedidos pelas eleições e passam a doutrinar as instituições políticas, se utilizando de seu poder para nomear ministros de tribunais superiores e, com isso, introduzindo leis e instrumentos legais para sua perpetuação no poder, com isso, criam um verdadeiro regime de exceção com nuances democráticos.

A democracia está fragilizada na sociedade mundial porque, dentre outras coisas, nos anos 90 foi muito atrelada ao pensamento neoliberal, que defendia a globalização e viam nesta a panaceia do mundo, as promessas feitas pelos artífices do globalismo neoliberal se mostraram frágeis e inconsistentes, as benesses prometidas não foram efetivadas e as esperanças construídas se mostraram frágeis e limitadas, garantindo a uns poucos os avanços da globalização e a uma parte considerável da sociedade internacional ansiedades, medos, instabilidades e inseguranças.

As demandas da população cresceram de forma generalizada, o cidadão passou a exigir políticas públicas consistentes para reduzir os desgastes gerados nos sistemas econômicos com a abertura defendida por setores neoliberais, de um lado os Estados Nacionais eram pressionados para socorrer os grupos que perdiam espaço e, de outro, as empresas transnacionais exigiam subsídios e isenções fiscais que aumentavam os buracos fiscais e levaram a uma degradação dos serviços públicos gerando, em contrapartida, uma situação social preocupante, com um incremento na violência urbana e nos conflitos sociais urbanos.

De outro lado a sociedade percebe os gastos com juros da dívida pública crescendo e a ineficiência das políticas públicas aumentando, gerando um mal estar sobre todos os grupos sociais, um aumento do desemprego e uma queda da renda e do salário, gerando uma recessão generalizada e perspectivas sombrias para todos os setores da sociedade, principalmente os mais vulneráveis e necessitados de serviços públicos, grupos estes que aumentavam rapidamente em consequência da recessão econômica e degradação dos canais de comunicação política.

A corrupção generalizada, os bilhões de recursos desviados para as campanhas políticas e para o bolso de políticos sem escrúpulos, cidadãos sem serviços públicos mínimos, obras deixadas ao relento e hospitais e escolas sendo degradados pelo conluio entre empreiteiras e partidos políticos, um judiciário leniente com toda esta estrutura de desmandos e corrupção, sem falar das brigas e dos constrangimentos impostos pela Suprema Corte, onde os ministros se comportam como crianças mimadas e despreparadas para julgar e institucionalizar a sociedade, estamos num momento de grande inquietação e as decisões tomadas vão definir o futuro do país.

O sentimento contra a corrupção é generalizado no país, os cidadãos estão cansados destes desmandos e exigem medidas corretivas imediatas, tudo isto é bastante importante e necessário na construção de uma verdadeira nação, mas é importante destacar que a grande corrupção não deve ser tolerada mas que a pequena também deve ser evitada para que de pequena se transforme em casos clássicos de corrupção com impactos generalizados para a sociedade.

Na reta final da disputa os candidatos buscam apoios na sociedade, as promessas crescem e as alianças aumentam, grupos políticos que se engalfinhavam a dias buscam fazer as pazes para garantir seus interesses imediatos, a pequena política ainda sobrevive e mantem seus tentáculos sólidos e  abertos, buscando novos espaços políticos e cargos bem remunerados para a manutenção de seu status quo, é neste ambiente que a classe política se mostra por completo e nos deixa claro quais estão preocupados com os rumos do país ou apenas com seus interesses mais mesquinhos.

As eleições são festejadas como o coroamento da democracia e um fortalecimento dos laços de participação política da sociedade, o Brasil vem escolhendo seus próprios governantes deste 1990, desde então escolhemos quatro presidentes, sendo que dois deles sofreram impeachment e foram retirados do cargo, um número alto e preocupante para uma jovem democracia como a brasileira, a estabilidade do sistema é fundamental para que possamos construir políticas de longo prazo, investir em educação e estruturar uma melhor performance em ciência e tecnologia, pré-requisitos importantes para tirar o país desta inércia econômica e construir um país mais inclusivo, com menos injustiças sociais e mais espaços para transformar seu potencial em crescimento econômico e desenvolvimento social concreto.

Pela primeira vez em eleições presidenciais dois candidatos que representam tão claramente os dois grupos políticos e ideológicos dominantes, Direita X Esquerda, se encontram nas urnas, o resultado dependerá dos ânimos da população, neste primeiro turno o resultado foi amplamente favorável ao primeiro grupo, no segundo turno as coisas podem se alterar, embora acreditemos que as mudanças sejam difíceis, sabemos que, o mais importante é que o país que sairá das urnas no dia 28 de outubro será mais consciente de seu papel social e sua população mais ciente de que o progresso social e econômico de uma nação prescinde da participação e do engajamento de todos os grupos e classes sociais, somente desta forma vamos construir um país melhor, menos desigual e mais vocacionados para o desenvolvimento social.

 

 

 

 

Crianças, Adolescentes e adultos na sociedade liquida

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Vivemos em uma sociedade que transforma tudo em mercadoria, somos bombardeados todos os instantes por propagandas de empresas nacionais e internacionais, vendendo os mais variados tipos de produtos, desde os mais supérfluos aos mais interessantes e necessários, vivemos em um mundo de faz de contas onde o parecer ter ganha espaço nas mídias e nas redes sociais e se alastram como pólvora, transformando ideias tolas em negócios promissores e milionários.

Neste ambiente dominado pelos negócios, pelo dinheiro e pela aparência física, o ser humano está cada vez mais esquecido, lembram-se dele nos momentos das compras, dos gastos e do consumo, mas quando a questão central são suas demandas íntimas e pessoais, seus conflitos e dificuldades interiores, são relegados a consultórios de psiquiatras ou a clínicas de terapeutas, escondem-se dos outros indivíduos chamados “normais” e pregam nestes a pecha de anormais e esquisitos, marginalizando-os e praticando um bullyng escancarado.

Neste ambiente paranoico, onde as cobranças se acentuam com grande rapidez, obrigando os indivíduos a se adaptar a esta nova realidade, sob pena de não ser absorvido pelo sistema e ser relegado a exclusão social e a marginalidade, todos buscam se adaptar, seguindo as regras vigentes e cumprindo o mesmo figurino criando, com isso, autômatos robotizados e controlados por uma lógica financeira e imediatista que aos poucos está destruindo os laços sociais mais sólidos e criando cisões irreversíveis na sociedade contemporânea.

O ideário da produtividade e da competição estão dominando as mentes e os corações das pessoas, buscamos todos os dias maximizar nossos recursos econômicos e financeiros, buscamos produtos baratos que aliem preço e qualidade, queremos uma colocação de destaque na sociedade e no mercado de trabalho e nos esquecemos dos estudos e da capacitação que nos parece imprescindíveis, exigimos serviços públicos de primeiro mundo, que é fundamental, e nos esquecemos dos deveres que precisamos desempenhar para a boa e saudável convivência em sociedade, queremos uma sociedade equilibrada e competitiva e nos esquecemos de qualificar nossas crianças e jovens, não apenas com conteúdo técnico e profissional, mas com um sólido conteúdo emocional e psicológico.

Nos anos 80 encontrávamos inúmeros espaços de lazer e de convivência para os jovens e para as crianças, estes ambientes são fundamentais para a consolidação de grupos sociais mais integrados e interdependentes, marcados pela flexibilidade e pela convivência saudável, atualmente as cidades se perderam nestas demandas, os bairros mais afastados estão sem espaços públicos, os parques e praças estão degradados e tomados por matos e bichos peçonhentos, as regiões mais afastadas estão dominadas por traficantes e marginais, locais onde o crime domina e os órgão do Estado não se aproximam com medo da marginalidade, da violência e da insegurança pública generalizada.

Com este ambiente público degradado, onde nossos espaços de convivência se transformaram em verdadeiros locais de degradação e marginalidade, como prover serviços públicos e espaços de lazer para uma juventude cheia de energia e entusiasmo? O que estamos legando de futuro para estes jovens, futuros cidadãos, que muito brevemente serão os responsáveis pelos rumos de nossa nação? Todas estas questões devem ser discutidas na atualidade, a ausência desta discussão nos legou a situação degradadas que estamos vivendo, a discussão atual deve nos abrir novas oportunidades e perspectivas, contribuindo para virar um jogo que estamos perdendo de forma vergonhosa.

Além de não criar as condições essenciais para reconstruir a sociedade e abrir novas oportunidades para a infância e para a adolescência, estamos deixando estes indivíduos na mira dos grupos marginalizados, a atração pelo crime organizado deste contingente é bastante sedutora numa sociedade onde os valores são marcados pelo hedonismo e pelo materialismo, onde os conceitos de ética e de moral são desconhecidos por todos os grupos, desde a classe política e empresarial envoltas em corrupção e sonegação, até as fileiras mais ilustres da religião, marcadas por pedofilia e pelos acobertamentos nefastos de crimes sexuais, todos buscando o gozo terrestre e se esquecendo dos castigos divinos.

As cobranças são tão severas aos jovens e aos adolescentes que, desde pequenos são retirados das atividades lúdicas, o brincar na natureza com produtos naturais, a corrida na grama e a vista fulgurante do pôr do sol são raridades cada vez mais desconhecidas, em contrapartida, encontramos estes manejando tablets, computadores, smartphones e poderosos jogos eletrônicos, muitos mergulham nestes aparelhos horas e horas e são esquecidos pelos seus pais, na maioria das vezes envoltos em mais atividades profissionais, o mundo do trabalho contemporâneo exige que a classe trabalhadora trabalhe intensamente vários turnos, dias e semanas de forma ininterruptas, sob pena de ser substituídas por outros trabalhadores ou, como na atualidade, por máquinas ou robôs dotadas de inteligência artificial, o que anteriormente era visto como apenas um sonho, na sociedade contemporânea este futuro chegou e esta transformando a sociedade.

Podemos chamar este momento fantástico que estamos vivendo de um Novo Iluminismo, como definiu Steven Pinker, ou Quarta Revolução Industrial, como alguns economistas e sociólogos, o nome pouco importa, o que mais impressiona é o impacto disto tudo na sociedade e suas consequências sobre os indivíduos.

Neste ambiente de cobranças, os jovens se encontram perdidos, a busca por qualificação, a escolha da carreira, os desejos sexuais pulsantes, as transformações bruscas no corpo, a rebeldia da idade, as indagações e as preocupações constantes, tudo isto o leva a grandes dúvidas e medos, antigamente o porto seguro para os esclarecimentos eram as famílias e a religião, na atualidade as famílias se encontram em estágios avançados de degradação e a religião se converteu ao mundo dos negócios e, com isto, vem perdendo relevância e expulsando os jovens de suas fileiras, a saída encontrada está nas drogas, na depressão e nos casos mais extremados de suicídio, antes pouco comentados, agora se transformaram em um caso grave de saúde pública, exigindo esforços de todos os grupos da sociedade.

O suicídio vem crescendo de forma acelerada, nos últimos anos tivemos uma média de 800 mil casos no mundo, o problema é mundial e não mais se restringe a fronteiras de um único país, atinge a todos os grupos e as faixas etária que mas preocupa é a dos jovens e adolescentes, pessoas entre 15 e 29 anos, que estão se suicidando com mais facilidade, e os motivos são pouco discutidos pelas autoridades, muitas vezes os maiores motivos estão ligados a dinâmica do capitalismo contemporâneo, centrado na concorrência, na competitividade e na busca constante por mais lucros, recursos e produtividade.

A educação que foi criada como um instrumento de conscientização social e capacitação para o mercado, se concentra cada vez mais nas demandas do mercado, buscam formar consumidores, o poder do dinheiro se infiltra na estrutura destas organizações e passa a ser comandada pela busca constante por recursos financeiros, na atualidade, percebemos que os fundos de investimentos investem cada vez mais na compra de instituições de ensino, inicialmente as de nível superior, criando estruturas gigantescas com mais de 1 milhão de alunos e, posteriormente, na aquisição de escolas de ensino médio e fundamental, é o capital fortalecendo sua estrutura e reafirmando seu poder sobre as bases da sociedade contemporânea.

Os relacionamentos são cada vez mais líquidos, como destacou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, as pessoas querem se relacionar mas tem medo de se apegar e de se frustrar, com isso, buscam ficar aqui com uma e acolá com outra, os relacionamentos esporádicos propiciam gozos variados e prazeres diversificados, homens e mulheres se misturam em busca de algo que transcenda, uma busca constante de prazer para fugir das mazelas de uma sociedade vazia e imediatista que o capitalismo contemporâneo, o materialismo e a ambição humana construíram e esforçam por manter.

O crescimento da tecnologia, das máquinas e dos equipamentos, tendem a incrementar esta situação de solidão e de desesperança, muitos jovens conseguem angariar milhões de “amigos” nas redes sociais e se orgulham deste feito, conversam com pessoas nas mais variadas regiões do mundo mas, ao mesmo tempo, se encontram sozinhas e infelizes, querem falar sobre suas desesperanças e de seus medos e não encontram ninguém para ouvi-los, o mundo do prazer a qualquer preço e do hedonismo não aceita discussões marcadas por contestações e reflexões, o capitalismo contemporâneo só pensa em prazer, empreendedorismo, consumo e um hedonismo exagerado.

Nas classes econômicas mais abastadas, onde os recursos financeiros abundam, as famílias se encontram em situação de grande inquietação, nestes ambientes percebemos jovens cada vez mais fúteis e imaturos, acreditando que seus recursos amoedados compram a tudo e a todos, onde estes adolescentes sabem que os produtos e as mercadorias tem seus preços, mas infelizmente desconhecem seus valores e tudo que está por trás da produção e da distribuição destas bens, são consumidores mas nem de longe se encaixam na definição de cidadãos, carecemos de cidadãos em nossa sociedade, formamos cada vez mais consumidores que sabem seus direitos na ponta da língua mas desconhecem a contrapartida dos deveres, com o crescimento destas escolas e universidades dominadas pelo capital e pelo interesse financeiro, a educação para a cidadania estará mais ameaçada do que nunca, condenando as escolas a formação generalizada de pseudo cidadãos ou analfabetos políticos diplomados.

Destacamos ainda, nas famílias mais abastadas, as dificuldades dos pais para aceitarem o crescimento e a maturidade de seus filhos, muitos os trancam em uma redoma de vidro, querendo proteger e evitar frustrações, controlam suas vidas, vigiam seus passos e acabam gerando indivíduos fracos, imaturos e inseguros, legando a sociedade adultos desequilibrados e com graves problemas emocionais, espirituais e sentimentais.

Nesta sociedade percebemos um descaso com os jovens e com os adolescentes, seus conflitos e sentimentos são ignorados, os crimes contra as crianças estão aumentando exponencialmente, gerando graves constrangimentos futuros, maus tratos e negligências estão nas raízes dos conflitos emocionais em curso nesta nova sociedade, será que ainda não percebemos que estes jovens compõem o futuro da sociedade brasileira? Parafraseando Dostoievski, um dos maiores escritos mundiais, percebemos a civilidade de um povo quando observamos como este povo trata as suas crianças, sendo assim, nossa sociedade está muito distante da civilidade.

 

 

 

 

 

 

Vivemos em uma sociedade que transforma tudo em mercadoria, somos bombardeados todos os instantes por propagandas de empresas nacionais e internacionais, vendendo os mais variados tipos de produtos, desde os mais supérfluos aos mais interessantes e necessários, vivemos em um mundo de faz de contas onde o parecer ter ganha espaço nas mídias e nas redes sociais e se alastram como pólvora, transformando ideias tolas em negócios promissores e milionários.

Neste ambiente dominado pelos negócios, pelo dinheiro e pela aparência física, o ser humano está cada vez mais esquecido, lembram-se dele nos momentos das compras, dos gastos e do consumo, mas quando a questão central são suas demandas íntimas e pessoais, seus conflitos e dificuldades interiores, são relegados a consultórios de psiquiatras ou a clínicas de terapeutas, escondem-se dos outros indivíduos chamados “normais” e pregam nestes a pecha de anormais e esquisitos, marginalizando-os e praticando um bullyng escancarado.

Neste ambiente paranoico, onde as cobranças se acentuam com grande rapidez, obrigando os indivíduos a se adaptar a esta nova realidade, sob pena de não ser absorvido pelo sistema e ser relegado a exclusão social e a marginalidade, todos buscam se adaptar, seguindo as regras vigentes e cumprindo o mesmo figurino criando, com isso, autômatos robotizados e controlados por uma lógica financeira e imediatista que aos poucos está destruindo os laços sociais mais sólidos e criando cisões irreversíveis na sociedade contemporânea.

