Riscos do conflito

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A situação da economia internacional se deteriora todos os dias, depois de dois anos de grandes incertezas e instabilidades geradas pela covid-19, que culminou em milhões de mortes em todas as regiões do mundo, percebemos que as destruições tendem a aumentar em decorrência de uma guerra com potencial devastador, com destruições familiares, desestruturações produtivas, falências de empresas e grandes conglomerados e o incremento das exclusões sociais, com impactos negativos para quase toda a comunidade internacional.

Neste ambiente macroeconômico percebemos pressões inflacionárias em todas as regiões do globo, geradas pela desestruturação das cadeias produtivas, falta de matérias primas dos setores industriais, elevação dos custos de produtos alimentares e aumento dos preços dos combustíveis, cujos impactos são generalizados, gerando queda na renda agregada dos trabalhadores, redução dos salários e levando a diminuição do consumo interno, postergando a recuperação econômica e criando um ambiente de instabilidades e incertezas.

O aumento dos preços dos combustíveis tende a impactar sobre todas as cadeias produtivas, elevando custos de produção, encarecendo os transportes e os fretes, reduzindo os ganhos dos trabalhadores, inviabilizando modelos de negócios e gerando instabilidades que tendem a elevar as taxas de juros, encarecendo o crédito, contraindo os investimentos produtivos, postergando as contratações e materializando um ambiente recessivo. Numa economia, como a brasileira, combalida pelos desequilíbrios recentes gerados pela pandemia e a incapacidade do governo de criar agendas consistentes, os impactos da guerra tendem a gerar cenários preocupantes com fortes custos sobre a sociedade que se materializam em mais desemprego, mais exclusão e maior degradação social.

O ambiente global está marcado por grandes incertezas, o incremento do conflito militar e as sanções econômicas impostas pelas economias ocidentais podem gerar mais constrangimentos para a economia russa, levando-os a se aproximarem dos chineses e abrindo espaço para a reestruturação da geopolítica internacional, abrindo espaço para outros modelos monetários e fragilizando algumas nações e redesenhando o cenário internacional. Estamos vivendo um momento de grandes instabilidades políticas, desafios econômicos e os riscos de conflitos nucleares não podem ser desprezados.

Além do incremento dos preços do petróleo, cujos valores estão crescendo de forma ascendente, os alimentos, os fertilizantes e os insumos que entram na confecção de produtos primários devem passar por momentos de instabilidades, isto acontece porque a região em conflito é forte produtor de commodities, gerando aumento dos custos, além da redução das ofertas e pressão sobre os preços, impactando os produtores e os consumidores, reduzindo a entrada de divisas e fragilizando os setores produtivos.

O mundo globalizado aproxima todos os agentes produtivos em grandes cadeias de produção, integrando as finanças, dinamizando o comércio exterior, uniformizando costumes e comportamentos e aproximando as comunicações, todas estas conquistas estão ligadas aos avanços tecnológicos, que integram as nações, aumentam a concorrência e expõem os setores produtivos a grande competição. Neste cenário, os novos desafios econômicos estão claros, exigindo maior planejamento, aumento substancial em investimentos em capital humano e repensar a inserção da economia globalizada.

A pandemia e a guerra estão mostrando as deficiências estruturais da sociedade brasileira, somos uma nação rica, dotada de grandes riquezas naturais com forte potencial de crescimento econômico e possibilidade de melhorarmos as condições de vida da população. Neste cenário, precisamos construir uma nação centrada em um projeto de país, com clareza e consistência, deixando de lado políticas eleitorais inconsistentes e com forte degradação fiscal, que aprofunda nosso subdesenvolvimento e mostra nossa indigência moral que reproduz a desigualdade e compactua com as mais variadas formas de exclusão social.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Criativa, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 16/03/2022.

Derrotar autoritários como Bolsonaro é prioridade, diz Steven Levitsky

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Autor que estuda fim da democracia defende coalizão ampla para oposição garantir vitória acachapante na eleição

Uirá Machado – Folha de São Paulo – 15/03/2022

Autor do celebrado “Como as Democracias Morrem”, o cientista político Steven Levitsky, 54, afirma que a presença de um líder autoritário no comando de países como Brasil ou Estados Unidos é uma situação emergencial e que removê-lo do poder deve ser a prioridade.

No caso do Brasil, segundo Levitsky, isso deve ser feito por meio de uma coalizão ampla, com partidos da esquerda à direita, para eliminar o risco de o presidente Jair Bolsonaro (PL) contestar o resultado e contar com o respaldo das Forças Armadas.

“A melhor maneira de garantir que os militares não fiquem tentados a embarcar numa aventura é por meio de uma derrota acachapante de Bolsonaro”, diz o professor da Universidade Harvard.
Para ele, os estragos causados por Bolsonaro nas instituições democráticas foram menores do que os provocados pelo ex-presidente Donald Trump. Mas não por um compromisso do brasileiro com a democracia, e sim por ter faltado a força necessária.

Enquanto Trump contou com o Partido Republicano, Bolsonaro passou a maior parte do governo sem legenda e sem base no Congresso, diz Levitsky.

A democracia sobreviveu em ambos os casos, pelo menos até agora, mas, para ele, isso não necessariamente significa sinal de vitalidade das instituições.

“Acho que às vezes nós botamos muita fé nas instituições. Tanto no Brasil como nos EUA, tivemos muita sorte de os autoritários que elegemos não terem construído maiorias como Rafael Correa [no Equador], Alberto Fujimori [no Peru], Vladimir Putin [na Rússia], Hugo Chávez [na Venezuela].”

No livro “Como as Democracias Morrem”, o sr. dizia não ter certeza de que a democracia americana sobreviveria a Trump. Ela sobreviveu. Foi uma surpresa? Bem, não. Os EUA têm um grande número de fatores que favorecem a sobrevivência democrática e dificultam a vida de um presidente autoritário. Temos uma oposição forte com instituições fortes, incluindo um Judiciário independente, uma mídia poderosa, o federalismo.

Mas é importante dizer que, após quatro anos de governo Trump, a democracia americana emerge muito, muito mais fraca do que antes. Ela não sobreviveu intacta. Estamos hoje numa situação mais precária do que estávamos quando o livro foi publicado, e a democracia americana está mais ameaçada.

Não seria possível argumentar que a reação institucional à invasão do Capitólio demarcou um limite claro e mostrou que a democracia não está em questão? A insurreição foi um sintoma da polarização extrema. Muitos países enfrentaram algum tipo de levante violento na história, e o fator relevante para o desfecho é a reação do sistema político, dos principais partidos.

Onde eles fazem uma defesa inequívoca da democracia, os perpetradores dos atos violentos tendem a ficar marginalizados e enfraquecidos. Foi o que aconteceu na Espanha em 1991 e na Argentina em 1987.

Mas onde os principais partidos políticos se omitem, toleram, perdoam, justificam ou até apoiam os que atacam as instituições, a democracia tende a se enfraquecer. Foi o que aconteceu na França em 1934.

Nos EUA, a resposta do Partido Republicano importa muito, e infelizmente não está parecendo boa.

O que se pode dizer do Brasil, onde pessoas que se manifestam contra a democracia recebem apoio do próprio presidente? Existem diversos paralelos entre o Brasil e os EUA. Bolsonaro parece que, de forma consciente, imitou Trump ao longo dos anos. Nós elegemos uma figura autoritária de direita em 2016, vocês fizeram o mesmo dois anos depois. Vivemos uma confusão, mas sobrevivemos e conseguimos removê-lo do poder, e tem uma boa chance de que os brasileiros façam o mesmo em 2022.

Mas também existem muitas diferenças. A principal é que Bolsonaro não tem um grande partido político por trás dele.

Ele conseguiu comprar apoio do centrão e de legendas pequenas de direita, mas não tem um partido bolsonarista verdadeiro e forte. Trump tinha 1 dos 2 maiores partidos dos EUA, o que o tornou muito mais perigoso.

Por outro lado, o controle do presidente do Brasil sobre os militares é maior do que nos EUA. Então existe a possibilidade de Bolsonaro mobilizar aliados militares de uma forma que Trump não conseguiu. Por enquanto, não parece que isso vá acontecer.

Quatro anos atrás, o sr. Disse em entrevista à Folha que era mais otimista sobre o futuro da democracia no Brasil do que muitos brasileiros. Continua otimista? Basicamente, sim. Mas, mesmo num cenário em que Lula vença, Bolsonaro não seja capaz de dar um golpe e um governo democrático se instaure, isso não vai ser a solução para os problemas do Brasil.

Isso elimina uma das maiores ameaças, mas um governo Lula teria muito trabalho a fazer para persuadir a maioria dos brasileiros de que o sistema funciona e de que a elite política pode atender as demandas da população.
Ou seja, se digo que estou otimista, não significa que o Brasil esteja a ponto de se tornar uma Suécia, mas eu acho que o regime democrático brasileiro vai sobreviver.

E quanto a um cenário em que Bolsonaro perca, não aceite o resultado e tenha o Exército a seu lado nessa contestação? Essa é a grande interrogação. Nos EUA, Trump não pôde contar com os militares, ao passo que, no Brasil, Bolsonaro talvez possa. A resposta a essa interrogação vai determinar o destino da democracia brasileira. Eu acho que há razões para acreditar que os militares vão se comportar como nos EUA.

Líderes militares no Brasil têm mostrado preocupação com a politização das tropas, houve renúncias no ano passado e eles não participaram da mobilização contra o Supremo Tribunal Federal. E, mais importante, militares em geral não intervêm na política se não tiverem um apoio social generalizado. Se Bolsonaro perder de maneira expressiva, ele vai estar muito isolado para atrair os militares.

Por isso sempre digo que Lula precisa construir uma coalizão muito grande. A melhor maneira de garantir que os militares não fiquem tentados a embarcar numa aventura é por meio de uma derrota acachapante de Bolsonaro.

Quando Bolsonaro era candidato, o sr. afirmou que ele pontuava em todos os quesitos como um líder autoritário. Essa análise mudou com ele como presidente? Não, mas é interessante notar que Bolsonaro atacou menos as instituições democráticas do que Trump. Trump controlou um partido grande, e isso lhe deu muito poder. O equivalente no Brasil seria ter uma base grande no Congresso, mas Bolsonaro ignorou isso na primeira metade do mandato.

Bolsonaro provocou danos inimagináveis à sociedade brasileira na saúde pública, na questão ambiental e em muitas outras áreas, mas ele não provocou tanto dano às instituições democráticas. Pelo menos não ainda. Mas não porque a gente tenha subestimado seus compromissos com a democracia, e sim porque ele tem sido um presidente muito fraco para causar grandes estragos.

A expressão “as instituições estão funcionando” se mostra acertada? Bem, as instituições funcionam até que elas deixem de funcionar. As instituições brasileiras são muito fortes. Elas estão entre as mais robustas da América Latina. Mas não é só que as instituições estejam funcionando. É que Bolsonaro, até agora, não teve a força necessária, ou talvez a habilidade necessária, para subordiná-las ou manipulá-las.

A sobrevivência da democracia não significa necessariamente que as instituições tenham funcionado. Acho que às vezes nós botamos muita fé nas instituições. Tanto no Brasil como nos EUA, tivemos muita sorte de os autoritários que elegemos não terem construído maiorias como Rafael Correa [Equador], Alberto Fujimori [Peru], Vladimir Putin [Rússia], Hugo Chávez [Venezuela].

Em seu livro, o sr. cita duas regras não escritas fundamentais para a democracia: a tolerância mútua [reconhecer a legitimidade dos adversários políticos] e a reserva institucional [comedimento no uso dos poderes]. Como zelar por essas normas quando o presidente é o primeiro a desrespeitá-las? Quando você tem um autoritário no poder em uma democracia presidencial como a brasileira ou a americana, você está em uma situação emergencial. Você está além de se preocupar com a erosão de regras não escritas. Você precisa se preocupar com a sobrevivência da própria democracia.

Então, antes de perguntar o que é possível fazer por essas normas, é preciso remover o presidente autoritário. Quando o presidente está violando essas duas regras de forma flagrante e reiterada, até que ele seja um ex-presidente, não há como restaurá-las.

Sempre que uma democracia conviver com uma força política expressiva que seja antidemocrática, discussões sobre normas de tolerância mútua precisam ir para o segundo plano até essa força ser isolada e derrotada.

O lugar onde essas normas não escritas podem ser reconstruídas é dentro de uma coalizão de oposição aos autoritários. Eu defendo a construção de uma coalizão da esquerda à direita contra as forças autoritárias tanto nos EUA como no Brasil.

Bolsonaro recentemente visitou Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, dois líderes autoritários. Isso sinaliza algo sobre o que o presidente brasileiro pretende fazer? É um sinal preocupante. Estamos num período de realinhamento no Ocidente e, dependendo de como a guerra na Europa evoluir, pode haver uma mudança geopolítica significativa. Vemos nas democracias ocidentais a ascensão de uma direita antiliberal que, cada vez mais, tem desafiado a ordem democrática.

Essa direita iliberal é transnacional. Seus líderes e ideólogos se falam, entram em contato com extremistas da América do Sul e do Leste Europeu. Tudo isso é assustador e diz muito sobre quão extremista o Bolsonaro é e sobre quão limitado é o seu comprometimento com as instituições democráticas liberais. Mas isso não nos diz quão bem-sucedido ele vai ser, porque nem Putin nem Orbán virão salvar Bolsonaro.

Em seu livro, o sr. dizia que uma crise poderia fortalecer líderes autoritários, mas a pandemia parece ter indicado o oposto para Trump e Bolsonaro. Houve casos em que alguns líderes se aproveitaram da crise para concentrar poder, como nas Filipinas, na Índia, na Hungria e em El Salvador, mas você está certo em relação a Trump e Bolsonaro. Essa crise de saúde pública não só não os beneficiou como parece tê-los prejudicado bastante.

