Globalização almejada até a chegada do vírus é inatingível, por Dani Rodrik.

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Miguel Lago e Pablo Peña Corrales

23.ago.2020 às 23h15

Há décadas, Dani Rodrik, professor de economia na Universidade Harvard, adverte sobre os perigos de uma globalização excessiva, que ameaçaria a democracia e a soberania nacional, e critica receitas clássicas de liberalização e desregulação para o desenvolvimento econômico.

Agora, o economista afirma que estamos “começando a perceber que o tipo de hiperglobalização que tentamos ter até a [chegada da] Covid-19 não é mais atingível”.

“Mas muitas dessas tendências nas cadeias de valor globais já estavam se estabelecendo há mais ou menos uma década.”

As ideias de Rodrik, consideradas por muito tempo heterodoxas, estão agora no centro do debate público. Uma delas, a teoria do trilema da economia global, diz que não se pode perseguir simultaneamente democracia, soberania nacional e globalização econômica.

Se a ideia é impulsionar a globalização, afirma o acadêmico, será necessário desistir do Estado-nação ou de políticas democráticas. Se o projeto for aprofundar a democracia, é preciso escolher entre integração econômica internacional e autodeterminação nacional. Por fim, se a soberania nacional for a prioridade, será necessário apostar na democracia ou na globalização.

Durante a crise da Covid-19, a globalização parece ter diminuído drasticamente. Esse movimento é temporário ou duradouro?

 Muitos indicadores econômicos mostram uma forte queda, e não sabemos ainda quanto tempo vai demorar para se recuperar. Mas o quadro geral é que muitas dessas tendências no comércio e nas cadeias de valor globais já estavam se estabelecendo há mais ou menos uma década. Após a crise financeira global de 2008, o comércio mundial começou a desacelerar a expansão das cadeias de valor globais, e começamos a ver uma regionalização cada vez mais forte.

Se observarmos a proporção das exportações no PIB, a China viu uma queda em torno de 15 pontos percentuais, e a Índia caiu algo como cinco pontos percentuais. Portanto, há tendências seculares em curso que nos afastam do que eu chamaria de “hiperglobalização”.

Nessa nova globalização, e diante da Covid-19, como ficará a mobilidade da mão de obra e a migração global? Mais limitada?

Penso que sim. Mas gostaria de salientar que os países estavam começando a limitar o fluxo internacional de pessoas. Nunca tivemos um regime internacional que regulasse e liberalizasse progressivamente a circulação de pessoas entre países, ao contrário do que ocorre com comércio de bens, serviços, capital e finanças.

Eu diria que, nos últimos 20 ou 30 anos, uma combinação de globalização crescente e tendências tecnológicas realmente afastaram as sociedades umas das outras. Tem havido muita insegurança, econômica, cultural, física e, agora, cada vez mais, de saúde.

O sr. disse que existem diferentes tipos de globalização.

Vivemos três globalizações diferentes desde o final do século 19, e acho que poderíamos facilmente imaginar diferentes variantes no futuro. Diferentes globalizações se distinguem pelos mercados em que a globalização ocorre. Com o padrão ouro no final do século 19, por exemplo, a globalização era uma em que não se tinha apenas capital, mas também livre mobilidade de trabalhadores, algo que não existe depois da Segunda Guerra, quando ela focou mais bens industriais.

O tipo de globalização que tivemos desde a década de 1990 restringiu cada vez mais o que os governos eram capazes de fazer em suas economias domésticas. A tarefa agora é visualizar uma globalização que será muito mais consistente com o tipo de diversidade que temos no mundo.

Precisamos alcançar um equilíbrio entre os ditames de uma economia mundial aberta e as preferências de diferentes nações para conduzir seus modelos econômicos e sociais.

Como podemos identificar quais áreas precisam de regras globais e quais áreas deveriam ser reguladas por determinação nacionais?

Há dois critérios que nos moveriam na direção da cooperação global. Um deles é se questionar se existem características de bens públicos. Se sim, haveria incentivos significativos para que os países ajam como passageiros clandestinos e gerem resultados muito negativos para o mundo como um todo se não houver regras globais ou disciplinas globais?

Duas áreas em que isto se aplica especialmente são, primeiro, a mudança climática, porque ela afeta a todos, mas nenhum país quer pagar o custo da descarbonização, e, segundo, a saúde pública, incluindo o desenvolvimento de vacinas e terapias. Curiosamente, a maioria das áreas econômicas em que temos realmente procurado criar regras globais não tem características de bem público global.

Os países têm interesse em estabelecer regulamentos financeiros adequados, políticas econômicas abertas e estabilidade macroeconômica. Portanto, os países relativamente bem governados tenderiam a perseguir políticas econômicas que também são boas para todos os outros.

Um segundo critério para a cooperação global é evitar políticas genuinamente mesquinhas. Elas são relativamente poucas: o abuso do poder de mercado, por exemplo, com países que produzem alguma mercadoria rara e podem aumentar os preços nos mercados mundiais, ou países que estabelecem paraísos fiscais para empresas fictícias. Se não tivermos bens públicos ou políticas mesquinhas, acho que o instinto deveria ser deixar os países escolherem o que querem fazer por conta própria.

Que tipo de coordenação global precisamos nas políticas de saúde?

Todo regime global enfrenta uma espécie de compromisso entre os benefícios das regras comuns e os benefícios da diversidade, ou a experimentação de regras.

Na saúde, é muito importante ter uma cooperação global em redes de informação e conhecimento. No caso da Covid-19, houve atrasos significativos no compartilhamento de informações, e outros países pagaram caro por isso. Outra grande área da saúde em que haveria benefícios significativos de uma cooperação global seria o desenvolvimento de vacinas.

Uma vez que a vacina é desenvolvida, o custo para utilizá-la é muito pequeno. Se tivéssemos um sistema de saúde pública global realmente bom, a pesquisa para a vacina seria realizada por meio de uma organização de saúde global.

Há outras áreas em que precisamos ser mais cuidadosos. Se você centralizar as recomendações de resposta [a crises], pode acabar coordenando políticas erradas, e às vezes há benefício em deixar os países seguirem seus próprios caminhos para que possam descobrir o que funciona melhor.

Um exemplo concreto disso é que, no início, a OMS [Organização Mundial da Saúde] foi bastante contrária ao uso de máscaras, o que acabou se revelando, em grande parte, um erro. Em um mundo onde a OMS fosse levada muito mais a sério e, assim, muitos mais países seguiriam suas recomendações provavelmente teríamos ficado em uma situação pior.

O trilema que o sr. desenvolveu sugere que os países só podem escolher dois elementos entre globalização, soberania nacional e democracia. A soberania nacional está no caminho para dominar essa trindade? 

A razão pela qual isso está acontecendo é que principalmente os populistas autoritários de direita têm entendido efetivamente a lógica do trilema. Eles aproveitaram as tensões que o trilema destaca para ganhar impulso político e não estão interessados em fortalecer a democracia, porque seus instintos tendem a ser autoritários.

Penso que a única maneira de sairmos dessa situação é esperar que tenhamos forças políticas progressistas, uma espécie de populismo de esquerda que possa não só capturar o terreno em termos de soberania nacional, mas também fazê-lo de uma forma que não prejudique as normas democráticas. Voltando ao trilema, você pode ter no máximo dois [dos três pontos] e certamente pode ter dois. Nós estamos tendo apenas um, e isso não é bom.

A reivindicação por soberania nacional acrescentou mais tensões políticas em organizações internacionais. É algo que temos que tolerar ou existem maneiras de alcançar uma globalização mais tecnocrática? 

Não creio que possamos ou devemos ter uma globalização tecnocrática. A economia, a saúde ou o meio ambiente não são questões puramente técnicas; elas têm ramificações de distribuição muito significativas. Impossível imaginar qualquer tipo de regime político que seja ou deva ser isolado da política.

A maioria das instituições de representação de responsabilidade é em nível local e nacional e, nas instituições globais, a cadeia de delegação democrática é muito longa. Essa é outra razão pela qual teremos muito cuidado ao delegar demais a organizações internacionais, pois isso tende a fortalecer interesses particulares que têm os recursos e a capacidade de influenciar essas organizações.

Estamos começando a perceber que, de fato, o tipo de hiperglobalização que tentamos ter até a Covid-19 não é mais atingível. Acho que isto poderia ser o tipo de motor de uma globalização mais multifacetada, mais contextual, mais flexível. Certamente também existem cenários ruins, e receio não poder ignorá-los. Depende um pouco de que lado da cama me levanto.

 

 

 

O mito dos gestores militares, por Rodrigo Zeidan.

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Encher de militares o governo e elevar o orçamento das Forças Armadas vai acabar mal, de novo

22/08/2020 – Folha de São Paulo

Treinados para a guerra, os militares vão conseguir derrotar seus inimigos na batalha pelo Orçamento: a população brasileira.

Hoje, o capitão está para continuar nossa grande tradição de ignorar os problemas reais e inventar inimigos imaginários, propondo um orçamento para a Defesa maior que para a educação.

Em 2018, o orçamento para a Defesa totalizou R$ 77 bilhões, dos quais R$ 67 bilhões foram executados. O governo de extrema direita não se fez de rogado, e, em 2019, com a economia crescendo 1% e a inflação baixíssima, o orçamento saltou para R$ 85 bilhões, dos quais R$ 75 bilhões foram executados, aumento de mais de 10%.

Pior: gastamos em tecnologia, manutenção e pesquisa? Não, 92% dos gastos são com pessoal da ativa e da reserva.

Tanto na época do golpe quanto no governo do capitão não há preocupação com a melhoria da economia ou real defesa do país, mas simplesmente uma busca por maiores soldos.

Durante as três primeiras décadas do século passado, as Forças Armadas representavam 22% das despesas públicas. Obviamente, esse percentual aumentou durante a Segunda Guerra Mundial, com pico de 37% em 1942.

Em 1963, sem inimigos externos (a não ser imaginários), gastávamos 16% do orçamento dos ministérios com defesa nacional. Mas a ditadura avançou sobre os cofres públicos. Em 1965, os gastos com as Forças Armadas já tinham saltado para 22% do Orçamento total. Oito anos depois, no auge da megalonamia do “milagre econômico”, as Forças Armadas recebiam 44% do total despendido pelo governo federal; o Ministério da Educação ficava com 10%.

Infelizmente, como os militares saíram pela porta da frente e parte do governo coincidiu com o ciclo natural do processo de industrialização, inventou-se por essas bandas a ideia de um “milagre econômico”, de 1968-1973, no qual a economia brasileira teria crescido a 11% ao ano. Cresceu mesmo, mas no contexto do maior crescimento da história do sistema capitalista no mundo (8% ao ano) e através da formação da dívida externa, que afundaria o país por quase 20 anos.

Os militares nunca foram bons gestores da economia. Surfaram a onda do crescimento mundial, enquanto gastavam como bem entediam. E isso sem nenhuma preocupação com pobreza ou desigualdade social.

A dívida externa começou a crescer a 20% ao ano já em 1964. Pegaram um país com dívida de US$ 3 bilhões (14% do PIB e dois anos de exportações) e entregaram algo impagável (mais de US$ 100 bilhões, 45% do PIB e quatro anos de exportações). O golpe de mestre foi culpar a crise externa e o FMI (Fundo Monetário Internacional), empurrando a conta para os governos seguintes.

Mas a realidade é que os militares lideraram processo de crescimento baseado em pirâmide financeira —pegavam novas dívidas para pagar os juros das anteriores, até que, em 1980, o choque Volcker acabou com a farra.

Paul Volcker, chefe do Fed, decidiu, numa tacada, acabar com a inflação americana jogando os juros nas alturas (a taxa básica chegou a 20%). O Brasil foi pego com as calças arriadas. Sem crédito, não tinha como pagar os juros da dívida. Logo vieram o calote e a hiperinflação.

Infelizmente, não aprendemos com a história. Encher de militares, mesmo que da reserva, o governo e validar o aumento do orçamento das Forças Armadas vai acabar mal, de novo.

É hora de abandonar o mito: os generais não conduziram bem a economia no passado e nem hoje saberiam fazê-lo.

Rodrigo Zeidan, Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ

Divaldo Pereira Franco, o mensageiro da paz

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Recentemente tivemos a oportunidade de assistir ao filme Divaldo Pereira Franco, o mensageiro da Paz, um dos grandes ícones do movimento espírita brasileiro, neste filme tivemos a alegria de conhecer um pouco da história e a trajetória de um brasileiro bastante interessante, aplaudido pelas milhares de pessoas, admirado e respeitado numa história de décadas de dedicação com o Espiritismo, responsável por um rastro de caridade, fraternidade e iluminação.

Neste filme, a trajetória deste brasileiro se confunde com movimentos de solidariedade e caridade, como destacou o codificador do movimento do Espírita, Allan Kardec, a caridade não é salvação, uma frase que sempre ecoou em seu espírito e ajudou na construção de uma sólida vivência entre os dois lados da vida. O filme nos mostra o surgimento de uma mediunidade enorme, Divaldo se caracteriza por inúmeros tipos de mediunidade, dotado de grande sensibilidade, vidência, oratória, incorporação, dentre elas, onde a relação entre os espíritos era constante e, para muitos, assustadora e esclarecedora.

A infância de Divaldo é marcada por brincadeiras, alegrias e sentimentos agradáveis, podemos caracterizá-lo como uma criança feliz, religiosa e trabalhador da Igreja Católica, constantemente próximo da oração e a devoção oriunda do cristianismo pregado pela Igreja. Sua família nos parece organizada e bem estruturada, nasce em uma casa de classe média, sem luxos materiais, sem posses materiais e sem privações cotidianas.

Desde pequeno, Divaldo convive com inúmeros espíritos, desde os encarnados de um lado, e de outros irmãos desencarnados, uma mistura crescente que, no começo, gerava grandes constrangimentos para o garoto baiano, levando-o a momentos pitorescos, além de momentos de grandes constrangimentos e desagradáveis, passando por humilhações e preocupações.

Ao assistir o filme, algumas questões se fazem presentes em minhas reflexões, quando nos deparamos com inúmeros espíritas, que desde pequenos passaram por grandes dificuldades, viam espíritos constantemente e eram vistos como mentirosos e detentores de desequilíbrios emocionais e psicológicos, sendo maltratados e humilhados. Nesta trajetória, passam a conhecer inúmeras pessoas que o auxiliam no seu cotidiano, pessoas que foram colocadas em seu caminho para orientação, irmãos que nos ajudam a compreender os fenômenos espirituais, seus medos e desesperanças.

O filme nos mostra a importância de uma vida centrada e equilibrada para a construção de uma sociedade melhor e mais consciente, onde a Doutrina Espírita tem um papel central na conscientização dos indivíduos e na compreensão de que a morte não existe e todos nós nos encontraremos num outro momento, numa outra situação e numa outra oportunidade, neste momento as pessoas devem construir o crescimento espiritual, desenvolvendo valores mais consistentes e verdadeiros.