O ideário da produtividade e da competição estão dominando as mentes e os corações das pessoas, buscamos todos os dias maximizar nossos recursos econômicos e financeiros, buscamos produtos baratos que aliem preço e qualidade, queremos uma colocação de destaque na sociedade e no mercado de trabalho e nos esquecemos dos estudos e da capacitação que nos parece imprescindíveis, exigimos serviços públicos de primeiro mundo, que é fundamental, e nos esquecemos dos deveres que precisamos desempenhar para a boa e saudável convivência em sociedade, queremos uma sociedade equilibrada e competitiva e nos esquecemos de qualificar nossas crianças e jovens, não apenas com conteúdo técnico e profissional, mas com um sólido conteúdo emocional e psicológico.

Nos anos 80 encontrávamos inúmeros espaços de lazer e de convivência para os jovens e para as crianças, estes ambientes são fundamentais para a consolidação de grupos sociais mais integrados e interdependentes, marcados pela flexibilidade e pela convivência saudável, atualmente as cidades se perderam nestas demandas, os bairros mais afastados estão sem espaços públicos, os parques e praças estão degradados e tomados por matos e bichos peçonhentos, as regiões mais afastadas estão dominadas por traficantes e marginais, locais onde o crime domina e os órgão do Estado não se aproximam com medo da marginalidade, da violência e da insegurança pública generalizada.

Com este ambiente público degradado, onde nossos espaços de convivência se transformaram em verdadeiros locais de degradação e marginalidade, como prover serviços públicos e espaços de lazer para uma juventude cheia de energia e entusiasmo? O que estamos legando de futuro para estes jovens, futuros cidadãos, que muito brevemente serão os responsáveis pelos rumos de nossa nação? Todas estas questões devem ser discutidas na atualidade, a ausência desta discussão nos legou a situação degradadas que estamos vivendo, a discussão atual deve nos abrir novas oportunidades e perspectivas, contribuindo para virar um jogo que estamos perdendo de forma vergonhosa.

Além de não criar as condições essenciais para reconstruir a sociedade e abrir novas oportunidades para a infância e para a adolescência, estamos deixando estes indivíduos na mira dos grupos marginalizados, a atração pelo crime organizado deste contingente é bastante sedutora numa sociedade onde os valores são marcados pelo hedonismo e pelo materialismo, onde os conceitos de ética e de moral são desconhecidos por todos os grupos, desde a classe política e empresarial envoltas em corrupção e sonegação, até as fileiras mais ilustres da religião, marcadas por pedofilia e pelos acobertamentos nefastos de crimes sexuais, todos buscando o gozo terrestre e se esquecendo dos castigos divinos.

As cobranças são tão severas aos jovens e aos adolescentes que, desde pequenos são retirados das atividades lúdicas, o brincar na natureza com produtos naturais, a corrida na grama e a vista fulgurante do pôr do sol são raridades cada vez mais desconhecidas, em contrapartida, encontramos estes manejando tablets, computadores, smartphones e poderosos jogos eletrônicos, muitos mergulham nestes aparelhos horas e horas e são esquecidos pelos seus pais, na maioria das vezes envoltos em mais atividades profissionais, o mundo do trabalho contemporâneo exige que a classe trabalhadora trabalhe intensamente vários turnos, dias e semanas de forma ininterruptas, sob pena de ser substituídas por outros trabalhadores ou, como na atualidade, por máquinas ou robôs dotadas de inteligência artificial, o que anteriormente era visto como apenas um sonho, na sociedade contemporânea este futuro chegou e esta transformando a sociedade.

Podemos chamar este momento fantástico que estamos vivendo de um Novo Iluminismo, como definiu Steven Pinker, ou Quarta Revolução Industrial, como alguns economistas e sociólogos, o nome pouco importa, o que mais impressiona é o impacto disto tudo na sociedade e suas consequências sobre os indivíduos.

Neste ambiente de cobranças, os jovens se encontram perdidos, a busca por qualificação, a escolha da carreira, os desejos sexuais pulsantes, as transformações bruscas no corpo, a rebeldia da idade, as indagações e as preocupações constantes, tudo isto o leva a grandes dúvidas e medos, antigamente o porto seguro para os esclarecimentos eram as famílias e a religião, na atualidade as famílias se encontram em estágios avançados de degradação e a religião se converteu ao mundo dos negócios e, com isto, vem perdendo relevância e expulsando os jovens de suas fileiras, a saída encontrada está nas drogas, na depressão e nos casos mais extremados de suicídio, antes pouco comentados, agora se transformaram em um caso grave de saúde pública, exigindo esforços de todos os grupos da sociedade.

O suicídio vem crescendo de forma acelerada, nos últimos anos tivemos uma média de 800 mil casos no mundo, o problema é mundial e não mais se restringe a fronteiras de um único país, atinge a todos os grupos e as faixas etária que mas preocupa é a dos jovens e adolescentes, pessoas entre 15 e 29 anos, que estão se suicidando com mais facilidade, e os motivos são pouco discutidos pelas autoridades, muitas vezes os maiores motivos estão ligados a dinâmica do capitalismo contemporâneo, centrado na concorrência, na competitividade e na busca constante por mais lucros, recursos e produtividade.

A educação que foi criada como um instrumento de conscientização social e capacitação para o mercado, se concentra cada vez mais nas demandas do mercado, buscam formar consumidores, o poder do dinheiro se infiltra na estrutura destas organizações e passa a ser comandada pela busca constante por recursos financeiros, na atualidade, percebemos que os fundos de investimentos investem cada vez mais na compra de instituições de ensino, inicialmente as de nível superior, criando estruturas gigantescas com mais de 1 milhão de alunos e, posteriormente, na aquisição de escolas de ensino médio e fundamental, é o capital fortalecendo sua estrutura e reafirmando seu poder sobre as bases da sociedade contemporânea.

Os relacionamentos são cada vez mais líquidos, como destacou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, as pessoas querem se relacionar mas tem medo de se apegar e de se frustrar, com isso, buscam ficar aqui com uma e acolá com outra, os relacionamentos esporádicos propiciam gozos variados e prazeres diversificados, homens e mulheres se misturam em busca de algo que transcenda, uma busca constante de prazer para fugir das mazelas de uma sociedade vazia e imediatista que o capitalismo contemporâneo, o materialismo e a ambição humana construíram e esforçam por manter.

O crescimento da tecnologia, das máquinas e dos equipamentos, tendem a incrementar esta situação de solidão e de desesperança, muitos jovens conseguem angariar milhões de “amigos” nas redes sociais e se orgulham deste feito, conversam com pessoas nas mais variadas regiões do mundo mas, ao mesmo tempo, se encontram sozinhas e infelizes, querem falar sobre suas desesperanças e de seus medos e não encontram ninguém para ouvi-los, o mundo do prazer a qualquer preço e do hedonismo não aceita discussões marcadas por contestações e reflexões, o capitalismo contemporâneo só pensa em prazer, empreendedorismo, consumo e um hedonismo exagerado.

Nas classes econômicas mais abastadas, onde os recursos financeiros abundam, as famílias se encontram em situação de grande inquietação, nestes ambientes percebemos jovens cada vez mais fúteis e imaturos, acreditando que seus recursos amoedados compram a tudo e a todos, onde estes adolescentes sabem que os produtos e as mercadorias tem seus preços, mas infelizmente desconhecem seus valores e tudo que está por trás da produção e da distribuição destas bens, são consumidores mas nem de longe se encaixam na definição de cidadãos, carecemos de cidadãos em nossa sociedade, formamos cada vez mais consumidores que sabem seus direitos na ponta da língua mas desconhecem a contrapartida dos deveres, com o crescimento destas escolas e universidades dominadas pelo capital e pelo interesse financeiro, a educação para a cidadania estará mais ameaçada do que nunca, condenando as escolas a formação generalizada de pseudo cidadãos ou analfabetos políticos diplomados.

Destacamos ainda, nas famílias mais abastadas, as dificuldades dos pais para aceitarem o crescimento e a maturidade de seus filhos, muitos os trancam em uma redoma de vidro, querendo proteger e evitar frustrações, controlam suas vidas, vigiam seus passos e acabam gerando indivíduos fracos, imaturos e inseguros, legando a sociedade adultos desequilibrados e com graves problemas emocionais, espirituais e sentimentais.

Nesta sociedade percebemos um descaso com os jovens e com os adolescentes, seus conflitos e sentimentos são ignorados, os crimes contra as crianças estão aumentando exponencialmente, gerando graves constrangimentos futuros, maus tratos e negligências estão nas raízes dos conflitos emocionais em curso nesta nova sociedade, será que ainda não percebemos que estes jovens compõem o futuro da sociedade brasileira? Parafraseando Dostoievski, um dos maiores escritos mundiais, percebemos a civilidade de um povo quando observamos como este povo trata as suas crianças, sendo assim, nossa sociedade está muito distante da civilidade.

 

 

 

 

Tanto Haddad quanto Bolsonaro vão levar país para o brejo, diz José Padilha

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 José Padilha – Folha de São Paulo, Caderno Ilustríssima, 30/09/2018

[RESUMO] Diretor de “Tropa de Elite” e “O Mecanismo” rejeita os candidatos do PSL e do PT e afirma ver ambos, que têm chances de disputar o segundo turno, como expoentes de extremos políticos capazes de levar o Brasil ‘para o brejo’

Muito provavelmente as próximas eleições presidenciais brasileiras serão decididas no segundo turno, em uma disputa entre Jair Bolsonaro (PSL), um candidato da extrema direita, e Fernando Haddad, um candidato do PT e da extrema esquerda.

Bolsonaro baseia a sua campanha nas mesmas ideias tacanhas que balizaram toda a sua carreira política e em uma suposta guinada intelectual na área econômica. Ao se associar ao professor Paulo Guedes, doutor pela Universidade de Chicago, Bolsonaro tenta se apresentar como paladino do liberalismo, de uma linha de pensadores que vai de Adam Smith a Ludwig von Mises e Friedrich Hayek.

De minha parte, nada tenho contra a aplicação de parte das ideias destes pensadores à economia brasileira. Acho que o Brasil precisa reduzir o tamanho do Estado, que é caro, ineficiente e corrupto. Acho isto apesar de não comprar totalmente as teses do liberalismo austríaco. Todavia, não consigo acreditar que Bolsonaro vá aplicar as teses de Paulo Guedes à economia brasileira, mesmo que tenha maioria parlamentar para isso.

Bolsonaro, como quase todos os militares e como a esquerda brasileira, sempre defendeu políticas desenvolvimentistas estatizantes, semelhantes às dos militares e às de Dilma Rousseff e diametralmente oposta às ideias liberais. Políticas estas que nunca funcionaram no longo prazo e que jogam o país em recorrentes crises econômicas, mantendo seu índice de crescimento muito abaixo do que poderia ser.

Pior ainda, o conservadorismo de Bolsonaro com relação ao comportamento humano invade liberdades e direitos individuais básicos, tais como a prerrogativa de cada pessoa em decidir como lidar com seu próprio corpo tanto no caso das opções sexuais quanto do aborto. Além disso, Bolsonaro não reconhece, como fazem os liberais, que os indivíduos precisam ter garantias constitucionais que os defendam de possíveis violências do aparato repressivo do Estado.

Duas frases resumem claramente as posições de Bolsonaro: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”; e “Eu seria incapaz de amar um filho homossexual; prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. Estas declarações mostram que Bolsonaro acredita que o Estado deve ter poder sobre as escolhas básicas e sobre o corpo dos cidadãos. O candidato do PSL é, portanto, para usar uma expressão comumente aplicada a Donald Trump, eticamente “unfit for office.”

Haddad, por sua vez, representa o PT, um partido que traiu os cidadãos brasileiros de forma vergonhosa. Lula, José Dirceu, Antonio Palocci, Dilma Rousseff e companhia mentiram descaradamente ao povo brasileiro, apresentando-se como paladinos e guardiões da ética e da moral, enquanto se associavam ao PMDB e às elites empresariais monopolistas do país —em particular aos grandes bancos comerciais e às grandes empreiteiras— e montavam um projeto de poder que não só reproduziu o mecanismo de corrupção e de expropriação dos cidadãos pela classe política que existia antes da sua chegada ao poder, como também fortaleceu esse mecanismo, aumentando-o em escala.

Não é à toa, portanto, que ao final do quarto governo da dupla PT/PMDB o país esteja falido, e a renda per capita tenha regredido a níveis anteriores aos do primeiro mandato de Lula. No frigir dos ovos, o PT atrasou o desenvolvimento do Brasil por 12 anos.

Além disso, o partido de Haddad tem posições a respeito da liberdade individual quase tão retrógradas quanto as de Bolsonaro. Disse Lula sobre Fidel Castro, ditador cubano que executou milhares de inocentes para chegar ao poder e que governou Cuba por mais de 40 anos sem realizar uma única eleição: “Para os povos de nosso continente e os trabalhadores dos países mais pobres, especialmente para os homens e mulheres de minha geração, Fidel foi sempre uma voz de luta e esperança”.

Lula disse isso sabendo que o governo de Fidel Castro perseguiu homossexuais —exatamente como Bolsonaro promete que vai perseguir no Brasil. Além disso, são recorrentes os elogios do líder petista aos venezuelanos Hugo Chávez e Nicolás Maduro.

O PT não apenas abriu as portas dos esquemas de corrupção da Odebrecht para ajudar que eles se perpetuassem no poder, mas também o próprio Lula gravou mensagens de apoio a Maduro, recentemente denunciado na ONU por prender, torturar e matar oposicionistas e jornalistas. Está claro, portanto, que, por representar Lula, Haddad também é “unfit for office”.

Sobre Haddad, além disso, pesam ainda acusações diretas de corrupção e de envolvimento no mecanismo que PT e PMDB operaram por 12 anos. Existem até suspeitas de que Haddad estaria usando, ainda hoje, caixa dois do Petrolão. (Antonio Palocci afirmou à PF, segundo fontes da corporação, que os US$ 15 milhões apreendidos com a comitiva de Teodorin Obiang, filho do ditador da Guiné Equatorial, provavelmente tinham como destino o caixa dois petista.)

A esta altura, você deve estar se perguntando se eu estou sugerindo que o Brasil vai para o brejo. A resposta é: sim, é exatamente isto que estou sugerindo. Um dos dois candidatos acima descritos, ambos eticamente inviáveis, será eleito. E isto equivale a jogar o país nas trevas.

Além disso, mesmo que se tornem santos de um dia para o outro, nenhum dos dois conseguirá maioria para governar. (O que pode até ser uma boa notícia.) Se Haddad for eleito, seu governo vai ter que trabalhar, necessariamente, para obstruir a Justiça, revogar a prisão em segunda instância, manter o foro privilegiado e dar cargos a políticos corruptos.

Isto posto, me parece que restam ao Brasil duas tarefas hercúleas: (1) sobreviver aos próximos quatro anos, não sei como, sem descambar para uma situação social e econômica catastrófica como a da Venezuela, e (2) aprender com os erros do passado para não repetí-los no futuro.

Que erros foram esses? Ao meu ver, essencialmente um: face às revelações da Lava Jato, as forças políticas e os formadores de opinião do país colocaram as suas preferências ideológicas à frente da ética.

A direita apostou em um procedimento de impeachment claramente ilegal e arbitrário, pensando que, com Michel Temer no poder —apesar do seu notório envolvimento com a corrupção sistêmica— poderia defender seus interesses econômicos. E a esquerda, por motivos políticos, tentou fingir que Lula, Dirceu e Palocci não eram tão gângsteres quanto Aécio, Sérgio Cabral e Eduardo Cunha.

Ao tomarem estas posições, tanto as forças da direita quanto as da esquerda colocaram em xeque a Lava Jato, dando margem para que as duas mais importantes cortes do país, o TSE e o STF (que não me surpreenderiam se tivessem membros ligados a esquemas de corrupção, tais como a venda de sentenças), manobrassem para sabotar diversas linhas de investigação da operação que comprometeriam ainda mais políticos do PT, do PSDB e do PMDB, a eles mesmos, além dos grandes bancos comerciais.

Como consequência direta disto, o STF aprovou um impeachment absurdo, e o TSE absolveu a chapa de Dilma e Temer, apesar de esta ter sido comprovadamente eleita com um volume gigantesco de propina. Ambos deveriam ter sido cassados. Foram estes dois acontecimentos históricos que, em ultima análise, viabilizaram as candidaturas de dois políticos claramente comprometidos pela Lava Jato, tais como Haddad e Alckmin, e que deram asas à candidatura de Bolsonaro.

Isto me leva ao tema deste artigo. A história da humanidade demonstra claramente que o primeiro passo na direção da servidão é a opção pela relativização da ética em prol da ideologia. Mao, Hitler, Stálin, Fidel, Franco e vários outros ditadores que cometeram massacres chegaram ao poder porque, em algum momento da história de seus países, parte dos formadores de opinião os apoiou por questões ideológicas —apesar de saberem de seus desvios éticos.