Historicamente, crises econômicas, crises que tiram do governo a capacidade de entregar resultados para a população, elas tendem a enfraquecer tanto líderes democráticos como autoritários.

Nessa crise [da Covid], a melhor resposta provavelmente dependeria de aceitar o que dizem especialistas e dar poder a eles, mas Trump e Bolsonaro não admitem fazer isso. E o fato de eles terem recusado a expertise os levou a abdicar da possibilidade de concentrar poder e impor restrições, por exemplo.

Os dois tiveram uma das piores respostas do mundo. Nem todos os autocratas reagiram assim, mas o caso deles nos mostra que nem todas as crises têm o mesmo efeito em relação a líderes autoritários.

Muita coisa mudou desde que seu livro foi publicado e o sr. está escrevendo o próximo. Vai ser uma continuação? Vai ser um pouco mais concentrado nos EUA, embora também tenha uma dimensão comparativa. A questão principal é: por que partidos políticos tradicionais se viram contra a democracia? Nós argumentamos que, nos EUA, o desenvolvimento gradual de uma democracia multirracial nos últimos 50 anos provocou uma radicalização do Partido Republicano e o levou para um caminho autoritário.

Nós também olhamos para instituições contramajoritárias nos EUA. Os EUA têm uma enorme quantidade de instituições que minam a vontade da maioria. Então nós fazemos um apelo por uma reforma constitucional em direção a uma democracia mais democrática nos EUA.

Steven Levitsky, 54
Cientista político, mestre pela Universidade Stanford e doutor pela Universidade da Califórnia, Berkeley, é professor de governo na Universidade Harvard, onde também atua no Centro Weatherhead para Relações Internacionais e no Centro David Rockefeller para Estudos Latino Americanos. É autor, entre outras obras, de “Como as Democracias Morrem” (Zahar, 2018), escrito com Daniel Ziblatt.

Imprensa usa o horror das imagens de sofrimento na guerra das narrativas, por Pondé.

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A sensibilidade idiota das redes tomou conta do jornalismo profissional

Luiz Felipe Pondé, Escritor e ensaísta, autor de “Notas sobre a Esperança e o Desespero” e “Política no Cotidiano”. É doutor em filosofia pela USP.

Folha de São Paulo, 13/03/2022

Uma pena que a cobertura da guerra da Ucrânia esteja, em grande parte, entregue à sensibilidade de classe média. Os jornalistas mais choram do que pensam.

É verdade, claro, que há uma violência em curso: um país agredido por outro, muito mais forte. Vidas civis destruídas. Mas o que há para além de “Putin, assassino”?

O Ocidente achou que conflitos importantes não mais aconteceriam —só na periferia desgraçada do mundo—, assim como até 2020 também se acreditou —ao menos os incautos— que pandemias tampouco matariam milhões.
Monumentos com as cores da Ucrânia, cantar “Imagine” numa praça em Budapeste —num país que vive sob um ditador que, aliás, é parte da Otan—, tudo isso é a prova de que a sensibilidade idiota das redes tomou conta do jornalismo profissional.

Guerras nunca levaram em conta o sofrimento civil. A sensibilidade barata das redes sociais faz parecer que profissionais de Estado pensam como a classe média, postando crianças e grávidas sofrendo.

Na verdade, eles usam essa sensibilidade de classe média a favor deles quando ela tem valor estratégico. Usam o horror das imagens de sofrimento humano para onerar o inimigo na guerra das narrativas. A Rússia já perdeu a guerra no Instagram.

Um dos argumentos mais comuns utilizados por Putin é que o Ocidente mente sobre seus bons sentimentos morais. Quando a Otan invadiu o Afeganistão ou o Iraque, não se trouxe à tona a destruição causada a população civil daqueles países porque esta era de interesse dos Estados Unidos.

Quando os americanos patrocinaram massacres nas guerras durante a Guerra Fria, tampouco isso importou.

Mesmos as misérias das ditaduras latino-americanas a serviço dos EUA na Guerra Fria não levaram em conta sentimentos morais. A Coca-Cola boicota ditadores africanos?

No caso das investidas da Otan junto aos países que antes eram da esfera do império russo e depois da União Soviética, o argumento dos russos encontra alguma racionalidade geopolítica.

Quando em 2008, em Bucareste, a Otan convidou a Geórgia a fazer parte de seu clube, a Rússia invadiu a Geórgia.

Quando, já na segunda década do século 21, a Otan ensaiou levar a Ucrânia para o seu clube, Putin retomou a Criméia. Ele anunciava sua resposta à Otan já ali, naquele início de 2014.

Países como Hungria, Romênia, Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, quase todos na fronteira oeste russa, sempre um tanto porosa ao longo de séculos, todos fazem parte da Otan. A argumentação de Putin é que os EUA usaram o desmonte da União Soviética para cercar a Rússia e torná-la um player irrelevante na geopolítica europeia e mundial. Para os russos, isso foi uma demonstração da pouca importância que os EUA atribuíam à possibilidade da Rússia se reerguer da derrocada da URSS.

Nada disso justifica a agressão a Ucrânia do ponto de vista moral. Mas é este mesmo ponto de vista moral bradado pelo Ocidente como seu trunfo que os russos entendem como uma mentira estratégica. Tudo que os americanos querem é manter a Rússia na condição de uma potência enfraquecida, à deriva do poder americano.

Para Putin, é como se os russos pusessem armas e exércitos no México, no Canadá e em Cuba —como aliás fizeram em 1962, na baía do Porcos. Na época, a Otan tinha mísseis na Turquia e considerava isso “normal”. A Turquia, país bem duvidoso do ponto de vista dos “valores ocidentais”, fazia fronteira com a URSS, e esta era a razão dela ter sido alçada ao clube dos notáveis do Atlântico Norte —ainda que ela esteja no Mediterrâneo.

Veremos se o ataque frontal de empresas ocidentais e do sistema financeiro internacional à Rússia conseguirá conter a violência na Ucrânia. Há que ver se a tentativa de cancelamento de uma potência militar —para alguns, detentora do maior arsenal nuclear no mundo— e econômica como a Rússia não causará danos terríveis à economia global e forçará o Ocidente a reduzir seu tom. A conta do boicote a Rússia chegará.

Putin parece disposto a escalar a situação. Ousado como é —para alguns, um louco—, ele aposta que o fraco governo Biden não tem condição de ir tão longe quanto a Rússia nessa guerra de nervos.

A incultura internacional do bolsonarismo, por Guilherme Casarões.

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Há quem veja genialidade, mas é só incompetência

Guilherme Casarões, Cientista político e professor da FGV-Eaesp (Fundação Getulio Vargas – Escola de Administração de Empresas de São Paulo)

Folha de São Paulo, 13/03/2022

Li com interesse o artigo do deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) nesta Folha (“O gênio estratégico de Bolsonaro”, 7/3). Trata-se, afinal, de uma rara defesa da errática política exterior do governo Jair Bolsonaro (PL). Chama a atenção o texto não ter sido escrito pelo chanceler. Ou pelo assessor internacional. Ou pelo ministro da Defesa. Mas que bom que alguém teve essa coragem.

O que, na superfície, parece uma discussão relativamente sóbria sobre política externa, não passa de um amontoado de ideias no melhor estilo bolsonarista: elogios ao chefe e críticas à imprensa embalados em palavras rebuscadas e temperados por teorias conspiratórias. Tudo para, no fim, fazer uma defesa sorrateira da invasão russa — e das reais predileções do presidente.

O mote central do artigo —de que nações se movem não por ideologias, mas por interesses— não está errado. Essa é a primeira lição de quem se envereda profissionalmente pelas relações internacionais. Não à toa diplomatas, acadêmicos e analistas se revoltam diariamente com a displicência do governo ao substituir considerações estratégicas, de longo prazo, pelos devaneios ideológicos de um populista e sua trupe.

Estamos diante do presidente que mais banalizou a política externa: antagonizou parceiros históricos por serem “comunistas” ou “globalistas”, fez campanha eleitoral para os colegas de extrema direita e retirou o país de todos os debates multilaterais relevantes a nosso povo. Isso para não dizer do negacionismo sanitário que nos envergonha diante do mundo.

É curioso o porta-voz do governo que fez do Brasil um pária internacional vir falar em interesse nacional como se sempre o tivesse defendido. Dá a sensação de que, às vésperas de uma eleição em que a derrota é quase certa, quisesse —mais uma vez— reescrever a história e adaptar a narrativa que anima a militância. Outro dia Jair Bolsonaro (PL) era o messias que levaria a paz para o Leste Europeu. Hoje, o presidente é o “gênio estratégico” que transita, habilidosamente, entre Washington, Pequim e Moscou.

Afirmações como essa desafiam a inteligência das pessoas. Não precisa ser íntimo do presidente para reconhecer seu desprezo pelo conteúdo e pela forma da diplomacia. Bolsonaro sempre falou o que lhe deu na telha, no tom virulento costumeiro com que se posiciona nas redes sociais ou no cercadinho do Alvorada.

E fico me perguntando se alguém da base governista realmente crê que os líderes das três maiores potências militares do mundo se deixam enganar pelas declarações vagas e ambíguas do mandatário brasileiro. É quase tão ingênuo quanto acreditar que as chancelarias estrangeiras já não estejam em compasso de espera para 2023, quando o próximo presidente tomará posse.

No afã de oferecer uma lição sobre realismo político, Feliciano, nosso chanceler de ocasião, se esquece do segundo mandamento das relações internacionais: na diplomacia, não há nada pior que a incerteza e a inconstância. Países querem saber o que esperar dos parceiros. No Brasil de hoje, nem o próprio governo sabe quem fala pela política externa. Há quem chame isso de genialidade. No fundo, é a mais pura incompetência.

Há quem veja genialidade, mas é só incompetência

Guilherme Casarões, Cientista político e professor da FGV-Eaesp (Fundação Getulio Vargas – Escola de Administração de Empresas de São Paulo)

A guerra na Ucrânia e a deriva da Europa, por Boaventura de Sousa Santos.

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Provocar Putin e incitá-lo a agir militarmente sempre foi o plano de Washington. Assim, poderia emparedar a Rússia frente à opinião pública e sabotar um entendimento eurasiático. União Europeia, sem liderança, caiu na armadilha…

Boaventura de Sousa Santos – OUTRAS PALAVRAS – 11/03/2022

Porque não soube tratar das causas de crise da Ucrânia, a Europa está condenada a tratar das suas consequências. A poeira da tragédia está longe de ter poisado, mas, mesmo assim, somos forçados a concluir que os líderes europeus não estavam nem estão à altura da situação que vivemos. Ficarão na história como as lideranças mais medíocres que a Europa teve desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Esmeram-se agora na ajuda humanitária, e o mérito do esforço não pode ser questionado. Mas fazem-no para salvar a face ante o escândalo maior deste tempo. Governam povos que nos últimos setenta anos mais se organizaram e manifestaram contra a guerra em qualquer parte do mundo onde ocorresse.

E não foram capazes de os defender da guerra que, pelo menos desde 2014, germinava dentro de casa. As democracias europeias acabam de provar que governam sem o povo. São muitas as razões que nos conduzem a esta conclusão.

Esta guerra estava a ser preparada há muito tempo tanto pela Rússia como pelos EUA. No caso da Rússia, é notória a acumulação de imensas reservas de ouro nos últimos anos e a prioridade dada à parceria estratégica com a China, nomeadamente no plano financeiro, com vista à fusão bancária e à criação de uma nova moeda internacional, e no plano de trocas comerciais onde são enormes as possibilidades de expansão com a Iniciativa do Cinturão e Rota por toda a Eurásia. Nas relações com os parceiros europeus, a Rússia revelou-se um parceiro credível, ao mesmo tempo que foi tornando claras as suas preocupações de segurança. Preocupações legítimas, se por um momento pensarmos que no mundo das superpotências não há bons nem maus, há interesses estratégicos que devem ser acomodados. Foi assim na crise dos mísseis de 1962 com a linha vermelha posta pelos EUA a não querer mísseis de médio alcance instalados a 70 km da sua fronteira. Não se pense que foi apenas a União Soviética a ceder. Os EUA também desistiram dos mísseis médio alcance que tinham na Turquia. Cedência recíproca, acomodação, acordo duradouro. Porque não foi possível o mesmo no caso da Ucrânia? Vejamos a preparação do lado dos EUA.

Confrontados com o declínio do domínio global que têm tido desde 1945, os EUA buscam consolidar zonas de influência a todo o custo, que garantam facilidades comerciais para as suas empresas e o acesso às matérias primas. O que escrevo a seguir pode ler-se em documentos oficiais e de think tanks pelo que se dispensam teorias da conspiração.

A política do regime change não visa criar democracias, apenas governos fiéis aos interesses dos EUA. Não foram estados democráticos que emergiram das sangrentas intervenções no Vietnã, Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia. Não foi para promover democracia que incentivaram golpes que depuseram presidentes democraticamente eleitos em Honduras (2009), no Paraguai (2012), no Brasil (2016), na Bolívia (2019), para não falar do golpe de 2014 na Ucrânia. Desde há algum tempo, o rival principal é a China. No caso da Europa, a estratégia dos EUA tem dois pilares: provocar a Rússia e neutralizar a Europa (sobretudo a Alemanha). A Rand Corporation, conhecida organização de estudos estratégicos, publicou em 2019 um relatório elaborado a pedido do Pentágono, intitulado “Extending Russia”. Nele se analisa como provocar países de modo a que a provocação possa ser explorada pelos EUA. No que respeita à Rússia, lê-se: “Analisamos uma série de medidas não violentas capazes de explorar as reais vulnerabilidades e ansiedades da Rússia como meio de pressionar o exército e a economia da Rússia e o estatuto político do regime no país e no estrangeiro. Os passos que analisamos não teriam a defesa ou a dissuasão como objetivo principal, embora pudessem contribuir para ambas. Pelo contrário, tais passos são pensados como elementos de uma campanha concebida para desestabilizar o adversário, forçando a Rússia a competir em campos ou regiões onde os Estados Unidos têm vantagem competitiva, levando a Rússia a expandir-se militar ou economicamente, ou levando o regime a perder prestígio e influência nacional e/ou internacionalmente”.

