Joseph Stiglitz: ”Fechar as fronteiras não fará as indústrias realocadas voltarem” 

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O Nobel em economia acredita que hoje só a política fiscal pode apoiar o crescimento na área do euro

Por Marie Charrel – 27/09/2019 14:59

Longe de proteger melhor os perdedores da globalização, a política econômica de Donald Trump agravará as desigualdades. Em seu novo livro a ser publicado em 26 de setembro, People, Power & Profits (Ed. The Free Links, 24 euros), Joseph Stiglitz, professor de economia da Universidade de Columbia (New York), é muito crítico em relação ao Presidente dos Estados Unidos. Se julga que os riscos de uma nova grande

crise financeira são limitados no curto prazo, o Prêmio Nobel de Economia de 2001 prega por uma reforma do capitalismo, favorecendo a regulação e o papel do Estado.

Guerra comercial, tensões de mercado, Brexit … Devemos temer uma nova recessão ou mesmo uma crise financeira?

As incertezas são numerosas e as intervenções do Federal Reserve dos EUA (Fed, banco central), que injetou precipitadamente nos últimos dias bilhões de dólares em liquidez nos mercados, deixaram muitas pessoas nervosas. A probabilidade de que tenhamos em breve uma crise financeira da mesma magnitude que a de 2008 permanece baixa. Por outro lado, é certo que nossas economias registrarão uma desaceleração acentuada.

Na Europa, as novas medidas de acomodação adotadas em setembro pelo Banco Central Europeu (BCE) serão suficientes para combater essa desaceleração?

A ação do BCE retirou a zona do euro da crise da dívida soberana de 2012, mas falhará em restaurar um crescimento dinâmico. A redução das taxas novamente tem agora um efeito desprezível ou mesmo negativo em atividades como a oferta de crédito. Hoje, a único instrumento que pode efetivamente apoiar o crescimento é a política fiscal – especialmente em estados com espaço de manobra nessa área, como a Alemanha.

Os outros países membros, como a França, estão limitados pelas regras do pacto de estabilidade. O ideal seria flexibilizá-las e que a área do euro adotasse também um real instrumento orçamentário comum. Mas isso requer reformas complexas e demora para implementar.

No fundo, Donald Trump não está certo em escolher a China como alvo, que nem sempre respeita as regras do comércio mundial?

Quando tributam as importações de alumínio e aço em nome da chamada “segurança nacional”, os Estados Unidos não respeitam as regras do jogo, definidas na Organização Mundial do Comércio (OMC)! Pior ainda, ao bloquear a nomeação de novos juízes para o órgão de resolução de disputas dessa instituição, eles estão questionando o multilateralismo sobre o qual foi construída a prosperidade do pós-guerra.

Isso ilustra como Donald Trump atropela o conjunto de regras e os equilíbrios que baseiam nossas sociedades democráticas. É importante que as discussões com a China continuem no quadro da OMC, mesmo que esta [instituição] possa ser melhorada.

O protecionismo preconizado pelo presidente americano pode ser uma solução para a desindustrialização observada nos países desenvolvidos?

Não, porque não podemos voltar ao passado: a suposta era de ouro da década de 1950, quando os Estados Unidos dominavam a economia e a indústria mundiais, enquanto muitos países emergentes ainda eram colônias, se foi.

A partir de agora, nossa economia é dominada por serviços, e o fechamento das fronteiras não fará retornar aos Estados Unidos as indústrias realocadas na China. Em vez disso, elas irão para outros países de baixo custo, como o Vietnã.

Mesmo que voltassem, os carros100% fabricados nos Estados Unidos seriam mecanicamente mais caros do que os produzidos na Ásia ou na Europa, por exemplo, cujas fábricas estão parcialmente localizadas na Europa Oriental. Finalmente, dificilmente beneficiariam o emprego nos EUA, porque os veículos certamente seriam montados por robôs.

Até o ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, ou o “Financial Times” pedem a reforma do capitalismo. Por onde começar?

Estamos vivendo um momento interessante: finalmente há consenso sobre os males do capitalismo! Como opera hoje, não distribui equitativamente os frutos do crescimento, capturados por uma minoria. Além disso, acelera a destruição do meio ambiente e é contestado por uma parte crescente da população, que sofre com as desigualdades.

Mas é possível avançar em direção a “um capitalismo progressista”, com tributação mais justa, maiores investimentos públicos em educação e infraestrutura. Isso requer o fortalecimento do papel do Estado, tanto na direção do estado de bem-estar como nas regulações permitindo enquadrar melhor as finanças e os mercados.

A melhor ilustração é o sistema de saúde americano, amplamente privatizado. É mais caro do que na Europa – mais de 17% do produto interno bruto (PIB), segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em comparação com 11% na França ou na Suécia – onde é público. E isso, para resultados piores: a expectativa de vida está diminuindo nos Estados Unidos, onde muitas pessoas são incapazes de pagar as contas do hospital.

Esse “capitalismo progressista” pode ser compatível com a transição ecológica?

Será se conseguirmos o equilíbrio justo entre as instituições. Quer dizer, entre os mercados, susceptíveis de resolver os problemas quando bem regulados, o Estado e a sociedade civil. Nessas circunstâncias, acredito que seja possível um crescimento que respeite as restrições ambientais e a justiça social.

O modelo que você defende está próximo do estado de bem-estar dos países escandinavos. Mas estes também falharam, em menor grau, em conter o aumento da desigualdade …

Apesar disso, as desigualdades permanecem muito mais baixas na Suécia do que nos Estados Unidos. Mas é verdade que os países nórdicos cometeram um erro: pensar que o forte consenso social em que se baseia seu modelo igualitário estava conquistado.

Ora, este se deteriora, desde que aplicam certas receitas de inspirações neoliberais. Ao permitir o desenvolvimento de muitas escolas particulares, por exemplo, a Suécia corre o risco de ver as desigualdades aumentarem drasticamente no futuro. É uma tendência perigosa.

Como estabelecer um imposto mais justo quando multinacionais, como as GAFA, livram-se facilmente dos impostos?

O assunto é particularmente importante na União Europeia (UE), onde apenas a introdução de um imposto corporativo mínimo comum limitaria a concorrência para baixo [nos custos] entre Estados-Membros.

Mas há progresso: na última cúpula do G7 [de 24 a 26 de agosto, em Biarritz], os principais países concordaram com a necessidade de criar um imposto mínimo. Ao introduzir seu próprio imposto sobre os GAFA [Google, Apple, Facebook e Amazon], Paris também mostrou que, contrariamente aos receios, era possível agir em nível nacional: a Amazon não vai interromper suas operações na França porque o grupo terá que pagar impostos.

No entanto, a Amazon ameaça repassar o custo desse imposto para as PME (pequenas e médias empresas) francesas usando sua plataforma de vendas …

Por que, então, não se desenvolve uma plataforma de vendas alternativa? Pública ou mesmo privada, com empresas locais inovadoras, apoiadas por fundos públicos. Esse seria um eixo promissor de política industrial na Europa. Já percebemos: o monopólio das multinacionais americanas não é mais um problema apenas nos Estados Unidos, tornou-se um problema mundial.

Como o país do liberalismo permitiu se criarem tais monopólios?

Há quarenta anos, as leis anticoncorrenciais e antitruste foram sendo progressivamente descosturadas nos Estados Unidos. Quando se tornaram suficientemente grandes, as empresas em posição dominante no mercado norte-americano usaram seu poder econômico – e, portanto, político – para influenciar a legislação a seu favor.

Neste domínio, a política anticoncorrencial tem sido mais eficaz na UE. Ao impedir a criação de monopólios, permitiu, por exemplo, uma redução significativa no custo dos serviços de telecomunicações, agora muito mais baratos que nos Estados Unidos.

*Publicado originalmente no Le Monde – | Tradução de Aluisio Schumacher

 

Desemprego, Tecnologia, Inovação e o Futuro do Trabalho

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O desemprego na sociedade contemporânea está sendo visto como um dos maiores males da sociedade, um enorme contingente de pessoas está desempregadas, subempregadas e desalentadas, num mundo que exibe um avanço tecnológico crescente, cujas máquinas, robôs e inteligência artificial fascina a coletividade, ao mesmo tempo gera grande apreensão, medos e desesperanças, estamos num mundo assustador, desafiador e ao mesmo tempo impressionante e surpreendente, onde o progresso científico e tecnológico caminha lado a lado com os desequilíbrios emocionais, afetivos e espirituais.

Vivemos em uma sociedade que passa por transformações em todas as áreas e setores, com impactos sobre o emprego e sobre a empregabilidade, exigindo esforços dos mais intensos para um posicionamento profissional, investindo na carreira, buscando cursos e novas qualificações e capacitações, sem estas atualizações os trabalhadores tendem a perder espaço no mercado de trabalho para outros trabalhadores e para as novas tecnologias, inclusive para robôs e a inteligência artificial que crescem e ganham novos espaços na sociedade.

O mundo do trabalho se transforma com rapidez, as novas técnicas de gestão aumentam a produtividade e reduzem os custos produtivos, as tecnologias alteram processos e economizam mão de obra, os benefícios sociais inseridos nos contratos de trabalho estão sendo reduzidos pelos governos, com a previsão de que neste mundo contemporâneo o trabalhador deve escolher entre ter benefícios trabalhistas e não ter emprego ou conseguir uma colocação no mercado de trabalho com poucos benefícios trabalhistas, uma verdadeira revolução no mundo do trabalho está em curso na sociedade.

Os modelos tradicionais de trabalhos estão sendo alterados, novos contratos estão surgindo, nestas mudanças surgem modalidades específicas de trabalhadores que trabalham em casa, junto aos seus familiares, fazendo seus próprios horários e seguindo as metas estabelecidas pela empresa. Outros empregos estão sendo destruídos em setores onde as atividades são bastante repetitivas, marcadas por rotinas estressantes e cansativas, estes trabalhadores devem se recapacitar para conseguir uma nova oportunidade nos mercados, testando a resiliência, a paciência e a perseverança.

Muitos indivíduos questionam quais os setores que absorverão esta massa de trabalhadores desempregados nos próximos anos ou nas próximas décadas, responder esta questão é algo bastante difícil, novos negócios tendem a se estabelecer e negócios antigos tendem a ser desfeitos, previsões variadas são colocadas no mercado todos os dias, os mais entusiasmados estão sempre acreditando que o mercado vai criar novos empregos e construir novas oportunidades para os desempregados. Os mais pessimistas acreditam que as dificuldades futuras tendem a aumentar e o mundo do emprego reduzirá exponencialmente as vagas, deixando uma grande quantidade de desempregados ou subempregados.

Se observarmos as revoluções anteriores, como argumentam os mais otimistas, muitos empregos e setores foram dizimados pelas tecnologias, mas outros setores surgiram, ganharam relevância e passaram a ofertar novos empregos, foram construídas instituições para capacitar e qualificar a força de trabalho, reduzindo o número de desempregados e criando uma classe de trabalhadores forte e consistente, que posteriormente se organizou em sindicatos e conseguiu angariar benefícios e melhorias profissionais. Com este argumento, defendem a tese de que, grande parte dos empregos que absorverão os trabalhadores no final da próxima década ainda não foram criados, com isso, estamos num momento de transição, neste momento a instabilidade e as incertezas são maiores e, muito brevemente, vamos conseguir enxergar melhor o novo modelo econômico que ora domina a sociedade.

Outros teóricos menos otimistas observam a situação sob uma outra lógica, segundo estes, as transformações atuais são bastante diferentes das anteriores, as tecnologias contemporâneas estão afetando fortemente as chamadas classes médias, ao contrário das anteriores que afetavam diretamente os trabalhadores braçais, estas novas tecnologias, como inteligência artificial, internet da coisas, robótica, impressão 3D, dentre outras, estão afetando os trabalhadores com maior qualificação, exigindo destes uma reinvenção, uma flexibilidade e uma agilidade desconhecida até então. Como esta classe média sempre foi descrita como um referencial na coletividade, marcada por trabalhadores mais qualificados, profissionais liberais e técnicos qualificados, estes grupos utilizam seu desespero para reverberar suas críticas e desesperanças numa sociedade que os desemprega, reduz seus direitos e os coloca na informalidade.

As novas tecnologias empregadas no processo produtivo estão deixando os trabalhadores mais livres das amarras da gestão tradicional, mas por outro lado estão criando profissionais mais inseguros e frágeis do ponto de vista emocional, financeiro e físico. Como nos mostra o professor Jeffrey Pfeffer, autor da obra Morrendo por um salário, da Universidade de Stanford, “No Vale do Silício é possível ver engenheiros de 30 anos de idade com corpos de 50 anos”. Neste novo modelo de trabalho, os profissionais estão esgotados, depressivos e ansiosos em excesso, acumulando doenças laborais e transtornos emocionais e espirituais intensos, transformando o trabalho e a vida profissional uma grande fonte de preocupação.

O medo de perder o emprego, os contratos temporários, a falta de seguro saúde e a instabilidade financeira estão elevando o estresse e nos conduzindo para um cenário profissional ainda mais precário no futuro. Os profissionais das grandes empresas são vistos como estáveis e altamente capacitados, ledo engano, muitos deles nem sabem quais serão seus horários na próxima semana, impedindo que os funcionários façam seus próprios planejamentos, tudo isto gera grandes inquietações, medos e ansiedades, repercutindo na vida familiar, nos relacionamentos, nos ambientes corporativos e nas questões financeiras e emocionais, levando muitos trabalhadores a desequilíbrios variados, tais como a depressão, que vitima mais de quatrocentos milhões de pessoas no mundo e as mortes por suicídio, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada quarenta segundos uma pessoa comete a atrocidade de tirar sua própria vida, os suicídios se tornaram um problema de saúde pública, engajando escolas, faculdades, empresas, governos e inúmeras outras instituições para esclarecer a população e evitar estes transtornos que crescem de forma acelerada.

Nesta sociedade dominada pelo capital financeiro, os donos do poder definem as regras da sociedade e os fazem de acordo com seus interesses, a lógica financista esta sendo difundida para todos os agentes sociais e políticos, as empresas impõem a estes trabalhadores os modelos que dominam as instituições financeiras, caracterizadas pelo imediatismo, pelas metas agressivas, pela redução constante nos custos e  por uma automatização que reduz fortemente a demanda por novos profissionais, condenando os indivíduos a uma incerteza crescente e uma busca insana por novos cursos e capacitações.

