Naturalizamos a convivência com a violência, por Maria Hermínia Tavares

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No ano passado, 47.398 pessoas tiveram morte violenta intencional

Maria Hermínia Tavares, Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

Folha de São Paulo, 12/10/2023

Diz tudo da naturalidade com que o país encara a barbárie nossa de cada dia o fato de convivermos, ano após ano, com níveis elevados de violência e descalabro na segurança pública. O assassinato dos médicos de São Paulo, no Rio, a chacina de sete membros de uma família de ciganos, na Bahia, as mais de duas dezenas de mortos durante a Operação Escudo, no Guarujá, são apenas os exemplos mais recentes dessa hecatombe.

No ano passado, informa o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 47.398 pessoas —o equivalente aproximado da população da estância paulista de Campos de Jordão— tiveram morte violenta intencional, uma taxa de pouco mais de 23 mortos por 100 mil habitantes. As forças policiais, civis e militares, foram responsáveis por 13,6% do total, em todo o país. Por suas taxas muito superiores à média nacional, Amapá, Goiás, Rio de Janeiro e Bahia destacaram-se nessa lúgubre estatística.

De Fernando Henrique a Lula, a segurança pública foi o grande fracasso dos governos progressistas, os mesmos que lograram mudanças importantes em muitas frentes: do controle da inflação à montagem de um moderno arcabouço institucional para a gestão econômica; da reforma do sistema de proteção social às políticas para reduzir a pobreza —sem esquecer da área ambiental.

Por outro lado, no período em que PSDB e PT comandaram o governo, o Brasil deixou de ser rota do tráfico para se transformar em grande mercado consumidor de drogas; as facções criminosas se multiplicaram e passaram a controlar territórios urbanos pobres; o banditismo organizado se impôs nos presídios abarrotados e se embrenhou Amazônia adentro; setores das forças da ordem foram corrompidos pelos criminosos; a circulação ilegal de armas só fez crescer, assim com as bancadas da bala, com parlamentares egressos das corporações policiais, eleitos com promessas fáceis de enfrentar o crime com desmedida violência.

Tão grave quanto isso foi a popularização do discurso público que justifica a brutalidade policial em nome do combate à insuportável violência dos criminosos. Hegemônico e eleitoralmente eficaz, já não distingue políticos opostos em tudo mais, como os governadores de São Paulo e da Bahia.

O Executivo federal acaba de atualizar o PNPS (Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social) 2021-2030. Com excesso de prioridades e escassez de recursos, o projeto é uma carta de (boas) intenções que pode, ou não, se transformar em políticas efetivas. Mas ainda está por ser travada —quanto antes, melhor— a dura batalha de ideias e valores que permita ancorar uma política de lei e ordem no respeito à dignidade humana.

Hamas, Israel e os não humanos, por Thiago Amparo

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Devemos ir além do espanto falsamente humanista, muitas vezes insincero

Thiago Amparo, Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

Folha de São Paulo, 12/10/2023

“É horrível, desumano e inaceitável. Os palestinos são humanos e têm que ser tratados como tal.

Não importa a razão. Estão bombardeando civis. Isso não seria aceitável em nenhum outro lugar —
apenas na Palestina”, afirmou de forma certeira à Folha Mariana Said.

Em tempos obtusos quando a autodeclarada complexidade ofusca o horror, é cada vez mais difícil ter a clareza moral contra as atrocidades da guerra. Solidarizar-se com vítimas civis, de ambos os lados, não é uma posição inocente, é a mais digna; fazê-lo nos permite criticar tanto o regime de apartheid imposto por Israel aos palestinos quanto o regime de terror imposto pelo Hamas.

Clareza nos permite, inclusive, separar o todo da parte. Criticar o Estado de Israel é possível sem cair no antissemitismo; bem como criticar a estratégia militar do Hamas é possível sem cair no desprezo a vidas palestinas. Salem Nasser, meu colega na FGV, está correto ao perguntar por que costumamos praticar o ultraje seletivo. Devemos, igualmente, ir além do espanto falsamente humanista, muitas vezes insincero: não esqueçamos os fundamentos racistas, coloniais, capitalistas e orientalistas que impulsionam o divisionismo, inclusive no crescente abandono da causa palestina por países árabes.

Desumanização como arma política está no centro da guerra e não começou no último sábado (7): o braço militar do Hamas desumaniza civis israelenses atacando-os de maneira indiscriminada, e o premiê de extrema direita Netanyahu, “ao estabelecer um governo de anexação e desapropriação”, como definiu o jornal israelense Haaretz, priva palestinos de qualquer possibilidade de sair da prisão a céu aberto a que foram jogados, dá munição para a expansão territorial ilegal de Israel e fortalece ao invés de minar os mais radicais.

Evidências de crimes de guerra abundam, seja no rapto de civis pelo Hamas, seja na fome como arma de guerra por Israel. Se algum dia sairemos deste horror, talvez o caminho comece por encontrar uma linguagem que nos permita descrevê-lo.

Irã e Hamas tentam frear surgimento do ‘novo Oriente Médio’, por Jaime Spitzcovsky,

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Avanço das relações de Israel com países árabes joga a favor da resolução da questão palestina

Jaime Spitzcovsky, Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

Folha de São Paulo, 09/10/2023

A ofensiva terrorista do Hamas, celebrada pelo Irã, não buscou apenas promover assassinatos e produzir imagens abjetas, pois mirou, no plano geopolítico, as mudanças tectônicas em curso no Oriente Médio, responsáveis por cimentar laços há pouco impensáveis e por colocar em xeque estratégias do autointitulado “eixo da resistência”.

Dirigentes do Oriente Médio, Arábia Saudita à frente, passaram a construir uma nova fórmula de permanência no poder, desafiados por ventos turbulentos do século 21. Perceberam a crescente perda de importância da economia petrolífera e, com a queda de ditadores após os protestos da Primavera Árabe, uma década atrás, diagnosticaram a importância de gerar empregos para uma população jovem e castigada por escassez de oportunidades econômicas.

Diversificar modelo econômico despontou como imperativo para a preservação desses regimes
ditatoriais. O surgimento do mundo multipolar, com ascensão de mais centros de poder, também levou à revisão de políticas externas, por meio da aproximação com China e Índia.

O nascente cenário golpeou a “fórmula do tripé”, prevalente havia décadas em paragens médio-orientais: petróleo na economia, ditadura na política e colocar o conflito israel-palestina como tema central do mundo árabe. O ditador egípcio Gamal Abdel Nasser, por exemplo, mobilizava centenas de milhares de pessoas nas ruas do Cairo para bradar pela destruição do Estado judeu, e não para debater mazelas socioeconômicas de seu regime.

Da “fórmula do tripé”, dois pilares agora revistos, para preservar o poder de monarcas. Primeiro, um modelo baseado em serviços, como tecnologia, finanças e turismo passa a dividir espaço com a economia petrolífera.

E, segundo ponto, o pragmatismo econômico leva a rever a abordagem do conflito israelo-palestino. A narrativa diversionista de “Israel como a maior catástrofe para o mundo árabe” dá lugar a uma perspectiva de cooperação com o país cujo direito à existência se questiona pelo menos desde a Partilha da Palestina pela ONU, em 1947.

O século 21 golpeou a “fórmula do tripé”, e a necessidade de mudanças remodelou as economias dos Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Qatar. Recentemente, chegou a vez de a líder regional, Arábia Saudita, mais conservadora e mais cautelosa, seguir o caminho dos vizinhos.

A partir de 2020, sob a lógica do “novo Oriente Médio”, antigos adversários, como Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão, assinaram acordos históricos com Israel.

Existe também na aproximação o componente de rivalidades regionais. Países sunitas, como Arábia Saudita e Egito, já ensejavam cooperações com Israel devido a ações do Irã, de maioria xiita, empenhado em ampliar influência no mundo muçulmano.

Dinâmica regional em mutação, israelenses passaram a viajar a Dubai. Diálogo intergovernamental israelo-marroquino se intensificou. Cresceram as expectativas de um acordo de paz entre Arábia Saudita e Israel.

Empenhada na arquitetura de um Oriente Médio menos turbulento e mais atrativo a investimentos, a Arábia Saudita se aproximou também do rival Irã, por meio da retomada de laços diplomáticos em março, numa cerimônia realizada, sinal dos novos tempos, em Pequim.

Teerã, no entanto, demarcou seu limite ao embarque no “novo Oriente Médio”, com apoio aos ataques do Hamas. Desafiado pelos maiores protestos pró-democracia desde sua chegada ao poder, em 1979, a ditadura iraniana se esforça para manter acesa a chama do “discurso revolucionário” de rejeição a Israel e aos EUA.

O Irã e seus aliados do “eixo da resistência”, como o Hamas e o libanês Hezbola, buscam sabotar um Oriente Médio redesenhado pelo pragmatismo econômico e adequação ao mundo multipolar. Teerã, no entanto, vai fracassar na estratégia, pela impossibilidade de parar o relógio da história.

O avanço das relações de Israel com países árabes joga a favor da resolução da questão palestina, com dois Estados para dois povos, obtidos por meio de diálogo. Não é essa a proposta da ditadura iraniana e de seus aliados.

Uberização no mundo do trabalho impõe desafios à esquerda, por Angela Pinho

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Características como gamificação dos apps e dispersão dos trabalhadores favorecem ação individual

ANGELA PINHO – FOLHA DE SÃO PAULO – 09/10/2023

A disrupção no mundo do trabalho causada pela chamada uberização da economia aumenta o desafio da esquerda de ganhar adeptos e barrar o avanço da direita.

Tradicionalmente motor de partidos como o PT, a mobilização coletiva de trabalhadores esbarra nas características inerentes ao trabalho por plataformas —disperso, mediado por algoritmos e conjugado às redes sociais, terreno em que a direita leva vantagem.

A mudança também enfraquece ainda mais os sindicatos, base de legendas de esquerda tradicionais, e coloca em xeque, para parte dos trabalhadores, o apoio à distribuição de benefícios sociais.

O fenômeno tem sido alvo de pesquisas acadêmicas recentes que mapeiam as implicações políticas do tema.

Uma delas é coordenada pela antropóloga brasileira Rosana Pinheiro-Machado diretora do laboratório de economia digital e extremismo político da University College Dublin, na Irlanda.

Ela teve no ano passado financiamento aprovado pelo Conselho Europeu de Pesquisa para analisar a ligação entre autoritarismo na política e precaridade no trabalho no Brasil, na Índia e nas Filipinas.

A hipótese é que, nesses países, características inerentes às plataformas, como o isolamento e a competição, favoreçam o individualismo e a identificação com a direita.

A fase piloto da pesquisa já aponta nessa direção, diz a professora. Seu grupo analisa o perfil de pessoas que começaram a empreender online no Brasil. Segundo ela, a tendência é que, à medida que passam a seguir influenciadores, essas pessoas acabam por cair em redes bolsonaristas.

Outros trabalhos já demonstraram que os algoritmos das redes sociais, onde esses empreendedores passam horas do dia, impulsionam publicações de extrema direita.

As implicações políticas da chamada uberização da economia são um tema de pesquisa em outros países também.

Dois fatores que dificultam a identificação como classe para a mobilização coletiva de trabalhadores de aplicativos são elencados pelos pesquisadores Giedo Jansen, da Universidade de Amsterdam, na Holanda, e Paul Jonker-Hoffrén, da Universidade de Tampere, na Finlândia, no livro “Platform Economy Puzzles” (quebra-cabeças da economia de plataforma, em português), de 2021.

O primeiro é a competição induzida pela lógica de jogo, ou gamificação, de parte das plataformas. Seria a disputa pelas estrelinhas dadas pelos passageiros ou o privilégio a quem aceita mais corridas, por exemplo.

O segundo seria a dispersão espacial dos trabalhadores, o que dificultaria um laço de solidariedade e o apoio a políticas coletivistas de esquerda.

Eles apontam ainda a dificuldade de partidos social-democratas, identificados com a esquerda em boa parte da Europa, para lidarem com esses trabalhadores precarizados sem abandonarem sua base de trabalhadores formais que almejam a proteção do emprego e dos direitos trabalhistas já existentes.

A questão está posta no Brasil, onde o registro formal não é uma demanda consensual entre os trabalhadores dos aplicativos. “Não é que eles não querem a CLT, eles não querem empregos ruins”, diz a antropóloga.

Integrante do movimento Entregadores Unidos pela Base, Renato Assad, 31, vai na mesma linha. Os entregadores que defendem autonomia, diz, não querem é ganhar um salário mínimo baixo para ficar oito horas à disposição do patrão.

Se o mínimo fosse mais alto, não haveria esse dilema, diz. Sem isso, “o trabalhador prefere se autoexplorar para ganhar mais”.

Formado pela USP em geografia, ele alterna as entregas em motocicleta com aulas na rede particular. Há quatro anos rodando pela cidade, ele afirma que o único político que já se aproximou da categoria foi Guilherme Boulos (PSOL), durante a campanha à prefeitura em 2020.

Mas se diz decepcionado com a decisão do psolista de contratar como marqueteiro o publicitário de agência que trabalhou para desmobilizar paralisações dos trabalhadores de aplicativos durante a pandemia da Covid-19, segundo reportagem da Agência Pública.

A plataformização do trabalho também é foco do PT. A Fundação Perseu Abramo, ligada ao partido, conduz pesquisa quantitativa e qualitativa sobre o trabalho em aplicativos e o impacto na cultura política.

REGULAÇÃO

Compromisso de campanha do presidente Lula (PT), a regulamentação do segmento é objeto de um grupo no Ministério do Trabalho e Emprego.

Uma alternativa à regulamentação é um acordo entre empresas e a categoria, mediado pela pasta, em torno de pontos como remuneração mínima, jornada de trabalho e proteção em caso de doença.

É muito menos do que seria necessário, diz Nicolas Souza Santos, 35, integrante da Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativo, que reúne entidades representativas da categoria pelo país. Ele defende a inclusão de outros pontos na regulação, como a transparência dos algoritmos e carga horária.

Filiado ao PDT, ele diz lamentar que seu partido tenha abandonado a discussão sobre o vínculo trabalhista da categoria. “A gente não é contra os autônomos, mas as plataformas são. Elas cronometram o tempo que a gente tem para chegar, dizem quem é o cliente e qual é o preço que podemos cobrar.”

Ele reconhece, porém, que a demanda por vínculo causa divisões na categoria, o que atribui à desinformação —já que seria possível, por exemplo, uma vinculação como horistas.

Mobilizar os colegas, aliás, é um desafio diário, segundo Nicolas. Dispersos pelas cidades, eles se comunicam muitas vezes por grupos de WhatsApp e Telegram, nos quais a regra número 1 é não falar de política para não gerar controvérsia.

