Classe média encolhe no Ocidente, mas China puxa renda global

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Apesar do avanço dos asiáticos, EUA e Europa concentram a maior fatia de altos rendimentos 

Fernando Canzian – Folha de São Paulo, 05/08/2019

WASHINGTON

Para o economista Rakesh Kochhar, do Pew Research Center, de Washington, a China é o país que mais tem contribuído para o aumento da classe média no mundo.

Segundo ele, vários fatores levam, porém, ao encolhimento desse estrato no Ocidente.

 

Os países asiáticos, sobretudo a China, estão tirando rapidamente milhões de pessoas da pobreza extrema e, ao contrário do que ocorre no Ocidente, têm ampliado as suas classes médias. Quais as perspectivas futuras desse processo?

Consideramos a distribuição das pessoas em cinco grupos. Começamos no nível de pobreza e vamos para os grupos de baixa renda, renda média, renda média alta e renda alta.

A renda média engloba pessoas que ganham entre US$ 10 a US$ 20 ao dia. Globalmente, o número de pessoas com essa faixa de rendimentos médios dobrou a partir de 2000.

Grande parte desse crescimento veio apenas da China, responsável por mais da metade desse aumento. Por isso, a história do crescimento da classe média em alguns locais do mundo deve-se ao grande número de pessoas na China que se beneficiaram de um tremendo crescimento, baseado em reformas econômicas iniciadas na década de 1980.

Secundariamente, há crescimento da classe média vindo também da América Latina, particularmente da Argentina e do Brasil. Essa região contribuiu com cerca de 50 milhões de pessoas que recentemente chegaram à renda média neste século.

Em outros países em rápido crescimento, como a Índia, principalmente, pessoas migraram da pobreza para o grupo de baixa renda. Mas um grande número de pessoas ainda têm de ser colocado no grupo de renda média, de acordo com o padrão global.

Portanto, há crescimento, mas ele não é igualitário. Alguns países de renda média ainda estão atrás da curva em comparação a outros de renda alta, como a Europa Ocidental ou os Estados Unidos e o Canadá, onde a classe média alta prevalece.

Houve alguma melhora no sentido de alcançá-los. Mas a grande maioria, entre 80% e 90% das pessoas consideradas globalmente como de renda alta, ainda vivem nesses países do Ocidente.

Quando se fala em concentração de renda e do encolhimento da classe média no Ocidente, muitos apontam para a Ásia como uma das causas, devido ao deslocamento da produção industrial para lá. Mas há outros aspectos, como a diminuição dos sindicatos e a tecnologia. Qual a sua opinião?

Há uma infinidade de fatores aqui. Infelizmente, não temos uma boa resposta para o quanto determinado aspecto contribuiu para a diminuição da participação da classe média.

O declínio dos sindicatos, associado ao declínio da indústria manufatureira, desempenhou um papel importante.

A globalização e a concorrência, com mais mão de obra no exterior capaz de fazer o trabalho que se fazia nos Estados Unidos, por exemplo, desempenham um papel também.

O mesmo acontece com a tecnologia. A maioria das pessoas diz que a tecnologia tem mais a ver com isso do que qualquer outra coisa.

Por tecnologia entendemos aquele engenheiro que projeta o carro e é muito produtivo. Ele ou ela realmente se beneficia da informatização. Essa pessoa é produtiva e é bem paga.

Mas a mesma informatização, ou automação, tira o trabalho da pessoa que costumava montar o carro. Ela é substituída, e seus rendimentos e empregos sofrem pressão.

A maioria apontaria para a tecnologia, a globalização e o enfraquecimento dos sindicatos como forças que contribuíram para o declínio da classe média. Mas é impossível definir se isso explica 50% ou 80% do problema

O significado da vida em um mundo sem trabalho, segundo Yuval

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A maioria dos empregos que existem hoje pode desaparecer dentro de décadas. À medida que a inteligência artificial supera os seres humanos em tarefas cada vez mais, ela substituirá humanos em mais e mais trabalhos. Muitas novas profissões provavelmente aparecerão: designers do mundo virtual, por exemplo. Mas essas profissões provavelmente exigirão mais criatividade e flexibilidade, e não está claro se os motoristas de táxi ou agentes de seguros desempregados de 40 anos poderão se reinventar como designers do mundo virtual (tente imaginar um mundo virtual criado por um agente de seguros!?). E mesmo que o ex-agente de seguros de alguma forma faça a transição para um designer de mundo virtual, o ritmo do progresso é tal que, dentro de mais uma década, ele pode ter que se reinventar novamente.

O problema crucial não é criar novos empregos. O problema crucial é a criação de novos empregos que os humanos apresentam melhor desempenho do que os algoritmos. Consequentemente, até 2050, uma nova classe de pessoas poderá surgir – a classe desocupada. Pessoas que não estão apenas desempregadas, mas desempregáveis. A mesma tecnologia que torna os seres humanos inúteis também pode tornar viável alimentar e apoiar as massas desempregadas através de algum esquema de renda básica universal. O problema real será, então, manter as massas ocupadas e o conteúdo. As pessoas devem se envolver em atividades propositadas, ou ficam loucas. Então, o que a classe desocupada irá fazer o dia todo?

Uma resposta pode ser jogos de computador. Pessoas economicamente redundantes podem gastar quantidades crescentes de tempo dentro dos mundos da realidade virtual 3D, o que lhes proporcionaria muito mais emoção e engajamento emocional do que o “mundo real” externo. Isso, de fato, é uma solução muito antiga. Por milhares de anos, bilhões de pessoas encontraram significado em jogar jogos de realidade virtual. No passado, chamamos essas “religiões” de jogos de realidade virtual.

O que é uma religião, se não um grande jogo de realidade virtual desempenhado por milhões de pessoas juntas? Religiões como o Islã e o Cristianismo inventam leis imaginárias, como “não comem carne de porco”, “repita as mesmas preces um número determinado de vezes por dia”, “não faça sexo com alguém do seu próprio gênero” e assim por diante. Essas leis existem apenas na imaginação humana. Nenhuma lei natural exige a repetição de fórmulas mágicas, e nenhuma lei natural proíbe a homossexualidade ou a ingestão de porco. Muçulmanos e cristãos atravessam a vida tentando ganhar pontos em seu jogo de realidade virtual favorito. Se você reza todos os dias, você obtém pontos. Se você esqueceu de orar, você perde pontos. Se, no final da sua vida, você ganhar pontos suficientes, depois de morrer, você vai ao próximo nível do jogo (também conhecido como o paraíso).

Como as religiões nos mostram, a realidade virtual não precisa ser encerrada dentro de uma caixa isolada. Em vez disso, ele pode se sobrepor à realidade física. No passado, isso foi feito com a imaginação humana e com livros sagrados, e no século 21 pode ser feito com smartphones.

Algum tempo atrás, fui com o meu sobrinho de seis anos, Matan, para caçar Pokémon. Enquanto caminhávamos pela rua, Matan continuava a olhar para o seu telefone inteligente, o que lhe permitia detectar Pokémon à nossa volta. Eu não vi nenhum Pokémon, porque não carregava um smartphone. Então vimos outras duas crianças na rua que estavam caçando o mesmo Pokémon, e quase começamos a lutar com eles. Parecia-me como a situação era semelhante ao conflito entre judeus e muçulmanos sobre a cidade sagrada de Jerusalém. Quando você olha a realidade objetiva de Jerusalém, tudo que você vê são pedras e edifícios. Não há santidade em qualquer lugar. Mas quando você olha através de smartbooks (como a Bíblia e o Alcorão), você vê lugares sagrados e anjos em todos os lugares.

A ideia de encontrar um significado na vida ao jogar jogos de realidade virtual é, evidentemente, comum não apenas às religiões, mas também às ideologias seculares e estilos de vida. O consumo também é um jogo de realidade virtual. Você ganha pontos adquirindo carros novos, comprando marcas caras e tendo férias no exterior, e se você tiver mais pontos do que todos os outros, dizendo a si próprio que ganhou o jogo.

Você pode contrariar dizendo que as pessoas realmente gostam de seus carros e férias. Isso certamente é verdade. Mas os religiosos realmente gostam de orar e realizar cerimônias, e meu sobrinho realmente gosta de caçar Pokémon. No final, a ação real sempre ocorre dentro do cérebro humano. Não importa se os neurônios são estimulados observando pixels em uma tela de computador, olhando para fora das janelas de um resort do Caribe ou vendo o céu nos olhos da mente? Em todos os casos, o significado que atribuímos ao que vemos é gerado pelas nossas próprias mentes. Não é realmente “lá fora”. Para o melhor de nosso conhecimento científico, a vida humana não tem significado. O significado da vida é sempre uma história de ficção criada por nós humanos.

Em seu ensaio inovador, Deep Play: Notas sobre a Briga de Galos em Bali (1973), o antropólogo Clifford Geertz descreve como na ilha de Bali, as pessoas passaram muito tempo e dinheiro apostando em brigas de galos. As apostas e as lutas envolveram rituais elaborados, e os resultados tiveram um impacto substancial na posição social, econômica e política de jogadores e espectadores.

As brigas de galos eram tão importantes para os balineses que, quando o governo indonésio declarou a prática ilegal, as pessoas ignoraram a lei e se arriscavam a prisão e multas pesadas. Para os balineses, as brigas eram “jogo profundo” – um jogo confeccionado que é investido com tanto significado que se torna realidade. Um antropólogo balines poderia, sem dúvida, ter escrito ensaios semelhantes sobre futebol na Argentina, Brasil ou no judaísmo em Israel.

De fato, uma seção particularmente interessante da sociedade israelense fornece um laboratório exclusivo de como viver uma vida satisfeita em um mundo pós-trabalho. Em Israel, um percentual significativo de homens judeus ultra-ortodoxos nunca trabalhou. Eles passam toda a vida estudando escrituras sagradas e realizando rituais de religião. Eles e suas famílias não morrem de fome, em parte porque as esposas muitas vezes trabalham, e em parte porque o governo lhes fornece generosos subsídios. Embora geralmente vivam na pobreza, o apoio do governo significa que eles nunca faltam para as necessidades básicas da vida.

Isso é uma renda básica universal em ação. Embora sejam pobres e nunca trabalhem, em pesquisa após pesquisa, esses homens judeus ultra-ortodoxos relatam níveis mais elevados de satisfação com a vida do que qualquer outra parte da sociedade israelense. Nos levantamentos globais sobre a satisfação da vida, Israel está quase sempre no topo, graças em parte ao contributo destes pensadores profundos e desempregados.

Você não precisa ir a Israel para ver o mundo do pós-trabalho. Se você tem em casa um filho adolescente que gosta de jogos de computador, você pode realizar sua própria experiência. Fornecer-lhe um subsídio mínimo de Coca-cola e pizza e, em seguida, remover todas as demandas de trabalho e toda a supervisão dos pais. O resultado provável é que ele permanecerá em seu quarto por dias, colado na tela. Ele não vai fazer qualquer lição de casa ou tarefas domésticas, vai ignorar a escola, ignorar as refeições e até mesmo ignorar os chuveiros e dormir. No entanto, é improvável que ele sofra de tédio ou uma sensação de sem propósito. Pelo menos não no curto prazo.

Portanto, as realidades virtuais provavelmente serão fundamentais para fornecer significado à classe desocupada do mundo pós-trabalho. Talvez essas realidades virtuais sejam geradas dentro dos computadores. Talvez sejam gerados fora dos computadores, sob a forma de novas religiões e ideologias. Talvez seja uma combinação dos dois. As possibilidades são infinitas, e ninguém sabe com certeza que tipos de peças profundas nos envolverão em 2050.