É preciso saber mais para perceber o que se está a passar na Ucrânia? A Rússia provocada a expandir-se para depois ser criticada por fazê-lo. A expansão da OTAN para leste, contra o que tinha sido acordado com Gorbachev em 1990, foi a peça-chave inicial da provocação. A violação dos acordos Minsk foi outra peça. Note-se que a Rússia começou por não apoiar a reivindicação da independência de Donetsk e Lugansk depois do golpe de 2014. Preferiu uma forte autonomia dentro da Ucrânia, como está estabelecido nos acordos de Minsk. Estes acordos foram rasgados pela Ucrânia com o apoio dos EUA, não pela Rússia.

Quanto à Europa, o princípio é consolidar a condição de parceiro menor que não se aventure a perturbar a política das zonas de influência. A Europa tem de ser um parceiro fiável, mas não pode esperar reciprocidade. É por isso que a UE, para surpresa ignorante dos seus líderes, foi excluída do AUKUS, o tratado de segurança para a região do Índico e do Pacífico entre EUA, Austrália e Inglaterra. A estratégia do parceiro menor exige que se aprofunde a dependência europeia, não só no plano militar (já garantido pela OTAN) mas também no plano econômico, nomeadamente no plano energético. A política externa (e a democracia) dos EUA é dominada por três oligarquias (não há apenas oligarcas na Rússia e na Ucrânia): o complexo militar-industrial; o complexo do gás, petróleo e mineração; e o complexo bancário-imobiliário. Estes complexos têm lucros fabulosos graças às chamadas rendas de monopólio, situações privilegiadas de mercado que lhes permitam inflacionar os preços. Os objetivos destes complexos são manter o mundo em guerra e criar maior dependência dos fornecimentos de armas norte-americanos. A dependência energética da Europa em relação à Rússia era algo inaceitável. Do ponto de vista da Europa, não se tratava de dependência, tratava-se de racionalidade econômica e de diversidade de parceiros. Com a invasão da Ucrânia e as sanções, tudo se consumou como previsto, e a imediata valorização das cotações das ações dos três complexos tinham o champagne à sua espera. Uma Europa medíocre, ignorante e sem visão estratégica cai desamparada nas mãos destes complexos, que agora lhe vão falar dos preços a cobrar. A Europa empobrece e desestabiliza-se por não ter tido líderes à altura do momento. Ainda por cima, apressa-se a armar nazis. Nem se recorda de que, em dezembro de 2021, a Assembleia Geral da ONU aprovou, por proposta russa, uma resolução contra a “glorificação do nazismo, neonazismo e outras práticas que promovem racismo, xenofobia e intolerância”. Dois países votaram contra, EUA e Ucrânia!

As negociações de paz em curso são um equívoco. Não faz sentido serem entre a Rússia e a Ucrânia. Deviam ser entre a Rússia e EUA/OTAN/União Europeia. A crise dos misseis de 1962 foi resolvida entre a URSS e os EUA. Alguém se lembrou de chamar Fidel Castro para as negociações? É cruel ilusão pensar que haverá paz duradoura na Europa sem cedências do lado ocidental. A Ucrânia, cuja independência todos queremos, não deve entrar para a OTAN. A OTAN foi até agora necessária à Finlândia, à Suécia, à Suíça ou à Áustria para se sentirem seguras e se desenvolverem? De fato, a OTAN devia ter sido desmantelada logo que acabou o Pacto de Varsóvia. Só assim a UE poderia ter criado uma política e uma força militar de defesa que respondesse aos seus interesses, e não aos interesses dos EUA. Que ameaça havia para a segurança da Europa que justificasse as intervenções da OTAN na Sérvia, em 1999, no Afeganistão, em 2001, no Iraque, em 2004, na Líbia, em 2011? Depois de tudo isto, será possível continuar a considerar a OTAN uma organização defensiva?

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale e Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.

China ajudará Rússia até o ponto que não atrapalhe negócios com os EUA, diz analista.

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Para Kishore Mahbubani, Brasil poderia participar mais da mediação de conflitos internacionais

Rafael Balago – Folha de São Paulo, 12/03/2022

O fortalecimento recente da relação entre China e Rússia tem um motivo em comum: conter a pressão dos EUA. No entanto, o apoio de Pequim à Moscou, em um momento em que a economia russa sofre sanções pesadas, deve ser limitado pelos interesses da própria China, como não perder acesso ao mercado americano, avalia Kishore Mahbubani, pesquisador sênior do Asian Research Institute.

“A China tem bancos que negociam apenas com yuans, sem conexão com dólares. Esses bancos não podem ser alvo de sanções dos EUA. Mas os chineses precisam ser cuidadosos para garantir que suas empresas não entrem em conflito com as sanções americanas”, avalia.

Mahbubani aponta que os chineses devem estar analisando de perto como as punições à Rússia estão sendo aplicadas, para pensar como se proteger de medidas similares no futuro. “A China acelerará seus esforços para reduzir a dependência do dólar e se tornar menos vulnerável às sanções dos EUA. Quanto mais você usa o dólar como arma, mais você cria incentivos para países se afastem dele.”

Ex-diplomata de Singapura que chefiou o Conselho de Segurança da ONU, Mahbunani, 73, é autor de vários livros sobre a geopolítica da Ásia. Seu título mais recente, “A China Venceu?” (ed. Intrínseca), foi lançado no Brasil em 2021.
Ele conversou com a Folha por vídeochamada, a partir de Singapura.

Como avalia a aproximação recente entre China e Rússia? Os dois países estão sob grande pressão dos EUA. Conforme a China se torna mais forte, é natural que os EUA tentem pará-la. É uma regra pétrea da geopolítica, há 2.000 anos.

No caso da Rússia, há uma relação muito difícil com os EUA, porque ela sente que os americanos estão expandindo a Otan em seu quintal. Os dois países têm seus próprios problemas com os EUA e podem tentar cooperar entre si.

Ao combinarem esforços, elas podem aumentar a pressão sobre os Estados Unidos. Assim, uma parceria forte entre as duas é compreensível. Mas é importante enfatizar que esta relação não é uma parceria de defesa como a Otan, onde há mecanismos automáticos de defesa mútua.

A parceria é forte conforme a convergência de interesses. A China ainda acredita na integridade territorial dos países, mas não é do interesse chinês ver o colapso da Rússia, porque, se isso acontecer, a China ficará sozinha para lidar com os EUA. Mas, ao mesmo tempo, é uma vantagem para a China que a Rússia desvie a atenção dos EUA, de certa forma.

Quão longe a China pode ir para ajudar a Rússia, em questões como lidar com as sanções, por exemplo? A China tem um comércio muito maior com os EUA do que com a Rússia. E o mercado americano é muito mais importante para a China do que o russo.

Assim, de um lado, acho que a China cumprirá as sanções onde for preciso, como nos bancos chineses que negociam com dólares. Se eles negociarem com bancos russos, poderão ser sancionados também. Ao mesmo tempo, a China tem bancos que negociam apenas com yuans, sem nenhuma conexão com dólares. Esses bancos não podem ser alvo de sanções dos EUA.

Eles não são obrigados pela leis internacionais a aplicar as sanções americanas contra a Rússia, porque são sanções bilaterais, não multilaterais. Mas os chineses precisam ser cuidadosos para garantir que suas empresas não entrem em conflito com as sanções americanas.

A China tem condições de permanecer neutra neste conflito? A China está tentando ter um papel de mediadora. É algo muito importante, porque há poucas partes hoje que podem falar com Rússia e Ucrânia e terem a confiança de ambas. A Índia pode ter um papel similar também.

O conflito pode mudar o equilíbrio de poder entre EUA e China no futuro? É muito cedo para dizer. Você pode ter um cenário em que a Rússia fracassar por completo e colapsa como resultado da invasão falha da Ucrânia. A União Soviética colapsou em parte por falhar na invasão do Afeganistão. Ou pode-se ter um cenário em que a Rússia vença e saia mais forte.

Apesar disso, uma coisa que podemos dizer é que a China está estudando, muito cuidadosamente, cada sanção aplicada pelos EUA à Rússia e indo para a próxima questão lógica: como a China responderia a uma sanção similar? Por exemplo, uma das sanções que geram mais dano é o congelamento de reservas do Banco Central russo no exterior. Isso nunca havia sido feito antes. E as reservas da China são muito, muito maiores do que as da Rússia.

Neste sentido, penso que a China acelerará seus esforços para reduzir a dependência do dólar em seu comércio internacional, para se tornar menos vulnerável às sanções dos EUA. Quanto mais você usa o dólar como arma, mais você cria incentivos para países se afastem dele. E se o dólar perder seu papel de moeda para reservas globais, os EUA perderão seu exorbitante privilégio e não serão mais capazes de viverem além de seus meios, como têm feito.

O que o Brasil e outros países podem fazer para tentar resolver esta crise? É importante que o resto do mundo fale mais claramente e explique para EUA e Europa que os esforços para expandir a Otan até a Ucrânia são muito imprudentes. Em teoria, obviamente, o povo da Ucrânia tem o direito soberano de decidir seu tipo de governo. Mas há realidades geopolíticas que precisam ser levadas em conta. A grande lição da Ucrânia é que, quando países como Rússia e China dizem de forma muito clara que há linhas vermelhas que não devem ser cruzadas, elas devem ser respeitadas se você quer prevenir uma guerra.

Faz falta no mundo hoje que países poderosos como Índia, Brasil e outros Brics tenham um papel de mediação. Eu apoio o esforço do Brasil para se tornar um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. E o melhor meio de o Brasil aprimorar sua campanha por isso é se envolver em grandes responsabilidades internacionais, como tentar prevenir um conflito como o da Ucrânia.

Um eventual sucesso da Rússia em tomar a Ucrânia pode estimular a China a tentar algo em relação a Taiwan? As situações são muito diferentes. A Ucrânia é um país independente, membro da ONU, e com soberania reconhecida pela maioria dos países. Taiwan não é reconhecido como um país soberano e independente pela maioria dos países. E muitos governos que estabeleceram relações diplomáticas com a China, como o Brasil, reconhecem que China e Taiwan pertencem ao mesmo país. Neste sentido, você não teria o mesmo impacto gerado pela invasão da Rússia na Ucrânia. Ao mesmo tempo, a China será muito cuidadosa e não começará uma guerra em Taiwan de modo imprudente, a menos que Taiwan resolva declarar independência.

E como vê a aproximação dos EUA com Austrália, Japão e Índia, com a formação do grupo Ouad? Isso pode incomodar a China? O Quad é um grupo muito estranho. Oficialmente, ele nega ser uma aliança de defesa contra a China. Diz ter outras metas, como compartilhar vacinas, mas ninguém duvida que é um clube desenhado para contrabalançar a China.

A questão é: é melhor tentar isso com três ou quatro países? Ou criar grupos multilaterais maiores, como a Asean [Associação de Nações do Sudeste Asiático] está tentando fazer? A Asean tem buscado incluir a China em grupos multilaterais, e a experiência mostra que, quando você inclui a China, fala com ela, tem mais chances de ter a China como um membro responsável do sistema global, em vez de tentar excluí-la ou isolá-la. É uma abordagem mais sábia.

É como o modelo da União Europeia, de aproximar os países para evitar conflitos entre eles. Sim, mas a Asean é uma organização regional muito mais fraca do que a UE, embora tenha tido mais sucesso em prevenir guerras e conflitos na região. Nos últimos 30 anos, vimos mais guerras na Europa e em seus arredores, como na ex-Iugoslávia, na Líbia e agora na Ucrânia.

A União Europeia tem sido muito boa em preservar a paz dentro de suas fronteiras, mas muito ruim em compartilhar essa paz com os vizinhos. Nisso a UE pode aprender lições com a gente. A Asean tem sido muito boa em criar e integrar os países e seus grandes vizinhos em estruturas mais cooperativas. Suas reuniões de Cúpula da Ásia Oriental incluem EUA, Rússia, China, Japão, Índia, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia. É uma melhor abordagem para o mundo se inspirar.

Kishore Mahbubani, 73
Nascido em Singapura, foi diplomata do país de 1971 a 2004 e ocupou postos nos EUA e na ONU, órgão no qual chegou a presidir o Conselho de Segurança. Depois, tornou-se professor da Universidade Nacional de Singapura e pesquisador do Asia Research Institute. Escreveu oito livros sobre relações internacionais, incluindo “A China Venceu?”.

A guerra é a economia por outros meios, por Raquel Varela.

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Raquel Varela – A Terra é redonda – 10/03/2022

O neoliberalismo é isto, Estado econômico máximo, garantido pelas dívidas “públicas”, Estado social mínimo para as pagar. E agora Estado militar

A entrada formal da OTAN nesta guerra implicaria o começo de uma terceira guerra mundial, em que não só não seriam salvos os ucranianos, como morreriam milhões de pessoas: uma catástrofe. Quem olha com desdém ou como ingénuos os internacionalistas que, como eu, se opõem a Vladimir Putin, à União Europeia e à OTAN, defendendo a solidariedade entre os povos, quem acha que a OTAN é uma solução, está, de fato, queira ou não, a defender uma chacina mundial.

Por isso devemos exigir que os nossos Estados não enviem tropas nem armamento nem decretem sanções – são atos de guerra que só levianamente e com total desconhecimento da história da Europa se podem apoiar.