Sob sua perspectiva, fazer parte dessa chamada nova economia não é uma vantagem para quem precisa da mobilização coletiva. “Não somos os metalúrgicos”, diz. “Nascemos praticamente anteontem.”

Feirão tributário, por Marcos Mendes

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Distorções tributárias não criam empregos, nem ajudam os pobres

Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, é organizador do livro ‘Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil’

Folha de São Paulo, 07/10/2023

No dia 19 de setembro participei de audiência pública do Senado sobre a Reforma Tributária. Onze setores econômicos ou profissões estavam representados. As apresentações pareciam um feirão tributário: todos tentando ampliar os já largos privilégios criados na Câmara. As apresentações começavam com afirmações do tipo: “a reforma é muito boa. Mas veja bem, no caso do meu setor…”.

O representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) mostrou-se inconformado com o fato de que os advogados terão que pagar impostos como qualquer um. Afinal, “sempre houve um cuidado do legislador no sentido de oferecer uma tributação reduzida desde 1968. (…) Então esses serviços têm que ter um olhar diferenciado, não deveriam se submeter a uma tributação, como vários outros”. Por que mesmo? Não estamos fazendo uma reforma para que a tributação seja mais igualitária e justa?

O representante do setor de educação privada, não satisfeito por já ter conseguido uma alíquota 60% mais baixa, pleiteou alíquota zero. Aplicou o princípio básico das relações institucionais, segundo o qual o setor dele é tão importante que, se lhe for concedido um privilégio, quem ganha é a sociedade.

Assim, argumentou que tributar a educação privada vai aumentar o custo das mensalidades e empurrar alunos para a escola pública, além de fechar escolas e eliminar empregos, resultando em menor arrecadação tributária e mais gasto público: uma perda fiscal de R$ 24 bilhões. A alíquota zero para o setor produziria o milagre de evitar essa perda, gerando recursos suficientes para financiar o Programa Escola em Tempo Integral!

O representante do setor de serviços trouxe números igualmente mágicos: uma desoneração total da folha de pagamentos, financiada pela criação de uma CPMF, faria o PIB (Produto Interno Bruto) bombar. Propôs ignorar o princípio central da reforma, que é a introdução de um imposto sobre valor agregado, que funciona em mais de 170 países, para falar de CPMF, que já se mostrou um péssimo tributo.

Vários defenderam que se mantenha a prática atual, em que as empresas do Simples pagam imposto com alíquota menor, mas geram crédito como se pagassem o imposto com a alíquota padrão. Isso porque o Simples é um regime cumulativo, que não permite abater todos os impostos embutidos nos custos. Daí a necessidade de um subsídio tributário para equalizar. Mas a PEC aprovada na Câmara já prevê que empresas do Simples podem optar por recolher o IBS e a CBS pelo regime normal, eliminando o risco de serem oneradas por incidência cumulativa.

O representante dos supermercados, já beneficiado pela questionável desoneração da cesta básica, quer estender a alíquota diferenciada para produtos de higiene, para os sistemas de gestão do comércio e para toda a cadeia produtiva de bens da cesta básica.

Além disso, propõe abater do imposto a pagar as despesas com folha de pagamento. Isso é um contrassenso, pois o cerne da reforma é tributar valor agregado. Salários pagos são parte relevante do valor agregado.

Foi recorrente o argumento de que “meu setor gera empregos”. Chegou-se a propor a “emenda do emprego”: alíquota menor para empresas em que é grande o custo da folha de pagamento. Isso desestimula a inovação, subsidia setores menos produtivos e derruba o crescimento. Será a “emenda do desemprego”.

Para contrapor estes e outros argumentos tortuosos, recomendo a leitura do relatório de Grupo de Trabalho do TCU sobre a Reforma Tributária. Ele sintetiza a literatura teórica e empírica, com evidências de que isenções e alíquotas reduzidas aumentam a complexidade, o custo de cobrança e as fraudes. A perda de arrecadação pode superar 20%.

A ideia de que alíquotas mais baixas levarão a preços menores para os consumidores e maior emprego esbarram em estudos que mostram muitos casos em que o maior ganho se concentra no lucro das empresas, com pequeno impacto no emprego e nos preços finais.

Alíquota favorecida também não é bom instrumento de redução da pobreza, pois beneficia igualmente os consumidores ricos.

Por isso, política social e de emprego devem ser feitas do lado do gasto, com alocações transparentes de recursos no orçamento. Ou na tributação da renda. Não devem ser embutidas na tributação do consumo, dando roupagem de preocupação social ao lobby setorial.

Ilusões econômicas

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Vivemos momentos de grandes discussões patrocinadas por indivíduos especialistas em tudo, as redes sociais estão inaugurando conhecimentos desconhecidos, anteriormente as discussões coletivas estavam relacionadas com a escalação da seleção brasileira, agora as coisas estão cada vez mais sofisticadas, encontramos discussões sobre as questões jurídicas, as questões políticas , questões relacionadas a doenças e tratamentos médicos e as questões econômicas, todos somos especialistas em tudo, emitindo pareceres, relatórios e somos catedráticos de todas as coisas.

Destas discussões cotidianas, encontramos discussões sobre as receitas econômicas para resolvermos problemas que convivemos desde os tempos imemoráveis, desequilíbrios estruturais que estão nas raízes de nosso nascimento como país, emitimos opiniões, cancelamos aqueles que pensam diferentes e acreditamos que somos democráticos e prezamos pela liberdade de expressão, nos esquecemos que numa sociedade marcada por desequilíbrios variados, marcados por pobrezas generalizadas, riquezas centradas em espoliações e explorações cotidianas, falar sobre democracia é algo imprudente, precisamos compreender as nossas raízes, nossos atrasos e, principalmente aquilo que queremos ser num futuro imediato, o tempo urge e as decisões estratégicas estão sendo pouca discutidas, infelizmente.

Neste cenário, vivenciamos um momento de grandes transformações no meio ambiente, o clima está em polvorosa, estamos numa transformação estrutural climática que tende afetar todas as regiões do planeta, podendo levar regiões prósperas e dotadas de grandes riquezas materiais a um cenário de devastações constantes, desertos, enchentes, terremotos e devastações ambientais, todas essas consequências estão atreladas a escolhas anteriores, políticas patrocinadas por toda a comunidade internacional visando o crescimento econômico e o desenvolvimento das nações, com impactos sobre todos os indivíduos e para a comunidade. Se esse foi o intuito dos responsáveis por essas políticas anteriores, os resultados na sociedade contemporânea são outros, vivemos uma sociedade marcada pelo individualismo, o imediatismo e a busca crescente dos prazeres materiais como se estes fossem os grandes objetivos do homem racional, definidos pelos chamados economistas ortodoxos.

Vivemos momentos de ilusões econômicas, acreditamos na meritocracia como forma de alavancar o crescimento econômico e produtivo e nos esquecemos de que vivemos numa sociedade centrada na desigualdade crescente dos indivíduos, onde uma pequena casta de privilegiados e bem-nascidos conseguem ascender no panteão no conforto, nos luxos e das influências políticas e econômicas.

Vivemos numa sociedade centrada nas ilusões econômicas, acreditando que a austeridade deve levar o equilíbrio das contas públicas e a reconstruir das finanças governamentais, reduzindo os repasses públicos para os mais humildes e deixando de lado os vultosos subsídios dos grandes donos do poder político e econômico, se esquecendo que os grandes ganhadores destas políticas são os privilegiados dos banquetes da miséria da classe trabalhadora, que se rastejam para garantir recursos mínimos e se acreditam empreendedores e inovadores…

Vivemos em momentos de grandes ilusões econômicas acreditando no discurso empreendedor dos donos do poder, esperando uma ideia revolucionária e inovadora como forma de se transformar em patrão de si mesmo, se esquecendo que esse modelo econômico foi cunhado para reproduzir privilégios, garantindo taxas de juros estratosféricas, taxação inexistente e subsídios elevados para os grandes donos do poder e para seus prepostos ganhadores desta sociedade marcada por exclusão social e subdesenvolvimento, perpetuando uma exploração estrutural.

Vivemos numa sociedade que nos acostumamos todos os dias com a degradação, com as expropriações constantes, da educação degradada, das violências cotidianas e das discussões equivocadas e nos acreditamos como seres cordiais, solidários, caridosos e empreendedores, mas na verdade, somos uma sociedade sem alma, estamos nos desumanizando cotidianamente, vivendo sem horizontes claros e quando nos olharmos no espelho, nós nos assustaremos com a nossa imagem refletida.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

Paes Manso: A fé na ponta do fuzil

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Da transformação espiritual à mão invisível do mercado, novo livro investiga a reorganização do crime e da política em torno da “teologia da prosperidade”. Obra traz relatos de ex-matadores e debate o uso de símbolos religiosos na guerra contra o Estado

Outras Mídias – 03/10/2023

Silvana Salles, Publicado no Jornal da USP –

Marcelinho vendia crack antes de virar evangélico. Sobreviveu a um atentado, largou o crime e as drogas e mudou completamente seu comportamento. Pereira, ex-policial militar condenado por executar suspeitos, teve seu momento de conversão na prisão. Era véspera de Natal, ele se sentia solitário, sem esperanças de progredir de pena para o regime semiaberto. A pastora Viviane passou a questionar suas práticas de trabalho missionário ao ver uma facção criminosa usar o discurso religioso para justificar a violência e o controle do território. O jornalista Bruno Paes Manso conta essas e outras histórias em seu novo livro, A fé e o fuzil: Crime e religião no Brasil do século XXI, lançado em setembro pela editora Todavia.

Bruno, que é pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e colunista do Jornal da USP, há mais de 20 anos investiga as cenas do crime e do tráfico de drogas no Brasil. Dessas investigações nasceram seus livros anteriores, A guerra (em coautoria com Camila Nunes Dias) e A República das milícias. Em A fé e o fuzil, ele discute como a visão de mundo dos evangélicos têm organizado novos propósitos de vida e novas ordens de comportamento nas periferias das cidades brasileiras, tanto a partir das igrejas quanto a partir de facções criminosas com bases prisionais.

O jornalista conta que começou a observar que a violência do cotidiano das cidades brasileiras frequentemente se encontrava com experiências relacionadas à fé de seus entrevistados a partir dos testemunhos de pessoas que abandonaram o crime após se tornarem evangélicas. Nesses testemunhos, elas contam que não se trata meramente de frequentar a igreja, mas de passar por um profundo processo de transformação pessoal. Esse processo é conhecido como metanoia.

“Eu pesquisava matadores e entrevistava matadores para saber por que eles matavam. Como o assunto é muito delicado, eu passei a entrevistar ex-matadores, ex-bandidos, ex-traficantes que haviam se convertido e não tinham problema em falar sobre o passado, porque até [isso] dimensionava o tamanho do milagre da transformação na vida deles a partir de Deus e desse processo de metanoia. E aí, a partir dessas conversas, eu comecei a colecionar uma série de histórias pessoais de transformação”, conta.

Nem comunista, nem capitalista: “sou dinheirista”

Os relatos de conversão são amostras de um fenômeno de acelerada mudança na religiosidade do povo brasileiro. Nos anos 1980, os evangélicos eram 5,6% dos brasileiros. Em 2019, já eram 31%.

Conforme o pentecostalismo foi ganhando mais adeptos, o discurso evangélico foi se tornando mais influente – culminando, em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, que, embora se declare católico, adotou publicamente muitas referências evangélicas, a exemplo do slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Bruno explica que isso aconteceu tanto na política institucional quanto fora dela.

“Principalmente quando eu vou investigar as milícias, eu começo a perceber que esse discurso religioso, que estava restrito ao universo privado de transformações pessoais, passou a ser usado com uma dimensão política a partir de lideranças criminosas no Rio de Janeiro, que passavam a se dizer ungidas ou terem sonhado com Deus, que teria dito que ele representavam o bem na terra, para justificar seu poder”, diz o autor, mencionando o caso do Complexo de Israel, território na zona norte do Rio de Janeiro dominado pela facção criminosa Terceiro Comando Puro.

Mas, afinal, o que o discurso das lideranças de facções criminosas tem a ver com o cotidiano dos fiéis e a eleição de Bolsonaro em 2018? Na avaliação do autor, nos três casos há uma visão da prosperidade como benção divina, que não deve sofrer a interferência do Estado. Por um lado, essa visão ganhou força no Brasil com a influência das igrejas neopentecostais, altamente midiáticas e promotoras da teologia da prosperidade. Por outro, a utopia do estado de bem-estar brasileiro ruiu de 1988 para cá, devido à dificuldade do Estado em garantir direitos sociais.

“O Brasil não vira uma Suécia, né? O Brasil não vira uma Dinamarca. O mercado continua sendo muito importante para garantir o sustento. Quem não tem dinheiro, dança aqui. Não adianta você esperar que vai ter escola pública ou posto de saúde e que isso vai te dar tranquilidade para você ter uma vida digna. Não! Você tem que ter dinheiro. E a partir dessa visão, o pentecostalismo começa a promover justamente essa crença e essa disposição de empreender, de lutar pelas próprias pernas, de acreditar em si mesmo, de ver o progresso material como uma benção divina, de construir redes de apoio entre pessoas que têm os mesmos valores que os seus e a enxergar o Estado como, no máximo, um agente promovedor desses negócios”, explica.

Essa visão de mundo mais neoliberal, de um Estado que não deve atrapalhar as pessoas que ganham dinheiro, é compartilhada pelas milícias e as facções criminosas envolvidas no bilionário negócio da venda de drogas. “É uma visão mais realista e cínica. É uma grande selva em que o mais capacitado para empreender, para ganhar dinheiro, sobrevive”, explica Bruno. “Como um criminoso, uma pessoa que entrevistei, já me falou: ‘olha, eu não sou nem comunista, nem capitalista. Eu sou dinheirista, eu quero ganhar dinheiro’”, completa.

Os mundos do crime e dos evangélicos começaram a se cruzar em termos mais concretos a partir da profissionalização do crime, empreendida pelo PCC. Isso porque o dinheiro da venda de drogas no atacado, que antigamente já era lavado por meio de doleiros e empresas, passou a entrar até mesmo em igrejas. No início deste ano, uma investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro revelou que um dos líderes do PCC – Valdeci Alves dos Santos, o “Colorido” – investiu em sete igrejas evangélicas para lavar o dinheiro do tráfico.

Guerra espiritual?

A noção de guerra é outro aspecto no qual o mundo evangélico se cruza com os mundos do crime e também da política. No contexto evangélico, a guerra é espiritual. Trata-se da ideia de uma batalha do bem contra o mal, com críticas à religiosidade de matriz africana e forte ênfase na luta pela expulsão do demônio. As igrejas neopentecostais que falam dessa batalha compartilham da visão de que o fim do mundo está próximo e, por isso, é importante ter a maior quantidade de “soldados do bem” em diversos postos da sociedade quando Jesus Cristo chegar pela segunda vez.