Em qualquer caso, o fim do trabalho não significará necessariamente o fim do significado, porque o significado é gerado pela imaginação em vez de pelo trabalho. O trabalho é essencial apenas para o significado de acordo com algumas ideologias e estilos de vida. Os escravos ingleses do século XVIII, os judeus ultra-ortodoxos atuais e as crianças em todas as culturas e eras encontraram muito interesse e significado na vida, mesmo sem trabalhar. As pessoas em 2050 provavelmente poderão jogar jogos mais profundos e construir mundos virtuais mais complexos do que em qualquer momento anterior da história.

E quanto à verdade? E a realidade? Realmente queremos viver em um mundo no qual bilhões de pessoas estão imersas em fantasias, buscando objetivos criativos e obedecendo leis imaginárias? Bem, goste ou não, esse é o mundo em que vivemos há milhares de anos.

Yuval Noah Harari é professor na Universidade Hebraica de Jerusalém e é autor de ‘Sapiens: Uma Breve História da Humanidade’ e ‘Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã’

Brasileiro abandonou ‘máscara’ de cordial e assumiu sua intolerância, diz Lilia Schwarcz

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 Camilla Veras Mota, da BBC News Brasil/São Paulo. 01/07/2019

As manifestações em 2013 e o impeachment da presidente Dilma Rousseff “abriram a tampa da democracia no Brasil e permitiram aflorar sentimentos que andavam um pouco reclusos”, diz a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz.

Para ela, até então o brasileiro zelava por uma imagem “de muito receptivo, muito aberto” que servia de verniz para uma intolerância e um autoritarismo que ficavam escondidos e que estavam enraizados na própria história do país – a característica mais marcante do “homem cordial” descrito em 1936 pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda.

O conceito, que dá nome ao capítulo mais célebre do livro Raízes do Brasil, foi muitas vezes mal interpretado como um elogio – quando queria expor, na verdade, “uma representação do que queríamos ser”, explica a historiadora.

A “cordialidade” que se manifesta, por exemplo, no uso de diminutivos ou na informalidade que marca a nossa cultura seria o expediente usado para misturar as relações públicas e privadas e guardar uma proximidade que, na verdade, disfarça as distâncias sociais. Algo que “evita as hierarquias para, no silêncio, reafirmá-las”.

Quase 80 anos depois, em um contexto de avanço do conservadorismo no mundo e de crise das democracias, esse homem “tira a máscara”.

 

“Com a crise, a recessão, o impeachment, acho que nós avalizamos pessoas que não tinham a coragem de dizer coisas do tipo: ‘eu sou contra negro mesmo’, ‘acho que lugar de mulher é no fogão’, ‘acho que os trans são uma vergonha'”, diz ela.

Uma mudança que transformou a percepção que o mundo tinha sobre o país, diz a historiadora, que dá aulas na Universidade de São Paulo (USP) e na universidade americana de Princeton.

No recém-lançado Sobre o Autoritarismo Brasileiro (Companhia das Letras), escrito entre outubro de 2018 e março deste ano, ela traça um longo histórico da violência, da corrupção, das desigualdades sociais, da intolerância e das questões de raça e gênero no país para discutir o momento atual, que caracteriza como uma “guinada conservadora e reacionária”.

Para ela, a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 marca uma nova fase do autoritarismo brasileiro, referendado pelas urnas.

“Por mais que (o livro) tenha endereço certo, acho que de nada adianta apontar só para o Bolsonaro, senão eu também faria o jogo do personalismo que eu quero evitar.”

O livro é uma tentativa de abrir mão dos rigores da academia para buscar um público maior e debater temas atuais, à semelhança de autores americanos como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ambos da Universidade Harvard e autores de Como as Democracias Morrem, e Timothy Snyder, da Universidade Yale, que escreveu A Tirania e Na Contramão da Liberdade: A Guinada Autoritária nas Democracias Contemporâneas.

Nesse sentido, ela foi além: mantém uma conta no Instagram e um canal no YouTube em que aborda temas que vão de violência e racismo a ditadura e corrupção.

Se há alguns meses a antropóloga não sabia ainda que as respostas aos comentários no YouTube eram públicas ou que o Instagram não era lugar de “textão”, hoje ela admite que quer usar o espaço das redes sociais para “cutucar” aqueles que discordam de seus pontos de vista a fim de discutir “com argumentos”.

Leia, a seguir, trechos da entrevista à BBC News Brasil.

BBC News Brasil – Muita gente defende que Bolsonaro só existe como presidente por causa do PT. Em que medida corrupção e crise formam o alicerce desse, como a senhora classifica, novo período autoritário referendado nas urnas?

Lilia Schwarcz – O primeiro eleito nas urnas e o primeiro que usa as redes sociais, isso é muito importante. Eu acho que a gente tem que ser um pouco mais sério com o Bolsonaro. Fazer esse jogo do tipo “ele só ganhou porque”… Ele também ganhou. Mas dizer que só ganhou (por causa do PT) é minimizar um fenômeno que eu tento mostrar no livro que é de mais longo curso.

Ou seja, não é que os brasileiros viraram autoritários, eles sempre foram autoritários.

Acho que a gente também tem que entender o fenômeno Bolsonaro à luz do fenômeno do autoritarismo no mundo.

Porque se você pensar em EUA, Hungria, Polônia, Filipinas, Israel, Venezuela, estamos falando de governos populistas e autoritários.

Diferentes, mas governos, sobretudo os populistas autoritários mais à direita, que têm uma fórmula muito comum: esse repúdio à imprensa – você deve estar sentindo isso -, essa desautorização do discurso das minorias, essa tremenda desautorização do discurso da academia, o uso muito inteligente das redes.

Esse é o modelo internacional, grosso modo. Mas cada país carrega sua própria especificidade.

A do Brasil é essa que eu tentei tratar nesse livro: o fato de ter sido o último país a abolir a escravidão, de ter recebido quase metade dos africanos e africanas que saíram compulsoriamente de seu continente, de ter sido uma colônia de exploração, administrada por meio de mandonismos localizados, um país tremendamente violento, muito corrupto.

E eu tento mostrar como a corrupção é longa entre nós. A gente atribuir tudo ao PT…

O PT teve uma parte fundamental, e acho que meu capítulo da corrupção mostra o quão independente eu sou…

BBC News Brasil – Vou aproveitar então para emendar uma pergunta. Em alguns trechos, ainda que com ressalva, a sra. coloca argumentos que fazem parte do discurso do PT, especialmente o da perseguição política, como no trecho em que fala que “jogar todas as baterias contra apenas uma pessoa – e, assim, personalizar a questão ou transformar um único partido em bode expiatório – não dá conta do problema”. Não teme que seja interpretado como partidarismo e abra um flanco para críticas?

Schwarcz – Eu penso que o livro tem flanco pra todos os lados. Acho que os meus colegas do PT não vão gostar da análise que eu faço do Mensalão e da Lava Jato – e é esse mesmo capítulo.

Esse é o capítulo mais longo, salvo engano, e o mais difícil justamente porque eu tinha uma questão de mostrar a minha independência e a minha autonomia aí muito claras.

Quando você vai tratar da questão da corrupção, ninguém é favor da corrupção e ninguém é corrupto. Eu sou uma pessoa da academia que chego lá e digo com todas as palavras que a corrupção criou uma máquina de governar, não eximo o PT, não eximo o PSDB.

Essa sua pergunta poderia ser “Você não tá dando argumento pros ‘bolsominions’?”. Tô também – “até ela está mostrando como o PT foi corrupto”. Acho que, se a gente for pegar o livro nesse momento de polarizações afetivas que nós vivemos, a cada página você vai ter alguém de carteirinha contra ou a favor.

O que eu tentei fazer foi me valer muito dos dados, contar a história inteira, para só depois me dar ao luxo de opinar.

BBC News Brasil – O livro está recheado de ironias e provocações. Há um momento em que a sra. se refere de forma indireta à ministra Damares Alves, quando diz, ao falar dos feminicídios, que “a princesa não casa com o príncipe”, há também uma crítica velada ao ministro Sergio Moro no trecho: “juízes que combateram a corrupção vigente, mas igualmente, usaram de seu poder de formas muitas vezes subjetiva e ao sabor dos afetos políticos”. Com que emoção a sra. escreveu?

Schwarcz – Eu fiz em pouco tempo, mas fiz muitas versões desse livro. Tive momentos claramente destemperados, né, e meus editores aqui falavam: “Beleza, mas agora vamos ponderar isso, aquilo”.

Eu tentei de alguma forma contrabalançar as opiniões, tentei bravamente.

Tem um lado que você pode falar que é muito meu, a parte dos feminicídios. Claro, vai ter que me aguentar. Pediu para uma mulher escrever, então vamos lá, né?

Essas são todas questões que me afetam no sentido de “afetar” da antropologia, porque o afeto é produtor. Porque, quando você se afeta, isso quer dizer que você se contamina do outro.

BBC News Brasil – Voltando ao seu comentário sobre o fato de o fenômeno de ascensão da direita ser global. Em que medida ela não se deve também a uma crise global das democracias liberais, que não estão conseguindo mais dar conta dos efeitos da globalização, aumento da desigualdade, da violência?

Schwarcz – Com certeza, eu digo no livro que corrupção, violência, insegurança não são sentimentos inventados por Bolsonaro.

Costumo dizer que a minha geração falhou. Colocou todas as fichas na democracia e não lidou muito bem com o que fazer com a nossa recessão, o que fazer com as populações que vão ascendendo e que não se espelham exatamente nesse momento.

Como é que a gente pode valorizar a nossa Constituição, mas também mostrar as suas falácias? Quais são os nós que resolvemos não enfrentar e que vão aparecendo agora?

Você tem toda razão. Houve uma soberba, sobretudo no consórcio criado entre PT e PSDB. Uma cegueira. Nós não atendemos a uma parte da população que se sentiu atendida por Bolsonaro.

E não é possível caricaturar essa população. Eu, por exemplo, tenho como projeto entender mais as igrejas evangélicas. E no plural. Porque a gente ataca tanto as pessoas que fazem de nós um só…

Esse é um fenômeno fundamental para entender o Brasil, e eu nunca parei para estudar.

BBC News Brasil – Fazem sentido então críticas como a do cientista político Mark Lilla, de que a esquerda vem perdendo espaço porque se prende a pautas identitárias e não privilegia, por exemplo, pautas econômicas ou temas que falem com um público mais amplo?

Schwarcz – Eu gosto muito do Lilla, mas discordo que o discurso identitário seja só ruim. Há uma tese lá de que o discurso identitário enrijeceu esses famosos lugares de fala e jogou para fora parte da população que não sentia de modo algum representada por esses discursos.

Eu penso que o discurso dos direitos civis produziu esse discurso de identidade, um discurso que vai ter que se transformar em algo menos enrijecido, mas que tem um papel fundamental para pressionar para que o mundo mude.

Nós vivemos em um mundo muito branco, muito “europocêntrico”, muito colonial, que só vai mudar se for questionado.

BBC News Brasil – E a sra. vê a esquerda brasileira fazendo isso, se reinventando para abordar essas pautas de forma diferente, não se isolar?

Schwarcz – Eu digo no livro – e vai desagradar as esquerdas também – que a polarização é uma relação. Você só polariza de um lado se o outro lado polarizar também.