O significado das sanções: empobrecimento geral dos trabalhadores no mundo

As sanções econômicas são uma arma de guerra que empobrece os povos. Abatem-se sobre todo o povo russo, ucraniano e europeu, penalizam as oposições na Rússia, castigam o povo ucraniano que aí vive – dois milhões; punem aqueles que na Europa lutam pela paz. Ajudarão, quiçá, a reforçar o nacionalismo grão-russo e a liderança de Vladimir Putin. O papel das sanções, bem como a anunciada venda de armas da União Europeia à Ucrânia têm um significado político central que pouco tem a ver com a ajuda humanitária ou a preocupação por parte da União Europeia com regimes autoritários, os apregoados “valores europeus” (que na Palestina, na Arábia Saudita, na Líbia, na Síria, na Polónia e na Hungria são metidos na gaveta e desaparecem amiúde dos media). As sanções são um sinal claro de que a União Europeia, dirigida pela Alemanha e sob a égide da OTAN, entrou indiretamente nesta guerra, e nós não fomos consultados.

A Rússia não é o Irã. Estima-se que as sanções impliquem uma contração de 11% do PIB na Rússia e de quase 1% no mundo, sendo que a massa de capitais ardidos acaba por ser maior a nível mundial – uma contração de 11% na Rússia é uma quebra de 150 mil milhões de dólares; de 1% no mundo são 750 mil milhões. O capital arde na fogueira da geoeconomia… Destroem empresas pequenas, aumenta a venda de armas; não há pão, sobram canhões. Uns choram, outros vendem lenços.

Esta contração implicou já que o preço do trigo subiu 50% e o barril de petróleo supera os 110 dólares. Num quadro de ausência de lutas do mundo do trabalho isto significa fome, devastadora nos países periféricos. E queda geral dos salários na Europa Ocidental.

As sanções não são boicotes organizados pelos trabalhadores da produção ou da cultura, e com alvos específicos. Como o seriam uma greve nas fábricas de armamento, ou se os estivadores ou os camionistas se recusassem a carregar armamento para a guerra, ou um grupo recusar-se a cantar na Rússia. Vieram atreladas ainda à censura, de jornalistas, de filmes e até de livros.

Guerra e economia ou economia de guerra

O capitalismo implica uma luta entre patrões e trabalhadores. Mesmo quando não se expressa em greves ou revoluções, exprime-se no dia a dia na luta pelos contratos, ou contra a exaustão laboral. Mas também implica uma luta entre empresas, corporações. E entre Estados que defendem as suas empresas. Ao contrário do que afirmavam os teóricos da globalização, os Estados não perderam força face a um panfletário “capital sem rosto”. Nesta competição doentia que arrasta toda a sociedade, impedindo a cooperação, os Estados são o instrumento fundamental quando a guerra passa a ser a economia por outros meios.

As sanções deixaram de fora 70% das exportações russas – petróleo, gás e combustíveis – de que depende a indústria alemã; são uma forma de expropriação dos bilionários russos (ontem eram “empresários” bons para investir, agora são “oligarcas” a expropriar). A suspensão do código Swift tem um efeito na Rússia – empurrá-la para fora da Europa (a Rússia é parte da Europa!) para uma aliança com a China –, o que encaixa com a visão expansionista da OTAN, que desenvolve no mar da China, com a Austrália, um cerco militar à China, semelhante ao que desenvolve na Europa de Leste com a expansão da OTAN. Os EUA acabaram de aprovar o maior orçamento militar da sua história (US $778 mil milhões), e só a duplicação do orçamento militar alemão anunciado (mais 50 mil milhões) coloca a Alemanha com mais investimento militar do que o orçamento militar russo total (60 mil milhões).

Ironia previsível da história: sob o governo mais “verde” da Alemanha anuncia-se na União Europeia a energia nuclear como verde (ficou claro agora que enquanto houver guerras a energia nuclear é uma ameaça à humanidade) e a remilitarização do país condutor da União Europeia. A restruturação produtiva (“transição verde”) “para fazer face
à crise de 2008, a ser levada até ao fim, implicaria a implosão dos direitos conseguidos pelos trabalhadores, do Estado social, a pretexto dos subsídios públicos às “energias limpas”, que – mesmo com externalização da parte suja para outros países – seriam insustentáveis. É neste quadro que, segundo vários pensadores alemães, surge a remilitarização da Alemanha – restruturação verde se possível, militar se necessário.

Uma Ucrânia entre os EUA, a União Europeia e a Rússia

A história é a chave da compreensão do mundo. Mas o segredo desta chave, desde a revolução industrial, é a teoria do valor-trabalho. A Ucrânia tem um governo neoliberal, com uma das populações mais pobres da Europa, onde se aplicaram as receitas do FMI (onde estão à mesma mesa EUA e Rússia). A Ucrânia perdeu 8 milhões de pessoas em dez anos para o exílio económico (emigrantes). Tem um PIB anêmico, porque é um país com 14% da população na agricultura, pequenos camponeses, e com a região industrial da bacia do Donbass em guerra civil, da qual fugiam investidores. A Ucrânia tem umas das terras mais produtivas do mundo (1/4 das terras negras do mundo), e, até 2020, era proibida a venda dessa propriedade, o que mudou então com Volodymyr Zelensky. Está em marcha um megaprocesso de venda e concentração de propriedade dessas terras superprodutivas.

A Ucrânia, que aprovou uma legislação que impõe o ucraniano como língua, num país bilíngue, também tem os seus “oligarcas” e o Governo é cúmplice da extrema direita – a Ucrânia é a base de treino militar europeu da extrema direita. Ao lado está a Polônia, cujo governo, apoiado pela extrema-direita, recebe agora o apoio militar da União Europeia e da OTAN, e que anunciou há dois meses a construção de um muro contra os refugiados. Pouco antes tinha-se aí realizado a conferência europeia da extrema direita.

Nada disto autoriza a conclusão de que a Rússia está em mera autodefesa ou a “desnazificar” a Ucrânia. A proteção dos russos de Donetsk e Lugantsk foi apenas uma desculpa perfeita e ansiada pelo Estado russo. Este vê-se a braços com a ameaça da sua própria desintegração e diminuição da sua área de influência. Acabou de esmagar, com a felicitação pública dos EUA, a revolta popular do Cazaquistão – no Ocidente chamaram-lhe “pacificação”. O Estado russo convive bem com a sua própria extrema direita, que em Moscou não é perseguida, ao contrário dos ativistas anti-guerra.

Não existe paz na guerra

Os impérios são antigos, mas o imperialismo é novo. Nasceu na época contemporânea em que o capitalismo passou de concorrencial a monopolista, no fim do século XIX, quando todos os espaços da Terra tinham sido conquistados e divididos – a partir da divisão colonial no congresso de Berlim de 1885 –, e tudo culminou na Primeira Guerra Mundial, que “ia acabar no Natal” e durou quatro anos. Até a Revolução Russa lhe ter posto termo. Imperialismo quer dizer que um capitalismo não pode sobreviver sem avançar sobre o outro.

Os que apoiam Putin, de um lado, ou a OTAN, de outro, vivem segundo o modelo da Guerra Fria, acreditam que revoluções são uma miragem ou contraproducentes, e que por isso a ameaça permanente da guerra seria condição para a paz. Ignoram que enquanto existirem impérios, dois, três, ou um, a guerra e o terror serão a realidade porque o imperialismo implica sempre, no quadro da concorrência, o expansionismo.

À crise de 2008, às medidas de gestão da pandemia e à ascensão da China junta-se uma crônica crise de superprodução (na Idade Média as crises eram de escassez, no capitalismo são de superprodução) que dura desde a década de 1970 e que foi sendo matizada com o brutal crescimento das dívidas públicas (o fim de Bretton Woods), os investimentos estatais nas empresas e a abertura do mercado chinês, que duplicou a força de trabalho à escala mundial. O neoliberalismo é isto, Estado econômico máximo, garantido pelas dívidas “públicas”, Estado social mínimo para as pagar. E agora Estado militar. Os liberais e a direita, que nunca saíram à rua por um direito trabalhista ou social, foram os primeiros a fazer rufar os tambores da guerra, pedindo a intervenção da OTAN.

Quando entre 2008 e 2012 estive, com vários colegas do mundo inteiro, em conferências de análise da crise (algumas na Alemanha), e dizíamos que a única forma de transformar o dinheiro impresso em 2008 em capital era com uma produção militar à escala de uma guerra mundial, éramos olhados como extraterrestres. A guerra e as revoluções aceleram a história – hoje estamos à beira de uma guerra mundial, e todos acham normal pronunciar-se a mais sórdida de todas as expressões: guerra mundial.

Erradicar a fome com uma economia planificada e dirigida às necessidades custaria ao mundo 45 mil milhões de dólares/ano, metade do que a Alemanha vai investir agora em armamento. Não foi Franklin D. Roosevelt que terminou com a crise de 1929. As taxas de desemprego de 1929 só foram revertidas na totalidade quando os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial, em 1941. Foi a economia de guerra, ou seja, transformar desempregados em soldados, forças produtivas em fábricas de máquinas de destruição, que reverteu a crise de acumulação. Em 1937 o New Deal passou a War Deal, cortaram-se 800 milhões de dólares ao seguro social e aos trabalhos públicos, e aumentaram-se os gastos militares, que cresceram 400 milhões de dólares em 1939.

No meio desta imensa complexidade o essencial é isto. Nenhuma liberdade chegará na boleia de um tanque, russo, alemão ou americano. Foi assim em 1956 na Hungria, em 1968 em Praga, foi assim no Afeganistão e na Líbia, é assim na Palestina. É assim hoje na Ucrânia. Enquanto aceitarmos que os Estados são os únicos atores da história e não entrarem em cena as resistências populares e de trabalhadores, o que teremos é mais guerras. Os Estados são os responsáveis, não as populações.

*Raquel Varela, historiadora, é pesquisadora da Universidade Nova de Lisboa. Autora, entre outros livros, de Breve História da Europa (Bertrand).

The Economist: Por que o declínio da indústria é mais acentuado no Brasil

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Em muitos países, a indústria também perdeu participação e reduziu os postos de trabalho, mas no Brasil a mudança não foi acompanhada de ganho de produtividade

The Economist, O Estado de S. Paulo – 06/03/2022

O povo de São Bernardo do Campo uma cidade próxima a São Paulo, é chamado de “batateiro”, ou plantador de batata.

No entanto, eles são mais conhecidos pela sua indústria. Quase um século atrás eles fabricavam móveis. Na década de 1950, começaram a produzir carros. Logo, a região que inclui a cidade, conhecida como ABC pelas iniciais de seus maiores municípios, tornou-se a maior zona industrial da América Latina. Um trabalhador de lá, Luiz Inácio Lula da Silva, chegou ao topo do sindicato dos metalúrgicos e, mais tarde, ao topo da política brasileira.

Mas quando a Urban Systems, uma consultoria, elegeu a cidade como o melhor lugar do Brasil para fazer negócios na indústria no ano passado, muita gente se surpreendeu. Em 2013, o ABC tinha 190 mil postos de trabalho formais na indústria (que inclui manufatura e processamento). Em 2019, tinha 140 mil, ou quase um terço menos. Placas empoeiradas de “vende-se” marcam algumas das 127 áreas industriais ociosas que a pesquisadora Gisele Yamauchi contabilizou em São Bernardo. Em 2019, a montadora americana Ford disse que estava deixando São Bernardo depois de quase um século no Brasil. Em 2021, o setor industrial formal da cidade se manteve estável, com quase tantos empregos criados quanto perdidos. Mas a transição para uma economia de serviços é clara.

De fato, São Bernardo faz parte de uma tendência mais ampla no País. Na década de 1980, a indústria atingiu o pico de 34% de participação no PIB do Brasil. Em 2020 foi de apenas 11%.

Em outros países, a importância relativa da indústria também diminuiu. À medida que as fábricas se tornam mais eficientes, menos pessoas são necessárias para fabricar cada produto, e o emprego na indústria tende a cair mesmo com o aumento da produção. Mas o que é notável no Brasil é que o crescimento da produção também foi medíocre. Entre 1980 e 2017, o valor agregado da indústria em termos reais cresceu apenas 24%, em comparação com 69% na vizinha Argentina e 204% no mundo.

As indústrias de base científica do Brasil também perderam participação no PIB mais rapidamente do que o esperado.

Na década de 1980, o Brasil produzia 55% dos insumos farmacêuticos que utilizava. Em 2020, isso caiu para 5%.

Quando a pandemia de Covid-19 criou uma enorme demanda por vacinas, o Brasil foi pego de surpresa. A falta de materiais atrasou o lançamento do imunizante.

Abertura
À medida que o comércio global se liberalizou depois de 1990, o Brasil abriu o que havia sido uma economia ferozmente protegida. Mas apenas um pouco. O país continuou protegendo grande parte de sua indústria doméstica da concorrência estrangeira, diz Fabiano Colbano, do Banco Mundial. Sucessivos governos se concentraram em alimentar a demanda doméstica, em vez de aumentar a produtividade. As empresas falharam em se integrar nas cadeias de suprimentos globais. As tarifas de importação foram mantidas altas e a regulamentação continuou a incomodar.

O prefeito de São Bernardo tenta tornar a cidade um lugar mais fácil para fazer negócios. Durante a pandemia, ele cortou a burocracia, baixou impostos e construiu mais estradas. Ele assegurou promessas de investimento em logística e em outras áreas que favorecem a indústria no valor de US$ 1,75 bilhão para 2021 e 2022 (o orçamento da cidade para 2022 é de US$ 1,2 bilhão). Mas em outras partes do Brasil, a covid-19 acelerou a queda da indústria.

O aumento dos preços das commodities ajudou o Brasil a atingir um superávit comercial recorde. Mas isso mascara um déficit de US$ 53 bilhões (ou 3,3% do PIB) em bens manufaturados. De fato, a dependência de commodities, cujas exportações no Brasil equivalem a 8% do PIB, normalmente tende a acelerar o declínio da manufatura ao fortalecer a moeda local, o que torna as importações mais baratas. A China há muito prefere comprar matérias-primas brutas e processá-las em casa. Em 2009, a China importou produtos alimentícios primários do Brasil no valor de US$ 7 bilhões, em comparação com produtos alimentícios processados no valor de quase US$ 600 milhões. Em 2019, os números foram de US$ 23 bilhões e US$ 5 bilhões, respectivamente.