Como nos destaca Jeffrey Pfeffer, um dos locais mais cobiçados para se trabalhar na sociedade contemporânea, o Vale do Silício, é descrito como um dos locais mais tóxicos, onde muitos dos profissionais usam substâncias legais e ilegais, como esteroides e cocaína para cumprir com suas metas insanas, gerando os mais terríveis problemas de saúde que serão sentidos no médio e no longo prazos, degradando a saúde dos trabalhadores e incrementando os custos da saúde e os dispêndios dos Estados Nacionais.

Estas transformações estão em todas as regiões, anteriormente os filhos tinham grandes chances de construir uma vida mais bem-sucedida do que seus pais, na sociedade contemporânea as chances são cada vez mais reduzidas, gerando grandes instabilidades e desequilíbrios emocionais. No mundo corporativo encontramos zumbis sobrevivendo a base de calmantes e outras drogas, um ambiente altamente competitivo onde os profissionais concorrem uns com os outros, destruindo os laços sociais e a solidariedade humana, neste ambiente o sucesso de um indivíduo deve ser visto como o fracasso de seu competidor.

Neste ambiente altamente tóxico e competitivo, encontramos empresas buscando todos os métodos para estimular a criatividade de seus profissionais, palestras motivacionais e remunerações flexíveis, todos estes instrumentos criam mais desequilíbrios dentro das corporações e servem apenas para estimular uma maior concorrência entre os profissionais e enriquecer consultores que vivem vendendo ilusões pseudocientíficas baseadas em uma meritocracia distante da maioria dos trabalhadores contemporâneas.

Um discurso recorrente que volta com força na sociedade contemporânea é o de empreendedorismo, onde se busca construir novos cenários, neste discurso cada indivíduo é o grande responsável por seu sucesso ou por seu fracasso, segundo o que definimos como meritocracia, outro termo bastante em voga na sociedade. Estes discursos são charmosos e empolgam muito os incautos, mas transfere aos indivíduos seu sucesso ou seu fracasso, como se todos os indivíduos bem-sucedidos tivessem sido eles próprios os grandes responsáveis por seu êxito profissional, deixando de lado as heranças monetárias e os investimentos feitos nestes por famílias estruturadas e conscientes da importância da educação no desenvolvimento social e profissional.

O sociólogo Ricardo Antunes, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), analisa a questão da seguinte forma: “O empreendedorismo é uma forma mistificadora que imagina poder eliminar o desemprego, em uma sociedade que é incapaz de preservar trabalho digno com direitos. E, como estas novas modalidades de trabalho são deprimentes, a mistificação torna-se o remédio que só fará alimentar a doença”.

Neste ambiente de degradação do mundo do trabalho, de crescimento da informalidade, das crises seguidas dos trabalhadores e do enfraquecimento dos sindicatos e do poder da classe trabalhadora, a ideia de empreendedorismo é uma das poucas alternativas que o mundo do trabalho oferece frente à corrosão dos direitos e garantias sociais. É isso ou o trabalhador deverá se contentar com o desemprego completo.

Percebemos nestas transformações uma busca constante por profissionais da área de tecnologia, computação, matemática e biologia em detrimento de profissionais das ciências humanas, principalmente aqueles oriundos da Filosofia, da Pedagogia e da Sociologia, vistas como áreas de pouco relevância para o mundo dos negócios e formada por pessoas teóricas demais, um equívoco para uma sociedade prática e centrada na tecnologia. Esta visão equivocada acaba gerando um excesso de profissionais nas áreas e setores mais demandados pelo mercado, atraindo os melhores quadros, mesmo muitos deles não se identificando com as áreas de tecnologia, estes profissionais acabam buscando estas áreas apenas pela melhor remuneração ou pelo status social que estes profissionais gozam na sociedade do conhecimento.

Outro efeito imediato desta realidade social, é que muitos estudantes bem formados e altamente qualificados estão optando por cursos que os coloquem em melhores condições no mercado de trabalho, deixando de lado suas aptidões e vontades pessoais, com isso, se tornam profissionais desmotivados, descontentes, agressivos e altamente tóxicos nas organizações. Se estes profissionais investissem em suas áreas de interesse seriam muito mais relevantes para a sociedade e trariam contribuições mais consistentes, mas como são atraídos pelos atrativos financeiros do mercado, acabam se transformando em profissionais medíocres, desanimados e descontentes em suas áreas de atuação.

Neste cenário percebemos o crescimento dos cursos ligados a tecnologia, aos jogos e aos conhecimentos práticos e uma baixa demanda por profissionais mais teóricos e reflexivos, o resultado imediato destas escolhas não demorarão a chegar nesta sociedade, muitos profissionais nos setores de tecnologia estão buscando seus aplicativos revolucionários e vêem seus salários se reduzindo rapidamente devido ao excesso de profissionais disponíveis. De outro lado os profissionais de áreas preteridas pelo mercado, tentam se “modernizar” e se “adaptar” as transformações comandadas pelo deus mercado, com isso estão levando suas áreas a perderem sua maior essência, a de levarem seus alunos a refletirem sobre suas realidades e compreenderem para onde estamos levando a sociedade global num mundo dominado pela tecnologia, pelo imediatismo e pelos rigores do chamado Mercado.

Percebemos este movimento a nível global, em todas as regiões as humanidades estão perdendo espaço para as áreas de tecnologia, este movimento comandado pelos mercados globais tem uma profunda irracionalidade, embora muitos dos teóricos da economia acreditem que os mercados sejam entes extremamente racionais, o excesso de um dos lados sempre leva a sociedade a grandes constrangimentos, a tecnologia é importante e tem um papel social de grande relevância, mas a tecnologia deve abrir espaço para um futuro mais acessível a todos os seres humanos, contribuir para o crescimento e para o desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades e enfrentar a exclusão social, que não deve ser aceita e muito menos permitida por uma sociedade que cria riquezas de forma exponencial como a sociedade contemporânea.

 

Nogueira Batista expõe os vira-latas brasileiros

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Economista explica como autoridades norte-americanas encontram na elite brasileira um aliado para desestabilizar autonomia do país. Como a nação regrediu: de protagonista dos “emergentes” à submissão – e quais os riscos à nossa soberania

Paulo Nogueira Batista, entrevistado por Antonio Biondi e Napoleão de Almeida, no Brasil de Fato.

“O Brasil, quando se assume como o grande país que é, não cabe no quintal de ninguém. É importante que o brasileiro saiba disso”, afirma o economista Paulo Batista Nogueira Júnior, em referência ao título do livro que ele lança nesta quarta-feira (25) em São Paulo, intitulado O Brasil não cabe no quintal de ninguém (Editora Leya, 448 páginas).

Nesta entrevista ao Brasil de Fato, Nogueira Batista cita o ex-chanceler Celso Amorim ao afirmar que o país precisa se livrar de vez da “nanomania” (mania de ser pequeno), que voltou a se acentuar com a chegada de Jair Bolsonaro (PSL) e seu grupo ao poder.

“O Brasil é um dos cinco países que fazem parte das listas dos dez maiores territórios, das dez maiores populações e das dez maiores economias. Só caberia no quintal de alguém se fosse quebrada a unidade nacional”, lembra ele, citando as outras quatro nações – EUA, Rússia, Índia e China – e dando a deixa para falar do assunto principal do livro, que é a análise da disputa geopolítica em torno desses países, a partir da visão de quem esteve no centro dela por 10 anos.

Entre 2007 e 2017, Nogueira Batista trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington (EUA), e foi vice-presidente do Banco do Brics, que ele ajudou a criar, em Xangai (China). O Brics é a instituição que reúne quatro daqueles maiores países citados por ele – Brasil, Rússia, China, Índia –, mais a África do Sul, e que nas últimas décadas vem tentando fazer frente à hegemonia dos EUA nas relações internacionais.

Ao narrar sua experiência, o economista, de 64 anos, fala da liderança do Brasil nesse processo em torno de uma nova agenda mundial, durante os governos do PT, e de como isso se perdeu a partir do golpe de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff e voltou a colocar o Brasil na condição anterior de subserviência aos interesses estadunidenses.

Nogueira Batista ressalta que, ao contrário do que ocorre com outros países, no Brasil os EUA não precisaram “dar a cara a tapa” para retomar o controle sobre nossa economia e nosso processo político.

“Eles encontram na elite brasileira um monte de sujeitos disponíveis pra fazer o trabalho deles. Porque esses vira-latas nacionais, desculpem-me a ênfase, se orgulham de receber mensagens do império”, diz o economista, lembrando algumas passagens de sabujismo explícito que vivenciou quando trabalhava no FMI.

Na entrevista, ele faz um balanço dos avanços econômicos e dos erros cometidos pelos governos brasileiros nas últimas décadas (FHC, Lula e Dilma), e do “desastre” que tem sido a gestão Bolsonaro. “Esse pessoal que está aí hoje não tem projeto algum. Tem uma agenda confusa, liberal, misturada com um projeto regressivo. Com esse discurso costurado, não vai recuperar a confiança. Esse governo não tem projeto. Só tem projeto de destruição”.

Nogueira Batista conclui com uma mensagem de esperança e um alerta: “Estamos pagando um preço altíssimo por ter levado essa figura à presidência da República. Nós vamos resistir a isso tudo. Mas é preciso muito cuidado, porque já vimos países destroçados pela combinação entre crise interna e pressão externa. Síria, Iraque, Líbia… Não pense o brasileiro que aqui não acontece. Podem acontecer coisas muito piores se a gente não se der conta”.

Brasil de Fato: Professor, vamos começar falando sobre o livro.

Paulo Nogueira Batista Júnior: O livro é essencialmente um relato da minha experiência de mais de 10 anos no exterior, em Washington (EUA), primeiro, no FMI, depois em Xangai (China), no Banco dos Brics. O grosso do livro trata dessa temática. Na realidade, é uma recapitulação de uma fase da história brasileira, em que o Brasil teve um papel de protagonista no mundo, em geral, e particularmente no Fundo Monetário e nos Brics. Eu busco misturar análise econômica com o relato de bastidores das negociações em que estive envolvido. Os embates, as dificuldades que existem para o Brasil, um país emergente, em ocupar um espaço no mundo. As resistências a isso, por parte das potências tradicionais, e como isso se traduz nos embates das pessoas dentro das instituições.

O Brasil, quando se assume como o grande país que é, não cabe no quintal de ninguém. É importante que o brasileiro saiba disso. Não é teórico: o Brasil fez esse papel e pode voltar a fazer, se superar essas dificuldades em que se encontra hoje.

É um relato com olho no futuro: não se pode perder de vista que o Brasil é um dos cinco países que fazem parte das listas dos dez maiores territórios, das dez maiores populações e das dez maiores economias. Quais são: EUA e os quatro Brics originais – Brasil, Rússia, Índia e China. Só esses cinco no mundo integram a lista dos dez maiores em economia, demografia e território. Daí aquilo que o Celso Amorim diz que o brasileiro tem: “nanomania”. Mania de ser pequeno. O Brasil não permite, o Brasil é naturalmente grande, e só caberia no quintal de alguém se fosse quebrada a unidade nacional.

Fale um pouco da importância que as instituições financeiras ligadas aos Brics já desenvolvem e que podem desenvolver.

Os Brics atuaram conjuntamente a partir de 2008, por iniciativa da Rússia, que procurou os demais e propôs um mecanismo de coordenação. Nesses mais de 10 anos, os Brics, num primeiro momento, atuavam para tentar reformar as instituições existentes. E nós tivemos algum sucesso no FMI, graças à atuação conjunta destes países e mais a África do Sul, que se juntou ao grupo depois, em 2011. Em determinado momento, os Brics perceberam que a resistência à mudança em Washington era muito grande, maior do que pudéssemos supor. Não fizemos nenhum escândalo, nenhum tumulto: continuamos em Washington, trabalhando no Banco Mundial e no Fundo Monetário, mas resolvemos seguir nosso próprio caminho. Isso culminou na cúpula de Fortaleza, presidida pela [presidenta] Dilma Rousseff, onde se assinaram os tratados constitutivos dos dois mecanismos financeiros criados pelos Brics: o novo banco do desenvolvimento, que é onde eu acabaria trabalhando, e o Fundo Monetário dos Brics. Essas duas instituições estão em processo de construção. É um processo difícil, lento, que encontra muitos percalços. Entre tantos, eu destacaria um: é que o Brasil foi um dos – se não o principal – motor dos Brics num período que foi de 2008 até 2014, mais ou menos. (…) E a partir do momento em que o Brasil entra em ebulição política, em 2015, esse motor desaparece, ou se enfraquece muito.

Esse peso se deslocou para a China, que vai crescendo, ganhando experiência. Não é a mesma coisa, porque a China tem uma agenda mais estreita, não é tão abrangente como a que o Brasil tinha. Então essas instituições que nós ajudamos a criar estão prejudicadas pelo fato de um dos motores estar avariado pelas suas dificuldades internas.

O senhor diria que isso influenciou derrubada da presidenta Dilma? O Brasil incomodava sendo um dos motores dos Brics nesse período?

A Dilma teve um papel fundamental nesse processo. Eu posso contar por que eu vi. Ela tinha até mais interesse que o Lula nessa questão. É difícil responder [à pergunta], em parte, porque essas coisas não acontecem à luz do dia. Mas uma conjectura muito plausível é que isso possa ter pesado. Não digo que tanto quanto o Pré-Sal, o Petróleo, a Petrobras. Mas pesa, pois, o que são os Brics, senão um mecanismo de cooperação que envolve o Brasil, o maior país da América Latina, em aliança com dois adversários dos Estados Unidos – a Rússia e a China? Veja que eu estou falando de adversários dos Estados Unidos e não especificamente de adversários do [presidente Donald] Trump. (…) É legítimo conjecturar que os americanos tenham encarado com intranquilidade essa cooperação do Brasil com dois adversários históricos deles, ainda que a China não seja um adversário histórico, mas sim uma ameaça recente.

O que dificulta avaliar isso é que os americanos têm a vantagem de operar pelos seus prepostos locais. Então eles encontram na elite brasileira um monte de sujeitos disponíveis pra fazer o trabalho deles. Eles não precisam atuar diretamente, se identificar como agentes, mas a influência externa provavelmente existe. Como dizia Barbosa Lima Sobrinho: há dois partidos no Brasil, o partido de Tiradentes e o partido de Joaquim Silvério dos Reis. O do Joaquim Silvério está muito bem representado, permanentemente, na elite brasileira. Então, quando você tenta marcar uma posição diferente internacional, você encontra essas resistências. E às vezes esses prepostos dos interesses internos são relativamente francos e dizem, “olha, o Tesouro Americano está reclamando de você”, [risos], “o Tesouro Americano quer isso, quer aquilo”. Porque esses vira-latas nacionais, desculpem-me a ênfase, se orgulham de receber mensagens do império. Nem escondem que agem como prepostos.