O filme descreve superficialmente o episódio do suicídio de sua irmã, um momento que, no meu ponto de visto, deveria ser trabalhado com mais intensidade, ainda mais num momento como este, marcado pelo incremento dos suicídios no mundo contemporâneo, estes crimes estão aumentando de forma acelerada, gerando medos e preocupações, impactando novas e estruturadas políticas públicas de conscientização, neste momento, este assunto deve ser analisado com seus pormenores. No decorrer do filme, percebemos o suicídio de sua irmã, ainda mais quando o padre destaca que as pessoas que se suicidam são vistos com reservas da igreja romana, momento que sua mãe se revolta com os ensinamentos desta religião tradicional, que acreditam piamente que os suicidas não podem ser abraçados com as orações, com as missas e com as santidades, que acreditam que todas as pessoas que descaminham nos extremos do suicídio estão condenados para o inferno. Numa das passagens, o filme mostra o suicídio de sua irmã, destacando que a morte não existe, a morte é vista na doutrina espírita como algo natural, nunca como o fim, mas para um novo momento da vida e da evolução dos indivíduos, sem corpo físico, sem matéria, mas a vida nasce ou renasce do mundo espiritual.

Um dos pontos mais interessados na trajetória da vida do médium baiano, é o papel central de sua mãe, cuja importância e relevância em sua vida é crucial, seu apoio, estímulo e o desapego constante, auxiliando na mudança para Salvador e aceitando que seu papel não era ficar ao seu lado, mas de todos aqueles que precisam de seu auxílio e solidariedade.

O encontro com Chico Xavier nos traz informações importantes para o médium baiano, neste momento Divaldo faz inúmeras perguntas e recebe esclarecimentos e indagações pessoais, uma delas é que não devem trabalhar juntos, cada um destes médiuns devem ser vistos como um poste para iluminar a sociedade, com isso, o Chico Xavier nos mostra, que devem residir em locais distantes, para auxiliar uma maior quantidade de pessoas, levando para a coletividade as luzes para aqueles que precisam de esclarecimento e equilíbrio, fundamentais para o desenvolvimento individual e a conscientização espiritual.

No filme Divaldo Pereira Franco, o mensageiro da Paz, percebemos uma amizade afetuosa e desinteressada entre estes vultos do movimento espírita brasileira, no decorrer das trajetórias entre estes dois médiuns, percebemos que o médium baiano sempre buscou estímulos e auxílio nos conselhos de Chico Xavier, que sempre foi visto como o baluarte do movimento espírita nacional. Embora percebamos no filme, muitos no movimento espírita acreditam existir uma competição entre os dois médiuns, na minha visão o filme acertadamente não entra neste conflito que apenas faz mal ao movimento, criando desestruturação, desavenças constantes e desagregação.

Na trajetória, temos contato, com a perseguição de um irmão que persegue Divaldo Pereira Franco de forma renitente, um irmão que caminha ao lado durante muitas encarnações, obsediando e perseguindo de forma inclemente, humilhando-o, maltratando-o e desvirtuando sua caminhada cotidiana. As perseguições espirituais estão na trajetória do médium baiano, muitos momentos o perseguidor leva Divaldo a situações de humilhações e constrangimentos, compreender e se educar, melhorando seus sentimentos e energias nos capacitam para se melhorar espiritualmente e, com isso, auxiliará seu companheiro desencarnado, ainda muito preso aos rancores e aos ressentimentos. No decorrer do filme, percebemos os contatos entre Divaldo e seu perseguidor, aos poucos as conversas entre os dois melhoram intensamente, surgindo diálogos interessantes e esclarecimentos, com auxílio espiritual e crescimento mútuo, neste momento percebemos a transformações nestes dois indivíduos.

Numa passagem do filme, Divaldo Pereira Franco perde um de seus irmãos, que ao desencarnar passa a obsediá-lo, impedindo seus passos e prostrando-o numa cama, queixando dificuldades físicas de locomoção, sendo amparado por alguns trabalhadores do movimento espírita da cidade, que visitam sua casa, recebem uma vibração carinhosa, além de um passe energético e inúmeras orações. Neste momento percebemos a presença, em espírito, de seu irmão, que mesmo não tendo interesse de causar-lhe constrangimentos, sua influência espiritual desequilibrada está causando problemas físicos e emocionais. Depois da interferência dos trabalhadores espíritas e, principalmente, dos amigos espirituais, liderados por Joanna de Angelis, sua mentora espiritual, o irmão desencarnado é retirado do local e conduzido a uma comunidade espiritual no mundo imaterial, libertando-o desta obsessão e levando-o a buscar as explicações para suas dificuldades intimas e desequilíbrios constantes que o afligiam no cotidiano.

O filme nos mostra, em alguns momentos, trabalhos mediúnicos e conversação dos espíritos obsessores, momentos de incorporação de espíritos mais agressivos, marcados por ódios, mágoas e centrado na vingança de irmãos que, durante séculos, perseguem e maltratam como forma de se vingar, como se esta vingança lhe trouxesse grandes prazeres duradouros e uma maior sensação de bem-estar, sentimento passageiro e insignificante.

Numa da passagem do filme, percebemos uma conversa entre o médium baiano e a mentora Joanna de Angelis, nesta conversação, o médium deixa clara o desejo de constituir sua família, com esposa e filhos. Neste momento, a mentora deixa claro que nesta existência, não faz parte da programação de ter filhos e constituir uma família sanguínea, mas o mundo espiritual tinha outra programação para o médium e orador espírita baiano, posteriormente será pai de inúmeras crianças e adolescentes abandonados, deixado ao relento e sem perspectivas e oportunidades de vida.

O filme destaca o crescimento contínuo de um menino inexperiente e um dos maiores médium da humanidade, dotado com grande oratória, responsável por mais de milhares de palestras, entrevistas e conferências em mais de cinquenta países, tendo escrito mais de 250 livros, alguns psicógrafos por inúmeros espíritos, desde Victor Hugo, Joanna de Angelis, Manoel Philomeno de Miranda, dentre outros, cujos recursos oriundos destas obras foram todos convertidos para todo o trabalho espiritual, acolhendo as mais variadas pessoas, desde crianças, adolescentes e adultos, um trabalho de grande valor e responsabilidade.

Devemos destacar que o lado orador é pouco enfatizado no filme Divaldo Pereira Franco, o mensageiro da Paz, afinal o médium é considerado uma dos maiores oradores da humanidade de todas as épocas, o filme destaca um momento constrangedor e quase humilhante, onde o médium recebe um convite para fazer uma palestra numa outra casa espírita, neste momento percebe a influencia de seu perseguidor espiritual para lhe causar constrangimentos e humilhações, embora percebemos os medos que dominava seu espírito e sua influência negativa com o médium baiano é socorrido pelo sua mentora espiritual Joanna de Angelis e o grande espírito de Humberto de Campos, que se aproxima espiritualmente e inspira mentalmente as palavras, recebendo elogios dos presentes. Depois deste momento, seus amigos espirituais forçam os estudos sistemáticos da Doutrina Espírita, levando a leitura constante de todos os livros da codificação.

O filme deve ser assistido por todos as pessoas do movimento espírita e mais, para todos aqueles que querem ter contato com o pensamento espírita, a vida e a obra de Divaldo Pereira Franco serve como instrumento de iluminação para todos os corações, mostrando as dificuldades que estão presentes na trajetória de todas as pessoas mas, muitas pessoas conseguem superar estas dificuldades, os medos e as preocupações do cotidiano, vencendo a vida e deixando como legado uma experiência de sucesso e de superação.

 

 

‘Está surgindo uma arte populista de governança’, diz cientista político

Líderes autoritários que se preocupam com gestão podem usar pandemia para ter mais poderes, analisa alemão Jan-Werner Müeller

Entrevista com Jan-Werner Müeller, cientista político

Guilherme Evelin, O Estado de S.Paulo – 15/08/2020.

Líderes populistas “inteligentes” e preocupados com a gestão de seus governos, e não só com “guerras culturais” podem aproveitar a pandemia do novo coronavírus para concentrar poderes e reforçar seu autoritarismo, à maneira do que está fazendo Viktor Órban na Hungria. O alerta é do cientista político alemão Jan-Werner Müeller, uma das principais referências mundiais no debate sobre a ascensão de líderes considerados populistas e que chegaram ao poder surfando ondas de revolta contra o sistema político, como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro no Brasil.

Depois de escrever O que é populismo?, lançado no mesmo ano da eleição de Trump, Müeller, professor da Universidade Princeton, está fazendo pesquisa para um novo livro. Nele, vai discutir propostas para revigorar os partidos políticos e a imprensa – dois pilares cruciais, segundo Müeller, das democracias liberais, mas ambos em crise. Em entrevista, por e-mail, ao Estadão, ele discutiu possíveis efeitos da pandemia para líderes populistas.

Acho que isso dependerá de muitas variáveis e os contextos nacionais ainda são muito importantes. Líderes populistas inteligentes, com conhecimento de governo e de administração – como Viktor Orbán, na Hungria – estão aproveitando a situação para consolidar seu poder. Mas populistas interessados principalmente na guerra cultural e profundamente desinteressados das questões de governo e da administração – como Trump e Bolsonaro – não estão indo bem.

  • A resposta à pandemia ditará quais líderes populistas permanecerão no governo e quais vão concentrar mais poder? 

Os populistas experientes usaram o momento para aumentar seus poderes – não há dúvida sobre isso. Mas não há garantia de que, apesar de toda a repressão, eles vão se manter. Estamos apenas começando a ver o início das consequências econômicas da pandemia. E os cidadãos podem ficar muito insatisfeitos com líderes que dizem que lutam por “pessoas comuns”, mas operam, na realidade, como cleptocratas e apenas reforçam ainda mais as políticas neoliberais.

  • A menos de três meses da eleição presidencial nos Estados Unidos, Joe Biden, do Partido Democrata, é hoje o favorito. Por que a guerra cultural promovida pela direita americana até agora não produz os mesmos resultados de outras campanhas eleitorais? 

É um momento muito perigoso e, ao mesmo tempo, de muita esperança nos EUA. É perigoso porque, num sistema bipartidário, um dos partidos passou a se opor a princípios democráticos básicos. Trump não é a causa, mas um sintoma da crise do Partido Republicano, que virou uma agremiação dedicada ao populismo plutocrático. Ao mesmo tempo, é um momento esperançoso porque a mensagem de movimentos como o “Black Lives Matter” passou a ecoar. Os observadores têm razão em dizer que Biden dificilmente é uma figura progressista inspiradora. Mas Lyndon Johnson ou, até certo ponto, Franklin Delano Roosevolt também não eram. O que importa é que eles promoveram mudanças porque os movimentos sociais continuaram a pressioná-los.

  • Qual pode ser o impacto político de uma eventual derrota de Trump para outros movimentos populistas de direita no mundo?

É ingênuo pensar que uma derrota de Trump necessariamente prejudicará outros autoritários populistas. Repito que os contextos nacionais são importantes. Uma coisa, porém, provavelmente mudará: os EUA deixarão de sinalizar aos ditadores que a democracia não importa.

  • No Brasil, Bolsonaro também tem resultados ruins no enfrentamento à pandemia, mas mostrou resiliência política. Quão importante é a guerra cultural como ferramenta de luta política? 

Os populistas dizem que eles, e somente eles, representam o “verdadeiro povo”. Para eles, no entanto, o “povo” não é formado por todos. Minorias consideradas indesejadas ou pessoas com ideias de esquerda são excluídas. O modelo político dos populistas é dividir as pessoas e marcar uma fronteira entre quem realmente pertence ao “povo” e quem não. A guerra cultural é realmente muito importante para eles, mas, por si só, não vence eleições.

  • A pandemia do coronavírus ocorre em um ambiente em que a desinformação é promovida com fins políticos e a imprensa está sendo atacada por líderes autoritários. Que efeito a pandemia terá para o jornalismo profissional? 

Em tese, a pandemia deve levar os cidadãos a perceber o quão importante são as notícias precisas (não apenas os fatos, mas também as interpretações de especialistas). O jornalismo que reporta as notícias locais é especialmente importante e sofreu tremendamente porque Google e Facebook acabaram com seu modelo de negócios baseado na publicidade. Essa percepção abstrata, porém, não é, obviamente, suficiente; é preciso haver uma pressão política por novas regulamentações – como tributar o Google e o Facebook para que noticiários locais sejam subsidiados de forma adequada.

  • Bolsonaro não tem partido para apoiá-lo, mas seu governo está cheio de oficiais das Forças Armadas. Isso aumenta o risco de uma deriva autoritária no Brasil?

De maneira mais geral, diria que estamos vendo o surgimento de uma arte populista de governança – resultado do fato de que os líderes populistas também podem aprender uns com os outros. Na maioria das vezes, os militares têm sido marginais nesta nova arte (ou foram conscientemente subjugados, como no caso da Turquia). Os populistas têm preferido colonizar a administração do Estado e usar a economia para exercer poder, por meio de redes clientelistas.

  • A oposição a Bolsonaro permanece fragmentada. Isso joga a favor de líderes autoritários?

Em geral, uma oposição deve ser unida – essa continua sendo uma das lições importantes das transições para a democracia nas décadas de 1970 e 1980. Mas há também uma armadilha: uma situação de “todos contra um, um contra todos” pode parecer confirmar a retórica dos populistas de que o establishment está fechando fileiras contra os recém-chegados, a fim de preservar seus privilégios corruptos. Portanto, uma oposição inteligente se unirá quando se trata de defender o básico da democracia, mas saberá manter diferenças políticas normais e não se envergonhará de apontar contrastes entre si.

  • Quais serão os principais aspectos a serem observados no futuro para verificar a força das democracias liberais no mundo?

Acho que precisamos prestar mais atenção às instituições que, desde o século 19, foram consideradas cruciais para fazer funcionar a democracia representativa: partidos e imprensa livre. Precisamos ao mesmo tempo reinventar como essas instituições são financiadas e precisamos torná-las mais abertas, e não menos abertas, aos cidadãos. Não sou tão pessimista quanto alguns observadores que pensam que as redes sociais ou os partidos políticos baseados em plataformas da internet significam o fim da democracia. Acredito que precisamos pensar em novas regulamentações para os partidos e para a imprensa que estejam alinhadas com os padrões democráticos básicos.

Neoliberais versus Desenvolvimentistas: uma falsa dicotomia.

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O Brasil sempre se caracterizou como o país do futuro, desde anos 1970 o Brasil notabilizou sua fama na sociedade mundial, muitos analistas políticos acreditavam que o século XXI levaria a sociedade brasileira para o panteão das maiores economias do mundo, crescimento econômico e social levaria o país ao desejado desenvolvimento, com melhorias na qualidade de vida, incremento na renda agregada per capita e uma maior equidade social, com maior autonomia e avanços científicos e tecnológicos.