Dois amigos meus, em particular, cometeram este erro crasso. Eu não tenho bola de cristal, mas acho que, se a ética não sobrepujar a ideologia no curto prazo, o Brasil caminha para uma tragédia sem tamanho.

José Padilha é roteirista e diretor de cinema.

 

Democracia é lidar com o embate entre opostos e acomodá-los, diz Luiz Guilherme Schymura

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Para economista, não apenas a campanha, mas a gestão do eleito será marcada por crescente cobrança de diferentes grupos sociais

Alexa Salomão

Para o economista Luiz Guilherme Schymura, o próximo presidente não pode subestimar opositores. Precisa ter consciência de que, mesmo cacifado pelas urnas, vai enfrentar duras resistências de congressistas e da própria população para impor os ajustes que o país precisa.

“Ajuste fiscal é escolha de perdedor. No começo, ninguém ganha. Então, as pessoas se armam para vetar”, diz Schymura. E dá exemplo.

“Olhe o Mauricio Macri na Argentina. Entrou no governo com popularidade e não consegue fazer o ajuste fiscal que o país precisa. Não deixam.”

Ele também já não está tão certo de que a reforma da Previdência sai na largada do próximo governo: “O sentido de urgência passou”, diz.

 

Quais serão os desafios do próximo presidente na área econômica?

O novo presidente, seja quem for, vai ter enorme dificuldade para apresentar a sua pauta de prioridades ao Congresso. Lá já tem uma fila de temas prioritários. Quatro se destacam.

Vai ter de discutir a nova regra de reajuste do salário mínimo. Vai ter de ver o que faz com o salário do funcionalismo público –ver o que pode dar, porque se não der nada já entra com as corporações pressionando contra. Vai precisar ver o que faz com o teto de gastos, que não fica em pé, mas precisa ser substituído por alguma coisa que dê âncora fiscal. Se tirar o teto e não colocar algo no lugar, o mercado surta. Outro item sensível é a política de subsídio do diesel. Ela acaba em dezembro. O que faz na sequência?

São brigas complicadas. Não é trivial discutir nada disso. É inexorável a queima de capital político já no começo do mandato.

Mas não é o momento certo para enfrentar todas as brigas, uma vez que esse presidente vai estar em início de mandato, cacifado pelas urnas?

Mas será que essas são as prioridades dele? Ele quer se desgastar com esses temas? Não vamos esquecer que o novo presidente vai precisar atender a expectativa dos eleitores. A população não vota em presidente para ele só trazer maldade. O ajuste fiscal, que é o maior desafio hoje de qualquer governante brasileiro, só traz notícia ruim. Mas a população vai esperar boas notícias também. Dizer que a reforma da Previdência, por mais importante que ela seja, vai melhorar a vida da população não cola. Ele vai ter de apresentar outras agendas junto, como melhorar o emprego.

Todos os economistas dizem que a reforma é prioridade e melhora para todos.

As mudanças não se dão como economistas e técnicos desejam, rapidamente. Eu escrevi artigos e dei consultoria propondo novos modelos previdenciários no início da década de 1990. Há 20 anos. Num dado momento, me dei conta que já estava acontecendo uma reforma da Previdência, mas no sentido contrário ao que eu propunha –estava em curso uma que dava mais direitos via aumento do salário mínimo. A reforma foi sendo empurrada. Ela já deveria ter sido feita. Vamos sofrer por retardá-la.

O governo e dezenas de técnicos passaram um ano explicando que a Previdência é um problema para o caixa público, que a conta não fecha. Não ficou claro que ela é prioridade?

O problema em relação à reforma da Previdência não é técnico. Não falta economista para fazer conta e mostrar o problema. A equipe econômica que está aí é excepcional e mostrou isso. O problema é político.

Temos uma sociedade com distribuição de renda horrível e extremamente patrimonialista. Ninguém abre mão de nada. Quanto mais você explica o problema fiscal mais os grupos de pressão se armam para vetar qualquer possibilidade de participação deles no ajuste. Há concordância da necessidade, mas nenhum consenso quanto à forma de fazer. Construir e coordenar com o Congresso um ajuste da dimensão que a gente precisa é um imenso desafio.

As equipes dos presidenciáveis que estão liderando as pesquisas estão preparadas para isso?

Jamais é fácil negociar com o Congresso. Ainda mais no que vem pela frente. Nunca na história desse país –parafraseando o grande líder [risos]– um ministro da Fazenda entrou com tudo travado. Para fazer qualquer gasto adicional, vai ter de ir ao Congresso negociar. E vai precisar compor com o Congresso sem desagradar a população –o que é cada vez mais difícil.

Por que mais difícil?

Vou dar um exemplo. A greve dos caminhoneiros. Essa greve tem um dado novo. Toda vez que uma classe entra em greve, num primeiro momento, cria-se uma expectativa de lado a lado, porque se inicia uma barganha. Um lado pede 100 o outro quer dar zero. A barganha conduz ao meio termo e a greve acaba bem para ambos os lados. Mas nos caminhoneiros isso se complicou porque a população tomou partido. A população mostrou a sua insatisfação junto. Ali a gente viu o que acontece quando o presidente tem popularidade baixa.

A política de reajuste dos combustíveis pelo preço internacional foi um dos pilares da gestão Temer. E ele sacrificou essa política para atender os caminhoneiros porque a população escolheu lado. É preciso entender que esse nosso patrimonialismo, com essa distribuição horrorosa de renda, no mundo contemporâneo, é uma associação explosiva. Os interesses se chocam. Gera atrito.

Temer foi vítima disso?

Temer foi e todos os presidentes serão. Meu colegas costumam acreditar que as soluções na área econômica são técnicas. Não funciona assim. Ouvi muitos colegas dizerem quando Dilma saiu que o problema na economia estava resolvido. Mas eu bati na tecla. Dilma não foi brilhante na economia, mas não foi ela que nos tornou o país vagabundo em termos de condução da economia. Esse problema é histórico. Ela falhou na condução da política.

Quando Temer entrou, meus colegas economistas falaram: agora está tudo resolvido. Eu argumentei que não era bem assim. E não foi. Depois que não deu certo, Temer virou o diabo. Não é culpa de Temer também. O fato é que não existe milagre. Não existe salvador da pátria imune a pressões e cobranças da sociedade.

O candidato Jair Bolsonaro, o líder nas pesquisas, é chamado de mito por seus eleitores. Como o sr. acha que ele vai se sair se ganhar a eleição?

Bolsonaro tem essa aura de salvador, mas por questões subjetivas. Defende segurança, fala contra a corrupção. Eu vou ler uma coisa para explicar o que é isso [pega o celular].

Estou em dois grupos de economistas no WhatsApp. Essa mensagem foi enviada pelos dois grupos. A intersecção entre os grupos é vazia. Os integrantes não se conhecem. Um só tem bolsonarista. O outro é misto. Mas em ambos só tem PhD e ambos enviaram essa mensagem, essa espécie de fábula pós-posse de Bolsonaro. Diz assim:

‘Acabo de chegar do futuro para contar a vocês que a posse do Bolsonaro foi pura emoção. Estou vindo de julho de 2019 e o país já é outro. Gleise e Haddad foram presos e o PT fechou as portas. Lula foi condenado mais duas vezes. O MST se desbaratou e Stédile fugiu para o Uruguai. Boulos foi preso mais uma vez e parece que desta vez o bicho pegou. A economia deu um salto. O desemprego caiu. O estatuto do desarmamento foi revisto e a bandidagem parou de assaltar abertamente com medo de ser alvejada pela população. Não entram mais na casa de ninguém. Gilmar Mendes foi expulso do STF e Toffoli renunciou por denúncia de corrupção. Com a vacância dos dois, o presidente Bolsonaro nomeou para os cargos de ministros do Supremo Sérgio Moro e Marcelo Bretas. Aliás, a Lava Jato se tornou uma operação de elite permanente. Outra coisa, aluno agora que maltrata professor é expulso e fichado na polícia. A maioridade penal foi votada ontem e agora é de 15 anos. Bolsonaro é ovacionado aonde vai, seja no Brasil ou no exterior. É isso pessoal. Tenham fé. O Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.’

O que chama a atenção aqui? Alguém detalhou medidas econômicas? Falam que foi feita a reforma da Previdência, a reforma de não sei de quê? Não. Nada.

São economistas com PhD esperando que se resolva a segurança, que se respeite autoridade do professor. Se fosse um grupo de médicos ou de policiais, eu poderia entender. Mas nem economista com PhD vê Bolsonaro sendo ovacionado porque fez reforma da Previdência. O que vamos esperar? Todas as pessoas no fundo imaginam que é mais fácil do que realmente é.

O sr. está querendo dizer que a reforma da Previdência corre o risco de ser postergada outra vez?

Estou dizendo que há consenso sobre a necessidade dela, mas que o sentido de urgência passou. É difícil você convencer essa figura etérea que chamamos de sociedade de que a reforma da Previdência é urgente se o país voltou a crescer, se a inflação e o juros estão baixos, e o desemprego está alto.

Como vou dizer para quem não tem emprego que ele vai ter de trabalhar mais 10 anos para se aposentar? O cara já não tem trabalho. Dou título de doutorado para quem fizer, de forma clara, a relação entre o desemprego e o problema fiscal do Brasil para gente convencer as pessoas de que vão sair ganhando se o país fizer a reforma da Previdência. Ajuste fiscal é escolha de perdedor. No começo, ninguém ganha. Então, as pessoas se armam para vetar.

Olhe o Mauricio Macri na Argentina. Entrou no governo com popularidade e não consegue fazer o ajuste fiscal que o país precisa. A inflação da Argentina caminha para 40%, a moeda se desvaloriza, mas ainda assim não deixam ele fazer o ajuste.

Existe um grupo defendendo que, se o presidente eleito concordar, se aprove a reforma da Previdência após a eleição e antes da posse. É viável?

Não há a menor possibilidade, mas vamos supor que desse. Primeiro, teria de negociar com o Temer. O que ele vai pedir em troca? Pode ser um pato manco, mas a caneta está com ele. Vai ter de negociar com os antigos congressistas. Como é o approach com eles? Percebe a dificuldade? É impensável, mas as pessoas podem acreditar no que quiserem. Eu não consigo criar esse cenário.

A marca da eleição é a polarização nos extremos que tem sido considerada nociva. Qual a sua opinião?

Como pai de um jovem estudante de engenharia de 19 anos e de uma estudante de medicina de 22, eu me preocupo com o futuro, com o país que estamos deixando para as próximas gerações. Mas como intelectual, eu considero fabuloso. Democracia é isso: lidar com riscos, com o embate entre opostos e saber acomodá-los.

Alguns defendem que o avanço de um candidato de centro teria sido mais saudável.

Compor é uma segunda etapa. Por experiência, a gente sabe que quem ganha a eleição não entra no governo chutando o balde. Tenta compor. Veja o PT. Já lança nomes de economistas de direita para ocupar a Fazenda. Nem sei se vão ocupar. Mas mostram que, no PT, economistas mais liberais não são leprosos.

Circulou a informação que um dos nomes ventilados é o seu. O sr. foi sondado?

Não. Não teve isso.

O sr. conhece o Haddad?

Nunca estive com ele.

De onde o sr. acredita que saiu essa informação, então?

Não faço a menor ideia. Deve ser porque a gente recebe todas as pessoas aqui no Ibre. Estivemos com todo mundo. Paulo Guedes [economista da campanha de Bolsonaro], Pérsio Arida [de Geraldo Alckmin], Mauro Benevides [de Ciro Gomes]. Nelson Barbosa [ex-ministro da Fazenda de Dilma] trabalha aqui com a gente. Mas este é o momento do balão de ensaio. Eles ainda têm uma eleição para ganhar. Os nomes de verdade vão vir depois.

 

Luiz Guilherme Schymura, 57 Diretor do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), cursou Engenharia Elétrica e de Sistemas na PUC-Rio, doutorado em Economia na FGV e pós-doutorado em Economia na The Wharton School da Universidade da Pensilvânia (EUA). De 2002 a 2004, presidiu a Anatel, agência do setor de telecomunicações

 

Patologias Sociais e doenças da alma

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Vivemos em uma sociedade marcada por grandes dores e desesperanças, os indivíduos se perdem nas atividades cotidianas e se esquecem de investimentos mais simples e mais nobres, investimentos nas famílias e nos círculos de amizades mais sinceras, as famílias se encontram em transformações intensas, obrigando os indivíduos a uma busca incessante de algo desconhecido, para isso somos torpedeados por informações, dados e cobranças, na maioria das vezes desnecessárias e pouco construtivas, somos uma sociedade a beira de um grande ataque de nervos.

As atividades profissionais absorvem a maior parte das energias dos trabalhadores, o trabalho do século XXI nos impõem uma constante atualização, somos obrigados a nos qualificarmos cada vez mais, inglês, informática, mandarim, atividades físicas, ioga, cursos e mais cursos nos são oferecidos para que tenhamos o equilíbrio necessário para suportar as dificuldades e as dores do mundo, uma sociedade marcada por um novo iluminismo, onde todos competem com todos, onde os antigos amigos brigam por uma mesma vaga no mercado de trabalho, onde irmãos se digladiam em busca de uma melhor colocação na sociedade e no coração de seus pais, uma sociedade que compete constantemente em busca de um prazer material que logo quando é atingido se mostra ineficiente e limitado, gerando medos, dores e desesperanças.

Somos bombardeados pelas informações trazidas pela televisão, pela internet e pelas mídias sociais, dados, imagens, fotos, comportamentos, curiosidades circulam na sociedade e entram em nossas casas e, mais do que isso, tomam um espaço gigantesco em nossas vidas, muitas vezes nos norteando no cotidiano, somos robotizados para vivermos em um ambiente concorrencial cheio de atividades e cobranças e, automaticamente, compelidos a comportamentos, atitudes e gostos variados criados pelo marketing agressivo que nos leva a comprar mercadorias que pouca efetividade terá em nossas vidas, compramos por impulso e não por necessidade.

Os relacionamentos são marcados pelo interesse imediato e por uma filosofia hedonista, os sentimentos mais sinceros e profundos são deixados de lado, amores mais intensos duram poucos dias e são substituídos por outros rapidamente, as paixões duram instantes e as buscas por novas aventuras e prazeres são cada vez maiores, obrigando as pessoas a investir mais e mais em beleza, em forma física e em elegância, o culto ao corpo se transforma em um grande mantra, não apenas pela saúde física, mas pela presença e pelo impacto da aparência, surge daí uma nova forma de ditadura, a ditadura da beleza, obrigando todos os indivíduos a viver fazendo dietas e cultuando o mundo fitness, muita aparência e pouca essência. Se o indivíduo não atingir este padrão de beleza sofre constrangimentos variados, as operações plásticas crescem de forma aceleradas e a busca pela beleza leva pessoas a recorrer a drogas e comprimidos de emagrecimento, uma busca doentia por um corpo perfeito leva inúmeras pessoas a insanidade, aumentando a ansiedade, a depressão e os complexos.

Observando as mudanças geradas no comportamento humano, percebemos que as pessoas estão, em todas as partes do mundo, assistindo aos mesmos programas, as mesmas séries, os comportamentos e os hábitos são parecidos, em todas as regiões, desde o sudeste asiático até as favelas fluminenses, encontramos pessoas vestindo as mesmas roupas e cultivando hábitos parecidos, uma mostra do poder do marketing global que vende, em todas as regiões do mundo, os mesmos produtos e criando uma cultura global dominante, centrado no poder e na força econômica de grupos altamente poderosos financeira e politicamente, as grandes transnacionais.

As redes sociais tem um papel central neste novo momento de sociedade internacional, ela aproxima as pessoas no mundo virtual e as afasta fisicamente, estamos conectados com “amigos” instantaneamente, conversamos via Skype e nos falamos via Messenger ou whatsApp, estamos próximos mas ao mesmo tempo muito distantes, mais um paradoxo do capitalismo contemporâneo. Como nos diz Zygmunt Baumann, um adolescente disse possuir mais de 2 mil amigos enquanto ele, Baumann, depois de mais de 90 anos de vida, acredita que tem, no máximo uma dezena, neste depoimento percebemos que, para o adolescente, o conceito de amigos é diferente do conceito defendido pelo sociólogo polonês.

O mundo corporativo nos mostra como a competição entre os agentes econômicos é cada vez mais intensa, as organizações se reinventam todos os dias, a concorrência atual obriga as empresas e os funcionários a investirem mais e mais em novas tecnologias, novos cursos e treinamentos, novos produtos e mercadorias surgem e nos obrigam a compreender seu funcionamento sob pena de sermos devorados por este novo produto, a rapidez das novas tecnologias contrasta com a capacidade de reação do organismo humano, gerando mais insatisfação, mais medos e mais instabilidades.