Acho que as esquerdas brasileiras são muitas. E vão ter que vivenciar esse luto, vão ter que se haver com o que aconteceu com o Partido dos Trabalhadores. Mas não só: também com o que aconteceu com esse projeto das esquerdas. Vão ter que se reinventar.

É difícil falar de todos, senão eu vou estar caricaturando, mas acho que uma parte das esquerdas tem ficado mais alerta e mais ciente sobre o que foi esse processo das eleições de 2018. Acho que a gente não tem que só demonizar o que foi, mas fazer um esforço de compreensão, até para fundar uma nova República.

BBC News Brasil – A sra. se refere a quais figuras, à corrente mais jovem, representada, por exemplo, pela deputada Tabata Amaral?

Schwarcz – Acho que houve um projeto de uma geração que se mostrou insuficiente.

E acho que existe aí um outro discurso, não só o discurso dos jovens, mas que carrega outros marcadores, um discurso feminista, negro, trans. Pessoas que vêm de outros locais. Um discurso religioso progressista.

Penso que a saída virá da formação de novas figuras. Não só de novas figuras, porque eu não gosto de “essencializar” a juventude. Juventude não é uma qualidade em si, é uma situação. Mas eu acho que a gente tem que encontrar novas saídas e novos repertórios. Nós estamos carentes de repertório mesmo.

BBC News Brasil – E consegue enxergar essa mudança?

Schwarcz – Eu penso que sim. Outro dia falei que era otimista e fui quase morta. Nós não estamos em um momento bom, estamos em uma crise de desemprego, temos essa questão pela frente da reforma, senão o Estado vai falir, estamos vivendo momento de grande intolerância.

Por todos os lados que você olhar não há motivo para otimismo. Mas, por exemplo: uma manifestação como a do dia 15 (contra os contingenciamentos na Educação) me faz otimista, porque você vê na rua que tem mais pessoas clamando por um Brasil mais justo, mais generoso.

BBC News Brasil – Como vê as manifestações do último domingo, a favor do presidente?

Schwarcz – Foi um ato democrático como aquela do dia 15. Mas o esforço do governo de, ao mesmo tempo, afirmar que tudo era “espontâneo”, mas também “convocar a manifestação” representa mais um gesto populista.

Esse tipo de palavra de ordem serve mais para candidatura do que para mandato.

BBC News Brasil – A sra. não cita nominalmente o presidente em nenhum momento do livro. Foi proposital?

Schwarcz – Foi. E foi um esforço. Porque, por mais que tenha endereço certo, eu acho que de nada adianta apontar só para o Bolsonaro. Isso aí é, de alguma forma, perder a figura e o fundo.

A família aparece claramente no capítulo dos mandonismos, né.

Mas foi proposital, porque senão eu também vou fazer o jogo do personalismo que eu quero evitar. O meu problema não é pessoal, é com aquele que ocupa a chefia do Estado.

BBC News Brasil – Em mais de um trecho a senhora afirma que o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda não é um elogio ao brasileiro, pelo contrário. Próximo ao fim, parece chegar à conclusão de que essa figura não existe mais e tem dado lugar ao “homem da intransigência e da aversão à diferença”. Esse seria, então, um momento de inflexão?

Schwarcz – Eu tento mostrar aqui que nunca foi (cordial), né, que é uma representação do que queríamos ser.

BBC News Brasil – Isso, mas a tese do Sérgio Buarque é de que a gente ainda disfarçava…

Schwarcz – Eu penso que o tempo provou que o processo do impeachment da presidente Dilma de alguma maneira abriu a tampa da democracia e permitiu aflorar uma série de afetos e sentimentos que andavam um pouco reclusos porque “não ficavam bem”, porque o que era bom era dar sempre essa face – como nós brasileiros somos muito cordiais, muito receptivos, muito abertos.

O livro tenta provar que nunca fomos isso.

Mas eu acho que, a partir de 2013, com a crise, a recessão, o impeachment, nós avalizamos pessoas que não tinham a coragem de dizer coisas do tipo: “eu sou contra negro mesmo”, “acho que lugar de mulher é atrás do fogão”, “acho que os trans são uma vergonha”.

BBC News Brasil – Então o “homem cordial” agora tira de vez a máscara, é isso?

Schwarcz – Por isso um episódio como o da Marielle é pra mim muito significativo, porque nós tiramos a máscara não só nacionalmente, mas também internacionalmente.

Internacionalmente o Brasil não é mais visto (como um país receptivo e tolerante)… e isso eu sei porque há dez anos dou aula em Princeton e os meus cursos foram mudando sistematicamente. E não porque eu mudei.

As pessoas vinham em busca do Zé Carioca, do futebol, da capoeira, dessa “exotização” dos trópicos como paraíso dos costumes, dos hábitos. E cada vez mais as pessoas vêm pra falar de contravenção, violência, falta de lei, intolerância.

Você tem um governo como esse, ministros como esses, da Educação, das Relações Exteriores, da Agricultura. São ministros que não têm a mínima preocupação em professar valores que nós acreditávamos que eram nossos. Esse foi o tombo grande que as esquerdas tomaram também.

 

Políticos usam caricaturas da globalização para ludibriar eleitores, diz ex-diretor do Banco Mundial

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Economista diz que distorções criadas para atender a demandas domésticas prejudicam a economia mundial

Fernando Canzian/ WASHINGTON – Folha de São Paulo, 31/07/2019.

Para o economista Homi Kharas, pesquisador do Brookings Institution e ex-diretor do Banco Mundial, políticos como Donald Trump e movimentos como o Brexit vêm fabricando a narrativa de que problemas internos são causados por outros países.

Segundo ele, há muitos dedos apontados, afirmando que “estamos indo mal porque essas pessoas não jogam limpo; essas pessoas estão roubando nossos empregos, estão fazendo algo injusto”.

Kharas enxerga essas alegações como falsas “caricaturas da globalização” —distorções criadas por políticos para atender a demandas domésticas. Elas prejudicariam estruturas da economia mundial que estão na base do progresso global.

Alguns especialistas afirmam que a classe média nos países ricos encolhe devido à transferência de empregos, sobretudo industriais, para a Ásia. O sr. concorda? 

Sempre que duas coisas acontecem ao mesmo tempo as pessoas observam essas tendências e acham que elas estão conectadas. Não creio que a história seja essa. A classe média na Ásia está indo muito bem porque a economia cresce.

A classe média nas economias avançadas não vai bem porque a desigualdade está aumentando rapidamente e também devido à natureza do crescimento, que vem muito mais das empresas de tecnologia, que têm um número reduzido de funcionários.

São dois padrões de crescimento simultâneos. Mas as pessoas querem tentar conectar os dois e, como sempre, em qualquer país, diante de problemas econômicos, a coisa mais fácil para um político é colocar a culpa em alguém.

Nas economias avançadas há muitos dedos apontados: “Estamos indo mal porque essas pessoas não jogam limpo, essas pessoas estão roubando nossos empregos, estão fazendo algo injusto”. São caricaturas da globalização, que considero falsas, uma história fabricada por políticos, por razões políticas domésticas.

Mas agora essa ideia se tornou parte perigosa de uma narrativa global que prejudica muitas das forças e das estruturas da economia global, como o comércio internacional, que é a base do progresso.

Como o sr. avalia o encolhimento dos empregos industriais e o aumento da desigualdade nos EUA? 

A indústria dos EUA vem perdendo empregos há décadas. Isso é uma tendência. À medida que economias se desenvolvem, a participação da indústria cai e a do setor de serviços aumenta.

Assim, em muitos aspectos, a grande classe média dos EUA foi construída também pelas pessoas que deixaram o setor industrial. Muitos empregos da indústria são perigosos, há acidentes, e há limites para o quanto se pode pagar.

As pessoas nos EUA preferiram migrar para áreas financeiras, de imóveis, da saúde. Elas se profissionalizaram, tornaram-se advogados, economistas. Todas essas profissões são mais bem pagas do que empregos em fábricas.

A maioria dos estudos assinala que a tecnologia é responsável pela mudança na natureza do trabalho. Os carros costumavam ser pintados à mão; hoje, por robôs. Há segmentos inteiros da força de trabalho que tiveram que encontrar outros tipos de ocupações.

Não há evidências de que essas mudanças na economia mundial estejam reduzindo o número de empregos nos EUA. Elas estão mudando a estrutura de um lugar para outro, e isso cria problemas de transição para muitos.

O sr. mencionou o fato de políticos usarem “o outro como inimigo” na narrativa da desigualdade. Quais são as consequências disso? 

Na verdade, acredito que seja possível que a tendência da desigualdade comece a mudar, mas será preciso mais do que ação governamental. Acho que hoje as corporações percebem que é bastante útil serem vistas como empresas que pagam um salário decente.

Hoje, nos EUA, existe uma grande empresa de varejo chamada Target. Ela acaba de aumentar seu salário mínimo para US$ 13 (R$ 48) por hora e concorre com a Walmart, cuja tendência histórica é a de pagar salários muito baixos.

As empresas também estão competindo umas com as outras em termos de reputação, e algumas das melhores empresas estão buscando tanto aumentar os salários quanto alterar a desigualdade salarial.

Assim, as empresas agora se concentram em garantir que homens e mulheres recebam salários iguais por trabalhos iguais, de modo que muitas fontes de desigualdade inseridas em nossas estruturas sociais estão sendo abordadas à medida que as pessoas olham mais de perto.

Outra grande fonte de desigualdade é geográfica. Se você pegar o exemplo do Reino Unido, sobre sair ou ficar na União Europeia: todo mundo em Londres, que é onde o crescimento econômico está concentrado, quer ficar. Outros, no interior, querem sair.

A desigualdade que está sendo gerada em lugares como o Reino Unido deve-se em parte à baixa mobilidade. As pessoas não querem se mudar para outro lugar apenas porque há empregos lá. E se elas não estiverem preparadas para mudar, será um período de transição de maior desigualdade.

Então ocorrem mudanças no poder político à medida que as pessoas se mudam geograficamente. Mas, em vez de se mudar, as pessoas podem votar. No “rust belt” (cinturão da ferrugem, estados industriais dos EUA), ou no brexit, em Manchester ou no norte da Inglaterra.

E as pessoas vão tentar ver se há soluções que o governo possa oferecer, que não exijam que elas se mudem. De muitas maneiras, governos tentam estabelecer políticas que superem as forças do mercado, e isso não é fácil. Muitas vezes acaba criando problemas ainda maiores do que os que você estava tentando resolver.

No curto prazo o que vemos é o desejo dessas pessoas de permanecer onde estão, por isso estão votando em Trump, não? 

Claro. Raízes familiares são algo muito poderoso, e não estou dizendo que é ruim. É bom que pessoas se sintam conectadas a onde estão. Mas é algo muito difícil de sustentar em um ambiente moderno, cuja economia exige que você vá para lugares onde os outros se aglomeraram.

Então, a desigualdade no curto prazo…

Pode piorar.

Uma das lições do século 20 foi que, ao final do século 19, quando se comparam países, a desigualdade diminuía. Mas internamente, em cada país, ela aumentava, como vemos agora. No começo do século 20 tivemos uma guerra e agora temos outro tipo, comercial. Como o sr. compara os dois períodos? 

Pode-se afirmar que no final do século 19 e início do 20 a globalização estava em um nível muito alto. Muitos negócios, movimento de capital, de pessoas.

