Desafios contemporâneos

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Vivemos momentos de grandes incertezas na sociedade global, definidas pelo grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman como um mundo líquido, caracterizado por grandes instabilidades, volatilidades e grandes transformações. Para piorar o momento atual, vivenciamos uma grande crise sanitária, uma crise global com impactos sobre todas as regiões do mundo, gerando incremento dos infectados, mortes e degradações variadas.

Dentre os grandes desafios da sociedade contemporânea, destacamos os desequilíbrios climáticos, desemprego elevado, endividamento crescente, incremento das desigualdades sociais, além de conflitos políticos, raciais e culturais, além de violências, intolerâncias e desequilíbrios emocionais e psicológicas. Neste momento, a pandemia global se tornou o maior desafio mundial, cujos impactos destrutivos crescem aceleradamente, gerando medos, desesperanças e crueldades, contabilizando mais de 1 milhão de mortos, degradação econômica, insegurança e violências generalizadas.

Vivemos em uma sociedade marcada por variadas contradições, de um lado, percebemos tantas inovações tecnológicas, novos conhecimentos, novas ciências, novos materiais, novas descobertas que retardam o envelhecimento e melhoram a qualidade de vida e propiciam ao indivíduo mais bem-estar social. De outro lado, percebemos um mundo marcado por conflitos étnicos, desigualdades em ascensão, riquezas concentradas, pobrezas crescentes e instabilidades, depressões e violências generalizadas.

O incremento da ciência, do conhecimento e da tecnologia foram fundamentais para o crescimento da economia global, mas ao mesmo tempo percebemos que o crescimento da tecnologia não foi capaz de transformar os valores da sociedade, muito pelo contrário, os novos valores estão todos se concentrando nos valores do capital, do dinheiro, da ostentação e da acumulação. Estamos vivendo um descompasso entre valores, na contemporaneidade estamos construindo uma sociedade marcada por valores éticos e morais centrados nas incertezas e nas instabilidades, ao mesmo tempo, perdemos as referências da convivência social, da comunidade, da empatia e da solidariedade.

Os desafios são prementes, percebemos uma ausência de líderes mundiais capacitados para compreender a contemporaneidade, demonstrar conhecimentos técnicos e agilidade política para costurar novos espaços para a superação deste momento de grandes dificuldades e incertezas. Necessitamos de líderes ousados, criativos e solidários, com ideias dinâmicas e flexíveis, deixando de lado pensamentos atrasados, retrógrados e pouco eficientes. Neste momento de desagregação social, crises econômicas e conflitos políticos, estas lideranças devem deixar de lado crenças ultrapassadas, fortalecer a ciência, adotar políticas pragmáticas, centradas nas pesquisas científicas, estimulando os investimentos no conhecimento, na democratização dos ganhos e políticas de inclusão social, sem estas políticas dificilmente vamos conseguir dar passos mais eficientes para o desenvolvimento da civilização.

Neste momento, as políticas da contemporaneidade devem construir uma nova coletividade, mais inclusiva, mais reflexiva e verdadeiramente plural, sem o predomínio do individualismo e da concorrência degradante, fazendo com que a tecnologia e a ciência sirvam para o bem-estar de todos os grupos sociais ao invés de um pequeno grupo de privilegiados e num ambiente marcado por pobrezas e degradações, como estamos visualizando na sociedade contemporânea.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp, Professor Universitário.
contato@aryramos.pro.br. Diário da Região, 25 de novembro de 2020, Caderno Economia.

A Nova Economia

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A sociedade internacional está passando por grandes transformações em todas as áreas e setores, estas alterações estão gerando impactos generalizados, neste momento as bases da economia estão passando por construções ou por reconstruções. Neste momento, percebemos o nascimento de uma Nova Economia, gerando novos atores sociais, políticos e culturais, com isso, percebemos novos desafios e novas oportunidades, trazendo medos e esperanças e, ao mesmo tempo, novos comportamentos, concorrências e riscos crescentes, estamos numa outra sociedade, numa nova coletividade e construindo novos modelos de civilizações.

Como destacou o criador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Chwab, a Nova Economia traz novos conceitos para a economia contemporânea, como Indústria 4.0, Inteligência Artificial, Internet das coisas, robótica, civilização digital, Startups, 5G, computação quântica, biotecnologias, dentre outras. Estes novos conceitos estão transformando todas as economias, desafiando as nações, criando um mundo cheio de oportunidades, mas ao mesmo tempo percebemos grandes instabilidades, inseguranças e desesperanças.

A Nova economia está exigindo uma constante transformação cotidiana, os trabalhadores devem incorporar novas inovações, as invenções devem impulsionar a coletividade, os desafios devem ser crescentes, as atividades repetitivas do mundo do trabalho devem ser repassadas para as máquinas. Os trabalhadores devem ser estimulados para o pensamento crítico, exigindo novas mentalidades e a construção de novos equilíbrios emocional e espiritual, sem estes equilíbrios não conseguirão se adaptar a esta nova sociedade, marcadas por incertezas crescentes, instabilidades gerais, volatilidades, complexidades e transformações constantes. Destes desafios, destacando os modelos educacionais, das escolas e das universidades, que prescindem de novas metodologias para a construção dos novos conhecimentos, se a sociedade demanda cidadãos conscientes e críticos, os novos modelos de ensino devem capacitar para a construção dos trabalhadores do século XXII, deixando de lado os modelos repetitivos, superficiais e baseados nas decorebas constantes, criando novos modelos dinâmicos e reflexivos para auxiliar na construção da nova economia contemporânea.

Os novos modelos de negócios atuam na construção de ecossistemas de empreendimentos, tais como startups, empresas de tecnologias e marcadas pelo crescimento das inovações, com suas mentalidades dinâmicas, com seus comportamentos marcados pela ambiguidade, por modelos revolucionários de negócios, mais marcados pela flexibilidade, pelo dinamismo e menos burocracias, dominados por aplicativos e produtos intangíveis. Neste novo modelo de organização, encontramos o cenário da nova economia, centrados nas incertezas e constantes mudanças, esta nova sociedade pode ser definida pela disrupção, que tem como base um rompimento com o velho marcado e abertura para o novo, mais tecnológico, flexível e prático.

A sociedade mundial se caracteriza por grandes transformações, a rapidez destas alterações cresce de forma acelerada. Neste ambiente, os indivíduos estão atordoados, assustados, os trabalhos estão se tornando escassos, com isso, o mundo de trabalho está gerando instabilidades, desesperanças, depressões e ansiedades. Neste mundo contemporâneo, a tecnologia acelera rapidamente, neste ambiente, enquanto os indivíduos não conseguem acompanhar estas transformações impulsionadas pelas novas tecnologias, vivemos um grande paradoxo, os consumidores percebem inúmeras mercadorias disponíveis no mercado, mas de outro lado percebem seus rendimentos se reduzindo, seus salários diminuem e as perspectivas de sobrevivência dignas diminuem de forma acelerada, impulsionando conflitos, violências e a convivência social, neste momento, percebemos a importância de uma discussão maior sobre os rumos da sociedade mundial.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre e Doutor em Sociologia/Unesp, Professor Universitário Unirp e Fatec. Diário da Região, 18 de novembro de 2020, Caderno Economia.

O fim do auxílio emergencial, por Cecília Machado.

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É possível fazer mais, melhor e com muito menos recursos

Folha de São Paulo, 24/11/2020

Falta pouco mais de um mês para o fim do auxílio emergencial. Mas o calendário de vacinação no Brasil permanece incerto, e uma segunda onda da pandemia, à luz do que vem ocorrendo no hemisfério Norte, é dada como cada vez mais provável também aqui.

Na ausência de um plano para a manutenção da renda dos pobres e trabalhadores informais nos próximos meses, volta a ser posta em discussão a prorrogação do auxílio emergencial.

É claro que o auxílio foi importante para garantir a renda de diversas famílias, especialmente no início da pandemia. Mas também é verdade que, por ter sido estabelecido em caráter de urgência, buscando alcançar muitas pessoas e em curto espaço de tempo, várias regras e parâmetros do programa ficaram bastante aquém do ideal.

Hoje, a manutenção do auxílio, tal qual desenhado, exibe diversas ineficiências, além de um custo fiscal insustentável, caso ele venha a se tornar uma assistência de caráter mais permanente, o que sucessivas prorrogações poderiam indicar.

A dimensão e os números do programa são impressionantes. O auxílio corresponde a 56% do Orçamento de Guerra. Desde seu início, em abril, até agora, o auxílio emergencial beneficiou 118 milhões de pessoas de forma direta ou indireta, 56% da população brasileira.

Ao todo, foram 68 milhões de beneficiários, totalizando R$ 258 bilhões em transferências. Entre os benefícios, 19,2 milhões são do Bolsa Família, e outros 10,5 milhões estão no Cadastro Único.

A maior parte dos beneficiários, 38,1 milhões de pessoas, corresponde a novos registros, ou seja, são trabalhadores informais em sua maioria, mas também pessoas fora da força de trabalho ou desempregadas, “invisíveis” até então. A incidência em base ampla e o valor estabelecido para as parcelas permitiram que o programa alcançasse muito mais do que a simples reposição de rendas perdidas.

Até o fim do ano, o orçamento do programa deve alcançar R$ 300 bilhões. Não é pouco. Em perspectiva comparada, esse valor corresponde a dez vezes o orçamento anual do Bolsa Família. Ou então cinco vezes o orçamento anual do Benefício de Prestação Continuada. Ou 15 anos inteiros do orçamento com o abono salarial.

Não custa lembrar que o orçamento inicial do programa, R$ 98,2 bilhões para os três meses que foram previstos, é um terço do valor que agora observamos.

Entre as ineficiências do programa, estão os chamados erros de inclusão e de exclusão do programa. Ou seja, pessoas que receberam, mas não deveriam; e pessoas que não receberam, mas deveriam.

O TCU (Tribunal de Contas da União) identificou, por exemplo, 439 mil beneficiários que receberam benefícios indevidos em auditoria dos quatro primeiros meses do programa, totalizando R$ 813 milhões. Uma estimativa obviamente subestimada dos pagamentos indevidos, já que os critérios utilizados pelo TCU são bastante conservadores e usam informações de cadastros e registros administrativos do governo, onde não há informações sobre as rendas do setor informal e evasões fiscais.

Mais importante é o diagnóstico sobre as deficiências de controle e as inúmeras dificuldades na verificação dos critérios legais de qualificação ao programa. Entre eles, chama a atenção o caráter declaratório da composição da família, que impacta diretamente a elegibilidade ao programa, através da renda per capita da família, assim como o número de benefícios que um núcleo familiar pode receber.

O relatório do TCU identificou limitações de controle associadas à identificação de vínculos familiares (cônjuges e filhos), à multiplicidade de documentos legais que atestam a identidade de um cidadão e à dificuldade em estabelecer unidades domiciliares a partir dos endereços informados nos registros.

Não surpreende a baixa focalização do programa quando sua incidência é analisada em inquéritos populacionais que levam em conta o correto conceito de domicílio e família e que conseguem identificar todas as rendas que são de fato recebidas pelas pessoas.

Apenas pouco mais de 50% do auxílio emergencial incidiu sobre os 30% mais pobres da população. Já a metade mais rica da nossa população recebeu 25% do auxílio. E, entre os 10% mais ricos, 6% receberam o auxílio.

Embora sejam legítimas as ponderações acerca do ineditismo e da urgência na implementação do auxílio emergencial, é inegável a existência de inúmeras margens de ajuste que podem tornar o auxílio uma política pública mais efetiva. É possível fazer mais, melhor e com muito menos recursos.

Cecilia Machado
Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV.

“Auxílio emergencial foi ajuda significativa, mas seu fim deixará desigualdade como herança”, diz L. Carvalho.

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Laura Carvalho:

Economista e professora da FEA-USP explica por que a perspectiva de recuperação econômica do Brasil é ruim e defende um novo modelo que combine crescimento econômico com inclusão e sustentabilidade

Jornal GGN, 21/11/202

O auxílio emergencial representou uma ajuda significativa para os brasileiros durante a pandemia e preveniu uma queda ainda maior no PIB do país, mas a falta de um plano de recuperação econômica é preocupante, e a volta ao nível de renda pré-crise pode levar até duas décadas. Esse é o panorama traçado por Laura Carvalho, economista e professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e autora do recém-lançado livro Curto-circuito: o vírus e a volta do Estado.

Em entrevista exclusiva à Agência Pública, Laura Carvalho explica que, quando a pandemia chegou, as famílias mais pobres ainda estavam sofrendo os efeitos da recessão de 2015 e 2016, como a perda de renda, o desemprego e a precariedade no mercado de trabalho. “Graças à aprovação desse programa substancial de transferência de renda, você tem essa situação paradoxal em que, mesmo com uma crise muito profunda, os níveis de pobreza caem para os seus menores patamares da história e a desigualdade chega a cair”, explica.

No entanto, ela ressalta que esse efeito positivo tem data para acabar. “Com o fim do auxílio e com a impossibilidade de se compatibilizar novos programas generosos de proteção social com o atual desenho do teto de gastos, essas desigualdades – que na verdade subiram, mas foram neutralizadas pelo auxílio – vão aparecer, vão vir à tona”, diz. Como o patamar de renda dos brasileiros está ainda menor devido às crises sucessivas, ela acredita que levará duas décadas para recuperarmos a renda média que tínhamos em 2014.

Mas nem tudo é tragédia. Para a economista, essa é uma ótima oportunidade para passarmos a financiar políticas sociais com um imposto de renda mais alto para os ricos e a adotar um modelo econômico mais digno e sustentável – alinhado com a chamada “retomada verde” que diversos países ao redor do mundo estão propondo. “É perfeitamente possível desenhar um modelo que envolva o próprio combate às desigualdades de renda e de acesso a serviços, uma série de lacunas que a gente nunca superou, como um vetor de geração de empregos e de novas tecnologias. Não se trata de não ter crescimento econômico, mas de se ter um outro tipo de crescimento econômico que beneficie a maioria da população, não só alguns, e que não destrua o meio ambiente”, argumenta.
Laura Carvalho foi escolhida para esta entrevista pelos Aliados da Pública e, durante a conversa, respondeu a várias das perguntas que eles enviaram anteriormente. Se você quer escolher quem a Pública vai entrevistar, seja nosso Aliado.

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Em maio, você disse que a recessão causada pela pandemia devia ser enfrentada em duas fases. Primeiro com medidas para combater a pandemia em si e garantir a sobrevivência das famílias e empresas. Só depois, quando os números da doença estivessem menores, seria possível tomar medidas macroeconômicas. Como você avalia a resposta do governo Bolsonaro para lidar com a economia na pandemia? Estava de acordo com essas recomendações? 