O mundo do trabalho é um grande desafio, os antigos trabalhadores funcionam ainda no modo analógico e precisam pensar no modo digital, os trabalhadores vivem uma das mais severas crises de identidade, o estudo e o diploma profissional que anteriormente era sinônimo de bons empregos e salários empolgantes, na atualidade não mais garante empregos interessantes, muitas vezes servem apenas como um pré-requisito para entrar no mercado de trabalho, além da formação fazem-se necessários mais e mais diplomas e cursos para sobreviver no mercado contemporâneo, mesmo assim, se a economia não crescer e os investimentos não aumentarem, os empregos não mais serão produzidos.

A quantidade de depressivos e ansiosos aumenta em escala exponencial, somente de depressivos encontramos mais de 350 milhões de pessoas no mundo, os ansiosos são em números maiores e atingem a grande maioria dos lares mundiais, os investimentos em pesquisas farmacêuticas e terapias para reduzir este números de patologias crescem de forma acelerada e os resultados imediatos são contestados pelos especialista e pelas autoridades, vivemos num mundo onde as crises são geradas dentro do sistema, o problema é muito maior do que algumas pessoas imaginam, o problema é estrutural e sua superação só será possível quando empreendermos um esforço coletivo envolvendo todos os países, líderes e instituições.

A competição exacerbada entre empresas e governo aumentou a competição entre os seres humanos, os trabalhadores enquanto produtores estão sendo ameaçados por esta competição insana, a adaptação aos desígnios do capital e do lucro exige que as ferramentas da ética e da moral sejam abandonadas e colocadas de lado, é como se tivéssemos duas éticas convivendo lado a lado, são conceitos frágeis que, num futuro próximo, devem aumentar a degradação da sociedade, aumentando os medos e as desesperanças, culminado em xenofobia e extremismos variados que estão se espalhando por todas as partes do mundo, desde os países pobres e subdesenvolvidos até as nações mais ricas e consideradas desenvolvidas.

As pessoas estão assustadas com tantas cobranças, metas e produtividade, as empresas exigem uma performance melhor de seus funcionários e, na maioria das vezes, poucos retornos dão a estes “colaboradores”, as cobranças crescem e os salários diminuem, de um lado percebemos o crescimento dos consultórios de terapias, as pessoas, perdidas como estão, buscam em psicólogos e terapeutas a resposta para suas indagações, se não conseguirem as respostas almejadas partem para terapias alternativas, contratam coachings e, se mesmo assim não conseguirem as respostas partem para as Igrejas evangélicas que crescem de forma acelerada e ganham cada vez mais poderes na política e na economia, isto porque além de inundarem os cargos públicos na últimas eleições, detém grandes somas de recursos financeiros e poderes midiáticos, a religião se transformando, mais uma vez, em um grande negócio.

Neste ambiente os amores estão cada vez mais fragilizados, as mulheres empoderadas buscam uma competição aberta e, muitas vezes, se comportam com uma alta carga de ranço e agressividade, buscam o controle da situação e agem da mesma forma que anteriormente criticava a atuação do homem, criando conflitos e violências constantes, agressões e até crimes, como o chamado feminicídio cresce de forma exponencial, expondo mais uma faceta da crise atual, a intolerância.

O amor romântico perde espaço nesta nova configuração do amor contemporâneo, atitudes vistas anteriormente como carinhosas e românticas, atualmente são criticadas e motivo de escárnio dos grupos sociais, as redes sociais servem para difundir sentimentos duvidosos e mentiras constantes, aparecer para uma sociedade artificial é mais importante do que um autoencontro íntimo e pessoal, mostrar-se por fora é muito mais fácil do que encarar a realidade de se conhecer por dentro.

Os novos modelos de relacionamento contemporâneo estão redefinindo o significado de família, antigamente a família era composta pelos pais e pelos filhos, as famílias eram imensas, muitas vezes com mais de dez filhos por casal, na atualidade encontramos vários tipos diferentes de família, agora bem mais reduzidas, umas compostas por dois homens, por duas mulheres, por mulheres solteiras e independentes, por homens solteiros e independentes, dentre outros modelos, o termo família é algo bastante flexível na contemporaneidade, gerando na cabeça dos filhos e das filhas grandes indagações, medos e preocupações, o modelo tradicional de família encontra-se em clara e nítida extinção ou metamorfose.

A homossexualidade cresce de forma generalizada, homens e mulheres estão se abrindo para novas realidades e experiências, a tecnologia tem um papel central nestas novas mudanças, seu desenvolvimento levou a criação de grupos e comunidades homossexuais, meninos e meninas que desconheciam seus desejos e eram fortemente punidos por uma sociedade castradora e por uma educação  autoritária viu na internet e nas redes sociais novas oportunidades de encontros, conversas e discussões, além de depoimentos e vivências compartilhadas, gerando, com isso, novas formas de maturidade pessoal e institucional.

Vivemos um momento único na sociedade internacional, evoluímos muito nos últimos 30 anos, os avanços muitas vezes são questionados por muitas pessoas, embora estejamos num período difícil e assustador, marcados pelo medo e pela desesperança, sabemos que neste momento precisamos ter maturidade para as discussões, o ser humano deve ser visto muito mais como um agente ativo em seu desenvolvimento do que como um robô, cujos gestos e atitudes são todas previamente acertadas, o ser humano é um agente criador, sua experiência deve ser exaltada e suas habilidades devem ser recompensadas, a era das máquinas está cada dia mais próxima e nós, seres humanos, cada vez menos conhecemos os nossos ideais e objetivos, somos conduzidos pela vida e pelas atividades cotidianas, vivemos enclausurados em um redoma de vidro e nos esquecemos que os maiores prazeres da vida são constituídos em comunidade, servindo, amando e contribuindo para um incremento do amor e da esperança entre os indivíduos, somente assim se constrói uma sociedade sólida e estruturada.

As constantes mudanças estão gerando medos na classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, está assustando os grupos empresariais, que temem não sobreviver neste jogo da competição, se ambos estão assustados e amedrontados, faz-se necessário construirmos pontes entre estes dois grupos sociais, unindo-os em prol de interesses comuns, somente a união e o compartilhamento entre grupos e classes sociais pode interromper as instabilidades e incertezas que dominam a comunidade e impactam sobre todos os indivíduos.

As transformações são intensas e vieram para ficar, um novo iluminismo vai construir novas bases para esta sociedade, o momento é de incertezas e instabilidades, tudo isto é bastante normal, o novo sempre assusta e gera medos generalizados, o importante é que para sermos conhecidos como indivíduos pensantes e criadores precisamos, novamente, ter em mente que uma sociedade melhor só será constituído quando cada pessoa, branco ou preto, rico ou pobre, novo ou velho, oriental ou ocidental, tiverem a consciência de que o mundo novo só vai começar efetivamente quando este novo homem nascer dentro de cada um de nós, não tenhamos medos de nos mostrar como efetivamente somos, pois todos que aqui estão, são seres em evolução e teremos a vida toda para melhorar, basta que comecemos para que nossa caminhada seja mais suave e promissora.

 

 

 

 

 

 

 

 

O som da nova era: O Clarim e seus maestros

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Livro reportagem que conta a história do jornal O Clarim, um empreendimento que comemorou mais de 100 anos e se confunde com a história da cidade de Matão e o Espiritismo brasileiro, leitura de grande relevância.

 

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Democracia e autoritarismo no Brasil contemporâneo  

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A sociedade brasileira está envolta em mais uma campanha presidencial, onde os candidatos fazem as mais mirabolantes promessas para conquistar os corações dos eleitores e garantir adesões que se transformem em votos e chances reais de vitória ou de seguir para o segundo turno, estamos próximo de decisões que podem comprometer nosso futuro imediato ou abrir novos espaços de crescimento e recuperação econômicas, com novos investimentos e políticas sociais ativas e eficientes.

Vivemos uma crise econômica das mais severas e agressivas, depois de um período de forte crescimento econômico, o país voltou a se encontrar com o chamado stop in go, um movimento de crescimento econômico alternado com redução, um verdadeiro sobe e desce que nos assusta e inviabiliza toda e qualquer política mais efetiva de construção de um país moderno, dinâmico e empreendedor, sonho de todos que se locupletam com o trabalho e a meritocracia.

Neste embate eleitoral encontramos os mais variados candidatos, desde os mais ortodoxos religiosos que, mesmo na campanha eleitoral, se retiram do pleito e se refugiam em locais de meditação e reflexões religiosas, até candidatos presos e condenados que insistem em fazer campanha mesmo sabendo que seu nome não mais vai constar nas urnas na data da eleição e, destacamos ainda, os candidatos internados, fruto do ambiente de agressividade, de intolerância e de violência reinantes, vivemos um momento sui generis que nunca vivemos em terras brasileiras.

As eleições presidenciais no país ofuscam, infelizmente, as eleições para senadores e deputados, uma eleição fundamental, já que são estes parlamentares que aprovam ou desaprovam os projetos do Executivo, e colocam na berlinda os presidenciáveis cujas propostas são um misto de desinformação e de prepotência, mostrando que o futuro do país pode ser muito pior do que o presente, gerando mais desesperança e indignação para a população e inviabilizando novos investimentos e a recuperação econômica.

Alguns intelectuais e jornalistas temem pelo democracia brasileira, vendo em alguns candidatos riscos concretos de fragilizar as bases democráticas da sociedade brasileira, outros acreditam que tais candidatos tem todas as condições necessárias para retirar o país da crise e injetar no povo brasileiro mais ânimo e esperanças, depois de uma forte recessão que consumiu mais de 9% do produto interno bruto do país, estas indagações são bastante relevantes, as dúvidas existem e só poderão ser respondidas com o passar do tempo, antes disso tempos apenas especulação.

O país precisa de mudanças estruturais, somos um país com grande potencial de crescimento na renda e melhoria nos indicadores sociais e econômicos, somos dotados de recursos naturais altamente ricos e fomos agraciados com recursos hídricos e energéticos que poucos países ou regiões do mundo podem se vangloriar de possuir estas reservas naturais e estratégicas, mas, mesmo diante de tantas riquezas, somos um país que apresenta uma pobreza abissal, nossas riquezas são extraídas e levada para as mais variadas regiões do mundo, transformando-nos no eterno país do futuro.

Economistas liberais e intervencionistas se matam em uma discussão insana, os primeiros defendendo o mercado como o grande agente do desenvolvimento enquanto os últimos acreditam que todo e qualquer desenvolvimento deve ser feito e estruturado com bases no Estado nacional, discutem ideias e teses importantes mas esquecem que na economia do conhecimento faz se importante que Estado e Mercado estejam juntos e interligados, onde os rancores deem espaço para a integração e a sociedade perceba que esta dicotomia apenas retarda o desenvolvimento do país e geram instabilidades e incertezas crescentes.

Liberais defendem uma privatização generalizada enquanto os mais intervencionistas acreditam que todo desenvolvimento econômico deve ser sustentado pelo investimento estatal, por isso, as eleições presidenciais se transformam em um verdadeiro palco de teses e antíteses, onde cada grupo busca exemplo em países com características por eles defendidas, argumentando e se utilizando de cálculos econométricos sólidos para defender seus pensamentos.

Na sociedade encontramos problemas dos mais primitivos, desde as deficiência da educação básica e fundamental mostradas recentemente pelos dados divulgados pelo MEC, passando pelas agruras da segurança pública, somente em 2017 foram mortos mais de 63 mil pessoas, as deficiências do sistema de saneamento básico que levam mais de 30 milhões de residência a sobreviver com grandes toneladas de esgotos e produtos degradados, cujos impactos sobre a saúde do cidadão se agravam de forma permanente e irreversível.

O desemprego é um dos maiores nos últimos anos, temos hoje mais de 13 milhões de pessoas desempregadas, se somarmos os que perderam as esperanças de conseguir uma nova ocupação, estes números dobram e nos levam a preocupações das mais variadas, sem emprego não se tem salários e rendas, sem estes não aumentamos o consumo e não abrimos espaços para os novos investimentos produtivos, somente estes podem impulsionar a economia do país.

As cidades estão em momentos de grande degradação, as finanças públicas estão destroçadas e o planejamento urbano inexiste, os grandes grupos econômicos dominam as estruturas estatais e impõem aos cidadãos políticas acertadas em gabinetes e sem a conversa com os indivíduos e representantes da população, criando novas possiblidades de ganhos e fragilização nas estruturas de decisão, gerando impactos imediatos sobre a democracia e a participação popular.

Este ambiente leva a inúmeras indagações e reflexões, a Democracia Representativa está fragilizada e enfraquecida na sociedade internacional, autores como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt que publicaram recentemente Como as democracias morrem, mostrando que estamos em um momento delicado na sociedade internacional, as bases que estruturaram o crescimento econômico do pós segunda guerra mundial estão ruindo e gerando contestação e desesperança.

Segundo os autores, as origens desta crise remonta a alguns anos, a ascensão do poder do capital e o entrelaçamento entre o dinheiro e a política, na atualidade a ameaça as democracias não mais se concentram em golpes de Estado e regimes de exceção que são constituídos de forma violenta e agressiva, as ameaças estão naqueles que ganham eleição e se utilizam deste poder para impor novas sanções sociais, transformando-se em verdadeiros ditadores eleitos democraticamente, citamos como exemplo o presidente turco Recep  Tayyip Endorgan e o venezuelano Nicolás Maduro, entre outros, eleitos democraticamente e seduzidos por um governo forte e autoritário, cujo poder oprime a população e compromete o futuro da sociedade.

O Brasil, para muitos analistas, corre sério risco de perder seu status de democracia, a sedução de um discurso autoritário está levando muitos eleitores, das mais variadas classes sociais, mas com predominância para os de renda mais alta, a apoiarem candidatos truculentos e autoritários, acreditando, com isso, que estes terão as condições de resolver os problemas nacionais e acabar com a insegurança e a violência que se arrastam pela sociedade brasileira, segundo estes cidadãos, o Brasil precisa de um governo forte que aja com mais força para evitar que o país descambe para a anarquia, com isso apoiam o porte de armas, a liberdade de policias atirarem para matar afinal, bandido bom é bandido morto.

Analisando as propostas econômicas percebemos uma conversão ao pensamento liberal, estas ideias defendem um Estado menor e mais preocupado com o clima jurídico e institucional e um Mercado mais atuante, as privatizações seriam uma das formas de combater a corrupção generalizada que se instalou no país e ao alienar o patrimônio público, usar estes recursos para reduzir os estoques de dívida pública, abrindo espaço para uma redução generalizada das taxas de juros que teriam um efeito direto sobre a atividade econômica e os investimentos, reanimando todo o sistema econômico e produtivo.

As ideias acima são sedutoras, encantam muitas pessoas e fazem com que muitos grupos sociais decidam votar nestes candidatos, embora entendamos que a privatização, no caso brasileiro, deve ser bem vinda e tem potencial de alavancar a economia do país, acreditamos que o histórico das votações e do comportamento parlamentar do candidato nos leva a colocar em dúvida a defesa destas teses liberais, isto porque, em quase trinta anos como parlamentar, todas as propostas liberalizantes foram por ele rechaçadas, desde o Plano Real, as concessões, as privatizações, entre outras.

Outro ponto de destaque, é como garantir governabilidade com um partido tão fraco no Congresso Nacional? Se temos um presidencialismo de coalizão que prescinde de, no mínimo 308 deputados e 49 senadores, para fazer as grandes mudanças nacionais que nos mostrem os caminhos para o crescimento econômico e as melhorias sociais, como a Reforma de Previdência, a Reforma Tributária, a Reforma Política, etc… todas necessitam de um alto apoio político, como conseguir tal apoio em ambiente partidário tão fragmentado e desorganizado como o brasileiro?

Outros candidatos se colocam na disputa com uma procuração nas mãos, suas ideias repetem o mantra que levou o país a esta situação de semi-estagnação que vivemos na atualidade, votar neste mesmo grupo social me parece preocupante, além disso, insistem em não assumir suas culpas e insistir em colocar a responsabilidade da crise nacional no colo dos outros, sem auto crítica o que podemos esperar destes que pregam as mesmas coisas e se esquecem dos resultados anteriores, o país precisa construir pontes entre os grupos sociais e políticos e deixar de lado os confrontos degradantes e mentirosos, o Brasil precisa de decência e compromisso com um futuro e não compromissos com o poder e a acumulação.

Todas estas questões são importantes e devem ser respondidas a contento, o voto deve ser visto como o início de uma cidadania mais ativa, as redes sociais impulsionaram esta cidadania e, principalmente, esta discussão política e institucional, muitos perceberam a relevância da política na sociedade e a necessidade de participar ativamente destas discussões, somente assim a coletividade vai conseguir atuar como um agente mais ativo e participativo nas grandes transformações sociais e garantir uma sociedade mais justa e meritocrática num futuro próximo.