Bruno Paes Manso afirma que essa ideia de guerra espiritual foi apropriada pelo bolsonarismo sob o argumento de que a esquerda seria um grande bloqueio ao desenvolvimento, identificando todo este campo político como “aqueles que querem nos impedir de ganhar dinheiro”. Se a prosperidade é uma benção, então a defesa do estado de bem-estar social seria identificada como um inimigo.

“O pentecostalismo na política, essa visão da guerra que surge com o bolsonarismo, nas redes sociais, guerra contra o comunismo, guerra contra o esquerdismo, guerra contra o feminismo, é uma visão quase de um anarcocapitalista. Como é o próprio [Javier] Milei na Argentina, [que] se diz anarcocapitalista e tem muitas semelhanças com o bolsonarismo”, diz o jornalista.

Por sua vez, a milícia e o crime compartilham de uma visão da guerra que tem contornos tão darwinistas quanto a competição defendida pelos anarcocapitalistas. “O que importa para esses grupos não é um Estado que organize coletivamente a sociedade, que reduza desigualdades, que promova a justiça, que apoie os mais fracos, inclusive os que não estão com capacidade de participar dessa disputa darwinista. Eles não enxergam o Estado dessa forma. Eles enxergam o Estado como alguém que deve permitir que essa guerra do mais forte aconteça, que os mais capacitados para ganhar dinheiro, os mais abençoados, sobrevivam”, afirma Bruno.

É preciso reinventar o capitalismo, diz economista Mariana Mazzucato

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Para italiana, papel do Estado no século 21 é exigir que setores da economia inovem para alcançar sustentabilidade

FOLHA DE SÃO PAULO, 02/10/2023

DOUGLAS GAVRAS

Mariana Mazzucato, 55, não se surpreende ao ver o retorno de políticas de austeridade após a pandemia de Covid ou o aumento da popularidade de novos líderes ao redor do mundo que classificam o Estado como fonte de todos os problemas.

Para a economista italiana, antes de criticar os eleitores que escolhem políticos engajados em destruir o Estado, é preciso que as instituições públicas assumam um novo papel no século 21, fornecendo uma direção e exigindo que todos os setores da economia inovem.

Para se adequar às demandas atuais, é preciso reinventar o capitalismo, diz a professora, que esteve no Brasil na quarta-feira (27), para participar do 10º Congresso Internacional de Inovação da Indústria, realizado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio as Micro e Pequenas Empresas).
Mazzucato tem se aproximado do Brasil. Uma das referências para os economistas do PT, em especial de gestores do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) —como Aloizio Mercadante e Nelson Barbosa—, ela participou de seminário da instituição em março.

Em julho, o Ministério da Gestão e a Enap (Escola Nacional de Administração Pública) assinaram acordo com o Instituto da Inovação e Propósito Público da University College London (IIPP/UCL), fundado por ela. O objetivo é a capacitação de servidores, além da inovação na administração pública.

Essa proximidade tem reforçado sua visão de que o país pode ser um ator de destaque.
O presidente Lula tem defendido no exterior o papel do Brasil como protagonista de um futuro de desenvolvimento sustentável. Como colocar suas palavras em ação?

A razão pela qual as pessoas estão ouvindo o que Lula tem a dizer é que não há líderes suficientes no mundo hoje que
levem a sustentabilidade a sério —fala-se muito, mas muito pouco é feito.

Desde o primeiro dia, quando ele começou o novo governo, a questão da sustentabilidade e a Amazônia têm estado no centro, e o fato de o plano de transição ecológica brasileiro incluir o Ministério da Fazenda é algo radical.

Geralmente, o que acontece é a velha maneira de pensar, em que o Ministério do Meio Ambiente faz a política de sustentabilidade e o Ministério da Saúde se preocupa com o bem-estar.

Todo o governo deve estar voltado para um grande plano de economia verde?
A chave é como as diferentes áreas trabalham juntas, porque cada ministério tem suas próprias metas ambientais.
Ter um banco público, como o BNDES, também é muito importante para o financiamento, mas é preciso impor condicionalidades de inovação para o financiamento.

O grande gargalo em países como o Brasil é que as empresas são fortes, mas muitas delas não estão inovando, há uma inércia.

Mesmo um setor consolidado, como a siderurgia, precisa inovar e transformar-se. A Alemanha hoje tem o aço mais verde do mundo, não por ter decidido que seria assim, mas por precisar ser verde para conseguir dinheiro do governo, é uma parceria simbiótica em vez de uma parceria parasitária.

O Brasil poderia, de fato, liderar um processo de inovação?
Imagine pegar o orçamento de compras de cada ministério —Saúde, Transporte, Defesa, Energia— e transformá-lo em um orçamento de inovação, orientado para programas de mobilidade sustentável, que tentem resolver os congestionamentos nas grandes cidades. Acho que o Brasil pode realmente liderar um movimento nesse sentido, especialmente porque o Ministério da Fazenda é parte disso.

Trata-se de reinventar o capitalismo, fazer tudo de uma forma diferente, estruturando as organizações públicas e deixando que as organizações privadas também sejam instadas a trabalhar em conjunto.

Para chegar à lua, lá atrás, foram mobilizadas pessoas de diferentes setores —de profissionais de nutrição ao setor de eletrônicos e aeronáutica— e esse trabalho em conjunto solucionou muitos outros desafios pelo caminho.

Hoje temos câmeras, celulares, comida para bebê e softwares que são resultado dessas grandes mobilizações de recursos. O mesmo deveria acontecer com a agenda de sustentabilidade do Brasil, você a divide em diferentes frentes e as soluções para os problemas que surgirem ao longo do caminho podem fomentar muita inovação, é daí que vem o crescimento.

Deixar de ser um exportador principalmente de commodities é uma ambição ainda distante?
No caso da América do Sul, é preciso ter muito cuidado, porque os novos recursos são muito atraentes, como o lítio para baterias elétricas.

Ele também traz muitos problemas, um deles é que a extração de lítio cria enormes quantidades de água poluída, por exemplo, então é preciso ter certeza de que a solução para um lugar não cause um problema em outro.

Tenho aprendido muito com a Dinamarca, que hoje é um grande fornecedor de serviços verdes digitais de alta tecnologia, tendo criado um ecossistema de inovação. Não cabe a mim dizer ao Brasil o que fazer, mas a questão é que você não quer cair na armadilha das commodities novamente.

A falta de recursos é sempre um problema, sobretudo em países com problemas em diferentes áreas. Como contornar a limitação cada vez maior do Orçamento?
Todos os países reclamam de falta de recursos. O erro é pensar que a restrição se dá pelo déficit, a restrição real é a dívida em relação ao PIB [Produto Interno Bruto]. Sem investir de forma inteligente, no setor privado e no setor público, a produtividade não aumenta e ela é o principal impulsionador.

Sou italiana, e depois da crise financeira, todos os países do sul da Europa [Portugal, Itália, Grécia e Espanha] foram forçados a reduzir os seus déficits, o que aconteceu foi que a dívida em relação ao PIB aumentou.

O que realmente importa não é ter um Estado grande ou pequeno, o que faz diferença é um investimento público inteligente, estratégico e orientado, que catalisa o investimento privado, mas para isso é preciso saber qual é a direção que está sendo tomada em relação ao bem-estar e à sustentabilidade, para depois redesenhar empréstimos, concessões e subsídios. Não basta distribuir dinheiro para as empresas.

E é claro que o dinheiro público só deve ser usado por aqueles que não conseguem obter o dinheiro privado, é preciso ajudar a promover um ecossistema competitivo inovador, em que pequenas e médias empresas estão dispostas a trabalhar em torno de temas, como saúde, clima, digitalização e a preservação da Amazônia.

Encontrar uma forma de construir um ecossistema simbiótico de público e privado é muito importante para qualquer governo progressista, como o brasileiro.

A popularidade de políticos extremistas ao redor do mundo, como no caso da Argentina, em que Javier Milei prega a destruição das instituições, não aponta que parte da população deixou de acreditar no Estado?
Com certeza e, infelizmente, a onda de populismo está acontecendo por toda parte.

A Espanha pode ter escapado por pouco dela, mas vemos fenômenos assim na Itália e com o Brexit no Reino Unido.

Não deveríamos ser condescendentes e dizer que as pessoas são estúpidas por estarem votando nessas pessoas com ideologias malucas. Elas perderam a confiança no governo e nas empresas, por isso não é coincidência que muitos desses partidos populistas se apresentem como anarquistas.

Mas a realidade é que as ideias deles são muito antigas, é uma ideologia velha e, em alguns casos, até feudal, por isso é muito importante retirar a máscara de novidade que esses políticos “outsiders” usam.

Eles apresentam soluções simplistas e que olham para o sintoma, dizem que é preciso colocar mais pessoas na prisão ou que os imigrantes são a fonte dos problemas.

A teoria liberal, com menos Estado, também ganhou força nos últimos anos. Tivemos um exemplo disso no Brasil, durante o governo anterior, em que o ministro da Economia se orgulhava de defender as ideias da Escola de Chicago.

Por se tratar de um centro acadêmico, era de se esperar que a Escola de Chicago se importaria com as evidências, e as evidências nos dizem que a austeridade não funciona nem para o planeta nem para as pessoas, por aumentar a pobreza.

A ideologia dos ‘chicago boys’ é uma economia estúpida e eles sabem disso, então, para ser honesta, cheguei à conclusão de que eles apenas não se importam. Por que mais alguém cortaria as refeições escolares ou a verba para centros juvenis e bibliotecas públicas?
A pandemia alterou a relação das pessoas com o Estado, mas essa mudança foi passageira?
De repente, o Estado foi lembrado como o agente que proporcionou a vacinação, mas essa fase durou bem pouco, muitos países já estão passando por novas ondas de austeridade e dizem que gastou-se muito [durante a pandemia].

Os governos deram recursos para as famílias que não estavam trabalhando durante a quarentena e agora dizem “precisamos cortar programas sociais”, só que as consequências desses cortes acabam custando mais.

A disputa dos países na aquisição das vacinas nos deveria ensinar que todos temos interesses diferentes e conflitantes.

Estou escrevendo um novo livro sobre esse tema —por exemplo, a água é um grande problema mundial e o ciclo global nos une a todos, o desmatamento na Amazônia causa uma seca do outro lado do mundo, então, em teoria, poderíamos pensar que o mundo todo está preocupado com a água de forma conjunta, mas isso não está acontecendo.

Salvar o planeta é o grande desafio para o Estado no século 21?
O Estado tem de fornecer uma direção e exigir que todos os setores da economia inovem, pensando que o maior objetivo, claro, é a sustentabilidade, mas também a saúde e o bem-estar. É preciso estar preparado para a próxima pandemia.

O meu livro mais recente [“The Big Con”] é sobre como os governos precisam investir na capacidade de implementação de ações, sem investir no serviço público, você não saberá como agir e então ficará refém de consultorias, como ocorreu na crise de Covid.

O livro reforça como a indústria de consultorias infantilizou os governos.

RAIO-X
Mariana Mazzucato, 55
É professora de economia da inovação na UCL (University College London), onde é diretora fundadora do UCL Institute for Innovation and Public Purpose. É autora de quatro livros, incluindo “O Estado Empreendedor” e “Missão Economia”

Dentro do aquecimento global, por Leonardo Boff

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A Terra é Redonda, 30/09/2023

Neste ano já se fizeram notar as consequências funestas da mudança de regime climático.

Não estamos mais indo ao encontro do aquecimento global. Estamos já dentro dele, possivelmente de forma irreversível. Na COP 15 de Paris de 2015 se firmou o acordo de inversão de um bilhão de dólares anuais para reter o aquecimento e ajudar os países que não possuem meios suficientes para isso. A perspectiva era de evitar que o clima crescesse 1,5oC até 2030, tendo como referência o começo da era industrial.

O fato é que quase ninguém cumpriu o prometido. Como o aquecimento cresce dia a dia, chegamos ao ponto de o último relatório do IPCC de ano de 2023 e de outras fontes oficiais nos revelam que este aquecimento nos chegará antecipado entre 2025 e 2027.Ele poderá alcançar dois graus Celsius.

Temos verificado neste ano de 2023 um aumento assustador do aquecimento atingindo praticamente todo o mundo, chegando e muitos lugares acima de 40oC ou mais. Já não podemos falar simplesmente de aquecimento global, mas de mudança de regime climático da Terra. Inauguramos uma nova era, com níveis climáticos variáveis conforme as regiões, mas possivelmente se estabilizando planetariamente por volta de 38-40oC.

Neste ano já se fizeram notar as consequências funestas desta mudança de regime climático: o grande degelo das calotas polares, incêndios devastadores em muitas regiões do mundo, como no Canadá e nas Filipinas que incinerou uma inteira ilha com casas e carros e tudo o que perfaz uma cidade. No Sul do Brasil ocorreram um ciclone devastador e enchentes em muitas cidades, algumas delas praticamente destruídas.

Andando por aqueles lugares no final de setembro e refletindo em vários centros com numerosos grupos sobre esse fenômeno, sempre de novo surgia a pergunta: por que está ocorrendo esta devastação, com mortes e milhares de desabrigados? Esforcei-me, o mais que pude, para lhes conscientizar de que estes fenômenos não são naturais, mesmo com a confluência de dois fatores: o el Niño e o aquecimento global. Estes fenômenos são inaturais. Eles obedecem à nova lógica das mudanças do regime climático. Devemos todos nos preparar porque tais devastações serão cada vez mais frequentes e mais danosas.

Muitos dos mais notáveis climatólogos atestam que chegamos atrasados com nossa ciência e técnica. Elas, nas condições atuais da pesquisa, pouco podem fazer, apenas advertirmos da chegada dos ciclones, dos tufões e das tempestades e minorar os efeitos danosos. Mas eles virão fatalmente. Quer queiram ou não os negacionistas, os dirigentes de grandes corporações planetárias e de inteiros governos, o fato inegável é que entramos num estágio novo da história da Terra.

Muitos, especialmente crianças e idosos terão dificuldades de adaptação e morrerão. Igual devastação ocorrerá na própria natureza com a fauna a flora.

No que se refere às enchentes tenho explicado que cada rio possui dois leitos: o normal pelo qual ele normalmente corre e o segundo ampliado que é aquele espaço que lhe pertence e que acolhe as águas das enchentes. Neste espaço do leito ampliado não podemos fazer construções e elevar inteiros bairros. Temos que respeitar o que lhe pertence e reforçar a mata ciliar que margeia seu leito principal. Caso contrário, enfrentaremos destruições momentosas com muitas vítimas de pessoas e de animais que pertencem à nossa comunidade de vida.