O debate entre os liberais ou neoliberais de um lado e desenvolvimentistas de outro, está sempre nas discussões entre os economistas, cientistas sociais ou formuladores de análises econômicas. Os neoliberais defendem uma redução do Estado na sociedade, visto como o grande responsável pelas intempéries da economia brasileira, desde a inflação, as taxas elevadas, ineficiência do Estado e baixa eficácia dos serviços públicos, marcados pelos quadros de funcionários remunerados acima dos trabalhadores da inciativa privada, nos cálculos em média os servidores recebem mais de 67% dos rendimentos dos trabalhadores das empresas privadas. De outro lado, percebemos os desenvolvimentistas, que defendem um papel estratégico para a sociedade com políticas anticíclicas, atuando constantemente para reduzir os desequilíbrios dos mercados, direcionando os investidores e abrindo novas perspectivas para os setores produtivos, este debate não é moderno, mas recorrente e contínuo, colocando em grupos diferentes e interesses específicos, gerando instabilidades e incertezas crescentes, impediam novos investidores na sociedade brasileira e levando os investidores a sempre pensarem no curto prazo, deixando de lado o planejamento no longo prazo.

Ao analisar esta discussão na sociedade brasileira, percebemos que o debate intelectual é imensamente desonesto em seus contentores, uns defendendo interesses com poucas comprovações científicas e metodologias poucos transparentes buscando seus interesses ideológicos imediatos, com isso, percebemos como a ciência econômica vem perdendo espaço na sociedade, deixando as análises históricas e sociológicas e direcionadas para os cálculos matemáticos, concentrando na econometria e nas estatísticas, criando novos modelos que transformam os seres humanos em variáveis secundárias, deixando de lado as reflexões filosóficas e as estruturas políticas e antropológicas.

Neste embate, as conversas servem apenas para defender suas ideologias, se defendem o Estado devem ser vistos como comunistas ou esquerdistas, nestas reflexões os que defendem o desenvolvimentismo são pichados de corruptos e ineficientes, destacando a degradação moral, não importa a discussão científica, todos os dotados de pensamentos contrários ao seu grupo político devem ser agredidos, maltratados e detratados verbalmente. Neste momento os liberais degradam os desenvolvimentistas e estes últimos recorrem aos mesmos expedientes, falando alto, gritam e partem para palavras agressivas e deseducadas.

Os liberais apresentam ideias interessantes, a privatização e a diminuição devem ser defendidos por todos os grupos, o Estado gigante podem trazer ganhos monetários para alguns grupos mais estruturados, são os mais capacitados para influenciar seus interesses imediatos, com isso, garantem para este grupo retornos polpudos e riquezas elevadas. O pensamento me parece bastante limitado e ingênuo ao acreditar que, os extrair o Estado, garantirá ganhos constantes para toda a coletividade, muitos grupos sociais menos aquinhoados precisam constantemente das políticas públicas, serviços governamentais e atuação dos órgãos do Estado para garantir a construção de uma sociedade menos desigual e capacitadas para sobreviver neste ambiente marcado pela competição, pela concorrência e o crescimento exagerado do egoísmo e dos interesses imediatos.

A defesa inconsequente do pensamento liberal garante os grupos mais capacitados nos embates da economia globalizada, elevando as oportunidades para os setores mais aquinhoados, capacitando os setores mais bem nascidos em detrimento dos grupos mais fragilizados, com isso, o pensamento liberal aprofunda uma sociedade mais desigual, reduzindo as oportunidades de grande parte da sociedade, aumentando as desigualdades sociais, aumentando da degradação do trabalho e incrementando as desesperanças.

Os desenvolvimentistas argumentam que exista um papel fundamental para o Estado, acreditando que sua atuação numa sociedade em constante transformação é relevante para estimular os setores produtivos, capacitando os trabalhadores, motivando e estimulando as empresas, os fortes investimentos em ciência e tecnologia, sendo assim, a atuação do Estado deve ser profissionalizada para angariar novos mercados na economia internacional e garantindo novos produtos para conquistar países, regiões e continentes.

Defender o papel do Estado na sociedade não deve se fechar pelas suas ineficiências e seus desperdícios, cabendo aos instrumentos governamentais fiscalizar os gastos públicos, garantiam a todos os órgãos de regulação utilizar análises constantes, transparências e controles rígidos para que todos os recursos públicos, sempre escasso, continuem servindo os cidadãos, as empresas e todos os entes governamentais. A transparência é fundamental para o Estado contemporânea, os instrumentos jurídicos devem estar aptos para fiscalizar todas obras e investimentos sociais, instituições do Estado devem analisar os gastos, tais como a Receita Federal, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, a Mídia, as universidades e a opinião pública, o envolvimento de todos os entes públicos e privados são fundamentais para a construção de um novo modelo de desenvolvimento social.

Neste momento, percebemos o tímido investimento de instituições de fomento, tais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), uma instituição de grande relevância para a economia brasileira, cujo papel está destoando neste momento de grandes instabilidades e incertezas, marcadas pela pandemia, crises econômicas e sanitárias. De posse dos dados, percebemos que o BNDES sempre desempenhou um papel crucial para a sociedade, neste momento está a quem do seu papel histórico, deixando um vácuo de investimentos de médio e longo prazo, como estão sendo com suas coirmãs de outras nações, como a KFW Alemã ou a KBD da Coréia do Sul, duas importantes instituições que investem grandes recursos e priorizam investimentos nacionais, produção local, exportações com impactos sociais para toda a coletividade. Outro ponto central neste momento de pandemia e grandes instabilidades, faz-se necessário, destacar que o BNDES deve assumir um papel crucial, infelizmente os seus críticos estão sendo criminalizando o banco, disparando equivocados e buscando internamente medidas para diminuir seu papel na sociedade nacional, bancando auditorias e criminalizando contratos, prendendo funcionário, degradando a moral da diretoria, mesmo assim, as auditorias independentes não conseguiram degradar a atuação do banco como agente de investimentos no longo prazo e impulsionando os investimentos nacionais.

Neste momento, percebemos que os defensores do pensamento liberal estão perdendo o embate no interior do governo federal, embora acredite que muitas teses defendidas pelos seus defensores, percebemos que, num momento de pandemia, marcada por grandes investimentos em todas as nações, os defensores do liberalismo insistem em abertura econômica, austeridade, reformas liberalizantes, redução dos encargos e dos benefícios sociais, neste momento de grandes instabilidades, suas ideias são insuficientes para alavancar a economia brasileira, como nos mostra claramente desde 2015, quando desde então, as políticas de austeridades e tentativas constantes de privatizações, além de reformas trabalhistas e previdenciária, a economia ainda está totalmente desorganizada, com demanda reduzida, queda considerável do consumo interno, incremento no desemprego, aumento da falência, estamos flertando com o caos generalizado.

O grande problema não é o embate entre os dois grupos de economistas sobre a estratégia de condução da política econômica, ambas apresentam características importantes para a construção do planejamento da economia nos próximos anos, ninguém deve se opor a um Estado sólido nas suas questões fiscais, orçamento equilibrado, serviços públicos eficientes, empresas estratégicas consolidadas e organizações de Estado bem geridas e conscientes de seu papel social para a coletividade, onde todos os agentes econômicos e políticos precisam ter consciência de que o desenvolvimento não se faz individualmente e num período de quatro anos, mas devem ter consciência de que o desenvolvimento econômico perdurará por muitas décadas, melhorando o bem-estar social de todos os grupos.

Os liberais estão corretos quando fazem uma crítica sobre o Estado brasileiro, suas intervenções crescentes e suas ineficiências reforçam este nível de subdesenvolvimento, gerando cargas tributárias elevadas, em torno de 34% do produto interno bruto, número elevado a um país de nível de desenvolvimento, mas incapaz de gerar serviços públicos de alta qualidade, degradando as questões sociais e aumentando a desigualdade. Como destacou Bráulio Borges, um dos coautores do livro Contas Públicas no Brasil: “O Estado brasileiro, com o nível de arrecadação de hoje, em torno de 33% do PIB, deveria prover um bem-estar médio muito mais alto do que efetivamente entrega. Ou agente deveria ter uma carga dez pontos percentuais menos para entregar o nível de bem-estar que a gente constata nos nossos dados”.

Estamos num momento de grandes transformações na sociedade brasileira, uma reestruturação seria urgente e necessária para economia, trazendo novas oportunidades no pós-pandemia. A reforma tributária deve ser priorizada neste período de crise sanitária, entendendo que o sistema é muito mal estruturado, marcado por ineficiências crescentes, que oneram a produção, penalizam o consumo e perpetuam as desigualdades sociais. Como percebemos nos dados disponibilizados no livro Contas Públicas no Brasil, no artigo escrito pelos economistas Guilherme Ceccato e Pedro Jucá Maciel, ambos do Tesouro Nacional, o Brasil apresenta carga tributária semelhante à do Reino Unido, mas tem uma capacidade de reduzir a desigualdade inicial de renda que é a metade da verificada no país europeu. Como destacam: “Entre os motivos estão uma carga tributária regressiva, baixa focalização das políticas sociais para a população mais pobre e, principalmente, elevadas transferências para a parcela mais rica da população”. Como os pesquisadores, no Brasil, os 10% mais ricos são beneficiados com 20% das transferências públicas, como aposentarias e pensões. No Reino Unido, os 10% recebem 2,3% das transferências.

Os dados acima nos mostram que o debate intelectual dos economistas neste embate entre liberais/neoliberais e desenvolvimentistas é desonesto e enviesado, uns defendem mais gastos em investimentos governamentais que aprofundem estas desigualdades e, muitas vezes, em critérios eficientes, gerando mais iniquidade e concentração da renda em um pequeno grupo de rentistas. De outro lado, defendem menos Estados e mais Mercados, como se a retirada dos investimentos governamentais fosse substituída por investimentos da iniciativa privada. Na história econômica brasileira isto nunca ocorreu, na verdade, os dispêndios oriundos do mercado acontecem depois dos investimentos públicos, estes últimos são fundamentais para orientar os recursos da iniciativa privada.

Neste pandemia e crise generalizada na sociedade brasileira, um debate honesto cientificamente orientado é fundamental para que consigamos superar este momento de pandemia, o fortalecimento das instituições, a participação dos sindicatos e representantes dos trabalhadores, dos empresários e federações ou confederações, devem auxiliar para a população, pactuando em prol do emprego, estimulando a renda e fomentando a demanda, sem elas, nossa recuperação será limitada e ineficiente, levando o caos generalizado para toda a coletividade, incrementando a exclusão, a desigualdade e aumentando a violência social.

 

 

Libaneses não se veem como parte de uma mesma nação, diz escritor

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Para Amin Maalouf, divisão do poder entre religiões acirrou sectarismo e está no cerne da crise

Patrícia Campos Mello – Folha de São Paulo -13/08/2020

“Nasci com boa saúde nos braços de uma civilização que morria…” Assim o franco-libanês Amin Maalouf começa seu último livro, “O Naufrágio das Civilizações”, recém-publicado no Brasil pela editora Vestígio.

Maalouf, que nasceu no Líbano e vive na França há mais de 40 anos, afirma acreditar que as sucessivas crises políticas que tomaram conta de seu país natal têm como cerne a divisão sectária.

“As pessoas no Líbano, hoje, têm muito mais vínculo com suas comunidades [xiitas, sunitas, cristãos, drusos], não se veem como pertencendo à mesma nação”, diz à Folha o escritor, que ganhou o prêmio Goncourt e ocupa na Academia Francesa a cadeira que foi de Claude Lévi-Strauss.

O primeiro-ministro do Líbano, Hassan Diab, renunciou na segunda-feira (10), seis dias após a explosão em Beirute que deixou mais de 220 mortos e desencadeou uma nova onda de protestos no país, que vive recessão econômica profunda e crise política.

Maalouf critica o sistema de cotas instituído após a guerra civil (1975-1990), que reserva posições no governo e no Parlamento para representantes de acordo com as diversas religiões do país.

Tradicionalmente, o primeiro-ministro é sunita, o presidente é cristão e o líder do parlamento é xiita —mas há reservas em todo o serviço público.

“O sistema fez com que as pessoas ficassem ainda mais comprometidas apenas com suas comunidades, mais reféns dos líderes de suas comunidades que, por sua vez, aliam-se a outros países que então exercem influência sobre o país”, diz o escritor.

O senhor acredita que “O Naufrágio das Civilizações” pode ser uma previsão de conflitos internacionais que estão por vir, da mesma forma que seu livro de 1998, “Identités Meurtrières” (identidades assassinas, em tradução livre), acabou prenunciando o choque entre árabes e ocidentais que culminou nos atentados do 11 de Setembro? Da mesma forma, sua obra de 2008, “O Mundo em Desajuste”, anteviu o colapso da confiança global que se deu em meio à crise financeira?

O livro não é uma predição, é uma descrição do mundo que temos hoje, do naufrágio moral e político por causa de governos e movimentos que não estão equipados para liderar nações neste momento complicado. Não tenho dons premonitórios, sou apenas uma pessoa que está sempre observando o mundo cuidadosamente.

Meu pai era jornalista, eu trabalhei em jornal. Minha paixão é examinar o mundo. Em muitas ocasiões, as pessoas simplesmente deixam de enxergar o óbvio. Por exemplo, não enxergaram que o problema identitário não ia ficar restrito ao Oriente Médio e se transformaria em uma questão global, precisaram testemunhar os atentados do 11 de Setembro para acreditar.

Da mesma maneira, tiveram de ver o colapso financeiro de 2008 para entender a desordem do mundo. Os três livros mostram a importância do Oriente Médio nesses contextos. Não é que tudo tenha começado em minha terra natal. Mas o Levante tem um papel especial no mundo —é onde as três maiores religiões tiveram origem. Se tivéssemos, naquela parte do mundo, sociedades em que as pessoas vivessem juntas de forma pacífica, isso mandaria uma mensagem para o mundo de que isso é possível. O fato de o Levante passar por tantos conflitos, continuamente ao longo da história, espalha ideias e sentimentos negativos. Essa região, onde eu nasci, acabou espalhando a pior mensagem possível, de que não podemos viver juntos e brigamos o tempo todo.

A que se devem as sucessivas crises políticas que tomaram conta do Líbano nos últimos tempos?

O Líbano tinha uma grande possibilidade de ser um local onde pessoas de diferentes religiões viviam juntas, em uma sociedade moderna, e, por alguns anos, parecia que isso estava acontecendo. Mas esse arranjo entrou em colapso, e agora temos uma crise muito grave. Por quê? Bom, para começar, a situação regional não é favorável. Sempre me lembro da frase de um líder polonês, reagindo a questionamentos sobre a influência soviética sobre o seu país, que teria dito “precisamos lembrar que a Polônia não é na Austrália”.

Da mesma maneira, o Líbano não é uma ilha no Pacífico, vive em uma região problemática, onde há vários países competindo para ganhar influência. Um enorme problema é a lealdade às diferentes comunidades. É preciso transformar essa lealdade a diferentes comunidades [xiitas, cristãos e sunitas, que dividem o poder no Líbano] em uma lealdade a uma nação de todos. Os governos dividiram o poder entre as diferentes comunidades, mas o sistema de cotas revelou ser perverso, porque não deixava as pessoas superarem as lealdades a suas comunidades, as mantinha reféns dos líderes de suas comunidades.

O senhor acha que, para resolver as crises do Líbano, seria necessário acabar com o sistema de partilha de poder instituído após a guerra civil?