O Brasil tem escolhas sérias a serem feitas imediatamente, divulgar Fake News e denegrir as ideias daqueles que pensam contrariamente aos nossos pensamentos é intolerância e ignorância, pouco sabemos e precisamos ter consciência disso, as redes sociais são instrumentos importantes e poderosos para melhorar nossa cidadania mas, ao mesmo tempo, como destacou Umberto Eco, deu voz a muitos idiotas, e abriu espaço para que todos se achem no direito de falar, de escrever e de opinar sobre todos os temas, a ignorância esta dominando o mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Imortal: Cairbar Schutel

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Uma homenagem ao bandeirante do Espiritismo brasileiro, Cairbar Schutel, leitura imprescindível para todos que queiram compreender um pouco mais de um dos grandes divulgadores do espiritismo, responsável pela criação do jornal O Clarim e a Revista Internacional de Espiritismo (RIE).

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“O ajuste leva ao estancamento’ segundo Joseph Stiglitz.

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O economista Joseph Stiglitz foi a estrela e a ovelha negra da Conferência de Prêmios Nobel na Ilha de Lindau, ao sul da Alemanha, que terminou no sábado. O professor daUniversidade de Columbia faz parte de um reduzido grupo entre os 17 condecorados que participaram do encontro, que não reclamam publicamente medidas de austeridade, mas maiores estímulos fiscais para enfrentar a crise e reduzir o desemprego.

Enquanto os jovens economistas e jornalistas o rodeiam em cada oportunidade, seus pares o olham com receio. As declarações que faz sobre o fracasso e a incapacidade das ideias econômicas dominantes para compreender e oferecer uma ruptura à crise se chocam com a visão que os outros Nobel possuem. Estes especialistas consideram que o marco teórico não teve nenhuma responsabilidade, posição compartilhada por muitos dos 373 economistas de todo o mundo que fazem parte do evento e discordam das críticas de Stiglitz.

Depois de várias tentativas interrompidas poucos minutos antes de começar, o ganhador do Prêmio em 2001 concedeu uma entrevista ao Página/12 durante uma caminhada do centro de conferências até a ópera da ilha, onde devia participar de uma reunião a portas fechadas. Ao longo do trajeto, o economista destacou o desempenho dos “países emergentes” e assinalou que a Argentina deve aprofundar a industrialização, já que “as commodities não são suficientes para o desenvolvimento”, assim como fortalecer o mercado interno. Antes de terminar a reportagem, perguntou: “Parece que vai ser reeleita, não?”, em referência a Cristina Fernández de Kirchner. E depois adiantou que “ainda não está confirmado, mas me parece que vou retornar à Argentina em dezembro”.

A entrevista é de Tomás Lukin e está publicada no jornal argentino Página/12, 28-08-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Por que considera os planos de ajuste fiscal errados?

Essas políticas levam ao estancamento; são necessários mais planos de estímulo fiscal para recuperar o crescimento e alcançar níveis menores de desemprego nos Estados Unidos e na Europa. A política monetária hoje não é efetiva. Os primeiros pacotes de estímulo fiscal, em 2008, funcionaram bem. Do contrário, o desemprego teria sido muito maior. Ao mesmo tempo, essa expansão gerou importantes déficits orçamentários. A melhor forma para enfrentar esses déficits é com maior gasto, a austeridade vai na direção contrária. É uma visão equivocada, é a mesma receita que o FMI aplicou na Argentina. Sabemos o que acontece: a economia se desacelera, depois entra em recessão e finalmente termina com uma depressão. Sem crescimento não é possível sair da crise. Quanto mais demorara o resultado político maiores serão a instabilidade e os custos.

Os argumentos contra os estímulos fiscais sustentam que essas medidas aprofundarão ainda mais os déficits.

O problema não são os déficits orçamentários, nem sequer a recessão; o problema é o déficit de emprego que há. Atualmente, nos Estados Unidos temos 14 milhões de desempregados, mas na realidade são 25 milhões as pessoas que não podem conseguir um emprego de tempo completo. Esta situação só vai piorar com os planos de austeridade. A melhor forma de enfrentar a crise é criar postos de trabalho. A teoria econômica tradicional fracassou. Há um princípio muito simples chamado “multiplicador orçamentário”: caso se arrecadar impostos e gastar o dinheiro de forma balanceada de tal forma que o déficit não cresça, a economia crescerá. No médio prazo, essa política tende a reduzir o déficit e assegura a sustentabilidade da economia porque o PIB crescerá e a dívida e o déficit serão menores em termos relativos. Caso se desenhar bem o multiplicador, o estímulo fiscal pode ser muito grande. Nesse sentido, nos Estados Unidos se pode cobrar impostos do 1% mais rico que concentra 25% do ingresso e gastar o dinheiro em investimentos que garantem maior crescimento. Essa dinâmica é uma forma de resolver este dilema.

A crise estrutural na Europa desencadeará a desintegração da união monetária?

Será preciso mais dinheiro para que o euro funcione, assim como também será preciso mais dinheiro para que deixe de fazê-lo. De uma forma ou de outra, a Alemanha vai perder muito dinheiro. Há vida após o default e após abandonar um sistema de câmbio fixo. Na Argentina, o fim da paridade cambiária e o default tiveram um alto custo. Depois de um período de queda, a Argentina começou a crescer muito rapidamente, inclusive na ausência do que muita gente considera as “melhores” práticas econômicas, com boas políticas, mas não perfeitas. Eu creio que é muito difícil voltar a juntar um ovo quebrado, me parece que o euro é uma iniciativa muito boa. Por isso, não creio que seja necessário que nenhum país abandone o euro. Como disse antes, é necessário impulsionar planos de estímulo. Para isso se pode injetar mais recursos no Fundo de Estabilidade Financeira Europeia para fazer frente aos problemas da região. Também é possível emitir eurobônus.

O aprofundamento da crise nos Estados Unidos e na Europa atingirá os países em desenvolvimento?

Em 2010, o crescimento global foi bom. Até agora, os países emergentes foram bem, essa é uma grande notícia. Muitos se recuperaram com força, como a China e o Brasil. Mas se a recessão se aprofundar nos Estados Unidos e na Europa, as economias emergentes terão dificuldades. Creio que vão poder enfrentar uma queda nas exportações, mas é necessário que fortaleçam a demanda interna. Embora uma diminuição do crescimento chinês pressionasse os preços das commodities para baixo e isso atingiria a Argentina, considero que a China vai poder driblar a crise e manter assim os níveis de demanda destes produtos.

O bom desempenho das economias como a argentina responde somente às exportações de bens primários e aos elevados preços internacionais?

Não, essa situação vai beneficiar a América Latina e outros países dependentes das exportações de commodities. Mas essas exportações não são suficientes para garantir o crescimento sustentável e a redução do desemprego. Os países da região como a Argentina têm que diversificar suas estruturas produtivas, investir em setores de alta tecnologia. É um processo demorado. Os países como a Argentina, Brasil e China implantaram políticas macroeconômicas muito boas. Compreenderam a importância de um estímulo keynesiano bem desenhado para escorar a economia e garantir que o desemprego não se alastre. Há um conjunto de aspectos que permitem que os países emergentes não se vejam diretamente afetados pela crise. Por exemplo, as regulações bancárias em muitos países são muito melhores, de melhor qualidade, que as dos Estados Unidos e da Europa. Em alguns casos isso se deveu ao fato de que os países já haviam atravessado grandes crises. A Argentina fez as coisas muito bem nos últimos anos para garantir um forte crescimento a taxas muito altas e controlar a inflação.

 A inflação é um problema para as economias emergentes?

A Argentina enfrenta, como muitos países emergentes, o desafio de controlar a inflação em um mundo em recessão. É um tempo muito difícil para levar adiante essa tarefa porque se experimentam choques negativos de demanda e choques inflacionários externos. Não há uma forma simples para atravessar ambos os desafios. O foco excessivo dos bancos centrais em controlar a inflação é um erro, mas também é um erro ignorar o fenômeno. A estabilidade financeira, o crescimento e o emprego também têm que fazer parte de seus objetivos. A baixa inflação não garante o crescimento sustentado. Na Europa, a preocupação do Banco Central com os aumentos de preços é um dos fatores que debilita a economia. Por sua vez, o Brasil conseguiu crescer, mas seu excessivo enfoque na inflação deu como resultado taxas de juros muitos elevadas, entre as mais altas do mundo.

O que quer dizer quando afirma que a teoria econômica tradicional fracassou?

Os modelos utilizados pelos bancos centrais, economistas, os banqueiros, criaram um marco de política que esteve no epicentro da crise. Diziam que não era necessária a regulação, que os mercados eram eficientes por sua conta ou que a baixa inflação era suficiente para garantir um caminho de crescimento. A macroeconomia não se auto-regula e não leva ao pleno emprego. O problema não é a simplificação à qual os modelos recorrem, a questão é que estes modelos dizem que a crise não podia acontecer. Se os modelos não contemplam os bancos então não existe o crédito. Como é possível pensar em estratégias para impulsioná-lo? Em matéria laboral, a teoria assinalava que um dos problemas era a rigidez no mercado de trabalho. Mas os países onde hoje se aprofunda o problema do desemprego são aqueles que mais desregularam esse mercado. Ao contrário, onde essas políticas não foram aplicadas o desemprego é menor. Um dos principais problemas em nossa sociedade é a crescente desigualdade, essa situação diminui a demanda agregada e a brecha que se gerou foi coberta por uma bolha bancária de consumo artificial que impulsionou a instabilidade. A agenda da economia ignorou isto e acreditava que a alcançava com aumentos de produtividade. Os modelos dominantes tradicionais não se faziam as perguntas adequadas.

 

Safatle: Ataque a Bolsonaro despolitiza debate e põe esquerda no alvo

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por Sérgio Lirio— publicado 07/09/2018

A exploração política do episódio, diz o filósofo, tende a esvaziar a discussão de propostas e abre espaço para o candidato ampliar o eleitorado

Em março, quando a caravana de Lula foi alvejada por tiros e uma parte dos brasileiros, entre eles Jair Bolsonaro, aplaudiu o ataque, o filósofo Vladimir Safatle alertou em entrevista a Carta Capital para a escalada de violência. “Vivemos uma fase cada vez mais explícita de guerra civil. A sociedade brasileira caminha para os extremos da radicalização política”.

A previsão se confirma com a agressão a Bolsonaro em Juiz de Fora, Minas Gerais. Com quais consequências? A despolitização da campanha eleitoral e o fim do debate das ideias, o que, segundo Safatle, favorece a quem almeja colocar no Palácio do Planalto a junção de extrema-direita com neoliberalismo.

Carta CapitalQuais as consequências político-eleitorais da agressão ao candidato Jair Bolsonaro?

Vladimir Safatle: Em hipótese alguma Bolsonaro conseguiria vencer uma eleição. Seu teto eleitoral foi alcançado há meses. Ele está faz tempo estacionado no mesmo patamar de intenções de votos e representa um setor bastante minoritário da população. Por isso não teme em flertar com a ditadura, com a aceitação do passado autoritário, e cuja política econômica é simplesmente delirante, um neoliberalismo puro e duro que em nenhum lugar foi aplicado da forma como os assessores dele propõem. Nos locais onde foi em parte aplicado, os resultados têm sido catastróficos.

Só mesmo com um fato novo uma candidatura como esta poderia conseguir agregar eleitores para além do seu setor de representação social. É óbvio que haverá uma instrumentalização política. E é óbvio que, de uma maneira ou de outra, o episódio irá influenciar o processo político-eleitoral. O que acontece no Brasil é significativo em relação ao contexto mundial. O País tende a se tornar um laboratório de um modelo de aplicação do neoliberalismo ainda não testado. Seria uma junção da extrema-direita, com traços fascistas, e neoliberalismo. A extrema-direita na Europa não é neoliberal. Ela é antiliberal. Por isso, inventaram por lá uma outra configuração, como no caso da França, uma tentativa de criar um neoliberalismo com “rosto humano”.

CCO senhor acredita em uma escalada da violência na campanha?

VS: A campanha se demonstrava muito violenta desde o início, desde os tiros disparados contra a caravana do Lula e das declarações de estímulo aos ataques, inclusive do próprio Bolsonaro. O candidato externou recentemente a ideia de “metralhar” os opositores, os petistas. Um elemento como este só potencializa o fato, em relação ao qual deveríamos estar cientes: a sociedade brasileira entrou em conflito aberto. Não há mais condições para certos setores encontrarem um campo político comum. Isso só vai ficar cada vez mais explícito.

CC: Ainda vê risco de as eleições não acontecerem?

VS: Sim, mantenho a minha avaliação de que não teríamos eleições em 2018. Há várias formas de ela não acontecer. Não há nenhuma condição, em uma situação normal, de que esta política econômica implementada por Michel Temer e defendida por vários candidatos, entre eles Bolsonaro, saia vencedora das urnas.

É uma pauta claramente rechaçada pela maioria da população. Por isso é preciso criar situações artificiais, distorcendo o sentido da eleição, para que essa pauta tenha alguma possibilidade de ser chancelada. Não falo aqui da agressão a Bolsonaro, mas dos movimentos para barrar a legitimidade da disputa. Quem fez o que fez nos últimos dois anos, quem deu um golpe parlamentar, não tem disposição de aceitar um resultado diferente daquele projetado. Não há possibilidade de um candidato com uma pauta de esquerda, mesmo se vitoriosa nas urnas, assumir. Como vai acontecer, quais os elementos serão mobilizados, é imprevisível. Essa eleição está esvaziada desde o início.

CC:  A esquerda tende a ser criminalizada depois do episódio?

VS: Essa será a retórica mobilizada daqui para frente. Mesmo que o responsável pela agressão seja um indivíduo com traços claramente esquizofrênicos, delirantes… Ele disse ter atacado a “mando de Deus”. Pouco importa. A narrativa está criada. A esquerda, de uma forma ou de outra, seria a responsável, embora seja muito bom lembrar que ela tem sido a principal vítima durante todo esse processo e nunca respondeu. Foi alvo de provocações do próprio Bolsonaro. Agiu de forma contida. Mas nada disso vai ser levado em conta.

O jogo retórico para forçar ligações que não existem está em curso. É o esperado. A esta altura, o Bolsonaro é o único candidato viável para a direita. E vão tentar de tudo para que ele vença. A despolitização completa da campanha é a última cartada. Ela precisa seguir por outro lado, longe das discussões de propostas e ideias. E o episódio infelizmente serve a este propósito.

Desde o retorno das eleições diretas, o consórcio que promoveu o golpe de 1964 nunca havia conseguido comandar um processo eleitoral. Esteve sempre à reboque, aliado a outros projetos. Com a falência da Nova República, o esvaziamento da dicotomia PT-PSDB, esse consórcio (militares, empresariado, setores conservadores da Igreja e da mídia) enxergam a possibilidade de voltar ao poder sem intermediários.

 

Chico de Oliveira: ‘Não há lugar para propostas extremadas no Brasil’

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Amanda Massuela – 14 de maio de 2018

Nem tanto à esquerda, nem tanto à direita: para o sociólogo Francisco de Oliveira, 84, é preferível que se acerte um programa consistente de centro-esquerda para o país do que se iniciem “aventuras esquerdistas” por aqui. “Esse movimento de ida para o centro encontra respaldo na sociedade. O último grande grito pela esquerdização foi do PCdoB. O que é o PCdoB hoje, alguém sabe? Não tem mais sustentação social”, afirma à CULT em entrevista por e-mail.

Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e crítico tenaz dos governos Lula, Chico diz se identificar “com essa espécie de água com açúcar que é o PSOL”, partido que, em sua opinião, não será capaz de ocupar o lugar do PT dentro da esquerda brasileira.

“O PSOL chegou atrasado porque a esquerda foi ocupada pelo PT e, na estrutura político-partidária que nós temos, esse é o lugar do PT. O PSOL não vai tomar esse lugar, mesmo que possa fazer propostas radicais – o que seria um equívoco, porque nenhuma proposta radical cola mais no Brasil”, afirma o sociólogo, que admite ter menosprezado as direitas brasileiras ao afirmar, em 2015, que o impeachment não passava de “fogo de palha”.

Chico usa a mesma imagem para definir Jair Bolsonaro, ainda que o pré-candidato apareça em primeiro nas pesquisas eleitorais. Para ele, o deputado “se faz de extremista para poder entrar no jogo político”. “Ele se extrema para poder angariar votos, mas não é tolo, nem a direita está aí para isso. Se ele ganhar a eleição, não vai fazer o que proclama”, diz.