Quem são esses prepostos?

No caso da minha vivência, e que eu relato no livro, são autoridades. Por exemplo, o ministro [da Fazenda] Joaquim Levy, nomeado pela Dilma na fase final. Outro exemplo são funcionários do governo brasileiro, indicados pelo [Henrique] Meirelles, que atuaram para me desestabilizar em Xangai [Meirelles presidiu o Banco Central do Brasil nos oito anos do governo Lula]. O presidente do Banco Central no governo Temer, Ilam Goldfajn, muito ligado aos EUA, também.

Se você vai ver quem são as firmas que investigam para desestabilizar os brasileiros que atuam de maneira mais independente, são certas firmas de advocacia americanas contratadas para criar problemas, entende? Baker & McKenzie, por exemplo, a mesma que atuou na questão da Petrobras.

Eu não tenho evidência de que existe uma articulação liderada pelo governo americano, mas a presença de prepostos do governo americano nos embates que eu presenciei é notória. São sempre esses prepostos, brasileiros com ligações fortes com os EUA. Com pretensões de longo prazo, de carreira e de vida. E esse é o perfil que permite que os americanos possam operar sem dar a cara a tapa, vamos dizer assim.

Houve uma época em que seguir diretrizes do FMI era como fazer um “acordo com o Diabo”. Como é essa relação hoje?

Essa questão do FMI, desde os anos 1980, eu trato no livro, porque tive uma experiência com o FMI e credores externos já nos anos 80. Em 2007, voltei ao Fundo em outra condição, trabalhando pelo Brasil. O que digo, primeiramente, é que havia diferenças, mas havia também continuidade. Tentamos mudar o FMI, conseguimos alguma coisa, principalmente no tempo do Dominique Strauss-Kahn. A crise de 2008 abriu um terreno, porque ela deixou vulnerável o status quo. E nesse ambiente conseguimos mudanças significativas. Só que, quando a crise amainou nos EUA e derrubaram o Strauss-Kahn, houve um retrocesso. Conseguimos avançar até certo ponto, mas, conforme conto no capítulo do livro “O Império Contra-Ataca”, se reestabelecem práticas anteriores. É nesse momento em que os Brics decidem que, “tudo bem, então vamos fazer o nosso fundo monetário”. E é onde eu digo: faz falta o Brasil nesse processo, que funcionava como líder dos países emergentes e dos próprios Brics. E o Brasil do Lula afirmou-se como um Brasil diferente, com uma projeção que nenhum dos outros Brics tinha ou tem. A Rússia não tem porque é atritada com metade do mundo. A Índia não tem, a China não tem, apesar de tudo. Então eu tenho certeza que os Brics sentem falta de um Brasil ativo e autônomo.

Queria uma avaliação sobre a atual economia brasileira, nossas fragilidades e potências.

A economia brasileira sofreu uma recessão profunda em 2015 e 2016. Tivemos uma queda de PIB per capita da ordem de 8%, e estacionou nesse nível deprimido, não houve recuperação em 2017, 18 e 19. O PIB per capita está estagnado praticamente. A expectativa era de que o novo governo, com o capital político das urnas, conseguisse movimentar a economia. E isso não está acontecendo, porque o governo Bolsonaro não tem um projeto de crescimento, não tem um projeto econômico claro.

Estão tentando aplicar no Brasil de 2019 ideias que já fracassaram: que o importante é fazer reformas estruturais, como a Previdência, para gerar confiança e que os empresários possam ter confiança para gastar. Não quero dizer que confiança não é importante, pois é; não quero dizer que não precise de reformas estruturais, pois precisa, talvez não essas aí; mas o que eu quero dizer é que confiança não é suficiente para recuperar um país combalido. Você tem que ter uma política econômica que crie estímulo, e isso não vem acontecendo.

Houve uma pequena redução na taxa básica de juros pelo Banco Central, mas ainda há espaço que precisa ser utilizado. A política fiscal do governo é contracionista, por conta do teto de gastos, uma política criada no Governo Temer que eu chamaria de “idiota”, com o perdão da palavra, porque é de um simplismo… de uma estupidez… Você tem uma regra fiscal tosca e você tem que substituir essa regra por uma mais inteligente. E o governo teme mexer na regra e perder credibilidade, mas está verificando que a regra não vai funcionar. Se você não mexer na regra, vai ter uma combinação de economia combalida, desemprego e política fiscal recessiva.

O FMI fez um relatório sobre a economia brasileira dizendo que o Brasil talvez possa crescer algo como 2% ou 1,5% anualmente, com otimismo, nos próximos anos. Com esse tipo de crescimento, a taxa de desemprego que hoje é 12 milhões, cairia para 10 milhões, mas continuaria extremamente alta até 2022. O panorama não é favorável.

O governo não tem um projeto convincente, fica esperando não sei o quê. Veja pela retórica do governo Bolsonaro: “vou zerar o déficit no primeiro ano”. Aí… “não é bem assim” e vai continuar por vários anos. “É preciso a reforma da Previdência, porque aí sim deslancha”, e faz. Mas aí, “não é só isso, tem mais isso”. Não é um discurso convincente. Com esse discurso costurado, não vai recuperar a confiança.

Mas por que a economia então não afunda? Porque o Brasil tem trunfos econômicos importantes. É uma pena que a gente tenha um governo tão precário como esse. Se fosse minimamente organizado… Que trunfos são esses? Uma posição do setor externo muito forte, reservas internacionais muito elevadas, o que nos diferencia da Argentina ou da Turquia. Um regime cambial adequado, flutuante, flexível e sem regras. A inflação está sob controle. É verdade que por conta da recessão, mas está baixa. E o setor externo está equilibrado.

Para mim, é um espanto ouvir o ministro da Economia dizer que o setor público brasileiro está em colapso. Como o ministro pode ser tão irresponsável para minar o setor que ele está supostamente governando? Isso não existe em lugar nenhum. O setor público tem dificuldades, Estados e municípios, muitos deles, mas não está quebrado. (…) Essa história de que o dinheiro acabou é um simplismo, especialmente para os que não entendem. Mas não é um colapso. É claro que, se continuar com esse governo, batendo cabeça e desorganizado, acaba atingindo a economia.

O senhor vê o Brasil avançando pouco a pouco ou estamos regredindo?

Desde a década de 1980, o Brasil não tem conseguido crescer de forma sustentada por períodos longos. Houve alguns períodos curtos, por exemplo no governo Lula. Mas foi uma exceção. No geral, temos apresentado um crescimento baixo, e com o Brasil perdendo expressão em relação a outros países, como a China e outras nações da Ásia. No meu modo de ver, o que explica isso é sobretudo a captura das alavancas decisórias do Estado brasileiro por interesses financeiros de curto prazo, e seus representantes. Me refiro ao ministério da Fazenda, ao Banco Central… Um processo que tem longa história, que marca o governo FHC, marca o início do governo Lula, que não conseguiu de imediato se livrar disso. Quando ele se livra disso, a partir de 2005, ele quebra uma maldição, que é a do segundo mandato ser pior que o primeiro. E aí o Brasil experimenta uma fase áurea. Mas, mesmo nessa fase áurea, o que preocupou? A tendência de o Brasil deixar a estrutura industrial brasileira regredir. Períodos prolongados de valorização cambial, juros muito altos durante muito tempo. Essa combinação foi muito negativa para muitos setores.

O sistema tributário é inadequado, a infraestrutura inadequada, o uso de crédito é inadequado. No governo Lula, houve uma tentativa [de melhorar essa estrutura], mas incompleta. No governo Dilma também. E, como esse projeto Lula-Dilma naufragou na crise 2015, nós agora estamos de volta ao modelo anterior, financista, de curto prazo. Não é um modelo de desenvolvimento. Nós temos que ter um modelo de desenvolvimento nacional.

Esse caminho regressivo do governo Bolsonaro, do governo Temer, é um caminho destrutivo, não é uma construção. É diferente do que vivemos nos anos 1960, depois do golpe militar, por exemplo. Porque naquele momento havia um projeto. Você pode não gostar daquele projeto, mas existia, formulado por pessoas como Roberto Campos, Delfim Netto. Esse pessoal que está aí hoje não tem projeto algum. Tem uma agenda confusa, liberal, misturada com um projeto regressivo do presidente Bolsonaro, que está batendo cabeça para tudo quanto é lado. Acho muito difícil que esse projeto, do jeito que está estruturado, leve a algum resultado positivo pro País.

Sobre o Plano Real, que completou 25 anos em julho, o que o senhor destacaria?

As opiniões sobre o Plano Real são mais uma manifestação do complexo de vira-lata do brasileiro. Mesmo os adversários precisam reconhecer que ali foi feita uma coisa importante pela equipe do [presidente] Fernando Henrique. Eu destacaria a URV (Unidade Real de Valor), um mecanismo inteligente de desindexação, usado de maneira positiva na época. Vinte e cindo anos depois, o Brasil tem uma moeda nacional. Estávamos ali com hiperinflação, altíssima, uma desordem monetária. Faltava uma moeda nacional razoavelmente estável. Mesmo aos trancos e barrancos, isso veio. O maior erro, por outro lado, foi a indexação cambial, que avalio que não era necessária. Embora tenha conversado com Pedro Malan (ministro da Fazenda de FHC) recentemente e ele insiste que era necessária. Mas o fato é que tivemos uma grande valorização cambial, que gerou problemas gravíssimos, como a crise de 1998 e 99, que quase acabou com o Real.

E quanto aos governos do PT, o que houve de avanços e erros?

É difícil uma generalização. Temos várias fases da política econômica nos governos Lula e Dilma. O início é marcado por uma fase ortodoxa, basicamente a continuação do que o Pedro Malan vinha fazendo. Depois houve uma mudança de rumos com a entrada do Mantega (Fazenda) e da Dilma na Casa Civil, com uma mudança do Lula na direção do desenvolvimentismo, que foi bem-sucedida.

Quando o Lula transfere o poder para a Dilma, e isso é algo que todo mundo esquece, a Dilma entra e faz um choque ortodoxo: com ajustes fiscais importantes, elevação das taxas de juros, contenção do crédito, porque ela tinha a avaliação, correta, de que a economia brasileira estava superaquecida. Só que talvez o governo brasileiro tenha pesado demais a mão naquele momento, e as tentativas de reaquecimento da economia não foram bem-sucedidas. Houve várias tentativas entre 2011 e 14, e a economia não voltou a ter aquele ritmo. E aí vem toda a crítica à matriz econômica, que é uma crítica ideológica. Assim como existe a fantasia da “ideologia de gênero”, há a fantasia da “nova matriz econômica”. O que houve ali foi uma tentativa malsucedida de reativar a economia. Talvez os melhores métodos não tenham sido utilizados. Mas o fato é que a crise de 2015, 2016, não pode ser atribuída, senão em menor proporção, aos erros de política econômica do governo Dilma. Houve erros? Houve. Importantes? Sim. Mas nada que justifique uma recessão daquele tamanho.

A recessão foi fruto de choques externos, perda em termos de troca, importante em 2015, mas sobretudo de fatores internos. Além disso, temos a Lava Jato e seus efeitos desestruturantes em várias cadeias produtivas. E a tentativa de dar um golpe na presidente recém-reeleita. Que funciona assim: é difícil, mas vamos fazer uma sabotagem nesse governo, mesmo que tenha custos para a economia. Foi isso que foi feito. Pautas-bomba, cerceamento do governo e a contribuição da própria presidente, que nomeia como ministro da Fazenda o Joaquim Levy, que tenta aplicar um choque ortodoxo na economia combalida. É feito em seguida um ajuste de preços públicos de uma só vez, erradamente, o que força o Banco Central a agir com taxa de juros. Aplica-se uma política fiscal equivocada, que nada tinha com o programa dela. Tudo isso junto derrubou a economia brasileira de um jeito que nunca tínhamos visto. Uma enorme irresponsabilidade daqueles que arquitetaram o golpe. E a economia brasileira ainda não se desfez do trauma dessa irresponsabilidade, com erros da Dilma, do Levy, erros da Lava Jato e o golpe parlamentar. Quem olhar para trás num registro histórico, de uma maneira isenta, não vai deixar de observar isso.

O que poderia contribuir para uma melhoria da economia brasileira?

Não acredito que o atual governo consiga colocar o Brasil em um rumo positivo. Porque esse governo não tem projeto. Só tem projeto de destruição, em várias áreas. O que está acontecendo são medidas de desarticulação dos mecanismos existentes, sem que o governo saiba o que vai colocar no lugar.

Os mecanismos existentes têm defeitos? Têm. É preciso corrigi-los? Sim. Mas não é assim que se faz. Na área da Cultura, da Educação, do Meio Ambiente, da máquina pública… É um processo de destruição declarado, admitido como tal. Dito isso pelo Bolsonaro: “eu vim pra destruir”. Agora pergunta para essa equipe se eles sabem o que vão colocar no lugar? Provavelmente eles não sabem. Então é desastroso.

O Brasil está correndo um grande risco. Nunca houve um governo tão subordinado ao governo americano, que chega a declarar que está apaixonado pelo presidente dos EUA, não tem o mínimo de decoro, faz concessões unilaterais na esperança de ter algo, o que é um absurdo, não é assim que funcionam as coisas. Além disso, o atual governo provoca desnecessariamente toda a ira da comunidade internacional na questão da Amazônia, colocando o Brasil numa condição de pária, que nós nunca tivemos. É erro atrás de erro atrás de erro. Estamos pagando um preço altíssimo por ter levado essa figura à presidência da República. Nós vamos resistir a isso tudo. Mas é preciso muito cuidado, porque já vimos países destroçados pela combinação entre crise interna e pressão externa. Síria, Iraque, Líbia… Não pense o brasileiro que aqui não acontece. Podem acontecer coisas muito piores se a gente não se der conta. É fundamental que o brasileiro saia do seu comodismo e veja o que aconteceu com países que perderam sua soberania.