Eu acho o sistema ruim, mas não acredito que possa ser mudado agora. Os governos deveriam ter agido de forma diferente muitos anos atrás, formando uma sociedade em que os jovens se sentem membros da mesma nação, que querem proteger e trabalhar por sua nação. Se mudarem isso hoje, ou não fará nenhuma diferença, ou pode descambar em conflito sectário aberto, porque as pessoas estão totalmente vinculadas a suas comunidades.

A divisão de poder foi uma ideia razoável na época, fazia sentido reservar certos cargos para determinadas religiões. Assim, não haveria disputas entre cristãos e sunitas, por exemplo, pelo cargo de premiê. As disputas eleitorais seriam sempre entre integrantes da mesma comunidade, o que reduzia potencial de conflitos. Mas isso foi desenhado para ser uma medida provisória, até que a mentalidade das pessoas mudasse e elas estivessem preparadas para ter um sistema democrático mais eficiente.

Mas, em vez de preparar a população para isso, o sistema fez com que as pessoas ficassem ainda mais comprometidas apenas com suas comunidades, mais reféns dos líderes de suas comunidades que, por sua vez, aliam-se a outros países que então exercem influência sobre o país. O Líbano já foi um país diferente, onde havia um convívio entre as diferentes religiões, que preservavam suas histórias, sem perder a ideia de nação. Quando eu era jovem [o escritor deixou o Líbano no início da guerra civil, aos 27 anos], eu olhava para outros países e via o sectarismo como uma coisa arcaica, pensando que outros países deveriam mudar e ter um arranjo como o nosso. Mas o Líbano não avançou, e os outros países regrediram e se tornaram cada vez mais sectários. Está cada vez mais entranhada a ideia de que pertencimento só é definido por raça, origem. Isso é cada vez mais forte nos EUA, na Índia.

A ascensão do populismo no mundo se encaixa nesse contexto?

Sim, certamente, o populismo é uma questão de identidade. Uma das principais mensagens dos atuais líderes populistas é dizer que seus apoiadores são os únicos que são realmente cidadãos, e que aqueles que não compartilham os valores deles não são cidadãos, não são patriotas. Populismo sempre foi baseado em fomentar a divisão e hostilizar o outro, a pessoa com outra identidade. A narrativa da invasão dos imigrantes na Europa transformou totalmente a atmosfera política, deixou países como Holanda e Dinamarca irreconhecíveis.

Há esperança?

Se nos mantivermos na rota em que estamos hoje, caminhamos para um conflito inevitável entre o Ocidente e a China. Precisamos de uma abordagem diferente em relação a outras identidades. Não queremos voltar para a visão ideológica, de Guerra Fria, do século 20. Fingimos acreditar que nossa hostilidade à China tem como motivo o fato de o regime chinês prender opositores, reprimir Hong Kong. Mas vai muito além disso. A China é vista como uma ameaça à ordem global e tem muito a ver com a identidade. Precisamos evitar os erros que cometemos após a queda do muro de Berlim, quando perdemos a oportunidade de incluir a Rússia na ordem mundial.

Estamos vendo algo semelhante, o mesmo tipo de abordagem agressiva, de confronto. Isso só alimenta sentimentos nacionalistas e anti-Ocidente —como aconteceu na Rússia. O Ocidente perdeu a oportunidade de incluir a Rússia, e agora está perdendo a oportunidade de incluir a China.

Amin Maalouf, 71

Nascido no Líbano, viveu também no Egito e emigrou para a França em meados dos anos 1970, após a guerra civil eclodir em seu país natal. Membro da Academia Francesa de Letras desde 2011, o escritor franco-libanês teve sua obra traduzida para mais de 50 idiomas.

 

Dia dos Economistas

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No dia 13 de agosto se comemora o dia dos Economistas, uma data importante para todos os aqueles que se dedicam a compreender os movimentos e as flutuações do sistema econômico, entendendo os fenômenos políticos, históricos e sociais para entendermos a sociedade contemporânea. Esta profissão tem grande relevância social, embora seus profissionais perderam o status na sociedade nos últimos trinta anos, deixando de lado os instrumentos históricos, sociais e políticos, se concentrando nos estudos dos modelos econométricos, privilegiando os cálculos matemáticos, afastando-a desta ciência social. Cabe uma reflexão.

A “Indústria Americana” e o novo modelo de trabalho

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Neste período de pandemia, instabilidades, incertezas e crescentes conflitos econômicos entre as maiores economias internacionais, o filme A Indústria Americana, ganhador do melhor documentário no Oscar deste ano, analisa grandes mudanças nas estruturas organizacionais das empresas, de um lado encontramos os modelos adotados nos países asiáticos e de outro os modelos que dominaram quase todo o século XX, mas perdeu centralidade no cenário internacional, mostrando impactos culturais das organizacionais dos grandes atores da economia global, para muitos, este será o grande conflito ou geopolítico contemporâneo.

Estamos num momento de novos conflitos geopolíticos, neste momento percebemos o crescimento da China na economia internacional, uma economia que, desde os anos 1980, vem ganhando centralidade na economia global. Inicialmente, percebemos uma economia produtora de produtos de baixo valor agregado, como produtor de grandes escalas produtivas, marcados com preços reduzidos e uma gigante capacidade produtiva, levando o país a ganhar espaço na indústria global. De um crescimento econômico com mais de 10% ano nos últimos quarenta anos, o país angariou grandes somas de recursos monetários internacionais, com isso, é atualmente o grande detentor das maiores reservas mundiais, em torno dos US$ 4 trilhões, recursos que a China está dianteira das grandes aquisições em todas as regiões, desde os negócios no continente africano, na América Latina, no Oriente Médio e no continente Europeu, temendo seus concorrentes e possibilitando novas possibilidades de negócios rentáveis.

O documentário mostra um impacto dos modelos organizacionais dos dois grandes atores internacionais, um conflito cultural, econômico, político e geopolítico. O filme destaca a compra de uma planta industrial da General Motors em Dayton, Ohio, depois pela crise de 2008, que levou a empresa norte-americana a fechar a fábrica e mandar embora mais de 2,8 mil funcionários, gerando grandes impactos pelos trabalhadores e em toda a cidade, com incremento no desemprego, queda na renda das famílias e o crescimento da desesperança, gerando indicadores sociais negativos para toda a coletividade.

O documentário tem uma peculiaridade interessante, dentre os investidores deste filme está o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e a ex-primeira dama Michele Obama, que patrocinaram a ideia e levou a película para o prêmio mais importante de Hollywood, levando a estatueta e garantiu o Oscar de melhor documentário de 2020.

O filme destaca os primeiros períodos da compra da planta industrial da General Motors, adquirida pela empresa multinacional chinesa Fuyal, responsável pela produção de vidros automotivos, cujos métodos de produção e sua estrutura organizacional entram em conflitos, mostrando a precarização crescentes, a exploração dos trabalhadores, a aversão pelos sindicatos e os novos modelos de exploração industrial centrados nas chamadas empresas da indústria 4.0.

Neste filme, A Indústria Americana, percebemos que grande parte dos trabalhadores são norte-americanos, permeados por trabalhadores oriundos da própria China, com seus modelos de organização, centrado na disciplina, na rigidez, na hierarquia, no trabalho duro e os turnos elevados, salários reduzidos e sem cobertura sindical, cuja diretoria deixa claro para todos os empregados americanos que são contrários a sindicalização, que incorreria em custos elevados de produção e o corte de funcionários, aumentando o desemprego.

Percebemos que a diretoria da Fuyal, uma grande produtora de vidros automotivos, enxerga o projeto da planta industrial nos Estados Unidos como um grande desafio para a multinacional, uma forma de mostrar para as autoridades americanos como os chineses conseguem produtos com alta qualidade e com baixos preços reduzidos, colocando-a como no nível de produtividade das plantas industriais de outras regiões do mundo e, principalmente, da produtividade da empresa chinesa.

No decorrer do documentário, percebemos os conflitos organizacionais e os modelos produtivos, destacando as diferenças dos trabalhadores destes dois países, os asiáticos são magros e ágeis, flexíveis, trabalhando em cargas crescentes e disponíveis a aceitar salários reduzidos, muitos destes trabalhadores são oriundos da China, ficam distantes de suas famílias, seus pais, seus filhos e não conseguem acompanhar o crescimento de seus descendentes. De outro lado, percebemos trabalhadores norte-americanos, vistos como obesos, lerdos e poucos ágeis, sem iniciativas limitadas e descontentes com seus salários, vistos como uma remuneração baixa e cargas excessivas de trabalhos.

No decorrer do documentário, um dos funcionários americanos critica a remuneração reduzida paga pelo empregador chinês, cujos salários giram em torno de US$ 12,2 ao dia, um valor muito a quem dos salários pagos pela General Motors, ex-dona da planta industrial de Dayton, cujos valores giravam em torno de US$ 29,2 ao dia. Estes recursos monetários garantia uma qualidade de vida maior para os trabalhadores e perspectivas melhores para seus familiares, possibilidades de estudos, alimentação mais dignas e esperanças de um futuro mais promissor, todos buscando o sonho americano.

O documentário mostra como as empresas estão cada vez mais centradas em novas tecnologias, nas fábricas percebemos uma redução significativa dos empregos e, ao mesmo tempo, um incremento da produtividade e o crescimento dos lucros. Dentro da dependência, os gestores da empresa Fuyal, criticam o excesso de horas de trabalho dos trabalhadores norte-americanos, que na cultura organizacional foram contratados para cargas de trabalho de oitos horas de segunda a sexta, visto como excessivo e dispendioso, quando comparamos com as cargas na China, cujos trabalhadores possuem apenas um dia de descanso no decorrer do mês, um modelo altamente degradante e humilhante nos colaboradores.

A globalização impulsionou a economia internacional no século XX, principalmente o final da segunda guerra mundial, período marcado pelo incremento da hegemonia dos Estados Unidos, neste período os norte-americanos se transformaram no país hegemônico da economia global, criando as bases da estrutura econômica, concentrando a força industrial, além do poder financeiro baseado na moeda, na força bélica e pelo soft power, centrados na força da cultura e das instituições americanas, a democracia, da livre concorrência e da busca constante do sonho liberdade.

            Este modelo criado pelos Estados Unidos foi responsável pelo empoderamento da economia norte-americana, ganhou espaço nos países socialistas, fragilizou os interesses hegemônicos do Japão e sente a força de outro país asiático, percebendo que a China é o maior rival para a predominância da hegemonia dos Estados Unidos, levando-o a adotar políticas que sempre contestaram em outros países ou regiões, recorrendo a políticas protecionistas contra empresas concorrentes, com isso, percebendo que os ideários liberais são adotados quando lhe convém e são rechaçados quando os ameaçam frontalmente.

O documentário, mostra claramente que os Estados Unidos encontraram seu maior adversário, além de desbancar empresas norte-americanos no cenário internacional, as empresas chinesas estão ganhando espaço internamente, instalando em solos americanos, implantando as estruturas organizacionais asiáticas, adotando modelos de organizacionais do trabalho, a ojeriza pela organização sindical, o alto crescimento das horas trabalhadas, a queda dos direitos trabalhistas e salários reduzidos. Neste novo modelo organizacional, adotado pela Fuyal em solo norte-americano, percebendo um novo modelo de trabalho e estrutura laboral, com cargas rigorosas de trabalho, diminuição dos modelos hierárquicos, alta rotatividade de funcionários, redução das conversas entre os funcionários e rigorosa fiscalização dos gestores.

No documentário A Indústria Americana, destaca um momento em que uma trabalhadora negra norte-americana chora diante dos gritos e das ordens de chefes chineses, neste momento percebemos que os asiáticos descrevem os trabalhadores americanos como “preguiçosos”, trabalhando menos que os chineses e são substituídos pelos empregadores quando percebem a inaptidão do cargo, sendo trocados por trabalhadores importadores diretamente da China, mais aptos pela cultura organizacional asiática.

O documentário mostra as perseguições pelos empregadores chineses, as demissões constantes, os assédios são crescentes, principalmente para que os trabalhadores não vinculassem os sindicatos, para evitar estas organizações sindicais os chineses adotaram inúmeras medidas para pressionar os funcionários americanos, principalmente os mais novos, para que não os trabalhadores aceitem a intermediação com os sindicatos.

O modelo de trabalho destacado no documentário é assustador, ao analisar os modelos laborais nos Estados Unidos, percebemos que não é nenhum modelo de organização virtuoso para os trabalhadores, muito ao contrário. Nos Estados Unidos, o modelo é marcado por pouca regulação do trabalho, onde boa parte das pessoas realiza o trabalho intermitente (pagamento por horas trabalhadas permitindo mais de um emprego), muitas horas de trabalho, sem acesso à saúde e educação pública, e com muita restrição ao direito de livre organização sindical.  A sociedade brasileira precisa se atentar com as mudanças no mercado de trabalho, o modelo norte-americano está no horizonte das mudanças implementadas na Reforma Trabalhista de novembro de 2017, baseadas nos ideários norte-americanos, com mais redução dos custos de trabalho, facilidade da contratação e da dispensa dos trabalhadores e, principalmente, numa redução abrupta do Estado como intermediário dos conflitos entre capital e trabalho.

O documentário A Indústria Americana mostra claramente que os modelos preconizados pelos conglomerados produtivos chineses são piores e excludentes para os trabalhadores, as cargas de trabalhos são elevadas, o controle interno é crescente, os benefícios e os salários são reduzidos, as folgas são pequenas e a facilidade de demissão são mais altas, um ambiente preconizado são instáveis e incertos, gerando ambiente de desesperança e medo elevados, vivemos um ambiente de inseguranças crescentes.

O documentário não destaca uma crítica mais consistente nos modelos de trabalho que crescem em todas as regiões, o capitalismo está criando um rastro de destruição em todos os continentes, os trabalhadores estão sem proteção e percebemos um discurso de que os sindicatos são incapazes de garantir ganhos para os trabalhadores, mas percebemos que a ausência destes instrumentos de defesa aos trabalhadores apenas facilitam o controle das classes dominantes do capitalismo contemporâneo e o incremento da degradação das classes trabalhadores, com salários reduzidas, benefícios menores e cargas de trabalhos cada vez maiores. O ambiente da Indústria 4.0 poderia ser um novo momento de melhoria de todos os grupos sociais, levando-os todos a participarem dos ganhos desta nova sociedade, mas o que percebemos, é que estamos gestando uma sociedade mais segregada, desigual e centrada na exclusão social.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

‘Pandemia é resposta biológica do planeta’, diz físico Fritjof Capra

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 Autor de “O Tao da Física” relaciona desigualdade social, economia predatória e devastação ambiental ao surgimento do novo coronavírus

Fernanda Mena – folha de São Paulo, 10/08/2020

Ícone do pensamento sistêmico, o físico e ambientalista austríaco Fritjof Capra, 81, interpreta a pandemia da Covid-19 como uma resposta biológica da Terra diante de emergências sociais e ecológicas amplamenta negligenciadas. J

Segundo Capra, as mudanças de paradigma necessárias a essas emergências já são possíveis, tanto do ponto de vista do conhecimento quanto do desenvolvimento tecnológico. “Teremos a vontade política que falta?”, provoca ele, em entrevista à Folha por e-mail.