O sociólogo, que recentemente teve seus ensaios reunidos na compilação Brasil: uma biografia não autorizada (Boitempo), não trabalha em novos textos – seu “xodó foi e continua sendo” o ensaio Crítica da razão dualista, com o qual se lançou à academia, em 1972. Nesta entrevista, ele comenta o cenário eleitoral, a ascensão de Bolsonaro e a organização do campo da esquerda.

CULT – Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2015, o senhor afirmou que a concentração da crítica em Dilma era “fogo de palha” e que a discussão do impeachment “não iria para frente”. Acredita que tenha menosprezado as forças de direita do país?

Chico de Oliveira – A gente sempre menospreza. Pelo menos quem está do lado de cá. Acho que eu subestimei a força da direita naquela ocasião.

O senhor também afirmou que a sociedade brasileira é “muito diversificada e não comporta uma direita extremada”. Como explicar, então, a popularidade de Jair Bolsonaro, que aparece em primeiro lugar nas pesquisas em um cenário sem Lula?

Mesmo sem Lula ele não ganhará eleição nenhuma. O Jair Bolsonaro é uma espécie de fogo de palha. Ele parece ter uma estrutura capaz de levá-lo à Presidência, mas não tem. Ele é tipicamente o fogo de palha e vai fazer estrago só no primeiro turno.

Após a segunda vitória de Lula, o senhor escreveu que poderíamos estar assistindo a uma “hegemonia às avessas”: uma dominação burguesa “descarada” enquanto as classes dominadas tomam apenas a direção moral da sociedade. Não é possível imaginar um governo de esquerda, no Brasil, que fuja deste arranjo?

Não, não é. Não é possível porque o Brasil é a sexta economia mundial. Não se brinca com isso. A direita não está brincando com isso, e a esquerda não tem propostas. Quer dizer, o que é que se faz com a sexta economia mundial de um ponto de vista de esquerda? Nada. Não pode fazer. O Brasil é muito importante no cenário mundial para qualquer orientação esquerdista. Veja que todas as grandes orientações esquerdistas mundiais não naufragaram, mas converteram-se em fiadoras do capitalismo. É o caso da social-democracia europeia, sobretudo a social-democracia alemã, que deu as cartas para a esquerda não comunista durante décadas e hoje é indistinguível de qualquer partido de centro. O Brasil é uma grande potência. Como dizia Nelson Rodrigues, nós temos espírito de vira-lata – e não percebemos que o Brasil é a sexta economia mundial. Quer dizer, passamos a Itália e a Inglaterra. Se alguém muito pirado dissesse isso 50 anos atrás, ia logo para o hospício.

À CULT, em 2010, o senhor disse que “ao incorporar as lideranças dos movimentos sociais, o PT esvazia o potencial crítico e transformador desses próprios movimentos”. A mesma lógica se aplicaria à relação entre PSOL e Guilherme Boulos?

Mais ou menos. Eu até sou inscrito no PSOL, mas o PSOL chegou atrasado porque a esquerda foi ocupada pelo PT e, na estrutura político-partidária que nós temos, esse é o lugar do PT. O PSOL não vai tomar esse lugar, mesmo que possa fazer propostas radicais – o que seria um equívoco, porque nenhuma proposta radical cola mais no Brasil. Isto é uma sociedade de classe média poderosa, porque é a sexta economia mundial. Ninguém brinca com isso, nem à esquerda, nem à direita. O que o PSOL tem que fazer é permanecer crítico, mas sem tentar atrair para si forças que são completamente piradas. Não tem chance nenhuma de levar o Brasil para uma posição extremada. Seria um equívoco do PSOL. Eu sou inscrito no PSOL e não apoio isso.

Então, você pode perguntar: o senhor apoia a espécie de água com açúcar que é o PSOL? Apoio. Eu também sou água com açúcar. Não tem lugar para propostas extremadas. A sociedade brasileira não é uma sociedade subdesenvolvida com espaço para propostas do tipo que o PT fez no passado e não faz mais. É conformismo? Não. É melhor acertarmos um programa de centro-esquerda e sermos consistentes com ele do que tentarmos aventuras esquerdistas. O Brasil é muito sério, muito importante para a gente tentar propostas que não têm apoio social.

Um discurso extremado de esquerda ou de direita não cola. Isso a gente pode ver pela experiência internacional. O PT nasceu como uma espécie de social-democracia mais radicalizada. Ele foi indo para a direita, no sentido de uma social-democracia. O PT é o partido social-democrata brasileiro. O Fernando Henrique pensou que dar o nome de social-democracia ao PSDB converteria os tucanos em social-democratas. Mas não é verdade. Aí ele foi mau sociólogo. Ele foi bom político, mas mau sociólogo. Não existe essa história de você se deslocar nominalmente para a esquerda como uma social-democracia. Quais são as bases populares dos tucanos? Social-democracia não é um apelido, a social-democracia foi uma tendência das classes sociais no sistema capitalista, não fora do sistema capitalista. O que era fora do sistema capitalista eram certas reivindicações de Karl Kautsky, por exemplo, um grande político social-democrata dos séculos 19 e 20, um alemão que fez o aggiornamento [atualização] do marxismo para o centro. Ele é o grande ideólogo desse aggiornamento, que na verdade é uma “direitização”. Ele é o grande autor. Ele e o [Eduard] Bernstein, que foi um social-democrata importantíssimo. O Bernstein era desprezado pela esquerda.

Então, esse movimento de ida para o centro é um movimento que encontra respaldo na sociedade. O último grande grito pela esquerdização foi do PCdoB. O que é o PCdoB hoje, alguém sabe? Não, não tem mais sustentação social. O Brasil é uma sociedade ainda pobre, não está no nível da Europa ocidental, mas se aproxima. O consenso social é formado por uma grande classe média que dá apoio a propostas que eram da tradição socialista, mas não dá apoio à socialização dos meios de produção. Na grande tradição social-democrata, o que sobrou, com muita força, nos países da social-democracia ocidental, foram os direitos sociais. Mas nada além disso. A social-democracia foi muito avançada, mas não foi além disso.

As esquerdas parecem ter crescido em países nos quais “radicalizaram” suas pautas; é o argumento usado por Vladimir Safatle, por exemplo, para defender essa posição mais “radical” para a esquerda brasileira. É o caminho que deveria ser seguido por aqui?

O verbo talvez esteja bem aplicado. Deveria, mas não vai ser. Exatamente pelas razões que Safatle aponta. Não se chega a essa posição na economia mundial para ressocializá-la. Isso é excesso de otimismo. A questão é a seguinte: não foi a esquerda em termos partidários que se orientou para a direita, foi a sociedade. A sociedade não comporta mais os extremos de pobreza que o Brasil conheceu. Se você sair fazendo inquérito, todo mundo hoje vai se considerar de classe média. Isso é importante, porque dirige a opinião das pessoas quanto ao regime e ao sistema. De fato, não tem oposição ao capitalismo no Brasil. Nós somos muito parecidos, mas somos uma social-democracia subdesenvolvida.

Não é possível que haja uma renovação na política brasileira?  

Não, não é. Isso é otimismo. Não há nenhuma renovação no sentido de levar a sociedade e os partidos mais à esquerda, com a visão mais aberta, mais progressista. Pelo contrário, o risco é de uma maior direitização da política. Jair Bolsonaro não está aí à toa. Ele representa, de fato, embora partidariamente isso seja muito complicado, uma classe média majoritária que não quer saber de extremismos. Ele se faz de extremista para poder entrar no jogo político, porque ele não era nada. Ele é um ex-militar do Exército. E não tinha nada. Olhem nossos jornais de 30 anos atrás para ver se o nome do Bolsonaro estava lá. O do Lula já estava.

Bolsonaro representa de fato uma classe média. Ele se extrema para poder angariar votos, mas não é tolo, nem a direita está aí para isso. Se ele ganhar a eleição, não vai fazer o que proclama. Ele é uma espécie de Trump brasileiro: arrogante e com propostas que são mirabolantes do ponto de vista do sistema. Quando chegou lá, o que é que o Trump fez? Esses políticos de extrema direita na verdade são idiotas, porque se o Trump pensa que pode modificar a economia dos Estados Unidos é porque ele nunca leu nada. O mundo gira em torno da economia dos Estados Unidos. Ele não pode fazer nada. Ele pode arrotar… e gogó todos nós temos. O Bolsonaro é um Trump brasileiro, evidentemente muito rebaixado, porque o Brasil não tem a importância dos Estados Unidos. Mas ele não vai fazer nada. Quando você tem uma proposta como essa, uma das coisas a reformar são os meios de comunicação. O que é que ele fará contra a Globo? É risível. Ele é um idiota. Perigoso, porque vai levar a sociedade, com a sua liderança, para posições perigosas. Ele não fará nada, entretanto. No discurso ele incita. Isso é perigoso. Mas ele, como o Trump, não fará essencialmente nada nesse sentido. Para isso, seria preciso mudar a posição do Brasil na economia mundial. E isso não tem ninguém que faça.

Para dizer de forma sociológica, a sociedade brasileira é de centro-esquerda. Ninguém quer a volta da truculência militar, mas também ninguém quer que a esquerda faça nada radical para mudar a estrutura das forças sociais no país. O Brasil realiza um programa social-democrata, com uma grande classe média, que está no centro do sistema. Ela não toma nenhuma medida radical. Por isso o Bolsonaro é só um extremismo eleitoral. Ele não tem substância nenhuma para uma mudança radical no Brasil. É tudo gogó.

 

“Um número crescente de economistas está engajado em trabalhos que levam a inclusão à sério”: Dani Rodrik.

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O economista turco diz que as sociedades, para não caírem nas mãos dos demagogos, precisam estar atentos para superar as divisões econômicas e sociais causadas pela globalização.

Por Guilherme Evelin

Em 1997, no auge do consenso a favor dos benefícios da globalização, o economista turco radicado nos Estados Unidos Dani Rodrik, professor da Universidade Harvard, publicou um pequeno livro que ia contra a corrente. Em A globalização foi longe demais? (Editora Unesp), Rodrik divergia da maior parte de seus colegas economistas, para quem a globalização, com a desregulamentação e a redução das barreiras para o livre-comércio e o livre trânsito de capitais financeiros, só tinha méritos e só traria benefícios, tanto para países ricos quanto para países pobres — os consumidores dos países ricos teriam acesso a bens e mercadorias mais baratos produzidos nos países pobres, enquanto as economias dos países pobres cresceriam com a maior demanda por suas exportações. No livro, Rodrik apontava os altos custos políticos e sociais da globalização, menosprezados por seus colegas.

A obra causou alvoroço entre os economistas. Rodrik contou mais tarde ter sido, uma vez, abordado por Paul Krugman, o economista americano que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2008, que o advertiu de que seu livro fornecia “munição para os bárbaros”. A crise financeira internacional de 2008, a fragilidade do euro, a votação dos britânicos a favor do Brexit — a saída do Reino Unido da União Europeia —, a eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos, a ascensão política de populistas xenófobos em vários países da Europa mudaram o curso da conversa. A crítica de Rodrik passou a ser vista como presciente. No ano passado, o último livro de Rodrik, Straight talk on trade(numa tradução livre, Papo reto sobre comércio), com mais ataques à “hiperglobalização” e aos economistas que abandonaram suas dúvidas para atuar como meros ideólogos, foi escolhido como uma das melhores obras de 2017 por Martin Wolf, comentarista do jornalFinancial Times. Wolf era, ele próprio, um dos maiores entusiastas da globalização.

Num livro anterior, The globalization paradox (O paradoxo da globalização), Rodrik cunhou o “trilema da globalização”. “Não é possível ter hiperglobalização, democracia e soberania nacional ao mesmo tempo”, escreveu. Para ele, para preservar a democracia, é preciso dar alguns passos atrás na integração da economia internacional. O economista está longe de ser, porém, um defensor do nacionalismo econômico iracundo de Trump. Rodrik acha que é possível ter uma globalização mais inteligente e flexível — como a que prevaleceu nos tempos de vigência do Gatt, o acordo geral de tarifas e comércio anterior à criação da Organização Mundial de Comércio (OMC). “O objetivo do Gatt nunca foi maximizar o livre-comércio, mas alcançar o máximo de comércio compatível com diferentes nações fazendo suas próprias coisas.”

Rodrik respondeu, por e-mail, a perguntas de ÉPOCA sobre populismo, Donald Trump, a ameaça de guerra comercial no mundo e a crise brasileira. Em relação ao Brasil, ele disse que o país precisa antes de tudo resolver sua crise política interna para retomar um projeto de crescimento econômico. Em relação ao mundo, apesar de Trump, ele se mantém otimista. Num artigo deste ano para o The New York Times, ele lembrou que um surto populista anterior nos Estados Unidos, no final do século XIX, contra os efeitos perversos da globalização da época acabou resultando, na década de 1930, no New Deal de Franklin Delano Roosevelt e na correção de vários problemas do capitalismo.

A seguir, Rodrik responde às nove perguntas de ÉPOCA.

  1. Depois da imposição de tarifas pelo governo Donald Trump a produtos chineses e da retaliação da China a importações americanas, o mundo está caminhando para uma guerra comercial global?

Muito vai depender de como a Europa e a China responderão. Se eles forem contidos em sua retaliação — e eles têm bons motivos para agir desse modo —, terminaremos bem aquém de uma guerra comercial. Guerra comercial não é um desfecho inevitável. E, se ela ocorrer, a China e a Europa deverão dividir a responsabilidade com os Estados Unidos por ela.

  1. As medidas protecionistas, as tensões comerciais crescentes e a eleição de governos populistas significam que estamos entrando em uma era de “desglobalização”?

Acho que também está muito cedo para falar em “desglobalização”. Certamente, uma verdadeira guerra comercial impactaria a globalização. Mas não chegamos lá ainda.

  1. Acredita que a reação populista à globalização, representada pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, pode levar a um aperfeiçoamento da globalização?

Essa certamente é minha esperança. É uma oportunidade para as forças progressistas e para a esquerda oferecerem uma resposta programática genuína — e mostrarem que as queixas que trouxeram Trump à Presidência são reais, mas que há melhores maneiras de responder a elas do que por meio do chauvinismo e do unilateralismo.

  1. O senhor vê a ascensão do populismo, o descontentamento com a globalização nas sociedades ocidentais e a crise das democracias liberais como provas de seu famoso trilema, segundo o qual não é possível compatibilizar democracia, soberania nacional e hiperglobalização?

Isso ocorreu mais na Zona do Euro do que nos EUA, porque foi na Europa que a hiperglobalização foi mais longe. Os EUA poderiam ter evitado a reação populista se tivessem melhores redes de segurança social e se os acordos comerciais assinados pelo país não fossem tão unilaterais, com vantagens tão exageradas. Mas, tanto na Europa como nos EUA, houve um erro crucial: o aumento da globalização aprofunda as divisões econômicas e sociais dentro das sociedades e, a menos que estejamos atentos à superação dessas divisões, os demagogos aproveitam-se do fracasso do centro político.

  1. O senhor é um crítico duro de seus colegas, os economistas, a quem responsabiliza por muito da confusão política e econômica do mundo. Acha que estão prontos para rever seus pontos de vista sobre a liberalização e a desregulamentação das últimas décadas?

Estou otimista com a variedade de ideias políticas que estão surgindo da profissão econômica no presente. Há uma tendência a pensar que o neoliberalismo e a economia mainstream são a mesma coisa. Na realidade, o neoliberalismo foi uma perversão da economia. Um número crescente de economistas está engajado em trabalhos que levam a desigualdade, a mobilidade social e a inclusão a sério.

  1. Se houver uma escalada das medidas protecionistas e tivermos uma reversão da liberalização comercial e financeira das últimas décadas, como um país como o Brasil, que experimentou um crescimento lento desde a década de 1980 e não obteve grandes ganhos com a globalização, pode ser afetado?

Em última análise, o que acontece em casa é mais importante do que esses desenvolvimentos globais — especialmente em um país tão grande como o Brasil. É claro que, se os preços das commodities caírem e os mercados globais começarem a fechar, haverá custos para o Brasil, como em outros países. Mas a prioridade número um do Brasil deveria ser superar a crise política doméstica e ter um programa econômico sério em vigor.

  1. Em seu livro mais recente, o senhor escreveu que um dos fenômenos econômicos mais importantes de nosso tempo é “desindustrialização prematura” — em parte por causa do avanço da automação, em parte em virtude da globalização. Esse é o caso do Brasil, que se tornou principalmente um exportador de commodities nas últimas décadas?

O Brasil sofreu com isso, assim como muitos outros países de renda média. Não vejo uma maneira fácil de reverter a desindustrialização, infelizmente.