Na primeira fase, nem é possível nem desejável que a economia seja reativada completamente, porque a ideia é justamente controlar a causa do problema, que é o próprio contágio pelo vírus. Na área econômica estritamente – deixando de lado a área da saúde, que foi um desastre –, há três eixos: um eixo voltado para a sobrevivência das famílias, com transferência de renda; um eixo voltado para a sobrevivência das empresas, que tem a ver com medidas para o crédito e adiamento do pagamento de impostos; e o terceiro, que é o eixo para preservação dos empregos, voltado para evitar as demissões e proteger os trabalhadores formais.
O primeiro [da sobrevivência das famílias] é o eixo mais bem-sucedido. Não foi uma iniciativa do governo, inclusive o programa aprovado foi muito maior em valor e em número de beneficiários do que aquilo que estava proposto inicialmente pela equipe econômica do governo. Mas o auxílio emergencial foi capaz de evitar uma perda de renda para a metade mais pobre da população brasileira durante essa que é a mais profunda recessão de que temos notícia. Então, houve, sim, uma perda de renda maior para os mais pobres quando a gente pensa em renda do trabalho, mas, quando a gente soma o auxílio emergencial, o índice de Gini, que mede a desigualdade, até cai durante a pandemia por conta desse programa. Ou seja, o auxílio foi capaz de neutralizar completamente o aumento da desigualdade que houve no mercado de trabalho durante a pandemia.
O segundo eixo, que é o de proteção às empresas, é o mais fracassado dos três, onde os impactos foram desastrosos. As linhas de crédito desenhadas pelo governo não chegaram na ponta, tampouco tiveram volume suficiente liberado. Isso até foi melhorando, outras linhas foram sendo criadas e expandidas, mas o desenho inicial exigia contrapartidas demais das empresas e também não cobria o risco dos bancos; então, os bancos não tiveram interesse em realizar as operações. E isso fez com que, até a metade de julho, 716 mil empresas fechassem definitivamente as portas no Brasil, das quais 99,8% tinham até 49 empregados. Os pequenos negócios, que, claro, têm muito mais dificuldade de sobrevivência, fecharam as portas. E são um negócio que emprega muita gente; portanto, isso também repercute nos empregos e nas nossas perspectivas de recuperação. O desastre foi quase tão grande quanto o da área da saúde, que também não teve nenhum sucesso.
O terceiro eixo, de preservação dos empregos exclusivamente, eu diria que está no meio do caminho, porque empregos foram preservados com a possibilidade de manter os empregados sem o custo total. A medida provisória que foi aprovada para a suspensão de contratos e redução da jornada de trabalho não foi desenhada de forma tão generosa quanto o que foi feito em alguns outros países, como o Reino Unido, que preservaram quase toda a renda dos trabalhadores que tiveram seus contratos de trabalho reduzidos. No caso brasileiro, a primeira versão era um desastre, nem previa nenhum tipo de remuneração para os trabalhadores que tivessem o contrato suspenso, mas aí isso gerou uma polêmica, a medida foi revista, e a segunda versão da medida prevê o pagamento de uma parte do seguro-desemprego para os trabalhadores nessa situação. Isso protegeu os trabalhadores com renda mais baixa, mas o seguro-desemprego tem um teto de R$ 1.813, então os trabalhadores que ganham mais de dois salários-mínimos e meio ainda tiveram uma perda de renda muito significativa.

Pensando naquela dicotomia que o governo colocava entre salvar vidas e salvar a economia, na realidade ele não conseguiu salvar vidas e só salvou parte da economia? 
Na verdade, era uma falsa dicotomia já na origem. A recuperação da economia depende do controle da pandemia. Isso está cada vez mais claro nos dados que saíram desde então, referentes a diferentes países. Os países que não conseguiram [controlar a pandemia] estão tendo quedas de PIB maiores. No caso brasileiro, o auxílio emergencial acabou conseguindo atenuar a queda do PIB. Ele deu tão certo que evitou a perda de renda da metade mais pobre da população e manteve os níveis de consumo, particularmente em municípios mais pobres do Norte e Nordeste do país. Isso contribui para que o Brasil não tenha uma das recessões mais profundas, mas, por outro lado, pelo fato de não termos controlado a pandemia e pensando que esse auxílio emergencial será encerrado no fim deste ano, as nossas perspectivas de recuperação são, sem dúvida, muito ruins se comparadas à economia global.

Em um texto recente para o Nexo, você fala que a recuperação econômica do Brasil vai ser em K, ou seja, ela será mais rápida para os ricos e mais lenta para os pobres. Mas você ressalta que a gente já estava em uma trajetória de recuperação em K da crise anterior, de 2015 e 2016. O que isso significa na prática para a população?

Quando se fala em recuperação em K, a ideia é um cenário em que a recuperação dos níveis de renda pré-crise será muito mais rápida para quem está no topo da pirâmide do que para quem está na base. Por isso, o formato da letra K ajudaria a ilustrar – na verdade, os mais pobres até continuariam perdendo renda enquanto os mais ricos já estariam se recuperando. Isso é exatamente o que víamos depois de 2017, quando começa a recuperação da última recessão no Brasil: o topo e o meio da pirâmide recuperavam a renda lentamente, mas os mais pobres ainda estavam perdendo renda.
Os mais pobres ainda estavam em recessão – com perda de renda, aumento da informalidade, precariedade cada vez maior no mercado de trabalho e taxas de desemprego ainda muito elevadas – quando a pandemia chegou. Graças à aprovação desse programa substancial de transferência de renda, você tem essa situação paradoxal em que, mesmo com uma crise muito profunda, os níveis de pobreza caem para os seus menores patamares da história e a desigualdade chega a cair. Se você olha para os 30% mais pobres, você vê que há até um ganho de renda em relação ao que era antes.
Mas com o fim desse auxílio e com a impossibilidade de se compatibilizar novos programas generosos de proteção social com o atual desenho do teto de gastos, essas desigualdades – que na verdade subiram, mas foram neutralizadas – vão aparecer, vão vir à tona. Isso pode nos levar a basicamente retomar a trajetória anterior de aumento da desigualdade e de perda de renda na base, mas partindo de um nível ainda menor de renda, porque agora estamos atravessando mais uma recessão. Então, isso tudo tende a criar um quadro que vai até prejudicar as nossas possibilidades de recuperação, porque já há muitas evidências de que no Brasil esse aumento da desigualdade funciona como uma âncora que impede a economia de crescer mais rapidamente.

O horizonte que estamos vendo é o de duas décadas perdidas?
Se a gente olha para o que ocorreu de 2017 até o início da pandemia, a gente vê que a recuperação era tão lenta que a gente levaria uma década para recuperar o nível de renda per capita que a gente tinha em 2014. E aí vem a pandemia. Se a gente olha para o que seria necessário o Brasil crescer para que seja apenas uma década perdida, já está claro que é impossível. A gente teria que crescer a um ritmo muito acima do que já crescemos em todos os períodos da história, o que não parece ser o caso, considerando tanto o cenário internacional quanto o da política doméstica. Simulando diferentes cenários, parece que a gente está muito mais perto de demorar duas décadas para voltar àquela renda per capita média de 2014 do que apenas uma década.

Estamos observando um aumento significativo no preço dos alimentos e até no aluguel. Se as coisas estão caras e as pessoas estão perdendo o emprego, por que a aprovação ao governo continua alta? 
É claro que a situação dos alimentos de fato tem um efeito desproporcional na cesta de consumo dos mais pobres. É um tipo de inflação que tem mais a ver com os efeitos da desvalorização do real somados ao aumento de preços de alimentos nos mercados internacionais. E o índice que reajusta o aluguel é muito sensível também a variações do câmbio e nos preços de alimentos.
Mas o fato é que, mesmo com esse aumento da inflação, com a perda de empregos e de renda durante a pandemia – que também afeta desproporcionalmente os trabalhadores menos escolarizados – ainda assim houve um ganho de renda para os 30% mais pobres. Se a gente olha para os 50% mais pobres, o auxílio compensa inteiramente a perda de renda. E isso é muito significativo. A gente está falando de metade da população brasileira tendo preservado sua renda na pandemia e parte delas até tendo aumentado sua renda graças a esse auxílio de R$ 600. Para muita gente parece pouco, mas para os níveis de renda no Brasil é muito significativo. Não quer dizer que seja o único fator a explicar a popularidade do governo, mas esse é um dos fatores, sim.

Muitos leitores perguntaram se é verdade que não existem recursos para bancar o auxílio emergencial durante mais tempo ou se é só uma questão de prioridades do governo. 
O atual teto de gastos vai mesmo diminuindo o espaço para despesas não obrigatórias ao longo tempo. As despesas com a Previdência, por exemplo, continuam crescendo mesmo com a reforma e, como o teto fica parado no mesmo lugar, ele só é reajustado pela inflação. Isso faz com que o espaço para o resto vá ficando cada vez menor.
Com esse contexto do teto, fica mesmo impraticável pensar em uma expansão significativa de gastos sociais. No entanto, há soluções alternativas, como, por exemplo, a tributação da renda dos mais ricos – que a gente sabe que pagam pouco imposto de renda da pessoa física no Brasil por causa de uma série de isenções e também de uma alíquota máxima baixa para padrões internacionais. A transferência, por exemplo, dessa arrecadação extra para programas de transferência de renda é algo que é perfeitamente possível. Já há simulações que mostram que daria para financiar um programa bastante generoso com medidas que não são nada radicais, que só tornam um pouco mais justo o nosso sistema tributário.
Mas isso também é inviável hoje com o teto de gastos porque a forma como ele é desenhado impede que se arrecade mais e se gaste mais. Os gastos estão parados no mesmo lugar independentemente do nível de arrecadação de impostos. Isso impossibilita que nós debatamos soluções alternativas, pois envolveriam um redesenho do teto que o tornasse mais alinhado com a experiência internacional, em que o limite para o crescimento dos gastos é atrelado a quanto cresce a economia e a arrecadação.

A dívida pública foi o principal assunto nas perguntas enviadas pelos leitores, especialmente no que diz respeito à alta porcentagem do orçamento federal que está comprometida com o pagamento da dívida. Alguns cálculos mostram que quase 40% do orçamento vai para pagar juros e amortizações da dívida. Quanto disso é verdade e quanto é exagero?
Em geral, esses números confundem um pouco o que de fato é o pagamento de juros com o que é uma rolagem da dívida pública, que é quando o governo emite dívida para pagar os juros sobre a dívida anterior. Esse é um procedimento normal, que todas as economias do mundo realizam.
Há muita confusão nesse debate. Não é correto dizer que é por conta do pagamento de juros que o orçamento público está restrito para outras áreas. Esse raciocínio mistura coisas muito diferentes em uma mesma conta. Na prática, o que restringe o orçamento público brasileiro são as regras fiscais que a gente adota. A meta de resultado primário faz com que, quando a economia cresce menos e arrecada menos, a gente seja obrigada a cortar gastos. O teto de gastos fixa o valor total dos gastos públicos.
A nossa capacidade de financiamento por meio da dívida pública permite que, em situações de emergência, a gente gaste mais para estabilizar a economia e evitar os efeitos socioeconômicos de um choque. É assim mesmo que deveria funcionar o sistema. O mito de que o país tinha quebrado e não tinha qualquer possibilidade de gastos adicionais se desfez a olho nu na pandemia. Esse ano, o Brasil gastou mais de 8% do PIB com medidas de combate à pandemia, e a maior parte disso foi justamente para o auxílio emergencial por meio da emissão de dívida pública. Não tivemos que recorrer, por exemplo, a dívidas em dólar, a empréstimos do FMI – como a Argentina e outros países do hemisfério sul. Agora, isso não significa que a gente queira ir para qualquer patamar de dívida pública e torná-la explosiva para todo o sempre.
O indicador que importa é o que relaciona a dívida pública com o PIB. E ele não depende só do quanto o governo está gastando, depende também do quanto a economia está crescendo, do próprio PIB, e do quanto o governo está arrecadando. Então, não é um cálculo estático, é um cálculo dinâmico.
No caso brasileiro, de um lado, dá para pensar em um caminho em que a gente tenta estabilizar a dívida e redistribuir os custos dessa crise por meio de uma tributação maior sobre altas rendas e patrimônios. E, de outro, a gente também toma medidas que estimulem o crescimento econômico para que a arrecadação de impostos volte, para que o PIB cresça, e essa dívida então deixe de pesar tanto assim em relação ao PIB.
Mas algum tipo de atuação pontual é necessária, já que há projeções mostrando que a dívida pode chegar até 100% do PIB em 2020.
Sim, mas o que se demanda para estabilizar a dívida pública é que é a grande controvérsia. Uma atuação que signifique cortar gastos em todas as áreas em meio a um quadro de crise econômica, que é o quadro que a gente tem no ano que vem, é justamente o que o FMI alerta que pode acabar sendo contraproducente porque isso prejudica a recuperação em tal nível que a dívida pode, ao invés de cair, subir em relação ao PIB, como, aliás, ocorreu no Brasil. Desde que começou o ajuste fiscal em 2015, a dívida pública só subiu em relação ao PIB porque a economia ficou estagnada.
Então, tem que ter muito cuidado com a composição desse ajuste para não prejudicar a própria retomada. E também é necessário considerar essa relação entre taxa de juros e taxa de crescimento econômico para projetar o que é essa dinâmica da dívida ao longo do tempo. O orçamento público não é como o orçamento familiar, em que você simplesmente não tem qualquer poder sobre quanto recebe. Ao gastar, o governo também pode estimular uma economia, que por sua vez cresce, o que gera arrecadação de impostos. Então, tudo isso não é uma matemática tão exata. A gente não pode correr o risco de precipitadamente tirar todo e qualquer estímulo da economia e, com isso, acabar sofrendo uma recessão ainda mais longa e uma dificuldade ainda maior de recuperar a arrecadação e estabilizar a dívida.