 

 

A imposição da nossa Vantagem é a razão do nosso atraso, por Albertino Ribeiro

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O Brasil, cuja revolução industrial aconteceu com cem anos de atraso, também teve seu conflito indústria/agricultura desde a monarquia.

Albertino Ribeiro – GGN – 25/09/2019

A indústria deveria ser o nosso norte, direcionando o desenvolvimento econômico brasileiro, porém abdicou de sua liderança para o setor agropecuário. Infelizmente, os industriais brasileiros não tiveram a mesma sorte que seus pares americanos do século XIX. Naquela época, a indústria americana, concentrada no norte do país, venceu a guerra pela hegemonia econômica.

Se não fosse o esforço empreendedor daqueles industriais, os Estados Unidos da América seriam hoje o que o Brasil, infelizmente, sonha em se tornar um dia: a fazenda do mundo! Não seria isso um pesadelo?

Caro leitor, não sou um inimigo do agronegócio! Afinal de contas, o mundo precisa de alimentos e matérias-primas, inclusive, existem países que possuem riquezas naturais. Podemos citar alguns como Noruega, Canadá e Austrália. Esses países, mesmo tendo vantagens comparativas na agricultura e no extrativismo em geral, não negligenciaram à atividade industrial.

A indústria americana vivia em conflito com os ruralistas do sul do país. Os produtores de algodão, valendo-se das vantagens comparativas sobre os demais países, eram favoráveis ao livre comércio e tinham como principal porto dos seus produtos a Inglaterra, país que possuía grandes tecelagens. Ademais, o livre comércio também era interessante para os produtores do sul, porque permitia-lhes a obtenção de manufaturas mais baratas vindas do exterior.

Os empresários, juntamente com lideranças do Estado americano, sabiam que a continuação dessa política levaria o país a ser uma grande nação agrícola ou a fazenda do mundo. Contudo, para evitar o futuro “agrodistópico”, o governo americano resolveu adotar políticas protecionistas em relação às manufaturas estrangeiras. Isso mesmo! Foi a política protecionista do estado americano que promoveu o desenvolvimento da indústria. O tal do “liberou geral” só veio depois do fortalecimento do setor.

Uma curiosidade da época foi o desencorajamento da leitura dos livros de Adam Smith e David Ricardo pelo governo, uma estratégia para instilar no empresariado o desejo de ir contra a teoria das vantagens comparativas que, naquele momento, era o grande inimigo teórico da industrialização americana. Verdade, amigo do instituto Milenium!

Ser a fazenda do mundo não era o sonho americano, mas um pesadelo contra o qual o setor privado e o governo lutaram para que não se materializasse.

O Brasil, cuja revolução industrial aconteceu com cem anos de atraso, também teve seu conflito indústria/agricultura desde a monarquia. Contudo, os produtores rurais levaram a melhor – pobre Barão de Mauá e seus pares – graças a influência que sempre tiveram junto ao estado Brasileiro.

Recentemente comemoramos o acordo MercoSul e União Europeia. Mais uma vez o agronegócio levará vantagem e a indústria ficará vulnerável à concorrência. Como se não bastasse o atual abandono da indústria nacional, o governo Bolsonaro quer iniciar um novo ciclo extrativista avançando sobre a Amazônia. Tal política tende a tirar, o foco do investimento industrial, uma verdadeira “maldição dos recursos naturais”, segundo alguns economistas supersticiosos.

A indústria brasileira possui, apenas, 11,3% de participação no PIB (dados de 2018), retrocedemos ha mais de 60 anos. Para termos uma ideia, Em 1956, quando Juscelino Kubitschek tornou-se presidente, a participação da indústria no PIB era de 24,1%, e o Brasil, naquela época, era considerado um país ainda agrário.

Infelizmente, a frase do economista Pedro Malan, ministro da Fazendo do governo FHC, “a melhor política industrial é não ter política industrial”, tornou-se o nosso modus operandis. Assim sendo, continuaremos a colher os frutos do atraso.

Albertino Ribeiro é Tecnologista de Informações Geográficas e Estatísticas

 

Cheiro de mudança no ar, por Paulo Kliass

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Uma das muitas maneiras para explicar as mudanças reside na identificação das consequências provocadas pela crise financeira internacional

A cada novo dia que passa, a cada nova semana que avança, percebe-se que algumas das bases de sustentação do modelo em que se apoia o atual sistema do capitalismo global começam a apresentar suas fissuras. Apesar de não oferecer nenhuma novidade para os que sempre denunciamos esse regime injusto e excludente em escala mundial, é importante sim reconhecermos a gravidade da crítica que vem sendo lançada mais recentemente por gente de distintos perfis.

Uma das muitas maneiras para explicar as mudanças reside na identificação das consequências provocadas pela crise financeira internacional, que teve seu início no ambiente econômico os Estados Unidos em 2008. A eclosão descontrolada de alguns dos principais símbolos da chamada “economia de mercado” teve um efeito tão ou mais devastador, inclusive do ponto de vista icônico, do que o bombardeio das torres do World Trade Center no coração de Manhattan em 2001.

Afinal, o que se viu a partir da quebra em cadeia das principais instituições financeiras que operavam no mercado estadunidense foi a colocação em xeque da própria estrutura de funcionamento da ordem liberal capitalista. Em 15 de setembro de 2008, a falência do banco Lehman Brothers oferece o primeiro susto, logo depois da estatização preventiva de alguns dos gigantes do mercado imobiliário de hipotecas, como Fanni Mae e Freddy Mac. Em seguida, o Tesouro daquele país injeta um volume considerável de recursos públicos para salvar o Bank of America e o Citibank de quebrarem. O argumento para justificar a medida, que se apresentava inclusive na contramão dos dogmas do livremercadismo, era o famoso “too big to fail”. Ou seja, de acordo com o contorcionismo retórico de nova ordem, elas seriam instituições tão grandes que sua falência deveria ser evitada a todo custo.

Crise de 2008/9: início das mudanças

Ainda na sequência, em 2009, o governo norte-americano injeta bilhões de dólares nas simbólicas corporações gigantes do mercado automobilístico. A estratégia era também salvar da falência empresas do porte de General Motors e Chrysler. É verdade que a narrativa do liberalismo, sempre tão propagada pelo mundo afora pelo establishment ianque, na verdade nunca foi aplicada com todo o rigor no seu próprio território. Para tanto, basta considerarmos as políticas de subsídios aplicados em setores politicamente sensíveis (como agricultura e energia), as políticas especiais oferecidas ao complexo bélico militar ou a proeminência de oligopólios em inúmeros setores da economia norte-americana. Receita de liberalismo é bom para se aplicar na grama do vizinho.

Porém os efeitos da crise operaram como um questionamento profundo de alguns dos dogmas basilares do modelo que vinha funcionando desde o início dos anos 1980. O Estado foi obrigado a intervir no jogo econômico de forma explícita e ultra evidente. A política de austeridade ortodoxa teve de ser revista em uma jogada de “pragmatismo realista”, de forma a que as políticas monetária e fiscal foram subvertidas em relação a tudo aquilo que as instituições difusoras do neoliberalismo sempre haviam apregoado nos Estados Unidos e pelo mundo afora. Uma das razões mais importantes para a crise no âmbito financeiro foi identificada como sendo a ausência de regulação das instituições e das operações de risco elevado. Tanto que uma das primeiras medidas consideradas como “saneadora” foi a Lei Dodd Frank, que pode ser considerada a primeira grande regulação do mercado financeiro norte-americano desde a década de 1930.

Essa contradição entre o discurso liberal e a prática de governos e instituições revelou-se insustentável. Estados Unidos, União Europeia, Japão, Canadá e outros países são afetados por essa necessidade de adaptação. Abre-se, assim, uma brecha para o surgimento de visões e propostas alternativas, ainda mesmo no campo do conservadorismo. A hegemonia demolidora exercida pelos dogmas do neoliberalismo começa a perder o vigor que sempre havia caracterizado esse período. Questões como distribuição de renda, desigualdade social e econômica, regulamentação e regulação das atividades na economia, política fiscal contracíclica e outros temas “heréticos” passam a fazer parte do cardápio dos próprios economistas que defendiam o modelo da ortodoxia até poucos meses antes.

Piketty e Lara Rezende – críticas ao modelo

Um dos formuladores que ganhou mais notoriedade ao longo dos últimos anos foi o francês Thomas Piketty e seu livro “O capital no século XXI”, lançado em 2013. Oriundo de uma escola conservadora no ambiente universitário francês, ele foi um dos criadores e dirigentes da polêmica “Paris School of Economics” (PSE), iniciativa claramente inspirada no modelo da coirmã britânica, “London School of Economics” (LSE). Mas o fato é que a emergência da crise e a investigação de assuntos como concentração de renda e patrimônio levaram o economista a apontar o dedo para a necessidade de mudanças profundas na questão da tributação e da regulação da economia, entre outros aspetos.

Por outro lado, a brecha aberta no debate pós crise 2008 permitiu também a recuperação de debates do campo da macroeconomia. Voltaram à baila questões que haviam ficado no esquecimento, em razão do esmagamento ideológico promovido pelo establishment neoclássico há décadas. Essa foi a oportunidade para o ressurgimento de vários pesquisadores agrupados em torno daquilo que passou a ser chamado de “Teoria Monetária Moderna” (MMT, da sigla em inglês). De acordo com tal interpretação do fenômeno econômico, faz-se necessário um repensar a respeito de dogmas como déficit público, função da moeda e capacidade de endividamento do Estado.

Apesar da relevância do tema, as elites do financismo tupiniquim não parecem nada entusiasmadas em oferecer espaço para esse tipo de autocrítica. Um dos poucos pensadores e operadores da economia que ousaram furar a bolha e trazer luz a esse importante debate tem sido André Lara Rezende. Apesar de toda a sua formação no campo do conservadorismo, bem como sua atuação no mercado financeiro e sua participação como formulador de política econômica nos governos de FHC, ele teve a coragem política e intelectual de reconhecer os equívocos. Em seus artigos mais recentes, o economista carioca traz informações sobre o andamento do debate da MMT nos fóruns internacionais e aponta os enganos da continuidade da opção pela austeridade em nossas terras. Essa nova abordagem proposta por um importante formador de opinião postula uma forte crítica à política monetária de juros altos praticada há duas décadas e também a essa verdadeira obsessão do financismo com o corte generalizado de despesas como sendo a única saída para a crise fiscal.

Draghi , Martin Wolf e o Reino da Dinamarca

No espaço europeu a polêmica também avança, uma vez que a política de austeridade levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE) e pela Comissão Europeia (CE) não produziu os efeitos desejados pela maioria da população da maior parte dos países da região. A sequência interminável de planos de ajuste recessivos e destruidores (como ocorreu com Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal no passado recente) parece que agora cede espaço para uma reflexão de matriz diferente. O próprio presidente do BCE, o economista Mário Draghi reconheceu há poucos dias a necessidade de abrir um diálogo para examinar as propostas da MMT como alternativas para o aperfeiçoamento dos mecanismos de política monetária no espaço europeu. Vindo de quem vem e do cargo que ocupa, esse gesto não é nada desprezível.

Outra iniciativa relevante foi um artigo de autoria de Martin Wolf importante jornalista e economista conservador, que é conhecido por suas atividades como editor do jornal “Financial Times” (FT). Ali também se identifica um desconforto do autor com os rumos da própria economia capitalista nos tempos atuais. Nesse caso mais recente, o autor chega ao ponto de identificar na natureza rentista do capitalismo contemporâneo uma ameaça para a sobrevivência da democracia liberal. Ora, chegamos a uma situação em que um dos maiores baluartes de defesa da ordem capitalista como FT se vê obrigado a reconhecer a necessidade de mudanças de rota. Talvez seja mesmo o caso de recordarmos o que escreveu há mais de 4 séculos atrás outro inglês, William Shakespeare, em sua peça “Hamlet”: há algo de podre no Reino da Dinamarca.

É bem possível que estejamos mesmo vivendo um momento de mudança de paradigma. Esses períodos de transição podem oferecer espaços para o novo ainda em gestação. Às forças progressistas cabema intervenção nesse processo de disputa de ideias. Com isso, assegurar que o novo caminho seja na direção de um mundo mais justo, menos desigual e que esteja assentado na sustentabilidade.

* Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

 

“Não se deve tributar as grandes fortunas. Deve-se tributar todas as fortunas”

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O economista e pesquisador Marcelo Medeiros apresentará na próxima semana, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, dados de uma pesquisa recente sobre a desigualdade brasileira

Os desafios com relação à iniquidade social, educacional e econômica no Brasil foram pensados historicamente observando a base da pirâmide social. Para tentar compreender melhor o fenômeno, o pesquisador e economista Marcelo Medeiros virou a realidade de cabeça para baixo e se deu conta de por que, apesar dos anos de estudo, soluções efetivas para o problema nunca foram apontadas. “Os ricos concentram uma fração muito grande da renda total e, por isso, têm um peso gigantesco na desigualdade. Falar de desigualdade é falar de ricos, da diferença entre os ricos e o resto. O que acontece com a pobreza não muda muito a desigualdade”, destaca em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

O professor chama atenção para o fato de que um quarto de toda a renda do país está concentrado em 1% dos adultos, o que justifica observar os ricos para compreender a pobreza. “Quando se fala de renda, se fala de algo que é apropriado, predominantemente, pelos ricos. Por isso o comportamento da renda dos ricos afeta muito o comportamento geral da desigualdade”, avalia. “Não se deve tributar as grandes fortunas. Deve-se tributar todas as fortunas”, provoca.

Marcelo Medeiros é graduado em Economia pela Universidade de Brasília – UnB, mestre e doutor em Sociologia pela mesma instituição. Atualmente é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea e professor na UnB. Além disso, leciona anualmente na Universidad Nacional de General San Martín -UNSAM, Buenos Aires. Foi pesquisador no International Poverty Centre – UNDP, pesquisador-visitante no CSC – Cambridge University, no Institute for Human Development – Delhi, no Indira Ghandi Institute – Mumbai, na Sophia University – Tóquio, no CNRS-Cermes3 – Paris e na University of California – Berkeley, além de especialista em avaliação de políticas do Tribunal de Contas da União – TCU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais serão os pontos centrais a serem abordados na conferência Os ricos e a desigualdade de renda no Brasil, evento que ocorre na próxima semana?