  1. Pode algum país vencer o desafio do crescimento sem indústria forte?

Sim, mas terá de ser um caminho diferente de crescimento, uma partida histórica. Parte disso é investimento em pessoas e infraestrutura física. Parte disso é uma estratégia coerente de conectar os setores e empresas mais avançados da economia com os setores e regiões mais atrasados — tanto em serviços quanto em indústria. E tudo isso tem de ser feito sem pôr em risco os equilíbrios macroeconômicos.

  1. Qual é a política inteligente a ser perseguida por qualquer país para vencer o desafio do crescimento em tempos de globalização com tantos paradoxos? A China pode ser uma inspiração ou não?

É difícil copiar diretamente a China e fazer exatamente o que esse país fez. As circunstâncias são muito diferentes. Mas a mensagem geral que o sucesso da China envia ainda é útil: para alavancar sua economia, como a China fez, você precisa de uma estratégia de crescimento interno que se concentre em investimento doméstico, aquisição de tecnologia e diversificação. Você precisa fazer sua própria lição de casa antes que a globalização possa ajudá-lo. A segunda mensagem é: não se deve ficar muito apaixonado por projetos ocidentais ou pelas chamadas “melhores práticas”; uma economia orientada para o mercado pode ser dirigida com diversos arranjos institucionais, e uma certa quantidade de experimentação e heterodoxia é inevitável.

 

Morre Zygmunt Bauman. Leia entrevista inédita em que ele defende a redenção pelo diálogo

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O prolífico sociólogo polonês, célebre por teorizar sobre a “modernidade líquida”, faleceu nesta segunda-feira (9), aos 91 anos

GUILHERME EVELIN E RUAN DE SOUSA GABRIEL – 09/01/2017

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman morreu nesta segunda-feira (9), em Leeds, na Inglaterra, aos 91 anos. A morte de Bauman foi noticiada por jornais poloneses e confirmada por Anna Zejdler-Janiszewska, professora de filosofia da Universidade de Varsóvia e amiga pessoal do sociólogo. Bauman foi um dos pensadores mais celebrados das últimas décadas e escritor prolífico e popular de livros como Modernidade líquidaCapitalismo parasitário e Modernidade e holocausto, publicados no Brasil pela Zahar. Bauman analisou a “modernidade líquida”, característica do mundo pós-globalização, onde a fluidez da tecnologia digital também define as identidades e as relações sociais. O resultado de tanta “liquidez” é um mundo cada vez mais atormentado por ansiedades e inseguranças. Bauman não era um intelectual dos mais otimistas.

Nascido em 19 de novembro de 1925, numa modesta família judaica, Bauman buscou refúgio na União Soviética quando as tropas nazistas invadiram a Polônia. Juntou-se ao Exército Vermelho e se dedicou ao estudo do marxismo. A experiência da guerra marcou indelevelmente a vida e o pensamento do sociólogo, que escreveu sobre as ligações entre a modernidade e o Holocausto. Segundo Bauman, o nacionalismo alemão não é suficiente para explicar a barbárie nazista. As complexas burocracias e tecnologias modernas teriam contribuído para o empreendimento nazista ao criarem condições para o desaparecimento da responsabilidade individual. A preocupação com a ética e as responsabilidades morais é central na obra de Bauman.

Finda a guerra, Bauman voltou à Polônia, onde se dedicou à militância comunista e acadêmica. Com o tempo, desiludiu-se com o comunismo soviético, que descambara em totalitarismo. Ao lado de outros intelectuais da Universidade de Varsóvia – e inspirado pelas ideias do comunista italiano Antonio Gramsci – começou a desenvolver um “marxismo humanista”. “Eu descobri Gramsci, e ele me deu a oportunidade de uma libertação honrosa do marxismo. Era um modo de abandonar a ortodoxia marxista, mas eu nunca me tornei antimarxista, como a maioria. Eu aprendi muito com Karl Marx e sou muito grato”, afirmou.

No entanto, o regime comunista polonês não via com bons olhos o socialismo arejado sonhado por Bauman e seus camaradas. Em 1968, depois de um expurgo antissemita na Universidade de Varsóvia, Bauman partiu para o exílio. Depois de uma temporada em Israel, radicou-se na Inglaterra, em 1971, onde passou a lecionar sociologia na Universidade de Leeds e, posteriormente, na London School of Economics. Bauman também apreciava a literatura e era um grande leitor de Jorge Luis Borges Italo Calvino.

Bauman sempre levantou a voz em defesa dos despossuídos, dos refugiados e dos perdedores da globalização. E nunca perdeu a fé no papel do intelectual de intervir na realidade e fomentar ideias para a transformação do mundo: “Por que eu escrevo livros? Por que eu penso? Por que eu sou passional? Porque as coisas poderiam ser diferentes. Meu trabalho é alertar as pessoas dos perigos”, afirmou.

Bauman foi casado por 62 anos com a escritora polonesa Janina Lewinson-Bauman, que morreu em 2009. Ele deixa sua segunda esposa, Aleksandra Jasinska-Kania, filha do ex-presidente da Polônia comunista Bolesław Bierut, três filhas e mais de 50 livros publicados.

Leia abaixo uma entrevista inédita que Bauman concedeu a ÉPOCA em agosto do ano passado, quando foi publicada a edição brasileira de Babel – entre a incerteza e a esperança (Zahar, 154 páginas, R$ R$ 34,90).

ÉPOCA – Na edição brasileira, o nome do seu livro é Babel – entre a incerteza e a esperança. Por que o senhor acha que há um sentimento crescente, ao menos nas sociedades ocidentais, de vulnerabilidade e incerteza com relação ao futuro de nossa Babel?

Zygmunt Bauman – Um primo próximo da incerteza é o sentimento da impotência. As ferramentas que, no passado, se mostraram eficazes para lidar com os desafios da vida individual e coletiva têm sido desacreditadas, tornaram-se infrutíferas e fúteis. Individualmente ou conjuntamente, nós estamos emergindo, de sucessivos testes, desarmados, infelizes, incapazes de lidar com os desafios. Os sábios na ribalta rivalizam uns com os outros. Sugerem soluções para os nossos problemas, como a guerra ao terror, as restrições à migração, incontáveis reformas trabalhistas e educacionais com o objetivo de preparar nossas crianças de forma a atender a suas demandas caprichosas e voláteis. Todas essas aparentes soluções, uma após a outra, falham em cumprir com suas promessas. Junte à incerteza esse desencorajador e humilhante senso de inaptidão e o sentimento é semelhante a gastar a vida num campo minado que nós sabemos estar cercado de explosivos, mas sem termos nenhum indício de onde ou quando essas explosões vão acontecer.

ÉPOCA – O senhor acha que esse sentimento de vulnerabilidade é devido à globalização – o modo como o capitalismo global é organizado – ou à evolução tecnológica que está substituindo o trabalho humano? Ou a ambos?


Bauman –  
De fato, a globalização parece uma das principais culpadas. Como Ulrich Beck (sociólogo alemão, que viveu entre 1944 e 2015), uma das mentes mais brilhantes do nosso tempo, colocou: nós estamos presos em uma “situação cosmopolita”. Nós, os residentes do planeta, somos interdependentes, conscientemente ou não, queiramos ou não. Mas essa situação não está sendo acompanhada pelo desenvolvimento, pela aquisição e aplicação de uma “consciência cosmopolita”. Nós continuamos com os memos instrumentos concebidos no passado para resolver problemas impossíveis de resolver, que emergem das condições de interdependência, erosão e diluição da autonomia territorial e das soberanias nacionais.

ÉPOCA – Esse sentimento de vulnerabilidade inflamou também uma crescente raiva nas sociedades, que passou a ter consequências políticas, como podemos ver na aprovação do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia aprovada em referendo) e na emergência do fenômeno Donald Trump nos Estados Unidos. Como o senhor acha que essa raiva afetará a democracia?

Bauman – O que nós muitas vezes caracterizamos como “crise da democracia” é, na verdade, uma crise das obsoletas instituições dos Estados-nações territorialmente soberanos. Por mais que tentem, os governos desses Estados, devido a um constante déficit de poder, falham em entregar suas promessas. Mais e mais pessoas, desencantadas com essa experiência frustrante, desviam suas esperanças do sistema de partidos políticos para fora do sistema. A diminuição geral de confiança na política corrói a democracia. Muito de nós veem a alternativa sugerida pelos candidatos  autoritários – um governo pessoal e ditatorial, livre das restrições da democracia – como uma tentação difícil de resistir. Estamos todos próximos de cair numa emboscada. O que pode acontecer se a notoriamente fraca governança democrática for substituída por um “homem forte” ou uma “mulher forte” no topo, com capacidade de tirar a responsabilidade de nossos ombros para os seus ombros fortes, em troca de nossa não interferência e submissão incondicional? Lembre-se de que a grande maioria dos nossos contemporâneos nunca experimentou, de primeira mão, os duvidosos encantamentos de viver sob uma ordem autoritária, muito menos uma totalitária.

ÉPOCA – O senhor concorda que a principal divisão nas sociedades ocidentais deixou de ser entre esquerda e direita e passou a ser aquela que opõe os que favorecem as fronteiras abertas contra aqueles que querem fechá-las?

Bauman – A bicentenária divisão entre direita esquerda tem sido sistematicamente e efetivamente erodida pela política de privatização e individualização.  Essa é uma política que gradualmente, mas incessantemente, substituiu um ambiente social hospitaleiro à solidariedade humana por outro gerador de suspeição mútua e competição brutal; um ambiente no qual nós, por bem ou mal, operamos desde o nascimento até a morte.

ÉPOCA – Como conter a ascensão dos neopopulistas e dos neofascistas?

Bauman – Eu não tenho uma receita pronta, nem um atalho. Eu suspeito que nós estejamos passando de uma busca por uma utopia (uma sociedade que ainda não existe em nenhuma lugar) para um retorno a uma “retrotopia” (uma sociedade que não existiu). As presentes gerações estão crescentemente desviando suas esperanças de uma sociedade melhor do futuro para o passado (igualmente imaginário). “Progresso”, que num passado não muito longínquo era associado a uma vida melhor, agora tende a ser associado a mais catástrofes, mais privação e degradação, mais riscos e menos segurança.

ÉPOCA – Na nossa Babel, como transformar incerteza em esperança?

Bauman – Como é da natureza da Babel, a única esperança para as pessoas presas nela é o diálogo – um diálogo contínuo e de boa vontade. Engajar-se no diálogo, como o papa Francisco vive nos lembrando, é confiar nas outras pessoas, por mais diferentes e estranhas, para que sejamos dignos de atenção, de sermos ouvidos, de discutirmos. O diálogo tem de ser sobre a construção de pontes, não de muros. E deixe-me fazer uma advertência: o diálogo não é uma prescrição para soluções rápidas e instantâneas. Mas, sem diálogo, dificilmente haverá futuro para os residentes da Babel que lhes dê tempo para ponderar resoluções e colocá-las em prática. Em outras palavras: o diálogo é o instrumento para tornar o nosso planeta hospitaleiro para resolver os problemas que nós confrontamos conjuntamente e que, uma vez que permaneçam sem solução, podem dar origem a pesadelos apocalípticos.

 

Megatendências: as dez grandes transformações que estão ocorrendo na sociedade moderna

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O livro, escrito no começo dos anos 80, pelo visionário norte-americano John Naisbitt, nos trás grandes revelações de como seria a sociedade internacional no século XXI, uma obra de relevância e de impacto que mostra a importância de se estudar os grandes movimentos da sociedade internacional e seus impactos sobre o indivíduo e para toda a sociedade.

 

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Presidenciáveis repetem erros que geraram a crise, diz economista

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Para José Alexandre Scheinkman, crise fiscal que assola o país vem sendo ignorada na campanha

17.set.2018 – Érica Fraga

SÃO PAULO

Algumas propostas dos candidatos que lideram a corrida à Presidência da República indicam que o Brasil persiste em erros que o levaram à última recessão.

A opinião é do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, 70, professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Entre os presidenciáveis cujas ideias são criticadas pelo pesquisador, está Ciro Gomes (PDT), a quem Scheinkman assessorou no pleito de 2002.

Na época, a contribuição culminou na elaboração da chamada “Agenda Perdida”, compilação de ideias de vários especialistas, que teve pontos adotados pelo governo Lula.

Entre as propostas atuais de Ciro que Scheinkman considera equivocadas está a recriação de um imposto sobre movimentações financeiras.

“Essa taxa, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia”, diz.

Ele também criticou a promessa de Jair Bolsonaro (PSL) de resolver o déficit fiscal no próximo ano, por considerá-la inviável. Para o economista, a eleição do capitão reformado representaria um formidável retrocesso para o Brasil.

Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) são, na opinião do economista, os candidatos mais cientes das medidas que precisam ser adotadas para resolver a crise fiscal brasileira.

Em 2016, o sr. disse à Folha que a repetição de erros cometidos pelo Brasil o fazia lembrar o filme “Feitiço do tempo”, em que um homem vive o mesmo dia várias vezes. Ainda tem essa impressão? 

Sim. As propostas da campanha presidencial mostram que alguns candidatos estão prometendo repetir os mesmos erros do passado, como a ideia de que o Estado precisa proteger a economia. Políticas assim criaram uma série de problemas, mas acho que as pessoas esquecem.

O Plano Real foi muito importante. Mas a verdade é que só acabar com a inflação não foi a chave mágica para o Brasil crescer. E o nosso desafio é a questão da produtividade. Nós fazemos as coisas pior do que os outros países, e cada vez pior.

Por que o país não avançou?

O governo precisa criar o ambiente para que as firmas aumentem sua produtividade. Acho que, em parte, isso não aconteceu exatamente pelo que a gente falou sobre o filme, vamos voltando aos mesmos problemas.

A quais programas o sr. se refere? 

Deixe-me colocar de outra maneira. Acho que existe uma crise fiscal importante no Brasil e acho que, na discussão da eleição, essa crise fiscal está sendo ignorada em vários graus pelos diferentes candidatos. Ou, então, eles apresentam soluções mágicas, como a de que vão acabar com o déficit fiscal no ano que vem, coisa que você sabe que não vai acontecer.

O sr. vê esse problema em todos os programas dos candidatos que lideram as pesquisas? 

Acho que as assessorias econômicas de Alckmin e Marina estão mais conscientes do que é preciso fazer. Não adianta só falar do problema fiscal; outros candidatos também falam, mas é preciso ter ideia do que pode ser feito.

Há promessa de que, no ano que vem, acabam todos os nossos problemas porque vão vender todas as estatais, o que obviamente não é uma coisa possível porque enfrentaria resistência no Congresso, ou de resolver o déficit da Previdência instituindo o sistema de capitalização.

Que questões mais urgentes o sr. acha que Alckmin e Marina entendem melhor? 

A reforma da Previdência não vai poder ser muito diferente do que foi proposto pelo governo [de Michel] Temer. Obviamente, há detalhes que podem ser alterados, mas é necessário instituir uma idade mínima para a aposentadoria porque há um problema demográfico.

Precisamos decidir o que fazer a respeito das diferenças em relação a mulheres e homens. O Brasil é um dos poucos países que fazem essa diferenciação. Evidentemente, as pessoas reconhecem que a mulher tem muitas tarefas fora do trabalho, mas a contrapartida disso é que vivem mais do que os homens.

E há o problema dos regimes especiais que, essencialmente, se referem a uma parte do funcionalismo público que tem uma aposentadoria não compatível com a riqueza do Estado brasileiro.

Por que a recuperação da economia tem sido decepcionante, apesar de algumas mudanças feitas pela gestão Temer? 

Algumas medidas terão efeito de mais longo prazo, como a reforma trabalhista. A condução da política monetária mudou muito. Vínhamos de um Banco Central conduzido de forma muito política e mudamos para um que teve realmente independência. Baixamos nosso patamar de inflação e os juros reais. Isso vai ajudar o processo de investimento.

O teto dos gastos é um negócio interessante porque supostamente é uma alavanca para certas reformas fiscais e, infelizmente, ele aconteceu, mas as reformas fiscais necessárias para sustentá-lo não ocorreram. No curto prazo, o teto teve um efeito negativo sobre investimentos, porque é a única coisa flexível do lado do gasto.

Vai ser inevitável aumentar impostos? 

Esse é outro problema. Várias das propostas [das campanhas] têm pautas como imposto sobre o cheque. Na época do Plano Real, o Estado brasileiro coletava [em impostos] o equivalente a 24% do PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, a carga tributária é 33% do PIB. A pergunta para esses candidatos é: aumentamos nove pontos do PIB em impostos, que problemas do Brasil resolvemos com isso? Um terço da carga tributária, sem ter o que mostrar. Aí, você fica propondo mais impostos.

Alguns dos pontos que o sr. critica são defendidos pelo candidato Ciro Gomes. As propostas dele hoje estão muito distantes da “Agenda Perdida”? 