Você defendeu que a renda emergencial deveria ser permanente no pós-pandemia. Por quê? Essa é a melhor forma de reduzir a desigualdade no país? 
Quando eu falo em tornar permanente algum sistema mais amplo de proteção social, estou falando de criar uma renda básica, não de tornar permanente o atual formato do auxílio. Mas está claro que a precarização, a volatilidade da renda na base da pirâmide e outros desafios que o mercado de trabalho do século XXI vem apresentando – como relações de trabalho que não são sindicalizadas, e por isso trabalhadores não têm poder de negociação sobre quanto ganham, acabam aceitando jornadas indignas, salários indignos –, isso tudo justifica que a gente repense a rede de proteção social e expanda esses mecanismos de transferência de renda.
Acho que isso tem que vir em um pacote que tira de cima para dar para os mais pobres. Então, de um lado, a tributação progressiva da renda financia um programa mais amplo de transferência de renda do outro lado. E isso tem impactos significativos sobre a desigualdade. O Made [Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades], da Faculdade de Economia da USP, do qual faço parte, está lançando uma nota em que fica muito claro que uma tributação sobre os mais ricos no Brasil hoje é capaz de financiar um programa bastante generoso que atinja os 50% mais pobres da população com um benefício per capita bastante superior ao atual Bolsa Família. E isso teria um impacto muito significativo na desigualdade. A gente inclusive compara [essa proposta] com as propostas que foram feitas pelo governo, que remanejam recursos dos programas sociais existentes e, com isso, têm um impacto muito menor na desigualdade. É perfeitamente possível. Mas, claro, esbarra em restrições que são predominantemente políticas, não econômicas.
Com o fechamento de mais de 700 mil empresas pequenas e médias durante a pandemia, o desemprego também bateu recorde. Você disse que esse foi o eixo de medidas econômicas que menos deu certo, então qual seria o caminho para recuperar esses empregos?
Essa é a tarefa mais difícil porque empresas que fecham não necessariamente reabrem, empresas grandes que sobrevivem acabam dominando esses mercados, o que leva a uma concentração maior de riqueza e de poder de mercado na mão de poucos e destrói empregos, porque as pequenas empresas são as maiores empregadoras. Quase metade dos empregos no Brasil são de pequenas empresas, sobretudo em setores de serviço e de comércio que foram muito afetados por essa crise e que empregam muita gente da base da pirâmide e com menor grau de instrução. Então, isso é um problema de difícil solução porque, para que essas empresas voltem ou que outras as substituam gerando empregos, a gente precisa que a economia cresça. E esse crescimento econômico não pode ficar restrito ao topo da distribuição, porque a gente está falando de lojas, comércios e serviços em geral ao redor do Brasil, em todos os bairros, em municípios mais pobres, não só de quem serve às elites econômicas.
Esse crescimento robusto e essa retomada mais inclusiva exigiriam um plano de recuperação, como, aliás, vários países da Europa estão anunciando, desenhando, formulando. O debate hoje em países europeus e em alguns países asiáticos é justamente sobre planos de recuperação pós-pandemia que sejam inclusivos e sustentáveis e gerem empregos. O debate aqui no Brasil é sobre onde nós vamos cortar mais gastos no ano que vem, não sobre um plano de recuperação econômica. De alguma forma, a gente está completamente descolado dos desafios que estão colocados pela frente. Isso pode tornar permanente o fechamento das empresas e essa redução do número de ocupações na economia brasileira.
Além disso, a resposta muitas vezes são as reformas…
As reformas estão sendo pensadas sempre como “onde cortar” e “quantos bilhões de economia elas vão gerar”, o que também é uma maneira equivocada de pensar as próprias reformas. As reformas que estão sendo discutidas, como a reforma administrativa e a reforma tributária, são importantes para seus propósitos. Então, a reforma administrativa é importante para reestruturar as carreiras de maneira que os servidores públicos realizem o trabalho de forma mais eficiente para melhorar a qualidade dos serviços públicos para a população. Mas não é isso que acaba pautando o debate sobre a reforma.
A reforma no atual contexto, inclusive, não é favorável para esse tipo de discussão, porque as preocupações mais de curto prazo dominam – quase 14% de desemprego, desigualdade crescente, um auxílio emergencial que está chegando ao fim e que vai deixar desigualdades como herança, uma crise econômica que ainda não chegou ao fim, um problema na área da saúde, problemas na área de educação… E a discussão é sobre uma reforma administrativa que visa apenas gerar não sei quantos bilhões de economia. Essa não é a maneira de pensar o debate. Enquanto isso, a gente não tem nenhum plano de recuperação econômica.

Houve uma pergunta também sobre o Paulo Guedes, que não tem entregado nada do que prometeu. No primeiro ano de governo houve um crescimento pífio, durante a pandemia a proposta era um auxílio de R$ 200, e a única reforma que saiu do papel foi graças ao Congresso. O que ainda sustenta o Guedes no governo?
O governo foi eleito com essa plataforma que combina uma parte de conservadorismo e autoritarismo com esse fundamentalismo de mercado que o Paulo Guedes representa. Essa combinação nem é tão comum nesses novos movimentos de extrema direita ao redor do mundo, como na Hungria e nos Estados Unidos. E isso gera contradições crescentes.
Por um lado, isso ajudou a eleger o Bolsonaro porque garantiu o apoio de elites econômicas e reforçou o discurso de que a corrupção e o establishment políticos eram culpados pela crise econômica, então era melhor o estado não atrapalhar. Mas isso também é uma fraqueza do projeto bolsonarista que a gente viu durante a pandemia: o projeto não é capaz de lidar com o que a realidade impõe, não entrega resultados à população. O fato de, durante a pandemia, terem se aliviado as restrições e ter havido a possibilidade de fazer o auxílio emergencial acabou até ajudando o governo Bolsonaro e indo totalmente contra a agenda econômica difundida pelo Paulo Guedes.
Então, não sabemos o quanto essa contradição, que só vai aumentar, vai mudar o rumo da política econômica. É possível que o próprio Paulo Guedes altere esse rumo, como fez esse ano, ou talvez ele se torne incompatível com a continuidade do projeto.
O fato é que o Paulo Guedes em si também tem uma postura de não estar exatamente interessado em governar. O discurso e a mobilização da base acabam sendo muito mais importantes do que a formulação e a aprovação das políticas, e isso está muito em linha com a postura do governo Bolsonaro em geral. Veremos o que vai falar mais alto.

Você falou um pouco sobre uma retomada mais inclusiva e sustentável, a chamada “retomada verde“. Essa é uma possibilidade real no Brasil ou ainda estamos muito atrelados a correntes muito tradicionais e a um embate cristalizado no governo entre o liberalismo do Guedes e o desenvolvimentismo do Bolsonaro e dos militares?
Eu gosto de pensar que a gente tem todas as condições de formular um plano baseado em um novo modelo de desenvolvimento que seja inclusivo e sustentável e que não tenha a ver com esse desenvolvimentismo experimentado nos anos 1960 e 1970, que foi concentrador de renda e que também não tinha qualquer preocupação com os danos ambientais. Eu acho que é perfeitamente possível desenhar um modelo que envolva o próprio combate às desigualdades de renda e de acesso a serviços, uma série de lacunas que a gente nunca superou, como um vetor de geração de empregos e geração de novas tecnologias. Não se trata de não ter crescimento econômico, mas de se ter um outro tipo de crescimento econômico que beneficie a maioria da população, não só alguns, e que não destrua o meio ambiente.
A gente tem que articular um plano que envolva não só o setor público, mas o setor privado, as universidades, os institutos de pesquisa, e que seja orientado por essas missões de combate às nossas desigualdades e lacunas. Por exemplo, saneamento básico é uma área que a gente nunca resolveu. Uma parte do país não tem acesso a água e esgoto tratados. A área da educação, a da saúde que tem desigualdades enormes, que a gente viu agora concretamente, são áreas que claramente têm demandas urgentes da sociedade para a resolução desses problemas de infraestrutura ou de acesso a serviços e que têm um potencial enorme, se bem articulados, de mobilizar recursos que permitam o desenvolvimento de produtos e tecnologias locais que a gente possa potencialmente exportar. É possível inverter a lógica: não ser uma política industrial, voltada para os setores X ou Y da indústria, e sim ser uma política voltada para resolver os problemas da população que engendre efeitos para pequenos e médios produtores que tenham capacidade de gerar tecnologia e que possam ser mobilizados em uma estratégia assim, a partir das compras do governo, do BNDES e do setor privado.

Outra pergunta muito interessante que recebemos é quais são as alternativas para projetos de desenvolvimento econômico que levem em conta comunidades que não têm o lucro como objetivo? Onde cabem as lutas e os sonhos dessas populações?
Essa ideia de desenvolvimento que é pensada de maneira quase oposta à preservação ambiental, à sobrevivência das populações indígenas, que enxerga essas populações muitas vezes como um custo nesse processo, é justamente para onde não queremos ir. Inclusive, é uma oposição que é falsa.
Uma maneira muito mais interessante de pensar é o que eu estava descrevendo antes: partir das necessidades, das desigualdades e das demandas para gerar crescimento econômico inclusivo e ambientalmente sustentável. A economia solidária, circular, é plenamente compatível com um modelo assim. É evidente que no sistema capitalista sempre vai haver a tentativa de destruir e absorver esse tipo de iniciativa, e por isso é necessário que sejam formuladas políticas que preservem esse caráter. Mas isso não significa abrir mão do desenvolvimento econômico de maneira nenhuma.
No bioma amazônico, existe uma série de tecnologias que podem surgir justamente da sabedoria das populações indígenas e que têm que ser pensadas para serem compatíveis com o modo de vida dessas populações. Esse caminho também pode levar a aumentos de renda e à melhora de qualidade de vida para essas populações e para o Brasil em geral.
Essa ideia das missões sociais e ambientais como motores do crescimento econômico e desenvolvimento é uma inversão de lógica que é muito mais interessante para a gente pensar a estrutura produtiva do século 21, e não pensar em como retornar para estrutura produtiva do século 20.

‘O maior erro dos investidores é excesso de confiança’ segundo Richard Thaler.

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Expoente da economia comportamental diz que maior perigo é quando as pessoas acreditam que podem ‘bater o mercado’

Entrevista com Richard Thaler, Estado de São Paulo, 22/11/2020.

O economista americano Richard Thaler, de 75 anos, prêmio Nobel de Economia em 2017, é um dos expoentes da chamada “economia comportamental’, a corrente que estuda os efeitos da psicologia nas decisões econômicas. No best-seller Nudge – Um Pequeno Empurrão, escrito em parceria com o jurista Cass Sunstein e publicado em 2009, Thaler questiona a premissa de que os indivíduos tomam decisões econômicas de forma racional – adotada como verdade absoluta pelos economistas clássicos e neoclássicos – e apresenta um roteiro para ajudar a prevenir as escolhas erradas que fazemos em nossas vidas.
Nesta entrevista ao Estadão, realizada por e-mail, Thaler fala sobre como a pandemia está mudando o comportamento das pessoas e como isso vai moldar o mundo daqui para a frente. Fala também sobre os erros cometidos pelos investidores e sobre o que fazer para evitá-los. “O maior erro que os investidores cometem é o excesso de confiança”, afirma Thaler, que dará uma palestra por vídeoconferência amanhã, no Congresso Brasileiro de Mercado de Capitais, promovido pela B3 e pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima).

Como a pandemia afetou o nosso comportamento econômico e social e de que forma isso pode moldar as nossas vidas no futuro?
A pandemia é um momento determinante para o mundo. Desde o começo de março, a vida mudou para a maioria de nós. Tornou-se um teste para todos. Eu mesmo fui atingido em muitos aspectos por ela. Primeiro, a doença está tornando as nossas sociedades já desiguais ainda mais assimétricas. Nos Estados Unidos, as classes mais educadas não estão sofrendo muito, a não ser quando contraem a doença. As pessoas estão trabalhando em casa e lutando para educar os próprios filhos e cozinhar as suas próprias refeições. Mas, para a maioria, os meios de vida não foram ameaçados. Os mais abonados estão até reforçando a poupança, porque não têm em que gastar seu dinheiro.

No caso dos menos privilegiados, como foi o impacto da pandemia?
Os que trabalham na área de serviços, especialmente em restaurantes, hotéis e companhias aéreas, sofreram um duro golpe financeiro, e os profissionais de saúde que estão atuando na linha de frente da pandemia estão arriscando as suas vidas diariamente para cuidar dos doentes. Com certeza, trata-se de um grande teste para qualquer líder político e alguns estão claramente se dando melhor do que outros. Não consigo me lembrar de outra época em que tenha havido tanta incerteza. Todos nós estamos vivendo um dia de cada vez – e é provável que continue assim pelo menos por mais um ano, até surgirem vacinas para combater o vírus. São tempos assustadores.
O que mais chamou a sua atenção em termos de comportamento econômico na pandemia?
Em muitos casos, o comportamento mudou bem antes da adoção das medidas de isolamento social. A frequência a restaurantes e a realização de reservas aéreas, por exemplo, caíram rapidamente em meados de março, bem antes de as empresas fecharem. As pessoas têm bom senso. Bom, ao menos algumas pessoas têm.

Ao contrário do que diz a teoria econômica clássica e neoclássica, o sr. afirma que, muitas vezes, as nossas decisões econômicas são irracionais. Como isso afeta as pessoas, os mercados e os países?
Eu não gosto muito de usar a palavra “irracional”. Ser racional tem um significado especial em economia e o primeiro problema foi com os modelos que se baseiam em suposições irrealistas sobre comportamento. É claro que muitas pessoas são ingênuas sobre muitos aspectos de seu bem estar financeiro. Por isso, é importante que a gente as ajude sempre que possível. Mas algumas vezes, as pessoas pensam que eu estou criticando os seres humanos. É uma interpretação equivocada. Não é que as pessoas são burras. O mundo é que é duro.

Como a gente pode se proteger contra a nossa própria irracionalidade econômica?
Há muitas coisas que podemos fazer para nos proteger de nossas falhas. Todo mundo sabe que, às vezes, nós esquecemos das coisas. Por isso, fazemos listas. Colocamos alarmes para nos acordar e escrevemos compromissos importantes nos nossos calendários, para não perdê-los. Em questões financeiras, muitas famílias podem se beneficiar se fizerem as coisas de forma automática. Para muita gente, a melhor e talvez a única forma de poupar é se o dinheiro for tirado diretamente de seus contracheques antes que tenham a chance de gastá-lo. Os governos podem ajudar ao criar mecanismos que permitam que cada trabalhador possa direcionar diretamente uma parte de seu salário para a poupança. Também é importante oferecer estratégias sensatas de investimento, para que as pessoas não tenham de se tornar gestoras de seus próprios portfólios. Nós não fazemos cirurgias em nós mesmos. Chamamos médicos para fazê-las para nós. Com o nosso dinheiro, deveria acontecer a mesma coisa.

O professor Robert Schiller, também Prêmio Nobel de Economia, certa vez afirmou que ‘é o espírito animal que faz a economia andar’ e que tomamos decisões com base na intuição, e não na razão. Como isso se encaixa na sua teoria sobre os erros que cometemos nas nossas decisões?
Espírito animal é um termo confuso. Eu prefiro pular esta pergunta.

Se o sr. pudesse fazer uma única recomendação relacionada ao comportamento dos investidores no mercado, qual seria ela? Por quê?
O maior erro que os investidores cometem é o excesso de confiança. O maior perigo é quando as pessoas acham que podem selecionar uma ação específica para tentar “bater o mercado”. Os fatos mostram que a maioria dos gestores ativos (que selecionam papéis específicos para investir, em vez de montar uma carteira que espelhe os índices de mercado) fracassa ao fazer isso. É difícil. Sou diretor de uma empresa de gestão de recursos que adota uma estratégia ativa no mercado, mas nós contratamos pessoas muito inteligentes, damos a elas acesso a toneladas de informação e – mais importante – disciplina, para conseguir bons resultados. Quando falo em disciplina, quero dizer que nós tentamos apostar nos erros previsíveis dos outros. Isso é mais fácil do que tentar evitar os próprios erros.

Na prática, o que isso significa?
Por exemplo: pode haver uma estrada com uma curva perigosa. Prever que haverá colisões ali é fácil. Agora, se você receber um empurrão ou um estímulo, talvez possa evitar de se envolver em batidas. Nos Estados Unidos, muitas pessoas começaram a negociar por conta própria na Bolsa durante a pandemia. Pode se que tenham feito isso porque estavam entediadas e porque, durante um tempo, as apostas na área esportiva estavam suspensas. Ao longo desse período, o mercado subiu na maior parte do tempo, especialmente os papéis das grandes empresas de tecnologia, que são populares com pessoas físicas. Isso elevou o risco de haver excesso de confiança. Será que elas saberão quando chegar a hora de vender e sair do mercado? Eu duvido.

Numa escala de irracionalidade nas decisões econômicas de países, em qual posição o sr. colocaria o Brasil?
Dada a situação política no meu país, não me sinto credenciado a fazer julgamentos sobre governos de outras nações. Vamos apenas dizer que nenhum dos nossos governos está indo bem em lidar com a covid-19, especialmente em comparação com países como a Nova Zelândia.