Marcelo Medeiros – Essa conferência sintetiza os resultados de estudos sobre desigualdade de renda no Brasil no último ano. Ela tem como eixo uma ideia simples, mas importante: os ricos concentram uma fração muito grande da renda total e, por isso, têm um peso gigantesco na desigualdade. Falar de desigualdade é falar de ricos, da diferença entre os ricos e o resto. O que acontece com a pobreza não muda muito a desigualdade.

IHU On-Line – Quem são os ricos do Brasil? De que forma eles desequilibram a balança da justiça econômica e social no país?

Marcelo Medeiros – Ainda precisamos saber mais sobre isso. Temos que reavaliar parte do que sabemos sobre desigualdade depois que os dados do Imposto de Renda confirmaram aquilo que muitos suspeitavam: nossas informações sobre renda nas pesquisas domiciliares estavam subestimadas. Mas já sabemos, por exemplo, que cada pessoa das elites ocupacionais e educacionais contribui de forma muito desproporcional para a desigualdade de renda. Elites educacionais são as pessoas com formação naquilo que alguns chamam de profissões imperiais, como medicina, engenharia, direito e algumas outras novas atividades. Elites ocupacionais são os empresários. Estudos recentes também mostram que essas elites são compostas predominantemente por homens brancos com mais de 45 anos de idade. As desigualdades de gênero, raça e geração parecem ser maiores do que se acreditava.

IHU On-Line – Historicamente, quais foram os aspectos determinantes da desigualdade no Brasil? Como foram medidos e analisados os dados sobre a desigualdade?

Marcelo Medeiros – Os primeiros estudos sobre desigualdade de renda no Brasil datam da década de 1930. Eram estudos baseados em dados do imposto de renda, recém-criado. Há estudos parecidos nas décadas de 1940, 1950 e 1960. A partir dos anos 1970 o Brasil passa a contar com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, pesquisas domiciliares de excelente qualidade, e a história contada a partir da PNAD passa a dominar acerca do que sabemos sobre desigualdade. Porém, a partir da década de 2000 os dados tributários voltaram a ter muita importância em todo o mundo, pois são uma forma de se analisar a história de longo prazo da desigualdade. No Brasil, a primeira série de longo prazo sobre desigualdade ano a ano é do Pedro Souza, do Ipea, publicada em 2014, e que cobre de 1933 a 2012. Recentemente essa série foi alongada e conta com dados desde 1928.

É difícil resumir um período tão longo de história em poucas palavras, mas há algo na série que chama a atenção: nos períodos de ditadura a desigualdade sobe, nos de democracia ela cai. Ao que parece, os níveis mais baixos de desigualdade da história brasileira foram no começo dos anos 1960 e isso foi revertido bruscamente em 1964, mesmo antes do milagre econômico do final da década. Não devemos, portanto, subestimar o papel que o Estado e a política têm na desigualdade.

IHU On-Line – De que forma a pesquisa A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: Estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares,  publicada ano passado, atualiza nossa compreensão sobre o fenômeno da desigualdade?

Marcelo Medeiros – Essa pesquisa e outra, publicada quase simultaneamente, usam os novos dados do imposto de renda para analisar a história recente da desigualdade. Esses dados apontam que a desigualdade no Brasil é maior do que estávamos calculando até recentemente e, ao contrário do que todos nós acreditávamos, não caiu entre 2006 e 2012. E quando digo “nós”, me incluo: quando olhava apenas para os dados da PNAD eu também achava que havia queda. Mas em pesquisa sempre é assim, diante de novos dados temos que rever nossas posições. A interpretação que parece mais prudente é a de que houve estabilidade entre 2006 e 2012, não queda.

De todo modo, o que importa não são os pequenos sobe e desce e sim as grandes tendências, pois é isso que ajuda a explicar o que causa a desigualdade no país e o que pode ser feito para reduzi-la. Precisamos saber o que muda no que sabemos sobre desigualdade diante das novas evidências do imposto de renda. Aprendemos muito com as PNAD, agora precisamos colocar esse conhecimento à prova, pois as PNAD subestimam a renda no topo da distribuição.

IHU On-Line – Por que estudar os mais ricos? De que forma eles ajudam a compreender os meandros de uma sociedade em que a maioria massiva da população é pobre?

Marcelo Medeiros – Um quarto de toda a renda do país está concentrado em 1% dos adultos. Metade em 5% da população. Quando se fala de renda, fala-se de algo que é apropriado, predominantemente, pelos ricos. Por isso o comportamento da renda dos ricos afeta muito o comportamento geral da desigualdade. Aliás, também quando se fala de crescimento, fala-se de algo que será apropriado, predominantemente, pelos ricos. Entre 2006 e 2012, o 1% mais rico ficou com 28% dos frutos de todo o crescimento do país.

IHU On-Line – Embora os programas sociais do Estado sejam voltados à população mais empobrecida, como explicar o fato de que os maiores fluxos de renda estatal sejam destinados às populações da parte de cima da pirâmide social? Como compreender os paradoxos que estão em jogo nestes processos?

Marcelo Medeiros – O que é importante nisso é entender que o Estado é importante para determinar a desigualdade. Ou seja, desigualdade é um problema político, no sentido dado pela Economia Política à expressão. Quando o Estado faz políticas para os mais pobres, ajuda a reduzir um pouco a desigualdade; mas quando dá subsídios, investe em infraestrutura, ou mesmo quando faz políticas de controle da inflação, ele pode estar ajudando diretamente os mais ricos.

Nosso estudo mostra que a maior parte da população dá ou recebe diretamente rendas do Estado. Por exemplo, dá na forma de imposto de renda e contribuições previdenciárias e recebe na forma de transferências e salários. O saldo desses fluxos de renda é que o Estado acaba transferindo mais dinheiro para os mais ricos do que para os mais pobres. Em parte, isso é esperado, pois as pessoas contratadas pelo Estado geralmente têm maior qualificação e isso está associado a maiores salários. É importante entender que as rendas pagas pelo Estado contribuem com uma parcela não desprezível da desigualdade, mas isso não é necessariamente um problema: se o Estado contratar mais enfermeiras para cuidar de pacientes nos hospitais públicos, pagará mais salários e irá provavelmente aumentar sua participação na desigualdade, mas isso não deve ser visto como algo ruim. Nem todo aumento da desigualdade é ruim, nem toda redução é boa. O problema é bem mais complicado.

IHU On-Line – De que ordem são os desafios para superar a desigualdade social no Brasil? 

Marcelo Medeiros – Não existe uma solução simples, rápida e barata para um problema dessa magnitude. Uma fórmula mágica desse tipo provavelmente está fadada ao fracasso. Não é simples fazer o Brasil ter a desigualdade da Áustria, assim como não é simples o Brasil ter o PIB per capita da Áustria. Uma coisa é certa: igualdade tem custos, esses custos não são baixos. Criar uma sociedade justa dá trabalho, e justiça implica reduzir uma série de vantagens que hoje tem a população mais rica.

Por outro lado, igualdade é mais eficiente. É melhor para a economia. Nossos níveis de desigualdade são disfuncionais, atrapalham o bom desempenho de nossa economia, estimulam comportamentos predatórios e desestimulam comportamentos produtivos. Temos que mudar isso, mas vai custar muito, econômica e politicamente, e levará um bom tempo.

IHU On-Line – Em que medida a taxação das grandes fortunas pode contribuir no processo de redução da iniquidade social? Em que medida são insuficientes?

Marcelo Medeiros – Não se deve tributar as grandes fortunas. Deve-se tributar todas as fortunas. Impostos são uma contribuição feita para cuidar do bem comum. Todos têm o dever de contribuir para o bem comum, na proporção de suas capacidades. Quem pode mais, paga mais. Por isso, precisamos rever não só a forma como tributamos fortunas, mas toda nossa tributação. Precisamos há anos de algo difícil de fazer, uma reforma tributária. Nas últimas décadas só temos feito remendos, mas nenhuma reforma de maior fôlego. Temos uma carga tributária desequilibrada, que dá muito peso aos tributos sobre produção, consumo e trabalho e pouco peso ao imposto de renda. Deveria ser o contrário, pois o imposto de renda é economicamente muito mais eficiente que outros impostos, além de ser também mais justo.

É importante termos uma tributação melhor, que ao mesmo tempo seja mais produtiva e mais justa que a atual. Mas há muito mais na promoção da igualdade que os tributos. Os impostos são importantes para arrecadar de um lado e fazer investimentos de outro. É com impostos que se cria infraestrutura e se investe em educação, por exemplo. Sem esses e outros investimentos, vamos ficar para trás na corrida internacional estabelecida pela globalização.

Economia Contemporânea, Escassez material e Espiritismo

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A Economia global vem passando por grandes transformações nos últimos trinta anos, novos materiais estão revolucionando a sociedade, novas tecnologias estão agitando o mercado de trabalho e alterando as formas de emprego e remuneração, gerando um incremento na desigualdade, maior destruição do Meio Ambiente, crescimento do xenofobismo e da imigração, todos estes estão na base das grandes mudanças na sociedade internacional, responsáveis por medos, preocupações e desesperanças, levando os indivíduos a comportamentos agressivos e intolerâncias crescentes em todas as regiões.

A Economia como ciência nasce no século XVIII com o pensador escocês Adam Smith, que com a publicação do clássico A Riqueza das Nações (1776), cria as bases da chamada Economia Política, analisando os mercados, a produção e destacando a importância do comércio internacional para o crescimento e o desenvolvimento das economias, segundo este teórico o Estado é o responsável por inúmeros desequilíbrios, para conter estes desajustes, defende uma maior participação dos mercados na estrutura econômica e produtiva, o grande problema dos mercados é que visam os lucros e os ganhos monetários e muitas vezes buscam transformar tudo em meros instrumentos de lucro e de acumulação, para muitos críticos Smith estimulou um individualismo crescente nos seres humanos, uma constante busca por prazer e satisfação pessoal.

A Economia, para muitos teóricos chamada de a Ciência da Escassez, nasce com uma missão bastante digna e imprescindível, organizar a produção de bens, mercadorias e serviços, com o intuito de satisfazer as necessidades humanas. Como os recursos existentes na coletividade são limitados, ou seja, os recursos disponíveis no ambiente são reduzidos, faz-se necessário evitar desperdícios e economizar no processo produtivo, para que todos os indivíduos recebam o mínimo necessário para sua sobrevivência, a economia surge com uma missão de grande relevância na sociedade do século XVIII.

A economia deveria revolver uma equação complexa da natureza humana, os indivíduos demandam muitas mercadorias ou produtos, num momento histórico marcado por poucas mercadorias o problema era pouco sentido, com o passar do tempo percebemos que os desejos, as vontades e as necessidades dos seres humanos passam a crescer de forma acelerada, tudo isto acontece ao mesmo tempo que o sistema capitalista de produção ganha força e relevância na sociedade, novos produtos surgem, criando vontades e necessidades novas, com isso, controlar recursos naturais e produtivos limitados para satisfazer vontades, desejos e necessidades ilimitadas passou a ser um grande desafio para a sociedade e para a economia de uma forma geral.

Com o passar dos anos, a sociedade passou por novas transformações, a Revolução Industrial impulsionou a produção de novas mercadorias, criando novos produtos e alterando os hábitos anteriores, gerando desafios para todos os indivíduos, ao mesmo tempo o trabalho assalariado passou a ganhar força e a moldar a nova coletividade, criando desejos e necessidades que eram inexistentes, um mundo novo se abriu, uma nova sociedade marcada pelas relações entre capital e trabalho, muitas vezes contraditória e até violenta, onde ambos buscavam ganhos financeiros e monetários.

O rápido crescimento da tecnologia transformou a sociedade internacional, muitos espíritos contribuíram para este crescimento tecnológico, espíritos vindos do mundo espiritual para impulsionar o desenvolvimento da humanidade, embora muitos desconheçam esta realidade, estes irmãos eram dotados de grande conhecimento na área da ciência e da pesquisa científica e tecnológica, eram espíritos preparados para movimentar a sociedade que, poucos séculos atrás vivia em uma organização social estática e centrada nos poderes da Igreja e nos mandos e desmandos de grupos dominantes. A humanidade desconhece os avanços motivados por intervenção dos espíritos superiores, muitas das descobertas, muitas das invenções, muitas das teorias e pensamentos sociais desenvolvidos são originários de espíritos de outras dimensões espirituais, entidades destacadas para impulsionar o progresso humano, sem estes espíritos, o desenvolvimento de muitos produtos e tecnologias demorariam muito mais tempo. A Doutrina Espírita nos mostra como o mundo espiritual nos influencia mais do que imaginamos, sem a participação destes espíritos dotados de grandes conhecimentos científico e tecnológico estaríamos, com certeza, ainda em mundos muito atrasados e marcados por conflitos muito mais severos do que os que vivenciamos na contemporaneidade.

O mundo espiritual interfere nos rumos da sociedade muito mais do que os indivíduos imaginam, na obra Os exilados de Capela, Edgard Armond nos mostra como espíritos degredados vindo de outra constelação foram fundamentais para impulsionar o crescimento do Planeta Terra, estes irmãos contribuíram com seus vastos conhecimentos de ciência e de tecnologia, eram espíritos com destaque nestas áreas, mas apresentavam grandes comprometimentos nas áreas dos sentimentos, da ética e da moral. A sua estada no Planeta Terra foi fundamental para seu progresso espiritual, contribuíram para a melhoria da situação de nosso planeta e consolidou um crescimento fundamental para a trajetória destes espíritos, melhorando seus valores e sentimentos morais.

A economia participou ativamente de todo este progresso econômico do mundo, o sistema capitalista apresentou taxas de crescimento bastante elevadas, riquezas foram geradas, novas formas de sobrevivência contribuíram para a geração de novos empregos, melhorias crescentes nos salários e na renda dos trabalhadores, a área médica ganhou destaque, a pesquisa científica cresceu aceleradamente e o bem-estar dos povos apresentou amplo progresso, com melhoras consistentes em várias áreas e setores. Pela primeira vez na sociedade mundial, o progresso começou a angariar novos grupos sociais, muitos indivíduos saíram da miséria e da indigência, muitas mortes por doenças simples e pestes insignificantes que anteriormente vitimavam milhares de pessoas passaram a ser controladas, as perspectivas para a humanidade eram bastante positivas.