Aprendemos pela ecologia não meramente verde e ambiental, mas pela ecologia integral (urbana, social, política, cultural e espiritual) aquilo que é a tese fundamental da física quântica e de todo discurso ecológico: todos os seres estão interligados. Tudo é relação e nada existe fora da relação. Isso nos leva a incorporar uma compreensão que identifica as conexões de todos os fenômenos. O terremoto do Marrocos, a enchente na Líbia, os incêndios no Canadá e a onda quase insuportável de calor que tomou conta da Europa e em quase todo o nosso país, tem a ver com as enchentes no Sul do país. Pois o problema é sistêmico, afeta todo o planeta.

A maioria das audiências públicas organizadas pelos organismos do governo federal e estadual geralmente é hegemonizada pelo discurso dos cientistas. Eles não são os melhores conselheiros pois trabalham os meios técnicos, sugerem medidas dentro do sistema no qual estamos encerrados, mas não se colocam a questão dos fins.

O discurso é dos fins e não dos meios: que tipo de Terra queremos? Que mudanças devemos fazer no modo de produção e consumo? Como diminuir a vergonhosa desigualdade social mundial? A maioria cai na ilusão de que dentro do atual sistema produtivista seja capitalista seja socialista, notoriamente devastador dos bens e recursos da natureza, pode-se chegar a soluções que resultam da diminuição de gazes de efeito estufa. Ledo engano. Dentro desta bolha que ocupou todo o planeta não há solução contra a mudança de regime climático. Pois são exatamente eles que sugam os recursos escassos da natureza que consequentemente produzem milhões de toneladas anuais de CO2 e de metano (28 vezes mais danoso que o CO2) lançadas na atmosfera.

É urgente, se queremos ainda permanecer neste planeta, fazer uma “conversão ecológica fundamental” como o diz a encíclica do Papa Como cuidar da Casa Comum.

Os grandes conglomerados e aquela pequeníssima porção de pessoas que controla o sistema de produção e os fluxos financeiros de onde tiram seus fabulosos lucros, jamais aceitam tal mudança. Perderiam seus ganhos, privilégios, poder econômico e político. No entanto, seguir por este caminho tornaremos a Terra cada vez mais inabitável, com milhões se refugiados climáticos e emigrantes que já não podem mais viver em seus lugares queridos. Engrossaremos o cortejo daquele que rumam na direção de sua própria sepultura. Se quisermos evitar este destino, devemos mudar.

Qual a alternativa necessária? Não é aqui o espaço para detalhar esta complexa resposta. Mas refiro apenas duas palavras-chaves: passar do ser humano, hoje dominante, como “dominus”, senhor e dono da natureza e não se sentindo parte dela, explorando-a sem limites para o ser humano como “frater” irmão e irmã entre todos os humanos e também com os demais seres da natureza da qual é a parte consciente, porque possuímos com eles e mesma base biológica e cuidamos dela.

Somos de fato irmãos e irmão, por um dado de ciência mais do que pela mística cósmica de São Francisco. O fato é que não nos tratamos como irmãos e irmãs. Somos antes insensíveis e até cruéis. Sobre tal tema remeto aos meus próprios escritos que tentam detalhar este novo rumo.

*Leonardo Boff é eco-teólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de O doloroso parto da Mãe Terra: uma sociedade de fraternidade sem fronteiras e de amizade social (Vozes).

Na ONU, o Brasil volta a si, por Maria Hermínia Tavares.

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Lula reiterou posições clássicas da nossa diplomacia e elencou prioridades novas.

Maria Hermínia Tavares, Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

Folha de São Paulo, 28/09/2023

Quem se der ao trabalho de comparar o discurso de presidente Lula na abertura da Assembleia-Geral da ONU, na terça-feira (19), com o pronunciamento de Jair Bolsonaro na mesma tribuna quatro anos atrás, será recompensado com uma tripla dose de alívio. Pela voz do seu chefe de governo, o Brasil voltou à antiga forma: falou bem, foi digno e ambicioso na justa medida.

Aquela reunião anual não é foro para decisões. É um ritual em que, por se fazer representar à altura do evento, os seus 193 estados-membros reafirmam a adesão ao multilateralismo; compartilham a sua visão do estado do mundo; explicam as suas escolhas em política externa e marcam posição diante das decisões coletivas a tomar.

Nos 21 minutos em que se fez ouvir, o líder brasileiro falou dos princípios que orientam a ação internacional do país; das prioridades que deveriam nortear as nações ali reunidas; das urgentes reformas institucionais para ressuscitar as organizações do sistema ONU à beira da irrelevância.

Lula reiterou posições clássicas da diplomacia brasileira –mas também elencou prioridades novas. De um lado, tratou de temas que de há muito configuram a identidade internacional do país: defesa da democracia; busca de soluções pacíficas para os conflitos; demanda por reforma das organizações multilaterais a fim de dar mais voz aos países intermediários –em especial por meio da ampliação de seu espaço no Conselho de Segurança e nos órgãos de governança econômica do FMI e do Banco Mundial.

De outro lado, deu promissora importância à agenda ambiental e à maneira como ela deveria se entrelaçar com a meta maior de redução das desigualdades. Assim, reafirmou a disposição de cumprir, no prazo estipulado (2030), os 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) definidos pela ONU e que dão corpo à convergência daqueles dois objetivos. Sem esquecer da reativação do Tratado de Cooperação Amazônica e da interlocução entre os países com extenso patrimônio florestal.

Para atestar os compromissos do seu governo com a agenda ambiental, falou do Plano de Transformação Ecológica, fruto da cooperação entre os Ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente –e destinado a mudar o rumo das políticas de desenvolvimento. Invocou o princípio das responsabilidades comuns e diferenciadas na proteção do planeta, cobrando das nações ricas o financiamento das políticas ambientais das mais pobres.

O ambicioso pronunciamento é uma carta de princípios que ultrapassa o que o país pode fazer de fato.

Trunfo para valer só na agenda ambiental. É aí que se poderá ancorar um protagonismo que vá além da oratória.

A geração Z e as ameaças do álcool, por Laura Cury

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Taxação mais rígida e restrições publicitárias devem ser observadas

Laura Cury, Coordenadora do projeto álcool da ACT Promoção da Saúde

Folha de São Paulo, 01/10/2023

As mudanças sociais e demográficas recentes promoveram um prolongamento da adolescência que, segundo especialistas, duraria até os 24 anos. São justamente os indivíduos que vivem a transição entre a adolescência e a vida adulta que apresentaram dados alarmantes sobre saúde e comportamento na última edição do Covitel, o Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia.

Os jovens brasileiros dormem pouco (45,8%), praticam menos de 150 minutos de atividade física por semana (63,1%), não consomem frutas (33,5%) e verduras e legumes (39,2%) de forma regular e fazem uso excessivo de telas (76,1%). Todos esses fatores contribuem para o aumento de 90% da obesidade entre 2022 e 2023, quando o índice saltou de 9% para 17,1%, e para que 1,4 milhão tenha hipertensão, e 750 mil, diabetes. Vêm também dessa faixa etária os maiores percentuais de consumo de dispositivos eletrônicos de fumar, de 6,6%.

Se esses dados já acendem um sinal vermelho acerca da saúde da juventude e das consequências futuras dos hábitos ruins, como maior índice de mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), sobrecarga dos sistemas de saúde no futuro e envelhecimento nada saudável dessa população, as informações sobre consumo de álcool são ainda mais preocupantes.

Jovens são os que mais consomem bebidas alcoólicas de forma abusiva: 32,6%. Também são os que mais relataram não lembrar do que fizeram enquanto embriagados. O álcool ocupa um lugar privilegiado na sociedade: está nas comemorações, nas festas, nas confraternizações de família. Começar a beber é visto como um rito da vida adulta. A consequência é que 4,8% de jovens já relatam dependência ou risco de desenvolvê-la.

As bebidas alcoólicas fazem mal à saúde física e mental, tão prejudicadas pela pandemia. O álcool é um depressor do sistema nervoso central e pode agravar sintomas de ansiedade e depressão —diagnósticos em crescimento entre pessoas de 18 a 24 anos. Há também evidências do aumento de ocorrências de violência, seja no trânsito, doméstica ou suicídios. O álcool também responde por DCNTs como câncer, cardiovasculares e diabetes.

O senso comum diz que não há necessidade de pensar em ações para esse grupo, mas é fundamental garantir o acesso à saúde —física e mental— e desmistificar o tema entre jovens, além de incentivar a prática de esportes, o contato social e a redução do uso de telas.

A Reforma Tributária é uma oportunidade para garantir incentivos fiscais para produtos saudáveis e endurecer impostos para cigarros, alimentos e bebidas ultraprocessados e alcoólicas. É, também, essencial criar restrições à publicidade e ao marketing de álcool.

Enquanto a propaganda for indiscriminada, o imaginário em torno das bebidas não vai mudar. Não há glamour no álcool: a Organização Mundial da Saúde já declarou que qualquer dose é prejudicial. Apoiar pessoas jovens é investir em um futuro mais saudável para toda a população.

Brics

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As constantes transformações na sociedade internacional exigem uma visão estratégica, centrada na consciência de suas potencialidades, suas dificuldades estruturais e os anseios sobre o futuro imediato, desta forma, precisamos reconstruir novos espaços de comércio mundial, retomando acordos estratégicos e uma ação mais efetiva no novo cenário geopolítico, marcado por atores ascendentes e desafios incomensuráveis para todas as nações.

Neste momento, percebemos que o eixo de poder global está em constante alteração, as nações que regiam o concerto internacional, os países ocidentais desenvolvidos, estão perdendo espaço na comunidade mundial, suas estruturas industriais vem perdendo espaço, muitas nações estão se desindustrializando, com isso, percebemos a criação de novas oportunidades e grandes desafios, exigindo uma visão mais articulada, mais audaciosa e grande ousadia, desenvolvendo projetos econômicos consistentes, fortalecimento a unidade política, desenvolvendo uma visão estratégica, compreendendo as instabilidades e incertezas do mundo, as nações precisam correr riscos, afinal estamos numa sociedade em constante transformação.

Neste cenário, percebemos os espaços abertos com o crescimento e o fortalecimento do bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que nasceu como um acrônimo criado por um economista de um grande banco de investimento, Goldman Sachs, John O’ Neil, que criou a expressão se referindo aos chamados países baleias, que tinham em comum grandes extensões territoriais, alto contingente populacional e que, segundo esse teórico, seriam as economias que dominariam a economia no século XXI. Deste acrônimo, os países criaram o Bloco dos Brics, com sede na China e ganhou relevância da economia internacional, força política e importância estratégica e geoestratégica, lembrando-os que neste grupo, estão os chineses, vistos como a maior economia do mundo em paridade de poder de compra, ultrapassando a economia norte-americana.

Neste encontro, foram aceitos novos membros no bloco dos Brics, passando a ser vistos como o Brics Plus, onde foram incorporados Argentina, Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Etiópia e Irã, desta forma, o bloco ganhou musculatura e se espalhou para outras regiões do mundo, lembrando que além destes países que ganharam assento nos Brics mais de trinta outras nações demonstraram interesses em participar deste bloco renovado, angariando poder no cenário global e aumentando a maior influência política em questões internacionais e demonstrando que estamos vivendo uma sociedade multipolar, se distanciando de uma visão unilateral e centradas nos interesses das nações ocidentais desenvolvidas, que dominaram a sociedade internacional desde a Revolução Industrial, impondo seus valores, seus interesses financeiros, sua visão cultural e destacando o poder de sua moeda e de sua estrutura bélica, como forma de dominação e hegemonia.

A ascensão dos Brics no cenário internacional nos mostra novos horizontes de investimentos produtivos, novos valores e novas culturais nacionais, exigindo, ao mesmo tempo, uma visão geoestratégica mais consistente, grande capacidade de negociação política, incrementando novas agendas e menos atreladas as potências ocidentais.

Neste momento da sociedade internacional, marcada por grandes transformações e desafios, é imprescindível e urgente, que cada nação construa um projeto coerente para compreendermos os desafios do mundo contemporâneo, deixando de lado conflitos degradantes e discussões intermináveis sem sentido e que prejudicam o futuro da sociedade brasileira, precisamos de lideranças competentes e grande potencial de vislumbrar as reais necessidades da população. É fundamental construirmos uma sociedade mais igualitária, com novos horizontes de ascensão social, com uma educação de qualidade para todos os cidadãos, com uma tributação justa e rejeitando um sentimento que foi muito bem destacado por Nelson Rodrigues quando descreveu o viralatismo da elite nacional que contribuem para a manutenção da estagnação econômica e dos nossos ultrajantes indicadores sociais.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

Novíssima dependência, por Luiz Gonzaga Belluzo

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Luiz Gonzaga de Mello Belluzo – A Terra é Redonda – 20/09/2023

Vou perpetrar a ousadia de rabiscar algumas ideias a respeito do livro de Lucas Crivelenti e Castro Novíssima dependência: a subordinação brasileira ao imperialismo no contexto do capitalismo financeirizado.

Peço vênia, diria um jurista de escola, para começar com a globalização, um conceito demasiado impreciso, enganoso e carregado de contrabandos ideológicos. Entre os contrabandos mais notórios, inscreve-se a tentativa de excluir as relações de poder entre os Estados nacionais, ou seja, abolir as relações entre os Impérios e seus súditos.

Ainda assim, se pretendemos avançar na análise e compreensão dos processos de transformação que sacodem a economia e a sociedade contemporâneas, estamos condenados a empreender a crítica ao conceito de globalização.

São muitos os que defendem, desde uma posição supostamente “científica”, o caráter benigno do chamado processo de globalização. Dois pressupostos estão implícitos nesta formulação: (i) a globalização conduzirá à homogeneização das economias nacionais e à convergência para o modelo liberal de mercado; (ii) esse processo ocorre acima da capacidade de reação das políticas decididas no âmbito dos Estados nacionais.

As receitas liberal-conservadoras, em voga, recomendam para os países emergentes, popularescas deduções, em linha direta, dos modelos abstratos da teoria neoclássica. Senão vejamos: a ampla abertura comercial está apoiada na vetusta teoria das vantagens comparativas, sem as tímidas modificações da “nova teoria do comércio”; as privatizações e o não intervencionismo do Estado emanam de uma modelo competitivo de equilíbrio geral; a liberalização financeira decorre da hipótese dos mercados eficientes.

Quando falamos em etapa financeira do capitalismo, em capitalismo financeiro, frequentemente não nos damos conta do significado que essa palavra tem. Karl Marx tratou a forma financeira como a mais desenvolvida do capital. “Mais desenvolvida” na concepção marxista diz respeito à realização do conceito de capital enquanto processo de acumulação de riqueza, monetária, abstrata. A economia do capital é um regime cujo objetivo não é a produção de mercadorias, nem mesmo a submissão do trabalho, ainda que em sua metamorfose – Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro – o capital seja obrigado a passar necessariamente por tais agruras.

