Arauto do atraso, por Lauro Mattei

0

Lauro Mattei – A Terra é Redonda – 17/09/2024

As profecias enganosas do grupo Globo sobre a reforma trabalhista e o mercado de trabalho no Brasil

O jornal O Globo de 15 de setembro de 2024 em seu editorial profetizou: “Efeito da reforma trabalhista de 2017 é positivo”. Com base em um estudo da FGV Projetos e de autoria de Bruno Ottoni afirma-se que a lei atendeu demandas específicas e “permitiu o Brasil alcançar o maior número de empregos e atingir a menor taxa de desemprego desde 2012”. Além disso, destaca-se que o rendimento médio da população economicamente ativa subiu 4,8% no segundo trimestre de 2024 em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.

A expansão atual do emprego está sendo creditada ao fato de que a reforma trabalhista de 2017 “aumentou a confiança das empresas pela contratação de mão de obra com carteira assinada desestimulando a indústria de litígio trabalhista, uma vez que o número de processos trabalhistas aventureiros caiu”. Segundo o editorial, esse é o principal legado da reforma trabalhista.

Dentre outros’ benefícios, segundo o editorial, consta a introdução de novas modalidades contratuais: o trabalho em tempo parcial e o trabalho intermitente. No primeiro caso, menciona-se que apesar de ser prática comum entre diversas áreas profissionais, a lei permitiu que tal modalidade tivesse melhor enquadramento legal e rapidez nas contratações.

No segundo caso, informa-se que tal modalidade é mais afeita ao setor de serviços, especialmente nos ramos de bares, restaurantes e hotéis. Assim, informa-se que no período entre janeiro de 2020 e julho de 2024 de cada 10 contratações intermitentes, sete delas foram efetivadas nos ramos anteriormente mencionados.

O referido editorial é concluído com destaque para uma lição da reforma: “deve-se analisar propostas sem preconceitos e depois analisar resultados com base em evidências. A reforma trabalhista de Michel Temer é a prova de que no Brasil é possível haver mudança para melhor”.

Seguindo essa lição que o jornal O Globo quer nos ensinar, vamos apresentar outras evidências que percorrem caminhos opostos. Mas antes é importante destacar o aspecto mais relevante desse editorial: toda a argumentação foi construída com base em um estudo que não representa 6% do que é efetivamente o mercado de trabalho no Brasil. Ou seja, as novas modalidades de contratação (parcial e intermitente), não representam a dinâmica do mercado de trabalho atual, uma vez que este segue com sua lógica tradicional.

Para tanto, vamos apresentar diversas evidências empíricas relativas ao período integral da reforma trabalhista (2017-2024-2º semestre) para mostrar seus verdadeiros efeitos. Analisando o comportamento das pessoas de 14 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência por posição na ocupação e categorias do emprego principal no período integral (2017-2024) observamos que: (a) houve um crescimento maior dos empregados do setor privado sem carteira em relação aos mesmos, porém com carteira assinada. Em montantes, os sem carteiras passaram de 10.775 milhões (2º semestre de 2017 para 13.797 milhões no 2º semestre de 2024.

(b) Que o trabalho doméstico caiu expressivamente durante a pandemia e não atingiu mais a marca dos 5.928 milhões de postos de trabalho existentes em 2017, quando apenas 30% era formalizado; c) que no segundo semestre de 2024 apenas 25% dessa categoria tinha carteira assinada.

Estas informações – e diversas outras – revelam que os problemas do mercado de trabalho se expandiram após a tal da reforma, levando a um grau ainda maior da precarização das relações trabalhistas e, por consequência, das condições de vida da classe trabalhadora brasileira.

Outra evidência nesta direção diz respeito ao percentual de desocupação das pessoas de 14 anos ou mais de idade observado na semana de referência entre homens e mulheres no mesmo período (2017-2024). No caso dos homens, nota-se que esse percentual era de 49,3% em 2017, caindo para 45,8%, no segundo trimestre de 2024.

Já as mulheres partiram de um patamar de 50,7% no início da série para atingir 54,2% no 2º trimestre de 2024. Destaca-se que esse percentual se acentuou durante a pandemia e não se reduziu mais até o presente momento. Tais informações revelam a grande disparidade de gênero que ainda persiste no mercado de trabalho do país.

Esse indicador também permite analisar o comportamento da taxa de desocupação de gênero que prevalece no país. Em 2017 essa taxa era de 11,5% para os homens e de 15,2% para as mulheres, destacando-se que no auge da pandemia (2021) a taxa de desocupação das mulheres atingiu seu ápice (cerca de 18%), enquanto a dos homens foi praticamente idêntica àquela verificada em 2017. Nos dois últimos anos essas taxas caíram para 5,6% (homens) e 8,6% (mulheres).

Há, ainda, um conjunto de indicadores que poderiam ser mencionados como elementos relevantes que apontam no sentido oposto ao mencionado pelo editorial de O Globo. Por um lado, observou-se um aumento expressivo do número dos trabalhadores por conta própria no período considerado. Além disso, vemos que a informalidade do mercado de trabalho no Brasil continua elevada, ou seja, dos 39,7% registrados em 2017 chega-se aos 38,6% atuais.

Todas as informações anteriormente mencionadas fazem parte daquilo que estudiosos do mercado de trabalho classificam como “precarização”, assunto que a tal da reforma trabalhista praticamente em nada alterou, ao contrário, em alguns casos acabou incentivando e estimulando tal processo.

É inegável que a reforma de 2017 contribuiu para a precarização das relações de trabalho no país, ao mesmo tempo em que suprimiu direitos trabalhistas historicamente conquistados. Todavia, o que chama atenção é que somente no momento em que o mercado de trabalho está apresentando melhorias expressivas, busca-se creditá-las à reforma trabalhista.

Esses arautos do atraso se esquecem de mencionar que são as políticas de valorização dos salários e de estímulo ao emprego, concatenadas com as políticas macroeconômicas adotadas recentemente pelo governo atual, que estão impulsionando o crescimento econômico do país, ampliando as oportunidades de trabalho e melhorando o nível de renda de parcelas expressivas da população.

*Lauro Mattei é professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do programa de pós-graduação em Administração, ambos na UFSC.

 

A miséria da Economia, entre mitos e preguiça, por Jayathi Ghosh.

0

Em meio a uma crise civilizatória aguda, uma disciplina crucial para buscar saídas rende-se a velhas fórmulas, à consagração de “saberes” fossilizados, aos encantos do poder e à arrogância diante de novas teorias. Haverá meios de salvá-la?

Por Jayathi Ghosh | Tradução: Antonio Martins

OUTRAS PALAVRAS – 26/03/2024

A necessidade de mudança drástica na disciplina econômica nunca foi tão urgente. A humanidade enfrenta crises existenciais, com a saúde planetária e os desafios ambientais se tornando grandes preocupações. A economia global já estava mancando e frágil antes da pandemia. A recuperação subsequente expôs as desigualdades profundas e agravadas, não apenas em renda e riqueza, mas também no acesso às necessidades humanas básicas. As tensões sociopolíticas resultantes e conflitos geopolíticos estão criando sociedades que em breve podem ser disfuncionais a ponto de não serem mais vivíveis. Tudo isso requer estratégias econômicas transformadoras. No entanto, a corrente principal da disciplina persiste em fazer negócios, como de costume, como se mexer nas margens, com pequenas mudanças, pudesse ter algum impacto significativo.