Neste ambiente de novas descobertas científicas e tecnológicas, que tinha a Europa como centro da sociedade internacional, é que surgia a Doutrina Espírita, cujas informações codificadas por Allan Kardec descortinavam visões antigas e vinham para impulsionar o crescimento dos seres humanos, pela primeira vez a humanidade passava a conhecer uma doutrina que congregava elementos de Ciência, Filosofia e Religião. Seus conhecimentos destacavam a inexistência da morte, a sobrevivência da alma, a reencarnação como uma Lei Natural e nos abria as portas para o mundo espiritual, mostrando-nos que somos todos espíritos dotados de um corpo material, a vida se dava no mundo dos espíritos, por isso a importância de conhecermos nossas realidades mais íntimas e pessoais.

O crescimento da Economia mundial começou a arrefecer no final do século XX, depois de um intenso crescimento econômico que gerou um forte desenvolvimento de muitas economias, percebemos que, nos últimos anos, o furor e o crescimento se reduziu, a economia perdeu força e passou a ser dominada por interesses políticos ligado aos setores dominantes da sociedade. Este setor controla os grandes eixos monetários e financeiros e impõem para todos os grupos econômicos e sociais seus interesses mais imediatos, muitas vezes interesses que colidem com as necessidades de grande parte da coletividade global, com isso, percebemos um incremento crescente de transtornos, tais como: crescimento desorganizado das imigrações, aumento da pobreza e da desigualdade, exclusão social, trabalhos indignos e salários dos mais reduzidos. Neste ambiente percebemos que a sociedade global está envolta em grande dificuldade, grupos dominantes se refestelam nos prazeres do dinheiro e do poder político e uma imensa maioria se contenta com uma parte insignificante das riquezas geradas na sociedade global.

No livro O Capital no século XXI, do economista francês Thomas Piketty, publicado em 2013 e com ampla repercussão nos meios acadêmicos e intelectuais, nos foi revelado que a distribuição da renda nos países desenvolvidos, principalmente Estados Unidos e Europa, no começo deste século se assemelhava com os dados do início do século XX, ou seja, uma pequena parte da comunidade global mantém uma parcela substancial das riquezas geradas no sistema econômico global em detrimento de uma ampla parcela da população mundial que vive em situação de penúria e de indignidade. Estes dados são ainda mais assustadores quando percebemos que, nos últimos quarenta anos, o crescimento tecnológico foi gigantesco e as riquezas criadas foram muito elevadas, mas a concentração de rendas e de riquezas foi se degradando cada vez com mais intensidade, com isso, o mundo acaba criando graves problemas para um futuro muito próximo, onde as violências e a intolerância tende a crescer de forma acelerada.

No ano de 2018, 82% de toda a riqueza mundial ficou nas mãos de 1% da população global, algo em torno de 70 milhões de pessoas abocanharam a grande maioria dos recursos ou riqueza mundiais, sendo que os outros 18% da riqueza foi canalizada para 99% da população mundial. Estes dados nos mostram o descalabro dos desequilíbrios globais, uma sociedade que produz indigência e desigualdade em escalas crescentes, medos e ansiedades em escalas crescentes, mas ao mesmo tempo, teme a morte, se diz cristã, defende a família, se acredita do bem e evita comentar sobre a existência de uma vida após a morte.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra uma realidade complexa e para muitos bastante assustadora, a morte tão temida pela grande maioria da população mundial não existe e deve ser vista como uma realidade que brevemente chegará para todos os indivíduos. As pessoas fogem da realidade espiritual e preferem se aproximar dos valores materiais, do dinheiro, dos ganhos materiais, concentram suas vidas no trabalho cotidiano e nos prazeres da matéria e se esquecem que somos espíritos, seres espirituais, que desta existência vamos levar apenas aquilo que conseguirmos acumular em nossos corações e os conhecimentos e aprendizados que angariarmos em nossa vivência física.

As riquezas são instrumentos que, muitas vezes, nos prendem no mundo material, homens e mulheres que dedicaram suas vidas aos ganhos financeiros, que nestas vivências acumularam grandes somas de recursos monetários e deixaram de lado valores mais espiritualizados, mais equilíbrio emocional, mais solidariedade, mais sentimentos, tendem a sofrer quando deixarem o corpo físico e perceber que seus esforços foram quase em vão, que seu progresso foi limitado e suas energias estavam concentradas em bens passageiros, que não acumularam amigos e apenas passaram pela vida sem construções sólidas e edificantes.

Encontramos muitos relatos de espíritos que ao chegarem do outro lado da vida se depararam com uma realidade bastante diferente daquela que acreditavam encontrar, são irmãos que estudaram e acumularam conhecimentos científicos muito calcado nas questões materialistas, deixando de lado os valores espirituais, os conhecimentos relacionados a imortalidade da alma e para onde vamos depois da morte. Estes irmãos se julgavam pessoas de bem, mas pouco contribuíam para o crescimento dos indivíduos no seu entorno, quando dotados de poder eram temidos por seus subalternos, além de humilhá-los se viam como superiores, pois eram mais estudados e eram mais respeitados na sociedade. Quando acordaram no mundo espiritual se depararam com uma realidade surpreendente, perceberam que seus valores eram insignificantes e modestos perto de todos os valores da vida, sua vivência dita cristã se restringia a cultos exteriores e poucas reflexões morais, neste momento perceberam quanto perderam seu tempo com valores e conhecimentos desnecessários para seu progresso espiritual.

A Economia contemporânea cresceu de forma acelerada, o mundo passou a produzir produtos altamente sofisticados, equipamentos modernos e dotados de alta tecnologia, o produto interno bruto global ultrapassou os US$ 80 trilhões de dólares, recursos estes disponíveis para garantir a cada trabalhador da economia mundial, uma renda de US$ 12 mil anualmente, valores suficientes para que todos possam ter uma vida digna, alimentação equilibrada, roupas e vestuários para suas necessidades, habitação decente e empregos valorosos, embora tenhamos condições de garantir um bom rendimento a cada ser humano, na realidade as coisas acontecem de forma diferente e uma parcela considerável da população global vive na indigência, privados de recursos mínimos para uma vida decente, digna e honrada.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de cinquenta por cento da população mundial, algo em torno de 3,5 bilhões de pessoas, sobrevive com até US$ 2,00 por dia, algo em torno de R$ 240,00 ao mês, recursos estes insuficientes para uma vida digna e decente, ainda mais quando comparamos com as somas astronômicas de uma pequena parcela da população mundial, são os chamados magnatas globais, donos de grande parte das riquezas do mundo.

Os recursos existem, as riquezas geradas no sistema são suficientes para garantir uma condição decente para cada um dos irmãos encarnados, mas a distribuição destes recursos acontece de forma desigual, uma pequena parte se arvora no direito de concentrar em suas mãos os recursos mais vultosos, concentram a grande maioria dos valores em suas contas bancárias, em espécie ou em títulos públicos e privados ou em propriedades, carros e mansões luxuosas.

O poder das instituições financeiras deturpa o sistema econômico, ganhos são aumentados diuturnamente através de juros e dividendos, levando muitos indivíduos e governos a pagarem rendimentos escorchantes para uma pequena minoria, são estes os donos do mundo, dominam as mídias, dominam as grandes empresas, os grandes conglomerados e controlam os programas que a população assiste, os filmes, as roupas e os pensamentos, com isso mantém seu poder intacto, acumulam recursos e os transformam em mais recursos em prol de uma acumulação que tende a histeria e a insignificância. Muitos destes indivíduos vivem de renda, são herdeiros de grandes fortunas, nunca trabalharam, apenas dão ordens e mais ordens, definem o que querem e esperam para se satisfazer, estes indivíduos terão uma grande surpresa quando acordarem no mundo espiritual e perceberem que muitos lhes foram dados e que não transformaram estes recursos em melhorias na vida de seus semelhantes, neste momento muitos se arrependerão de suas escolhas e, quem sabe, reencarnarão em condições de pobreza e inúmeras necessidades materiais como forma de educação de seus valores morais.

Estes indivíduos não percebem que estes recursos amoedados não lhes pertencem, são instrumentos divinos que lhe foram concedidos por Jesus para que os utilizem da melhor maneira possível para o bem comum. Pena que estes irmãos se esquecem do valor social destes recursos, da importância que estas moedas possuem para a sociedade global, levantando obras de assistência aos irmãos caídos, construindo asilos para os idosos despejados de sua dignidade, alimentando irmãos que vivem na miséria e na pobreza e construindo futuros dignos e decentes para aqueles que representam os anseios da sociedade, muitos deles vitimados pelas mais tristes violências e indignidades.

As instituições financeiras dominam a sociedade global e impõem seus interesses mais imediatos, seus valores são marcados pela busca constante pelo lucro e pela acumulação, pela rapidez, pela agilidade e pela flexibilidade, além de dominados pelas incertezas, pelas instabilidades crescentes. Na sociedade contemporânea estamos percebemos estes valores dominando a sociedade de forma crescente, alterando o comportamento dos indivíduos, diminuindo os espaços de reflexão e de busca pelo conhecimento interior, todos os momentos devem ser utilizados para trabalho, para a produção e para os ganhos materiais. Com isso estamos percebemos o surgimento de uma sociedade cada vez mais doente e comprometida patologicamente, ansiedade crescente e generalizada, depressão afetando mais de 400 milhões de indivíduos no mundo, estresse em todos os grupos sociais e o crescimento assustador do suicídio que, a cada quarenta segundo, faz uma vítima na sociedade global, os desequilíbrios emocionais, afetivos e espirituais são assustadores e geram preocupações tanto no mundo físico como no mundo dos espíritos.

Neste ambiente percebemos um crescimento da individualidade, as pessoas estão mais individualistas, buscam seus prazeres e benefícios e se esquecem daqueles que estão em seu entorno, trabalhadores e empresários entram em conflito para manter seus ganhos e muitas vezes adotam atitudes condenáveis para angariar benefícios materiais, vendem-se em troca de ganhos monetários e vão as ruas em manifestações que clamam por uma maior ética e uma moral mais consistente, são as ilusões constantes dos seres humanos, bonitos por fora e degradados por dentro.

Muitas regiões pobres e miseráveis da comunidade mundial nos mostram indivíduos passando pelas mais primárias situações, são famílias inteiras vivendo na indignidade, estas pessoas, na sua grande maioria, estão resgatando equívocos passados, muitos destes são irmãos altamente inteligentes e dotados de grandes conhecimentos que em vidas anteriores, deixaram de utilizar seus conhecimentos para o bem da coletividade, ganharam muitos recursos e se utilizaram destes para seus prazeres imediatistas, gastando-os com sexo desregrado, compras desnecessárias, viagens luxuosas, ostentações e gozos materialistas, neste momento renascem em condições de pobreza e miséria para que possam como espíritos serem reeducados, a espiritualidade não pune ninguém, mas nos concede a oportunidade de aprendermos nas adversidades.

Como nos mostra a literatura espírita, tudo que fizermos neste mundo somos responsabilizados, se agimos de forma agressiva com alguns dos nossos companheiros seremos responsabilizados e deveremos rever nossos gestos e procedimentos. Se auxiliarmos nossos irmãos em momentos de dificuldades, teremos méritos e valores acrescentados em nossa vida cotidiana, somos livres para fazermos a plantação que quisermos, mas a colheita deve acontecer, se plantamos obras valiosas seremos recompensados por uma colheita equilibrada e edificante agora, se plantarmos tempestades e incivilidades, seremos os responsáveis pelas colheitas advindas de nossas escolhas.

A reencarnação é uma lei universal, todos estamos sujeitos a esta lei natural e muitas vezes deixamos de perceber que, na contemporaneidade, as famílias estão sendo reduzidas abruptamente nos países mais ricos e desenvolvidos, enquanto em regiões mais pobres e miseráveis os filhos continuam nascendo de forma acelerada, crescendo de forma desorganizada e sendo privados de recursos alimentícios e de vestuários mínimos, sendo mais difícil melhorar de vida e conhecer doutrinas mais esclarecidas como a Doutrina dos Espíritos, sendo assim, aproveitemos nossa encarnação para construir valores sólidos e consistentes para que tenhamos os merecimentos necessários em uma outra experiência no corpo material.

No mundo contemporâneo não mais devemos alegar desconhecimento, as religiões nos trouxeram muitas informações, mesmo sabendo que muitas delas se entregaram para o lucro fácil e para a acumulação monetária. A Doutrina dos Espíritos, codificada por Allan Kardec, está viva e cheia de informações e conhecimentos para nos auxiliar em nossa caminhada. São milhares de livros, revistas, teses e dissertações nos alertando para as dificuldades da vida, nos mostrando que existe um mundo espiritual próximo e atuante ao lado de todos, sem o esforço do trabalho, sem a dedicação necessárias e sem os valores sólidos estaremos mais uma vez entrando numa fila de reencarnações sucessivas onde cada vez mais encontraremos dificuldades para voltar em países abençoados como o nosso Brasil, descrito por Humberto de Campos como O Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.

            Depois da Revolução Industrial, muita riqueza foi acrescentada aos estoques de capital da sociedade, ao mesmo tempo negligenciamos com o Meio Ambiente, degradamos muitas florestas e maltratamos os rios, os oceanos e os lagos, poluímos o ar e cortamos árvores em demasia. Hoje colhemos os frutos desta insanidade coletiva, vivemos os equívocos do clima quente e seco, nos preocupamos com a redução das florestas e gastamos recursos escassos tentando melhorar nossos rios e lagos, estes exemplos nos levam a refletir sobre como estamos conduzindo as riquezas da sociedade internacional, todos sabemos que a tecnologia nos auxiliou imensamente na construção de maiores riquezas e bens materiais, neste momento precisamos entender que mais que filhos do mesmo Deus, somos todos irmãos uns dos outros, as riquezas e os recursos devem circular e não se concentrar nas mãos de poucos, com isso, perceberemos que estas riquezas correspondem a um meio para uma vida melhor e mais saudável e nunca o verdadeiro fim dos seres humanos.

Sabemos que vivemos em uma sociedade em grande transformação, cujos valores estão na berlinda, marcados pela alta competição e por um incremento da desigualdade, nesta sociedade percebemos que as riquezas construídas podem e devem melhorar a vida de todos os indivíduos, irmão nossos que precisam de oportunidades e compaixão, enquanto esquecermos destes valores morais e transformarmos nossa caminhada em uma intensa corrida em prol de ganhos imediatistas, estaremos condenando nosso mundo a uma grande crise e as maiores vítimas seremos nós que, num breve futuro, estaremos de volta para dar sequência em nossa caminhada rumo ao progresso e ao desenvolvimento espiritual.