Karl Marx trabalha com a simultaneidade de dois movimentos: o da reiteração dos mecanismos
básicos de reprodução econômica e social do capitalismo e a transformação, a mudança, conduzida pelo incessante impulso à superação destes limites. É essa a história do capitalismo.

Autoidentidade e diferença, no sentido de que os mecanismos de controle despótico impostos pela máquina capitalista continuam a operar sempre, enfrentando os métodos de resistência e as alternativas criadas pelas classes trabalhadoras na luta de classes. Vamos repetir: o regime do capital tem uma única finalidade: acumulação de riqueza abstrata, encarnada no dinheiro. Por isso, no capitalismo qualquer ato só adquire significado econômico quando começa e termina com o dinheiro.

A financeirização não é, portanto, uma deformação do capitalismo, mas um “aperfeiçoamento” de
sua natureza. Aperfeiçoamento que exaspera o seu movimento contraditório: na incessante busca da “perfeição”, ou seja, a acumulação de dinheiro a partir do dinheiro – sem a mediação da exploração do trabalho – o regime do capital é obrigado a desvalorizar a força de trabalho e a expandir o capital fixo para além dos limites permitidos pelas relações de produção, o que engendra as crises periódicas de realização e de superacumulação.

No capitalismo, a finança é a instância de controle e dominação. É através da forma financeira
que se realiza a chamada alocação de recursos, processo encarado pela economia neoclássica como a grande proeza dos mercados competitivos. Na visão marxista, a concorrência capitalista se realiza no âmbito dos mercados financeiros que promovem, de fato, a distribuição de recursos mediante o “descongelamento” do capital imobilizado nas diversas esferas de produção, em busca das melhores oportunidades e das aplicações mais rentáveis.

A respeito do tema alocação de recursos, vou me permitir a reprodução de um trecho do livro Dinheiro: o poder da abstração real, escrito em parceria com Gabriel Galípolo: “Sob os auspícios do capital financeiro e de um sistema monetário internacional assimétrico, ocorreu a brutal centralização do controle das decisões de produção, localização espacial e utilização dos lucros em um núcleo reduzido de grandes corporações e instituições financeiras à escala mundial. A centralização do controle impulsionou e foi impulsionada pela fragmentação espacial da produção”.

A centralização do comando no capital financeiro alterou profundamente a estratégia da grande empresa produtiva. Os lucros acumulados são primordialmente destinados às operações de tesouraria. Já os novos empréstimos financiam a recompra das próprias ações para garantir “valorização” da empresa. Dados do Federal Reserve (FED) revelam que, no período 2003-2008, o volume de crédito destinado a financiar posições em ativos já existentes foi quatro vezes maior do que os créditos destinados à criação de emprego e renda no setor produtivo.

Na posteridade da crise de 2008, a reiteração da dominância da forma financeira da riqueza e dos rendimentos das empresas e das famílias endinheiradas está ancorada “em derradeira instância” no inchaço das dívidas públicas nacionais.

Vamos repetir uma banalidade: a dívida pública é riqueza privada. Para a compreensão do enriquecimento e reprodução das desigualdades é necessário avaliar o papel do endividamento público no ciclo atual de “inflação de ativos”. Os “mercados” sustentam uma nova escalada de preços nas bolsas de valores, escorados nas operações do FED com títulos públicos destinadas a regular a liquidez e manter reduzidas as taxas longas. Os títulos do governo americano constituem, portanto, o lastro de última instância, fiador das políticas monetárias de “facilitação quantitativa” e de suas consequências para a deformação da riqueza e ampliação das desigualdades.

O capitalismo global assumiu a sua forma mais avançada como economia monetária, cujos agentes
detentores dos poderes de criação da riqueza social são tangidos pelo império da acumulação de riqueza abstrata. Isso não depende da maldade ou bondade desses agentes, senão de forças sistêmicas que lhes impõem a necessidade de desejar sempre mais para sobreviver em sua natureza capitalista. Esse comportamento impulsiona a dinâmica sistêmica e, ao mesmo, é reforçado por ela. É necessário sublinhar a palavra forma porque a compreensão da dinâmica capitalista como movimento das formas transformadas permite conferir significado preciso à palavra contradição. Contradição como negação da negação no movimento de construção de novas positividades, logo adiante negadas.

É sob esse critério que devemos observar a concomitância entre o avanço tecnológico, pífia evolução na produtividade trabalho, dissolução das relações salariais, queda nos rendimentos médios dos trabalhadores, encolhimento da massa de salários, empregos precários, redução nas taxas de investimento, crescimento explosivo do endividamento privado e público, a valorização incessante dos ativos financeiros e, finalmente, o rápido agravamento das condições ambientais.

Estas transformações nos mercados financeiros ocorridas nas últimas duas décadas estão submetendo, de fato, as políticas macroeconômicas nacionais à tirania de expectativas volúveis.

Não foram poucos os ataques especulativos contra paridades cambiais, os episódios de deflação brusca de preços de ativos reais e financeiros, bem como as situações de periclitação dos sistemas bancários. É desnecessário reafirmar que estes episódios são o resultado inevitável, na maior parte dos casos, do livre movimento do floating capital.

Essas situações têm sido contornadas pela ação de última instância de governos e bancos centrais da tríade (Estados Unidos, Alemanha e Japão). Apesar disso, não raro, até mesmo países sem tradição inflacionária foram submetidos a crises cambiais e financeiras, cuja saída exigiu sacrifícios em termos de bem-estar da população e renúncia de soberania na condução de suas políticas econômicas.

A inserção dos países neste processo de globalização foi hierarquizada e assimétrica. Os Estados Unidos usufruindo de seu poder militar e financeiro dão-se ao luxo de impor a dominância de sua moeda, ao mesmo tempo em que mantêm um déficit elevado e persistente em conta corrente e uma posição devedora externa. Isto significa que o os mercados financeiros parecem dispostos a aceitar, pelo menos por enquanto, que os Estados Unidos exerçam, dentro de limites elásticos, o privilégio da “segniorage”.

Esta polarização da confiança se traduz em limitações à autonomia das políticas nacionais de outros países. A intensidade da restrição depende da forma e do grau da articulação das economias nacionais com os mercados financeiros sujeitos à instabilidade das expectativas. Japão e Alemanha, por exemplo, são superavitários e credores e por isso têm mais liberdade para praticar expansionismo fiscal e juros baixos, ou tolerar amplas flutuações no valor de suas moedas, sem atrair a desconfiança dos especuladores.

Países, com passado monetário turbulento, precisam pagar elevados prêmios de risco para refinanciar seus déficits em conta corrente. Isto representa um sério constrangimento ao raio de manobra da política monetária, além de acuar a política fiscal pelo crescimento dos encargos financeiros nos orçamentos públicos.

O “capital vagabundo” conta, nos Estados Unidos, com um mercado amplo e profundo, onde imagina poder descansar das aventuras em praças exóticas. A existência de um volume respeitável de papéis do governo americano, reputados por seu baixo risco e excelente liquidez, tem permitido que a reversão dos episódios especulativos, com ações, imóveis ou ativos estrangeiros, seja amortecida por um movimento compensatório no preço dos títulos públicos americanos.

Os títulos da dívida pública americana são vistos, portanto, como um refúgio seguro nos momentos em que a confiança dos investidores globais é abalada. Isto significa que o fortalecimento da função de reserva universal de valor, exercida pelo dólar, decorre fundamentalmente das características já aludidas de seu mercado financeiro e do papel crucial desempenhado pelo Estado americano como prestamista e devedor de última instância.

É por isso que as oscilações das taxas de juros de longo prazo, que exprimem as variações de preços dos títulos de 10 anos do Tesouro americano, são hoje, no mundo das finanças desregulamentadas e securitizadas, o indicador mais importante do estado de espírito dos mercados globalizados. Seus movimentos refletem as antecipações dos administradores das grandes massas de capital financeiro a respeito da evolução do valor de suas carteiras, que tomam as variações de preços dos títulos do Tesouro como base para fazer antecipações sobre evolução provável dos preços e da liquidez dos diferentes ativos, denominados em moedas distintas.

Os novos mercados têm a obsessão da liquidez, como diz o professor Michel Aglietta. Essa obsessão, aliás, é a decorrência natural e inevitável de mercados cuja operação depende de conjeturas a respeito da evolução do preço dos ativos. Apesar de todas as técnicas de cobertura e distribuição de riscos entre os agentes, ou até por causa delas, estes mercados desenvolveram uma enorme aversão à iliquidez e aos compromissos de longo prazo.

Além disso, e muito importante: aumentou significativamente a sensibilidade dos novos mercados financeiros a elevações imaginadas das taxas de inflação. Ainda que a mudança prevista no patamar inflacionário possa ser julgada desprezível – se avaliada pelos critérios das décadas anteriores – a reação dos mercados tende a ser muito elástica às antecipações pessimistas.

Por isso, é de pouca sabedoria dizer, como o fez o relatório do BIS, que os níveis atuais de inflação (ou de deflação rastejante) são razoáveis e que os governos deveriam tratar do crescimento. Cabe perguntar: são razoáveis para quem? As opiniões dominantes são, nesta etapa do capitalismo, aquelas que se aferram à defesa do valor real da riqueza já existente, ou da “riqueza velha”, em detrimento do espírito empreendedor que busca a criação de nova riqueza.

Vivemos num mundo em que predomina o “ethos” do rentismo e prevalecem as taxas de juros reais elevadas.

A sensibilidade à inflação e a aversão à iliquidez, que se exprimem através das reações das taxas longas, funcionam como freios automáticos, cuja função é conter o crescimento da economia real, antes que ele se revele “inconveniente” para os detentores de riqueza financeira.

Estas peculiaridades da finança contemporânea, fundada na preeminência de mercados amplos e profundos para a negociação de papéis e seus derivativos, têm suscitado uma variedade muito grande de interpretações. O crescimento espetacular da riqueza financeira (em relação a outras formas de acumulação da grande empresa e das famílias de alta renda) e o desenvolvimento correspondente de mercados sofisticados e abrangentes, destinados à avaliação diária desta massa de riqueza mobiliária, estão afetando de forma importante o comportamento do investimento, do consumo e também do gasto público.

Independentemente das boas intenções ou de reformas virtuosas buscadas pelos governos, a lógica
da valorização patrimonial vai se apoderando de todas as esferas da economia, impondo os seus critérios como os únicos aceitáveis em qualquer decisão relativa à posse da riqueza. Não se trata apenas de que o cálculo do valor presente do investimento produtivo seja afetado pelo estado de preferência pela liquidez nos mercados financeiros (um velho, mas pouco compreendido problema keynesiano), mas sim que a acumulação produtiva vem sendo “financeirizada” como, aliás, o professor José Carlos Braga vem tentando explicar em seus trabalhos pioneiros.

A generalização e intensificação da concorrência, protagonizadas pela grande empresa, que opera em múltiplos setores e em muitos mercados só pode ser compreendida corretamente à luz destas transformações financeiras.

As questões relativas às estratégias de localização da corporação transnacional moderna ou de suas mutações morfológicas (constituição de empresas-rede, com concentração das funções de decisão e de inovação e dispersão das operações comerciais e industriais) devem ser avaliadas a partir desta perspectiva. O fenômeno se apresenta, prima facie, sob a forma de “contestação” das estruturas oligopolistas “estabilizadas” que regulavam a concorrência no período anterior.

Analisada com mais profundidade, essa generalização da concorrência explicita uma nova etapa de reconcentração e recentralização dos blocos de capital, sob a égide e a disciplina do capital financeiro.

A economia mundial está atravessando um momento de intensificação da rivalidade intercapitalista (o que não exclui acordos e coalizões, mas os supõe) e, neste clima, nenhum protagonista é capaz de garantir a posição conquistada. Por isso, todos se sentem compelidos a ganhar a dianteira.

Para escândalo dos liberais, a grande empresa que se lança a incertezas da concorrência global necessita cada vez mais do apoio dos Estados Nacionais dos países de origem. O Estado está cada vez mais envolvido na sustentação das condições requeridas para o bom desempenho das suas empresas na arena da concorrência generalizada e universal. Elas dependem do apoio e da influência política de seus Estados Nacionais para penetrar em terceiros mercados (acordos de garantia de investimentos, patentes etc.), não podem prescindir do financiamento público para suas exportações nos setores mais dinâmicos e seriam deslocadas pela concorrência sem o benefício dos sistemas nacionais de ciência e tecnologia.

Ao invés da vitória dos mercados, em que prevalece o automatismo da concorrência perfeita, estamos assistindo à reiteração da “politização” da economia. As transformações em curso não se propõem a reduzir o papel do Estado, nem enxugá-lo, mas almejam aumentar sua eficiência na criação de “externalidades” positivas para a grande empresa envolvida na competição generalizada. A disparidade de situações e de projetos nacionais e regionais, entre os países desenvolvidos e entre estes e os países em desenvolvimento, vem aumentando nos últimos anos.

O relatório da UNCTAD Trade and Development Report de 2003 traz o subtítulo “Acumulação de capital, crescimento e mudança estrutural”. Trata-se de um estudo histórico-comparativo sobre o desempenho dos países em desenvolvimento ao longo do movimento de transformação da economia global nas décadas dos 1980 e 1990.

(i) os de industrialização madura como a Coréia e Taiwan que já atingiram um grau elevado de industrialização, produtividade e renda per capita, mas apresentam uma taxa declinante de crescimento industrial; (ii) os de industrialização rápida, como a China e talvez a Índia que – mediante políticas que favorecem elevadas taxas de investimento doméstico e graduação tecnológica – apresentam uma crescente participação das manufaturas no produto, emprego e exportações; (iii) os de industrialização de enclave, como o México que, a despeito de aumentar sua participação na exportação de manufaturados têm desempenho pobre em termos de investimento, valor agregado manufatureiro e produtividade totais; e (iv) finalmente, os países em vias de desindustrialização, que inclui a maioria dos países da América Latina.

A tipologia desenhada pela UNCTAD é o ponto de chegada do jogo complexo. Em todas as etapas de expansão do capitalismo este jogo envolve as transformações financeiras, tecnológicas, patrimoniais e espaciais que decorrem da interação de dois movimentos: (a) o processo de concorrência movido pela grande empresa, sob a tutela das instituições nucleares de “governança” do sistema: a finança e o Estado hegemônico; e (b) as estratégias nacionais de “inserção” das regiões periféricas. As transformações que hoje observamos são impulsionadas pelo jogo estratégico entre o “polo dominante” – no caso a economia americana, sua capacidade tecnológica, a liquidez e profundidade de seu mercado financeiro, o poder de seignorage de sua moeda – e a capacidade de “resposta” dos países em desenvolvimento às alterações no ambiente internacional.