Há um problema de longa data. Muito do que é apresentado como sabedoria econômica sobre como as economias funcionam e as implicações das políticas é, na melhor das hipóteses, enganoso e, na pior hipótese, simplesmente errado. Por décadas, um lobby poderoso dentro da disciplina vendeu meias-verdades e até falsidades em muitas questões críticas. Por exemplo, como os mercados financeiros funcionam e se eles podem ser “eficientes” sem regulamentação; as implicações macroeconômicas e distributivas das políticas fiscais; o impacto do mercado de trabalho e a desregulamentação salarial no emprego e no desemprego; como os padrões de comércio e investimento internacionais afetam os meios de subsistência e a possibilidade de diversificação econômica; como o investimento privado responde a incentivos políticos, incentivos e subsídios fiscais e déficits fiscais; como o investimento multinacional e as cadeias de valor globais afetam produtores e consumidores; os danos ecológicos decorrentes de padrões de produção e consumo; se os direitos de propriedade intelectual mais rígidos são realmente necessários para promover a invenção e a inovação; e assim por diante.

Por que isso acontece? O pecado original pode ser a exclusão do conceito de poder do discurso – o que efetivamente reforça as estruturas e desequilíbrios de poder existentes. As condições subjacentes são varridas ou encobertas. Entre elas, estão o maior poder de capital em comparação com os trabalhadores; a exploração insustentável da natureza; o tratamento diferencial dos trabalhadores por meio da segmentação do mercado de trabalho social; o abuso privado de poder de mercado e da busca de rendas; o uso do poder político para impulsionar os interesses econômicos privados no interior das nações e entre elas; e os impactos distributivos das políticas fiscais e monetárias. As preocupações profundas e contínuas com a insuficiência do PIB como uma medida de progresso são ignoradas. Mesmo com todas as suas muitas falhas conceituais e metodológicas, continua sendo usado como o indicador básico, apenas porque está lá.

Verdades inconvenientes

Existe uma tendência relacionada a subestimar o significado crucial das suposições na construção dos resultados analíticos e na apresentação desses resultados em discussões de políticas. A maioria dos economistas teóricos convencionais argumentará que se afastaram das suposições neoclássicas iniciais, como concorrência perfeita, retornos constantes à escala e emprego pleno, que não têm relação com o funcionamento econômico real em qualquer lugar. Mas essas suposições ainda persistem nos modelos que sustentam explícita ou implicitamente muitas prescrições de políticas (inclusive sobre políticas comerciais e industriais ou estratégias de “redução da pobreza”), particularmente para o mundo em desenvolvimento.

As estruturas de poder dentro da profissão reforçam o mainstream de diferentes maneiras, inclusive através da tirania das chamadas “publicações principais” e do emprego acadêmico e profissional. Tais pressões e incentivos desviam muitas das mentes mais brilhantes, que deixam de se dedicar a um estudo genuíno da economia (para tentar entender seu funcionamento e as implicações para as pessoas) e dedicam-se ao que só pode ser chamado de “atividades triviais”. Muitas publicações acadêmicas destacadas publicam contribuições esotéricas que agregam valor apenas flexibilizando uma pequena suposição em um modelo, ou usando um teste econométrico ligeiramente diferente. Os elementos que são mais difíceis de modelar, ou que podem gerar verdades inconvenientes, são simplesmente excluídos, mesmo que contribuam para uma melhor compreensão da realidade econômica. Restrições ou resultados fundamentais são apresentados como “externalidades”, e não como condições a serem abordadas. Economistas que conversam principalmente um com o outro, depois simplesmente proselitizam suas descobertas aos formuladores de políticas, raramente são forçados a questionar essa abordagem.

Como resultado as forças econômicas (que são necessariamente complexas – devido ao impacto de muitas variáveis diferentes – e refletem os efeitos da história, da sociedade e da política) não são estudadas à luz dessa complexidade. Em vez disso, são espremidas em modelos matematicamente tratáveis, mesmo que isso remova qualquer semelhança com a realidade econômica. Para ser justa, alguns economistas convencionais muito bem sucedidos criticaram essa tendência – mas com pouco efeito até agora nos guardiões da ortodoxia da profissão.

Hierarquia e discriminação

A aplicação de hierarquias estritas de poder dentro da disciplina suprimiu o surgimento e a disseminação de teorias, explicações e análises alternativas. Isso se combina com as outras formas de discriminação (por gênero, raça/etnia, localização) para excluir ou marginalizar perspectivas alternativas. O impacto da localização é enorme: a disciplina convencional é completamente dominada pelo Atlântico Norte – especificamente os EUA e a Europa – em termos de prestígio, influência e capacidade de determinar o conteúdo e a direção da disciplina. O enorme conhecimento, os insights e contribuições para a análise econômica feitos por economistas localizados nos países onde vive a maior parte da população do planeta são amplamente ignorados, devido à suposição implícita de que o conhecimento “real” se origina no Norte e é disseminado para fora.

A arrogância em relação a outras disciplinas é uma grande desvantagem, expressa, por exemplo, pela falta de um forte senso de história, que deve permear todas as análises sociais e econômicas atuais. Recentemente, tornou -se elegante para os economistas se envolverem em psicologia, com o surgimento da economia comportamental e “cutucadas” para induzir certos comportamentos. Mas isso também é frequentemente apresentado sem reconhecer contextos sociais e políticos variados. Por exemplo, os testes randomizados de visão focada [worm’s eye tests], que se tornaram tão populares na economia do desenvolvimento estão associados a uma mudança que abandonou o estudo de processos evolutivos e tendências macroeconômicas, para se concentrar nas tendências microeconômicas que efetivamente apagam os contextos que moldam o comportamento e as respostas econômicas. A base subjacente e profundamente problemática do individualismo metodológico persiste, principalmente porque poucos economistas contemporâneos ousam fazer uma avaliação filosófica de sua própria abordagem e trabalho.

Essas falhas empobreceram muito a economia e, sem surpresa, reduziram sua credibilidade e legitimidade entre o público em geral. A disciplina convencional precisa muito de maior humildade, um melhor senso de história e reconhecimento do poder desigual e incentivo ativo à diversidade. Claramente, muito precisa mudar para que a economia seja realmente relevante e útil o suficiente para enfrentar os principais desafios de nossos tempos.

 

Economistas que não se curvam aos dogmas, por Ladislau Dowbor

0

De Jayati Ghosh a Thomas Piketty. De Mariana Mazzucato a Wolfgang Streeck. Surgem, em todo o mundo, vozes dispostas a mudar os rumos da Economia e aproximá-la de ideias como a igualdade e a defesa do planeta. Vale conhecê-las

Ladislau Dowbor – OUTRAS PALAVRAS -16/09/2024

Acredite ou não, Adam Smith ainda está aqui. Não seus escritos sobre sentimentos morais, é claro, mas a história do padeiro: preocupando-se apenas com seu próprio lucro, ele fará muito pão, com qualidade e a um preço razoável, ou não venderá, e outra padaria abrirá na vizinhança. Assim, cada um trabalhando para maximizar seu próprio lucro, o resultado será o conforto econômico e social. Bem, isso certamente não funciona para as indústrias Nestlé, o megafundo BlackRock, a visa Visa ou os irmãos Koch. Com o alcance global, a conectividade, o dinheiro virtual, os paraísos fiscais e o marketing comportamental, estamos em outra era. Até mesmo a baguete francesa é amplamente recebida crua nas boulangeries de Paris, mas pré-fabricada em grandes quantidades nos arredores da cidade, pronta para o forno de micro-ondas local. Muitos restaurantes seguiram a tendência.