 

 

 

 

 

Concorrência, competitividade e Liberalização Econômica 

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Vivemos em uma sociedade marcada por grande competição entre os agentes econômicos, os grandes oligopólios globais dominam a grande maioria dos setores da economia contemporânea, definindo valores, modelos produtivos, produção e aumentando os investimentos em inovação e em novos produtos, além do poder econômico encontramos ainda uma grande força política que ao extremo pode gerar graves constrangimentos aos sistemas democráticos dos países e uma fragilização dos governos e dos Estados Nacionais.

Percebemos nesta nova economia grandes grupos econômicos controlando inúmeros setores, desde as grandes traders que dominam o agronegócio internacional até as grandes empresas de tecnologia, que são responsáveis pelas maiores e mais intensas inovações, colocando no mercado global produtos variados e controlando intensamente variados setores, impedindo a entrada de novos personagens nestes mercados e controlando os poucos que tentam competir e sobreviver. Um exemplo claro deste oligopólio global encontramos nos setores de tecnologia, onde destacamos poucas empresas com grande poder econômico e potencial para competir e dominar esta estrutura produtiva, onde destacamos: Amazon, Microsoft, Google, Facebook, Apple, Tencent, Alibaba, Huawei, Lenovo, Samsung, LG, entre outros poucos conglomerados econômicos.

Estas empresas dominam fortemente seus mercados e conseguem escalas altíssimas, com isso, angariam novos consumidores para seus produtos e garantem retornos crescentes, acumulando lucros extraordinários, dentre as empresas destacamos conglomerados que valem nas Bolsas internacionais mais de US$ 1 trilhão, valores estes muito maiores do que o produto interno bruto de muitas economias mundiais, o poder destas instituições é realmente avassalador.

Neste mundo dominado por altas tecnologias, inovação, pesquisa e ciência, estas empresas acumulam grande potencial de crescimento e se distinguem dos conglomerados de outros modelos econômicos pelo grande potencial financeiro e alcance global e, principalmente, pela quantidade de funcionários que estas empresas de tecnologia empregam na atualidade. Se compararmos com as montadoras, empresas de um outro momento tecnológico, os números são assustadores, enquanto uma montadora de grande porte tem mais de 100 mil funcionários, uma empresa de tecnologia emprega em torno de 5% destes números, só aí compreendemos os modelos de emprego e trabalho na chamada Quarta Revolução Industrial, conhecido como a Indústria 4.0.

Quando analisamos estes dados referentes ao emprego, percebemos as mudanças geradas na sociedade contemporânea, que obrigam os trabalhadores a novos estudos, capacitações e qualificações constantes, sem estes conhecimentos estarão renegados a um futuro de degradação e ócio, onde os desequilíbrios sociais tendem a crescer de forma acelerada. Neste momento, muitos indivíduos, intelectuais e políticos e até empresários, começam a se perguntar o que deve acontecer com o mercado de trabalho nos próximos anos? Quais as habilidades demandadas pela economia nas próximas décadas? São perguntam que intrigam os seres humanos e tendem a gerar constrangimentos em todos os setores da sociedade global, as respostas para estas perguntas ainda são desconhecidas e muito marcada por ideologias, deixando de lado uma visão mais científica e estruturada.

O economista norte-americano Lawrence Summers, em entrevista recente na Folha de São Paulo, destacou que a economia internacional está caminhando rapidamente para uma estagnação global, ou seja, para um momento em que o crescimento do sistema tende a diminuir de forma acelerada, criando constrangimentos para todos os setores, reduzindo as perspectivas de crescimento global e reduzindo a geração de emprego e aumentando a exclusão social e as desigualdades. Nestas previsões, o eminente economista destaca que os grandes perdedores desta estagnação são os países em desenvolvimento, que tendem a diminuir o comércio com os países desenvolvidos e reduzir os fluxos de recursos necessários para sua sobrevivência.

Neste ambiente de novas tecnologias, estamos percebendo algumas alterações importantes no universo econômico global, de um lado as novas tecnologias estão impactando sobre o preço das mercadorias, bens e serviços, gerando uma verdadeira redução nos custos e queda nos preços médios, gerando um incremento na renda dos consumidores. A tecnologia crescente está impactando diretamente sobre a inflação, que está caindo em quase todas as regiões do mundo, novas tecnologias, maior produtividade, maior eficiência e preços em queda. De outro lado, muitos destes recursos estão sendo direcionados para o aumento da poupança, muitas famílias estão amedrontadas com a situação econômica, com as novas condições do mercado de trabalho e com a instabilidade e a incerteza global, diante destas incertezas reduzem as compras e deslocam estes recursos para outros investimentos, aplicações financeiras, títulos de governos e de empresas, levando os bancos a manterem grande quantidade de seus recursos com remunerações negativas, temos atualmente mais de US$ 15 trilhões aplicados com retorno negativos, uma situação nova, preocupante e assustadora para o sistema financeiro internacional.

Neste ambiente de grande competição entre os agentes econômicos, a tecnologia está gerando novos desafios para as famílias, de um lado percebemos uma redefinição dos modelos de negócios, novas formas de fazer produtos e mercadorias, o surgimento de novos materiais com redução dos custos e incremento de produtividade, obrigando os atores econômicos a se reinventar, adotarem novas técnicas e modelos produtivos, sob pena de serem destroçados do mercado e serem comprados pelos concorrentes, criando com isto um mercado mais concentrado e mais oligopolizado.

Poucas pessoas imaginariam que, num determinado momento, as plataformas de Streaming iriam revolucionar as emissoras de rádio e de televisão e as obrigariam a alterar seus modelos de negócios. O surgimento da Netflix gerou uma verdadeira revolução nos mercados, trazendo ganhos consideráveis para os consumidores, reduzindo custos e aumentando a eficiência, mas acabou gerando uma redução nos empregos tanto diretos quanto indiretos. Os novos modelos de negócios estão exigindo alta capacitação dos gestores, obrigando os trabalhadores a novos cursos e qualificações, esta capacitação não se encontra apenas nas escolas, nas universidades e nas faculdades instaladas, mas na própria internet e em aplicativos com palestras e tutoriais falando sobre o tema e capacitando os indivíduos para estes novos conhecimentos. Estes novos modelos de negócios estão exigindo que as escolas e universidades passem a se reinventar, criando novos cursos, workshop, MBAs, especializações, sem estas novas ofertas estas instituições tendem a desaparecer ou ser absorvidas pelos concorrentes mais eficientes.

Os modelos de negócios criados por estas empresas de tecnologia se caracterizam por grande agilidade e rapidez, são marcados por alta flexibilidade e agilidade, estas habilidades são exigidas dos trabalhadores contemporâneos, com isso, os trabalhadores mais antigos apresentam grandes dificuldades de adaptação para estes mercados e para estas exigências, muitas vezes perdem espaço para outros trabalhadores, indivíduos mais jovens e, muitas vezes, mais aptos para estas transformações. Muitas pessoas com idades mais maduras são preteridas nos mercados por trabalhadores mais jovens, este movimento deve ser visto com bastante atenção pelos governos e pela sociedade, como a tecnologia está impactando fortemente na área da saúde e aumentando a longevidade dos cidadãos, temos que nos conscientizar de que precisamos criar empregos para os mais velhos e experientes que, na contemporaneidade, estão vivendo mais e desejam maior qualidade de vida.

Esta nova tecnologia deve ser muito bem compreendida, não podemos deixar estas transformações de lado, são novos materiais que impactam diretamente na produtividade, com redução nos custos e aumento da produtividade, mas é importante destacar ainda, que novas tecnologias acabam gerando novas exigências para a sociedade, com mudanças intensas todos somos levados a novas atualizações, abrindo novos horizontes e oportunidades. Destroem uma sociedade e se constroem outras, como características comuns destas revoluções temos novos modelos de negócios e modelos de emprego, onde os que não se adaptam são relegados ao esquecimento, muitas vezes esquecidos e deixados de lado pela sociedade, neste caso são acolhidos por instituições religiosas ou entram nas fileiras da assistência social do Estado Nacional.

Neste ambiente de liberalização econômica proposto pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, temos que tomar muito cuidado com os impactos desta liberalização, muitas empresas nacionais apresentam grandes dificuldades de sobrevivência em um ambiente mais concorrencial devido a forte dependência do Estado Nacional, dependência esta construída depois de anos de políticas protecionistas e intervencionistas, onde o Estado Brasileiro chamou para si a responsabilidade pelo crescimento industrial, criando as bases para a construção de um parque produtivo nacional, sem estes recursos não teríamos uma industrialização já que os recursos demandados para o investimento eram proibitivos para os grupos econômicos nacionais.

Depois de anos de proteção, começamos a desestatização com o presidente Fernando Collor de Mello, mas a dependência era tamanha dos recursos estatais, que o governo participou ativamente das políticas de privatização, canalizando recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou com os fundos de pensão dos grandes grupos estatais, principalmente Previ e Petrus. A retirada destas instituições possivelmente levaria a economia a um processo forte de desnacionalização, onde os países desenvolvidos seriam, possivelmente, os grandes compradores destas instituições, estas políticas devem ser repensadas e muitas vezes alteradas pelo governo federal, sob pena de ver nosso capitalismo ser todo dominado por empresas estrangeiras.

O grande problema do capitalismo brasileiro é que se construiu empresas privadas altamente dependentes do Estado Nacional, estes conglomerados muitas vezes não conseguiam incrementos de produtividade para competir em ambientes mais concorrenciais, com isso, inviabilizavam toda e qualquer discussão sobre abertura econômica. Em alguns momentos, quando os governos tentavam abrir a estrutura econômico, foram muito criticados pelos setores industrial e pela mídia, que viam nesta abertura graves impactos sociais, com aumento no desemprego e uma piora dos indicadores econômicos, levando os governos a reverterem as medidas liberalizantes, sob pena de perder forças políticas e governabilidade, como aconteceu no período Fernando Collor de Mello.

Num momento de economia em lentíssima recuperação econômica, onde encontramos mais de vinte oito milhões de brasileiros desempregados, subempregados ou na informalidade, precisamos urgentemente de um projeto de país para os próximos anos, a liberalização é uma medida que traz benefícios para os grupos dominantes e se esquecem fortemente dos grupos mais fragilizados, sem um projeto consistente e inclusiva vamos continuar ensaiando uma melhora econômica inexistente, vamos continuar comemorando espasmos de recuperação ilusória e vamos continuar enchendo os bolsos dos poucos privilegiados e destruindo a vida de milhões de brasileiros anônimos, sem voz, sem emprego, sem proteção e sem dignidade, até quando vamos repetir estes erros numa sociedade que a pouco era vista como o país do futuro.

Tecnologia, Espiritismo e as transformações contemporâneas

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A sociedade contemporânea tem como uma de suas marcas mais relevantes o crescimento da tecnologia, de novas máquinas e equipamentos que transformam a sociedade, gerando inquietação, medo e desesperança de um lado e, ao mesmo tempo, gerando euforia, esperanças e oportunidades.

Com o avanço da ciência, o conhecimento passou a ter um lugar de destaque na sociedade, a pesquisa científica vem ganhando força e muitas inovações foram introduzidas, doenças que até poucos anos atrás eram vistas como incuráveis passaram a ser tratadas e as curas se elevaram intensamente, a comunicação ganhou novos instrumentos e os trabalhos mais rudes e violentos foram sendo substituídos por máquinas e equipamentos, diminuindo o desgaste do ser humano e abrindo novas perspectivas para a coletividade.

Diante destas transformações encontramos sentimentos diferentes e contraditórios, é inegável os avanços em muitas áreas, como a área da saúde, mas ao mesmo tempo percebemos um retrocesso moral muito forte, em pleno século XXI, num mundo cheio de tecnologias e facilidades, os seres humanos se matam com requintes de crueldade, denigrem as pessoas e fazem chacota com sentimentos e valores dos outros indivíduos ou cultura, percebemos um avanço tecnológico e um retrocesso no campo da moral, diante disso nos surge uma grande dúvida: para onde os seres humanos estão caminhando?

Nesta sociedade, e percebemos isto mais claramente desde a codificação da Doutrina dos Espíritos, não mais podemos alegar ignorância sobre a existência do mundo espiritual, sobre a imortalidade da alma e sobre a existência dos mais variados mundos espirituais, que estão interligados e se sobrepõem, mostrando-nos que não estamos sozinhos, mas acompanhados de entidades espirituais, que nos influenciam muito mais do que imaginamos.

Como estamos cientes de questões espirituais, os seres humanos devem tomar as rédeas de suas vidas, buscar a compreensão dos verdadeiros significados da existência, estudar e compreender as ligações que temos com as entidades espirituais e como elas nos auxiliam, muitas descobertas, pesquisas e inovações nos foram trazidas com o auxílio dos amigos de outros mundos, espíritos mais avançados na área científica e tecnológica, suas contribuições foram fundamentais para muitos avanços em curso na sociedade global.

Um exemplo interessante foi retratado na obra Os exilados de Capela, escrito em 1949 por Edgard Armond, neste brilhante livro o autor nos mostra como espíritos vindo de outros planetas foram fundamentais para estimular o desenvolvimento da Terra, eram irmãos em desalinho com seu planeta original que foram punidos com um degredo temporário. Ao encarnar no Planeta Terra contribuíram para o desenvolvimento de muitos povos, auxiliando a humanidade com novos conhecimentos e uma imensa bagagem intelectual, quando estes irmãos retornaram ao seu planeta de origem, muitas áreas do conhecimento humano dominadas por estes povos perderam força e grande dinamismo, deixando muitas perguntas intrigantes sem respostas para a sociedade.

Outro ponto interessante que percebemos ao ler a obra de Armond, foi que estes irmãos degradados vieram para o Planeta Terra porque suas energias eram incompatíveis com as existentes em seu planeta de origem, com isso, estavam prejudicando o progresso de sua civilização. Eram pessoas muito desenvolvidas em ciência e tecnologia, uma população muito culta, conheciam muitas áreas e setores do conhecimento humano, mas apresentavam uma grande fragilidade moral, seus sentimentos éticos e morais eram reduzidos e sua ambição bastante desenvolvida, cresceram no conhecimento científico e se mostraram frágeis moral e eticamente.

Na contemporaneidade encontramos grandes indagações sobre como a tecnologia tende a gerar constrangimentos para muitas pessoas desprovidas de conhecimentos e informações, gerando desempregos e exclusão que tendem a inviabilizar seu progresso e, muitas vezes, a aprofundar seus equívocos e desequilíbrios desta experiência física e de outras existências. Podemos olhar ainda de outra forma, neste momento de grandes inquietações, faz-se fundamental que os grupos mais capacitados passem a orientar melhor os irmãos mais frágeis e debilitados, contribuindo para que possam sobreviver e construir uma forma digna e decente de crescimento moral e espiritual.