Autor de best-sellers internacionais como “O Tao da Física” e “Ponto de Mutação” (Cultrix), entre outros, o Capra articulou a física moderna a uma visão holística da vida no planeta e dos fenômenos naturais, inserindo a humanidade e suas ações nos ciclos de transformação da vida no planeta.

Capra é uma das estrelas deste ano do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, cujo tema – Reinvenção do Humano – implica um debate de múltiplas variáveis que, na visão do físico austríco, são sempre indissociáveis e interdependentes.

Diretor do Centro de Alfabetização Ecológica, com sede em Berkeley, na Califórnia (EUA), Capra desenvolveu uma pedagogia da ecologia a ser aplicada no ensino formal, primário e secundário.

Convertido em ambientalista por sua própria pesquisa, o austríaco há décadas denuncia o caráter predatório da economia global capitalista extrativista e a captura corporativa da política, que sucumbe a interesses econômicos em detrimento dos recursos naturais do que chama de Gaia —a Mãe-terra da mitologia grega que batizou uma visão do planeta como um imenso organismo vivo.

Para ele, estão equivocadas as atuais métricas do desenvolvimento baseadas no crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) a partir de uma cultura de excessos, que implica em perdas sociais e econômicas.

Em quais aspectos o momento presente pode redefinir a condição humana?

Na minha visão, o coronavírus deve ser visto como uma resposta biológica de Gaia, nosso planeta vivo, à emergência social e ecológica que a humanidade criou para si própria. A pandemia emergiu de um desequilíbrio ecológico e tem consequências dramáticas por conta de desigualdades sociais e econômicas.

Cientistas e ativistas ambientais há décadas vêm alertado para as terríveis consequências de sistemas sociais, econômicos e políticos insustentáveis. Mas até agora as lideranças corporativas e políticas teimaram em resistir a esses alarmes. Agora eles foram forçados a prestar atenção, já que a Covid-19 trouxe os avisos de antes para a realidade de hoje.

Quais paradigmas a humanidade precisa mudar e por quê?

Com a pandemia, Gaia nos trouxe lições valiosas capazes de salvar vidas. A questão é: teremos a sabedoria e a vontade política necessárias para ouvir essas lições? Mudaremos do modelo de crescimento econômico indiferenciado baseado no extrativismo para outro de crescimento qualitativo e regenerativo? Vamos substituir combustíveis fósseis por formas renováveis de energia que dêem conta de todas as nossas necessidades? Vamos substituir nosso sistema centralizado de agricultura industrial com uso intensivo de energia por um sistema orgânico de agricultura regenerativa, familiar e comunitária? Vamos plantar bilhões de árvores capazes de retirar o CO2 da atmosfera e de restaurar diferentes ecossistemas do mundo?

Nós já temos o conhecimento e a tecnologia para embarcar em todas essas iniciativas. Teremos a vontade política que falta?

Num momento em que o valor do conhecimento científico biológico e tecnológico se mostram tão importantes, qual é o papel das humanidades?

Isso está diretamente relacionado a sua pergunta anterior. Se temos todo o conhecimento científico e tecnológico para construirmos um futuro sustentável, porque não o fazemos simplesmente?

Quando refletimos sobre essa questão crucial, rapidamente percebemos que o nível conceitual não conta toda essa história. Nós também precisamos lidar com valores e éticas, e é por isso que as ciências humanas são mais importantes do que nunca. Literatura, filosofia, história, antropologia podem todas nos imbuir do compasso moral que tanto falta à política e à economia atuais.

Índices de desmatamento têm aumentado na Amazônia brasileira. Quais são os incentivos para isso?

Esses crimes são uma consequência direta da obsessão com o crescimento econômico e corporativo. A devastação de grandes áreas de florestas tropicais é impulsionada pela ganância de corporações multinacionais do setor de alimentação, que buscam incansavelmente lucro e crescimento.

Se o que chamamos de progresso foi atingido às custas de danos ao meio ambiente, nossa ideia de progresso está errada?

A crença em um progresso contínuo e, em particular, a obsessão de nossos economistas e políticos com a ilusão de um crescimento ilimitado em um planeta finito constituem o dilema fundamental que permeia nossos problemas globais.

Isso equivale ao choque entre o pensamento linear e os padrões não lineares da nossa biosfera —a interdependência dos sistemas ecológicos e os ciclos que constituem a teia da vida. Essa rede global altamente não linear contém inúmeras alças de retroalimentação por meio das quais o planeta se regula e se equilibra.

Nosso sistema econômico atual, ao contrário, parece não reconhecer a existência de limites. Nele, um crescimento perpétuo é perseguido incessamente através da promoção do consumo excessivo e de uma economia do descarte que usa de maneira extravagante tanto recursos como energia, aumentando a desigualdade econômica.

Esses problemas são exacerbados pela emergência climática global, causada pelas tecnologias de uso intensivo de energia e baseada em combustíveis fósseis.

Com a pandemia, projeções apontam para o aprofundamento das já marcantes desigualdades sociais de nosso tempo. O que as produziu e como reverter esse processo?

O aprofundamento das desigualdades é uma característica inerente ao sistema econômico capitalista de hoje. O chamado “mercado global” é, em verdade, uma rede de máquinas programadas de acordo com o princípio fundamental segundo o qual ganhar dinheiro tem primazia sobre direitos humanos, democracia, proteção ambiental.

Valores humanos, no entanto, podem mudar porque eles não são leis naturais. A mesma rede eletrônica de fluxos financeiros pode ter nela embutidos outros valores. O ponto crítico não é a tecnologia, mas a política.

Há sinais de mudanças neste sentido na política de hoje?

Uma nova liderança começou a emergir recentemente em uma série de movimentos jovens muito potentes, como Sunrise Movement, Extinction Rebellion, Fridays for Future, entre outros.

Há também a ascensão de uma nova geração de políticos, curiosamente formada por mulheres, como a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinta Arden, a primeira-ministra da Finlândia, Sanna Marin, ou a congressista [democrata] norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez.

A crise atual prescreve nossa percepção de soberania e de globalização? Como?

Com certeza absoluta! Para prevenir o alastramento da pandemia, agora e no futuro, teremos de reduzir densidades populacionais excessivas, como ocorre no turismo de massa e em condições de vida marcadas pela superlotação. Ao mesmo tempo, necessitamos de cooperação global.

A justiça social se torna uma questão de vida ou morte durante uma pandemia como a da Covid-19. E ela só pode ser superada por meio de ações coletivas e cooperativas.

Seu trabalho explorou a interconectividade entre as ciências e os conceitos e filosofias considerados não-científicos. Como esse diálogo complexifica nosso entendimento do planeta e da humanidade?

Eu me formei como físico e fiquei fascinado pelas implicações da física quântica, que nos mostra que o mundo material não é uma máquina gigante mas uma rede inseparável de padrões de relações. Durante os anos 1980, minha pesquisa virou para a área das ciências da vida, da qual tem emergido um novo conceito sistêmico que confirma a fundamental interconectividade e interdependência de todos os fenômenos naturais.

Quando nós entendemos que compartilhamos não apenas as moléculas básicas da vida, mas também princípios elementares de organização com o restante do mundo vivo, percebemos o quão firme estamos costurados em todo o tecido da vida.

O que você aprendeu com a pandemia?

Tem sido incrível para mim ver como o coronavírus expôs tantas injustiças ecológicas, sociais e raciais omitidas por décadas pelas mídias de massa.

Também fiquei espantado de ver como, em um curto espaço de tempo, a poluição quase desapareceu da baía de São Francisco, na Califórnia (EUA), onde eu vivo, assim como ocorreu em várias das grandes cidades do mundo. Isso me encheu de esperança quanto à capacidade da Terra de se regenerar.

 

A desigualdade e o mito de que qualquer um pode virar trilhardário

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Livro ‘Capital e Ideologia’, de Thomas Piketty, tem pesquisa de alcance histórico e geográfico maior que seu título anterior

Folha de São Paulo, 08/08/2020

Ninguém tira de Thomas Piketty o condão de ter posto a desigualdade no centro do debate econômico. Publicado em 2013, “O Capital no Século 21” foi traduzido para 40 línguas e vendeu 2,5 milhões de exemplares. Veio para ficar.

Com mais de mil páginas, centenas de gráficos e tabelas, cifras de tirar o fôlego, e escrito com objetividade, o livro deu sentido ao progresso. A saber: depois de um século de genocídios e revoluções, de um incremento tecnológico nunca visto antes, a concentração do capital é hoje a mesma da belle époque. Regredimos.

O século das guerras mundiais, às quais se seguiram a Guerra Fria e a implosão soviética, resultou num mundo semelhante ao da década que precedeu os tumultos. A concentração da riqueza é igual à dos anos 1910 —riqueza essa produzida por bilhões de miseráveis e remediados em benefício de um pugilo de nababos.

Piketty volta à carga com “Capital e Ideologia” (ed. Intrínseca, 1.053 págs.). É uma sequência do livro anterior, mas com uma pesquisa de alcance histórico e geográfico maior. Vai-se da Revolução Haitiana à Guerra Civil Americana e ao New Deal; da independência indiana ao pós-comunismo e aos governos do PT.

O primeiro “O Capital”, o de Marx, começa com a produção —o primeiro capítulo é sobre a mercadoria— para depois investigar a sua circulação e chegar ao sistema capitalista. Já “Capital e Ideologia” se centra na distribuição do capital, na desigualdade, e põe em xeque o ideário que a legitima.

A desigualdade é analisada na Revolução Francesa; em sociedades escravistas e coloniais; no pós-Guerra do século 20; e na atualidade. Social-democrata, Piketty concluiu sua pesquisa com uma receita: taxação
pesada dos ricos, de suas propriedades, lucros e heranças.

Não é preciso concordar com o receituário para usufruir do livro. Ele funciona como uma série de monografias sobre situações diversas no tempo e no espaço —algumas convincentes e outras não. Em todas, se procura investigar como um grupelho de proprietários disseminou a crença que a desigualdade é não só natural como positiva.

O pilar ideológico da crença é a meritocracia —para Piketty um “conto de fadas”. Trata-se do mito que, no capitalismo, qualquer um pode virar trilhardário. No altar-mor da devoção fica a santíssima trindade de Mark Zuckerberg (Facebook), Jeff Bezos (Amazon) e Bill Gates (Microsoft).

A meritocracia despreza o colossal esforço humano, o empenho social secular e a legislação em causa própria que permite aos novos paxás o acúmulo astronômico de capital.

Enfatiza os indivíduos, as garagens na Califórnia onde seres iluminados descobriram a pedra filosofal do dinheiro que gera dinheiro. E sublinha a sua filantropia, a generosidade com que jogam migalhas aos desvalidos. Como são bonzinhos. Desde que não lhe toquem no tesouro.

A mitificação dos megarricos —que no Brasil se manifesta no culto brega a Jorge Paulo Lemman, o maioral escutado como um sábio até quando manda um zé mané lhe engraxar os sapatos— só existe devido a mecanismos financeiros que espoliam o planeta.

O primeiro deles é a desregulamentação do lucro e a sua livre circulação. Ele foi obra do arraso neoliberal de Reagan e Thatcher —louvados em prosa e verso por economistas e devotos do livre mercado, ambos muito bem pagos.

O mecanismo é complementado pelos paraísos fiscais. Offshores, bancões e banquinhos fraudam fiscos nacionais numa boa. Papéis do Panamá, contas secretas na Suíça, ações e derivativos que pulam de Bolsa em Bolsa garantem sombra e água fresca —e jatinhos, helicópteros e apartamentos na Flórida— aos donos da cocada preta.

Piketty nota que a ideologia meritocrática não está isenta de preconceitos. Os bilionários ocidentais são tidos por empreendedores afortunados. Já os russos são chamados de oligarcas; os africanos, de cleptocratas; os árabes, de sheiks. E assim se fermentam disputas nacionais por mercados.

Em outros termos, que “Capital e Ideologia” não usa: a burguesia é internacional, mas com raízes nacionais. Elas estão cravadas em territórios onde multidões extraem riqueza material, de cujo trabalho a classe dominante se apropria.

Distributivista, Piketty também não tem no seu léxico o verbete “exploração”. Acredita que uma reforma tributária radical e internacional poderá construir uma nova ordem, a do “socialismo participativo”. Ele não está à vista. A alternativa mais evidente é a pauperização, o salve-se quem puder. Quem viver verá.

Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de “Notícias do Planalto”.

 

Uberismo é a total desumanização das relações trabalhistas, por Esther Solano.

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Carta Capital, 02/08/2020.

Há palavras cuja sonoridade é aparentemente inócua, cuja grafia parece inocente, insuspeita, mas basta ir um pouco além da fisionomia ortográfica para entender os infernos que escondem. Uberismo seria uma das mais recentes formas de exploração da forma de trabalho, consistente numa hiperexploração dos trabalhadores por meio de plataformas. Um emaranhado algorítmico pensado para arrancar direitos trabalhistas na forma de startup jovem, de sucesso, vibrante, lucrativa. Recomendo a leitura atenta do que escreve o professor Ruy Braga, da USP, excelente pesquisador na área sobre as ameaças brutais da “plataformização” do trabalho ou a tirania à qual as novas tecnologias digitais submetem a vida dos trabalhadores mais precarizados.

É a total desumanização das relações trabalhistas. Não há um patrão de carne e osso, não existe um departamento de recursos humanos, muitos sindicatos rejeitam representar essas categorias. O contato com o “cliente” resume-se, muitas vezes, a uma entrega rápida e insensível, com um portão com grades no meio de dois indivíduos, que no momento estão a centímetros de distância, mas cujas mãos apenas se tocam e cujas vidas se tocam menos ainda. Não há direitos, não há humanidade.

Um país como Brasil é o ambiente perfeito para esse processo de uberização da vida. Milhões de trabalhadores informais, uma pauperização crescente, um exército de jovens sem formação, a volta da miséria, o desmonte incessante dos direitos trabalhistas desde o governo Temer e agora a tragédia bolsonarista. No Brasil, a carne do trabalhador precarizado se vende barata. Muito barata.

Uber, Ifood, Rappi, o mundo do trabalhador escravizado pelo algoritmo que, em tempos de crise, absorve, engole milhões de profissionais sem expectativas. São os descartáveis. Mas, paradoxos de uma vida fortuita, os descartáveis viraram essenciais na pandemia. O número de entregadores antes do coronavírus era de 280 mil. Depois da pandemia, passaram a 500 mil. São números impressionantes: 500 mil indivisíveis que entregam comida, mas cujas famílias passam fome ou convivem com ela. São 500 mil. Mais gente, menos lucro.

O estudo “Condições de Trabalho de Entregadores Via Plataforma Digital Durante a Covid-19” identificou as jornadas de trabalho maiores e a queda nos rendimentos de 58,9% dos entregadores. Segundo a pesquisa, cerca de metade recebia até 520 reais por semana antes da pandemia. Depois, 71,9% declararam receber até 520 reais, e 83,7% até 650 reais. “É possível aventar que as empresas estão promovendo uma redução do valor da hora de trabalho dos entregadores em plena pandemia”, descreve o relatório. E ainda tem gente que diz que o coronavírus é democrático, afeta igual a ricos e pobres. Contem-me outra piada.