A livre concorrência de mercado deveria trazer ordem em um ambiente liberal, cada empresa tentando trazer melhores serviços. Nenhuma regulamentação pública, por favor, a mão invisível garantirá que o ambiente de livre-arbítrio funcione melhor. Preocupações éticas? “O negócio dos negócios é o negócio”, afirmou Milton Friedman, explicando no documentário The Corporation que uma empresa tem muros, não ética. Muros têm ética? Wall Street amava seu lema “ganância é bom”, “greed is good”. O problema não é Milton Friedman, a economia da justificação sempre esteve por aí, mas com que facilidade a mensagem permeou mentes, jornais, universidades e até igrejas, em nome da liberdade. Libertas… Liberdade no contexto da desigualdade é uma farsa. Experimente a livre concorrência no ambiente da Big Pharma ou com corporações de seguro saúde.

Embora muitas pessoas conscientes estejam convencidas da catástrofe em câmera lenta que estamos construindo neste planeta, muito poucas estão cientes do ritmo acelerado da transformação. Quantas pessoas terão de se afogar em enchentes ou fugir de incêndios até que uma grande maioria se convença de que a mudança é necessária e que é necessário gerar força política suficiente para promover a mudança estrutural? As gigantescas corporações em escala mundial, as plataformas de comunicação e as empresas de gestão de ativos, livres de responsabilidade moral e social e com o poder das novas tecnologias, estão nos levando pelo ralo. Proprietários ausentes, prioridades dos acionistas, dinheiro virtual e sistemas de regulamentação pré-históricos que remontam a Bretton Woods criaram um ambiente de vale-tudo, enquanto a nova geração de tecnologias deu às corporações poder em escala mundial.

Larry Fink, na BlackRock, administra 10 trilhões de dólares, o orçamento de Biden é de 6 trilhões. Isso não é apenas globalização, é uma bagunça global. A maximização dos dividendos dos acionistas é a regra, independentemente das consequências. E economistas tradicionais e severos discutem se a taxa básica de juros deve ser mantida ou aumentada em meio por cento. Isso visto na TV passa uma impressão de seriedade e de conhecimento técnico. Não se preocupe. Michael Hudson tem toda a razão ao chamar isso de economia lixo [junk economics].

Uma questão importante é que os interesses privados são muito eficientes para atingir suas metas delimitadas, enquanto os interesses sociais e ambientais gerais são difusos e, portanto, difíceis de defender. As empresas têm plena consciência disso, e todas elas afirmam sua adesão aos ESGs, mas os interesses pontuais são muito mais imediatos e poderosos, e elas se aproveitam disso. Enfrentamos isso, por exemplo, no Brasil, onde a grande maioria da população quer preservar a Amazônia, mas a gigantesca indústria da soja, do gado e da madeira, com seus interesses concentrados, simplesmente se infiltra. É um sistema que funciona, apesar do impacto devastador. Qualquer tentativa de regulamentação leva a gritos de liberdade ameaçada. Há uma ruptura profunda entre a forma como o sistema deveria funcionar e o que ele consegue alcançar. Basta dar uma olhada na estagnação das metas dos SDGs.

Embora os economistas tenham discutido por muito tempo em um ambiente técnico fechado, isso está mudando, entre outros motivos, porque à medida que os dramas se aprofundam, mais não-economistas querem entender as razões de nossa incapacidade de promover a mudança necessária. O enorme sucesso de Thomas Piketty com seu O Capital no século XXI baseia-se em sua poderosa demonstração de que o processo de acumulação de capital, o coração do sistema, mudou. A financeirização assumiu o controle, pagando cerca de 7% a 9% ao ano, enquanto a produção efetiva de bens e serviços, o PIB, cresce 2,5% no longo prazo. Quando as atividades financeiras, por meio de dividendos para proprietários ausentes e altas taxas de juros, ganham muito mais do que investir na produção, o capitalismo extrativista assume o controle. Nasce a financeirização. Nesse capitalismo, não é preciso gerar produtos e empregos para ficar rico. A população de bilionários está explodindo.

A Oxfam é outra fonte de economia realista, organizando e divulgando fatos básicos: “Desde 2020, os cinco homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas. Durante o mesmo período, quase cinco bilhões de pessoas em todo o mundo ficaram mais pobres. A miséria e a fome são uma realidade diária para muitas pessoas em todo o mundo. Nas taxas atuais, serão necessários 230 anos para acabar com a pobreza, mas poderemos ter nosso primeiro trilionário em 10 anos.” Mariana Mazzucato chama isso de capitalismo extrativista, pois é basicamente um dreno. Com O Estado Empreendedor, ela mostra que as políticas públicas são fundamentais se quisermos que a economia resgate sua função social. A Economia da Missão traz uma nova abordagem, construindo uma convergência de capacidade empresarial, coordenação pública e centros de pesquisa tecnológica em torno das principais questões sociais: desigualdade, meio ambiente, situações humanas críticas e afins. Não se trata de livre mercado, mas de construir o que precisamos: trata-se de uma sinergia construída de forma racional. Esperar pela mão invisível é, na melhor das hipóteses, ignorância infantil ou apenas raciocínio interessado.

A contribuição de Joseph Stiglitz tem sido fundamental para esses “novos ventos” na economia, denunciando o sistema atual como tal: “O experimento neoliberal – impostos mais baixos para os ricos, desregulamentação dos mercados de trabalho e de produtos, financeirização e globalização – foi um fracasso espetacular. O crescimento é menor do que o registrado no quarto de século após a Segunda Guerra Mundial, e a maior parte dele foi acumulada no topo da escala de renda. Após décadas de renda estagnada ou até mesmo em queda para os que estão abaixo deles, o neoliberalismo deve ser declarado morto e enterrado.” Ao comentar sobre o desastre da Covid-19, ele traz uma ideia óbvia, mas essencial: os líderes políticos dos países desenvolvidos devem reconhecer “que ninguém está seguro até que todos estejam seguros e que uma economia mundial saudável não é possível sem a recuperação de suas partes mais pobres”. Aqui também, e em especial em seu estudo Rewriting the Rules of the American Economy (2015), encontramos uma abordagem sistêmica e a necessidade de os economistas apresentarem diagnósticos e propostas eficazes.

Uma abordagem semelhante pode ser encontrada na contribuição de Felicia Wong, do Roosevelt Institute: “O ideal neoliberal – de que os mercados criariam liberdade econômica e política e que nossa economia e política deveriam, portanto, privilegiar a escolha privada individual e as empresas do setor privado voltadas para o lucro acima de tudo – dominou nosso pensamento nos EUA e em todo o mundo por décadas. No entanto, os resultados empíricos são claros: O neoliberalismo fracassou, dizimando o crescimento econômico e a estabilidade, promovendo a desigualdade racial e de gênero e esvaziando a própria democracia.”

Andrew Osvald e Nicholas Stern trazem os desafios da mudança climática para os economistas. Comentando sobre Por que os economistas estão decepcionando o mundo em relação às mudanças climáticas, eles consideram que “os investimentos das próximas duas décadas são decisivos para o planeta e para o futuro de nossos filhos e dos filhos deles. Esses investimentos serão estabelecidos por decisões tomadas nos próximos anos. A boa economia pode e deve desempenhar um papel fundamental na orientação da estrutura política que influenciará essas decisões. É por isso que é tão importante que nossa profissão acelere seu trabalho agora.”