Devemos nos atentar para algumas questões importantes, neste momento de grande progresso tecnológico, com novas máquinas e equipamentos transformando as relações sociais e os indivíduos, que cada vez mais se encontram ensimesmados e assustados frente as alterações, é fundamental que estes indivíduos passem a buscar novos horizontes para a compreensão da vida e da coletividade, se voltando para seu interior, analisando seu íntimo, suas emoções e seus sentimentos, refletindo e buscando a compreensão das mais importantes realidades da vida e do ser humano. Esta reflexão tende a gerar grandes descobertas no ser humano e apresentam alto potencial de transformação interior, melhorando os valores morais e desenvolvendo a ética, contribuindo para sua ascensão como espírito imortal.

Mesmo passando por um período de grandes descobertas tecnológicas, as pessoas desconhecem suas realidades mais íntimas, apresentam grandes dificuldades para analisar seus sentimentos, não refletem sobre suas escolhas e comportamentos e se deixam levar por pensamentos exógenos, muitas vezes inspirados por entidades atrasadas, inimigos de vidas anteriores que se caracterizam por sentimentos negativos, mágoas e ressentimentos, transformando suas existências espirituais em vingança e constantes agressões físicas e emocionais.

Neste momento de medos e desesperanças a Doutrina dos Espíritos nos surge como uma grande bússola para que tenhamos uma orientação precisa, nesta orientação os caminhos estão associados aos passos consistentes que nos foram trazidos por Jesus de Nazaré, mesmo crucificado, vilipendiado e humilhado pelos seus irmãos, conservou a serenidade e a humildade e orou ao pai pedindo que os perdoassem, pois eles não sabiam o que estavam fazendo.

A sociedade mundial está passando por muitas transformações que estão gerando novos medos e preocupações, a Doutrina Espírita nos mostra que as desigualdades estão ligadas aos comportamentos dos indivíduos, na grande maioria concentrados em ganhos imediatos e gozos materiais, se esquecendo dos outros indivíduos, como se apenas eles fossem filhos de Deus e os outros não fossem nossos irmãos, acreditamos piamente que somos filhos de Deus e não aceitamos os outros como nossos verdadeiros irmãos. Neste ambiente, nos percebemos como concorrentes e acreditamos que nossa felicidade está nas desditas dos outros seres humanos, é como se para que eu consiga encontrar a felicidade, os outros devam ser cada vez mais infelizes, este engano alimenta uma competição deletéria e degradante, onde todos estamos em busca de algo e quando encontramos percebemos que este algo não traz a felicidades ou os prazeres que ambicionávamos anteriormente.

Neste ambiente somente vamos conseguir superar os medos e as contradições do sistema se cultivarmos os valores mais consistentes que nos foram trazidos pelo mestre Jesus Cristo, se nos integrarmos aos valores do respeito, da solidariedade e da empatia, enquanto nos deixarmos dominados em valores transitórios não angariaremos a consistência necessária para evoluirmos, somente as asas do conhecimento não vamos conseguir nosso crescimento, como nos disse Francisco Cândido Xavier: Quem sabe pode muito, quem ama pode mais. Estamos precisando de menos livros escritos e palestras bem orquestradas, estamos precisamos de menos comentários interessantes e mais atitudes convincentes, gestos concretos e trabalhos no bem, sem eles vamos continuar reduzindo a quantidade de pessoas nas escolas e nas fileiras religiosas e aumentando nos presídios e nos hospitais psiquiátricos.

Se a sociedade está passando por um momento de grande crescimento tecnológico, onde a ciência ganhou relevância e muitas das doenças que assolavam a comunidade foram reduzidas através de novos tratamentos e drogas altamente eficientes, tudo isto só foi possível com a autorização de Deus e o auxílio dos bons espíritos, muitos irmãos ganharam uma sobrevida para que repensem suas vidas e seus comportamentos, altere seus valores e passe a construir sentimentos mais consistentes, marcados por uma ética mais evoluída e por valores mais edificantes, se nos foi autorizado este progresso científico, a espiritualidade maior tem um propósito maior para os seres humanos, temos que refletir muito sobre este momento e esta situação atual.

Na sociedade contemporânea encontramos grandes preocupações com o futuro da sociedade, os grupos com menos recursos se sentem injustiçados e tudo isto pode gerar graves constrangimentos para a coletividade, talvez conflitos e muitas violências. Neste ambiente, cabe aos indivíduos compreenderem que a vida não se limita apenas a esta vida, estamos no corpo material, mas somos, em essência, espíritos. Como espíritos imortais, é imprescindível que consigamos construir uma solidariedade para auxiliar aqueles desprovidos de menos recursos financeiros, intelectuais e emocionais, a Doutrina dos Espíritos nos mostra que devemos dar o apoio as demandas dos outros indivíduos porque, quem sabe, numa próxima encarnação, seremos nós os mais necessitados e vamos, com certeza, precisar do amparo e da assistência de outros irmãos. Momentos como este podem ser a oportunidade necessária para que compreendamos a importância do auxílio coletivo, hoje estamos numa posição de auxílio, mas numa outra oportunidade, pode ser que nós estejamos necessitando de auxílio de outros companheiros.

O desenvolvimento tecnológico, grande característica da contemporaneidade, pode nos levar a descobertas novas, dentre estas descobertas destacamos a capacidade de comunicação com irmãos desencarnados, novas máquinas e equipamentos vão nos aproximar de irmãos que partiram para outros planos da vida, demonstrando mais efetivamente que a vida não termina com a morte física, mas que somos todos espíritos, a realidade da vida está no mundo imaterial. Estas tecnologias nos auxiliarão no contato com familiares desencarnados, diminuindo nossa saudade e nos trazendo a certeza de que existe muitas moradas na casa de meu pai, como nos asseverou o mestre Jesus de Nazaré.

O espiritismo sempre defendeu o conhecimento, a ciência e as descobertas científicas, estamos em uma doutrina que apregoa a importância do estudo, da reflexão, das leituras e da busca pelo conhecimento, quando Allan Kardec nos disse que Se o Espiritismo disser uma coisa e a Ciência defender outra, siga com a Ciência. Nesta frase, o codificador mostra a importância do pensamento científica e demonstra a humildade deste homem que recebeu uma missão de grande vulto e relevância, foi ele o escolhido para trazer ao mundo um conjunto de informações e conhecimento com potencial transformador da sociedade, a descoberta de que vivemos cercados de espíritos, seres que não possuem corpos materiais, gerou grandes controvérsias e nos mostrou que uma revolução está mais próxima do que imaginamos, neste momento de tensão e desesperanças, onde os indivíduos estão eufóricos e ao mesmo tempo apreensivos com os avanços da tecnologia na sociedade, o Espiritismo vem nos mostrar que neste momento de transição que a humanidade está vivenciando, todos devemos construir uma maior solidariedade entre os indivíduos, afinal hoje temos grande rapidez e agilidade no raciocínio e na reflexão, mas se não nos utilizarmos bem estas características numa próxima existência física podemos vir sem estas virtudes e vamos necessitar do auxílio e da compreensão dos outros indivíduos para sobrevivermos.

No raiar deste novo mundo, a tecnologia vem nos mostrar que para conseguirmos sobreviver neste mundo competitivo, marcados pelos interesses materiais e imediatistas, devemos cultivar hábitos simples e pensamentos salutares, a tecnologia nos auxilia, deve ser vista como um instrumento, mas seu excesso pode desviar nossa caminhada, deixar os indivíduos mais frios e calculistas e, como consequência, nos afastar dos verdadeiros valores da vida, atrasando nosso progresso espiritual e limitando nossas potencialidades.

 

“Estamos criando o ciberproletariado, uma geração sem dados, sem conhecimento e sem léxico”

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Andreu Navarra, professor do ensino médio, denuncia a ausência de debate sobre o futuro a que esta sociedade quer conduzir seus jovens

O mundo da educação debate as horas de aulas, a avaliação dos professores e os maus resultados da Espanha nos testes do PISA, mas tudo isso é bastante secundário no universo de Andreu Navarra, um professor de língua e literatura no ensino médio que retrata desde as vísceras do ensino, da própria sala de aula, uma realidade de emergências mais prementes: da desnutrição de uma boa parte dos estudantes à incapacidade de se concentrar da nova geração do “ciberproletariado” ou a ausência de debate sobre o futuro a que esta sociedade quer conduzir seus jovens. Navarra não é um teórico, mas uma torrente de verdades que acaba de publicar Devaluación Continua (desvalorização contínua) pela editora Tusquets, uma chicotada contra a cegueira, um chamado emergencial diante da degradação do modelo educacional.

“Nós, professores, queremos criar cidadãos autônomos e críticos, mas, em vez disso, estamos criando o ciberproletariado, uma geração sem dados, sem conhecimento, sem léxico. Estamos vendo o triunfo de uma religião tecnocrática que evolui para menos conteúdo e alunos mais idiotas. Estamos servindo a tecnologia e não a tecnologia a nós”, diz Navarra. “O professor está exausto, devorado por uma burocracia para gerar estatísticas que lhe tiram a energia mental para dar aulas.”

O testemunho de Andreu Navarra (Barcelona, 1981), historiador, tem o valor de quem leciona há seis anos em escolas públicas e em subvencionadas, em áreas ricas e em degradadas, onde encontra por igual “professores heroicos” em um sistema educacional estressado pela própria sociedade da qual é espelho: há pais ausentes porque trabalham demais; há violência; há crianças sem comer ou tomar café da manhã; há muitos problemas mentais; e há uma geração ausente por causa de sua concentração nas redes sociais e sua identidade virtual.

“O audiovisual está criando uma nova Idade Média de pessoas dependentes de satisfazer o prazer aqui e agora, quando a vida é muito diferente. Na vida você precisa saber ler contratos, alugar apartamentos, cuidar dos idosos, criar filhos. Mas o ciberproletariado desmorona por qualquer problema. São pessoas que não serão capazes de trabalhar porque têm a concentração sequestrada pelas redes”, diz ele. Não que todos os jovens se encaixem em seu olhar crítico, mas ele vê o risco de exclusão de um quarto dos alunos em uma tempestade perfeita de precariedade e vida virtual.

Navarra descreve, por exemplo, uma turma de 20 alunos com dificuldades de aprendizado em que, depois de lhes perguntar, descobriu que nenhum havia tomado o café da manhã. “Estão pálidos e ficam inquietos. Há estudantes que não comem por causa de distúrbios alimentares, outros por negligência da família, outros por pura miséria”. No entanto, na ausência de professores de apoio e de especialistas, as patologias (teve classes em que 30% tinham algum diagnóstico) concentram a atenção dos professores nas reuniões de avaliação e os impedem de pensar nos conteúdos. O pedagogo se confunde com o terapeuta, diz ele. E no debate da inclusão se esquece, diz ele, que “o que realmente falta incluir é a instituição”. Navarra conta como ele e seus colegas se alegram quando encontram um livro didático de segunda mão dos anos 90 e o compram “como se fosse ouro”. “Nos livros de Lázaro Carreter há explicações, agora temos excertos, flipped classroom [um método participativo que ele considera inaplicável havendo excesso de alunos]. Explique Quevedo com uma flipped classroom! O que não pode haver é uma pedagogia indecente. Temos pessoas inteligentes, queremos uma sociedade inteligente, não a rebaixemos. Temos de distinguir o tempo da escola do tempo externo, e não reduzi-lo. Ser aluno é importante. Ser professor é importante. Vamos explicar quem é Quevedo! Tiramos a literatura do currículo e depois nos perguntamos por que a nação é fraca. É que a nação é isso! Temos que dar a eles a oportunidade de um debate crítico”.

Nem tudo é negativo, é claro. Seu livro tem tantos problemas detalhados como sinais de esperança em experiências possíveis, diz ele, quando a autonomia do professor é respeitada: oficinas de poesia, contos, recreio dedicado ao tempo de leitura, como em sua atual escola, em Collbató, onde os alunos leem e depois contam o que leram, com êxito. “A chave é a autonomia da instituição frente a um pensamento único, frente às teorias da panaceia. Quando Portugal concedeu 25% de autonomia às escolas, melhorou”.

O livro de Navarra recorre a Ortega y Gasset para apelar a um debate necessário antes de tudo o mais: para onde estamos indo. “Se você sabe para onde está indo, se abrirmos um debate sobre o modelo de futuro para o qual queremos avançar, você depois regulará a tecnologia, os horários ou o que for, mas antes de aumentar ou diminuir as horas é preciso pensar no que se quer fazer com elas”, argumenta. E o modelo de sociedade que transforma Pablo Escobar ou Jesús Gil em heróis carismáticos nas séries; o mau exemplo de alguns políticos malandros; a mentalidade Fraga do “turismo e populismo que continua em Salou, em Magaluf, em destroçar Barcelona” não ajuda. “Falta reflexão sobre a sociedade que queremos porque não apostamos em um MIT espanhol, em exportar literatura, engenharia patenteada aqui em vez de exportar engenheiros”.

Mas “o papel da educação de promover a ascensão social está fracassando e estamos criando bolsões de guetos, de pessoas sem futuro”. Menciona também a ação de “maquiar” a ignorância que as escolas praticam para melhorar as estatísticas. E insiste repetidamente na incapacidade de fixar a atenção, grande carência de uma nova geração com fotos nas redes, mas sem memória. “Conhecemos vários capitalismos e agora estamos no capitalismo da atenção, em uma economia de plataformas que mercantilizam a atenção. Se você estiver vendo algumas mensagens, alguém ganha dinheiro e, se vê outras, outro alguém ganha. Não podemos repensar a educação se não pensarmos em como devolver a atenção às salas de aula, o regresso do mundo virtual. Agora não podemos nos ensimesmar, como Ortega defendia, porque tudo é ruído, política é gritaria e slogans, ninguém pensa, ninguém escreve, tudo é bobagem e slogan e isso chegou às salas de aula: o simplista, o binário, o bem e o mal. Os Steve Jobs e Zuckerberg, lembre-se, receberam educação analógica. E os gurus da tecnologia mandam seus filhos para escolas analógicas. É por isso que, ele conclui, “enquanto não consertarmos a sociedade, não podemos consertar o sistema educacional”.