É desnecessário dizer que as economias periféricas dispõem de estruturas e trajetórias sociais, econômicas e políticas muito dessemelhantes, o que dificulta para umas e facilita para outras a chamada “integração competitiva” nas diversas etapas de evolução do capitalismo. Assim, por exemplo, o sucesso do Brasil, até o início dos anos 1980, desencadeou a crise que iria provocar o seu reiterado “fracasso” na tentativa de se ajustar às novas condições internacionais. No polo oposto, o fracasso chinês até os anos 1980 propiciou condições iniciais mais favoráveis para o sucesso das reformas empreendidas a partir de então.

A década de 1970 é o momento da aproximação China-EUA, promovida por Nixon e Kissinger. De uma perspectiva geopolítica e geoeconômica, a inclusão da China no âmbito dos interesses americanos é o ponto de partida para a ampliação das fronteiras do capitalismo, movimento que iria culminar no conflito entre o protecionismo do republicano (liberal?) Donald Trump e o “livre-comércio” do
comunista Xi-Jinping. Ironias da história: uma coisa é uma coisa, outra coisa é a mesma coisa.

Essa “desarticulação” (ou rearticulação?) econômica descortinou uma nova fase, marcada por conflitos e contradições entre o modo de funcionamento dos mercados globalizados e os espaços jurídico-políticos nacionais.

A partir dos anos 1980, a liberalização das contas de capital, a desregulamentação financeira e comercial, revigorou a vocação universalista das empresas americanas. No afã de reduzir os custos salariais e escapar do dólar valorizado, o deslocamento “competitivo” da produção manufatureira americana buscou as regiões em que prevaleciam baixos salários, câmbio desvalorizado e perspectivas de crescimento acelerado.

Isso promoveu a “arbitragem” com os custos salariais à escala mundial, estimulou a flexibilização das relações de trabalho nos países desenvolvidos e subordinou a renda das famílias ao aumento das horas trabalhadas. O desemprego aberto e disfarçado, a precarização e a concentração de renda cresceram no mundo abastado.

No outro lado do mesmo processo, as lideranças chinesas valeram-se da
“abertura” da economia ao investimento estrangeiro ávido em aproveitar a oferta abundante de mão de obra. Apostaram na combinação favorável entre câmbio real competitivo, juros baixos para empreender estratégias nacionais de investimento em infraestrutura, absorção de tecnologia com excepcionais ganhos de escala e de escopo, adensamento das cadeias industriais e crescimento das exportações.

À sombra da aproximação com os Estados Unidos e outros países ocidentais, Deng Xiaoping entrosou as reformas domésticas com a abertura ao investimento estrangeiro. Nesse momento, a força do dólar e as condições oferecidas pelo mercado financeiro dos EUA favoreceram a migração das empresas de Tio Sam para fruir as vantagens do novo espaço de expansão.

Em simultâneo à abertura controlada, “o mercado passou a ser instrumento de governo para revigorar sua base material”. A reinauguração do mercado na China inicia-se com a permissão aos camponeses ao comércio de seus excedentes de produção, fato que pode ser comparado com o destampamento de uma panela de pressão que foi a base do desenvolvimento da sociedade chinesa por cerca de três mil anos e que fora temporariamente proibido. O resultado foi o aumento da produtividade agrícola e a “fabricação de fabricantes” em massa. Atualmente, 80% dos empresários de Shenzhen eram camponeses médios em 1978.

A formulação estratégica do Partido Comunista da China está ancorada em um sistema de consultas da base para a cúpula e vice-versa, sistema que obedece a uma sequência de instâncias de avaliação e decisão. Uma vez tomada a decisão, as burocracias de Estado, os gestores das empresas estatais, os governos provinciais, o People’s Bank of China, todos cuidam de implementar as diretrizes.

Durante a primeira década do novo milênio, a taxa de crescimento média anual da economia chinesa foi de 10,5%, contra 1,7% dos EUA e 0,9% da Alemanha. No fim da década, a China respondia por 42% da produção mundial de televisores em cores, 67% dos produtos de vídeo, 53% dos telefones móveis, 97% dos PCs e 62% das câmeras digitais.

O livro China versus The West, de Ivan Tselichtchev, dá a dimensão da transformação ocorrida. Nos anos 1980, a economia chinesa detinha o mesmo 1% do Brasil de participação no comércio mundial, em 2010 sua participação saltou para 10,4%, contra 8,4% dos EUA e 8,3% da Alemanha.

A escalada chinesa avançou amparada na relação favorável câmbio/salários, nos crescentes ganhos de escala e no rápido desenvolvimento tecnológico. A China enfrentou os desafios da globalização com concepções e objetivos que desmentem a propalada perda de importância das políticas nacionais e intencionais de industrialização e desenvolvimento.

A estratégia chinesa promoveu, com sucesso, a atração do investimento direto estrangeiro em parceria com as empresas locais, privadas e públicas. A determinação da taxa de câmbio escapou aos humores dos mercados financeiros. Foi utilizada como instrumento de competitividade e de atração do investimento forâneo.

Em 2013, o presidente Xi Jinping lançou o projeto “Nova Rota da Seda”, um programa de longo prazo para promover investimentos e conexões com todas as regiões do mundo. Esse projeto revela que, em poucas décadas, a China virou o jogo. Antes da Rota da Seda, o Império do Meio havia transitado de receptor de capitais para grande promotor de investimentos no exterior.

Em discurso de abertura no 19º Congresso do Partido Comunista da China, Jinping discorreu a respeito da economia com características chinesas. O presidente anunciou políticas de “ampliação do papel do mercado e de reforço às empresas estatais”. Ao avaliar as palavras de Jinping em sua edição de 22 de julho de 2017, a revista The Economist publicou um artigo com o título “Seleção Antinatural”. A revista imagina que a “seleção natural” é promovida pela livre concorrência, processo que sobrevive apenas nos livros-textos de introdução à economia. O capitalismo aboliu-o há tempos. Inspirada nesse anacronismo, The Economist lamentou o programa chinês de fusões das empresas estatais (Soes): “A agência do governo organizou a fusão de portos, ferrovias, produtores de equipamentos e empresas de navegação… Essas ações parecem destinadas a promover campeões nacionais”.

O governo chinês encaminhou uma dura reforma de suas empresas estatais nos últimos anos da década de 1990. Preparar sua economia ao cumprimento das normas de admissão à Organização Mundial do Comércio, ocorrida em 2001, demandou conceber um tipo de empresa com forte tendência à conglomeração, métodos de administração ultramodernos, comercialmente agressivas e com função de núcleo duro do desenvolvimento de um Sistema Nacional de Inovação.

*Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, é Professor Emérito da Unicamp. Autor entre outros livros, de O tempo de Keynes nos tempos do capitalismo (Contracorrente).

Ascensão e queda do laissez-faire, por Fernando Nogueira da Costa

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Fernando Nogueira da Costa – A Terra é Redonda – 18/09/2023

A campanha política pelo livre comércio diante do Estado mercantilista fixou o laissez faire na mente popular como a conclusão prática da economia política liberal

O Mercantilismo ficou conhecido como um conjunto de ideias e práticas econômicas executadas pelos Estados absolutistas europeus, posterior ao período do Feudalismo. Representava a intervenção do Estado sobre a economia, tomando medidas protecionistas de modo a garantir o enriquecimento com base na quantidade de metais preciosos (ouro e prata) armazenados nos seus cofres para gastos públicos e importação.

O Mercantilismo se intensificou a partir do século XV, com o início das grandes explorações marítimas, e entrou em declínio em meados do século XVIII, com o surgimento de ideias liberais, onde o iluminismo, o individualismo e o laissez-faire começaram a questionar a interferência direta do Estado na economia. Quem saía ganhando mais com este sistema econômico era o rei e a nobreza.

A campanha política pelo livre comércio diante do Estado mercantilista fixou o laissez faire na mente popular como a conclusão prática da economia política liberal: a favor do controle dos gastos do rei e dos nobres ricos. O liberalismo iluminista defendia a verdadeira liberdade aceita pela burguesia: “todo homem ser deixado livre para dispor de sua própria propriedade, de seu próprio tempo, de sua força e de sua habilidade, da maneira a qual julgar adequada, caso não faça mal a seus vizinhos”.

Em suma, segundo John Maynard Keynes no ensaio “O Fim do Laissez-Faire”, a filosofia política, nos séculos XVII e XVIII, forjada para derrubar reis e prelados, fez o dogma liberal tomar conta da máquina educacional, tornou-se uma máxima de caderno escolar. Daí “quase todos os economistas, de renome ou não, estejam sempre prontos para encontrar buracos na maior parte das propostas socialistas”.

Os economistas, comentou John Maynard Keynes, já não tinham qualquer ligação com as filosofias teológicas ou políticas das quais nasceu o dogma da harmonia social. Afinal, a sua análise “científica” não os levava a tais conclusões.

Cairnes (1823-1875), em palestra em 1870, foi talvez o primeiro economista a desferir um ataque frontal contra o laissez faire em geral. “A máxima de laissez faire”, declarou ele, “não tem qualquer base científica e é, na melhor das hipóteses, mera regra prática”.

Depois, notáveis economistas reconheceram o interesse privado e o interesse social não serem harmoniosos. No entanto, a atitude não dogmática dos economistas menos ideológicos não prevaleceu contra a opinião geral de uma política individualista do laissez faire ser tanto o que eles deveriam ensinar quanto o que de fato ensinam.

Os economistas, como outros cientistas, escolheram a hipótese de partida oferecida aos principiantes, simplesmente, porque é a mais simples – e não porque é a mais próxima dos fatos. Foram influenciados pelas tradições do assunto.

Começaram por assumir um estado de coisas onde a distribuição ideal dos recursos produtivos poderia ser conseguida através de indivíduos agindo de forma independente pelo método de tentativa e erro. Dessa forma, os indivíduos a se moverem na direção certa destruiriam, através da competição, aqueles em movimento na direção errada.

Por meio dessa arbitragem, não deve haver misericórdia ou proteção para aqueles cujo embarque de seu capital ou de seu trabalho foi para uma viagem na direção errada. Esse método levaria ao topo os produtores de lucros mais bem-sucedidos, através de uma concorrência implacável pela sobrevivência, e selecionaria os mais eficientes através da falência dos menos eficientes.

Esses economistas não contabilizam o custo da luta. Pressupõem apenas os benefícios de o resultado presumido serem permanentes. Com este método de atingir a distribuição ideal dos instrumentos de produção entre diferentes fins, deriva-se também a suposição sobre como atingir a distribuição ideal do disponível para consumo.

Cada indivíduo descobrirá quais dentre os possíveis bens de consumo mais desejados por ele pelo método de tentativa e erro “na margem”. Desta forma, não só cada consumidor distribuirá o seu consumo da forma mais vantajosa, mas cada objeto de consumo atenderá quem tem o maior gosto por ele em comparação com os demais.

Esse consumidor, via concorrência, superará o restante… Assim imaginam os adeptos da economia marginalista sem falar em dinheiro, diretamente, e tampouco em riqueza financeira. O único neoclássico notável a falar nesse tema foi Knut Wicksell (1851-1926).

Esta suposição de condições nas quais a seleção natural sem impedimentos leva ao progresso, é apenas uma das duas suposições provisórias, mas tomadas como verdade literal, acabaram se tornando os pilares gêmeos do laissez faire. A outra, segundo John Maynard Keynes, é a eficácia como sendo um incentivo ao esforço máximo.

Na verdade, essa “palavrinha-mágica” (sempre na boca de neoliberais) refere-se à melhor oportunidade de ganhar dinheiro de maneira ilimitada. Dessa forma, uma das mais poderosas motivações humanas, o amor ao dinheiro, é introduzida como argumento para a tarefa de distribuir os recursos econômicos da forma mais bem calculada para aumentar a riqueza… de quem merece, sem dúvida, pois já a possui!

O paralelismo entre a economia laissez-faire e o darwinismo social é apresentado como muito próximo. Assim como Darwin invocou o amor sexual, agindo como um ajudante da seleção natural pela competição, capaz de direcionar a evolução ao longo de linhas desejáveis e eficazes, também o individualista invoca o amor ao dinheiro, agindo através da maximização do lucro, como ajudante da competição natural, para provocar a produção na maior escala possível daquilo mais desejado, medido pelo valor de troca.

Esquece-se tal teoria abstrata decorrer não dos fatos da realidade, mas sim de uma hipótese incompleta, introduzida por uma questão de simplicidade. A conclusão de os indivíduos, ao atuarem de forma independente em causa própria, produzirão o maior agregado de riqueza depende de uma variedade de pressupostos irreais. Os processos de produção e consumo apresentados não são, de forma alguma, orgânicos.

Os economistas neoclássicos reservam para uma fase posterior do seu argumento as complicações surgidas na realidade: (1) quando as unidades eficientes de produção são maiores relativamente às unidades de consumo, (2) quando estão presentes custos conjuntos, (3) quando as economias de escala tendem à agregação da produção, (4) quando o tempo necessário para os ajustes é longo, (5) quando a ignorância prevalece sobre o conhecimento, e (6) quando os monopólios e outras estruturas do mercado interferem na igualdade na negociação.

Quando, finalmente, reconhecem a hipótese simplificada não corresponder com precisão aos fatos argumentam ela representar o que é “natural”. Portanto, é o ideal ou o que deveria ser a economia de livre-mercado idealizada por eles. John Maynard Keynes ironiza o apelo a esse argumento: “eles consideram a hipótese simplificada como saúde e as complicações posteriores como doença”. São doutores na defesa da saúde!

Mas John Maynard Keynes não deixa de demarcar seu anticomunismo de liberal inglês. Afirma: “os princípios de laissez faire tiveram outros aliados além dos livros de economia neoclássica. Deve admitir-se: foram confirmadas nas mentes dos pensadores sensatos e do público razoável pela má qualidade das propostas oponentes – o protecionismo, por um lado, e o socialismo marxista, por outro”.

Reforça a crítica: “ambos são exemplos de pensamento deficiente, de incapacidade de analisar um processo e segui-lo até a sua conclusão”. Dos dois, reconhece o protecionismo ser pelo menos plausível. “Mas o socialismo marxista deve sempre permanecer um presságio para os historiadores da opinião: como é possível uma doutrina tão ilógica e tão monótona ter exercido uma influência tão poderosa e duradoura sobre as mentes dos homens e, através deles, sobre os acontecimentos da história”.