E muitos disseram que as economias estavam tão conectadas umas às outras que uma guerra não poderia acontecer. Bem, hoje sabemos que foi uma avaliação totalmente errada. O fato de as economias estarem conectadas não significa que não poderia haver uma guerra, e tivemos uma das mais brutais. E ainda tivemos que ter uma segunda.

Espera-se que as pessoas tenham aprendido algo com isso. Mas a história tem uma tendência a se repetir. E hoje novamente temos uma situação em que há uma grande potência, os EUA, e uma nova potência surgindo muito rapidamente, a China.

A economia da China está crescendo, mas seu poderio militar ainda é inferior ao dos EUA. Sua economia é, em termos de projeção internacional, muito inferior à dos EUA, e sua tecnologia, apesar de muitas histórias que contam, é na maioria dos setores inferior à americana.

Mas a China está se aproximando em todas as áreas. E a questão, para todo mundo, é como essas duas potências lidarão uma com a outra.

Acredita-se que se houver uma ordem internacional baseada em regras, isso ajudará a minimizar o grau de confronto entre potências. Por isso queremos uma ordem internacional baseada em regras. Por isso o que realmente importa neste momento é abraçar o multilateralismo.

Isso é muito difícil quando se têm sistemas econômicos muito diferentes, e China e EUA os têm. É isso que torna a ordem internacional tão difícil de se construir e manter no período atual.

Homi Kharas, 65
Pesquisador do Brookings Institution, trabalhou durante 26 anos no Banco Mundial, no qual foi economista-chefe para a Ásia. Com o economista Indermit Gill, criou o conceito de “armadilha da renda média”, em que países que alcançam um determinado nível de renda por conta de vantagens específicas têm dificuldades em se tornar ricos (o Brasil é dado como exemplo por alguns)

Espiritismo, conhecimento e transformação

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O mundo esta passando por um amplo processo de desenvolvimento científico e tecnológico, nos últimos cinquenta anos as descobertas e invenções foram inúmeras, alterando as formas de pensar, de comunicar e de sobreviver, vivemos um verdadeiro renascimento, onde o conhecimento, a ciência e a tecnologia estão no centro desta nova sociedade, gerando novos desafios e oportunidades para o ser humano e novas oportunidades de progresso para a humanidade.

Neste novo momento da humanidade, muitas atividades serão destruídas, muitas profissões serão extintas e muitas novas formas de ocupação surgirão e ganharão força, obrigando os indivíduos a uma verdadeira rediscussão sobre as bases e os contratos sociais que embalam a sociedade, obrigando as autoridades a olharem os grupos menos favorecidos de uma forma diferente, sob pena de vermos um aumento considerável de conflitos abertos, guerras e desequilíbrios generalizados, ainda mais quando observamos, que um conflito na sociedade contemporânea, tende a destruir e gerar graves constrangimentos para a coletividade global.

Desde o século XIX as tecnologias vêm ganhando força na sociedade, o surgimento e o desenvolvimento de indivíduos capacitados e qualificados que se entregam ao estudo e ao desenvolvimento de novos produtos e tecnologias, em parcerias com pessoas dotadas de recursos econômicos e financeiros, auxiliou no nascimento de uma nova classe, mas estruturada, com métodos e pensamentos científicos, cujas ideias e descobertas auxiliaram no progresso da ciência e da sociedade global.

Se analisarmos em épocas remotas, as pessoas estavam muito sujeitas a doenças variadas, qualquer nova peste ceifava a vida de milhares de pessoas e geravam rastros de destruição e violências generalizadas, nestes momentos a ciência era muito atrelada a bruxaria e os atuais médicos eram vistos como bruxos dotados de conhecimentos escassos e grandes habilidades de manipulação de ervas e chás, no livro O físico, de Noah Gordon, o autor destaca a saga e as dificuldades da medicina neste momento de privações e dificuldades.

Estes aspirantes a médicos eram acompanhados, como são na atualidade, por espíritos desencarnados que os auxiliavam nas manipulações e no desenvolvimento de medicamentos e vacinas para reduzir as dores dos indivíduos vitimados por variadas doenças, neste momento percebemos como a espiritualidade nos auxilia em todos os momentos de nossas existências, muitos pesquisadores amadores eram levados em espírito durante o sono físico para estágios com médicos e pesquisadores renomados desencarnados, nestas viagens recebiam informações e participavam de pesquisas e descobertas, todas visando o aperfeiçoamento da medicina terrestre e a redução das dores e dificuldades dos encarnados, cujas dores causavam constrangimentos físicos variados.

Com o surgimento da Doutrina Espírita e o crescimento da ciência e da investigação científica, novas áreas e setores surgiram na sociedade, descobertas revolucionárias, inovação e novas linhas de pesquisa foram apresentadas para a coletividade, impulsionando a pesquisa e o conhecimento científico, levando muitos indivíduos a se aperfeiçoar em novas áreas e setores, abrindo novas oportunidades e um amplo leque de escolhas para a sociedade, por trás destas descobertas a atuação discreta de pesquisadores encarnados motivas e inspirados por renomados cientistas desencarnados.

Neste momento histórico, marcado ainda pelo poder da Igreja Católica, mesmo este poder tendo sido diminuído por equívocos anteriores e pelos lances finais da inquisição, a ascensão da Doutrina dos Espíritos inaugura o fortalecimento de uma visão religiosa que enxerga a ciência como parceira e não mais como rival, como acontecia até então por outras visões religiosas. O Espiritismo nasce baseado em um tripé, como destacou Allan Kardec em O Livro dos Espíritas, neste novo modelo a ciência e a fé raciocinada devem caminhar passo a passo com a filosofia e a religião, esta tríade sustenta a doutrina espírita e faz dela uma nova forma de pensar a sociedade e a relação entre ciência e religião.

A Doutrina dos Espírito vai inaugurar um novo momento na história da sociedade mundial, a partir das obras de Allan Kardec, o mundo vai se deparar com uma nova estrutura de pensamento, segundo esta, o mundo material está umbilicalmente relacionado com o mundo espiritual, nesta concepção de sociedade somos espíritos animando corpos materiais mas a verdadeira vida se dá no mundo imaterial, estas ideias vão gerar muitos constrangimentos e vão criar adeptos e detratores, sendo que estes últimos serão implacáveis tentando denegrir e constranger os adeptos da nova revelação.

A Doutrina se apoia em princípios como a reencarnação e nas variadas vidas sucessivas, onde ora estamos encarnados ora nos encontramos no mundo dos espíritos, estes dois mundos estão interligados e se comunicam muito mais do que imaginamos, nos influenciando e, muitas vezes, até nos comandando. No século XX, inúmeras pesquisas científicas, muitas delas ainda não foram divulgadas ou muitas foram boicotadas, encontraram rastros da existência de variados mundos que se interligam, como a física quântica e suas descobertas de mundos integrados.

A Doutrina está centrada no estudo e na reflexão criticas, nestes estudos os indivíduos recebem informações variadas sobre fenômenos que se sucedem, nestes estudos compreendemos as leis da natureza que estamos sujeitos em nossas vivências cotidianas, diante disso, percebemos o quanto para o Espiritismo as leituras e o conhecimento são importantes e fundamentais, no espiritismo não fugimos da ciência, muito pelo contrário, a ponto de muitos considerarem o Espiritismo como a religião dos livros.

A Doutrina nos mostra como é a vida no mundo espiritual, para isto nos traz inúmeras obras, tais como a coleção de André Luiz, onde o autor dita para o médium Francisco Cândido Xavier, como vivem os espíritos, seu cotidiano, sua relação com o mundo material, com a ciência e com o conhecimento, dentre outros temas, nos mostrando que a realidade da vida é muito mais intensa e compreensível do que as religiões anteriores divagavam e conjecturavam, a doutrina nos mostra in loco, via depoimento de espíritos desencarnados através de médiuns, estes relatos nos auxiliam a desmistificar a morte e o morrer, afinal, em quarenta mil anos de racionalidade no mundo, nós seres humanos já fomos ao mundo imaterial e voltamos ao mundo material ao menos algumas centenas de vezes.

Muitas descobertas da ciência são creditadas a pesquisadores e homens da ciência e do conhecimento, a maioria ignora o trabalho do mundo espiritual e da atuação dos bons espíritos, mal sabem eles que muitas inspirações e direcionamento nas pesquisas científicas são dadas por pesquisadores desencarnados, isto acontece tanto para pesquisas que geram bem-estar e avanços para a coletividades quanto para pesquisas que levam a descobertas de mercadorias e produtos que geram vícios e desequilíbrios para a coletividade. Um bom exemplo destas descobertas são os medicamentos e drogas que geram dependência dos usuários e causam inúmeros constrangimentos para os dependentes, que enveredam para um mundo que propiciam inicialmente prazeres e gozos terrestres e geram dependência e degradação emocional, psicológica e espiritual.

Os ensinamentos espíritas no mostram a importância da leitura e do conhecimento, que podem ser compreendidos como instrumentos de reflexão e de melhoras visando um crescimento espiritual, objetivo primeiro e fundamental para todos os indivíduos. A literatura espírita é bastante volumosa, desde romances e dissertações, passando por biografias e obras variadas, todas elas nos trazem uma ampla gama de conhecimentos para que a coletividade possa repensar seus comportamentos e alterar suas formas de vida, visando os tão almejados progressos moral e espiritual.

A tríade Espírita nos mostra que para o progresso do ser humano, faz-se necessário o crescimento espiritual, o moral e o intelectual, a leitura pode nos ajudar nesta renovação, o conhecimento pode nos levar a uma reflexão e esta pode nos mostrar os nossos equívocos e orientar para que alteremos rotas e atitudes, sem estas mudanças teremos grandes dificuldades para progredir. Muitas pessoas buscam na Doutrina Espírita elementos para compreender melhor suas dificuldades, nesta busca constante se deparam com o conhecimento espírita, estes conhecimentos auxiliam em sua renovação interior e podem abrir portas importantes para seu progresso, nesta caminhada muitos indivíduos desistem desta transformação, pois percebem que, para o espiritismo, não existem vítimas, somos todos culpados.

O conhecimento nos auxilia mas, muitas pessoas não aceitam as suas dificuldades e mesmo percebendo a racionalidade desta situação, continuam questionando e se rebelando contra as forças do bem, colocam-se como vítimas e se esquecem de que se sofrem na vida atual as razões deste sofrimento está ou em experiências e vícios anteriores ou nos equívocos contemporâneos, sair da zona de conforto e se colocar no centro de suas dificuldades ainda é difícil para muitas pessoas que preferem se colocar como vítimas, terceirizando suas responsabilidades.

O conhecimento é uma grande benção divina, estudar, refletir e compreender as questões que envolvem a sociedade e o cotidiano de todos é algo fundamental e transformador, muitos se dedicam a este conhecimento e o distorcem em prol de interesses imediatos, usam de forma equivocada tudo que aprendem, visando apenas seus interesses mesquinhos e imediatos, buscando o lucro e os gozos terrestres. Estes indivíduos se deixam levar por vaidade e egoísmos variados e passam a acreditar que seus saberes são bens individuais e se esquecem do caráter coletivo e social, neste instante passam a acumular passivos negativos que, num futuro muito próximo, terão que prestar contas a Deus e as entidades superiores, afinal muitos lhes foi dado e, por isso, muito lhes será cobrado.