O Brasil não precisa necessariamente de um grande setor industrial para prosperar. Em São Bernardo, os chãos de fábricas foram transformados em shopping centers e muitos moradores encontraram empregos como operadores de telemarketing. Alguns economistas argumentam que o declínio da indústria deu ao Brasil uma oportunidade de aproveitar seus pontos fortes na agricultura e na produção de petróleo.

No entanto, outros sentem que esse otimismo é equivocado. “O Brasil é o pior exemplo de desindustrialização prematura do mundo”, argumenta Rafael Cagnin, da Iedi, uma associação do setor. Os trabalhadores mudaram para empregos de serviços de baixa qualificação, em vez de empregos de alta tecnologia e qualificados. Em média, sua produtividade e renda caíram, diz ele. Em São Bernardo, os maiores salários de todos os trabalhadores com carteira assinada permanecem na indústria automobilística. Os salários médios reais em São Bernardo têm diminuído a cada ano desde 2017, inclusive nele.

Uma crise econômica entre 2014 e 2016 deu um choque tão grande no Brasil que qualquer tentativa de separar os efeitos da política industrial é difícil. Mesmo antes da covid-19, o desemprego estava no nível mais alto em 50 anos, segundo o Banco Mundial.

O declínio industrial pode ter consequências políticas. Nos Estados Unidos, a perda de empregos na indústria do Meio-Oeste pode ter levado alguns eleitores a votar em Donald Trump em 2016. No Brasil, as eleições de 2018 foram dominadas pela corrupção e as consequências da recessão, mas um estudo de dois pesquisadores brasileiros descobriu que as áreas mais afetadas pela liberalização do comércio na década de 1990 eram as mais propensas a votar em Jair Bolsonaro, o presidente populista. Ele até ganhou no antigo reduto de Lula em São Bernardo.

A próxima eleição presidencial, em outubro, pode ser crucial para a indústria. Bolsonaro não fez do estímulo à indústria uma prioridade, embora no final de fevereiro tenha prometido um corte de impostos para produtos industriais. Lula, que provavelmente concorrerá contra ele, disse que, embora as commodities sejam importantes, o Brasil precisa “ser forte na indústria, na ciência e na tecnologia”. Os próximos meses provavelmente envolverão uma corrida para conquistar os corações e os votos de lugares como São Bernardo.

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O Brasil e a guerra na Ucrânia, por Paulo Batista Júnior

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Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.*

A Terra é Redonda – 07/03/2022

Não cabe ao Brasil tomar partido nesse complicado conflito. E não é o que tem feito
Qual deve ser a posição brasileira diante da guerra na Ucrânia? Em sua maior parte, a mídia corporativa brasileira, seguindo caninamente a mídia ocidental, já escolheu um lado. Vem demonstrando uma parcialidade escancarada, comprometendo a sua obrigação de informar.

É um grave equívoco. Não cabe ao Brasil tomar partido nesse complicado conflito. E não é o que tem feito Brasília. Mesmo os adversários mais renhidos de Bolsonaro, entre os quais me incluo, precisam reconhecer que é correta a posição inicial do governo brasileiro, em especial do Itamaraty. Bolsonaro, como sempre, dá suas derrapadas. Resiste, porém, à pressão dos EUA e da mídia tradicional brasileira para que se alinhe ao lado ocidental.

Para entender o que está em jogo, é fundamental se dar conta de que o que estamos vendo não é primordialmente uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia, mas sim uma guerra entre a Rússia e os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), aliança militar comandada pelos Estados Unidos. A Ucrânia, coitada, entrou de gaiato no navio. Está lutando por procuração. Foi levada por lideranças nacionais levianas e incompetentes a uma confrontação com a segunda maior potência militar do planeta.

O Brasil não pode, evidentemente, apoiar a invasão de um país por outro. Precisamos nos ater à nossa posição tradicional de defender a busca de solução diplomática e pacífica para as desavenças entre países. Mas precisamos, também, entender o lado da Rússia. Como este tem recebido pouca atenção na mídia brasileira, vou tentar explicá-lo brevemente, sem a pretensão de cobrir todos os aspectos de uma questão que é, insisto, de extraordinária complexidade.

Toda a confusão começa com a ampliação da OTAN para o Leste da Europa desde os anos 1990, como vem sendo crescentemente reconhecido no Brasil. Em etapas, aproveitando a fraqueza da Rússia na época, a aliança militar ocidental foi incorporando países antes pertencentes ao bloco soviético (Polônia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Romênia e Bulgária) e até mesmo países que resultaram da dissolução da União Soviética (Lituânia, Letônia e Estônia). Olhem o mapa da Europa e coloquem-se no lugar dos russos.

A crise se aguçou em 2014, quando o governo ucraniano de Viktor Yanukovich, próximo a Moscou, foi derrubado por um golpe de Estado, umas daquelas revoluções coloridas, semelhante à que se organizaria no Brasil e levaria à derrubada de Dilma Rousseff. Muito mais violenta, mas parecida. Não se engane, leitor, sobre o seguinte ponto:

houve ativa participação dos EUA (governo Obama) na derrubada de Yanukovich.

A pretensão americana de incorporar a Ucrânia à OTAN foi o passo fatal. Perseguida por Kiev depois do golpe de 2014, essa pretensão não poderia ser aceita por Moscou sem colocar em risco a segurança nacional da Rússia. Olhem de novo o mapa e vejam a distância que separa a fronteira com a Ucrânia da capital russa. Como se não bastasse a Estônia estar praticamente na esquina de São Petersburgo, a segunda maior cidade russa!

Mesmo assim, volto a dizer, o recurso da Rússia à violência e à invasão da Ucrânia é deplorável. Não pode ser coonestado pelo Brasil. Temos que ser solidários ao povo da Ucrânia, que passa por uma experiência terrível.

Pode-se perguntar: o fato de o Brasil não poder apoiar a Rússia e condenar a invasão prejudica os BRICS? Alguns apressados, já decretaram o fim do agrupamento. Isso não tem o menor cabimento. Posso dar o testemunho de alguém que participou do processo de formação dos BRICS desde o início, em 2008: os BRICS nunca foram, nem pretenderam ser, uma aliança política – ponto que explico detidamente no meu livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém, especialmente na segunda edição.

Os BRICS são um clube ou mecanismo de cooperação com propósitos muito importantes, mas limitados. O grupo avançou mais do que outros grupos semelhantes, tendo chegado a criar o seu próprio banco de desenvolvimento e o seu próprio fundo monetário. Mas é um mecanismo circunscrito primordialmente à área econômico-financeira. A Rússia sabe perfeitamente disso e não espera uma adesão do Brasil a suas posições políticas.

A posição inicial do governo Bolsonaro após a eclosão da guerra tem sido basicamente correta, como disse, mas não se deve esquecer que este governo deu um tremendo passo em falso num tema correlato, passo em falso que não tem sido muito lembrado agora. Refiro-me ao fato de que, em 2019, quando Donald Trump ainda era presidente dos EUA, Jair Bolsonaro celebrou a designação do Brasil como “aliado extra-Otan”. Isso não fazia sentido nenhum na época, e faz menos ainda hoje em face da confrontação Rússia-OTAN.

O Brasil deve ser um país não-alinhado. O que isso significa? Várias coisas. Precisamos, por exemplo, voltar a ser participante ativo dos BRICS, algo que se perdeu nos governos Temer e Bolsonaro. Temos que retomar e fortalecer as nossas relações com a América Latina e África, sem parti-pris ideológico, isto é, sem se preocupar se os governos dos outros países são de esquerda, direita ou centro. No entanto, essa abertura para o chamado Sul político não implica relações hostis com os Estados Unidos, a Europa ou o Japão. Ao contrário, o Brasil deve buscar relações, não digo de amizade, uma vez que, como dizia Charles de Gaulle, as nações têm interesses e não amigos, mas relações positivas e construtivas com todas as nações.

Claro que pouco ou nada disso será possível no governo Bolsonaro, em que pese os esforços do Itamaraty, que melhorou a sua atuação depois da substituição de Ernesto Araújo por Carlos Alberto França. Porém, sob novo comando a partir de janeiro de 2023, o Brasil poderá fazer tudo isso e muito mais. Poderá até desempenhar, se houver interesse das partes, um papel de pacificação do conflito no Leste da Europa, conflito que, infelizmente, não será resolvido tão cedo.

*Paulo Nogueira Batista Jr. é titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai. Autor, entre outros livros, de O Brasil não cabe no quintal de ninguém (LeYa).

Versão ampliada de artigo publicado na revista Carta capital, em 4 de março de 2022.

A nova etapa da gestão da barbárie brasileira, por Márcio Pochmann.

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Nas últimas décadas, proteção social foi deslocada do Estado para igrejas, ONGs e emendas parlamentares. Hoje, sem políticas públicas robustas, uma multidão de vulneráveis está sob o controle dos fuzis de grupos criminosos e milícias

OUTRAS PALAVRAS – 07/03/2022

A derrota imposta ao movimento das Diretas Já em 1984 circunscreveu a transição política para a democracia nos limites do colégio eleitoral definido pela ditadura civil-militar. Com isso, a agenda de reformas, conforme antecipadas pelo documento “Esperança e Mudança” de 1982 foi abandonada.

Tanto assim que as eleições de 1986 não foram chamadas para a elaboração exclusiva da nova Constituição. Embora cidadã, conforme muito bem definida por Ulysses Guimarães, a Constituição de 1988 foi dirigente, mas dependeu de sua regulamentação a ser realizada posteriormente, sem garantias de sua efetiva implementação, a depender das vontades do Centrão.

Ao mesmo tempo, a combinação imposta pela reestruturação no centro do capitalismo mundial, especialmente a partir dos EUA ao longo da década de 1980 com o fim da Guerra Fria (1947-1991), terminou por esvaziar as possibilidades de continuidade do desenvolvimento na periferia capitalista. Se adicionar ainda a forma mal feita com que o Brasil aderiu à globalização neoliberal desde 1990, chega-se às razões que levaram à ruína da sociedade industrial no país.

Naquele cenário, o papel do ciclo político da Nova República (1985-2016) se moveu em direção a diferentes fases de gestão da barbárie que resultaria da decadência da estrutura produtiva e, por consequência, do desemprego, das subocupações e imobilidade social que se seguiram à desestruturação da incompleta sociedade industrial. A primeira fase decorreu do acordo político de 1988 que viabilizou a Constituição cidadã, colocando para o Estado a centralidade das ações de promoção e proteção social (seguro-desemprego, universalização da previdência social, transferência direta de renda, entre outras).

A segunda fase transcorreu a partir dos anos 1990, com a regulamentação neoliberal da Constituição de 1988. Para tanto, o Estado foi submetido ao modelo gerencialista, que transferiu para o setor privado através de terceirização, privatização e organismos não governamentais, o compartilhamento da gestão da barbárie na forma de novos negócios.

Uma espécie de governo dentro do governo passou a operar no Brasil, dirigindo parte do gasto público e suprimindo, por consequência, a soberania popular sobre políticas públicas através de OSCIPs, ONGs, igrejas e até do crime organizado e das milícias. Além disso, o poder econômico privado foi se travestindo cada vez mais em poder político, cujos interesses diretos assumiram maior peso eleitoral e domínio sobre o legislativo.

A terceira fase emergiu das inéditas atividades do parlamento brasileiro, que passou a assumir as funções de gestor e fiscalizador do gasto público. Isso porque o avanço nas várias formas de emendas parlamentares, inclusive do chamado orçamento secreto, concedeu aos parlamentares a função de gestores de parcela crescente do orçamento público.

Em associação com instituições públicas e, sobretudo, privadas, grande parte dos representantes do poder legislativo nos três níveis (federal, estadual e municipal) passaram a manter relações diretas e crescentes do gasto público com os votos necessários para manter a reprodução dos seus próprios mandatos. Com isso, deu-se a rápida transformação do parlamento em câmara federal de vereadores, concentrada nos problemas locais, de suas bases políticas, cada vez mais deslocada das questões nacionais.

A quarta fase da gestão da barbárie gerada pela ruína da sociedade industrial provém da ação armada dos interesses dos negócios dominados pelo crime organizado e pelas milícias. Dado o controle que passaram a deter das populações vulneráveis, a gestão da barbárie parece seguir a força da violência patrocinada pelo fuzil.

A recente ampliação das regras para aquisição de armas e munições parece confirmar o quanto a dramaticidade da barbárie brasileira deslocou a gestão delas do Estado e do setor privado tradicional. Em alta, o poder do novo sistema jagunço se impõe no meio urbano, comandado pela convergência do banditismo social com o fanatismo religioso. Até quando?

Márcio Pochmann, Economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004. Concorreu duas vezes a prefeitura de Campinas-SP (2012 e 2016). Publicou dezenas de livros sobre Economia, sendo agraciado três vezes com o Prêmio Jabuti.

Recessão Global

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A economia internacional passa por grandes instabilidades e incertezas que tendem a gerar uma recessão com impactos desconhecidos, além da pandemia que degradou as cadeias globais de produção, aumentou os preços relativos e espalhou a inflação para todas as nações, degradando a renda e o salário dos trabalhadores, além disso, a guerra na Ucrânia está acelerando a degradação da economia global, aumentando as incertezas que podem culminar em um caos financeiro, desemprego em ascensão, destruição de empresas e de grandes conglomerados financeiros .

Neste ambiente, precisamos repensar políticas inócuas, fortalecendo as cadeias produtivas locais, integrando os setores estratégicos, renovando políticas energéticas limpas, recuperando o meio ambiente e construindo novos conceitos de sustentabilidade, combatendo setores econômicos degradantes, consolidando os investimentos produtivos e reconstruindo a noção de planejamento econômico. Momentos como este percebemos a importância da elite pensante que gerencia a nação, estes setores são fundamentais para repensarmos o crescimento econômico, abandonando discussões desnecessárias e vislumbrando um país melhor, mais sustentável e dotado de perspectivas melhores.