Jayati Ghosh trouxe contribuições importantes e escreve sobre Como e por que a economia deve mudar (2024): “A economia precisa de mais humildade, um melhor senso de história e mais diversidade. A necessidade de mudanças drásticas na disciplina de economia nunca foi tão urgente. A humanidade enfrenta crises existenciais, com a saúde planetária e os desafios ambientais se tornando grandes preocupações. As tensões sociopolíticas e os conflitos geopolíticos resultantes estão criando sociedades que, em breve, poderão ser disfuncionais a ponto de se tornarem inviáveis. Tudo isso exige estratégias econômicas transformadoras. No entanto, a corrente dominante da disciplina persiste em fazer negócios como de costume, como se mexer nas margens com pequenas mudanças pudesse ter algum impacto significativo. Há um problema de longa data. Muito do que é apresentado como sabedoria econômica recebida sobre como as economias funcionam e as implicações das políticas é, na melhor das hipóteses, enganoso e, na pior, simplesmente errado.” 8

Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, em How to Tax Our Way Back to Justice, consideram que “não há nada inerente à tecnologia moderna ou à globalização que destrua nossa capacidade de instituir um sistema tributário altamente progressivo. A escolha é nossa. Podemos tolerar um setor em expansão que ajuda os ricos a se esquivarem dos impostos ou podemos optar por regulamentá-lo. Podemos deixar que as multinacionais escolham o que querem. Podemos deixar que as multinacionais escolham o país em que declaram seus lucros, ou podemos escolher por elas. Podemos tolerar a opacidade financeira e as inúmeras possibilidades de evasão fiscal que vêm com ela, ou podemos optar por medir, registrar e tributar a riqueza.” O livro deles, The Triumph of Injustice (Norton, 2019), é um poderoso apelo à ação.

Estou apresentando apenas alguns autores aqui, mas o fato é que uma nova geração está nos trazendo à realidade e apresentando os verdadeiros desafios. Trata-se de uma mudança global na economia, com muitas alternativas claras. Thomas Piketty apresenta um conjunto de medidas na linha do “socialismo participativo”, Joseph Stiglitz sugere “capitalismo progressivo”; Wolfgang Streeck, “capitalismo democrático”; Mariana Mazzucato, “economia de missão”; como vimos, Gerald Epstein sugere acabar com o Clube dos Banqueiros [Busting the Bankers Club], enquanto Robert Reich denuncia o “capitalismo corporativo”; Joel Kotkin, o “neofeudalismo”; Zygmunt Bauman, o “capitalismo parasitário”; Shoshana Zuboff, “capitalismo de vigilância”; Grzegorz Konat, “realny kapitalizm”; Raymond Baker, “nosso sistema quebrado”; Brett Christophers, “capitalismo rentista”; Marjorie Kelly, “supremacia da riqueza”; Nicholas Shaxson, “a maldição das finanças”. Bernie Sanders pergunta: “Para onde vamos a partir daqui?”; Noam Chomsky, “quem governa o mundo?”; o relatório da Oxfam em Davos-2024, intitulado Inequality-Inc, nos traz os números básicos chocantes.

Na verdade, ocorreram muitas mudanças estruturais, muitas nuvens sombrias estão se formando, para que possamos continuar como sempre, esperando que as coisas se resolvam sozinhas. Uma nova abordagem sistêmica está ganhando peso. Os economistas têm um papel importante a desempenhar, e é hora de nossas universidades atualizarem seus currículos. Ainda estamos ensinando o conto de fadas da mão invisível.

O que estamos enfrentando? De acordo com David Boyd, relator especial da ONU, estamos enfrentando “um sistema que é absolutamente baseado na exploração das pessoas e da natureza. E, a menos que mudemos esse sistema fundamental, estaremos apenas remexendo as cadeiras do convés do Titanic… Nos últimos seis anos, fiquei enlouquecido com o fato de os governos simplesmente não se darem conta da história. Sabemos que o setor de tabaco mentiu com todos os dentes durante décadas. O setor de chumbo fez o mesmo. O setor de amianto fez o mesmo. O setor de plásticos fez o mesmo. O setor de pesticidas também fez o mesmo… Não consigo fazer com que as pessoas pisquem os olhos. É como se houvesse algo errado com nossos cérebros, pois não conseguimos entender a gravidade da situação.” Precisaremos de muito mais do que economistas conscientes.

 

Brasil deve reinventar suas cidades para o clima do século 21, por Muggan e Lemos

0

Nova mentalidade exigirá reformulação radical no desenho, planejamento e gestão de núcleos urbanos

Robert Muggan, Cofundador do Instituto Igarapé e da Bioverse, especialista da SuperNature Labs, membro do Global Future Council on Cities do Fórum Econômico Mundial e autor do livro “Terra Incógnita” (Random House)

Davi Lemos, Sócio-diretor da Supernature Labs, membro fundador do Laboratório de Organizações Regenerativas (ReLab) e tradutor do livro “Sociedade da Escuta” (ed. Afluente)

Folha de São Paulo, 23/09/2024.

No próximo mês, um número histórico de brasileiros irá às urnas em 5.570 municípios. Mas, neste ano, diversos municípios já quebraram outros recordesbem diferentes. Em março de 2024, o Rio de Janeiro bateu o recorde de mais alta sensação térmica já registrada no Brasil, com escaldantes 62,3® C. Dois meses depois, as enchentes em Porto Alegre e em outras áreas do Rio Grande do Sul desalojaram 600 mil residentes urbanos, o maior desastre do tipo na história do Brasil. Neste mês, São Paulo registrou a pior qualidade do ar no mundo. As cidades, onde vivem 85% dos brasileiros, podem ser tanto a causa quanto a solução para o colapso ecológico.

Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental para a Mudança Climática, órgão ligado à ONU), as cidades são responsáveis por cerca de 70% das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) ao redor do mundo. Os principais culpados são o concreto de nossos edifícios, os sistemas de aquecimento e resfriamento e os meios de transporte. Grande parte do problema se dá por conta de urbanistas, arquitetos e incorporadoras imobiliárias continuarem a usar modelos ultrapassados de planejamento, construção e gestão das nossas cidades, que estão nos afastando da natureza e de uns dos outros. Um novo paradigma é essencial.

O momento de aceleração das mudanças climáticas coincide historicamente com o ápice da expansão urbana desenfreada. Estima-se que, apenas nos próximos 35 anos, as cidades cresçam, em termos de área ocupada, mais do que cresceram ao longo de todo o século 20. Esse processo de transformação de áreas naturais em áreas construídas tem sido responsável não só por enormes quantidades de emissão de GEEs, mas também pela perda significativa de biodiversidade ao redor do planeta.

Nas últimas décadas, as cidades enfrentam um cenário sério de fragilidade, com o aumento das ilhas de calor, a escassez de água, o agravamento das desigualdades e a deterioração da saúde mental. A verdade inconveniente dos dias de hoje parece ser que nossas cidades não foram construídas e não estão preparadas para o clima do século 21. A Confederação Nacional dos Municípios relatou que apenas 1 em cada 5 dos 5.570 municípios do país está preparado para enfrentar as mudanças climáticas.

Algumas cidades estão tomando medidas, mesmo que graduais. Fortaleza, por exemplo, está investindo na transformação verde de áreas públicas visando a redução da poluição urbana e o risco de enchentes. Já Curitiba está investindo em um parque planejado que terá capacidade de estocar 43 bilhões de litros de água para períodos de seca. E, em nível nacional, o Ministério das Cidades começou a acelerar o planejamento de mitigação e adaptação, mas ainda há muito a ser feito.

Há um consenso crescente de que são necessárias não apenas novas políticas climáticas, mas também uma reformulação radical no desenho, planejamento e gestão das cidades. Esse é o objetivo do biourbanismo, movimento nascente que visa mobilizar atores públicos e privados na implementação de pilotos de urbanismo ecológico e regenerativo em cidades brasileiras a partir de 2025. No coração dessas novas abordagens ecológicas ao urbanismo está a aplicação das formas e processos da natureza ao design urbano e aos métodos e materiais construtivos. Entende-se que na intersecção da biomimética com o planejamento e construção de bairros e infraestrutura verde esteja uma grande oportunidade de impulsionar a descarbonização e preparar os nossos núcleos urbanos para as mudanças climáticas.