O sr. investiria seu dinheiro no Brasil agora? Em qual ativo?
Eu não faço previsões sobre países.
O sr. está escrevendo um novo livro? Sobre o que será?

Sim. Quer dizer, mais ou menos um novo livro. O Cass Sunstein e eu estamos terminando agora uma grande revisão do nosso livro Nudge – Um Pequeno Empurrão. O título será Nudge – A Edição Final. Deve ser publicado no próximo verão (inverno no Brasil). Eu diria que será um livro, no mínimo, 50% novo. Terá muitos tópicos totalmente novos, incluindo um sobre o Sludge, que é o empurrão do mal. Este tem sido o meu projeto na pandemia.

Que livros o sr. está lendo agora?
Comecei a ouvir o áudio do novo livro do (ex-presidente) Barack Obama, que é narrado por ele mesmo. É muito agradável.

”O planeta está atravessado por múltiplas fraturas de desigualdade, que a pandemia irá agravar ainda mais” segundo Piketty.

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Novos indicadores permitem uma compreensão mais precisa e abrangente das desigualdades em nível mundial, detalha o economista em sua coluna

Thomas Piketty – Carta Maior, 17/11/2020

Graças ao esforço conjunto de 150 pesquisadores de todos os continentes, o World Inequality Database acaba de colocar online dados inéditos sobre a distribuição de renda em diferentes países do mundo. O que eles nos ensinam sobre o estado das desigualdades mundiais?

A principal novidade é que esses dados abrangem quase todos os países. Graças a pesquisas realizadas na América Latina, África e Ásia, já há 173 países com dados submetidos a tratamento, representando 97% da população mundial. Os novos dados também permitem analisar para cada país a evolução detalhada de toda a distribuição, dos mais pobres aos mais ricos.

Concretamente, já sabíamos que o aumento das desigualdades produziu-se de cima no curso das últimas décadas, com a explosão do famoso 1%. A novidade é oferecer uma comparação sistemática da situação das classes populares nas diferentes partes do mundo. Constata-se assim que a participação dos 50% mais pobres varia consideravelmente dependendo do país: oscila entre 5% e 25% da renda total. Em outras palavras, para uma mesma renda nacional, o padrão de vida dos 50% mais pobres pode variar de um fator que vai de 1 a 5. Isso mostra o quão urgente é ir além do PIB e dos agregados macroeconômicos para privilegiar o estudo das distribuições e grupos sociais concretos.

Patrimônio e renda
Deve-se notar também que as desigualdades são fortes em todos os países. A parcela dos 10% mais ricos representa entre 30% e 70% da renda total. É sempre significativamente mais elevada do que aquela dos 50% mais pobres. A diferença seria ainda mais acentuada se olhássemos a distribuição do patrimônio (o que se possui) e não da renda (o que se ganha em um ano). Os 50% mais pobres não possuem quase nada (geralmente menos de 5% do total), inclusive nos países mais igualitários (como a Suécia). Os dados disponíveis sobre patrimônio continuam todavia insuficientes e serão atualizados em 2021.

Em relação à distribuição da renda, há variações muito fortes entre países, inclusive no interior de determinada região e para um mesmo nível de desenvolvimento. Isso mostra que as políticas podem fazer a diferença. Na América Latina, podemos observar que Brasil, México e Chile são historicamente mais desiguais do que Argentina, Equador ou Uruguai (onde políticas sociais mais ambiciosas foram implementadas por várias décadas), e que a diferença entre esses dois grupos de países aumentou nos últimos vinte anos. Na África, as desigualdades mais extremas são encontradas no sul do continente, onde nenhuma redistribuição real de terras e da riqueza ocorreu desde o fim do apartheid.

De modo geral, o mapa das desigualdades mundiais reflete ao mesmo tempo os efeitos da antiga discriminação racial e colonial e o impacto do hipercapitalismo contemporâneo e de processos sociopolíticos mais recentes. Em vários dos países mais desiguais do planeta, como Chile e Líbano, os movimentos sociais dos últimos anos têm alimentado a esperança de profundas transformações.

O Oriente Médio aparece como a região mais desigual do planeta, tanto por um sistema de fronteiras que concentra recursos em territórios petromonárquicos, como por um sistema bancário internacional que permite transformar a renda do petróleo em renda financeira eterna. Na ausência de um novo modelo de desenvolvimento regional mais equilibrado, social-federativo e democrático, o temor é que as ideologias totalitárias e reacionárias em ação continuem a ocupar o terreno, como na Europa há um século.

Choque de desigualdade
Na Índia, onde as diferenças entre o topo e a massa da população atingiram níveis nunca vistos desde o período colonial, os nacionalistas hindus acreditam poder acalmar as frustrações socioeconômicas alimentando tensões identitárias e religiosas, cujo efeito é agravar a discriminação enfrentada pela minoria muçulmana, ameaçada de empobrecimento e marginalização duradoura.

Nota-se também a progressão contínua das desigualdades na Europa Oriental desde os anos 1990. Logo após a queda do comunismo, o choque de desigualdade foi muito mais brutal na Rússia, que em poucos anos tornou-se a capital mundial dos oligarcas, dos paraísos fiscais e da falta de transparência financeira, depois de ter sido o país da abolição total da propriedade privada. Mas, quase trinta anos depois, a Europa Oriental parece estar gradualmente se aproximando do nível de desigualdade observado na Rússia. A estagnação dos salários e a magnitude do fluxo de lucros para fora desses países alimentam uma frustração que o Ocidente do continente tem dificuldade em compreender.

A nível mundial, constata-se, é verdade, que a participação dos habitantes 50% mais pobres do planeta aumentou significativamente, passando de 5% da renda mundial total em 1980 para cerca de 9% em 2020, graças ao crescimento dos países emergentes. Esta progressão deve, porém, ser relativizada, na medida em que a participação dos 10% mais ricos do planeta se manteve estável em torno de 53% e a dos 1% mais ricos passou de 17% para 20%. Os perdedores são as classes médias e populares do Norte, o que alimenta a rejeição da globalização.

Resumindo: o planeta está atravessado por múltiplas fraturas de desigualdade, que a pandemia irá agravar ainda mais. Só um esforço acumulado de transparência democrática e financeira, hoje muito insuficiente, permitiria desenvolver soluções aceitáveis para o maior número.

Thomas Piketty é diretor de estudos da École des Hautes Etudes en Sciences Sociales e professor da Ecole d’économie de Paris. 

A desastrosa marcha à ré do combate à pobreza e à desigualdade, por M. H. Tavares.

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Os mais ricos ficaram com quase todo o crescimento da renda de 2017 para cá.

Folha de São Paulo, 19/11/2020.

Nos últimos dez anos, perdemos a luta contra a pobreza e a desigualdade, objetivo incontornável de qualquer país que se quer decente. Essa é a conclusão do primoroso trabalho “Distribuição de renda nos anos 2010: uma década perdida para desigualdade e pobreza”, escrito por três ases –os pesquisadores Rogério Barbosa, Pedro Ferreira de Souza e Sergei Soares– e recém-publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério da Economia, na série Textos de Discussão.

Ali se lê que os ganhos conseguidos entre 2012 e 2014 –e que davam prosseguimento a uma longa trajetória virtuosa de redução do número de pobres e das disparidades de renda– cessaram com a crise econômica de 2015-2016 e foram literalmente revertidos nos dois anos seguintes.
O desarranjo da economia não atingiu a todos da mesma forma nem ao mesmo tempo. A derrocada começou no governo Dilma, provocada por uma leitura míope dos obstáculos da hora, conduzindo a soluções ineficazes para superá-los.

Mas foi ao longo da difícil recuperação que teve início em 2017, já sob o comando da centro direita de Temer & Meirelles, que a sorte dos mais pobres foi selada. Segundo os estudiosos citados, os brasileiros mais ricos se apropriaram de cerca de 80% do crescimento da renda no período, enquanto os ingressos da metade mais pobre caíram 4%. Na mesma proporção cresceu a desigualdade. Sem sombra de dúvida, esse aumento foi o responsável pela ampliação da pobreza.

Os pesquisadores demonstram que o inchaço do desemprego e a queda dos salários foram os vilões da tragédia que desfez sonhos e esperanças de milhões de famílias e multiplicou o número dos sem-teto nas grandes cidades.

A Previdência Social também teve seu papel: os maiores benefícios destinaram-se aos grupos de melhor remuneração. Finalmente, o estudo revela terem sido quase nulos os efeitos compensatórios dos programas de proteção da renda, como o Benefício de Prestação Continuada, o Seguro Desemprego e o Bolsa Família, cujos recursos não acompanharam o aumento dos que a ele teriam direito.
Uma administração que produziu muito progresso, mas não as condições fiscais para sustentá-lo, seguida de outra que em dois anos promoveu impressionante retrocesso social são responsáveis pela marcha à ré do país e pela perda de uma década de mitigação das injustiças.

Não é provável que o quadro melhore neste governo: reduzir pobreza e desigualdade não faz parte de sua agenda retrógrada. Que, ao menos, os democratas com preocupações sociais aprendam com o estrago e se preparem para fazer melhor.

Maria Hermínia Tavares

Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap. Escreve às quintas-feiras.

 

Dinheiro há, falta vontade, por Daniela Stefano

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Estudo mostra que 32 multinacionais estão fazendo lucros extraordinários com a coronacrise

Folha de São Paulo, 18/11/2020

Serão necessários cerca de US$ 9,4 trilhões anualmente, por dez anos, para superar os custos da pandemia, combater a crise climática, reparar a escravidão nos EUA e atingir as metas de desenvolvimento sustentável, estima recente estudo do Transnational Institute. Influenciado por pesquisas da Tax Justice Network (TJN), o trabalho aponta que esses recursos existem, basta aplicar dez políticas progressivas.

O dinheiro viria de um imposto global proporcional sobre a riqueza. Ainda que exija ultrapassar uma série de obstáculos, entre eles a falta de vontade de bilionários em redistribuir riquezas, muitos países já estão implementando a ideia unilateralmente. O Chile aprovou uma lei em fins de maio que deve arrecadar US$ 6 bilhões do 1% mais rico do país.

E qual o motivo para os super ricos e as multinacionais terem de contribuir mais para a superação dessa crise? Se comparados à maioria da população, pagam menos imposto e nem sequer foram afetados pela coronacrise, pelo contrário: a concentração de riquezas aumentou. A TJN estima que haja pelo menos US$ 32 trilhões escondidos em paraísos fiscais.

Estudo recente da Oxfam mostra que 32 multinacionais estão fazendo lucros extraordinários durante a coronacrise e esperam distribuir 88% deles aos acionistas, a maioria já bilionários. Ao mesmo tempo, muitas dessas empresas pedem empréstimos emergenciais aos governos. Na França, sete empresas pagaram dividendos aos acionistas enquanto recebiam dinheiro público para pagar seus funcionários.

E ainda existem os abusos fiscais. Estima-se que cerca de US$ 500 bilhões de impostos corporativos não são pagos e vão para paraísos fiscais devido a brechas nas leis e ao lobby das multinacionais para que sigam beneficiadas. Desde os anos 1980, super ricos e grandes corporações vêm pagando cada vez menos impostos.

O movimento de justiça fiscal pressiona por mudanças com propostas de transparência. Se as multinacionais fizessem relatórios de suas atividades país por país, seria possível evitar o envio dos lucros para países onde pagam pouco ou nenhum imposto. Se elas fossem entendidas como uma única empresa, em vez de cada subsidiária ser tratada como empresa distinta, tornaria possível taxá-las de forma única e global, de acordo com as atividades que exercem em cada país. Registro público de beneficiários finais das corporações fecha três medidas essenciais.

Essas e muitas outras propostas são abordadas mensalmente no podcast É da Sua conta, da TJN, e só precisam de vontade política para serem aplicadas. Cabe a nós exigir reformas fiscais justas.

Daniela Stefano É jornalista e apresentadora do podcast É da Sua Conta

Desafios e oportunidades da Nova Economia

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A sociedade internacional está passando por grandes transformações em todas as áreas e setores, estas alterações estão gerando impactos generalizados, neste momento as bases da economia estão passando por construções ou por reconstruções. Neste momento, percebemos o nascimento de uma Nova Economia, gerando novos atores sociais, políticos e culturais, com isso, percebemos novos desafios e novas oportunidades, trazendo medos e esperanças e, ao mesmo tempo, novos comportamentos, concorrênciase riscos crescentes, estamos numa outra sociedade, numa nova coletividade e construindo novos modelos de civilizações.

Como destacou o criador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, a Nova Economia traz novos conceitos para a economia contemporânea, como Indústria 4.0, Inteligência Artificial, Internet das coisas, robótica, civilização digital, Startups, 5G, computação quântica, biotecnologias, dentre outras. Estes novos conceitos estão transformando todas as economias, desafiando as nações, criando um mundo cheio de oportunidade, mas ao mesmo tempo percebemos grandes instabilidades, inseguranças e desesperanças.

Nesta sociedade, muitos teóricos importantes para a academia, intelectuais como os economistas Joseph Stiglitz, Paul Krugman e Amartya Sem, laureados com o Prêmio Nobel, além de grandes personalidades da sociedade contemporânea, intelectuais de peso como Noam Chomsky, Edgar Morin, além do Papa Francisco, dentre outros, estão destacando que a sustentabilidade da sociedade deve ser reconstruída, as bases da sociedade deve ser reconstruída, a estrutura econômica deve servir para a sociedade e não como o que está acontecendo neste momento da história, onde os grandes conglomerados econômicos estão cada vez mais fortalecidos, garantindo seus privilégios, pagando tributos reduzidos e angariando novos espaços em todas as nações, controlando as estruturas de poder, perpetuando seu domínio político e garantindo uma reduzida parte da sociedade global, os benesses da acumulação e dos prazeres do capital.

A Nova economia está exigindo uma constante transformação cotidiana, os trabalhadores devem incorporar novas inovações, as invenções devem impulsionar a coletividade, os desafios devem ser crescentes, as atividades repetitivas do mundo do trabalho devem ser repassadas para as máquinas. Os trabalhadores devem ser estimulados para o pensamento crítico, exigindo novas mentalidades e a construção de novos equilíbrios emocional e espiritual, sem estes equilíbrios não conseguirão se adaptar a esta nova sociedade, marcadas por incertezas crescentes, instabilidades gerais, volatilidades, complexidades e transformações constantes. Destes desafios, destacando os modelos educacionais, das escolas e das universidades, que prescindem de novas metodologias para a construção dos novos conhecimentos, se a sociedade demanda cidadãos conscientes e críticos, os novos modelos de ensino devem capacitar para a construção dos trabalhadores do século XXII, deixando de lado os modelos repetitivos, superficiais e baseados nas decorebas constantes, criando novos modelos dinâmicos e reflexivos para na auxílio da construção da nova economia contemporânea.