Neste momento percebemos que somos imensamente dependentes de setores internacionais, somos grandes produtores de produtos agrícolas, não definimos os preços das mercadorias que vendemos e somos vistos como um dos celeiros do mundo e, ao mesmo tempo, deixamos de produzir produtos fundamentais para angariar forças produtivas e diminuir nossa dependência externa. Precisamos de fertilizantes, máquinas, equipamentos e adubos que adquirimos externamente, dependemos de chips produzidos nos ambientes externos, dependemos de tecnologias que adquirimos globalmente e somos dependentes dos grandes produtores globais e pior, acreditamos que estamos no caminho certo.

Ganhamos grandes somas de recursos para adquirir produtos de luxo, mercadorias caríssimas para ostentar suas riquezas e, penalizamos o mercado interno com lucros elevados para os acionistas externos em detrimento da população, que empobrece a olhos vistos e se distancia do tão sonhado desenvolvimento econômico, aquele desenvolvimento que se caracteriza pela melhora das condições de vida da população, será que estamos na hora de repensarmos nosso futuro?

As crises são momentos de repensarmos as escolhas, neste momento devemos construir uma estratégia de desenvolvimento econômico, investindo nas capacidades construídas anteriormente, aproximando as universidades dos centros de pesquisa e dos setores produtivos, estimulando a reconstrução do complexo da saúde integrado as demandas do Sistema Único da Saúde. Além de valorizar órgãos públicos e privados que contribuem para o crescimento da economia, deixando de lado setores que falam constantemente das ineficiências estatais e são verdadeiros chupins que sobrevivem de incentivos e subsídios que garantem mais de 350 bilhões de reais anualmente, sem critérios, sem transparência e sem contribuir para o desenvolvimento da sociedade.

O mundo globalizado é marcado por grande concorrência, a competição é global e prescinde de estratégias claras de sobrevivência, a guerra em curso mostra a importância de repensarmos o modelo de inserção na economia global. Precisamos reconstruir estruturas produtivas sólidas e consistentes, necessitamos aproveitar o capital humano desenvolvido no decorrer dos anos, garantindo empregos de qualidade, salários dignos e decentes, garantindo condições decentes de sobrevivência, sem estas transformações estruturais o sonho do desenvolvimento estará cada vez mais distante e a indignidade da população estará mais presente no cotidiano da população nacional.

A crise gerada pela guerra demonstra os valores construídos pela comunidade internacional, nestes valores valorizamos o imediatismo dos ganhos materiais, da aparência física, da ostentação, do hedonismo e dos lucros crescentes da especulação financeira. Rememorando Adam Smith, o pai da Economia Política: “A ambição universal dos homens é viver colhendo o que nunca plantaram“.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Criativa, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no jornal Diário da Região, Caderno Economia, 09/03/2022.

Produção Global

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O ambiente global está cada vez mais agitado e agressivo, de um lado percebemos o aumento das medidas protecionistas, novos subsídios de governos nacionais, a construção de instrumentos de planejamento e de intervenções crescentes nas estruturas econômicas e, ao mesmo tempo, percebemos o aumento dos preços relativos, com impactos inflacionários em todas as regiões, conflitos militares e desestabilizações geopolíticas, impactando toda a comunidade internacional.

Vivemos num momento de grandes instabilidades, medos e ressentimentos crescentes e a ausência de lideranças sensatas e com visão de longo prazo, ao contrário percebemos um excesso de voluntarismos, populismos fiscais e a incapacidade de compreender as dificuldades da sociedade global.

O mundo globalizado construiu uma nova realidade, os avanços científicos e tecnológicos estão moldando uma nova sociedade, a produção não é mais local, mas global. As economias estão todas interconectadas, a produção local viaja para todas as regiões do mundo, suprindo necessidades locais e, neste ambiente, as exigências são variadas e crescentes, exigindo alterações rápidas e imediatas, flexibilidades e agilidades constantes para acompanhar as transformações destas novas tecnologias.

As transformações em curso na sociedade global levaram os países asiáticos ao topo do cenário industrial, levando muitas nações industrializadas a perderem espaço neste cenário de grande competição e concorrência crescentes, criando caos em muitas nações, levando a desindustrialização em muitos países, gerando graves constrangimentos e desestruturação no mercado interno, alastrando o desemprego, aumentando o subemprego e a informalidade das condições de trabalho. A desestruturação produtiva está abrindo espaço para o desenvolvimento da uberização das relações de trabalho, sem direitos, sem perspectivas dignas, com rendimentos aviltantes e marcados pela precarização e pela degradação das condições de vida dos trabalhadores. Neste ambiente, percebemos o incremento de desequilíbrios emocionais, desajustes afetivos, transtornos psicológicos, além do aumento da depressão e do suicídio que crescem vertiginosamente.

A produção globalizada é feita em vários locais, cada região fica responsável por parte da produção, os insumos são importados e montados em algum país que tenha mão de obra barata e abundante, destacamos ainda, que o centro tecnológico dos produtos está concentrado nos países centrais, garantindo lucros elevados, maiores autonomia e soberania num mundo centrado na concorrência e na busca crescente por lucros estratosféricos.

A pandemia e as instabilidades políticas estão gerando grandes incertezas na economia internacional, reduzindo os investimentos produtivos, aumentando os desequilíbrios geopolíticos que culminaram em conflitos militares, com isso, percebemos o incremento dos preços globais, gerando maiores custos produtivos nos setores alimentícios, combustíveis, fertilizantes e energia, levando as nações a repensarem as novas estratégias de inserção da economia mundial. Estamos num momento de grandes incertezas, os desafios são elevados e exigem lideranças altamente capacitadas para compreendermos a situação inédita que a economia internacional está atrasando.

Os exemplos são claros e evidentes, neste momento de caos nas cadeias produtivas, os países estão reconstruindo laços de industrialização, canalizando recursos para aumentar os investimentos produtivos, adotando políticas protecionistas, deslocando trilhões de dólares para garantir a autonomia de suas economias e retomando a sua soberania e o controle sobre seus setores produtivos.

A pandemia colocou em xeque o modelo produtivo global, aumentando a terceirização das atividades produtivas e aumentando a dependência de outras nações, fragilizando os Estados Nacionais e os trabalhadores, contraindo os salários, reduzindo as classes médias e empobrecendo as comunidades locais e contribuindo para o incremento das desigualdades que se caracterizam por todas as nações, gerando instabilidades e incertezas que alimentam as degradações econômicas, passou da hora de repensarmos os modelos econômicos dominantes.

Ary Ramos da Silva Júnior, formado em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Criativa, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 02/03/2022.

A posição chinesa, por Elias Jabbour

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A Terra é Redonda – 26/02/2022

A posição chinesa à crise na Ucrânia, longe de ser de uma “neutralidade estratégica”, é um aviso

Compreender a posição chinesa no recente conflito ucraniano passa por perceber ao menos dois fatos que marcam nossa época. O primeiro, relacionada à meteórica ascensão chinesa e o surgimento do que chamamos de uma “nova formação econômico-social”, centrada em uma imensa base produtiva e financeira públicas cujas lógicas de funcionamento escapam a qualquer teoria do desenvolvimento. O segundo acaba de ocorrer, mas que vem sendo desenhado desde o fim de 2021, quando a Rússia decidiu colocar seus próprios termos à mesa em relação ao destino da Ucrânia como última fronteira de expansão da OTAN.

A combinação entre os dois fatos/fenômenos nos apresenta uma dupla desmoralização do Ocidente: a Covid-19 expôs os limites do capitalismo financeirizado frente à força do socialismo chinês; e a atual cartada russa marca a desmoralização política e militar dos EUA e, consequentemente da OTAN. Estaríamos, assim, diante de condições objetivas ao surgimento de um nova Paz Vestfália – inclusive já proposta pelas chancelarias russa e chinesa. No documento apresentado pelos dois países, fica evidente uma proposta à opinião pública de “refundação” do sistema internacional criado pelos europeus há quatro séculos.

É no contexto desta carta que os chineses – pedindo cautela aos envolvidos e sugerindo distância aos EUA – se posicionam. Sem alardes, sem palavras de ordem. Apenas levando à reflexão do quão é inaceitável e sem lógica racional as ondas de expansão da Otan. Qual seria a reação da opinião pública internacional caso Rússia posicionasse mísseis e armas nucleares em direção à Washington, utilizando-se das fronteiras dos EUA com o México, Canadá ou reabrindo uma base militar em Cuba?

E a ação militar russa. Ficamos entre a estática e a dinâmica. A estática é a preferência dos analistas e jornalistas ocidentais. Em dinâmica, a posição chinesa é no mínimo certeira. “Acredito que a operação militar da Rússia é uma reação de Moscou à pressão dos países ocidentais sobre a Rússia por um longo tempo”, disse Yang Jin, pesquisador associado do Instituto de Rússia, Europa Oriental, e Estudos da Ásia Central sob a Academia Chinesa de Ciências Sociais, ao jornal chinês Global Times.

A chancelaria chinesa é ainda mais objetiva. Segundo sua porta-voz, “as preocupações legítimas de segurança da Rússia devem ser levadas a sério e tratadas”. Há relatos de que Putin considera que a melhor solução é que a Ucrânia se recuse a aderir à OTAN e permaneça neutra. A opinião convergente não diz respeito somente ao caso ucraniano, mas também às constantes ameaças à soberania nacional chinesa impostas pela presença militar ocidental.

A China de hoje não é mais aquele país que recebia capital estrangeiro e fazia engenharia reversa. Acabou o tempo do low profile. Na mesma proporção, os legítimos interesses chineses em matéria de segurança nacional têm sido violados pelos EUA. Taiwan continua se armando e sendo atiçada a declarar sua independência. Uma aliança militar foi formada por EUA, Austrália e Reino Unido para conter (sic) um tal de “expansionismo chinês”. Novamente a broma.

É como se porta-aviões chineses estivessem passeando impunemente pelo golfo do México, mas ocorre o oposto. A China é constantemente provocada no estreito de Taiwan e no mar do sul da China.

Após a completa derrota e desmoralização dos EUA no Oriente Médio, e com a China ocupando rapidamente o espaço econômico aberto pelo lastro de destruição deixado pelo “ocidente”, restou ao atlantismo uma jogada arriscada e nada inteligente: unir a China e a Rússia em um jogo que nada tinha a ver com a conveniência ideológica pós-1949, cujas fissuras foram muito bem contra a URSS. O movimento hoje é oposto. Uma união eurásica está sendo imposta de fora para dentro dos territórios russo e chinês.

A posição chinesa, longe de ser de uma “neutralidade estratégica”, é um aviso. Se a ascensão chinesa em si já era o grande fato de nosso tempo, junta-se a ela o xeque-mate de Putin sobre os EUA e a OTAN. Uma nova história começa no mundo. Talvez uma nova Vestfália.

*Elias Jabbour é professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, junto com Alberto Gabriele, de China: o socialismo do século XXI (Boitempo)

Globalistas, por Tatiana Roque

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A Terra é Redonda – 28/02/2022

Prefácio do livro recém-editado de Quinn Slobodian

O que é neoliberalismo? Faz sentido usar esse termo para denominar as transformações sofridas pelo capitalismo?

Desde quando? Em que consistem? Este livro é a mais valiosa contribuição para responder a essas e outras questões do mesmo tipo. Com rigor histórico inédito para uma obra de síntese, o neoliberalismo é apresentado como um movimento de renovação do liberalismo, protagonizado por atores com nome e sobrenome, os chamados “globalistas”. As ideias que motivaram tal projeto serão conhecidas a fundo neste livro.

Desde os anos 1990, quando se tornou evidente o impacto negativo das políticas de diminuição de gastos e de desmantelamento dos serviços públicos, a noção de neoliberalismo tem sido empregada, sobretudo, por seus críticos.

A frequência e o ímpeto das denúncias são tais que se presume ter sido o termo uma invenção dos movimentos contrários. Quinn Slobodian produz uma reviravolta neste senso comum, ao mostrar que neoliberalismo foi um projeto coerente e assim batizado por seus defensores.

Privatizações, redução dos direitos trabalhistas e destruição do Estado de bem-estar social, em sentido amplo, foram medidas implementadas por diferentes governos a partir dos anos 1970 – com início no Chile comandado pelo general Augusto Pinochet e reforço de Ronald Reagan e Margareth Thatcher. Porém, muito antes disso, teóricos europeus já se reuniam para conceber um edifício institucional capaz de proteger o mercado global das políticas nacionais. A tarefa havia se tornado urgente desde o fim dos impérios (como o russo e o austro-húngaro) e com a percepção dos impactos da crise de 1929.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a independência de antigas colônias (como Índia e China) só aumentou a preocupação do grupo com uma ordem mundial ditada por Estados nacionais fortes. Pressões por autodeterminação em países da América Latina jogavam mais lenha na fogueira. Os anos 1960 e 1970 reforçaram ares de mudança na correlação de forças internacional. Os globalistas agiram neste contexto, movidos pela intenção de provocar uma grande renovação do liberalismo, a fim de conter uma tendência que viam como ameaça aos mercados globais.

O título deste livro se refere a este grupo, que reuniu pensadores de diversas formações, alguns hoje populares entre a nova direita liberal, como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Hoje, chega a ser anedótico que conservadores xinguem de “globalistas” os que estariam por trás de um suposto complô mundial – encampado pelas organizações multilaterais – cujo objetivo seria enfraquecer o cristianismo e o nacionalismo. Não são esses os globalistas estudados neste livro, pois, com tal definição conspiratória, eles sequer existem. Mas não deixa de ser irônico que esses mesmos conservadores, como é o caso de bolsonaristas no Brasil, tenham se aliado aos herdeiros dos verdadeiros globalistas – aqueles que se reivindicam como seguidores da tradição de Mises e, principalmente, de Hayek.