As cidades bem-sucedidas de amanhã não serão apenas lugares para viver, mas também ecossistemas vivos e que respiram. Não serão geradores de GEEs, mas sim sumidouros urbanos de carbono e centros de inovação e experimentação. Isso requer uma mudança de mentalidade entre os governos municipais, investidores e construtores privados e residentes urbanos. Requer a construção de visões inclusivas, estratégias participativas, métricas alcançáveis e vitórias tangíveis para impulsionar a adoção. Exige uma abordagem de risco, financiamento inovador de fontes públicas e privadas e uma vontade de experimentar e testar novas soluções.

Fogo na mata é pedra cantada, por Manuel Domingos Neto

0

Manuel Domingos Neto,

A Terra é Redonda, 19/09/2024

O Brasil precisa de um tipo de desenvolvimento que sepulte a mentalidade colonial prevalecente, inclusive em importantes parcelas da esquerda

Três ramos industriais muito rentáveis estiveram na aurora da modernidade: o metalúrgico, o naval e o açucareiro. Rivalizavam em sofisticação tecnológica e importância estratégica. A indústria açucareira nasceu globalizada e o teor energético do açúcar mudaria a condição alimentar da humanidade.

Para produzir açúcar além-mar o colonizador assassinou nativos, trouxe escravizados da África e tocou fogo na mata.

O engenho precisava de gado vacum como fonte proteica, força de tração e meio de transporte. O couro servia para mil aplicações. A cultura do tabaco e a extração do ouro também precisaram do boi.

Os sertões foram tomados pelos rebanhos. O colonizador dizimou povos originários e tocou fogo em bioma especialíssimo, favorável à reprodução humana. Na caatinga, o fogo era aceso antes das chuvas para o rápido florescimento de ramagem que engordasse o boi.

Centenas de espécies que ajudavam a nutrir a população sumiram para sempre. A drenagem natural das chuvas foi destroçada. Antigos bebedouros e nascentes desapareceram. No Ceará, já no final do século XVIII, o colonizador criara o maior rico seco do mundo, o Jaguaribe.

Na Europa, a indústria têxtil avançara no século XIX. Mais fogo na mata para produzir algodão.
Os ricos e civilizados aprenderam a beber café e, para produzi-lo, os colonizados continuaram tocando fogo na mata.

No Brasil, as cidades cresciam e demandavam proteína animal. Para a criação de bovinos, seja extensiva (em terras abertas) ou em espaços demarcados, tocava-se fogo na mata.

A reprodução dos rebanhos passou a depender de chapadas montanhosas e, sobretudo, do Vale do Parnaíba. Todos cantavam “o meu boi morreu, o que será de mim, vou mandar buscar outro, maninha, lá do Piauí”. Essa foi a primeira canção entoada de norte a sul do Brasil.

A agressão aos biomas mostraria suas consequências em 1877, quando eclodiu a maior crise humanitária da história do Brasil: meio milhão de pessoas morreram de fome, sede e peste. A população brasileira girava em torno de dez milhões.

Não fosse o refrigério do Vale do Parnaíba, onde havia água, peixe, carne, mel e frutas nativas, a mortandade seria maior. Meio século se passara desde que dois cientistas austríacos descreveram o Piauí como a Suíça brasileira.

Os países industrializados precisaram de cera de carnaúba, óleos vegetais e borracha natural. A exploração avançou nos biomas do Meio Norte e na Amazônia. As divisas resultantes beneficiariam a industrialização concentrada no Sudeste, observou Celso Furtado.

A Ditadura Militar empenhou-se em garantir a venda das riquezas naturais. Abriu estradas na floresta e ofertou grandes glebas ao estrangeiro.

Os governos democráticos persistiram com igual orientação, agora entregando a mata aos monocultores e mineradores. As velhas práticas de dizimação dos povos originários persistiram. Além de fogo, o mato foi atingido por produtos químicos.

A defesa ambiental entrou em pauta há décadas sem que houvesse revisão do modelo agrícola basicamente definido na colonização. O Estado apoiou os agroexportadores.

Essa de “celeiro do mundo” é roubada. O lucro não fica aqui. Vai para o estrangeiro que controla as finanças e o comércio internacional. Beneficia quem produz máquinas e insumos agrícolas.

A agricultura moderna não gera empregos no campo: gera demandas à indústria. No caso brasileiro, não beneficia nem o campo nem a cidade.

Monocultura para exportação é desgraça. Incendeia a mata, empobrece o ambiente e prepara calamidades. Enriquece poucos e deixa o povo sem arrimo. O Piauí, que forneceu proteína para boa parte dos brasileiros, hoje bebe leite de São Paulo.

Desastre ambiental não é emergência, é rotina histórica, velha como a colonização; é traço permanente da economia agrícola prioritariamente voltada para a demanda externa.

Há quem diga que os incêndios de hoje são criminosos, provocados para atingir Lula. Assim, encobre-se perversidade secular. Que os bandidos sejam presos, mas não vale esquecer que o crime maior é o tipo de agricultura incentivado pelo Estado.

Não há plano de combate ao fogo que dê jeito. Nem programa de defesa ambiental que atenue a perda da biodiversidade ou programa assistencial que tire da penúria milhões de famintos de hoje e de amanhã.

O que precisamos é de uma agricultura que produza comida farta, barata, diversificada, saudável e que não nos jogue fumaça nos olhos.

Onde se viu governo progressista bater palmas para o MATOPIBA?

O Brasil precisa de um tipo de desenvolvimento que sepulte a mentalidade colonial prevalecente, inclusive em importantes parcelas da esquerda.

*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Autor, entre outros livros de O que fazer com o militar — Anotações para uma nova Defesa Nacional (Gabinete de Leitura)

Sequestrados por Keynes, por Samuel Pessoa

0

Superar o subdesenvolvimento depende de educação e de aumentar a produtividade

Samuel Pessoa, Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

Folha de São Paulo, 22/09/2024

Uma das maiores tragédias sociais do século 20 foi a Grande Depressão. Entre 1932 e 1938, a taxa de desemprego nos EUA situou-se acima de 16%, atingindo 21% no pico.

Keynes mostrou que era relativamente simples resolver o problema. Era necessário que os economistas abrissem mão da ideia de que o sistema se corrigia automaticamente. A política fiscal expansionista, esta sim, corrigia o problema. Sem custos, a expansão fiscal colocava a economia para rodar, e o desperdício de recursos e toda a tragédia social podiam ser facilmente superados.

No pós-Guerra, com todo o sucesso da reconstrução da Europa, ficou a impressão de que a superação do subdesenvolvimento poderia ser alcançada da mesma forma que a do desemprego foi atingida.

Toda uma área da economia —chamada de alta teoria do desenvolvimento— tentava encontrar uma falha de mercado e uma ação do setor público que poderia abrir o caminho para a superação do subdesenvolvimento.

A ideia era que o subdesenvolvimento, com o desemprego escondido ou subemprego, representava um desperdício equivalente ao da Grande Depressão e que uma ação do Estado, com alguma política macroeconômica em geral relativamente simples, poderia resolver a falha de mercado.

Todos quiseram ser o Keynes do subdesenvolvimento. Nomes com Paul Rosenstein-Rodan, Ragnar Nurske, Arthur Lewis e, por aqui, Celso Furtado, entre outros, se candidataram. Hoje, o novo-desenvolvimentismo do professor Bresser-Pereira é o filho mais recente desse programa de pesquisa.