Não se preocupe. O entregador é microempresário, empreendedor. Não é pobreza, é um processo de sucesso individual. Os entregadores não são trabalhadores, são “parceiros” das plataformas. Os jovens que se endividam para comprar uma moto investem no seu futuro. Num país como Brasil, o discurso da meritocracia mata, assim como matam as motos dos entregadores cansados de trabalhar durante mais de dez horas por dia. Entre março e maio deste ano, 87 morreram na capital paulista.

“Agora dão duas opções para quem é pobre, morrer na rua de corona ou em casa de fome. Entre morrer em casa e morrer na rua, eu prefiro nenhuma das duas.” Esta sentença demolidora do Rap dos Informais é a que melhor define a situação da população mais pobre no Brasil. Drama por todos os lados. Em casa, fora dela, na moto, sem ela.

Mas a exploração tem seus limites. Os explorados também explodem. Os invisíveis se cansam da invisibilidade. As greves de entregadores e a formação dos Entregadores Antifascistas são focos de luz nas trevas. Entre as exigências dos trabalhadores estão reajuste de preços, entrega de EPIs para trabalhar com mais segurança durante a pandemia, fim dos bloqueios indevidos, demanda de auxílios ou licenças de saúde e acidente, questionamentos com relação a programas de pontos realizados por algumas plataformas. Dignidade para os que são tratados com indignidade. É a revolta dos de baixo, dos que passavam despercebidos e hoje se tornaram essenciais.

Todo o meu respeito, todo o meu apoio.

#BrequeDosApps.

Basta que o capital pense: a vida não vale o preço de uma entrega.

 

O MEC não sai do lugar, por Arnaldo Niskier.

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Folha de São Paulo, 04/08/2020.

Tragédia anunciada: sem planejamento e gestão, os resultados serão pífios

Estamos com um número incrível de analfabetos. O Ministério da Educação, teoricamente, tem uma Política Nacional de Alfabetização (PNA), mas, na prática, o assunto não evoluir. Ainda discutimos questões de método, debatendo virtudes ou defeitos do que chamamos de fônico, que é um modelo que privilegia a associação entre letras e fonemas.

Há mais de 40 anos não havia essa dúvida. O programa do livro didático aprovou uma cartilha, com o nome de “Davi, meu amiguinho”, de autoria da professora Eunice Alves, produzida pela Bloch Editores, que adotava, com muito sucesso, o método fônico. Depois disso, o processo sofreu uma tremenda regressão. Em consequência, nossas crianças chegam ao 3º ano do ensino fundamental com sinais claros de que não haviam sido devidamente alfabetizadas. Nada evoluirá corretamente sem a participação devida de estados e municípios, hoje ausentes do processo. A capacidade de coordenação do MEC é praticamente nula.

Temos no papel o chamado “Plano Nacional de Educação”. É inacreditável como os seus 20 temas estão sendo desconsiderados nos meios oficiais, como se pudessem navegar neste mar revolto sem bússola. A alfabetização é apenas um dos itens, de maior ou menor relevância, mas temos outros para pautar. Com o pormenor agravante, depois da pandemia de Covid-19, de que os recursos, que já eram escassos, vão rarear ainda mais.

Vamos precisar de um robusto Plano Marshall para a nossa recuperação econômica. Mas o curioso é que, do grupo constituído pelo governo Jair Bolsonaro, não são conhecidos os grandes especialistas que cuidarão da educação, como se ela não tivesse importância.

Como se dará a transição para a fase em que se deverá adotar um sistema híbrido de ensino, harmonizando o presencial com o virtual? Haverá professores para isso tudo? Bem preparados?

Não existe uma política de formação docente sistêmica. Na verdade, falta minimamente articulação entre secretarias estaduais e municipais de Educação e os órgãos do MEC envolvidos no assunto, como é o caso do Inep. Tudo é levado de forma periférica, sem o aprofundamento devido.

O atendimento a deficientes se faz de modo precaríssimo, e a formação de professores para atender ao ensino médio é uma das nossas grandes vulnerabilidades. Sem o planejamento e a gestão devida, mesmo que se consiga o milagre de levantar recursos financeiros, do jeito que as coisas caminham os resultados serão pífios. Uma tragédia anunciada.

Arnaldo Niskier. Professor, jornalista, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e presidente do Conselho de Integração Empresa-Escola Rio (CIEE-RJ)

Desemprego, desestruturação econômica e concentração de renda

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Recentemente a Organização Não Governamental Oxfam divulgou um relatório destacando que os bilionários brasileiros tiveram um incremento de suas fortunas em US$ 34 bilhões, com isso, a pandemia nos mostra como a sociedade brasileira se chegou a uma situação de extrema desigualdade e exclusão social, onde metade da população está recebendo o auxílio emergencial do governo federal, que garantiu R$600 reais para aqueles que sofreram os impactos negativos da pandemia, sem este auxílio muitos indivíduos teriam grandes dificuldades de sobrevivência e seus constrangimentos sociais seriam mais acentuados, gerando mais degradação social, mais incremento na violência urbana e desesperanças generalizadas, vivemos num momento temerário de medos e instabilidades crescentes.

A pandemia está gerando grandes dificuldades na sociedade mundial, as quedas econômicas se espalharam em todas as regiões, nos Estados Unidos a queda de 32% do PIB foi histórica, as quedas na Europa foram na casa ultrapassou os 10%, com isso, o  covid-19 acentuou as dificuldades econômica global, levando os países a uma recessão, um incremento no desemprego, aumento nas dívidas públicas, endividamento das empresas privadas, falências generalizadas e dificuldades políticas, levando a impactos preocupantes.

O CEO e criador da Amazon, Jeff Bezos, bilionário norte-americano registrou no mês passado o maior aumento de riqueza que um indivíduo já viu na Terra em apenas um dia, sua fortuna cresceu US$ 13 bilhões, se continuar assim, ele se tornará o primeiro trilionário do mundo em 2026, um recorde histórico e ainda mais, quando percebemos que o capitalismo contemporâneo está gerando um exército global de pobres, miseráveis e desigualdades crescentes em todas as regiões, desde os países ricos até nos países pobres.

No caso brasileiro, percebemos os impactos econômicos são violentos e assustadores, exigindo uma união de todos os entes federados, desde o governo federal, os governos estaduais e os entes municipais, sem esta união, a reconstrução trará mais instabilidades e incertezas, com repercussões sobre o emprego, gerando mais desemprego e subemprego, com isso, percebemos desajustes na arrecadação de impostos e pressões sobre os gastos públicos, como forma de reduzir os problemas sociais para toda a coletividade.

O crescimento do desemprego pode ser visto como um dos maiores desafios da sociedade contemporânea, no caso brasileiro, percebemos que o desemprego cresce de forma acelerada desde 2016, com poucas ações ativas e estruturadas para reverter este ambiente, muitos acreditam que o espírito empreendedor deve ser o instrumento mais efetivo para retirar a economia nesta situação, mas num ambiente marcado por grandes limitações estruturais e conjunturais, a reversão deste desemprego se mostra muito lento e pouco efetivo.

A crise do covid-19 deve levar a maior queda do padrão do poder de renda do país desde a década de 1940, quando começou a série histórica acompanhada pelo IBGE. Segundo os dados do instituto, neste ano a queda esperada será de 6,7% do produto interno bruto, com isso, percebemos que mais da metade dos brasileiros perceberam que está em uma situação pior do que antes da pandemia, até então, o maior recuo havia em 1981, nesta pandemia estamos percebendo que o governo está conseguindo fazer história.

Segundo os levantamentos da Conferência Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), de 2011 a 2020, o PIB per capita deve recuar 8,2% ante uma alta de 28% na década anterior, marcado pelo boom dos preços dos commodities, como a soja e o petróleo, que impulsionaram o crescimento econômico do país, aumentando a inclusão social e um incremento de políticas públicas que transformaram a sociedade brasileira.

Outro dado relevante divulgado pelo Instituto Locomotiva, a pedido do jornal O Estado de São Paulo, mais de 54% dos brasileiros afirmaram que o padrão de vida piorou, seis em cada dez deles estimam que vão levar mais de um ano para reconquistar o que tinham. Outros dados divulgados nestes dias nos levam a grandes instabilidades e incertezas, os planos de saúde perderam mais de 285 mil clientes, ficando com 46,8 milhões de usuários, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), dados preocupantes, estas pessoas migram diretamente para o Sistema Único de Saúde (SUS), impactando diretamente sobre os gastos de saúde e piorando os serviços, num momento de pandemia, crescimento de infectados e desesperanças.

O setor da educação, percebemos um incremento na inadimplência em todas as instituições privadas, aumentando o desligamento de professores e profissionais ligado ao ensino, desde as escolas infantis, do ensino médio e superior. Nas escolas da cidade de São Paulo, segundo os dados do Sindicatos dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Seeesp), percebemos um aumento na inadimplência era de 32,1%, impacto direto no aumento do desemprego e da redução de salários dos pais, levando seus filhos a matricular-se em escolas públicas, sabidamente mais atrasados das escolas privadas, fragilizando a formação de seus filhos e reduzindo as chances do mercado de trabalho, marcados por um ambiente mais competitivo e centrado na tecnologia, no conhecimento e no desenvolvimento científico.

O desemprego é um verdadeiro flagelo para a sociedade, são recursos produtivos que estão sendo inutilizados, pessoas que perdem suas dignidades, sem empregos formais, sem direitos decentes os indivíduos são obrigados a se sujeitarem a péssimas condições de vida, sobrevivendo a custas de migalhas e perpetuando uma condição de indignidade, sem oportunidades e desesperanças. Em pleno século XXI, um país como o Brasil, extremamente rico e dotado de riquezas variadas, esta condição de desemprego e de subemprego impede o indivíduo a viver uma cidadania ativa, sem direitos mínimos. Neste ambiente, a pandemia nos mostra claramente como estamos cultivando um genocídio com nossa população, uma ferida que cresce de forma acelerada e cujos impactos seriam sentidos nos próximos anos e todos somos responsáveis por este morticínio.

Uma discussão sobre a questão do desemprego no Brasil nos leva a perceber claramente o fosso social que existe entre os diferentes tipos de empregos e da rentabilidade do setor público. Como destaca Marcos Mendes analisando dados de 2013, percebemos que o Judiciário brasileiro é o que mais gastam no mundo: US$ 130 por habitante, contra US$ 35 no Chile, US$ 19 na Argentina e US$ 16 na Colômbia. O poder é tão flagrante no caso judiciário brasileiro, que os advogados do setor público, detentores de estabilidade e de salários elevados e garantidos, conseguiram, através da Lei 13.327/2016, estendeu as práticas dos “honorários de sucumbências”, mais um privilégio que garantiu mais de R$ 550 milhões em 2019, com isso, percebemos castas dotadas de grandes salários, uma pequena parte do funcionário público federal ganha remunerações absurdas em detrimento de uma grande parte dos trabalhadores, que ganham salários reduzidos e arrochados, desta forma fica claro a distância entre as remunerações no funcionários do judiciário e do Legislativo e dos outros setores da União.

As políticas desenvolvidas pelo governo federal em prol do emprego são tímidas e limitadas, concentrando seus argumentos nas dificuldades do setor público nacional, com isso, reduz os investimentos públicos e limita os gastos em obras, infraestrutura e novas políticas públicas, principalmente neste momento de pandemia, adotando uma austeridade que dura muitos anos, matando os grupos mais fragilizados da sociedade, aumentando o contingente de trabalhadores desempregados, crescendo o subemprego e a informalidade, com números elevados de excluídos, sem planejamento econômico e sem perspectivas de combate a desigualdade crescente na sociedade brasileira.

Neste ambiente de pandemia, crises sanitárias, recessão econômica e crescimento da desigualdade social, faz-se necessário uma política de investimentos públicos nas mais variadas áreas e setores da sociedade, sem estes investimentos liderados e capitaneados pelo governo federal e em concomitância com os governos estaduais e municipais, e das empresas estatais, marcados por planejamento público, com ampla atuação dos bancos públicos, não apenas na Caixa Econômica Federal, mas também direcionado e fomentado pelo Banco Nacional Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), instituição fundamental e imprescindível para fomentar os investimentos governamentais e na construção de um ambiente de cenários positivos nos anos vindouros. O Banco do Brasil também tem um papel central e fundamental, sua capacidade de investimentos na sociedade nacional, auxiliando setores dinâmicos como o agronegócio são imprescindíveis, além de impulsos nos setores da classe média, atolada em dívidas e carentes de recursos novos para gastos importantes para movimentar os setores produtivos, atuando nas empresas micros, pequenas e médias, responsáveis por mais de 90% dos empregos na sociedade nacional.

Uma política ambiciosa deve constar os investimentos nas áreas educacionais, novos créditos para as faculdades e universidades, além de escolas do ensino médio e fundamental, setores que passam por grande insolvência, sem créditos e sem perspectivas, cujos recursos não estão chegando, levando muitos empresas educacionais a bancarrota, matando um setor importante para o desenvolvimento da sociedade nacional, responsáveis por empregos qualificados, altamente qualificados e de mão-de-obra marcados pela criatividade e pela flexibilidade, palavras centrais para um momento caracterizado pela Quarta Revolução Industrial.

Desde os escritos de John Maynard Keynes, o mundo passou a conhecer novos instrumentos de recuperação econômica, naquela época os manuais tinham dificuldades na geração de novos empregos para o soerguimento da economia. Com o economista inglês e seus escritos, o mundo percebeu a importância dos investimentos públicos para alavancar a economia nacional, neste instante, percebemos que não vamos conseguir retirar a economia deste imbróglio sem os gastos públicos, as obras infraestruturas, nos empréstimos para os setores produtivos e estímulos para os grupos nacionais necessitados e carentes de recursos monetários. O ambiente é propício para um planejamento nacional, onde os setores devem somar esforços para a recuperação da sociedade nacional, sem esta atuação contínua dos grupos nacionais e uma política geral de integração dos grupos produtivos, as faturas aparecerão de forma acelerada com crescimento das desigualdades, da exclusão social, no desemprego crescente e o enterrando do sonho de sermos o país do futuro.

 

 

 

 

 

 

 

Ganhos materiais e alterações fundamentais..

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O Brasil vive um momento de grandes incertezas e instabilidades nos próximos meses, o crescimento no desemprego e no subemprego geram desafios enormes na sociedade, constrangendo a nação e colocando o governo no centro das discussões. De um lado encontramos o governo federal ganhando os louros com o auxílio emergencial, aumentando os apoios nos grupos mais carentes, disponibilizando R$ 600,00 para uma parcela imensa da sociedade, mostrando-nos que os indicadores de pobreza e desigualdade são assustadores. De outro lado, percebemos que o governo está restringindo a gestão da saúde, da educação, dos serviços assistenciais, das políticas urbanas de moradia, das ações no campo cultural, entre as principais, encontram-se em estado deplorável. Melhoras nos programas sociais são positivas e urgentes, mas faz-se necessário, que venham acompanhadas de melhorias das políticas públicas e dos investimentos sociais, algo que nos parece distante dos pensamentos dos grupos que comandam os formuladores das políticas econômicas.