Muitas vezes encontramos indivíduos idiotizados ou desprovidos de uma maior capacidade reflexiva, alguns atrasos mentais e sensoriais, neste momento nos perguntamos porque nascem e vivem desta forma? Porque Deus autoriza alguns a nascerem com tais limitações e outros apresentam saúde física e plenas capacidades reflexivas? A Doutrina Espírita nos concede algumas pistas para estas indagações, nos auxilia na compreensão dos porque e esclarece algumas dúvidas e nos abrem novas questões e indagações. Muitos destes irmãos nascem desta forma e com estas limitações porque abusaram da inteligência e do conhecimento em vidas anteriores, são indivíduos altamente inteligentes que se deixaram levar por interesses imediatistas e particulares, utilizando seus conhecimentos para acumular riquezas e degradar a vida de outros irmãos, nesta encarnação serão educados com estas limitações físicas e emocionais, sua inteligência ainda existe e se faz latente dentro de sua alma, mas momentaneamente se encontra em estado de repouso e brevemente será reativada por completo.

O conhecimento deve ser uma mola para o progresso da humanidade, deve ser vista como um instrumento de prosperidade e crescimento dos indivíduos e, principalmente, da coletividade. Quando nos deixamos levar pelos gozos imediatos e pelos prazeres materiais, nos distanciamos de Deus e dos princípios que regem a sociedade universal e seremos cobrados integralmente por nossas escolhas e direcionamentos.

A Doutrina dos Espíritos nos traz grandes instrumentos de reflexão, muitos a enxergam apenas como uma filosofia, enquanto outros a veem como uma religião, na verdade o pensamento Espírita é muito mais do que isto, une uma tríade de conceitos e áreas diferentes e nos auxilia na compreensão da vida e dos processos evolutivos, sempre com responsabilidades e segurança, mostrando-nos que somos atores de nosso próprio desenvolvimento. Enquanto não nos conscientizarmos disso, vamos continuar deixando oportunidades sublimes para trás e, mais uma vez, atribuindo a outros as responsabilidades por nossos fracassos e limitações.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Crescimento, Estado de bem-estar e a democracia seguirão ameaçados

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Branko Milanovic

Para economista, quanto maior a desigualdade, menor a tendência de crescimento e da parcela de ricos interessados em financiar serviços públicos aos demais 

Fernando Canzian/ BARCELONA

Um dos maiores especialistas em desigualdade global, o economista Branko Milanovic diz que o encolhimento da classe média em países como os EUA leva à ascensão de líderes populistas e coloca em risco o crescimento mundial.

“Estamos votando contra porque estamos infelizes”, diz.

De fora, o mundo parece cada vez menos desigual, com a renda dos países pobres e ricos convergindo. Internamente, porém, a desigualdade só aumenta, espremendo a classe média. Qual a consequência disso?

Há de fato uma melhora significativa entre as classes mais pobres em países emergentes, principalmente na Ásia. A China atrai mais atenção, mas essa tendência ocorre também na Índia, na Tailândia, no Camboja e no Vietnã.

Esses países têm uma força de trabalho razoavelmente bem-educada, capaz de fazer o que era feito no Ocidente a um custo muito menor.

Vem daí parte do fato de a classe média estar sendo espremida. É a globalização somada ao avanço tecnológico trabalhando juntos. Mas é ilusório acreditar que seja possível isolar quanto disso se deve à globalização e quanto às mudanças tecnológicas, porque a globalização é a moldura do quadro no qual acontecem as mudanças tecnológicas.

Mas há uma segunda pressão, que vem do topo. Dos 1%, 5% ou até 20% mais ricos que estão no alto da pirâmide. São pessoas que conseguem se dar muito bem na globalização, que não estão competindo com os que estão na China ou em outros locais.

Pessoas que, de certo modo, se beneficiam da existência de uma força de trabalho mais barata nesses países.

Então, temos uma situação paradoxal, pois o que há de fato é um alinhamento de interesses entre o mundo pobre e o mundo rico contra a classe média nos países ricos.

Ao contrário do dinheiro, que se movimenta livremente pelo mundo, há um limite claro para a imigração. É possível atacar a desigualdade só com taxação sobre o capital, que é móvel?

Os governos se tornaram impotentes para fazer muita coisa, particularmente para colocar impostos sobre o capital.

Conhecemos boas citações de Adam Smith (1723-1790) dizendo basicamente que uma pessoa que possui capital não é um cidadão do seu país de origem, é um cidadão do mundo. Porque pode movê-lo para onde quiser.

E isso agora também é verdade para a mão de obra altamente qualificada.

Você pode fazer muitos trabalhos em muitos lugares do mundo hoje em dia. Com isso, os governos nacionais não são capazes de cobrar impostos facilmente dessas pessoas. É uma situação muito difícil para o Estado de bem-estar social, sob as condições da globalização, porque as pessoas que têm capital monetário ou habilidades muito qualificadas realmente deixam esses países e vão para outros lugares.

E, como se sabe, há muitos países que ficariam felizes em recebê-los, porque eles trazem o poder de compra, dinheiro e tudo o mais.

A ironia aqui é que enquanto países ricos no Ocidente se beneficiam do influxo de trabalho qualificado vindo de países pobres, eles não estão felizes em receber mais estrangeiros. Por isso, fecham a fronteira.

A consequência parece ser um revide da classe média, quando ela vota em governos e líderes populistas, não?

É verdade. E é comum as pessoas perguntarem qual é o programa para as classes médias, como elas poderiam mudar. O fato é que não há nenhum programa coerente.

Então, grande parte dessa votação é o que costumava ser, e ainda é, o chamado voto de protesto. Em outras palavras, estamos votando contra e em boa medida porque estamos infelizes.

Agora, quais são as promessas que pessoas como Donald Trump fazem? São de dois tipos.

De um lado, de que algo será alterado na globalização. No caso de Trump, a promessa é ir a uma guerra comercial com a China, trazer esses empregos de volta para os EUA, o que evidentemente é impossível. Os empregos se foram e não vão voltar.

Mas pelo menos existe uma retórica, existe algum uso de força política para possivelmente forçar a China a mudar os direitos sobre propriedade intelectual, o uso da tecnologia estrangeira, talvez aumentar a importação de soja e coisas assim.

Do outro lado, há só promessa de melhora da distribuição em nível nacional. Porque até agora vimos a reação contra a China e a globalização. Mas muito pouca reação política em termos de medidas a favor da diminuição da desigualdade interna.

Há idas e vindas de políticos. Há, por exemplo, [a deputada democrata norte-americana] Alexandria Ocasio-Cortez, que fala em alíquotas de 70% para os mais ricos ou [o senador independente] Bernie Sanders.

A ironia é que hoje vemos essa ala do espectro político americano mais à esquerda do que em qualquer outra nação no Ocidente. Estamos acostumados a ver os EUA mais à direita do que, digamos, a Suécia ou a Alemanha. É irônico que haja um segmento socialista nos EUA.

Qual a consequência do aprofundamento das desigualdades para o crescimento econômico sustentável?

Essa é a grande questão. O argumento de sempre era o de que seria preciso uma classe média muito forte não apenas para manter a democracia, mas para criar um grupo de pessoas com o mesmo padrão de consumo para gerar produção em massa.

O perigo de fazer a classe média desaparecer é que o motor do crescimento terá que mudar. Não significa que não haverá crescimento, mas que haverá um tipo muito diferente de crescimento.

Outra questão é que quanto maior a desigualdade, menor será a parcela de ricos interessados em serviços públicos, porque eles podem pagar por serviços privados de melhor qualidade como escolas, transporte e saúde.

Numa sociedade polarizada e desigual será possível existir seguro social, sendo que, por definição, a seguridade social inclui todo mundo? Porque se o seguro social for apenas para pessoas que não têm dinheiro ou estão sem trabalho, quem vai pagar por isso?

Os ricos, com certa razão, então pensam que, se não usam nada do Estado, porque pagam por serviços privados, não deveriam pagar pelos serviços públicos.

Portanto, percebemos que há problemas imensos à frente. Primeiro, do Estado de bem-estar social; segundo, do tipo de crescimento que estamos tendo; e, terceiro, da democracia.

Isso não é brincadeira. São questões sérias sobre as quais não teremos consequências em seis meses, mas daqui a 10 ou 20 anos.

 

Pré-distribuir habilidades é melhor jeito de reduzir desigualdade, diz Nobel de Economia

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James Heckman afirma que só é possível haver livre competição com igualdade de oportunidades 

Fernanda Mena – Folha de São Paulo, 29/07/2019.

CHICAGO

Políticas para a primeira infância podem ser o antídoto contra a perpetuação de desigualdades de uma geração para outra. Isso porque a tendência é que famílias estruturadas invistam na educação dos filhos desde o berço, enquanto as mais vulneráveis não conseguiriam fazê-lo, consumidas pela batalha da sobrevivência diária.

O economista James Heckman, 75, já havia sido consagrado com um prêmio Nobel quando descobriu a relação entre a desigualdade e o estímulo a crianças de zero a cinco anos de idade.

Sua pesquisa acompanhou indivíduos expostos a estímulos no início da vida e descobriu que, no longo prazo, eles obtiveram melhor desempenho escolar, salários mais altos, melhor saúde e menor envolvimento com crimes. Tais benefícios, constatou, se estenderam à geração seguinte.

“São as habilidades que farão com que alguém deixe de ser meramente uma criatura de seu berço desprivilegiado”, disse Heckman à Folha no Centro de Economia do Desenvolvimento Humano da Universidade de Chicago (EUA), que dirige. “Quanto mais as pessoas adquirirem competências, menor tende a ser a desigualdade”.

A partir da ideia de que é possível aprender habilidades que garantirão melhores escolhas, mais trabalho e mais renda, Heckman defende como melhor estratégia de redução da desigualdade a pré-distribuição de competências, no lugar da redistribuição de renda.

Com isso, ele refuta cânones do pensamento político ocidental à esquerda e à direita. Assim, de um lado, falar em classes sociais é “algo que pertence ao reino da eugenia”; de outro, a livre competição defendida pelos ultraliberais só é possível com igualdade de oportunidades, algo atingível apenas por meio de políticas públicas.

Heckman defende também que a pré-distribuição tenha como base as famílias, que passam por mudanças estruturais profundas nas sociedades contemporâneas e, por isso, precisam de apoio.

Para reduzir desigualdades, pré-distribuição é melhor que redistribuição? Antes de discutirmos a redistribuição de dinheiro de um adulto para outro, precisamos pensar em prover crianças com as habilidades básicas para o mercado de trabalho no futuro.

Nessa fase, do nascimento até os cinco anos, as crianças são muito maleáveis, aprendem com grande facilidade e podem desenvolver uma base sobre a qual aprenderão todas as proficiências que a vida vai lhes oferecer. E isso cria vantagens diante das oportunidades que a vida ou mesmo a escola proporcionam.

É preciso preparação para a vida escolar? Sim. Quando falamos em adquirir destrezas, não basta mandar as crianças para a escola. É preciso que estejam preparadas para receber o conhecimento, equipadas com habilidades cognitivas e socioemocionais com as quais possam enfrentar desafios e interagir.

Se uma criança recebe estímulos aos três anos, ela será mais concentrada nas aulas no ensino médio, portanto mais inclinada a se beneficiar das oportunidades que a vida vai lhe oferecer.

Mas o foco na primeiríssima infância não desencoraja os investimentos na educação básica? Os estímulos e o desenvolvimento de habilidades podem ser adaptados para crianças maiores, adolescentes ou mesmo adultos de 20 e poucos anos.

Sabemos, pela neurociência, que as competências relacionadas às tomadas de decisão, chamadas de funções executivas, influem em nossa personalidade e podem ser desenvolvidas bem mais tarde do que apenas aos 5 anos.