Os novos modelos de negócios atuam na construção de ecossistemas de empreendimentos, tais como startups, empresas de tecnologias e marcadas pelo crescimento das inovações, com suas mentalidades dinâmicas, com seus comportamentos marcados pela ambiguidade, por modelos revolucionários de negócios, mais marcados pela flexibilidade, pelo dinamismo e menos burocracias, dominados por aplicativos e produtos intangíveis. Neste novo modelo de organização, encontramos o cenário da nova economia, centrados nas incertezas e constantes mudanças, esta nova sociedade pode ser definida pela disrupção, que tem como base um rompimento com o velho marcado e abertura para o novo, mais tecnológico, flexível e prático.

A disrupção em curso na sociedade contemporânea está gerando muitas oportunidades e desafios, de um lado, percebemos que aqueles que apresentam boas oportunidades de formações intelectual e técnica, além de valores mais consistentes, conseguem ganhos crescentes profissionais, novas oportunidades de empregos ou a construção de novos negócios, muitos delas iniciando novos empreendimentos, centrados de fortes tons de liderança, garantindo o crescimento de negócios e atuações neste mercado volátil e altamente instável.

Vivemos num mundo marcada pelos excessos de tecnologias, máquinas e equipamentos dominando todos os setores, a sociedade está construindo um mundo digital, os prazeres está se concentrando no mundo imaterial, os jogos, os aplicativos crescem todos os instantes, sua importância não deve ser questionada, mas não podemos aceitar que os valores da tecnologia gerem constrangimentos para as relações sociais e as integrações entre os seres humanos, a tecnologia deve ser vista como um grande ativo da coletividade, os avanços das máquinas não deve ser desprezadas mas, os seres humanos precisam construir novos arranjos de sociedade. As amizades devem ser consolidadas, os toques e os contatos humanos devem ser estimulados, as conversas devem ser estimuladas, os relacionamentos devem ser consolidados, sem estes vocabulários, esquecidos neste mundo marcado por tecnologias e exageros digitais, a sociedade contemporânea não conseguirá dar um salto civilizacional, ainda neste momento marcado por pandemias, desajustes morais e fragilidades espirituais.

Neste ambiente, percebemos a importância crescente da educação, na contemporaneidade a formação educacional é fundamental, todos os governos devem canalizar fortes investimentos científicos, incremento do conhecimento da sociedade, melhorando a infraestrutura das escolas, das faculdades e das universidades, aproximando estas instituições do mercado, aumentando os recursos na pesquisa, aumentando os dados e as informações disponíveis para a sociedade, subsidiando os tomadores de decisões e construir planos econômicos, centrados em políticas pragmáticas e consistentes, deixando de lado posições caracterizadas pelo viés ideológico, sem comprovação científico e sem experiências comprovadas por pesquisas científicas.

A sociedade mundial se caracteriza por grandes transformações, a rapidez destas alterações cresce de forma acelerada. Neste ambiente, os indivíduos estão atordoados, assustados, os trabalhos estão se tornando escassos, com isso, o mundo de trabalho está gerando instabilidades, desesperanças, depressões e ansiedades. Neste mundo contemporâneo, a tecnologia acelera rapidamente, neste ambiente, enquanto os indivíduos não conseguem acompanhar estas transformações impulsionadas pelas novas tecnologias, vivemos um grande paradoxo, os consumidores percebem inúmeras mercadorias disponíveis no mercado, mas de outro lado percebem seus rendimentos se reduzindo, seus salários diminuem e as perspectivas de sobrevivência dignas diminuem de forma acelerada, impulsionando conflitos, violências e a convivência social, neste momento, percebemos a importância de uma discussão maior sobre os rumos da sociedade mundial.

Os grandes pensadores da sociedade mundial, desde os intelectuais que foram fundamentais para a compreensão do mundo, seus desafios, seus medos e as limitações, todos eles teóricos destacaram que o crescimento da civilização só seria possível se os seres humanos conseguissem encontrar uma fórmula de equilíbrio que concatenar os avanços da sociedade em vários setores: o crescimento intelectual, o crescimento econômico, o crescimento moral e o crescimento espiritual. Neste momento, percebemos que a sociedade está se concentrando apenasnum dos eixos da equação, a sociedade está se concentrando no eixo do crescimento econômico, estamos nos preocupando apenas na economia, aumentando as riquezas, aumentando as cargas de trabalho e levando os indivíduos a degradação, acreditando que o mundo conseguirá o tão sonhado seu desenvolvimento. Neste momento, percebemos que se não conseguirmos nos fortalecer nas bases da moral, do espírito e da intelectualidade, o mundo tende a aprofundar rapidamente a degradação, os confrontos, a incivilidade e o retrocesso, reflitamos sobre estes ensinamentos da história, sem esta reflexão o mundo caminhará, a passos largos, a momentos sombrios, assustadores e longe dos conflitos existenciais e morais.

‘Educação remota afeta ainda mais os vulneráveis’, diz Paes de Barros

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No combate à pandemia, governo deveria, eventualmente, ‘fechar a economia e abrir as escolas’, diz especialista

Entrevista com

Ricardo Paes de Barros, professor do Insper

dnana Tomazellli, O Estado de S. Paulo, 14 de novembro de 2020

BRASÍLIA | O governo deveria centrar esforços no controle da pandemia do novo coronavírus para criar as condições necessárias à reabertura das escolas, afirma ao Estadão/Broadcast o economista Ricardo Paes de Barros, professor do Insper, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e um dos formuladores do programa Bolsa Família: “Não adianta fazer a economia voltar e manter escolas fechadas. Eventualmente, tem de fazer o contrário, fecha a economia e abre as escolas.”

Segundo ele, é preciso criar incentivos, inclusive financeiros, para que jovens de famílias mais carentes voltem às aulas em vez de engordar estatísticas de evasão escolar. Ao mesmo tempo, será necessário reforçar a oferta de professores para ampliar a assistência aos alunos e recuperar o tempo perdido. Se nada for feito, o prejuízo no aprendizado pode impactar a renda do estudante em até R$ 70 mil ao longo de sua vida. Em caso de abandono dos estudos, o prejuízo chega a R$ 400 mil para ele e a sociedade.

Leia os principais trechos da entrevista:

As escolas estão fechadas há oito meses, há uma disparidade nos Estados sobre o acesso dos alunos a atividades remotas. Qual é o impacto disso na economia e na desigualdade?

Não tem como ter essa educação remota, em certo sentido improvisada, durante oito meses. É impossível achar que não vai ter consequências graves. Os alunos vão aprender menos, a chance de evadir é maior, e tudo isso acontecendo de uma maneira extremamente desigual, porque esse esforço meritório de educação remota requer um apoio da família em termos de recursos digitais, espaço, lugar para estudar, tempo para estudar. Vai ser uma perda grande e desigual.

E qual é o tamanho da perda?

A gente só vai saber na hora em que começar a medir o que aconteceu com o aprendizado à medida que os alunos voltarem. Agora, a principal preocupação é o cara voltar para a escola. Se não voltar para a escola, a perda é gigantesca. Num trabalho que fizemos no Insper junto com a Fundação Roberto Marinho, a gente calcula que cada jovem que não voltar para a escola é um prejuízo de R$ 400 mil para ele e para a sociedade brasileira. Não é o que ele perdeu este ano, mas o que ele vai perder também nos próximos anos por ter saído da escola. É uma perda gigantesca de PIB, de renda, de empregabilidade e de tudo que a educação traz, desde menos violência a melhores condições de saúde.

Quem está mais exposto?

Quem tem mais risco de não voltar para a escola são os mais pobres, os mais vulneráveis, e quem se beneficiou menos da educação remota foram os mais pobres e mais vulneráveis. Então tudo é muito desigual, uma perda muito grande, mas tem uma prioridade. Primeiro, garantir que todo mundo volte. Segundo, recuperar a perda de aprendizado. A pior coisa que a escola pode fazer é naturalizar essa perda de aprendizado. A gente deveria estender, por exemplo, o terceiro ano (do ensino médio) e segurar os jovens que não aprenderam tudo que deveriam, porque ensinar para eles é mais importante do que eles entrarem no mercado de trabalho.

O público do terceiro ano é justamente o que está no maior risco de evasão, muitos precisam ajudar a família. Como garantir que ele não só volte, mas fique mais um ano na escola? É preciso algum incentivo?

Custa R$ 400 mil (o abandono escolar). Qualquer incentivo que a gente der para eles é mais do que bem-vindo. O governo está gastando R$ 600 bilhões, deixando de arrecadar R$ 200 bilhões (em 2020). Faz todo o sentido uma bolsa de estudos para todos os jovens pobres se manterem na escola. É um dos melhores incentivos que o Brasil pode fazer para o próximo ano. Mas não adianta manter ele na escola se a gente não tiver um programa de ensinar para ele, acelerar o aprendizado. A solução mais evidente são tutorias, turmas com poucos alunos. É preciso entender no detalhe o que ele sabe, o que não sabe e ajudar. Isso requer uma relação de número de alunos por professor muito baixa, é quase uma tutoria individualizada.

Isso implica contratação, horas adicionais dos professores? Como seria feito?

Vai envolver os professores trabalharem mais horas, afinal estamos nos recuperado de uma pandemia. Gastou-se mais com o auxílio emergencial, nós vamos ter que gastar agora com educação.

Tem uma pressão grande sobre governadores e prefeitos para reabrir escolas, alguns tentaram e voltaram atrás, mas há ainda grande temor. Como conciliar isso?

A única maneira de fazer isso é reduzir o número de mortes, reduzir a transmissibilidade. Enquanto o Brasil tiver o número que mortes que tem hoje, vai ser impossível voltar seriamente com as escolas. Só vai voltar para fechar de novo. Não adianta fazer a economia voltar e manter escolas fechadas. Eventualmente tem que fazer o contrário, fecha a economia e abre as escolas, que parece ser o que alguns países europeus estão fazendo. É mais importante abrir as escolas do que abrir a economia. O direito à vida está em primeiro lugar. O Brasil tinha que ter no máximo 200 mortes por semana. Aí poderia sair de uma propagação comunitária, avaliar cada morte para saber de onde veio e tomar as medidas para evitar transmissão, que é o que a Alemanha fez. Depois disso pode começar a falar em abrir as coisas.

 

Radiografia do desmonte da Ciência brasileira, por Ergon Cugler.

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Universidades públicas lideraram 2 mil iniciativas contra a covid-19, mas governo quer cortes de 32%. Fundo de desenvolvimento científico perderá 4,8 bilhões; CNPq cortará mais bolsas. Não basta exaltar ciência, é preciso lutar por investimentos

Por Ergon Cugler – Outras Palavras – 15/11/2020.

Em maio deste ano escrevi ao Nexo Jornal como o subfinanciamento e o desmonte da Ciência, Tecnologia & Inovação limitavam o enfrentamento da pandemia da COVID-19. Ainda assim, esperançamos e nos mobilizamos enquanto sociedade pela valorização da Ciência para superarmos o cenário pandêmico — chegando a afirmar que a pandemia nos ensina que sem Ciência não há futuro. Evidente que a comunidade científica ocupou a linha de frente junto aos profissionais da saúde em todo país, porém, ainda assim, os cortes de bolsas seguem ocorrendo e diversas pesquisas estão sendo interrompidas. Será que realmente estamos aprendendo algo enquanto sociedade?

Desvalorização em números

Em todo país, as Universidades Públicas brasileiras foram responsáveis por mais de 2000 iniciativas contra os efeitos da pandemia da COVID-19, resultando em milhões de vidas beneficiadas direta ou indiretamente pela vasta produção de equipamentos de proteção individual, respiradores, além de inovações tecnológicas, estudos e pesquisas que não se intimidaram em dar suporte à sociedade (mapeamento das iniciativas contra COVID-19).

Apesar de todo empenho, os cortes para 2021 no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) chegam a 32%, se comparado a 2020. A perda maior é de R$ 4,8 bilhões para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), além de cortes em bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – como aponta a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC).

Destacando as bolsas do CNPq como exemplo, a redução de recursos chega a 64% no próximo ano. Na prática, o orçamento de 2021 prevê garantir apenas 4 meses de bolsas de pesquisa, pois 60,55% dos recursos dependeriam de eventual e incerta aprovação de créditos suplementares pelo Congresso. Atualmente, a Capes concede bolsas a 100 mil pesquisadores e o CNPq financia 80 mil bolsas de pesquisa (Agência Senado).

Em alguns estados a realidade não é diferente. Segundo levantamento (Folha de São Paulo), mais de um terço dos estudos e pesquisas publicados em todo o país sobre a COVID-19 (38,7%) tiveram a participação das universidades públicas estaduais paulistas. Ainda assim, o Governo do Estado tentou aprovar o trecho do PL 529/2020 que previa confiscar mais de um bilhão de reais do caixa das universidades públicas estaduais paulistas, com o argumento de promover “ajuste fiscal e equilíbrio das contas públicas”.

Mesmo após mobilização da sociedade contra a tentativa de confisco, uma manobra no Orçamento de 2021 também proposta pelo Governo do Estado – via PL 627/2020 — busca reduzir em 30% o financiamento da Fapesp e da pesquisa científica estadual, cortando R$ 454,7 milhões de projetos científicos, inclusive em andamento. Tal valor, no entanto, poderia pagar um ano inteiro de 54.465 pesquisas de iniciação científica (R$ 695,70 por mês) ou 18.547 bolsas anuais de mestres e doutores pesquisadores (R$ 2.043 por mês).

Sobre as bolsas, aliás, há quem insista em uma falsa ideia de que são um “privilégio” pago com dinheiro público. Pelo contrário, um pesquisador universitário, por exemplo, recebe uma bolsa de R$ 400,00 mensais; valor que há anos não tem reajuste, que não conta com décimo terceiro, licença, seguro de vida, férias ou quaisquer direitos trabalhistas (Nexo Jornal). Além, tal pesquisador não pode ter qualquer vínculo empregatício, sendo obrigado a se dedicar exclusivamente para a pesquisa em que é bolsista. Isto é, cortes e contingenciamentos significam, muitas vezes, a suspensão de toda e qualquer fonte de renda de um pesquisador — além da interrupção da pesquisa.

Porém, se as universidades estão sempre a postos e tais pesquisadores se dedicam exclusivamente para a produção científica brasileira, por que tal empenho não se reflete na construção de um orçamento que fortaleça e valorize a Pesquisa, Ciência, Tecnologia & Inovação?

Quem tem medo da Ciência?

Ciência não se faz do dia para a noite, apenas para atender à um imediatismo de ocasião. Não é possível, também, interromper uma pesquisa por falta de financiamento e depois retomá-la no mesmo ponto. Com Ciência, Tecnologia & Inovação é necessário investimento programático, estratégico, ininterrupto, de qualidade e progressivo para que conhecimentos diversos estejam mobilizados e a postos para com a sociedade nos mais diversos cenários.

Não é possível também existir um suposto apoio de ocasião. Além, não basta apenas dizer apoiar a Ciência, é preciso defender seu financiamento. Pois, ou se valoriza na prática a Ciência como elemento central para a superação de crises e plataforma para construção de uma sociedade mais saudável, ou será apenas discurso.

No entanto, não faltaram figuras públicas que aproveitaram da onda em ascensão para fazer da Ciência um slogan ao buscar legitimar decisões em meio à crise. Tão grave quanto polarizar com a cloroquina e desmobilizar uma eventual vacinação contra COVID-19, por exemplo, é fazer uso oportunista da Ciência para surfar na narrativa em alta e, ao mesmo tempo, usar o “ajuste fiscal e equilíbrio das contas públicas” como desculpa para desmontar o financiamento público da Ciência.