Voltando ao livro que vocês têm em mãos, uma tensão disciplinar é sentida desde as primeiras páginas. A história e as ciências sociais enxergaram a transição neoliberal de maneiras distintas. Do ponto de vista histórico, foram vários trabalhos a analisar o movimento intelectual que se formou durante o colóquio Walter Lippmann, realizado em Paris em 1938, ou na Sociedade Mont Pèlerin, fundada em 1947.

Esses são os contextos em que o movimento neoliberal apareceu. Nomes como os de Philip Mirowski, Serge Audier e outros são lembrados, com a ressalva de que esses trabalhos focaram, sobretudo, as políticas monetárias e a teoria econômica defendidas pelos intelectuais estudados. A questão da governança global foi deixada em segundo plano. A ciência social, por sua vez, enxergou no projeto neoliberal o ensejo de instaurar uma nova ordem global. O papel de instituições como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial ou a Organização Mundial do Comércio foi corretamente percebido, bem como seu objetivo de “insular os mercados”, ou seja, de protegê-los das decisões políticas nacionais. Stephen Gill e Sarah Babb são dois nomes mencionados como exemplo dessa linha de análise, entre outros.

Contudo, segundo Slobodian, faltou rigor histórico aos cientistas sociais para descrever como a influência de certos ícones, como Hayek ou Milton Friedman, teria se propagado. Ideias não convencem por si mesmas e um fator essencial para explicar a força do movimento neoliberal foi sua capacidade de ação política, cujo sucesso decorreu do esforço de criação conceitual, da capacidade de articulação entre atores diversos e da disposição de empresários endinheirados para apoiá-los. O grande mérito do livro de Slobodian é apresentar uma análise histórica precisa desse movimento, levando em conta as estratégias usadas para aumentar seu raio de influência, ao mesmo tempo em que mantém o enfoque na globalização.

Ainda que declare a intenção de equilibrar as duas tendências de análise do neoliberalismo, Slobodian é historiador. Segundo ele, um dos maiores obstáculos para que os críticos do projeto neoliberal tenham entendido o movimento em seus próprios termos foi a influência do livro de Karl Polanyi, A grande transformação. Citado por nove em cada dez cientistas sociais, o capitalismo é caracterizado a partir da desincrustação do mercado em relação à sociedade.

Uma visão análoga teria sido aplicada, retrospectivamente, para caracterizar o neoliberalismo como “fundamentalismo de mercado”, o que acabou dando uma importância excessiva – e equivocada – à ideia de autorregulação. Não esqueçamos que o livro de Polanyi foi publicado em 1944 e trata do século 19. Logo, sua pertinência para caracterizar o neoliberalismo é de fato pequena. Trata-se precisamente do oposto, polemiza Slobodian.

Ao contrário da intenção de desincrustar o mercado, a fim de torná-lo “livre”, a preocupação dos globalistas foi criar leis e instituições para proteger os mercados globais. E por que eles precisavam de proteção? Desde o pós-guerra, a democracia de massas ameaçava cada vez mais o funcionamento do mercado mundial (na perspectiva dos neoliberais). Uma consequência – talvez a mais importante – da análise histórica deste livro é mostrar que neoliberalismo está longe de se identificar à defesa de um Estado mínimo, pois o objetivo do movimento que o criou sempre foi mais político do que econômico.

Enxergar o papel do Estado privilegiando seu tamanho (ou seja, um aspecto quantitativo), ao invés de olhar para sua natureza, costuma acompanhar as críticas economicistas ao neoliberalismo. Slobodian vai muito além de uma tal caracterização. O projeto neoliberal foi – e segue sendo – um empreendimento inteiramente político, cujas armas chave são a arquitetura legal do direito e a criação institucional. Esse deslocamento é vital para explicar a sobrevida do neoliberalismo, mesmo diante do fracasso dos resultados outrora prometidos.

Uma das frases mais eloquentes de Slobodian aparece na primeira página do livro: “a política mudou para a voz passiva”. Essa foi uma conquista da ação coordenada dos neoliberais. A globalização buscou restringir o raio de influência da política, criando instituições globais para que “as forças do mercado” ficassem protegidas de governos nacionais e processos democráticos. Essa arquitetura foi sendo construída por uma restrição meticulosa da interferência dos Estados nacionais no governo dos mercados globais.

Ou seja, não se trata de diminuir o tamanho dos Estados, e sim de proteger – pela via legal e institucional – os mercados mundiais, diminuindo o raio de influência das políticas nacionais, sujeitas a pressões populares por mais democracia – algo visto como indesejável e arriscado pela vanguarda neoliberal. Um termo chave do livro é de difícil tradução: “to encase”, usado para designar o encapsulamento dos mercados, mas que também remete à ideia de revestir um fio elétrico, a fim de evitar choques. A missão dos globalistas foi encapsular os mercados globais contra a energia política manifestada em alguns momentos históricos.

Desde o fim dos impérios, no período entre guerras, passando pelo fortalecimento da democracia de massas, no pós-guerra, grandes ameaças se anunciavam. Os mercados precisavam ser protegidos – revestidos ou encapsulados – contra isso, pensavam os neoliberais. Uma saída, portanto, foi criar instituições globais. Sem uma tal intervenção, de ordem política e legal, não haveria fundamentalismo de mercado que sobrevivesse à soberania das nações e às revoltas de seus povos. A Escola de Genebra merece atenção especial, no livro, justamente porque está na origem das teorias que embasaram instituições chave dos globalistas, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Mesmo tendo sido criada apelas nos 1990, segue uma rede de influências e de outras instituições internacionais que caracterizam a escola de pensamento. Os detalhes são descritos no livro e esta é sua grande contribuição historiográfica.

Antes de finalizar este prefácio, gostaria de fazer uma reflexão sobre o momento atual. Como é possível, diante de tanto estrago, que os neoliberais sigam tendo força política? Eles devem sua sobrevida à extrema-direita, como é evidente no Brasil de Jair Bolsonaro. Depois da crise econômica de 2008, a tendência conservadora se fortaleceu, mas vem perdendo força em alguns países, como nos Estados Unidos de Joe Biden. É cedo para dizer que o neoliberalismo está fraco e a leitura deste livro ajuda a escolher critérios para avaliar as chances da globalização pós-pandemia. Nunca subestimar o poder dos inimigos é um adágio da batalha.

Nas páginas seguintes, fica nítido que um ponto forte dos globalistas foi a militância intelectual implicada na realidade. É preciso que tenhamos a mesma disposição para enfrentar a batalha das ideias – nem só produção acadêmica, nem só fazer político. Há uma camada entre esses dois âmbitos que tem sido deixada em segundo plano pela esquerda. Além disso, perceber que o maior objetivo dos neoliberais foi enfraquecer a democracia de massas – pois viam o socialismo, mas também a socialdemocracia como ameaça – pode nos alertar para o valor histórico dessas experiências.

Mesmo que sonhemos com formas mais radicais de democracia, conquistas do pós-guerra e dos anos 1960-70 aterrorizavam os neoliberais, como fica óbvio em vários trechos citados a seguir. Alguma coisa de bom deveriam ter, portanto.

*Tatiana Roque é professora titular de matemática na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

E a guerra Brasil? por Preto Zezé

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As favelas brasileiras são a nossa Ucrânia, bombardeada de exclusão, ausência social do poder público e regulada pela força das armas

Preto Zezé, Presidente nacional da Cufa, fundador do Laboratório de Inovação Social e membro da Frente Nacional Antirracista

Folha de São Paulo, 01/03/2022

Os olhos do mundo estão voltados para o conflito Rússia e Ucrânia, as avaliações são as mais diversas sobre os impactos dessa crise, as opiniões se dividem e sobra responsa para tudo que é lado. E, como toda guerra, o povo é que sofre. Os senhores da guerra, não!

O que me chamou a atenção, foi que, por um momento, parece que os problemas da guerra brasileira desapareceram diante de tanta informação e desinformação sobre o tema, gente que nem sabe para que lado fica a Rússia dando todo tipo de palpite.

E a “guerra” chamada Brasil?

20 milhões de pessoas ainda passam fome e uma grande parte come mal, bem mal. O desemprego ainda está altíssimo, na base da pirâmide o trabalho informal tem sido a única saída, e, mesmo assim, com todas as dificuldades que a situação impõe, sem crédito, muitos com nome negativados têm dificuldades de reativar seus negócios ou retomar suas atividades.

Em muitos territórios a presença das políticas públicas é cada vez menor, no entanto, está cada maior a regulação da vida social por grupos armados de toda a origem e interesses de dentro e de fora das favelas e periferias do Brasil.

A violência em todas as esferas explodindo, e produzindo medo, e o medo produz mais sentimento de justiça com as próprias mãos e, nesse sentido, habitam os falsos heróis de plantão e os mágicos de saídas fáceis que falam o que o desespero popular quer ouvir.

Pelas ruas do país são milhares de pessoas em situação de rua, e não somente nas datas de Natal e Dia da Criança, mas todos os dias, são exiladas de direitos básicos dentro da sua própria pátria. São migrantes de vários lugares que vagam sem rumo em busca de vida digna.

As cidades que foram e ainda estão sendo atingidas pelas fortes chuvas, resultado das mudanças climáticas, saíram da mídia, mas continuam milhares de homens e mulheres sem casa, sem sonho, sem perspectiva, pois a luta de uma vida inteira foi literalmente por água abaixo.

As pessoas que estão com sequelas da Covid estão sem amparo específico, não conseguem emprego nem atendimento especializado, provando que a vida sempre tem que ser a prioridade, pois pessoas doentes e frágeis não geram economia.

Toda a solidariedade ao povo que vive o terror das guerras, resultado de interesses das grandes potências mundiais, que estão preocupadas em poder e números na nova geopolítica mundial.

Vidas são apenas detalhes. E a nossa “guerra” diária desse front chamado Brasil precisa ser enfrentada.
As favelas brasileiras são a nossa Ucrânia, bombardeada de exclusão, ausência social do poder público e regulada pela força das armas.

Quem provocou o conflito? por Breno Altman.

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Casa Branca e Europa foram decisivas no fechamento das portas diplomáticas

Breno Altman, Jornalista e fundador do site Opera Mundi

Folha de São Paulo, 01/03/2022

Apesar da narrativa dominante na imprensa ocidental vender que Moscou seria responsável pelo conflito ucraniano, os fatos demonstram um outro fluxo geopolítico. A Casa Branca, apoiada por vassalos europeus, se moveu incisivamente para empurrar Vladimir Putin ao caminho das armas, fechando as portas diplomáticas.

A atual crise militar, certamente a mais relevante desde a 2ª Guerra Mundial, teve início em 2014, quando um golpe de Estado derrubou o presidente Viktor Yanukovich, aliado russo. Essa insurgência, apoiada pelos EUA e pela União Europeia, teve como principal bandeira a incorporação de Kiev ao bloco atlântico. Sob essa plataforma, unificaram-se de sociais-democratas a neonazistas.

A reação de Moscou foi a ocupação da Criméia, área estratégica por seu acesso ao Mar Negro, que havia sido cedida à Ucrânia em 1954. Um referendo popular consagrou a reintegração desse distrito à Rússia, embora o resultado tenha sofrido questionamentos externos. No leste do país, na região do Donbass (de maioria russa), a resistência ao golpe levou ao surgimento das repúblicas separatistas de Lugansk e Donetsk, imediatamente atacadas pelas Forças Armadas de Kiev.

O cenário se desdobrou em uma guerra civil de cinco meses, suspensa pelos chamados Acordos de Minsk, que previam a realização de plebiscitos sobre o futuro das áreas sublevadas. Esses pactos, até o início de 2021, garantiram uma paz relativa, sob fortes tensões e ameaças. A partir de então, ao mesmo tempo em que a Ucrânia reiniciava sua ofensiva contra os rebeldes, o presidente Volodimir Zelenski, eleito em 2019, reabriu portas para o expansionismo ocidental e defendeu a incorporação de seu país à Otan.

Moscou apresentou, em contraposição à política ucraniana, reivindicações simples e defensivas: além do respeito aos Acordos de Minsk, o compromisso de que a Ucrânia não ingressaria na coalizão militar liderada pelos EUA e tampouco seria destinatária de armas estratégicas. Do outro lado da mesa, o Kremlin somente encontrou inflexibilidade.

A Casa Branca parece voltada para o calendário eleitoral norte-americano, buscando no embate com Putin um ativo na disputa parlamentar contra os republicanos, marcada para novembro. Acima de tudo, sinaliza uma estratégia de asfixia do principal aliado da China provocar a guerra para justificar sanções econômicas draconianas que quebrem a Rússia e, de preferência, afetem as finanças de Pequim.

Com o descumprimento da promessa feita pelos EUA, em 1989, de conter a Otan nas suas fronteiras originais, o que provocou o desmantelamento do sistema de segurança coletiva montado após a derrota do nazismo, o presidente russo ficou entre se render à escalada ocidental, que tem na Ucrânia fronteira decisiva, ou adotar resposta militar que aumentasse a pressão sobre Kiev.

Putin optou por ataques que destruíssem o aparato armado do vizinho e estrangulassem Kiev, o elo mais fraco da corrente, derrubando Zelenski ou obrigando-o a desistir de seus planos de filiação à Otan.

De toda maneira, a crise ucraniana conclui um período histórico no qual a hegemonia norte-americana era tida como incontestável. Depois de 30 anos, a ordem unipolar agoniza sob os pés de uma Rússia reerguida.

Invasão russa faz preço de grãos disparar e terá consequências sobre a inflação, por Mauro Zafalon.

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Alta das commodities supera 5% na abertura de mercado da Bolsa de Chicago desta quinta-feira (24)

Mauro Zafalon, Responsável pela coluna Vaivém das Commodities, é formado em jornalismo e em ciências sociais.

Folha de São Paulo.24/02/2022

A concretização da guerra entre Rússia e Ucrânia desestabilizou os mercados agrícolas, o que terá grandes consequências para a inflação no mundo e no Brasil.