Não existe a ideia de que, após certo período, tudo está perdido — essa ideia é errada. Uma criança que não teve acesso a estímulos na primeira infância ainda deve ser objeto de atenção para intervenções públicas na puberdade.

Qual a relação custo-benefício da pré-distribuição em relação à redistribuição? Do ponto de vista de um economista, se eu tirar R$ 1 de mim e der para você, isso é uma transferência de recursos. É algo que não vai aumentar a riqueza nacional, ainda que possa ser importante porque você precisa mais desse recurso do que eu.

Para além da questão ética —devo dar dinheiro para uma pessoa pobre? — , o que proponho é um investimento nos indivíduos de uma idade muito tenra, pois isso traz taxas muito altas de retorno econômico.

Qual é essa taxa? Calculamos que o investimento nos primeiros anos de vida tem taxas de retorno tão altas quanto 10% ou até 14% por ano. Isso porque fornecer habilidades básicas a uma criança melhora, no longo prazo, a saúde do indivíduo, sua cognição e sua autorregulação, o que faz com que fique longe de problemas.

São consequências amplas, que impactam toda a sociedade. Diminui custos da saúde, reduz os crimes, melhora a educação, aumenta os rendimentos. Não estou dizendo que não devemos transferir recursos em caso de necessidade, mas, sim, que podemos evitar que pessoas permaneçam pobres oferecendo habilidades para que floresçam e, com elas, a economia.

Essas vantagens se transferem para as gerações seguintes? Sim. Observamos que os filhos dos que receberam esse tipo de intervenção na infância também foram beneficiados. Mais do que ganhar mais status social e econômico, essas pessoas se tornam capazes de ajudar seus filhos a se desenvolverem melhor.

E como os pais podem promover esse estímulo? O ambiente doméstico tem papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo, pois o bebê é influenciado pela família, especialmente nos primeiros meses de vida. Ter um ambiente saudável é crucial para desenvolver habilidades. Ler para as crianças, envolvê-las em atividades da casa, brincar com elas, desenhar com elas. A interação com os pais é muito importante.

Como a mulher, historicamente responsável por cuidar dos filhos, mas que agora ocupa posições no mundo político e corporativo, pode lidar com esse dilema? Estudos norte-americanos mostram que mulheres com mais anos de educação tendem a trabalhar mais, ao mesmo tempo em que querem passar o máximo de tempo possível estimulando e educando os filhos.

O que se descobriu é que é relativamente pequena a diferença de tempo dedicado aos filhos entre uma mãe que trabalha fora e uma que fica em casa. A mãe que trabalha retira esse tempo dos seus momentos de lazer. Mas, se ela encontra uma boa creche ou escola de educação infantil que possa ser sua parceira, é possível substituir parte das horas diárias do estímulo materno.

Essa nova perspectiva fez da desigualdade algo menos problemático? Você pode abordar a desigualdade como uma questão moral. Mas, em vez de falar do capitalista rico espremendo o pobre trabalhador, estou falando do pobre trabalhador aprimorando suas condições para se integrar ao restante da população.

Nesse sentido, a ideia de classe é algo que pertence ao reino da eugenia. Duzentos anos atrás, um menino nascido em uma família de mineiros seria um mineiro. Hoje sabemos que isso só acontece se forem restritas suas oportunidades em termos de educação e acesso à sociedade.

Ainda assim, é fato que a desigualdade está aumentando em muitos países. A pobreza é que é um problema. Mas claro que, se as pessoas estão passando fome ou não satisfazem suas necessidades básicas, isso é coisa séria.

Algo interessante no Brasil é que estudos feitos nos anos 1960 mostraram que a desigualdade havia aumentado, o que motivou grande preocupação. Mas um jovem que foi meu aluno aqui na Universidade de Chicago, Ricardo Paes de Barros, mostrou que toda a distribuição de renda havia mudado, e que os brasileiros pobres estavam bem mais ricos do que 15 ou 20 anos antes.

​E isso hoje é verdade na China e em muitos outros países do mundo. Nesses casos, a desigualdade de fato aumentou, mas também aumentou o bem-estar da população.

Não existe problema em uns ganharem muito e outros, muito pouco? Por que deveria ser uma preocupação para mim se outra pessoa ganha muito mais do que eu? Falando tecnicamente, se tenho recursos, uma vida digna, o que isso importa? A questão se torna de inveja, que não é bom motivo para nada.

A renda da classe média está encolhendo em várias partes do mundo. Quais os perigos disso? As evidências são menos claras do que parecem. Existe, sem dúvida, uma transformação da força de trabalho, e ela envolve um agrupamento de habilidades que coloca muita gente em desvantagem, especialmente os mais velhos.

É um problema grave, mas eu diria que é um problema de transição. Porque outras carreiras estão surgindo, beneficiando outros grupos de pessoas, especialmente as mulheres, que são mais educadas do que os homens, na média.

Um dos maiores desafios desse processo, sobre o qual as pessoas não gostam muito de falar, é o da família.

Como assim? A estrutura da família tradicional tem se transformado tremendamente. Se a mulher é o arrimo de uma casa, algo cada vez mais frequente, ela em geral combina dois desafios muito difíceis: formação ruim e dificuldade extrema em criar os filhos, o que contribui para a pobreza.

Essa questão é tão sensível nos Estados Unidos que nem sequer é debatida. Os governos resistem a prover educação pré-escolar porque presumem que as crianças estão em famílias saudáveis, com dois adultos relativamente educados cuidando delas. A realidade, porém, é que a família mudou e precisa de apoio.

Por que alguns países atingem alto grau de desenvolvimento enquanto outros não? Acho que isso tem a ver com a política. O populismo, em qualquer lugar, tem sido uma maldição para o crescimento. Corrupção, falta de vontade política e políticas ineficientes frequentemente impediram que nações se desenvolvessem.

Isso é verdade para o Brasil também? O Brasil, sem dúvida, apresenta muita desigualdade, social e racial. Embora a educação esteja certamente se expandindo, ainda há muito a ser feito.

É um país engraçado aos olhos de um norte-americano porque, mesmo que haja casamentos interraciais, o grupo cultural dominante é extremamente distinto do resto da sociedade. Está na cara das pessoas. E as forças da sociedade têm ainda que encorajar uma maior integração racial.

James Heckman 
Desde que foi laureado com o Nobel de Economia em 2000, o economista James Heckman, 75, tem se dedicado a pesquisar tanto as origens de grandes problemas sociais e econômicos, como a desigualdade, quanto as estratégias para remediá-los.

Ele desenvolveu modelos teóricos sobre escolhas parentais, bem como modelos intergeracionais de influência familiar, para determinar as origens das diferenças entre as pessoas e quais intervenções são efetivas para remediar desvantagens.

Nascido em Chicago (EUA), formou-se em matemática e fez mestrado e doutorado em economia na Universidade Princeton. É professor do Departamento de Economia da Universidade de Chicago desde 1973, onde dirige o Centro de Economia do Desenvolvimento Humano.

A origem da desigualdade, o custo do capital e a manutenção do poder

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Carta Maior – 23/07/2019

Os teóricos economistas que serviram aos governos ao longo da história brasileira sempre se mantiveram afastados do verdadeiro processo econômico. A maior parte esteve próximo à gestão financeira, associada e orientada ao mercado. Para atender a sua demanda, não aprenderam a gerar riqueza, então focaram suas fórmulas no outro lado, diminuindo custos, cortando gastos, economizando riquezas.

A mudança que o Brasil precisa é através da geração e distribuição de suas riquezas. E, não existe crescimento, geração de riquezas, sem investimento. Esse investimento pode vir pela iniciativa privada da riqueza de pessoas ou pelo investimento público, advindo da riqueza de todos, por meio do Estado. Nesse caso, envolve, sobretudo, o entendimento e o exercício do conceito de nação.

É nesse momento que a velha elite econômica, detentora histórica do poder e da riqueza atua e sempre atuou. Ela é a mão que impulsiona os investimentos, mas que majoritariamente são feitos para atender seus próprios interesses, afastando a nação da riqueza e revertendo para ela própria o bônus do investimento. Além disso, ao emprestar esse recurso ao Estado ela se torna credora dele. Um credor que cobra juros e favores.

Com o aumento do endividamento interno, o Estado não consegue investir. Essa dívida vem contraída de juros e esse juros consome cada vez mais a capacidade das pessoas de entregar um pouco de suas riquezas para o bem comum, através do pagamento de impostos.

O Estado arrecada esse montante de impostos, mas endividado, passa a pagar somente juros para quem deve e perde sua capacidade de investir. O problema é que quem recebe esses juros é aquela mesma elite financeira, sobretudo os grandes bancos, que emprestaram o dinheiro ao governo. Para piorar, o dinheiro que recebem como pagamento de juros não vai para a geração de riqueza, mas sim para a compra de títulos de dívida pública, aumentando ainda mais seus ganhos e, crescendo o endividamento do Estado, criando um círculo vicioso, não virtuoso.

Isso posto, a elite econômica, utilizando do discurso dos economistas de mercado citado anteriormente, transfere ao Estado a responsabilidade que ela mesmo causou e escolhe os representantes políticos como marionetes para a articulação e atuação nas esferas legais do poder, afastando os interesses populares das decisões políticas.

O povo, desencantado com o Estado, vislumbra no discurso político do “bom gestor” associado a uma equipe de economistas igualmente reconhecida pela sua “competência”, a solução para os problemas econômicos do país.

Contudo, como já foi dito, o sistema econômico não é capaz, sozinho, de gerar riqueza. Ele precisa da nação e do apoio do Estado. Em um país com extrema desigualdade, esse processo facilita a concentração de riqueza (fundiário, financeiro, imobiliário etc) e, perpetua por gerações, o ônus da pobreza. Ela (a elite econômica) passa, então, a ser administradora dessa divisão social. Cria um muro e separa aqueles que são capazes de gerar riqueza através do trabalho, que é uma fonte geradora de riqueza, daqueles que detém os meios de produção.

Essa frágil divisão tem que ser mantida a todo custo, minando a capacidade desses trabalhadores derrubarem essa relação de dependência, impedindo que se reúnam em associações, dificultando greves e manifestações. No passado isso era facilmente controlado pela própria falta de consciência de classe dos trabalhadores e do desamparo legal em relação a eles.

Para conduzir a economia brasileira na atualidade, a elite econômica não precisa se utilizar desses subterfúgios e indisposições sociais. Basta apenas elevar os custos e impedir que essas pessoas atravessem o muro que as separa dos meios de produção.

Com os custos do dinheiro (juros) mais altos do que a riqueza que ela consegue gerar, a classe trabalhadora se torna dependente do sistema. Além disso, através do poder político e com o urgente discurso de que o Estado precisa reverter essa situação, o governo e os seus economistas convencem a população de que a solução se faz pelo “corte” de gastos. E assim, o governo vai promovendo o desmantelamento das conquistas e dos direitos populares e trabalhistas. São as tais das “reformas” e dos cortes.

Por essas razões, o trabalhador e o pequeno produtor têm dificuldade de empreender e ascender socialmente. A desigualdade se mantem como um projeto de poder e de riqueza nas mãos de poucos.

A república repete as velhas práticas oligárquicas.

Precisamos de um Estado democrático que valorize o trabalho e o pequeno produtor, como geradores de riqueza.