Como escreveu Paul Krugman em seu prefácio da edição do aniversário de 60 anos da Teoria Geral, talvez Keynes tenha se deparado com o único problema complexo em ciência social que tinha uma solução relativamente simples. Bastava trocar o motor de arranque que o carro da economia voltava a andar.

Desde os anos 1980, o consenso na teoria do desenvolvimento entre os pesquisadores é que a superação do subdesenvolvimento é um problema de natureza qualitativa muito distinto da redução
da amplitude do ciclo econômico.

A superação do subdesenvolvimento depende da construção de um sistema público de educação fundamental universal de qualidade. Os países latino-americanos, apesar do aumento do orçamento, não têm conseguido avançar.

Adicionalmente, a superação do subdesenvolvimento depende da construção de um marco legal institucional que estimule a eficiente alocação da capacidade produtiva do país.

Em ambos os casos, educação e instituições, temos diagnósticos simples de execução muito difícil.

Em vez da grandiloquência macroeconômica, estamos no campo sem charme das inúmeras reformas microeconômicas que, aos pouquinhos, se conseguirmos fazer tudo certo por muito tempo, produzirão o crescimento da produtividade do trabalho por aqui.

Há espaço para o setor público na oferta de bens públicos, principalmente infraestrutura física e humana, mais esta do que aquela, e no estímulo à absorção de novas tecnologias. Novamente, nada muito charmoso.

Não temos avançado muito nas últimas décadas.

Equilíbrio

0

Neste momento da economia internacional, as nações precisam construir estratégias consistentes para a sobrevivência neste cenário de instabilidades constantes, de incertezas crescentes, de rupturas e transformações tecnológicas, de exclusões e desigualdades sociais em ascensão, de guerras fratricidas e de novas crises financeiras, com impactos impossíveis de mensuração para a comunidade mundial.

Neste cenário, percebemos o incremento das animosidades entre as nações, uma verdadeira busca pela liderança e um conflito entre os países que lutam pela hegemonia internacional. De um lado, encontramos a sociedade norte-americana, que liderou a economia mundial desde o final da segunda guerra mundial, impondo instituições multilaterais, exigindo a oficialização de sua moeda, o dólar, como o padrão monetário global, espalhando empresas em todas as regiões do mundo, difundindo seu modelo econômico e produtivo, influenciando os governos aliados e pressionando nações com posicionamentos diferentes. De outro lado, encontramos uma nação que vem ganhando espaço na economia internacional, a China, que apresenta números astronômicos da comparação mundial, uma nação que nos anos 1980 era constituída por camponeses pobres e miseráveis e se tornou uma das maiores economias internacionais, detentora do maior setor industrial da contemporaneidade, responsável por grande desenvolvimento tecnológico, com fortes investimentos em energias alternativas, em inteligência artificial e grande potencial de liderar a sociedade mundial nas próximas décadas.

Diante deste cenário que se abre para a sociedade mundial, encontramos modelos econômicos e produtivos que se enfrentam para a busca da liderança da economia global, trazendo culturas e comportamentos diferentes, trajetórias variadas e visões de vida e formas de organização social diferenciadas, uma nação mais centrada no imediatismo, na concorrência crescente, no individualismo, na busca crescente dos ganhos materiais e, do outro lado, encontramos uma nação milenar, dona de uma história rica de mais de cinco mil anos, com valores atrelados a coletividade, nos valores intangíveis e na busca crescente pela consciência humana.

Neste cenário de confrontos geopolíticos em curso na sociedade mundial, as nações se encontram num momento de escolhas estratégicas, alguns países se atrelam a um dos lados do conflito em detrimento de outro, buscando seus interesses imediatos e os ganhos materiais, garantindo para a sua população recursos monetários e proteção para angariar espaços de crescimento econômico e melhorias sociais para seus concidadãos, almejando o tão sonhado desenvolvimento.

Nações como o Brasil se encontram em uma grande encruzilhada histórica, demandando escolhas estratégicas, além de decisões políticas e geopolíticas imprescindíveis, sendo cortejadas pelas nações que buscam a hegemonia internacional, com promessas interessantes e novas oportunidades de negócio, além de garantir novos investimentos produtivos e novos modelos de organização social. Neste momento, fazem-se necessário, maior maturidade e serenidade e a compreensão do que queremos ser nos próximos anos, algo que nos falta e dificulta nossa compreensão do cenário mundial e nos leva a entregar de graça nossas riquezas minerais e agrícolas, alegrando os donos de poder global e, ao mesmo tempo, perpetuando nosso subdesenvolvimento. Estamos num momento imprescindível para o futuro da sociedade brasileira, as escolham devem definir os rumos do Brasil contemporâneo.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Comportamental, Mestre e Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

‘Trabalho ganancioso’ para os homens é o culpado por salários mais baixos das mulheres, diz economista

0

Claudia Goldin, Nobel de Economia de 2023, afirma que casais podem ter divisão mais igualitária de carreiras, mas o preço é uma renda menor para a família

Folha de São Paulo

Patrícia Campos Mello As mulheres conquistaram o direito ao voto, a pílula anticoncepcional, leis que condenam discriminação por gênero e já são maioria entre pós-graduados em várias áreas. Mesmo assim, continuam ganhando menos que os homens.

Para a professora de Harvard Claudia Goldin, vencedora do Prêmio Nobel de Economia em 2023, a grande culpada é a divisão desigual das carreiras entre os casais. Mulheres avançam na mesma velocidade que os homens até terem filhos. Aí, alguém precisa ter o emprego mais flexível, que permite buscar o filho doente na creche no meio da tarde e estar de prontidão para a criança.

Esse alguém, por tradição ou normas sociais, costuma ser a mulher. Já o homem mantém seu “emprego ganancioso” —trabalha mais horas, está sempre disponível, ascende na carreira e ganha muito mais.

Goldin adverte que não tem por que as mulheres serem sempre as que abrem mão de suas carreiras. “As mulheres são mais necessárias nos primeiros meses de vida de um bebê. Mas os homens poderiam muito bem assumir [a maior parte das tarefas] depois disso”, diz Goldin, que acaba de lançar no Brasil o livro “Carreira e Família”, em que analisa como gerações de mulheres derrubaram
barreiras para conciliar família e carreira e os obstáculos que permanecem. “Todos os casais têm que se sentar e conversar: podemos ter um relacionamento 50-50 [os dois com empregos mais flexíveis e ganhando menos]? Quanto isso vai nos custar?”

Em seu livro, a senhora documenta como gerações de mulheres conquistaram melhores condições no mercado de trabalho e se tornou possível conciliar uma carreira com uma família e filhos, quando optaram por ter filhos. Mas mesmo havendo avanços significativos, ainda existe uma grande diferença salarial entre homens e mulheres. A senhora pode explicar por que e falar sobre seu conceito de ‘trabalho ganancioso’?

Houve muitas mudanças importantes e muito positivas para as mulheres. E, hoje, as mulheres não são apenas iguais aos homens em termos de graduação universitária nos EUA, mas superam os homens em formação avançada em diversos campos. Então por que ainda existe essa grande diferença? Limitando nossa exploração às mulheres com ensino superior, vemos que as mulheres avançam na mesma velocidade que os homens na carreira, mas dão um passo para trás depois de terem filhos.