Até porque, ainda que se ignore todo potencial e transformação que o acesso a conhecimentos científicos traz para a sociedade, é impossível chamar Ciência apenas de gasto e negar que investimentos em Ciência, Tecnologia & Inovação trazem ganhos futuros, impulsionando toda uma cadeia produtiva e agregando valor econômico ao país.

Porém, enquanto tentam uberizar a Ciência brasileira, é preciso estar atento e forte enquanto sociedade, pois ainda que a comunidade científica entre em campo para estar na linha de frente, tal protagonismo não garante automaticamente um orçamento justo. Além, não se trata de uma batalha única, pois a disputa por uma sociedade que use a Ciência como plataforma de promoção de justiça social deve ser travada diariamente por todos nós.

Assim, a provocação está em construir uma mobilização contínua de valorização da Ciência, da divulgação e da popularização científica em nosso cotidiano, envolvendo organizações, associações e principalmente a sociedade como um todo na discussão dos rumos e desafios do que é público e comum da pólis. Até porque, se mesmo em meio a pandemia nos deparamos com ainda mais cortes e com tamanha desinformação negacionista circulando para legitimar tal desmonte, o que restará se não nos colocarmos diariamente no papel de defesa da Ciência brasileira?

 

Em tempos sombrios, é possível educar para a polidez?, por Claudia Costin.

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Estamos ensinando as crianças a construir uma sociedade melhor do que a que lhes legamos?

Folha de São Paulo, 13/11/2020.

Volto ao tema da polidez, já que, em tempos de populismos, vem ocorrendo uma tendência de associar linguajar vulgar a autenticidade. É como se, para ser “um de nós”, o eleito deva ser grosseiro, explosivo, sem autocontrole e “falar verdades”.

As famílias e as escolas, quando educam crianças, levam muito tempo ensinando exatamente o inverso. As palavras têm sentido e podem ferir, daí a importância de utilizá-las com respeito à condição humana do outro, para selar uma convivência pacífica e construtiva. Além disso, ensinar autorregulação é uma das chaves de um processo pedagógico bem-sucedido.

Os alunos reproduzem aquilo que observam no comportamento dos adultos que lhes são próximos. Se pais ou autoridades não respeitam leis de trânsito, jogam lixo na rua e ofendem os que lhes são, por algum critério, desagradáveis, é isso que adotarão como conduta. E cuidado, o agredido poderá ser justamente aquele de quem emulou o comportamento.

Da mesma maneira, quando governantes divulgam teorias conspiratórias ou as mencionam em discursos chamados à agressão, como bem analisou Levitsky em seu “Como morrem as democracias”, autorizam exércitos de seguidores a fecharem os olhos para crimes governamentais e a, no limite, espancarem os inimigos citados em discursos.

Quem estudou história sabe que a origem do triste episódio da Noite dos Cristais em que judeus tiveram lojas vandalizadas e foram espancados e mortos por civis, foi exatamente um discurso autorizativo.
A implementação de boas políticas públicas, numa federação, demanda competência, capacidade de articulação e negociação, conhecimento técnico e sentido de propósito. Isso se torna ainda mais importante em crises, quando coragem, e não virilidade, torna-se componente adicional para lidar com os desafios vividos.

O historiador John Lukacs, ao se referir ao período entre guerras, em seu “O Duelo”, relata que a juventude inglesa, à época, admirava Hitler, associando-o a uma maior “virilidade” que a demonstrada pela democracia do Reino Unido. Vários queriam que o país se alinhasse à Alemanha no conflito iminente.

A virilidade inconsequente, percebida como qualidade, pode nos levar rapidamente para a direção errada.

E a assertiva de que teríamos “que evitar de ser um país de maricas” (sic), além de subentender que não devemos levar a pandemia a sério, traz uma ofensa implícita para com uma parcela da população brasileira que merece nosso respeito.

As crianças, na sala, observam. Afinal, estamos lhes ensinando a viver em sociedade e a construir uma sociedade melhor do que a que lhes legamos?

Claudia Costin

Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

 

O fiasco da privatização, por Luiz Gonzaga Belluzzo.

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Carta Capital, 14/11/2020.

O colapso no fornecimento de energia no Amapá deixou expostas as inconsequências e inconveniências da privatização de empresas que produzem insumos universais. São universais aqueles ingredientes sem os quais uma economia moderna não pode funcionar. A energia elétrica é um desses insumos universais. Seria de bom alvitre explicar essa banalidade para a turma do Paulo Guedes e seus sequazes da Faria Lima.

Para não vender gato por lebre, cumpre explicar que a febre de privatizações avassalou o planeta desde o início dos anos 80 do século passado. Nesse momento, tornaram-se dominantes as palavras de ordem que afirmavam a superioridade e maior eficiência econômica dos empreendimentos privados vis-à-vis com as empresas públicas.

Na verdade, informa o economista Michel Aglietta em seu livro Capitalisme le Temps de Rupture, as operações de fusões e aquisições estão na origem de um intenso processo de concentração de capital que visa aumentar a rentabilidade da empresa, aderindo a uma posição monopolista ou oligopolista, dependendo das condições de concorrência nos diversos mercados. A estratégia de “crescimento externo” é provável que cumpra diferentes metas para a empresa, como acesso a novos mercados, particularmente no plano internacional. Na linguagem de Aglietta, o “crescimento externo” – fusões e aquisições – contrapõe-se ao “crescimento interno”, aquele sustentado pelo aumento da capacidade produtiva mediante a compra de máquinas, equipamentos e contratação de mão de obra.

Nas décadas posteriores à ruptura dos anos 1980, o Ocidente assistiu a uma redução progressivamente significativa do investimento em nova capacidade, enquanto o Dragão do Oriente subia sua taxa de investimento produtivo para 50% do PIB (esse exagero foi corrigido posteriormente e a taxa de investimento da China recuou para 41,5%).

As transformações nas estratégias das empresas explicam a sanha das privatizações de bens públicos, sobretudo os chamados monopólios naturais, como é o caso de energia, saneamento, logística. Isso para não falar dos serviços públicos, tais como saúde, educação, transporte urbano. A pandemia, diga-se, escancarou a insuficiência da oferta de bens e serviços públicos nas sociedades capitalistas.

No caso das privatizações, a financeirização rentista exercita seus propósitos ao se beneficiar de um ativo existente e gerador de renda monopolista, criado com dinheiro público. A onda de privatizações obedece à lógica patrimonialista e rentista do moderno capital financeiro, em seu furor de aquisições de ativos já existentes. Nada tem a ver com a qualidade dos serviços prestados, mesmo porque os exemplos são péssimos. Em geral, no mundo, a qualidade dos serviços prestados pelas empresas privatizadas declinou, acompanhando o aumento de tarifas e a deterioração dos trabalhos de manutenção.

A decepção popular com as experiências de privatização contamina gregos e troianos, países ditos adiantados e outros nem tanto. A experiência privatista revela suas entranhas: os capitais desejam ardentemente adquirir empresas produtoras de serviços públicos, primeiro para realizar formidáveis ganhos de capital no momento das aquisições, depois para abocanhar a renda monopolista.

Já relatei nesta coluna que, na Era Thatcher, a Inglaterra privatizou o abastecimento de água e os transportes interurbanos. Num e noutro caso as tarifas subiram muito rapidamente. Em algumas cidades inglesas, as tarifas de água tornaram-se abusivas. O serviço? Uma droga. Os lucros naturalmente aumentaram de forma explosiva.

Os privatistas, com a maior cara de pau, usam a evolução da rentabilidade para mostrar a maior eficiência da empresa privada. Eficiência privada, ineficiência social. No caso dos ônibus interurbanos, além da brutal elevação de tarifas, os concessionários privados simplesmente fecharam as linhas menos rentáveis, deixando muitos ingleses sem transporte.

O economista e jornalista Will Hutton, em seu livro A Situação em Que nos Encontramos, descreve com requintes de crueldade a condição do consumidor inglês de serviços públicos submetido aos caprichos e arbitrariedades dos controladores e administradores dos monopólios naturais, como transporte público e abastecimento de água. Só não reclamam, é claro, os possuidores de ações dessas empresas, que celebram os preços de seus ativos subindo sem descanso. E a farra do bode.

Imaginam os crédulos do mercado que a vida poderia estar melhor se os gordos benefícios fossem utilizados para sustentar um programa de investimentos destinados a garantir a melhora dos serviços. Nada disso. Os resultados vão forrar os bolsos dos acionistas, sob a forma de recompra de ações e distribuição de dividendos. Enquanto isso, os consumidores se lascam.

Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor da Universidade de Campinas (SP).

RH medieval, por Rodrigo Zeidan

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No Brasil e na China, salário é gasto, não investimento, portanto deve ser minimizado

Folha de São Paulo, 14/11/2020.

“Por favor, não conte para a minha chefe que estive aqui”, foi o que me disse uma funcionária da NYU Shanghai que veio me pedir conselhos sobre a carreira.

Assim como em muitas empresas no Brasil, há uma corrida pela mediocridade em organizações privadas na China. Essa corrida começa com a ideia de que o funcionário deve se dedicar à empresa, sem buscar receber ofertas dos concorrentes.

Pensar em mudar de empresas é visto como traição. Quando alguém recebe uma oferta, os gestores ficam indignados, mas deixam a pessoa ir porque acreditam que sempre podem contratar alguém por um salário mais baixo.

Está assim montada a estrutura da corrida pela mediocridade. E quem patrocina isso? A diretoria de recursos humanos. Afinal, no modelo brasileiro (e chinês), salário é gasto, não investimento, portanto deve ser minimizado.

Não há real medição de desempenho e não se dá feedback honesto aos funcionários. Os empregados não aceitam receber críticas. Quando alguém é criticado, em vez de ouvir, começa a se defender. Contrata-se um funcionário e espera-se que ele vá fazer o mesmo trabalho por anos a fio, sem plano de carreira.

Ao longo do tempo, os que têm valor no mercado acabam saindo por ofertas melhores, e só ficam os que não têm opção. Cria-se uma cultura de medo, na qual uma funcionária teme conversar sobre seu futuro com um colega.

Entre os novos contratados, os que se destacam são vistos com ressentimento, pois já se prevê que o mercado vai roubá-los.

Mas um modelo diferente é possível. O principal requisito é um processo transparente de medição de produtividade, mas com desenho que não transforme tudo em números sem contexto. Afinal, há várias razões para um desempenho ruim de um funcionário em um mês, ou semestre, e tais flutuações já são esperadas como algo normal; afinal, ninguém é uma máquina.

Na minha universidade, o mais difícil tem sido quebrar a cultura da aversão a crítica, construtiva ou não.

Para profissionais de várias outras nacionalidades, críticas construtivas são não somente aceitáveis como bem-vindas. Mas na China, assim como no Brasil, não.

Vários processos de recursos humanos no Brasil parecem saídos da Idade Média, mais se assemelhando com instrumentos de tortura que práticas de geração de valor.

Lembro-me de quando pedi uma licença sem vencimentos para poder passar um tempo como professor visitante no exterior. A primeira pergunta do diretor foi: quanto você vai ganhar lá fora? O medo era que outros professores fossem fazer algo parecido, “inflando” o mercado.

No fim das contas, a cultura de recursos humanos no Brasil é de contencioso, de empregados contra empregadores, e vice-versa. Um modelo de ganha-ganha é possível. Essa foi uma lição que aprendi com o bolso.

No meu primeiro emprego no exterior, descobri que um amigo ganhava £ 2.000 a mais por ano. A razão? Assim como eu, ele recebeu a oferta de emprego horas depois da entrevista. Mas usou essa celeridade como poder de barganha. Disse que aceitaria a oferta por £ 3.000 a mais de salário. Recebeu contraproposta de £ 2.000. Aceitou.

Eu? Brasileiro “pede” emprego e, assim, pensava que só tinha como opções dizer sim ou não à oferta. Aprendi. E não trabalho para quem tenta me torturar, ou só quer sugar meu valor, sem dar muito em troca.
Há empresas com boas práticas no Brasil. Mas não se chega ao século 21 sem esforço.​

Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

 

 

Desindustrialização e degradação das classes médias

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O filme “A grande virada” destaca o incremento do desemprego em setores que poderíamos ser descritos como os altos executivos, os diretores e os grandes funcionários das empresas multinacionais ou dos transnacionais. Neste filme, o ator vivido por Ben Affleck, um dos diretores da companhia é dispensado depois de muitos anos dedicado a conglomerado, iniciando um verdadeiro calvário de recolocação no mercado de trabalho, convivendo com a indústria da recolocação dos executivos, as degradaçõessociais, a perda de condição social e muitas humilhações e explorações,mostrando as grandes mudanças no mercado trabalho em uma sociedade marcado por grandes transformações, aumentando os conflitos pessoais, familiares  e desesperanças generalizadas.

Ao assistir este filme, percebi que vivemos numa sociedade cujas mudanças estão gerando grandes desafios individuais e coletivos, ao analisar a sociedade norte-americana, que sempre foi vista como um espaço de valorização de todos os cidadãos que se dedicassem solidamente, vivenciando inúmeras oportunidades, marcadas pela liberdade e as grandes perspectivas de ascensão social, melhorando as condições sociais e aumentando as possibilidades de enriquecimento pessoal e entesouramento coletivo, garantindo ao país alcançar o pódio do desenvolvimento econômico e incremento na democracia, um país invejado e com forte propensão ao sucesso.

As grandes transformações na sociedade contemporânea estão deixando rastros de degradação nas classes sociais, onde destacamos as alterações nas classes médias, uma classe muito invejada por todos os conjuntos da sociedade, marcados por espaços clássicos de empreendedorismo, marcados pela ascensão social e pelo crescimento de seu poder de compra, angariando novos espaços de consumo e comportamentos sociais, transformando-a para a sociedade um verdadeiro farol de crescimento político, econômico e ascensão cultural. Nesta classe, encontramos os filhos dos operários e dos médios empresários no período posterior na segunda guerra mundial, cidadãos que tiveram a oportunidade de estudar, de se capacitar e se formar em universidades de ponta, muitos deles são frutos das universidades públicas e privadas de destaque, sendo responsáveis por grandes avanços da ciência, do conhecimento e das bases das tecnologias em variadas áreas e setores, garantindo um avanço científico para a sociedade contemporânea e abrindo novas perspectivas para os rumos da sociedade mundial.

A classe média está no centro das grandes transformações contemporâneas, são os grupos mais afetados pelo incremento das mudanças no mundo do trabalho, são trabalhadores que sentem os impactos das novas tecnologias, dos novos modelos de produtivos e sentem os avanços tributários dos governos nacionais, que veem nestes grupos como os mais frágeis na defesade seus interesses, com isso, perdem seus recursos e sentem o crescimento dos tributos, empobrecendo esta classe central no desenvolvimento das economias. O enfraquecimento dos setores industriais nos países ocidentais como agentes geradores de empregos, impacta fortemente sobre a classe média, reduzindo a demanda por empregos e incrementando o desemprego, o subemprego e a desalento.