*Gabriel Davi Pierin é professor, historiador e escritor, autor de “Uma Estrela na Escuridão – A história do único brasileiro sobrevivente ao holocausto”.

 

A ressaca da Globalização, democracia e a desigualdade social

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O processo de globalização foi responsável por um grande conjunto de transformações na sociedade mundial nos últimos trinta anos, desde uma maior aproximação entre os agentes econômicos e produtivos, até um incremento no desenvolvimento científico e tecnológico e uma maior aproximação entre os indivíduos, com um aumento da imigração e uma maior integração entre as culturas, as línguas e os comportamentos, este processo alterou a vida de todas as regiões e transformou o cotidiano de grupos sociais e comunidades, gerando novos desafios, oportunidades e muitos medos.

Os defensores do processo de globalização defendiam a ideia de que a imersão no mundo globalizado seria a grande panacéia da sociedade global, os ganhos seriam generalizados, a pobreza e a fome estariam com os seus dias contados, o mundo estaria iniciando uma nova fase de integração, solidariedade e forte crescimento e desenvolvimento econômico.

Nestes anos a economia dos países se abriram para uma maior integração comercial, os fluxos financeiros cresceram de forma acelerada, as exportações e importações se tornaram fundamentais para que a nova produção global se efetivasse, os investimentos estrangeiros se avolumaram, os fluxos de imigração cresceram e as empresas multinacionais ganharam uma centralidade poucas vezes vistas na história da humanidade.

O pós segunda guerra mundial propiciou um momento fértil para o avanço do processo de globalização, como a grande parte das regiões foram destruídas pelo conflito, foi necessário a construção de consensos entre os países, para que a sociedade mundial fosse reconstruída e os países tivessem a oportunidade de se levantar, criando instrumentos para suas populações voltarem a ter melhores perspectivas, depois de décadas de mortes e conflitos que deixaram mais de 100 milhões de pessoas mortas e regiões inteiras destruídas, inclusive locais vitimados com bombas nucleares de alta destruição.

O grande líder deste período foi os Estados Unidos da América, país emergente em todas as áreas e setores, desde o industrial até o tecnológico e o cultural, além de possuírem a moeda que se tornaria reserva para a nova estrutura econômica internacional. Para agilizar a recuperação global e se consolidar como potência hegemônica, os Estados Unidos levaram sua moeda e suas empresas para as mais variadas regiões, obrigando os outros países a aceitarem suas empresas, seu modelo de produção baseado no fordismo e a aumentar o comércio, a integração financeira e produtiva.

O crescimento do comércio e a integração produtiva, somados ao aumento dos fluxos financeiros consolidaram os Estados Unidos como a grande economia do mundo, levando seu governo a adotar políticas liberais, desde que estas atendessem aos seus interesses econômicos e políticos, ou intervencionistas, desde que fossem positivas para civilização, com isso, garantiram grandes benefícios para sua economia e se consolidavam como a maior estrutura militar da sociedade global, líder em variados setores mas tendo no militar sua grande força bélica e, principalmente, tecnológica e científica.

O modelo difundido pelos Estados Unidos estava centrado, na democracia representativa e na economia de mercado, com separação de poderes e uma maior liberdade para seus agentes econômicos, estimulando o empreendedorismo, a concorrência e a inovação, bases para a construção de uma nova sociedade, mais dinâmica e menos dependente do estado.

Com a ascensão da China nos anos 1990, os Estados Unidos acabaram perdendo a centralidade deste modelo, mesmo tendo sido considerado o grande vencedor da chamada Guerra Fria, os norte-americanos perderam terreno com a ascensão asiática, primeiramente o Japão, a Coréia do Sul e, principalmente, com a chegada da China. Inicialmente, os norte-americanos viram a região oriental como um local para produção com mão de obra mais barata e, posteriormente, vendo-a como um forte competidor, um rival e até para muitos como inimigos, vide a guerra comercial deflagrada contra empresas chinesas.

A ascensão asiática, vista inicialmente como uma grande oportunidade de reduzir custos de produção, já que estes países são dotados de mão de obra abundante e com preços baixíssimos, se mostrou um grande fator de desequilíbrio para toda a economia internacional. Com uma economia mais integrada e interdependente, grandes conglomerados ocidentais passaram a transferir suas estruturas produtivas para os países asiáticos, gerando milhões de empregos e contribuindo para uma vigorosa transformação na estrutura dos países asiáticos.

Nestas regiões da Ásia, milhões de pessoas que viviam em condições de forte degradação, passaram a ser empregados em grandes empresas ocidentais, foram treinados e capacitados para participar dos processos produtivos, com isso, as regiões mais pobres passaram por um grande fluxo migratório para as regiões mais industrializadas, gerando novas ocupações e garantindo um maior crescimento econômico, com fortes impactos sociais e políticos.

Os trabalhadores orientais passaram a trabalhar no setor industrial, foram treinados e capacitados, ao mesmo tempo os governos investiram fortemente em qualificação e expandiram os recursos para a educação básica, transformando alguns países da região em grandes produtores de mão de obra qualificada e fortalecendo a perspectiva de que, num futuro muito próximo, a região se transformará em um grande polo de desenvolvimento tecnológico, gerando inovação, ciência e tecnologia.

Neste movimento os países asiáticos, principalmente, China, Coréia do Sul, Japão, Indonésia, Malásia, Singapura, dentre outros, foram os grandes ganhadores com o processo de globalização, sua participação no comércio internacional cresceu de forma acelerada, galgando novos espaços, atraindo investimentos e se utilizando de uma política pragmática que combina governos fortes e autoritários com uma economia de mercado, centrada na ampla concorrência e competição, é bom lembrar que esta competição só aconteceu quando os países estavam capacitados e suas empresas preparadas, antes disso, o Estado teve um papel central como grande construtor de instituições dinâmicas e eficientes.

O modelo chinês se caracteriza por traços de grande autoritarismo, os cidadãos são reprimidos e são obrigados a seguir as regras implementadas pelo Partido Comunista Chinês, PCC, que define as regras e estrutura todas as instituições. Este modelo ajudou a garantir um crescimento fantástico desde os anos 1980 e foi responsável por um recado negativo para o sistema democrático dos países ocidentais, isto porque deixou em aberto que os regimes autoritários podem garantir crescimento econômico e ganhos sociais consideráveis, ao contrário das democracias ocidentais.

Uma população que sempre viveu, em sua grande parte, na miséria, sob governos autoritários ou em condições de indignidade, moradores de comunidades rurais que sobreviviam em condições degradantes, muitos deles viviam como seus antepassados viveram durante muitos séculos, sem perspectivas e esperanças de melhorias e avanços nas condições de sobrevivência. Nesta situação, a chegada de investidores estrangeiros e um forte planejamento e intervencionismo do Estado, levaram estas populações a um espasmo de crescimento, com melhoras consideráveis na vida, mesmo ganhando pouco, mesmo assim, era algo muito melhor e mais consistente do que ganhavam anteriormente.

A chegada de empresas multinacionais em territórios asiáticos significou, para os países ocidentais a migração de suas empresas para a Ásia, afinal num mundo marcado pela concorrência crescente, os custos da mão de obra fazem a diferença na conquista ou na perda dos mercados. A migração de multinacionais dos países desenvolvidos para a Ásia, significou a perda de empregos e a redução do poder de compra da população dos países desenvolvidos, impactando diretamente sobre a classe média destes países, que viram seus empregos serem reduzidos e suas massas salariais em queda acentuada.

A globalização trouxe benefícios para os países asiáticos, os investimentos estrangeiros criaram bons empregos e alteraram de forma substancial a vida destes trabalhadores, que migraram do campo para as cidades, impulsionaram o crescimento econômico destes países e abriram espaço para novos mercados e setores produtivos dentro da sociedade, incorporando uma região inteira no sistema capitalista de produção.

No lado ocidental os impactos são variados, de um lado, o preço dos produtos que passaram a ser produzido nos países asiáticos se reduziram rapidamente, inundando o mercado mundial com mercadorias de baixo preço e bastante competitivas. De outro lado, os empregos migraram dos países ocidentais para as economias emergentes da Ásia, gerando uma leva de desempregados e subempregados, levando muitas regiões a um amplo processo de desindustrialização, com queda na arrecadação de impostos e graves desequilíbrios para as finanças dos governos estaduais e municipais. Um exemplo interessante deste esvaziamento das regiões, geradas pelo processo de desindustrialização, foi a cidade de Detroit, que sempre se caracterizou pela dependência do setor automobilístico, sua economia girava em torno destes produtos e das cadeias produtivas dos automóveis, com a migração destas empresas para os mercados da Ásia, a região entrou em uma situação falimentar, com graves desequilíbrios sociais, econômicos e políticos.

A fragilização desta classe média em países ocidentais levou uma parcela considerável de seus membros a flertarem com o populismo de direita, apoiando decisões protecionistas e xenofóbicas, além de uma grande hostilidade a imigração e uma ojeriza a órgãos e instituições multilaterais, com isto, estes grupos passaram a flertar com políticas autoritárias e eleger líderes com viés totalitária, fragilizando e colocando em xeque a democracia. As pessoas estão ansiosas em relação ao futuro, e como nos diz a Psicologia, quando ansiosas, olham para o mundo exterior em busca de culpados. Ao propor o fechamento das fronteiras, isso acalma a ansiedade das pessoas mas não resolve os problemas que as afligem.

A classe média passou a se afastar das classes ricas e a se aproximar dos grupos mais depauperados, esta aproximação gerou graves constrangimentos para a classe média e uma grande revolta com relação a sua degradação e perda de centralidade na sociedade contemporânea, alimentando partidos e movimentos de direita ou de ultra direita, que defendiam ideias e prometiam reverter a situação de empobrecimento da classe média, tão central no desenvolvimento das economias e fundamental para setores culturais e de direitos humanos, setores estes abandonados atualmente.

Como destacou Lucas Chancel, um dos coordenadores do Relatório de Desigualdade Global, as promessas da globalização fracassaram para muitos ao redor do mundo: “Onde quer que olhemos ao redor do mundo, na Europa, na América Latina, na América do Norte ou na Ásia, vemos a renda do 1% mais rico subindo brutalmente. São taxas acima de 100% ou de 200% para 1% do topo entre 1980 e hoje. Em alguns países a taxa ultrapassa os quatro dígitos”.

Neste novo modelo, os grupos mais poderosos dos países desenvolvidos e em desenvolvimento conseguiram construir um modelo com grandes benefícios para o capital em detrimento do trabalho, como controlam ou tem muitas influencias sobre os Estados nacionais, controlam estes órgãos e definem as políticas que lhes garantem ganhos consideráveis, com isto as Bolsas batem recordes de rentabilidade, agora, quando percebem movimentos perturbatórios, os capitais fogem rapidamente, esvaziam as Bolsas e geram perdas substanciais, com isso, mostram seu poder e sua capacidade de acumular ganhos consideráveis.

O grande problema do processo de Globalização é que nos últimos anos, os grandes comandantes deste processo, foram os donos do capital financeiro, estes senhores passaram a controlar os recursos disponíveis na sociedade global e transformaram este poder em rentabilidades maiores, garantindo retornos fáceis e astronômicos. Cabe a este grupo de poderosos o controle dos Bancos Centrais, dos Secretários do Tesouro, dos Ministros da Economia e das Finanças e das agências multilaterais, garantindo aos membros ganhos crescentes e aos dissidentes um empobrecimento e um afastamento da inovação e do conhecimento científico e tecnológico.