Meu exemplo favorito: Você tem um homem e uma mulher se formando na mesma instituição, com a mesma formação e especialização avançada, trabalhando com o mesmo nível de motivação, ambição e inteligência. Os dois trabalham em escritórios de advocacia de alto nível. Depois de um tempo, este homem e esta mulher têm um filho ou dois. Eles percebem que não podem terceirizar todo o cuidado, então um deles dá um passo para trás e assume o emprego no escritório de advocacia menor e o outro fica no trabalho ganancioso.

O trabalho ganancioso é aquele em que quanto mais horas você trabalha, quanto mais disponível está, maior é o pagamento implícito por hora. Esse casal poderia arrumar empregos equivalentes (os dois mais flexíveis), que permitem que ambos tenham mais tempo em casa. Isso seria bom para ambos, porque muitos homens que não conseguem ver seus filhos darem o primeiro passo, jogarem futebol, se arrependem mais tarde.

Então, a questão é: quanto isso vai custar a eles? Eles poderiam assumir ambos os empregos mais flexíveis, poderiam trabalhar no agradável escritório de advocacia na rua de casa e não ir para Nova York, mas isso significa que o rendimento do casal vai sofrer um grande impacto, então depende de quanto estão dispostos a pagar. A grande questão, no final, é: ok, se tudo avançou tanto, por que ainda não está equilibrado? Os culpados não são apenas os indivíduos, mas o mercado de trabalho e a interação. A chance deveria ser a mesma: em 50% das famílias, a mulher assume o emprego ganancioso, e nos outros 50%, o homem. Mas, na verdade, há muito poucos casos em que isso acontece. Geralmente, o homem assume o emprego ganancioso. Precisamos considerar também as tradições e as normas sociais que fazem com que essa seja a maneira usual de agir.

Algumas pesquisas mostram que, mesmo quando os pais dizem para a escola ligar para o pai, eles ligam para a mãe. Está arraigado.

Portanto, o casal (hétero ou gay) que optar por ter um casamento mais igualitário terá os dois parceiros assumindo empregos mais flexíveis que pagam menos. Mas o que poderia mudar institucionalmente, para que não haja essa diferença tão forte entre os empregos flexíveis e os
gananciosos?

Por que existem empregos gananciosos? Porque não há substituição suficiente no local de trabalho. Empregos gananciosos são frequentemente voltados para o cliente. O cliente diz: ‘eu quero a Patrícia’. A empresa deveria dizer: ‘treinamos um grupo, uma equipe, para atender’. Sim, ninguém quer ser uma commodity. Mas não estamos falando sobre commodities, trata-se de ter um ou dois substitutos, isso não faz do funcionário uma mercadoria totalmente substituível.

Entre as ocupações em que isso ocorreu estão a anestesiologia, pediatria e farmácia. Todas são ocupações muito bem remuneradas e ainda assim, em cada uma delas, encontraram uma maneira de transformar indivíduos em equipes. Na anestesiologia, por exemplo. Se fosse preciso coordenar sempre a sala de cirurgia com a agenda do cirurgião e do anestesista, você não faria nenhuma cirurgia. Então hospitais ou cirurgiões contratam um grupo de anestesiologistas, que se revezam.

Até mesmo para mim, como professora. Eu dou um curso. Se alguém tivesse que me substituir, não daria da mesma forma. É o caso em que não é um substituto perfeito, mas, oras, espero que haja alguém que possa dar meu curso até melhor do que eu.

Como os homens poderiam contribuir para haver maior equilíbrio profissional nos casais?

Os homens podem ajudar de 1 bilhão de maneiras. É cara ou coroa: as mulheres são mais necessárias nos primeiros meses de vida de um bebê. Mas os homens poderiam muito bem assumir [a maior parte das tarefas] depois disso. Bebês não dizem apenas “mamãe”, eles dizem “papai”. Todos os casais têm que se sentar e conversar: podemos ter um relacionamento 50-50 [os dois com empregos mais flexíveis e ganhando menos]? Quanto isso vai nos custar? Ao mesmo tempo, as pessoas deveriam ir em massa até seus empregadores e dizer: queremos ter famílias e queremos ser bons funcionários. Vamos conversar sobre como podemos fazer isso?

Durante a pandemia, o home office tornou-se muito mais comum para faixas de renda mais altas. A senhora menciona em seu livro que o trabalho remoto é muito importante para as mulheres. Mas agora muitas empresas estão exigindo que os funcionários voltem ao escritório.

Bem, não muitas pessoas estão voltando. De acordo com algumas pesquisas, eram 5% em trabalho remoto antes da pandemia e agora são entre 25% e 30%. E faz diferença para as mulheres, porque permite conciliar seu dia com o tempo em família, é como estar da prontidão em casa, mas estar trabalhando efetivamente. Isso tem enormes implicações. Dados mostram que, nos EUA, a participação feminina na força de trabalho estava estagnada desde cerca de 1995 até a pandemia.

Depois, começou a aumentar. O aumento é maior para mulheres com filhos menores de cinco anos que têm educação universitária. Aquelas com menor nível de escolaridade terão menos possibilidades de trabalhar em casa. Agora, os dados apontam que isso também está acontecendo com os homens.

Então, acho que o próximo passo em uma pesquisa é descobrir quais são as circunstâncias para os homens que estão trabalhando em casa. Tenho amigos homens que têm filhos pequenos e trabalham em casa. Para eles, é um divisor de águas.

O título de um artigo que a senhora publicou no ano passado é “Por que as mulheres venceram”. As mulheres realmente venceram?

Sim, com certeza. Isso não significa que não haja alguns retrocessos ocasionalmente, mas elas fizeram conquistas enormes, desde o direito ao voto, até os direitos no local de trabalho, na família. Mas algo em que ainda estou trabalhando é o grau em que as mulheres conquistam direitos na rua, bastante importante na Índia, Paquistão, e também em partes da América Latina. Se as mulheres não têm direitos na rua, nos bondes, nos metrôs, nos ônibus, nas lojas, se elas não têm direitos sobre seu próprio corpo, direitos de não serem provocadas, assediadas, elas não podem
ser cidadãs eficazes e produtivas.

Depois de os filhos já estarem crescidos, muitas vezes as mulheres têm que cuidar dos pais idosos. Depois de terem essa pausa inicial em suas carreiras após terem filhos, como essa segunda pausa impacta suas carreiras?

Após as crianças estarem crescidas, as horas de trabalho das mães aumentam no início. Mas elas nunca conseguem alcançar os homens, provavelmente por causa dessa segunda onda de cuidados que chega quando elas têm 40 a 50 anos. Não sabemos exatamente por que isso está acontecendo. Mas vemos que as mulheres simplesmente nunca conseguem alcançar os homens, independentemente de terem filhos ou não. Então, parece que uma parte extremamente importante disso é o cuidado com os outros. Eu fui muito sortuda porque meus pais, quando eles tiveram problemas, cuidaram de si, e depois morreram também sem precisar de nenhuma assistência. Mas isso não é comum.

Raio-X
Claudia Goldin, 78, é professora de Economia na Universidade de Harvard. Ela se formou em Economia na Universidade Cornell e fez seu doutorado no mesmo campo na Universidade de Chicago. Goldin recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2023 “por contribuir para nosso entendimento sobre o mercado de trabalho feminino”.

Crise climática: Mundo pode não ter mais volta e isso me apavora, por Carlos Nobre

0

A Terra só viu algo parecido no último período do interglacial, 120 mil anos atrás

Carlos Nobre, Climatologista, é pesquisador sênior pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia; foi eleito em maio de 2022 como membro estrangeiro da Royal Society

Folha de São Paulo, 15/09/2024

A ciência climática do mundo inteiro não previa uma aceleração tão intensa das mudanças climáticas como temos visto recentemente. No começo de 2023, os cientistas previram um El Niño de grande intensidade, com temperaturas chegando a 1,3°C acima dos níveis pré-industriais. Mas ninguém esperava que as temperaturas globais fossem explodir e ficar 1,5°C mais quentes.