O país das reformas…

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O governo insiste nas chamadas reformas estruturais para reativar a economia brasileira, desde os anos 90 os mais sucessivos governos estão buscando implementar novas políticas e reformas econômicas, estimulando as Privatizações nos anos 90, as Reformas Previdenciárias, as Reformas Trabalhistas, as Reformas Tributárias, dentre outras. Todas estas medidas são necessárias e urgentes, mas os resultados são sempre tímidas e insignificativas, diante disso, passou da hora de termos uma discussão mais civilizada, revendo os impostos e canalizam mais tributação para os grupos que mais ganham, desonerando a produção e o consumo e canalizando esforços nos tributos nos rendimentos, nas heranças e nas rendas, desta forma se consegue melhorar o perfil dos contribuintes e criando novos espaços para uma diminuição das desigualdades, um dos países mais desiguais do mundo.

Nova cédula de Real

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Em pleno decurso do século XXI onde surgem novas moedas virtuais, robôs e tecnologias no mercado financeiro e novos instrumentos de pagamentos, o Banco Central do Brasil está colocando em circulação uma nova cédula, está nascendo a nota de R$ 200,00, mas uma forma de entender a sociedade, sempre na liderança do atraso e no flerto com o saudosismo.

 Educação e Economia para o mundo contemporâneo

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A economia mundial nos últimos anos está cada vez mais centrado nas questões utilitaristas, criando necessidades nos indivíduos diretamente ligadas ao consumo de bens, serviços e mercadorias, criando novos interesses cotidianos e desejos imediatos. Neste momento da contemporaneidade, deixamos de lado o planejamento da vida e da organização das relações sociais, somos cada vez mais direcionados e estruturados dentro das noções daquele que chamamos de mercado, agentes que dominam o mundo contemporâneo, controlando os recursos financeiros, materiais e monetários, o poder político, os gostos e comportamentos, transformando os indivíduos em marionetes de grandes econômicos e políticos, dotados de grande força de convencimento e de dominação.

Na sociedade mundial, todos os momentos ouvimos discursos bem estruturados e grande capacidade de emoção, estimulando o espírito empreendedor e a visão transformadora, agregadora e de grande potencial de liderança, um discurso imensamente bem sucedido e nos trará um sucesso no mercado, com produtos ou serviços diferenciados. Neste discurso, muitos absorvem este pensamento e conseguem angariar recursos e transformando suas vidas e de todos que convivem com estes, passando a ser exemplo vivo do potencial do empreendedorismo.

A visão dominante está centrada nos valores do utilitarismo e do imediatismo, estes valores estão transformando a educação da contemporaneidade, estamos vivendo um sistema educacional baseado nas apostilas, nos resumos e nas resenhas, como se vivêssemos em uma sociedade onde os especialistas estão estudando as orelhas dos livros, nada de conhecimentos mais elaborados e estruturados, encontramos uma visão mínima dos conhecimentos cotidianos, sem leituras consistentes e olhadas cotidianas nos materiais de autoajuda e romance água com açúcar, sem enredo e sem capacidade de reflexão.

Nesta chamada época do Conhecimento, as escolas estão se esforçando para oferecer mais cursos e mais variados, com valores monetários cada mais acessíveis para rechear os currículos dos profissionais, vários destes cursos devem ser vistos como obscuros e sem importância, vendem apenas diplomas e certificados para garantir alguns parcos salariais, sendo que, na maior parte das empresas estes cursos são desconsiderados como forma de evolução profissional. Nesta sociedade, a educação se torna cada vez mais um grande produto comercializável por empresas de diploma e certificações, sem entender nada de educação, liderados por empreendedores, gestores com visão de liderança e forte capacidade de agregação e ampla capacidade de comunicação, gerando este negócio em espaços altamente lucrativo e rendável, com ações nas Bolsas nacional e internacional, e recursos gigantescos, crescente rapidamente, comprando outras escolas e faculdades, no início nos centros das capitais e, na atualidade, crescem de forma acelerada das escolas e universidades nas cidades do interior, monopolizando e controlando os mercados do chamado conhecimento.

                A economia contemporânea está dominando todos os setores da vida, suas visões estão comandando as mentes e transformando os valores do capital em valores dominantes. A gestão, instrumento criado para organizar as atividades econômicas e sociais da sociedade, vem transformando a sociedade, seus valores estão centrados no imediatismo, no egoísmo e na ganância, estimulando os comportamentos e os sentimentos mais reacionários e negativos dos indivíduos, com isso, percebemos uma sociedade cada vez mais degradante economicamente e marcados pela desigualdade, pela exclusão e pelas violências que espalham para todos os países e nações do mundo, desde os países mais pobres até os países desenvolvidos e industrializados.

A mentalidade dominante da gestão está centrada no imediatismo, as técnicas visam sempre o incremento da rentabilidade, os ganhos materiais, os lucros estratosféricos, recursos que se concentram em uma pequena parte da sociedade, para absorver estas somas abundantes, os grupos mais abastados se utilizam nos grupos intermediários, trabalhadores que estão nas camadas médias da coletividade, pessoas treinadas e remuneradas para sentir e vivem como se fossem parte da elite, infelizmente são apenas capachos dos grupos dominantes, defendem ideias e valores que estão distante de suas vidas, recebem uma remuneração considerável e com estes recursos compram seus valores e seus pensamentos críticos, acabando com sua capacidade reflexiva, defendem uma ideia equivocada e se esquecem dos seus iguais, seus grupos sociais e suas identidades sociais, perpetuando a exploração da sociedade contemporânea.

Nestes grupos encontramos gestores, profissionais liberais, advogados, economistas, administradores, engenheiros, professores, dentre outros, são grupos mais capacitados intelectualmente, ou melhor, pessoas dotados de maiores conhecimentos na sociedade contemporânea, estudam mais que a população e, diante disso, acreditam ser diferentes, mais éticos, conscientes e se veem como pessoas de bem, cultivam um ignorância e hipocrisia inomináveis, com isso, contribuem para a perpetuação das desigualdades sociais e as exclusões e ausência das cidadanias.

As escolas, as universidades e as faculdades estão inseridas neste ambiente, a educação que para muito é um instrumento de ascensão e social e de transformação, perdeu a capacidade de renovação da sociedade, os professores perderam o brilho da reflexão, nestas andanças percebemos professores pouco capacitados, ausentes nas conversações cotidianas, as leituras inexistem, muitos deles nunca carregam um livro, não compram novos livros e correm para as bibliotecas antes dos alunos quando querem ler alguma obra, gastam muitos recursos em quinquilharias desnecessárias e deixam de lado uma aquisição, desconhecendo os autores mais renomados, se capacitando apenas em apostilas ou em resumos escolhidos num site de busca, estamos caminhando a passos largos para a catástrofe e para insignificância como civilização.

Desde os primórdios do capitalismo industrial, século XVIII, centrados na meritocracia e na ascensão social, sempre evocado pelos seus defensores, que viam a educação como o instrumento fundamental para angariar nosso crescimento social, seu incremento salarial e seus rendimentos monetários perdem espaço no mundo contemporâneo. Na sociedade, a ascensão social está sendo colocada em xeque, fragilizando o conceito de meritocracia, deixando uma parte dos grupos sociais mais fragilizados distante da ascensão social, como propagandeavam os defensores da meritocracia. Neste sociedade, percebemos que os setores dominantes da sociedade, dotados de recursos financeiros e influências políticas, perpetuam nos lugares de comando, comandando os grandes cargos da estrutura e das instituições governamentais, os cargos do judiciário, do legislativo e empresas estatais, com isso, percebemos um poder concentrado em poucas mãos, perpetuando as desigualdades e as explorações, incrementando o racismo estrutural, as pobrezas e as destruições sociais.

O discurso dominante sempre legitimou os defensores do sistema capitalista e da concorrência, onde os melhores conseguem os melhores postos na sociedade, são os ganhadores nas estruturas sociais, os esforços são recompensados pelos membros da classe média, investem seus rendimentos no estudo de seus filhos nas escolas privadas e, garantem vagas nas universidades de ponta, garantindo oportunidades num futuro vantajoso, formando uma classe média despolitizada, imediatista e fortemente reacionária, transformando-os em grupos radicais e agressivos, sem capacidade de discernir que a defesa destas gerará novos constrangimentos num futuro próximo.

De outro lado, percebemos uma massa crescentes de pessoas que percebem que os ensaios de ascensão social e a meritocracia estão cada vez mais distantes, sem saneamento básico, sem ruas asfaltadas, sem escolas, sem internet e sem professores pouco capacitados, sem perspectivas de um futuro melhor, sem oportunidades de sonhar e na perpetuação crescentes de um horizonte sombrio, sem brilho e sem dignidade.

A pandemia expõe as nossas misérias sociais mais íntimas, neste ambiente deveria ser construída uma união social em prol dos interesses coletivos, fortalecendo o significado do conceito de nação, percebemos grupos defendendo pensamentos individualistas, egoístas e imediatista, radicalizando uma ideologia degradante e ultrapassada, numa crítica constante da ciência e da defesa da radicalidade. Sem argumentos científicos e defensores de fake News, levando-nos a um ambiente de obscuridade, de mortes e de degradações. Neste ambiente, estamos caminhando para mais de 100 mil óbitos, num ambiente de medos constantes e de desesperanças que levam seus familiares a enterrar seus mortos, abrindo mão de momentos fundamentais de proximidade, sem memórias, sem lembranças e com fortes cargas de angústias crescentes.

Neste ambiente de caos generalizado, as instituição que regulam e fiscalizam as entidades educacionais estão sendo degradadas, os controles são emitidos por entidades privadas, ou melhor, controlados por grandes grupos educacionais, mais abastados e mais dotados de recursos monetários e financeiros, com isso, atuam de forma a consolidar o setor educacional como um dos mercados mais rentáveis e lucrativos, sem exigências de qualidade, sem professores qualificados e sem titulações, substituindo os professores experientes e capacitados por robôs e inteligência artificial. Neste ambiente, percebemos o aumento dos exércitos de professores desempregados ou subempregados, os poucos que conseguem manter seus empregos nas escolas e nas universidades devem ter seus rendimentos reduzidos imensamente, com cargas elevadas de trabalho, ambientes marcados pelo estresse, pelas cobranças crescentes, alunos desanimados, além de marcados pela depressão, pela ansiedade, pelos transtornos emocionais e psicológicos. Sem educação de qualidade, sem professores capacitados, sem condições de trabalho digno e decente e de remuneração condizente, nossa ferida educacional e nossa história de exploração e de exclusão social, se perpetuará para o século XXI.

No século XXI, num momento de grandes instabilidades e incertezas, a economia se torna um farol obscuro para conduzir os rumos da sociedade contemporânea, neste interesse percebemos o poder dos interesses dos donos do capital, comprando os ativos materiais, os valores das coletividades e as mentes dos formadores de opinião, embora percebemos que este poder está cada vez mais consolidado, com uma estrutura dominada por poucos grupos econômicos, que controlam os filmes, as notícias, os costumes e os comportamentos das pessoas de todas regiões do mundo. Neste momento de pandemia, os dados nos mostram que as fortunas dos grandes milionários brasileiros cresceram mais de US$ 34 bilhões neste período de isolamento e quarentena, diante disso, os dados nos mostram que nesta sociedade, os donos do dinheiro não mais precisam das outras pessoas da sociedade, seus rendimentos crescem de forma acelerada, seus ganhos são oriundos dos investimentos de títulos públicos e de aplicações nos produtos financeiros pagos pelo Tesouro Nacional, com isso, percebemos como suas agendas no pós-pandemia estava sempre centradas nas reformas tributárias, como forma de dividir os gastos para a recuperação da economia, as privatizações como forma de angariar patrimônios da sociedade em prol dos interesses destes afortunados, desta forma, percebemos que os rumos do século XXI para a sociedade brasileira são sombrias, uma sociedade onde as pessoas buscam seus interesses imediatos, seus valores individuais e seus sentimentos cada mais egoístas, uma sociedade que caminha a passos rápidos para a degradação enquanto civilização.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Elite da administração pública atua em causa própria, por Marcos Mendes.

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Uma das várias dimensões do nosso atraso, ela faz do Estado um pagador de rendas

Folha de São Paulo, 01/08/2020.

Uma das várias dimensões do nosso atraso é a forma como a elite da administração pública atua em causa própria.

Os auxílios, adicionais e “pagamentos de atrasados” brotam ao sabor da criatividade, gerando rendas muito acima do padrão de vida nacional.

O artigo 168 da Constituição, que instituiu a autonomia orçamentária dos Poderes, foi regulamentado de modo a garantir orçamentos sempre crescentes, nos três níveis de governo, para o Judiciário, Ministério Público, defensorias públicas, tribunais de contas e legislativos.

Luciano da Ros mostra dados de 2013 que situam nosso Judiciário entre os que mais gastam no mundo: US$ 130 por habitante, contra US$ 35 no Chile, US$ 19 na Argentina e US$ 16 na Colômbia.

Na advocacia privada, a parte perdedora em um processo paga “honorários de sucumbência” à vencedora, a título de ressarcimento. Tal verba remunera os advogados dos vencedores. A Lei 13.327/2016 estendeu a prática aos advogados públicos em causas da União.

Advogados do setor público já têm salário garantido e estabilidade no emprego, não têm custos de instalação e manutenção de escritórios e não precisam disputar clientes no mercado: são monopolistas da representação judicial da União. Não faz sentido que recebam essa verba. Segundo um site jurídico, em 2019 foram pagos R$ 550 milhões.

O Ministério Público da União se colocou contra esse pagamento. Em ação no STF, a ex-procuradora-geral Raquel Dodge afirmou que a prática ofende os “princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade, razoabilidade e da supremacia do interesse público”.

Mas o próprio MPU não se furta a batalhar por seus vencimentos, buscando brechas para furar o seu teto e construir “jurisprudência” para sucessivas ampliações.

A emenda constitucional do teto de gastos fixou um limite específico para cada poder e órgão autônomo. Desde então, acabou a facilidade de aumentar os próprios salários e jogar a conta para outros pagarem: para dar aumento de salários, tem que cortar outras despesas do próprio órgão.

Em 2018, o MPU chegou a convencer o TCU a isentar do teto despesas financiadas por suas receitas próprias. A área técnica se pronunciou contra a interpretação criativa, mas o plenário do TCU determinou o aumento do orçamento do MPU. O Congresso se recusou a votar a autorização.

O MPU retornou ao TCU, com nova tese: alegou que seu teto de gastos havia sido calculado erroneamente em 2016, com a exclusão de R$ 105 milhões, referentes a seu auxílio-moradia. O TCU, dessa vez com maior fundamentação legal, determinou a elevação do teto do MPU. O Executivo acatou e fez o ajuste a partir de 2019.

O MPU passou a demandar “ressarcimento dos atrasados” de 2017 e 2018. Ou seja, transformou um teto de gastos —limite máximo— em direito de gastar.

O TCU, por sua vez, ignorou que orçamento é uma peça de vigência anual e garantiu o “direito” ao auxílio-moradia retroativo.