A classe média perdeu espaço neste modelo, principalmente das cidades menores que apresentam menos oportunidades e esperanças de angariar bons empregos, obrigando-as a migrarem para outras regiões ou cidades maiores, objetivando uma melhor colocação profissional, única forma de manter seus ganhos e vantagens como classe.

Com o crescimento da fome e da pobreza e um enfraquecimento da democracia, percebemos que o processo de globalização apresentou ganhos relativos, neste ambiente de instabilidades e constrangimentos aos perdedores, cabe aos Estados Nacionais uma centralidade maior, organizando as estruturas e garantindo serviços públicos de qualidade e com eficiência, com isso, aliviam os temores da classe média, pois se estes temores crescerem, os movimentos posteriores serão bastante negativos e preocupantes, com impactos generalizados sobre todas as comunidades, no final do século passado estas instabilidades culminaram em duas grandes guerras mundiais, esperemos que neste momento a civilidade e o respeito não abram espaço para a barbárie.

Sobre Santidades, Medianeiros, Missionários e homens comuns

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A humanidade sempre concedeu a algumas pessoas uma importância fundamental, deram-lhes títulos e responsabilidades adicionais, vendo nestes habilidades para conversar e se relacionar com forças superiores, eram homens e mulheres ungidos para missões especiais, dotados de sensibilidades e uma grande capacidade de conversação com entidades abstratas e imateriais, antigamente eram os feiticeiros, bruxos e pitonisas e, na atualidade, são conhecidos como pastores, missionários e médiuns, todos dotados de um elevado poder espiritual e grandes estruturas moral e carisma, sendo vistos como exemplos a serem seguidos por suas comunidades.

Estes indivíduos eram vistos como pessoas especiais, dotados de uma grande capacidade de comunicação, carisma e empatia, eram seres enviados pelas forças superiores para auxiliar os indivíduos nas duras lutas existentes no mundo material, ajudando-os a superar as dificuldades e angariar valores para seu amplo crescimento espiritual, todas as religiões e crenças traziam em suas fileiras pessoas com estes dons divinos.

Nos escaninhos da humanidade, estes indivíduos desempenhavam um papel central, se dotados de bons sentimentos auxiliavam as comunidades e seus cidadãos a uma reflexão mais íntima e a atitudes mais salutares, angariando informações e consolidando valores muitas vezes esquecidos, em um mundo marcado pelas brutalidades e por tendências de violentas e de agressividade. Agora, se fossem marcados por sentimentos menores e por uma ambição descontrolada, eram responsáveis por atitudes de dominação e controle, levando muitos indivíduos a se perpetuarem em situações degradantes e constrangedoras.

Com o passar do tempo, muitos líderes religiosos passaram por momentos de contestação e foram desmascarados pela sociedade, muitos deles se mostraram mais intimamente, como nos dizia Maquiavel, quer conhecer os homens, dê a eles poder. Muitos se misturaram com os prazeres do mundo e se deixaram levar pelas paixões mundanas e imediatistas, deixando de lado seus compromissos espirituais e se entregando aos gozos sexuais e aos supostos prazeres do álcool, tendo seus caminhos e jornadas alteradas e, em muitos casos, até interrompidas pelo plano espiritual para que seus equívocos não fossem maiores e suas dificuldades posteriores não lhes impusessem esforços descomunais.

No Espiritismo, muitas são as obras que retratam casos de degradação e abandono de ideais superiores em prol de prazeres materializados, dentre eles destacamos o livro Trilhas da Libertação, escrito pelo médium Divaldo Pereira Franco e ditado pelo espírito Manuel Philomeno de Miranda, uma obra central para que entendamos as paixões e os desejos que levam muitas pessoas a abandonar ideais construídos no mundo espiritual em busca de caminhos suspeitos e equivocados, cujos constrangimentos futuros são intensos e as dores posteriores marcam a trajetória do espírito.

Os médiuns devem ser vistos como seres humanos, dotados de valores e sentimentos como qualquer indivíduo, tendo como única diferença, uma maior sensibilidade e uma abertura maior com o mundo espiritual. Muitos deles passam a ser divinizados por uma sociedade doente e carente de cultos e personalidades, estes sensitivos sentem prazer nesta bajulação e, aos poucos, se afastam de ideais e de valores mais sólidos e consistentes, sentindo uma maior atração pelos prazeres da carne, que tem levado os indivíduos a uma vida marcada pela ilusão e pela insignificância moral, trazendo-lhes um grande vazio interior, levando muitos deles a patologias, ansiedades e depressão.

Os presentes e os mimos passam a ser constantes, os beneficiados pelos seus auxílios se sentem agradecidos e passam a presentear estes médiuns e passam a confundir seus chamados dons, concedendo-lhes títulos e vendo-os como seres especiais, ungidos por Deus e dotados de poderes que estes não possuem, tudo isto contribui para que estes médiuns passem a se sentir seres especiais, passem a acreditar que são possuidores de poderes e forças diferenciadas, neste momento passam a se afastar dos verdadeiros ideais de progresso espiritual e se entregam aos prazeres da bajulação e das tietagens, estampando capas de revistas e matérias em jornais e documentários televisivos.

As religiões nos trazem inúmeros exemplos de pessoas vistas como diferenciadas, dotados de poderes sobrenaturais, que se envolveram em episódios destrutivos e suas imagens foram destruídas, desde padres e bispos católicos pegos e denunciados em pedofilia, passando por pastores e lideres evangélicos que se comprazem com os prazeres do dinheiro público e se empanturram na política para defender seus interesses e de seus rebanhos, até médiuns espírita que se utilizam de um falso poder para enganar e degradar os valores e sentimentos de pessoas incautas e ignorantes, os exemplos são muitos e não se restringem a uma única religião ou grupo religioso.

Os prazeres do mundo espiritual são inúmeros e são estimulados por entidades que querem fragilizar o médium e boicotar seu trabalho, são inimigos espirituais do próprio médium ou da religião que estes professam, são irmãos que ora estão centrados em vingança e em ressentimentos, infelizmente se comprazem com a degradação e elegem como inimigos e fazem de tudo para destruí-los, impedindo que as luzes difundidas pelos conhecimentos religiosos reduzam seus poderes e angarie adeptos para suas fileiras religiosas.

Estes espíritos atuam fortemente sobre o médium, querem humilhá-lo e enfraquecer seus conhecimentos e desviar seu caminho, com isso, denigrem as religiões e levam o médium a humilhações, gerando constrangimentos variados e colocando a população da comunidade em rota de colisão com os adeptos da religião, neste ambiente de intolerância e de xenofobia, acabam gerando violências e atitudes equivocadas.

Em um livro recentemente publicado no Brasil No Armário do Vaticano, o escritor francês Frédéric Martel, destaca como a cúpula da Igreja Católica se degradou e passou a inviabilizar mudanças importantes, acumulando ilícitos de todas as naturezas, desde corrupção, passando por pedofilia, homossexualidade e variados desequilíbrios, gerando no movimento religioso graves constrangimentos morais e degradando os valores defendidos pelo Cristianismo e sempre divulgados em suas fileiras.

Quando analisamos estes fatos destacados no livro, percebemos que muitos grupos religiosos são caracterizados por discursos fortemente centrado na moral e nos bons valores e que, na intimidade cultivam atitudes e comportamentos diferentes, pregam valores que não possuem, exigem das pessoas e, principalmente, dos fiéis, comportamentos exemplares e atuam clandestinamente em movimentos de intolerância, defendendo uma limpeza espiritual incompatível com seus gestos e comportamentos.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra claramente que a renovação moral deve ser o primeiro passo para que os indivíduos cresçam e se consolidem espiritualmente, para isto, faz-se necessário uma atuação constante no bem, o cultivo do hábito saudável da oração, da renovação e da reflexão, seguindo sempre a máxima de que fora da caridade não há salvação.

            Todos que levantam bandeira do bem e do equilíbrio espiritual são alvos dos espíritos desequilibrados, estes últimos se associam para destruir os trabalhos no bem, se utilizam da escuridão para constranger os trabalhadores do bem, para atuar na matéria controlam todos aqueles irmãos desequilibrados, utilizando-os para denegrir, humilhar, maltratar e gerar falsas notícias, distribuindo calúnias e difamação, sempre visando atingir e fragilizar os trabalhadores do bem. De outro lado, todos que cogitam trabalhar para o bem, devem cultivar hábitos saudáveis e vigiar sempre, suas energias e pensamentos devem estar sempre calibrados com os ideais do Cristo, com isso, atraem bons espíritos para a construção de um trabalho digno e edificante, tendo a proteção e o amparo de todos que se esforçam para que o mal, o rancor e o ressentimentos sejam transformados em energias de luz e de equilíbrio e possam retornar para a humanidade em forma de amor, caridade e bons sentimentos.

A Doutrina Espírita nos mostra que, quando um médium começa a adotar uma postura equivocada, os bons espíritos que o acompanhavam até então, acabam deixando o medianeiro, antes disto usam todos os instrumentos possíveis para auxiliá-lo e dissuadi-lo de seguir para um outro caminho, tentam instruí-lo no sono físico e colocam pessoas em seu caminho para que este lhe traga informações confiáveis para evitar que o médium altere o caminho planejado anteriormente, muitos fazem este planejamento no mundo espiritual e são lembrados constantemente sobre o projeto antes de reencarnar.

Os espíritos que querem desviar o caminho do medianeiro, se utilizam de um instrumento que, constantemente, gera um êxito aparente e desviam o médium de seu caminho anterior, estimulam a vaidade e a ambição do indivíduo e colocam pessoas para o elogio fácil e para a bajulação constante, concedendo-lhe uma falsa sensação de poder e superioridade, que o leva facilmente, isto se não manter seus interesses, pensamentos e valores blindados, a escolhas equivocadas e quedas bastante violentas, gerando dores e constrangimentos variados.

Francisco Cândido Xavier foi um exemplo completo de médium integral, sua mediunidade abarcava vários tipos e modelos, para fugir da vaidade e da bajulação adotava princípios e valores edificantes, a oração era presente frequente em suas atividades cotidianas, a companhia de seu mentor espiritual, Emmanuel, lhe trazia, muitas vezes a realidade da vida, sua dureza e perseverança foram fundamentais para que o nosso Chico Xavier conseguisse obter êxito máximo em sua vivência material, sendo que seu mentor espiritual, no momento do encontro definiu de forma intensa três palavras e conceitos fundamentais para a consolidação de seu mandato mediúnico: disciplina, disciplina e disciplina.

A sociedade busca constantemente a santidade das pessoas em todos os momentos e épocas e, ao mesmo tempo, se refestela quando os supostos missionários caem e são vítimas de humilhações e constrangimentos, transformando-os em escárnios e portadores de verdadeiras doenças contagiosas, o que os tornam mais humanos e os fazem mais parecidos com o cidadão comum, marcados por equívocos e limitações.

Somos todos imperfeitos e inconsequentes, a perfeição não existe neste mundo de provas e expiações, se aqui estamos temos muito trabalho a fazer, a Doutrina dos Espíritos e as outras religiões podem ser vistas como um instrumento para que encontremos o caminho, nenhuma religião sozinha garante a evolução espiritual mas podem auxiliar, desde que nos utilizemos deste instrumento para refletir e nos transformarmos intimamente, a evolução é inexorável e inadiável, uns evoluem mais rapidamente enquanto outros estão ainda esperando a chegado de um todo poderoso para lhes mostrar o caminho e, quem sabe, caminhar ao lado deles nesta estrada.