Eu leio as coisas no jornal, o que dizem os economistas ligados à campanha. Não tenho nenhum contato com o Ciro. Então, é difícil eu julgar.

Acho que, evidentemente, as políticas sociais do Bolsonaro representariam um formidável retrocesso e o seu histórico como parlamentar contradiz o seu discurso econômico atual.

Mas vou falar do exemplo da capitalização da Previdência. Não há nada de errado com você visar a isso. Mas não resolve o problema atual ou talvez o faça ainda mais agudo. As pensões das pessoas que já ganharam com base no sistema antigo são pagas com a contribuição dos empregados atuais. Se a previdência for capitalizada, essas pessoas não vão contribuir mais.

Parte do que nós discutimos na Agenda é que são necessários impostos que não distorçam a economia mais ainda. A taxa sobre movimentação financeira, por ser em cascata, aumenta a distorção na economia. Então, evidentemente, isso vai completamente contra o tipo de proposta que eu fiz na agenda.

Quanto à capitalização da Previdência, não foi só o Ciro que falou isso. De uma certa maneira, é falta de uma pessoa fazer as contas que são necessárias para entender o problema.

Por que a eleição de Bolsonaro seria um retrocesso? 

O Brasil, de fato, precisa de uma nova política de segurança e fracassou nessa agenda com governos de vários matizes. Agora, um dos problemas graves que temos é que a polícia mata muito. Então, dar uma licença para a polícia matar com mais facilidade não vai resolver nosso problema de criminalidade.

Outra coisa que me preocupa nesse discurso é o seguinte: o Brasil teve políticas discriminatórias contra certos grupos e ainda hoje, quando você tenta explicar os salários das pessoas, depois de corrigir por educação, onde eles moram etc., raça ainda conta. Então, você precisa ter certas políticas de afirmação enquanto a universidade for gratuita.

Como resolver o problema do atraso da produtividade que já era urgente há décadas e só se torna pior? 

Temos de melhorar muito a infraestrutura do país. A gente poderia ter um sistema em que o setor privado contribuísse mais, mas, para isso, é preciso criar um arcabouço jurídico que o deixe à vontade.

Outra maneira é se integrar mais à economia mundial. Vários avanços tecnológicos entram no setor produtivo através da compra de insumos, bens de capital, de parcerias, etc. Em relação ao PIB, o Brasil comercializa muito pouco com o resto do mundo.

Uma grande dificuldade é que há setores que se beneficiam muito desse fechamento. Um exemplo claro é a indústria automobilística, que consegue vender carros caros —em relação à qualidade— no Brasil porque não tem concorrência.

O outro problema é nosso sistema de impostos. Tentar entender a legislação de ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços] é impossível. Além disso, o sistema tributário atual beneficia muito as firmas pequenas, em geral menos eficientes.

Agora, qualquer reforma vai encontrar resistência. Algumas são legítimas. Acho legítimo, por exemplo, que, se uma abertura econômica afetar o emprego em certas áreas, a gente pense num programa que ajude esses trabalhadores até que ocorra uma realocação.

Agora, isso não quer dizer que você tem de pegar um empresário e dizer: ‘Olha, você se beneficiou desse programa por 20 anos. Agora terá mais de 10 anos de proteção antes de perdê-lo’. Isso é um absurdo, né?

José Alexandre Scheinkman, 70, Doutor em economia pela Universidade de Rochester, é professor de economia da Universidade Columbia, em Nova York, e professor emérito da Universidade de Princeton, também nos EUA. Atua ainda como pesquisador associado do centro de pesquisa americano Nber

 

Segurança pública: para virar o jogo

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A leitura da obra Segurança pública: para virar o jogo, de Ilona Szabo e Melina Risso, nos auxilia na compreensão dos grandes desafios da segurança pública no Brasil, leitura leve e interessante, vale a pena se enveredar neste assunto tão fundamental para melhorar nossa convivência em comunidade.

 

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A Terra não se regenerará sozinha; essa tarefa é de todos que nela habitam

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Por Sineya Pinto – O Consolador

O pensamento acima é de Rossandro Klinjey (foto), palestrante e escritor bastante conhecido no meio espírita. Psicólogo clínico, mestre em Saúde Coletiva e doutor em Psicanálise, é autor do livro Temas complexos: uma abordagem didática e coautor do livro Educando para a paz.

Foi professor universitário por mais de dez anos, quando passou a se dedicar à atividade de palestrante. Atualmente, atua nas áreas de recursos humanos, motivacional, liderança, perspectivas da educação, relações interpessoais, desenvolvimento emocional, gestão de pessoas, serviço público, cultura de paz, entre outros.

Quando de sua última passagem por nossa cidade, Rossandro concedeu-nos a entrevista seguinte:

Como você conheceu o Espiritismo?

Tenho um irmão que foi morar na Rússia, quando tinha mais ou menos 18 anos. Ele estudou russo lá em Campina Grande e foi morar em Moscou para aprimorar-se no idioma. Passou numa seleção para ir morar em Moscou, onde  era difícil a comunicação por cartas, porque o governo ainda era da União Soviética e a gente não tinha como comunicar-se com ele, pois não tínhamos telefone. Só quem tinha muito dinheiro no passado é que tinha telefone; então minha mãe, com essa dificuldade de comunicação, estava muito angustiada. Ela tinha um amigo cardiologista chamado Fernando Queiroga, que falou que ela poderia ir ao Centro Espírita para obter notícia do filho. Minha mãe, que era uma pessoa muito mística, foi, mas eu não quis ir, porque pra mim centro espírita era uma coisa do mal. Ela, porém, disse: “Vai sim, pois você não pode ficar em casa sozinho; você tem 14 anos e tem que ir comigo, mas não é obrigado a entrar”. Fomos, mas fiquei do lado de fora do centro. Era um centro tão pequenininho, não tem terraço nem nada, de modo que eu não entrei mas escutei a palestra e aí, claro, escutei os argumentos, a leveza, a suavidade do Evangelho. E chegou então a informação: – Seu filho está bem, pegou uma gripezinha na primeira nevasca e está um pouco chateado porque as pessoas que com ele dividem o quarto têm o costume de fritar peixe no quarto, mas está bem e breve se comunicará com você. Eu achei aquilo tão absurdo, com tantos detalhes assim, gente que frita peixe no quarto, algo tão sem propósito, um absurdo, uma viagem… Aí, dias depois, chega uma carta do meu irmão: – Mamãe, estou bem, apenas peguei uma gripe porque a primeira neve, sabe como é, nunca tinha visto; então fiquei descoberto, e aí estou morando com coreanos e eles têm um costume horrível de assar peixe no quarto… Você fica assim… caramba… E o engraçado é que nessa mesma época quando viajou, meu irmão estava muito revoltado com a religiosidade. Certa noite ele pediu a uma moça um livro em português: era uma paulista que também estava em Moscou. Ela lhe disse: – Só tenho um livro em português aqui; se você quiser, chama-se O Livro dos Espíritos. Ele pensou: Uau… esse negócio é do demônio! Ela respondeu: – É o único que tenho em português. Ele então levou o livro e o leu a noite toda, até as quatro da manhã. Todas as questões da vida dele, sobre que tinha dúvidas, ele viu as respostas e foi muito engraçado que, quando ele voltou para o Brasil, eu tinha me tornado espírita e ele se tornou espírita lá, e a gente estava com vergonha de dizer um pro outro que tinha se tornado espírita. A partir disso, obviamente, comecei a estudar… Eu te digo que já fui evangélico, católico, e o que eu aprendi com o Espiritismo é que Deus está em todo lugar. E há uma questão que me chamou muita atenção, porque comumente as religiões  dizem que só elas é que têm a verdade e que as outras até que têm, mas a minha é melhor. Mas no Livro dos Espíritos Kardec pergunta se seria necessário ser espírita pra ter sorte na vida  futura ou uma vida melhor, e os espíritos respondem que, se fosse assim, estariam condenados todos aqueles que não tivessem o ensejo de conhecê-lo, o que seria um absurdo. Somente o bem garante ao homem um futuro melhor e o bem é somente o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza. Então pra mim isso foi um impacto teológico profundo, porque foi a primeira vez que eu vi uma manifestação de espiritualidade dizer que Deus está em todo lugar e que importante é como você é e não o rótulo que você professa. E isso é uma coisa que eu sentia, e foi confirmado ali. Então foi assim que eu conheci a Doutrina Espírita.

O fato de ser assumidamente espírita prejudica ou ajuda a sua condição de psicólogo? Você já sofreu alguma discriminação ou preconceito por isso?

Do ponto de vista humano, às vezes prejudicava, porque muita gente não ia para o consultório porque sabiam que eu era espírita e as pessoas, sei lá, achavam que eu fazia algumas coisas: aquela visão distorcida que as pessoas têm do Espiritismo. Profissionalmente muitas vezes as pessoas disseram que eu não conseguiria fazer sucesso nas palestras profissionais a não ser que eu tirasse todos os vídeos espíritas da internet . Eu disse que jamais faria isso, porque dos muitos defeitos que eu tinha, essa era a virtude que eu tinha: ser espírita, e não ia abrir mão disso nem  negar isso pra ninguém. Mas do ponto vista interno, pra mim isso tem sido uma grande contribuição, tanto nas minhas falas profissionais como nas minhas falas como psicólogo ou como professor quando dava aula. Esse conhecimento espírita respeitoso a todos e que consegue ver o ser humano para além de um caráter material só me enriqueceu. Então, do ponto de vista mais transcendente, ser espírita só me trouxe vantagens. Aliás, perto do testemunho que nossos irmãos no passado do Cristianismo deram ou que os nossos irmãos no início do movimento espírita no Brasil enfrentaram, a gente vive hoje num mar de rosas.

Como foi o convite para sua participação no programa Encontro com Fátima Bernardes?

A verdade é que eu comecei a fazer vídeos na internet com o objetivo de levar um pouquinho daquelas mensagens que havia nas palestras de uma forma mais encapsulada em 4 minutos. Então pegava um vídeo de 4 minutos e jogava na internet, e as pessoas começaram a ter uma receptividade maior do que imaginava. Os vídeos começaram a ter milhares, depois milhões de acessos, algumas palestras foram recostadas como aquela em que contei a história do meu amigo cujos filhos estavam vindo da Disney. Vários trechos sobre a educação dos filhos  tiveram milhões de acesso, rodaram no WhatsApp do mundo todo, até no WhatsApp chinês que é diferente, com tradução em mandarim;  então o que aconteceu é que o pessoal da Globo começou a ver a movimentação nas redes sociais com meu nome e daí me chamaram. A primeira vez pra eu ir lá foi em 2017. Fátima é uma pessoa muito  humana e doce,  e toda a equipe são pessoas muito legais e nunca me pediram pra mudar de opinião, pra não dizer o que eu penso. Tenho, pois, plena liberdade pra dizer o que eu penso claro, mas é claro que estou lá como psicólogo e não como espírita, o que é obvio; é programa laico e ele não tem espaço pra religião específica. Então, depois do terceiro programa que eu fui, eles pediram pra eu ficar fixo no programa, de modo que quinzenalmente, nas sextas-feiras, eu estou lá junto com Bráulio Bessa, que é um ser humano fantástico também, um ser humano que tem uma poesia transformadora, espiritual e é espírita também. A gente tem feito esse trabalho, levando essa mensagem sobre família, valores, comportamento humano, e tem sido uma experiência muito gratificante pra mim.

Como começou sua parceria com o Haroldo Dutra?
Conheci o Haroldo na Paraíba, no congresso espírita paraibano. A gente começou a conversar e já rolou uma sintonia muito grande. Nós temos um amigo em comum chamado José Octávio, que é de Minas Gerais, mas mora em Campina Grande. A gente nasceu no mesmo ano – 1971. Ele é mais velho três meses que eu e temos uma relação muito boa. Tenho uma admiração profunda por ele, pela profundidade dos estudos que ele faz em torno do Evangelho e por suas traduções. De nossas conversas surgiu a ideia das palestras curtas, de 15 minutos, inspiradas nessa nova linguagem do TED TALKS, que vem sendo utilizada no mundo inteiro, em face principalmente do psiquismo da geração atual, que quer um conteúdo mais encapsulado, mais objetivo. Então a gente pensou: – Por que não fazer uma coisa parecida, um evento parecido, e disso surgiu a IDE – Ideias, Diálogos e Espiritualidade. Conversando com o  Haroldo  na semana passada, conversamos sobre fazer um IDE jovem, voltado para os jovens, que pode ser no mesmo dia do IDE normal, algo que certamente faremos em breve. Haroldo é um irmão querido e a gente tem tarefas que se complementam.

Rossandro, que futuro você vislumbra para o Espiritismo no Brasil e no mundo?

A doutrina espírita, como sabemos, é imorredoura e grandiosa, mas o movimento espírita, humano, com nossas sombras e falhas, vai passar naturalmente por modificações, por transformações, por aprimoramento e amadurecimento. Em alguma medida eu me coloco nesta análise que vou fazer: todos nós, de um modo geral, com algumas exceções, não estamos conseguindo dar a essa doutrina luminosa a visibilidade que ela merece. Eu acho que nós temos um tesouro gigantesco que responde a parte significativa, senão todas, das angústias humanas e a gente não está conseguindo falar pra todo mundo isso. É preciso gritar, é preciso falar isso. Como diz Emmanuel, a maior caridade que podemos fazer para essa doutrina é a sua divulgação dela, para que ela provoque nos outros  corações o que provocou  no nosso; esse  sentimento de consolação, sentimento de esperança,  de não entrar no fluxo atual do desespero do desengano  e do desencanto,  do nonsense, para a gente saber  que existe um Cristo no leme desta nau chamada Terra, um governador amoroso que espera por nós, por nossos esforços rumo à evolução e desenvolvimento e que  sabe da necessidade das dores no processo de aprimoramento. Precisamos levar esse Evangelho redivivo, essa doutrina, para que outros corações possam ser consolados; precisamos divulgar essa doutrina com a grandeza que ela tem, na dimensão que ela tem. Somos um grupamento que não lida com dinheiro e, portanto, não dispõe de grandes recursos, mas com a evolução tecnológica, graças à internet, ao YouTube e todas essas redes, a gente tem conseguido chegar ao coração das pessoas através de vídeos e palestras. Pessoas que por falta de coragem ou por preconceito não entrariam numa casa espírita escutam as palestras e terminam se desarmando e percebendo que estamos falando do mesmo Deus, pregando o mesmo Evangelho, em busca do mesmo Pai, e isso tem sido algo muito bom e muito novo. Acredito que o movimento do Espiritismo na internet é hoje mais forte que o movimento nas casas, e é uma coisa muito natural porque as pessoas estão consumindo conteúdos em casa, em face da correria que todos enfrentam na vida. Lembro que uma vez eu estava com o Décio Iandoli em Atlanta fazendo uma palestra para umas 50 pessoas e, no entanto, havia 70.000 nos acompanhando pela internet. A gente está aqui falando nesta entrevista, alguém grava e joga no YouTube e explode… Então, para o bem e para o mal, a internet pode reverberar, mas que nós possamos, com esse instrumento, reverberar para o bem essa mensagem luminosa, essa doutrina fantástica, como é feito pela revista O Consolador, que há 12 anos realiza esse trabalho maravilhoso de divulgação espírita pela internet, com esse mecanismo de busca de temas do Evangelho e tantas informações veiculadas graciosamente.

Caro amigo, suas considerações finais.

Na verdade sempre é uma alegria poder falar sobre o que estamos sentindo e experimentando em torno do Evangelho e do Espiritismo em nossas vidas. Obviamente, se você fizer esta entrevista daqui a dois dias, eu iria ter outras coisas pra dizer pelos dois dias a mais de experiência; talvez daqui a 2 anos, mais coisas, o que é muito natural. Nos processos evolutivos a gente tem que  respeitar o nosso momento, o momento dos outros, a compreensão que a gente tem agora com as compreensões que virão amanhã… Que possamos, todos os que ouvirem ou lerem esta entrevista, entender a importância do papel que cada um de nós tem na transformação do planeta. A Terra não se regenerará sozinha; essa é uma tarefa de todos nós, de cada indivíduo que nela habita. Nós temos um dever pessoal de executar transformações, especialmente no campo da ética cotidiana, para que a gente possa transformar este país e cumprir o papel que nos foi designado pelo Cristo, o de sermos o coração do mundo e a pátria do Evangelho e possamos, assim, acolher aqui as pessoas e mostrar-lhes as possibilidades da vivência desse Evangelho, inspirando outros países para a construção  de um tempo novo,  que não será pautado pela quantidade de dinheiro que se tem, pela quantidade de armas que se tem, mas pela disposição  que se tem pra amar, servir e ser fraterno.