Com exceção de julho de 2024, estamos desde junho de 2023 vivendo temperaturas acima de 1,5°C. O último mês de agosto foi o mais quente já registrado. A Terra só viu algo parecido no último período do interglacial, 120 mil anos atrás.

A consequência desses 14 meses de temperatura alta, incluindo os recordes de temperatura dos oceanos, é o aumento dos eventos climáticos extremos. Mas eles não cresceram devagarzinho ou de uma forma linear. Eles cresceram exponencialmente, como a ciência previu. E é isso que está acontecendo no Brasil e no mundo inteiro, com ondas de calor, seca, chuvas intensas e incêndios florestais.

O Acordo de Paris e as COPs estabeleceram metas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa de 28% a 42% até 2030, o que já é um enorme desafio. Mas as emissões continuam aumentando. Tudo isso foi definido para não passarmos de 1,5°C em 2050. Mas se no ano que vem continuarmos com temperaturas 1,5°C acima do período pré-industrial, serão três anos com temperaturas acima da meta do Acordo de Paris. Pode ser tarde demais e isso me apavora.

Estou apavorado porque, com 2,5°C, nós vamos criar uma mudança climática nunca vista. Com 2,5°C, os eventos extremos vão aumentar muito exponencialmente e o mais preocupante é que atingiremos os chamados pontos de não retorno.

Se passarmos de 2°C, todos os recifes de coral do mundo serão extintos. Se passarmos de 2,5°C, vamos perder de 50% a 70% da amazônia e grande quantidade do solo congelado da Sibéria, do Canadá e do Alasca, o chamado permafrost, será descongelado. Com isso, vamos jogar uma gigantesca quantidade de gases de efeito estufa que estão ali aprisionados.

Na semana passada, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o Brasil pode perder o pantanal por completo até o fim deste século se o mundo não for capaz de reverter o cenário de aquecimento global.

Como isso aconteceria? Grande parte da água que abastece o pantanal vem da bacia amazônica e do cerrado. Se ultrapassarmos 2,5°C de aquecimento, a amazônia será devastada, o que reduzirá significativamente as chuvas na região do pantanal. Sem essa umidade, o bioma pode se transformar em uma caatinga. E isso já vem acontecendo. O prolongamento das estações secas já resultou em 35% do pantanal deixando de ficar coberto por água nos últimos 40 anos.

Quando analisamos alguns países, especialmente na Ásia e em partes da Europa, vemos que eles estão adotando medidas eficazes para lidar com as mudanças climáticas. Um exemplo notável é Singapura, que implementou o conceito de “esponja urbana”, que envolve a restauração florestal nas áreas urbanas e periféricas, que reduz a temperatura e ajuda a mitigar desastres climáticos. O Brasil também tem potencial para implementar essas medidas.

Em São Paulo, por exemplo, a área urbana, com muito concreto e asfalto, pode ser de 6°C a 10,5°C mais quente do que áreas cobertas pela mata atlântica próximas, como o Parque Zoológico.

Estudos da USP mostram que a restauração da vegetação urbana pode reduzir as temperaturas em até 5°C, reter água no solo, diminuir enxurradas e remover de 20% a 30% dos poluentes. Além disso, melhora o microclima e, consequentemente, a saúde, já que ondas de calor são um dos maiores riscos climáticos.

No entanto, se falharmos em reduzir drasticamente as emissões, poderemos enfrentar um cenário extremo. Se a temperatura global aumentar em 4°C até 2100, grande parte do planeta, incluindo o Brasil, pode se tornar inabitável, especialmente as regiões tropicais e equatoriais. Isso incluiria vastas regiões do Brasil, especialmente as áreas tropicais e equatoriais. No Sudeste, os verões seriam tão extremos que viver ali seria insustentável.

A situação seria tão drástica que, no século 21, as únicas áreas habitáveis no mundo seriam regiões como o Ártico, a Antártica e as grandes cadeias montanhosas, como os Alpes e o Himalaia. Esse cenário nos mostra a gravidade da crise climática e o quanto é urgente zerar as emissões de carbono rapidamente, para evitar esse futuro quase inacreditável.

Ações mais rigorosas para combater as mudanças climáticas são urgentes. Sem medidas imediatas e eficazes, estamos caminhando para um futuro em que vastas regiões do planeta poderão se tornar inabitáveis, com impactos profundos para a vida. Não podemos em hipótese alguma aceitar passar de 2°C e chegar a 2,5°C. As metas de redução das emissões têm que ser muito mais rigorosas e abrangentes. Não podemos esperar até 2050.

Dados são o ‘novo petróleo’, mas precisam de atenção para não agravar crise climática, por Fábio Gallo

0

O uso de data centers e a mineração massiva de criptomoedas põem muita pressão sobre a geração de energia

Fábio Gallo – O Estado de São Paulo – 14/09/2024

Nestas últimas semanas todos nós ficamos assustados, afinal o Brasil está sufocando com as queimadas. A crise climática está presente e se tornando mais aguda de maneira mais rápida do que os especialistas estavam prevendo. Em entrevista publicada esta semana no Estadão, o climatologista Carlos Nobre nos deixou ainda mais temerosos. Segundo ele, o Pantanal deve acabar e a Amazônia perder 50% da floresta até 2070. Nada mais assustador!

A situação está mostrando o quanto os governos estão despreparados para lidar com algo tão importante. Obviamente, este tema é uma preocupação mundial e a busca de solução é tarefa de todos. Tem-se discutido muito sobre as formas de combater o aumento da temperatura, atuando contra o desmatamento, as queimadas e outras tantas ações. Por outro lado, a humanidade está buscando, garimpando, armazenando e processando dados numa velocidade desenfreada.

O crescimento acelerado do uso de data centers, inteligência Artificial (IA) e mineração de criptomoedas está colocando uma pressão enorme sobre a infraestrutura de energia global. O que representa uma grande ameaça à capacidade instalada de geração de eletricidade. Essa pressão gera graves problemas em diversos níveis, como o aumento das emissões de gases de efeito estufa, sobrecarga da infraestrutura, o que afeta setores críticos como hospitais, comunicações, transporte, trazendo aumento de custos, desafios para a sustentabilidade e impactos geopolíticos.

Reportagem recente do Independent Speculator traz que é estimado que os data centers, IA e as criptomoedas usaram 460 mil gigawatts-hora de energia elétrica em 2022, e que a Agência Internacional de Energia (AIE) projeta que esses setores podem usar 1 milhão de gigawatts-hora por ano até 2026. Como referência, cita que os EUA têm hoje 94 reatores nucleares que geram cerca de 778 mil gigawatts de energia por ano. A solução proposta é o investimento em energia nuclear.

Diante de todos esses desafios, devemos buscar alternativas efetivas que incluem desde o avanço tecnológico, políticas públicas, práticas empresariais às mudanças comportamentais. É urgente a busca de soluções inovadoras para enfrentar o aumento da demanda energética. Devemos investir em eficiência energética, expansão de fontes renováveis, uso responsável de tecnologias intensivas em energia e políticas públicas que tragam o uso sustentável da eletricidade, sem comprometer o meio ambiente.

Medidas como o uso de data centers mais eficientes e de meios mais sustentáveis de consumo de energia na mineração de criptomoedas são essenciais para ajudar a humanidade a enfrentar o aumento da demanda por eletricidade e mitigar os efeitos das mudanças climáticas.