De qualquer forma, para John Maynard Keynes, “as óbvias deficiências científicas destas duas escolas [mercantilismo e marxismo] contribuíram grandemente para o prestígio e a autoridade no século XIX do laissez faire”. A vitória do mal seria por culpa da derrota do bem…

A experiência da economia de guerra na organização da produção socializada deixou alguns observadores otimistas, ansiosos por repeti-la em condições de paz. “O socialismo de guerra”, segundo John Maynard Keynes, “alcançou inquestionavelmente uma produção de riqueza em uma escala muito maior em comparação a alguma vez conhecida na paz, pois embora os bens e serviços

fornecidos estivessem destinados à extinção imediata e infrutífera, mesmo assim eram riqueza”.
No entanto, a dissipação de esforços também foi prodigiosa. A atmosfera de desperdício e sem contar o custo era repugnante para qualquer espírito parcimonioso ou previdente.

Finalmente, “o individualismo e o laissez faire não poderiam, apesar das suas profundas raízes nas filosofias políticas e morais do fim do século XVIII e início do século XIX, ter assegurado o seu domínio duradouro sobre a condução dos assuntos públicos, se não fosse pela sua conformidade com as necessidades e desejos do mundo dos negócios da época. Eles deram todo o alcance aos nossos antigos heróis, os grandes homens de negócios, conclui ironicamente Lord Keynes, membro nobre da casta dos sábios intelectuais ingleses.

*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP).

Carta Mensal – Agosto 2023

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O Mês de agosto de 2023 deve ser visto como um momento marcado por algumas novidades econômicas positivas para a economia brasileira, depois de meses de manutenção nas taxas de juros em patamares elevados, que inviabilizavam a melhora do ambiente econômico e produtivo, o Banco Central iniciou uma trajetória de queda dos custos do capital, com uma redução de 13,75% para 13,25%, uma redução pequena mas bastante significativa para o ambiente produtivo, isso porque, essa queda pode melhorar o ambiente econômico, elevar as perspectivas para o sistema produtivo e estimular os investimentos produtivos, que podem movimentar a geração de emprego, da renda e dos salários.

Neste cenário de taxas de juros elevadas acaba inviabilizando os investimentos econômicos e produtivos, gerando conflitos entre as Autoridades Monetárias e o governo federal, principalmente pelas críticas constantes sobre a atuação do Banco Central, responsável pelas taxas elevadas de juros que inviabilizavam o crescimento da economia e, pelas críticas do presidente, que impedia a recuperação da economia nacional, mantendo investimentos produtivos muito reduzidos e postergavam a geração de emprego, além de fortalecer a apetite do sistema financeiro, fortalecendo os setores bancários, os especuladores e os rentistas, em detrimento dos trabalhadores e empresários que precisam estimular o sistema econômico e produtivo nacionais.

No mês de agosto, percebemos o encontro dos países membros dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e, posteriormente África de Sul), que nasceram como um acrônimo criado por um economista de um grande banco de investimento, Goldman Sachs, John O’ Neil, que criou a expressão se referindo aos chamados países baleias, que tinham em comum grandes extensões de terras, alto contingente populacional e que, segundo esse teórico, seriam as economias que dominariam a economia no século XXI. Deste acrônimo, os países criaram o Bloco dos Brics, com sede na China e ganhou relevância da economia internacional, força política e importância estratégica e geoestratégica, lembrando-os que neste grupo, estão os chineses, vistos como a maior economia do mundo em paridade de poder de compra, ultrapassando a economia norte-americana.

Neste encontro, foram aceito novos membros no bloco dos Brics e passaram a ser vistos como o Brics Plus, onde foram incorporados a Argentina, o Egito, a Arábia Saudita, Emirados Árabes, Etiópia e Irã, desta forma, o bloco ganhou musculatura e se espalhou para outras regiões do mundo, lembrando que além destes países que ganharam assento nos Brics mais de trinta nações demonstraram interesses em participar deste bloco renovado, angariando poder no cenário global e aumentando a maior influência política em questões internacionais.

Alguns analistas acreditam que a entrada de tantos países no grupo levou o Brasil a perder relevância no bloco, mas acreditamos que é ao contrário, mais países, mais diversificação cultural e mais força geopolítica tende a impulsionar os países membros originais e aumentar sua capacidade de recuperar sua economia, incrementando os investimentos externos e contribuindo diretamente para a geração de empregos, renda e trabalho.

Destacamos ainda, que o mês de agosto foi marcado por grandes conversas e discussões referentes a tributação de fundos exclusivos, proposta pelo governo federal como forma de aumentar a carga tributária, reduzindo as desigualdades nos impostos e melhorar o ambiente tributário, angariando novos recursos para reduzir os déficits fiscais e equilibrando a carga tributária, sempre impactando diretamente sobre a classe média e os setores mais fragilizados em detrimento dos endinheirados, que pouco pagam de tributos e se tornam cada vez mais ricos numa sociedade paupérrima.

Neste movimento, percebemos que os ricos endinheirados e seus representantes foram rapidamente para difundir sua preocupação com essa tributação do fundos exclusivos, destacando que esse instrumento irá afugentar os recursos dos investidores, gerando incertezas entre os investidores e terá efeito negativos para o sistema econômico e produtivo, gerando grandes controvérsias nos editoriais dos jornais e da mídias comerciais, com teses variadas e pensamentos antagônicos, uma discussão interessante e imprescindíveis para todos aqueles que vislumbram anos melhores para a economia nacional.

Destacamos ainda, as inúmeras discussões e acordos políticos para que o governo federal consiga a sua base política de sustentação no Legislativo, com a entrada de novos ministros, novos partidos, para garantir força política e capacidade de arregimentar medidas progressistas, um desafio hercúleo, ainda mais que sabemos que estamos numa composição altamente conservador e retrógrado do Congresso Nacional.

Destacando ainda, as dificuldades crescentes do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que desde o começo de seu governo não consegue se posicionar dentro do espectro político, com desgastes constantes com seus antigos afetos e muitos de seus constantes desafetos, um cálculo importante que podem mirar o atual governador no maior estado brasileiro. Outro ponto que foi sendo destacado no decorrer do mês de agosto foram os graves confrontos do secretário da Educação do estado, Renato Feder, com o livro didático, seu desgaste e seus equívocos para tentar adotar uma política no livro digital, visto pelo secretário como um avanço na educação do estado, algo muito criticado pelos especialistas da área, desta forma, estamos atrasando mais uma vez os rumos da educação nacional.

O mês de agosto foi marcado por grandes embates no cenário político, com uma polarização que apresenta grande potencial de conflito no cenário político e eleitoral, mas percebemos que a recuperação da economia está em curso e estamos caminhando a passos largos para um crescimento na casa do 3,2%, uma notícia muito positiva para uma nação que se acostumou a um crescimento econômico ridículo.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Criativa, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.

Globalização, Inovação e Rupturas

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Vivemos em momentos de grandes alterações geradas pelo processo de globalização econômica, com inúmeras rupturas, incertezas e instabilidades, que impactam fortemente sobre todos os indivíduos, organizações e Estados Nacionais. Nestes movimentos crescentes de rupturas, os atores econômicos e produtivos precisam se atualizar rapidamente, desenvolvendo novas tecnologias, novos modelos de negócios, novas estratégias de inovação, tudo isso, como forma de sobrevivência, afinal, muitas organizações que eram vistas como líderes e empresas inovadores, ficaram para trás, foram substituídas por outras empresas e inauguraram novos modelos de negócios, lembram da Olivetti, da Kodak, dentre outras…

Um dos grandes atores das transformações das últimas décadas é a globalização da economia global, que pode ser visto como um conjunto de modificações em curso na sociedade internacional, motivada pelo crescimento da tecnologia, da abertura das economias nacionais e o incremento da competição entre todos os atores econômicos e produtivos, tais como empresas, indivíduos e Estados Nacionais. Os impactos destas alterações não se restringem apenas as questões econômicas e produtivas, a globalização gera fortes transformações das questões políticas, alterando o mundo do trabalho, alterando as motivações dos indivíduos e estimula uma sociedade, cada vez mais individualista e imediatista, com consequências cotidianas.

As transformações geradas pela globalização da economia mundial estão exigindo reestruturações constantes em seus instrumentos econômicos e estratégicos, levando as organizações a fortes investimentos em tecnologias e capacitações constantes de seus trabalhadores, reduzindo custos produtivos e os preços relativos como forma de aumentar as vendas, além de fortes investimentos em marketing, em planejamento estratégico e no incremento do valor agregado dos produtos e dos serviços.

Neste ambiente, destacamos as alterações em curso nos modelos de negócios, novos produtos, novas pesquisas para compreenderem os desafios e os anseios dos consumidores, além da busca constante pela compreensão dos rumos da economia internacional, uma sólida bagagem cultural sobre outras nações e civilizações, num ambiente marcado por grandes incertezas e instabilidades que exigem habilidades novas, não apenas técnicas mais comportamentais.

As organizações estão passando por grandes transformações em decorrência da globalização, que impactaram fortemente sobre os conceitos de tempo e de espaço, criando novas formas de agregar valor a seus produtos, fortalecendo suas estratégias internas e externas para competir com os novos atores globais, onde percebemos a existência de grandes e novos oligopólios mundiais que dominam o mercado internacional, definindo as margens de lucros, os investimentos em tecnologias, de inovações e da sofisticação produtiva.

Vivemos num momento marcado por grandes rupturas, o mundo novo que surgirá destas novas transformações contemporâneas é impossível se vislumbrar neste momento, percebemos apenas movimentos, uns mais claros e outros mais opacos. A educação, pode ser vista como a chave da sociedade contemporânea, mas não sabemos claramente quais são os rumos desta nova sociedade, vivemos num mundo marcado por grandes disrupturas, centrados no desenvolvimento tecnológico, do incremento do mundo digital, das incertezas e das instabilidades.

Neste ambiente marcado por grandes transformações e rupturas, os governos nacionais que conseguiram construir novos horizontes e vislumbraram novas perspectivas para seus cidadãos, foram aqueles que investiram intensamente em educação e em capital humano, com fortes recursos para a pesquisa científica e novos modelos de negócios trazidos pela revolução tecnológica, preservando seu meio ambiente, valorizando a ciência e o conhecimento científico, rechaçando o negacionismo e deixando de lado discussões estéreis e desnecessárias, que estimulam conflitos políticos e conversas intermináveis que levam a perpetuação dos inúmeros atrasos que caracterizam a sociedade brasileira, desta forma, percebemos que quando as ideias morrem no mundo, elas persistem no Brasil.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Comportamental, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor Universitário.

Destruição criativa 2.0, por Hélio Schwartsman

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Avanços da inteligência artificial vão exigir revolução anímica

HÉLIO SCHWARTSMAN, Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”.

FOLHA DE SÃO PAULO, 16/09/2023

SÃO PAULO Não compro muito a ideia de que a inteligência artificial (IA) vai destruir o mundo.

Digo-o não porque tenha conhecimento privilegiado do porvir —em tese, é perfeitamente possível que as IAs sejam nossa ruína—, mas porque sei que, diante do novo, nossa tendência é sempre a de exagerar os perigos. Quem quiser uma confirmação empírica disso pode pegar nas coleções de jornais os artigos catastrofistas dos anos 1970 e 1980 que comentavam o advento dos bebês de proveta, que hoje não despertam mais polêmica.

Daí não decorre que devamos tratar as IAs com ligeireza. É uma mudança tecnológica de enorme potencial e que terá impactos, em especial sobre o emprego. Já vimos antes a chamada destruição criadora em ação. Mas, ao que tudo indica, desta vez, a aniquilação de postos de trabalho se dará em escala maior e atingirá também funções criativas ocupadas pelas elites intelectuais, que foram poupadas em viragens tecnológicas anteriores.

O “big picture”, porém, talvez não seja dos piores. Tanto Marx como Keynes anteviram um mundo em que as mudanças tecnológicas avançariam tanto que resolveriam o problema econômico da humanidade, isto é, as máquinas produziriam sozinhas e de graça tudo o que necessitamos, de comida a bens industrializados, passando por vários tipos de serviço. A dificuldade é que, como isso não vai acontecer da noite para o dia, devemos esperar uma transição complicada. E complicada não apenas em termos econômicos e sociais mas também psicológicos.

Quando conhecemos uma pessoa, uma das primeiras perguntas que lhe dirigimos é “o que você faz?”.

Vivemos em sociedades em que os indivíduos se definem em larga medida por sua profissão. Tirar isso deles pode provocar um vazio existencial. É até possível que, com o problema econômico resolvido, passemos a extrair transcendência de outras atividades. Imagine um mundo de artistas.

Mas isso vai exigir uma revolução anímica.

Propostas de Lula para tributar os mais ricos beneficiam país, diz Prêmio Nobel

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Segundo Joseph Stiglitz, sociedades com menos desigualdade têm desempenho econômico melhor, do qual todos se beneficiam

EDUARDO CUCOLO – FOLHA DE SÃO PAULO – 17/09/2023

SÃO PAULO As propostas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para acabar com vantagens tributárias que permitem às pessoas mais ricas pagar menos impostos terão efeito positivo na economia brasileira, afirma Joseph Stiglitz, vencedor do Prêmio Nobel em 2001.

“Não é surpresa que os ricos digam: não nos tributem porque será ruim para a economia. Eu ficaria surpreso se eles não dissessem isso. É um argumento egoísta. Mas não tem base econômica”, afirma o economista em entrevista à Folha.

O vencedor do Nobel esteve no Brasil nesta semana para uma série de eventos e reuniões, incluindo um encontro com Lula e um seminário organizado pela Oxfam Brasil e pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos.

Stiglitz afirma que a desaceleração da economia global torna urgente para o Brasil aumentar a arrecadação, estimular o crescimento e reduzir juros.

Ele é otimista em relação aos EUA, mas destaca problemas nas economias europeias e chinesa. “Não está claro se o presidente Xi [Jinping] está apto para gerenciá-los.”

Afirma ainda que a inflação caiu nos EUA e no Brasil por causa da normalização de oferta e demanda no pós-pandemia, não por causa da alta dos juros. “O incrível sobre o Brasil é como ele se saiu tão bem, dada a má política do Banco Central”, afirma.

O sr. teve muitos encontros aqui no Brasil, incluindo uma reunião com o presidente Lula. Qual a impressão sobre o país nesta visita?

Há um espírito mais forte que eu não sentia há muito tempo. É como emergir de uma espécie de escuridão. O governo tem feito um trabalho muito bom.

Alguns grupos da sociedade civil gostariam que ele fizesse mais. Algumas pessoas ricas gostariam que fizesse menos. Considerando as dificuldades, ele está fazendo um trabalho muito impressionante.

Seria bom para a economia brasileira e para todo o Brasil se o Congresso aprovasse os impostos mais progressivos que ele propôs. Eu iria ainda mais longe, mas o que ele propôs é importante.

Algumas pessoas dizem que tributar os ricos para a economia e que sempre há uma maneira de escapar da tributação. Como parte de um movimento internacional por justiça tributária, como o sr. vê a questão?