Nos últimos séculos, segundo os especialistas, o setor terciário seria o grande gerador de emprego, absorvendo uma grande leva de trabalhadores expulsos dos setores agrícolas e industriais, se refugiando nos setores comerciais e de serviços. Nesta época, as visões otimistas acreditavam que os trabalhadores seriam empregados no terciário, mas percebendo que este último está passando por novas tecnologias, novos modelos de gestão e, com isso, reduzindo a absorção de trabalhadores, criando um futuro marcado pela redução de empregos formais e incremento dos setores informais, com cidadãos desprotegidos e sem benefícios sociais, incrementando os desequilíbrios sociais e aumentando as sensações de mal-estar e desesperanças de todos os grupos sociais.

No filme “A grande Virada”mostra, num dos momentos do filme, os personagens relembrando os momentos de crescimento da instituição, o incremento dos empregos e a melhoria das condições sociais dos trabalhadores e de todos os cidadãos do seu entorno, gerando melhora das condições de vida das cidades, aumento da arrecadação de impostos das cidades, atraindo novos investidores, novos conglomerados, empreendimentos imobiliários e estimulando o desenvolvimento das regiões.

Este ambiente passou por grandes transformações, os grandes setores industriais contribuíram para estimular os setores de classe média, com a desindustrialização dos países ocidentais, estes grupos sociais sentem os impactos da desindustrialização, exigindo novos modelos produtivos e novos instrumentos de absorção de levas de trabalhadores capacitados, levando-os buscar novas formas de remuneração, sem empregos estes cidadãos se entregam aos mercados de aplicativos, buscando trabalho para sobreviver, sem proteções, sem seguranças, sem amparos, sem perspectivas e sem remunerações condignas, estamos retornando, quando pensamos no mundo dos trabalhos, a momentos mais sombrios da sociedade industrial nos séculos XVII e XVIII, onde as explorações eram a tônica da sociedade, onde os trabalhadores estavam condenados a jornadas maiores de 16 a 18 horas por dia, uma verdadeira escravidão branca e degradante.

Christopher Guilluy, geógrafo francês, em seu livro “O fim da classe média”,publicado em 2019, faz uma reflexão sobre a desagregação das classes sociais, destacando o papel que sempre desempenhada por esta crise social que, na atualmente, perdeu a capacidade de se organizar, de auxiliar os grupos mais capacitados e passou a pensar e agir de acordo com seus interesses imediatos, acabando com a solidariedade de classe, se afastando das bases da sociedade e se fechando em seu mundinho interior, mais egoísta, angustiado e imediatista.

O modelo de produção que reina na sociedade internacional, centrados em estruturas flexíveis e dinâmicas, marcadas pelo crescimento de máquinas e de equipamentos, marcados pelas novas tecnologias da Indústria 4.0, centradas na biotecnologia, na internet nas coisas, na robótica, das estruturas de telecomunicação 5G, nas estruturas em nuvens, na empresa de streaming, das mídias sociais, exigem novas organizações produtivas e novos modelos de recrutamento e seleção de trabalhadores, mais dinâmicos, comunicativos, proativos e equilibrados emocionais e espirituais, exigências distantes da grande parte das forças de trabalhos, contribuindo para o incremento do desemprego e do subemprego, o desalento, da ansiedade, da depressão e, em muitos casos, ao suicídio.

Os grupos das classes médias sentem todas estas alterações dos modelos de trabalho, nos servidores percebendo a redução da empregabilidade, estes setores percebem a diminuição das contratações, sobrecarregando os trabalhadores que continuam empregados, com isso, percebemos que as cargas de trabalho crescem e as exigências aumentam, gerando síndromes variadas, desesperanças e preocupações crescentes, reformas crescem de forma aceleradamente, a Previdenciária, a Administrativa… dentre outras, levando estes funcionários a cargas de estresse, de desagregação social e emocional.

Muitos grupos sociais da classe média se apressam para conseguir aposentadoria, sonham com o descanso e tempos maiores para o lazer e para o descanso, infelizmente percebem que seus sonhos, em muitas vezes, são obrigados a buscar novos empregos como forma de manter seu padrão de vida, novas rotinas, novas ocupações e novas levas de estresses, incrementando os já crescentes desequilíbrios emocionais e espirituais.

Nestes momentos de pandemia, muitos setores das classes médias percebem uma redução considerável em seus rendimentos, muitos salários estão sendo diminuídos, muitas empresas estão falindo, muitos empresários que sempre sonharam em serem donos de seus negócios, acordam endividados, sem crédito e sem perspectivas, os sonhos para muitos empreendedoresacabaram se tornando um verdadeiro pesadelo. Neste ambiente de instabilidades e incertezas, inúmeras são obrigadas a retirar seus filhos das escolas privadas, muitos estudantes universitários são obrigados a abandonar os sonhos de um diploma superior, muitas famílias são obrigados a abandonar os planos de saúde, neste caso, mais de 2 milhões de trabalhadores tiveram que deixar seus planos, recorrendo aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), que neste momento de pandemia, mostrou para a sociedade a importância deste modelo universal criado pela Constituição de 1988, que é responsável pela cobertura de mais de 200 milhões de cidadãos, o único país do mundo, com mais de cem milhões de habitantes, que ousou garantir um sistema de saúde universal para todos os concidadãos, um serviço público que deveria ser visto por todos os brasileiros como um exemplo para a sociedade.

A classe média tem grande importância para a sociedade brasileira, desde os anos 90, percebemos que este grupo social perde espaço na sociedade, deste então estão sendo muito tributados, seus rendimentos são retirados diretamente dos respectivos holerites, seus recursos monetários estão degradando e levando-a a crises generalizadas, endividamentos crescentes, medos angustiantes e desesperanças sem fim. Percebemos que este grupo social precisa de um socorro imediato, sem este auxílio o futuro da classe média é a transformação em grupos mais fragilizados e empobrecidos, degradados e sem perspectivas futuros, corroendo as bases da sociedade e abrindo espaço para a degradação da sociedade, com aumento da pobreza, da indigência e a desesperança, abrindo espaço para grupos políticos populistas, inescrupulosos e aproveitadores.

Nos últimos anos, o sonho de um país de classes médias está ficando cada vez mais distante, estamos num momento inédito da história do país, precisamos repensar as bases do nosso desenvolvimento e as perspectivas para os anos vindouros, estamos próximo do caos generalizado e as expectativas para os próximos anos deve ser definidos na atualidade, reconstruir os sonhos do crescimento da classe média é o mesmo repensar os sonhos da cultura brasileira, da civilização nacional, retornando de teóricos que ousaram a pensar o nosso país, como Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, dentre outros, intelectuais que pensaram no Brasil como uma potência tropical, soberano e autônomo, mesmo num mundo marcado por degradação ambiental e subserviências política e cultural.

 

 

 

 

 

 

 

 

Sem renda, classe média corta plano de saúde e escola.

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QUATRO PERGUNTAS PARA…. Renato Mairelles, presidente do Instituto Locomotiva:

O presidente do Instituto Locomotiva faz uma reflexão sobre os impactos da pandemia sobre o consumo das classes sociais, enfatizando a classe média, classe que sentiu fortemente as consequências das mudanças geradas na contemporaneidade.

1. O que aconteceu com a classe média na pandemia?

A classe média não recebeu o auxílio emergencial, como a baixa renda, e não tinha poupança, como a alta renda. Assim, ela viu uma pressão grande sobre seu orçamento. E, como muitos integrantes da classe média trabalham em profissões em que é possível fazer home office, muitos dos gastos da casa também subiram, o que explica haver aumento das contas em atraso.

2. Parte da classe média recebeu o auxílio dado pelo governo quando houve redução de jornada e salário. Mas o valor não compensou toda a perda salarial ocorrida?

Se a pessoa está em um emprego formal, sim, ela recebeu. Mas e o advogado? A dentista? O salão de classe B que ficou fechado? O dono de bar? O pequeno empresário sofreu muito. Nós fizemos uma pesquisa sobre financiamento e descobrimos que somente 6% dos empresários conseguiram algum tipo de ajuda, de refinanciamento.

3. Qual a consequência da perda de renda da classe média para as demais?

A classe média teve menos proteção que a baixa renda, mas qual é a consequência dessa vulnerabilidade? A pessoa manda embora a empregada doméstica. O resultado disso na baixa renda é a perda do emprego. Em um caso, estamos falando de uma situação em que a pessoa terá de comprar menos roupas. Em outro caso, falamos de alguém que vai passar fome. A classe média sofreu um impacto direto no seu consumo e, como é o maior mercado consumidor do Brasil, acabou gerando efeitos nas outras classes, em especial na baixa.

4. A classe média foi uma grande base de apoio para a eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018. Ao avaliar o que está ocorrendo com ela neste momento, o senhor acredita que o apoio vai mudar?

Temos visto um movimento de mudança gravitacional da base de apoio de Bolsonaro. Do mesmo jeito que o programa Bolsa Família trouxe um conjunto de votos para o presidente Lula no passado, o auxílio emergencial abaixou a renda média do bolsonarista. A classe média tradicional foi a que, no início da pandemia, mais atacou as ações do governo, porque a covid-19 chegou primeiro até ela. O que vimos foi um aumento do descontentamento da classe média em relação às medidas do governo. Esta classe média é mais crítica, por exemplo, quando surge a polêmica em relação às vacinas. Essa mesma classe média tem uma dificuldade enorme de entender o auxílio emergencial para os mais pobres, porque ainda tem uma visão estereotipada das classes baixas.

 

Vilipêndio dos direitos trabalhistas causada pela uberização é culpa dos algoritmos? por Ricardo Antunes

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Entregador arca com custos, mas não define preços e pode ser bloqueado sumariamente; por certo, não é autônomo

Folha de São Paulo, 07/11/2020.

O que explica, em pleno século 21, o (aparente) paradoxo que estamos vivenciando?

De um lado temos explosão dos algoritmos, inteligência artificial, big data, 5G, internet das coisas, indústria 4.0 etc.

De outro, encontramos uma massa crescente de trabalhadores e trabalhadoras (dada a desigual divisão sociossexual do trabalho) laborando 12, 14 ou 16 horas por dia, durante 6 ou 7 dias da semana, sem descanso, sem férias, com salários rebaixados e mesmo degradantes, sem seguridade social e previdenciária.

Para compreender essa realidade, é preciso retornar à década de 1970, quando eclodiu uma crise estrutural que levou à reestruturação global de todo sistema produtivo.

O incremento técno-informacional-digital encontrou, então, um fértil espaço para sua expansão, visto que era necessário incrementar a produtividade. E isso ocorreu enquanto o desemprego se ampliava, gerando uma força sobrante de trabalho disponível para realizar qualquer trabalho, sob quaisquer condições.

Com o aguçamento da crise, a partir de 2008/9, as grandes corporações globais, sob o comando financeiro, intensificaram suas ações para “flexibilizar” o trabalho, eufemismo bacana para corroer, devastar e precarizar ainda mais o enorme contingente ávido por emprego.

E, se esse movimento vem ocorrendo no Norte (Inglaterra e EUA são emblemáticos), sua intensidade é muito mais intensa no Sul, onde a classe trabalhadora vem comendo o pão que o diabo amassou.

Da China à Índia, passando por México, Colômbia e Brasil, os níveis de exploração do trabalho se exacerbam ainda mais. E, assim, o desmonte da legislação protetora do trabalho se tornou um imperativo corporativo (com desculpas pela horrorosa rima).

Foi nesse contexto que as plataformas digitais deslancharam. Lépidas no trato com o mundo digital, dotadas de (insustentável) leveza, desbancaram as corporações tradicionais e hoje se encontram no topo do tabuleiro do capital.

Conseguiram essa proeza combinando alta tecnologia digital e absorção ampliada de força de trabalho sobrante.

Mas era necessário ainda, nessa alquimia empresarial, que o assalariamento assumisse uma aparência inversa, de modo a “evitar” a legislação social do trabalho.

Muitos milhões foram gastos com escritórios de advocacia corporativa, para encontrar a rota do sucesso. Era preciso driblar os direitos do trabalho, a qualquer preço.

E mais: o novo léxico corporativo precisava se revitalizar, para que o cenário se assemelhasse a algo distinto: além de colaborador, parceiro, resiliência, sinergia etc., as plataformas deram novo impulso ao empreendedorismo, personagem que sonha com a autonomia, mas se defronta cotidianamente, como se viu nas reivindicações do breque dos apps, com adoecimentos sem seguro-saúde e sem previdência, baixos salários, ausência de direitos, traços que se acentuaram ainda mais durante a pandemia.

E foi assim que proliferou o que já se convencionou chamar de trabalho uberizado.

Transfigurados e convertidos em “empreendedores”, os entregadores ainda arcam com os custos dos instrumentos de trabalho (carros, motos, bicicletas, mochilas, celulares).

Sua condição “autônoma”, então, é um tanto curiosa: quem define a admissão? Quem determina atividade, preço e tempo das entregas? Quem pressiona, através de incentivos, para a ampliação do tempo de trabalho? Quem pode bloquear e dispensar sumariamente, sem nenhuma explicação? Por certo, não é o “autônomo”.

Assim, essa condição se desvanece, aflorando a subordinação e o assalariamento. E exigir direitos é princípio basilar da dignidade mínima do trabalho.

As plataformas dirão: mas são os entregadores que as procuram. É verdade, mas seria bom acrescentar que essa é a única alternativa hoje contra o desemprego. Aqui reside a base do regozijo das plataformas. Será, então, que a culpa de todo esse vilipêndio é dos algoritmos?

Ricardo Antunes

Professor titular de sociologia do trabalho no IFCH/Unicamp. Foi visiting professor na Universidade Ca’Foscari (Veneza/Itália), visiting scholar na Universidade de Coimbra (Portugal) e visiting research na Universidade de Sussex (Inglaterra). É autor de livros sobre temas como uberização, trabalho digital e indústria 4.0

 

Economia Brasileira: Desemprego, Dívida Pública e Inflação

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A economia brasileira está apresentando indicadores macroeconômicos preocupantes, estamos num momento de grande apreensão, medos e desesperanças. Em plena pandemia, que levou mais de 160 mil óbitos, as perspectivas sociais são assombrosas, a crise sanitária não ceda, os indicadores econômicos estão cada vez mais negativos, a dívida pública cresce acelerada, o desemprego aumenta de forma insustentável e a inflação, que durante décadas foi presente na vida de cada brasileiro, se mostra claras de retorno, piorando os indicadores econômico e gerando incertezas e instabilidades.

Vivemos num momento de pandemia, mais de 160 mil brasileiros foram enterrados, gerando muitas tristezas e revoltas generalizadas. Neste ambiente, estamos buscando novos espaços de esperança, forças internas para superarmos neste momento de dores, cada indivíduo tenta se fortalecer intimamente, se fortalecer para superar uma pandemia que nasce em outras regiões e se dissemina para todos os rincões do mundo, levando destruição, desestruturação e força os indivíduos a enterrar medos e desesperanças, deixando rastros de solidariedade como forma de superar estas máculas mais íntimas e pessoais.