O trigo, um dos produtos mais sensíveis nesse conflito, devido à importância desses dois países do Leste Europeu no mercado internacional, atingiu US$ 9,26 por bushel (27,2 kg) na abertura desta quinta-feira (24) na Bolsa de Chicago, 5,7% acima do fechamento do dia anterior.

Desde quinta-feira (17), quando as tensões aumentaram, o cereal já acumula alta de 17,4%. Isso vai custar caro para o Brasil, que importará 6,5 milhões de toneladas do cereal neste ano. O país é um dos maiores importadores de trigo do mundo.

O milho subiu para US$ 7,19 por bushel (25,4 kg), com alta de 5,1%, em relação a quarta-feira (23). As consequências dessa alta também afetam muito o Brasil, tanto na área de alimentação como na de combustível.

O pais ganha nas exportações, mas a quebra da primeira safra, devido à seca, mantém os preços do milho elevados internamente. Esse novo patamar de preços aumenta o custo da produção de proteínas, pressão que chegará ao bolso do consumidor.

O milho está ganhando importância também na produção de combustíveis. Com o petróleo atingindo US$ 105 por barril, o cereal pode ganhar preferência na composição da matriz energética. No Brasil, o cereal já é responsável por 10% da produção de etanol.

Esse imbróglio não é apenas do Brasil. Os Estados Unidos destinam um terço da produção de milho para a produção de etanol, enquanto Índia e China estão elevando a participação dos combustíveis renováveis na matriz energética.

A pressão virá também da soja, que abriu o mercado nesta quinta-feira (24) em US$ 17,65 por bushel (27,2 kg), com alta de 5,4%. O peso dessa alta virá não apenas sobre os alimentos, mas também sobre os combustíveis. O óleo de cozinha, uma das principais altas dos índices de inflação nos dois últimos anos, voltará a subir. O biodiesel, uma alternativa ao petróleo elevado, tem em sua composição 70% de óleo de soja.

O setor agrícola, que já estava afetado por crises climáticas na América do Sul e em países do Mediterrâneo, regiões produtoras de grãos, vai sentir agora os efeitos das dificuldades de transações comerciais, devido às sanções e barreiras entre os países.

Para o produtor brasileiro, essa guerra ocorre em um momento delicado. Após vários anos de boas margens de liquidez, os custos de produção aceleraram e estão entre os maiores em dez anos.

A pandemia desestruturou parte do parque industrial de químicos da China, grande fornecedora de agroquímicos utilizados nas lavouras brasileiras. Os preços subiram e há falta de alguns insumos no mercado.

Os fertilizantes também foram afetados pela pandemia e, mais recentemente, por sanções geopolíticas, colocadas por grandes potências a produtores importantes, como Belarus.

O conflito atual ocorre na principal região fornecedora de fertilizantes para o Brasil. Em 2021, os russos foram responsáveis por 22% dos 41,7 milhões de toneladas importados pelos brasileiros.

O Brasil buscou 9,3 milhões de toneladas desse insumo na Rússia, que se tornou a principal fornecedora. Além da dificuldade de abastecimento, devido às sanções a operações marítimas, o preço agora estará mais elevado.

O produtor brasileiro, que viveu o boom da alta do dólar —a moeda norte-americana eleva as receitas das exportações em reais—, agora vai pagar ainda mais caro pelo diesel, um dos grandes componentes de custos nas lavouras. O dólar que elevou as receitas agora eleva custos.

A alta da moeda norte-americana, que já atingia 2,7% na parte da manhã e estava cotada a R$ 5,14, colocará novas pressões nos preços dos alimentos, elevando a inflação.

Rússia e Ucrânia têm grande importância na produção de grãos. Os russos produzem 76 milhões de toneladas de trigo e exportam 33 milhões. Juntos, os dois países são responsáveis por 29% do comércio mundial de trigo.

A Ucrânia produz 42 milhões de toneladas de milho e exporta 36,5 milhões. Ucranianos e russos detêm 19,5% do milho comercializado no mundo.

A grande farsa, por Oscar Vilhena Vieira

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Apropriação da linguagem de direitos humanos e de liberalismo democrático se torna cada dia mais comum

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Folha de São Paulo, 26/02/2022

A apropriação da linguagem dos direitos humanos e do liberalismo democrático por setores reacionários e autoritários, com o objetivo de defender posturas antiliberais e justificar comportamentos contrários aos direitos humanos, tem se tornado cada dia mais comum, não apenas no Brasil.

A imagem de Bolsonaro, com sua gravata adornada de fuzis, bradando a defesa da liberdade contra ministros do TSE –que têm se desdobrado na defesa da integridade do pleito eleitoral–, embora farsesca, é emblemática dessa estratégia de invocar os direitos e valores liberais com a finalidade de subvertê-los.

A defesa das armas, das milícias, da devastação ambiental, da primazia da religião, do discurso de ódio, assim como a insurgência contra a vacina, o distanciamento social ou a máscara, vêm sendo sistematicamente conjugadas a partir de uma distorcida gramática de direitos.

São tempos estranhos, depois de uma vida abjurando e hostilizando os direitos humanos, grupos radicais passaram a invocá-los na defesa de suas pautas autoritárias, discriminatórias e excludentes, colocando em risco não apenas um amplo rol de direitos dos demais membros da comunidade, como as próprias instituições de defesa desses direitos.

A lógica política por trás desse movimento de apropriação é conhecida. Valores como liberdade, justiça, democracia e direitos têm forte conotação moral. Daí serem disputados e reivindicados mesmo por aqueles que negam a sua essência, como uma espécie de manto legitimador. Quem se esquecerá da tortura e das mortes levadas a cabo no Estádio Nacional do Chile, de Pinochet, em nome no “liberalismo”; ou do fuzilamento daqueles que ousavam cruzar o Muro de Berlim, pelo Exército da autodenominada República Democrática da Alemanha?

Da perspectiva jurídica esses movimentos iliberais e reacionários têm assumido duas estratégias na maliciosa distorção da gramática dos direitos. A primeira é a seletividade. Tentam destacar, da ampla carta de direitos humanos concebida por meio de um longo processo de consenso internacional, apenas um pequeno grupo de direitos, que denominam “essenciais” ou “naturais”, voltados a assegurar suas aspirações egocêntricas, supremacistas e liberticidas, que não reconhecem no outro um sujeito pleno de direitos.

A segunda estratégia desses liberticidas é adotar uma noção tosca do que seja um direito subjetivo. Tomam esses direitos como reivindicações absolutas. Assim, reivindicam que o direito à vida significa que ninguém poder se opor ao direito de comprar armas, organizar milícias e se beneficiar de amplas excludentes de ilicitude; o direito à liberdade pessoal facultaria a cada um se insurgir contra a vacinação ou uso de máscaras; o direito à propriedade impediria que o Estado estabelecesse limitações de natureza ambiental ou mesmo pretensões tributárias, redistributivas.

Creio que essa onda de apropriação distorcida da gramática dos direitos ganhou densidade no Brasil por ocasião do referendo das armas de 2006, quando a direita brasileira, influenciada pelos extremistas norte-americanos, percebeu as vantagens de empregar uma matriz deturpada de direitos para concretizar seus objetivos. Minha colega Marta Machado alerta para o mesmo tipo de apropriação ocorrida no campo dos direitos reprodutivos.

É compreensível que muitos setores ressentidos com as mudanças trazidas pelo processo de universalização dos direitos humanos tenham embarcado nessa farsa promovida por populistas, reacionários e autoritários. Não se pode admitir, no entanto, que grupos mais bem informados, sinceramente compromissados com os valores da democracia, tenham se deixado enganar por essa trama perversa.

Não há enigma para o baixo crescimento econômico do país, por Silvia Mattos.

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E o mundo pós-pandemia demandará ainda mais políticas sociais

Silvia Matos, Economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre).

Folha de São Paulo, 23/02/2022

A pandemia do coronavírus deixou cicatrizes profundas. Além dos milhões de vidas perdidas, o choque sobre a economia foi muito desigual, afetando muito mais os setores intensivos em trabalho e de baixa produtividade, atingindo mais os trabalhadores informais e pouco escolarizados, como destacado nos estudos divulgados pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli.

Nesse contexto, o mundo que emerge após a fase aguda da pandemia é um mundo que demanda ainda mais políticas sociais e uma atuação mais efetiva do Estado para minimizar essas cicatrizes.

No entanto, no Brasil, esse processo tem sido ineficaz. De fato, este é um dos nossos problemas estruturais: a fragilidade institucional em defesa do interesse de toda sociedade, também conhecido na literatura como interesse difuso. O Estado é muito suscetível aos diversos grupos de interesse, que capturam uma parcela significativa do orçamento público. Há diversos exemplos, como os 4% do PIB em gastos tributários, as emendas parlamentares etc.

E há inúmeras consequências negativas. Em primeiro lugar, há crises fiscais recorrentes. Quando precisamos adotar políticas públicas necessárias e justas do ponto de vista social, como não há espaço no Orçamento, a saída é alterar as regras fiscais. E quando reduzimos as restrições fiscais, sempre ampliamos o espaço das políticas públicas ruins, tornando o cenário fiscal insustentável.

E sempre é bom lembrar que crises fiscais geram uma piora do quadro macroeconômico, com efeitos deletérios sobre o crescimento econômico e o mercado de trabalho. É um círculo vicioso e muito negativo do ponto de vista social.

Em segundo lugar, há um outro efeito colateral muito negativo para a nossa economia. Os estudos mostram que essas políticas de incentivo, na grande maioria das vezes, não geram o resultado esperado e contribuem para a má alocação de recursos e a baixa produtividade da economia. As políticas de incentivo, além de custar muito do ponto de vista fiscal, contribuem para a estagnação do crescimento econômico.

Esse tema e outros relacionados à agenda de crescimento econômico foram amplamente documentados nos livros publicados pelo FGV-Ibre, com destaque para “Anatomia da Produtividade no Brasil”. O livro serviu de base para a elaboração do relatório final da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado com propostas de uma agenda microeconômica para o Brasil, durante o governo Temer.

Não há enigma para o baixo crescimento econômico. O diagnóstico já é mais do que conhecido, o receituário também.

As raízes econômicas da destruição da Amazônia, por Ilona Szabó de Carvalho.

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Desmatamento contribui tanto para a tragédia em Petrópolis (RJ) quanto para a seca que afeta o agronegócio

Ilona Szabó de Carvalho, Empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”.

Folha de São Paulo, 23/02/2022

O ritmo alarmante do desmatamento da Amazônia vem sendo alimentado por um verdadeiro ecossistema de economias ilícitas, no qual diversas atividades financiam a destruição da floresta e vice-versa. O desmatamento e a degradação da floresta amazônica comprometem o futuro e o bem-estar das próximas gerações e prejudicam o meio ambiente e a regulação do clima em escala planetária.

Entre outros aspectos, a Amazônia influencia decisivamente o regime de chuvas no país e sua cobertura verde tem relação com a intensidade e frequência delas. Em última instância, o desmatamento da floresta contribui tanto para a tragédia em Petrópolis (RJ) quanto para a seca que afeta o agronegócio, além das tempestades de areia no interior de São Paulo, que vimos no ano passado. As áreas mais vulneráveis às consequências de eventos extremos do clima são as mais pobres, no Brasil e no mundo.

Buscando compreender os motores da destruição da floresta, um novo estudo do Instituto Igarapé mostra um panorama inédito do ecossistema da criminalidade ambiental na Amazônia, onde os crimes que impulsionam a destruição da floresta estão se tornando mais complexos, interconectados e violentos, à medida que o Estado se ausenta da região e estimula atividades predatórias. Dados analisados de 369 operações da Polícia Federal (PF), entre 2016 e 2021, confirmam que o desmatamento é apenas a ponta visível por satélite de algo maior que vem ocorrendo na Amazônia.

Isso porque a destruição da floresta vem a reboque de atividades econômicas ilícitas ou contaminadas com ilicitudes. Mineração ilegal de ouro, extração ilegal de madeira, grilagem de terras públicas e a parcela da agropecuária com passivos ambientais se entrelaçam nos diferentes territórios amazônicos e contribuem para a escalada do desmatamento ilegal e da degradação da floresta.

Além disso, o crime ambiental não acontece sozinho. As investigações da PF apontam a existência de fraudes, crimes financeiros e tributários, tráfico de drogas, poluição e outras ilicitudes diretamente atrelados à devastação do bioma amazônico. Os crimes violentos contra a pessoa, trabalho escravo, posse de armas, munições e explosivos estão cada vez mais comuns e hoje aparecem em quase um terço das operações da PF na região. Investigações por corrupção e lavagem de dinheiro ocorreram em um quinto das ações analisadas, revelando uma criminalidade ambiental organizada.

Fica cada vez mais claro que o descaso do governo com a Amazônia não só ajuda a acelerar as mudanças climáticas como também aumenta a insegurança no país. O descontrole estatal incentiva a ampliação do crime e a entrada de novos grupos criminosos em uma das regiões mais importantes para o clima do planeta.

Portanto, o enfrentamento ao crime ambiental e crimes conexos precisa ser prioridade do governo federal e dos governos estaduais da Amazônia Legal para que o Brasil possa se tornar uma potência econômica florestal. Somente com a garantia da segurança pública e jurídica, do cumprimento das leis e dos acordos internacionais, nosso país se beneficiará do enorme potencial de serviços ambientais e das soluções baseadas na natureza que pode oferecer ao mundo.

O nexo entre segurança e clima é cada vez mais complexo. Além de superar desafios de governança, coordenação estratégica e de inteligência para inibir a prática de crimes, responsabilizando os atores envolvidos com os ilícitos, é vital priorizar o desenvolvimento e a inclusão socioeconômica da população da região, evitando a criminalização do “peixe-pequeno” e garantindo a manutenção da floresta de pé. Só assim conseguiremos arrancar esse mal pela raiz.