Os militares seguem a cartilha: usam o seu maior protagonismo no atual governo para obter previdência benevolente, gratificações e vantagens exclusivas. Já propuseram fixar o orçamento da defesa em 2% do PIB. Serão autônomos, como os demais Poderes.

A perda para o país vai além do custo financeiro das prebendas. Está no exemplo vindo de cima. Os excessos da elite reforçam o discurso dos populistas: se há para os grandes, tem que gastar com todos. O Estado vira um grande distribuidor de benefícios e salários. As finanças quebram e não sobra dinheiro para prover serviços públicos. A economia não cresce. A desigualdade aumenta.

É possível mudar: construir consenso político em torno das prioridades nacionais, ter pesos e contrapesos para frear o uso abusivo de poder. O ponto de partida é um claro limite do que pode ser gasto. Sem isso, sempre haverá espaço para oportunismo.​

Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é autor de ‘Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?’

Tomarei todas! por Paola Minoprio.

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Grupos contrários à vacina anticoronavírus ganham terreno em meio a falácias

Folha de São Paulo, 27/07/2020

Parece que o povo brasileiro está num mato sem cachorro. Sem estratégia e intervenção claras do Ministério da Saúde, informações errôneas sobre a transmissão do coronavírus e um presidente que não dá exemplo, ainda se ouve que os impactos da Covid-19 serão sentidos por até dois anos!

Não bastasse a chegada do vírus, a ideia de conspirações invade as redes sociais e um movimento perigoso ganha terreno—o dos anti-vaxxers, ou anti-vacinas. Uma relação parece existir entre acreditar em complôs e não querer se vacinar… Mas essa falácia não é uma característica nossa.

A revista Lancet, renomada no mundo científico, mostrou que 26% dos franceses eleitores da esquerda e da extrema direita, não tomariam vacina contra o vírus. Esse descalabro tem paralelo nas crenças ideológicas da Itália e da Polônia.

A Universidade de Oxford revelou numa recente publicação que as crenças conspiratórias com o vírus e a desconfiança com as diretrizes do governo levam 12% dos ingleses a recusar uma vacina e 18% a desaconselhar familiares a tomá-la.

Nos EUA, 30% dos americanos não veem utilidade na vacinação e 38% dos alemães se recusariam a tomar uma vacina que seja imposta pelo governo.

Nas manifestações verde-amarelas em prol do fim do isolamento, não se vê ninguém clamando por vacinas! Entretanto, só as vacinas levarão à imunidade coletiva e libertarão o país deste vírus infernal!

Há 15 dias havia no mundo pelo menos 147 candidatos vacinais. A GAVI, aliança pública-privada mundial para o desenvolvimento de vacinas, com apoio da Fundação Bill & Melinda Gates, OMS, Banco Mundial e Unicef, se comprometeu a comprar milhões de doses para países pobres garantindo que comunidades vulneráveis sejam salvas.

Um acordo foi assinado com a farmacêutica britânica AstraZeneca para fornecimento de 300 milhões de doses da vacina de Oxford que, com a maior chance de sucesso, tem previsão de disponibilidade dentro de um ano. Hoje, sete outras preparações vacinais da China, Suíça, Estados Unidos ou da França estão em testes clínicos e predizem uma produção comercial entre o 2° e o 4° bimestres de 2021.

Para que uma imunidade de rebanho seja atingida será necessário vacinar 60-90% da população mundial, ou seja, pelo menos de 4 a 7 bilhões de pessoas. Se todas essas vacinas funcionarem e forem produzidas a todo vapor, apenas 1,5 bilhão de doses seriam disponibilizadas e seis meses seriam necessários para uma campanha de vacinação.

É consenso mundial que a infecção pelo coronavírus provoca uma resposta imunológica que não é duradoura. Então, independente de quais vacinas serão bem sucedidas, o importante é que além de estimular a produção de anticorpos e células tóxicas ao vírus, elas induzam uma “memória” imunológica que seja desencadeada a cada nova infecção.

Desde a vacinação de Louis Pasteur, com o vírus da raiva atenuado, e a variolização de Edward Jener, com as pústulas de varíola bovina, as vacinas evoluíram muito.

Por exemplo, na vacina de Oxford, o gene do spike, aquele espinho que ajuda o coronavírus a entrar nas células humanas, foi inserido no material genético de um adenovírus de resfriado que leva a vacina para o trato respiratório.

A vacina alemã e a americana são baseadas no gene inteiro do spike ou em apenas seus fragmentos. A chinesa, por sua vez, usa o vírus inativado em cultura de células de rim de macaco. A novidade é que todas as vacinas em teste induzem respostas rápidas de anticorpos e de células que limpam o tecido infectado.

Assim, pessoal, com ou sem cachorro no mato, plagiando Erney Plessmann de Camargo, professor da Universidade de São Paulo, “respeitados os intervalos necessários, eu tomarei todas, chinesas, inglesas, americanas e alemãs.”

Paola Minoprio

Diretora de pesquisa do Instituto Pasteur de Paris, coordenadora da Plataforma Cientifica Pasteur – USP, conselheira de comércio exterior da França.​

 

As transformações na sociedade em decorrência da pandemia

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A sociedade mundial passa por um momento de grandes incertezas geradas pela pandemia do coronavírus, deixando um rastro de mais de 15 milhões de infectados, com seus impactos imediatos sobre todas as regiões e países do globo, desde as economias mais pujantes e desenvolvidas até os países pobres e miseráveis, levando uma leva de mortes, desesperanças e instabilidades econômicas, desajustes políticos e sociais, além de um caos generalizado na questão sanitária e de saúde pública.

Neste ambiente de medos crescentes, encontramos visões das mais variadas sobre o flagelo da pandemia, uns acreditam que vivemos um momento de um castigo divino, nestes crises percebemos graves constrangimentos para as civilizações; enquanto outras pessoas, enxergam neste episódio, um instante sublime de renovação global, onde todos devem dar seus relatos como forma de viver uma renovação espiritual, a pós-pandemia abrirá espaço para uma nova sociedade, onde os indivíduos tendem a perceber que os valores devem ser reestruturados com coletividade universal.

As pandemias não devem ser vistas como um momento inédito na sociedade internacional, são inúmeras epidemias globais se espalharam para todos os rincões no mundo, levando a óbito uma parcela imensa de pessoas, gerando muitas dores, tristezas e desesperanças e, posteriormente, novas situações transformando a sociedade, renovando atitudes e comportamentos e abrindo caminho para novos sentimentos e valores mais consistentes. No começo do século XX, a gripe espanhola, que foi causada pelo vírus influenza, assolou a sociedade internacional entre janeiro de 1918 a dezembro de 1920, infectou mais de 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial, gerando tristezas e saudades crescentes em grande parte das famílias mundiais.

A Doutrina Espírita nos traz inúmeros instrumentos para refletir sobre este momento da contemporaneidade, ao analisar o livro A Gênese, no capítulo XVII, Allan Kardec nos mostra que a sociedade mundial passaria por um grande momento, marcados por mudanças de valores estruturais. Como somos um país de provas e expiações e estamos em constantes progressos espirituais, em prol de uma melhoria mais consistente e duradoura. Acreditar que estas mudanças são necessárias e impulsionariam o crescimento do mundo é fundamental e premente, mas todas estas transformações geram rastros de ranger de dentes, com dores generalizadas e deste momento surgirá uma nova comunidade internacional, em bases e valores mais sólidos e verdadeiros mais puros e espiritualizados.

Os espíritas acreditam que estamos passando por um momento de transição de mundos, de um mundo conhecido como o de expiação e de provas para um mundo marcado por um mundo de regeneração, neste último muitos vícios que trazemos nos nossos íntimos serão deixados para trás, a renovação nos levará a um novo ser humano, mais solidário, mais consciente, empático e mais harmonizado com valores mais evoluídos e desenvolvidos,  integrados com os espíritos superiores que vivem em ambientes mais sublimes.

Neste momento encontramos uma sociedade mais capacitada em termos científicos e tecnológicos, diante deste desafio a comunidade internacional deve se juntar, pesquisadores das mais diferentes regiões do mundo devem se unir, unindo esforços hercúleos em prol de uma solução emergencial. Laboratórios públicos e privados devem se unir na busca de uma vacina que resolva a cura dos infectados, pesquisadores e intelectuais devem ser estimulados a compreender a sociedade na pós-pandemia, os ajustes que devem ser construídos para que os indivíduos possam crescer e se desenvolver com os medos gerados pela pós-pandemia, seus novos comportamentos e valores, visando a construção de uma sociedade mais integrada no ser, nos sentimentos e nos valores mais consistentes, deixando de lado este mundo centrado pelos valores do ter, da posse, das imagens e da acumulação dos recursos materiais e do consumo. Se a pós-pandemia trouxer novas valores para os indivíduos e para a coletividade global, este momento terá trazido um grande progresso para toda a comunidade internacional.

A chegada desta pandemia na sociedade internacional deve transformar os indivíduos a momentos de reflexão, a sociedade global deve parar para repensar valores consolidados, comportamentos cotidianos e relacionamentos degradantes. O momento de renovação espiritual, as pessoas devem compreender que o Planeta Terra é uma grande escola, um momento de vivências constantes em prol de um crescimento espiritual, levando-nos a mundos mais evoluídos, convivendo com espíritos mais elevados, sublimes e mais generosos e desenvolvidos, absorvendo sentimentos maiores e valores mais conscientes de nosso papel social na vida.

Ao observar as dificuldades dos países nas mais variadas regiões do mundo, percebemos como a pandemia está levando indivíduos ao óbito em condições que poderiam ser evitadas, pessoas morrem sem água encanada, sem alimentos e sem condições de dignidade, gerando pessoas infelizes, criando ambientes marcados por energias negativas, com isso, a atmosfera se mostra marcada por escuridão, medos e desesperanças, eternizando a pobreza espiritual e material. No continente africano, mais de 700 milhões de irmãos vivem em condições de indignidade, sem água e sem sabão, em condições degradantes de saúde e de higiene pessoal, cultivando doenças primárias que levam a morte que seriam evitadas facilmente.

A Doutrina Espírita nos mostra uma visão social muito mais ampla do que outras visões religiosas, o espiritismo nos mostra que o mundo está caminhando para um momento de grandes renovações e este crescimento é imposto e inexorável, todos devem aceitar e trabalhar em prol da coletividade, abraçar nossas responsabilidades e criam ambiente mais salutares, criando sentimentos mais sublimes e nos conscientizarmos de que a evolução está sendo conduzida pelo governador do Planeta Terra, Jesus Cristo, condutor e timoreiro destes momentos da sociedade internacional.

A pandemia deve mostrar a todos os indivíduos a importância da natureza, o respeito aos valores dos animais, das florestas, das matas e dos vegetais, de todos os povos, dos indígenas, dos negros e dos asiáticos. Neste momento de instabilidades e incertezas, cabe aos países mais desenvolvidos, coletividades mais abastadas de recursos monetários e mais capacidades tecnológicas e científicas, usando-as em prol da sociedade internacional, desde seus povos até seus irmãos de outras regiões do mundo. Neste momento devemos ser mais solidários e empáticos, renovando comportamentos marcados por valores materiais e construindo valores mais espirituais.

Segundo Chico Xavier a sociedade mundial está caminhando para o mundo de regeneração, deixando para trás o mundo de provas e expiações, que acontecerá depois de 200 anos da codificação de O Livro dos Espíritos, algo em torno de 2057. Neste momento, a sociedade internacional tem que ter consciência deste momento que passamos no Planeta Terra, um momento de mudanças, que exigem dos cidadãos valores mais amplos e consistentes, enxergando o mundo contemporâneo como uma grande escola, uma universidade de vivências, de experiências e de evoluções.

Nas questões econômicas percebemos inúmeros conflitos em curso na sociedade, de um lado percebemos uma discussão entre economia e saúde, um conflito equivocado, afinal o que vai acontecer para a economia se as pessoas não tiver saúde? Como será o consumo se as pessoas não existirem mais? A economia é fundamental na sociedade, o emprego, a renda e o consumo são cruciais para o sistema econômico, mas antes de tudo, os seres humanos precisam preservar a sua saúde e suas condições de vida para poder trabalhar e auxiliar no progresso social, sem saúde a economia entra em colapso.

A pandemia pode estimular uma mudança na mentalidade de empresários e pessoas que possuem mais recursos, mas para isso, faz-se necessário que as pessoas busquem informações sobre as necessidades das pessoas, contribuindo para os donativos, deixando recursos monetários para aqueles que possuem nada, doando alimentos, roupas e produtos de consumo pessoal, desta forma, as pessoas começam a desenvolver a empatia, a solidariedade e sentimentos para com os outros. Estas mudanças não acontecem de uma noite para o dia, algumas demoram uma vida, estão sempre presas em comportamentos egoísticos, em seus interesses e seus valores, mesmo assim, numa outra vida os cidadãos vão perceber valores que estão atualmente esquecidos.

A pandemia deveria levar a sociedade internacional a refletir sobre o mundo do trabalho, levando a sociedade a repensar sobre a importância e a centralidade do trabalho na civilização, deixando de lado este ambiente de competição e de concorrência acelerados, voltando a centralidade do mundo do trabalho não como acúmulo de recursos e entesouramento, mas uma instrumento de desenvolvimento social e econômico, como agente de sobrevivência, de incremento de direitos políticos, cidadania e respeitabilidade, estimulando valores de coletividade e de solidariedade, valores diferentes dos que encontramos na sociedade contemporânea, sempre centrado na concorrência desigual e a preservação de ganhos dos mais abastados.

A Educação deve ser vista não apenas como uma forma de agregar as pessoas para o mercado de consumo, mas deve ter um caráter mais amplo, a educação deve ser vista como uma forma de renovar seus valores do mundo, conhecendo várias áreas, estimulando a formação da cidadania, seus direitos e seus deveres, conhecendo as ciências, a literatura, a filosofia, as artes, a sociologia, a história, as religiões, o direito, a antropologia e os comportamentos humanos. Infelizmente, na sociedade contemporânea, a educação está fortemente centrada nas leituras superficiais, sem aprofundamentos maiores, com leituras de orelhas de livros e leituras de resenhas superficiais, formando pessoas pobres intelectualmente, com leituras reduzidas e, mesmo assim, com opiniões constantes nas redes sociais, para que sejamos vistos como especialistas em assuntos variados, opinando sobre todos os temas, entrando na conversas, gerando fakes News, gerando ignorância e espalhando constrangimentos. .

O mundo da matéria é fundamental, todas as experiências são valorosas para a busca do progresso espiritual, as vivências servem para entender as necessidades mais íntimas do progresso do ser humano, nesta pandemia devemos entender que aqueles que possuem mais devem auxiliar aqueles que tem menos. Neste momento de incertezas na sociedade internacional, todos seremos chamados para dar sua parte do auxílio deste momento de dificuldade, todos seremos responsabilizados por aquilo que deixamos de fazer em prol da coletividade. A conscientização das pessoas é fundamental para seu progresso espiritual, neste instante estamos num momento de renovação e de esperanças, esses sentimentos devem animar os corações de todos os indivíduos, levando conforte e serenidade para todos que mais necessitam, transformando esta pandemia em um momento de novos horizontes e crescimentos espirituais.