É muito bom para a economia [tributar os ricos]. Por muitas razões. O governo precisa da receita, e esse é o melhor lugar para obtê-la.

Em segundo lugar, o Brasil é um dos países em que os ricos pagam menos impostos em relação à sua renda do que os pobres. Eles têm maneiras legais de evitar impostos. A maioria das pessoas é honesta, pagará sua parcela justa se for chamada a fazer isso. Se não for, não pagará.

A terceira coisa é que isso leva a uma sociedade mais igualitária. Não é uma visão de esquerda. O FMI, a OCDE, todos chegam à visão de que sociedades com menos desigualdade têm desempenho econômico melhor, do qual todos se beneficiarão.

Não é surpresa que os ricos digam: não nos tributem porque será ruim para a economia. Eu ficaria surpreso se eles não dissessem isso. É um argumento egoísta. Mas não tem base econômica.

Um dos objetivos dessa busca por receitas é zerar o déficit nas contas públicas, mas há pressões por mais gastos. A austeridade é importante neste momento?

Os mercados financeiros têm enfatizado demais a importância do déficit. A austeridade falhou em todos os lugares como instrumento para equilíbrio orçamentário.

Austeridade geralmente leva a um menor crescimento. Menor crescimento leva a uma menor arrecadação de impostos e a mais gastos com seguro-desemprego e rede de segurança básica. Então piora o déficit.

Até o FMI reconhece que foi uma política errada. Se você coloca o crescimento no topo da agenda, a economia cresce, as receitas aumentam e o déficit diminui.

O que o presidente Lula está fazendo é a estratégia correta. De duas maneiras. Ele diz: olha, vou tentar arrecadar mais, uma quantia moderada, das pessoas ricas que não estão pagando uma parcela justa. Ao mesmo tempo, vou usar parte desse dinheiro para promover o crescimento econômico, para a transição ecológica.

O sr. vê um cenário internacional adverso se aproximando? Quais os riscos em relação a China, EUA e Europa neste momento e como isso afeta o Brasil?

Acredito que os Estados Unidos se sairão bem. Há um forte apoio fiscal que compensa a contração monetária. O Fed aumentou muito as taxas de juros. Isso fez com que as taxas de juros subissem em todo o mundo.

No Brasil, elas caíram, mas não o suficiente. Estão se tornando mais razoáveis, mas ainda não são razoáveis. O incrível sobre o Brasil é como ele se saiu tão bem, dada a má política do Banco Central.

A segunda preocupação é a China não gerenciando sua economia. Em 2008, a China foi a base da recuperação global. Agora está contribuindo para o enfraquecimento da economia global. Eles têm muitos problemas, e não está claro se o presidente Xi está apto para gerenciá-los. Eles têm as ferramentas, mas há um alto risco de que não as usem. É uma grande incógnita.

A Europa não tem o apoio fiscal, então está passando por um período realmente fraco.

Voltando ao Brasil, dada a fraca conjuntura global, é ainda mais importante o Banco Central reduzir os juros. E é importante que a política fiscal do presidente Lula, o que falamos antes sobre impostos e despesas, a agenda de crescimento, seja adotada.

Falando um pouco mais sobre os Estados Unidos, por que a inflação está diminuindo? O Federal Reserve fez um bom trabalho?

Não tem nada a ver com o Federal Reserve. Eu dizia que isso é em grande parte uma interrupção do lado da oferta e uma mudança na demanda.

Os preços das moradias, em média, subiram 40%. Qual a solução para a escassez de moradias?

Aumentar as taxas de juros e reduzir a oferta, ou reduzir as taxas de juros e aumentar a oferta? É muito claro. Não precisa ser um gênio para descobrir. O Fed piorou o problema, não ajudou a resolver.

Cerca de um terço da inflação no início da pandemia veio dos preços dos carros. Por quê? Escassez de chips. Aumentar as taxas de juros resolve o problema? Não. Os preços dos carros baixaram. Foi por causa do Fed? Não.

Conversei com executivos de montadoras. Eles descobriram como obter os chips. Os estoques aumentaram e os preços dos carros baixaram.

Temos algo semelhante no Brasil?

Exatamente. É por isso que sua inflação diminuiu. Não é a taxa de juros. Foi a resolução dos problemas do lado da oferta, não a política monetária, que reduziu a inflação.

Economistas, bancos centrais e governos aprenderam algo com a pandemia em termos do papel do Estado e da eficiência dos mercados?

Houve muitas lições. A primeira é o quão importante é o governo. Quando temos uma crise, recorremos ao governo.

Do ponto de vista da teoria econômica, pandemias, assim como as mudanças climáticas, são externalidades. Os mercados não conseguem lidar com externalidades. O governo nos salvou.

Os países onde havia mais confiança no governo se saíram melhor. EUA e Brasil, onde havia um governo que era terrível, não se saíram tão bem.

A outra coisa que aprendemos é que os mercados não funcionaram muito bem na recuperação pós-pandemia. Tivemos todos os tipos de escassez de suprimentos. O mercado não foi resiliente.

Temos de confiar nos mercados. Uma economia moderna é muito complicada para não ter mercados. Mas eles não funcionam bem por si só. O desafio é como tornamos os mercados mais verdes, como tornamos os mercados mais resilientes.

Às vezes eu digo que o neoliberalismo morreu. Mas é uma morte lenta. Uma das expressões que ouvi, não me lembro das palavras exatas, mas diz que, quando as ideias morrem, elas persistem no Brasil.

Como denominar esse novo cenário econômico após o que o sr. chama de morte do neoliberalismo?

Não está claro para onde a economia global está indo. Os resultados do neoliberalismo foram tão ruins que houve um aumento da desigualdade, as pessoas na base não se saíram bem, não houve um efeito cascata. Há uma resposta antidemocrática, uma resposta fascista em algumas partes do mundo.

Em outros países há algo que eu chamo de capitalismo progressista. Reconhecemos o papel dos mercados, mas não são mercados sem restrições. São regulamentados, com a ideia de tentar moldar a sociedade de uma maneira melhor. Na Europa, eles chamam isso de social-democracia.

Qual o lugar do Brasil nesse cenário?

Um aspecto da mudança na economia global que é muito importante são as novas relações econômicas entre os Estados Unidos e a China. Isso afeta o Brasil em particular, porque muitas das exportações vão para a China.

Não estamos dizendo que você está escolhendo um lado ou outro, mas é preciso reconhecer que tivemos muitos choques nos últimos 20 anos. Não devemos assumir que eles acabaram. Um choque poderia ser um rompimento, um choque vindo da China.

Neste momento, pontos-chave para tornar a economia mais resiliente, reduzindo riscos, envolvem a transição verde, porque o clima e as mudanças climáticas são um grande choque.

O presidente Lula também quer que a voz do Brasil seja uma parte importante dessa nova estrutura que emerge. Vamos passar pela transição verde. A Amazônia é fundamental. O Brasil desempenha um papel fundamental no mundo.

RAIO-X
Joseph Stiglitz, 80
PhD em Economia pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). É professor da Universidade Columbia, em Nova York. Foi economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Econômicos no governo do presidente Bill Clinton. Recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2001

Movimentações geopolíticas

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Vivemos momentos de grandes apreensões na sociedade internacional, momentos de conflitos militares, golpes de Estado e grandes incertezas geopolíticas, além de inúmeras transformações no cenário econômico e produtivo, onde destacamos o papel da tecnologia como instrumento de reconfiguração econômica, política e geopolítica, forçando as nações a reverem estratégias e novas formas de planejamento, sob pena de perderem seus espaços na comunidade internacional.

Vivemos cotidianamente destacando que vivemos numa era centrada do conhecimento e da informação, todos os momentos somos impulsionados por dados e novas notícias em todos os cantos da comunidade global e, ao mesmo tempo, nos esquecemos que entre os discursos e as práticas efetivas existem um longo caminho, na construção de políticas públicas eficientes para melhorar as condições de vida das sociedades, angariar novos investimentos produtivos e novas perspectivas no mundo do conhecimento.

Neste cenário, percebemos grandes confrontos internacionais, não apenas nos campos bélico e militar, mas nos campos econômico e diplomático, onde as medidas protecionistas adotadas pelas potências econômicas se espalham para todos os setores sensíveis para seu crescimento produtivo. Neste ambiente, vivemos num momento de discurso pretensamente liberal e medidas fortemente protecionistas, onde as grandes potências econômicas constroem inúmeras medidas para protegerem seus setores produtivos internos e rechaçarem o crescimento de seus concorrentes, vide as medidas adotadas atualmente nos setores de semicondutores, de novas tecnologias e baterias elétricas, setores que podem reconfigurar o poder do século XXI levando governos ditos liberais de adotarem medidas altamente protecionistas.

Neste ambiente, as nações estão se movimentando para fortalecer seus setores produtivos, buscando novos ambiente geopolíticos, novas parcerias econômicas e produtivas, fortalecendo seus setores industriais e a reconstrução de seus setores produtivos, como forma de angariar espaços nos hiatos econômicos internacionais. Neste novo momento, percebemos a diminuição do poderia global dos Estados Unidos, a perda de poder relativa de sua moeda no cenário internacional, o fortalecimento de novos atores geopolíticos e uma reconfiguração do poder internacional, gerando novos desafios e, ao mesmo tempo, novas oportunidade para todos aqueles que conseguirem compreender os novos desenhos geopolíticos globais.

Neste ambiente externo, marcado por grandes transformações geopolíticas e geoestratégicas, as nações com históricos de subalternidades permanecerão perpetuamente submissas e dependentes neste cenário global, se mantendo importadores de tecnologias e exportadores de produtos de baixo valor agregado, abrindo mão de seu potencial, seu espírito inovador e sua capacidade empreendedora, sendo sempre vistos como vassalos dos centros de poder, um novo colonialismo.

Muitas nações conseguiram se desenvolver economicamente se utilizando de sua forte capacidade estratégica para atrair investimentos privados, negociando seu dinâmico mercado interno como forma de atração, investindo em ciência, pesquisas e desenvolvimento tecnológico, desta forma, conseguiram acessar esse mercado promissor, fomentando empresas dotadas de grande inovação e tecnologia, conseguindo competir com os grandes atores internacionais, garantindo uma melhora interna, gerando empregos promissores, angariando sensíveis melhoras educacionais e passando a vislumbrar novas perspectivas para a sociedade, deixando de um passado exportador de matéria prima para desenvolver tecnologias altamente sofisticadas.

As movimentações geopolíticas em curso na sociedade internacional está abrindo novos horizontes e novas perspectivas de crescimento econômico para as nações que conseguirem aliar um forte projeto de nação e uma noção clara dos desafios contemporâneos, com investimentos substanciais em capital humano, em pesquisa científica, políticas públicas na área da saúde e numa agenda ambiental progressista, deixando para trás uma agenda atrasada, retrógrada, reacionária, marcada por discussões vulgares, centradas em confrontos sociais e polarizações, olhando os interesses de alguns poucos privilegiados, garantindo isenções fiscais e fomentando matanças, conflitos sociais e pobrezas generalizadas.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Circular, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.

O SUS é de todos e todos usam o SUS, por Marcia Castro

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Não, celebridades não furam a fila da lista de espera por um órgão

Marcia Castro, Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

Folha de São Paulo, 11/09/2023

No dia 27 de setembro será celebrado o Dia Nacional da Doação de Órgão. A campanha Setembro Verde promove a conscientização e o estímulo à doação. Esse tema ganhou muita atenção no mês passado quando o apresentador Fausto Silva, o Faustão, entrou na lista de transplante de coração.

Ou por má-fé ou por falta de conhecimento, muita bobagem foi dita à época. Não, celebridades não furam a fila da lista de espera por um órgão, tampouco compram um órgão. A doação, a fila de espera e o transplante de órgãos são regulados pelo Sistema Nacional de Transplantes, ou seja, são uma das atribuições do SUS.

São mais de 23 mil transplantes por ano, só ficando atrás dos Estados Unidos em número de procedimentos. A diferença, entretanto, é que quase 90% dos transplantes no Brasil são feitos pelo SUS, o que torna o Brasil o país com o maior programa público de transplantes do mundo.

A abrangência do SUS e a sua importância no dia a dia de toda a população são desconhecidas por muitos. Em 2021, a vacinação contra a Covid – 19 fez com que uma parcela da população descobrisse o SUS e seu valor. Porém o SUS é muito mais do que vacinação, consultas, exames, internações e transplantes.

Por meio da vigilância sanitária, o SUS fiscaliza a qualidade de alimentos em supermercados, bares, lanchonetes e restaurantes, a qualidade de cosméticos, produtos de limpeza e medicamentos, inspeciona portos, aeroportos e rodoviárias, regula a propaganda e comercialização de cigarros e controla a importação e exportação de algumas mercadorias. Já a vigilância em saúde ambiental monitora a qualidade da água utilizada para consumo humano.

Como parte da atenção primária, o Brasil é referência internacional em bancos de leite humano e tem a maior rede de bancos de leite humano do mundo. Só em 2022, foram 196.758 doadoras e 222.693 receptores de leite humano.

As unidades de saúde disponibilizam nove métodos contraceptivos: anticoncepcional injetável mensal e trimestral, minipílula, pílula combinada, diafragma, pílula anticoncepcional de emergência, dispositivo intrauterino (DIU) e preservativos feminino e masculino.

O atendimento móvel de urgência (Samu) é feito pelo SUS. Portanto, qualquer pessoa que sofre um acidente na rua precisa do SUS. Além disso, quem tem plano de saúde também depende do SUS para a regulamentação, habilitação e fiscalização dos planos e das unidades de saúde privadas.

E o SUS também mantem um canal aberto com a população, por meio do Disque Saúde (número 136), para esclarecer dúvidas e receber denúncias, elogios, solicitações e sugestões.

O SUS faz tudo isso ainda que subfinanciado. Portanto, há gargalos, como as filas para o atendimento especializado e a contínua expansão das arboviroses. Mas há dedicação e resiliência.

Na Amazônia o SUS se adapta ao contexto local. Como proposto por pesquisadores da Fiocruz Amazônia, o território é líquido, ou seja, os rios fazem a conexão entre a população e os serviços de saúde. Unidades básicas fluviais são embarcações que atendem populações ribeirinhas ao longo dos rios da região. A equipe da unidade (do timoneiro ao médico) fica embarcada de 20 a 22 dias por mês. Dedicação e resiliência.

O SUS é de todos e todos usam o SUS. A presença diária do SUS na vida da população pode passar despercebida exatamente porque o serviço prestado funciona. O paradoxo do sucesso.

Lembre-se do SUS da próxima vez que for ao mercado, que sair para jantar, que for viajar, ou que tomar um copo de água.

Acima de tudo, lute pelo SUS! Você depende dele, ainda que não tenha se dado conta disso.