A economia é fortemente atingida em todos os locais, famílias passam por momentos de desestruturações, violências crescem de forma acelerada, negócios são fechados, falências crescem de forma imediata, relacionamentos passam por instabilidades e os indivíduos se entregam a depressões, ansiedades, divórcios e suicídios, alterando os equilíbrios emocionais e psicológicos, deixando um forte vazio espiritual, levando os cidadãos a buscarem novos sentidos e valores para a sobrevivência humana, vivemos um momento de grandes inquietações, onde a solidariedade perde espaços para uma sociedade que se compraz com a concorrência e pela competição, valores de um mercado que se assenta e se concentra na destruição e no egoísmo material.

Neste ambiente, percebemos uma degradação dos indicadores macroeconômicos, o desemprego passou dos 14,4% da população, números assustadores que podem criar, na sociedade nacional, um caldo de violência generalizada, onde os indivíduos perdem as esperanças e podem ser acossados por sentimentos de revolta, ódio e ressentimentos. O desemprego é um dos mais degradantes flagelos da sociedade contemporânea, sem emprego os indivíduos perdem a dignidade, perdem as esperanças com relação ao porvir e, muitos se entregam para a depressão, incrementando os transtornos, os desequilíbrios emocionais e o suicídio, indicadores que crescem de forma acelerada e preocupam as autoridades nacionais e internacionais.

O desemprego vem apresentando indicadores muitos negativos neste ano, a pandemia impactou fortemente para a economia brasileira, levando a números recordes e preocupantes, segundo os dados do Instituto Brasileira de Geografia e Estatístico (IBGE), os números chegaram a mais de 14% dos trabalhadores, o que significa mais de 13,8 milhões de pessoas no desemprego, gerando problemas sociais variados para a sociedade, obrigando o governo a adoção de políticas mais ativas para combater este flagelo. Os indicadores não estão maiores ou mais assustadores, porque o governo adotou uma política de socorro para os grupos mais fragilizados, costurando uma política ativa de intervenção estatal, chamado de auxílio emergencial. Este auxílio emergencial acolheu mais de 60 milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade, algo em torno de 34% para população nacional, esse socorro custou aos cofres públicos mais de 55 bilhões de reais ao mês, um valor que teve um impacto fiscal para o orçamento na casa dos 350 bilhões de reais, que exigiu uma forte política de endividamento público que aumentou a dívida para algo mais de 90% do produto interno bruto (PIB). Estes valores estão gerando graves constrangimentos para a economia brasileira, levando vários grupos a questionar os valores e as perspectivas do perfil do endividamento, os valores e as condições de pagamento, com isso, os credores utilizam vários instrumentos de pressão do governo, tais como os juros pagos para o financiamento da dívida.

Neste ambiente, percebemos a ausência de políticas públicas direcionadas pelo emprego de jovens, cujos números de desemprego são assombrosos, que levam jovens e adolescentes para situação degradação moral, muitos se entregam em negócios escusos, se alistando em exércitos do crime, uns buscam na prostituição, nas entorpecentes, no tráfico, com estes grupos sociais perdidos neste ambiente de degradação, poucos podemos esperar desta sociedade que se degradam a olhos vistos, angustiados pelo cotidiano, nas amarguras da desesperanças e dos suicídios.

Nestas pressões dos credores externos, muitos investidores vendem seus papéis e buscam proteção da moeda norte-americana, levando seus recursos para o mercado dos Estados Unidos, gerando uma saída de dólares que contribuem para a desvalorização da moeda, impactando sobre a economia brasileira, prejudicando os importadores, elevando seus custos de importação e gerando fortes pressões dos preços nacionais, neste movimento, percebemos um incremento da inflação. O aumento dos preços internos prejudica muitos setores do sistema econômico, gerando instabilidades e insegurança dos agentes produtivos, reduzindo os investimentos, diminuindo as matérias-primas e pressionando para os preços dos consumidores nacionais. Outro impacto deste movimento é a busca do mercado externo por inúmeros produtores nacionais, que percebem os preços mais rentáveis no mercado internacional e buscam as vendas externas, melhorando suas receitas em moedas estrangeiras e reduzem as vendas internas, neste movimento os preços internos crescem, os rendimentos aumentam e garantem maiores lucros dos empresários nacionais, mas ao mesmo tempo, gerando perdas consideráveis para os consumidores nacionais.

Percebemos, neste momento, que os indicadores macroeconômicos estão com perspectivas bastantes negativas, desemprego crescente, endividamento interno caminhando para números assustadores, inflação em ascensão, perdas generalizadas de renda, reduzindo salários e investidores em queda, números econômicos sombrios. Neste momento, faz-se necessário, uma atuação mais sóbria e organizada pelos agentes governamentais, onde todos os entes do Estado Nacional precisamos estruturar conjuntamente, cada um dos entes federativos precisamos assumir suas responsabilidades, trabalhando para minorar os desequilíbrios econômicos da sociedade e contribuindo para abrir novas perspectivas para a coletividade. Neste instante, o que conseguimos visualizar é algo completamente diferente da união e da solidariedade, percebemos na sociedade um clima de conflitos constantes, brigas de governadores, discursos degradantes, grosseiros, confrontos políticos, interesses mesquinhos, piadas degradantes, desrespeitos e a ausência de solidariedade para todos os mais de 160 mil de brasileiros que tombaram vitimados pela pandemia que impactam sobre a sociedade nacional.

Para superarmos uma crise desta magnitude, faz-se necessário, a construção de um grande Projeto Nacional, para isso, percebemos a incapacidade dos grupos políticos e dos partidos políticos a organizar e costurar instrumentos políticos, centrado em um grande planejamento para a sociedade nacional, onde devem organizar em todos os agentes sociais, políticos e econômicos, juntando todos os setores da sociedade, as minorias, os sindicatos, as organizações não governamentais, as federações, as confederações, as universidades, os intelectuais, os artistas e todos os agentes que representam a sociedade nacionais. Ao pensarmos em um amplo projeto nacional, percebemos que, no atual governo, nossos governantes estão aquém dos desafios que a sociedade nacional está exigindo, neste ambiente, percebemos que a sociedade está batendo cabeça rapidamente, os gestores estão brigando sobre assuntos secundários e desnecessários, com isso, estamos levando o país a uma degradação econômica, social e política mais acelerada, cujos resultados negativos e degradantes estão aparecendo todos os dias.

Vivemos numa sociedade marcada por desemprego acelerado, com o final do auxílio emergencial que deve encerrar em dezembro, os indicadores do mercado de trabalho tendem a piorar no início do próximo ano, piorando os dados macroeconômicos e as condições de vida de uma parcela da comunidade. Neste ambiente, percebemos que o atual governo não possui nenhum plano econômico viável, muito menos um plano B, com isso, consolidamos uma inação governamental, degradando as condições daqueles que ainda permanecem no mercado de trabalho, defendendo privatizações de todos as empresas da economia, prometendo um futuro melhor sem mesmo saber compreender as condições da conjuntura da economia brasileira, vendendo ilusões, aumentando os lucros de poucos barões financeiros, enganando os incautos e criando perspectivas positivas, sem se atentar das duras realidades dos fatos.

Nos últimos meses, percebemos a inexistência de um projeto econômico para a economia brasileira, percebemos um discurso baseado na austeridade e redução dos gastos públicos, infelizmente muitas pessoas abraçam este discurso sem entender as consequências destas teses, continuando suas falas e seus pensamentos como se fossem verdadeiros papagaios de repetição. A austeridade e a redução dos gastos públicos, defendidas pelos barões econômicos, servem para reduzir os investimentos da população mais carentes, arrochando os recursos públicos em prol dos grandes grupos econômicos e financeiros, estes sim, os grandes detentores dos capitais nacionais, vivemos em uma verdadeira guerra contra os mais pobres, reduzindo as assistências sociais, diminuindo os investimentos em educação e em saúde. Com esta redução, os verdadeiros beneficiados dos desmontes dos setores públicos são os dos grandes grupos econômicos que ganham bilhões com educação e saúde, com a educação os investimentos crescem de forma acelerada, aprisionando o Ministério da Educação com sua omissão e incompetência, perpetuando um ensino de péssima qualidade, formando profissionais sem preparo e sem perspectivas para a compreender as realidades e os desafios da contemporaneidade, neste ambiente rumamos para a total degradação social, econômica e política.

Neste ambiente, marcado pelas brigas políticas desnecessárias e crescentes, onde os governantes gastam energias em confrontos sobre o futuro de uma vacinação que ainda não existe, precisamos concentrar esforços em confrontos mais importantes, como o desemprego que crescem de forma acelerada, onde o fim do auxílio emergencial, marcado para o final do ano, pode aumentar estes números de forma crescentes, deixando grande parte da sociedade sem recursos para a sobrevivência mais dignas. Vivemos um momento de grandes instabilidades e incertezas, neste instante precisamos de gestores, de porte de verdadeiros líderes, capacitados para empreitada, para combater este ambiente marcado pelo vírus, pelas instabilidades e pelas incertezas, precisamos de líderes verdadeiros e pessoas dotados de solidariedades, sensibilidades e capacidades políticas, de gestão da economia, que falem menos e trabalhem de forma mais consistentes, sem estes líderes, estamos condenados a perpetuação de um certo país do futuro.

 

 

Capitalismo e democracia saíram dos trilhos, diz Paul Collier.

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Economista avalia que crise levou à criação de ‘identidades opostas’ sociais e econômicas

Vinícius Torres Freire – FSP, 31/10/2020

O capitalismo é o único sistema conhecido capaz de tirar massas de pessoas da pobreza. A democracia é o único sistema político sustentável e compatível com o capitalismo. Mas ambos saíram dos trilhos nos últimos 30 ou 40 anos, diz Paul Collier, economista do desenvolvimento e professor da escola de governo da Universidade Oxford (Reino Unido).

Em conferência do projeto “Fronteiras do Pensamento”, nesta quarta-feira (28), ele afirmou que uma das manifestações dessa crise é a formação de “identidades opostas”, fissuras (“rifts”) sociais e econômicas.

Por exemplo, opõem-se metrópoles bem-sucedidas e comunidades menores do interior; trabalhadores com alto nível de instrução e valorizados e aqueles menos instruídos e que vivem de trabalho manual. As comunidades abandonadas estão em revolta. Essas divisões, afirma Collier, seriam um motivo importante da vitória do brexit no Reino Unido e de Donald Trump nos Estados Unidos.

Capitalismo e democracia não funcionam no “piloto automático”. Precisam de uma espécie de intervenção sociopolítica que reforce objetivos comuns e o espírito de reciprocidade (“mutuality”). Com o declínio dessas iniciativas e sentimentos, desenvolveu-se uma sociedade da ganância, na qual a ideia de dever e obrigações seria atributo quase apenas do Estado e em que as decisões são tomadas de cima para baixo e de modo centralizado, nas empresas e no governo. Tais problemas teriam dificultado também o combate à epidemia do novo coronavírus.

Há exemplos de que as coisas não precisam ser assim, afirma Collier. Dinamarca e Nova Zelândia são casos de países de alto desenvolvimento econômico e social, com sentido comunitário. A Nova Zelândia teria tido sucesso contra a Covid-19 porque uma líder como a primeira-ministra Jacinda Ardern convenceu os cidadãos de seu país de que o enfrentamento da doença dependia da formação de uma “equipe de 5 milhões de pessoas [a população neo-zelandeza]”, que ela não tinha certeza de saber de tudo a ser feito e que precisava de colaboração.

Jacinda e líderes como ela criam e reforçam o espírito de uma “comunidade conectada”, de sacrifícios bem-distribuídos em nome do bem comum. Além do mais, promovem “comunidades adaptativas”, em que líderes e cidadãos aceitam a incerteza e procuram inovações, um experimentalismo pragmático de olho no futuro, não em um suposto mundo idílico do passado.

Collier recorreu frequentemente a exemplos da biologia da evolução e do mundo animal para mostrar que os seres humanos não são apenas egoístas e gananciosos. Existiria uma propensão à colaboração social que deve ser explorada (“caçar juntos rende mais do que caçar sozinho”). Como se valer dos bons sentimentos?

O economista e professor de políticas públicas sugere que é preciso ter líderes diferentes, em governos e empresas, embora não diga como. O bom líder é um “comunicador-chefe”, não um “comandante-chefe” que, como macho alfa, lidera pela dominância, por se arrogar o conhecimento de tudo e pela punição. O bom líder demonstra ser capaz de sacrifício em prol do bem comum, é modesto (admite falhas e que não sabe tudo), olha para o futuro e é pragmático (não vem com “pacotes de ideologias prontas” e “manuais”).

Assim, consegue merecer confiança dos liderados: favorece a disseminação da ideia de “objetivo comum” e de que todos possam ter a “dignidade” de contribuir para esse objetivo geral. Logo, o bom líder suscita o espírito de colaboração em sua comunidade, na empresa ou na política. A empresa que muda sua “missão” de “ser a melhor empresa do mundo” para “maximizar o valor do acionista”, um objetivo ridículo, tende a falir, diz Collier, citando exemplos (como o da ICI britânica).

  1. Com “diálogo”, uma “troca entre iguais”, com respeito às regras do jogo da conversa (como se respeitam as regras do pingue-pongue), genuíno interesse em entender os motivos das opiniões diferentes, a firme intenção de chegar a um entendimento mútuo. Tal conversa inclui aquela entre líderes e a comunidade. Esse tipo de atitude, dos líderes em particular, desenvolve a capacidade de iniciativa (“agency”);
  2. Com “devolução” do poder de decidir. Trata-se de mais um incentivo ao espírito de iniciativa, de colaborar ativamente para o bem comum. A “devolução” depende da descentralização das decisões (de governos centrais para cidades, de metrópoles para comunidades menores, do líder para outros cidadãos). O experimentalismo é a receita de sociedades autônomas, participativas, capazes de iniciativa e senso de dever: haverá erros, mas haverá também uma solução inovadora em algum lugar.
  3. Com “pilotos”. Isto é, cidades, empresas, líderes ou entidades de governança em geral capazes de, por assim dizer, “dar o exemplo”, sugerir novos caminhos, sejam formas de produzir ou governar. O exemplo que Collier dá desse tipo de líder, seu “herói”, é Lee Kwan-Yew (1923-2015), “pai fundador” e homem forte de Cingapura de 1959 a 1990, anos em que o país saiu da miséria para a riqueza. Um país bem-sucedido na descentralização seria a Escócia.

Enfim, Collier diz que o capitalismo não é individualismo e ganância, mas inovação e dinamismo, que não depende do “líder no topo”, mas de experimentação descentralizada. A democracia não é apenas eleição regular, mas depende de um tipo de inclusão que promova a capacidade de iniciativa e do diálogo para que se chegue ao “objetivo comum”.​

 

Rio está tomando o mesmo caminho de São Paulo’, avalia Bruno Paes Manso, autor de livro sobre milícias

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Jornalista e pesquisador da USP escreveu ‘República das milícias: dos esquadrões da morte à Era Bolsonaro’ a partir de estudo sobre os grupos paramilitares do Rio

Gabriela Goulart – O Globo – 17/10/2020

Jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, o paulista Bruno Paes Manso viajou várias vezes ao Rio ao longo de um ano em busca de informações para o livro “República das milícias: dos esquadrões da morte à Era Bolsonaro’’ (Editora Todavia), lançado no último dia 7. Até o início da pandemia da Covid-19, ouviu milicianos, policiais, promotores, moradores de comunidades. Como ele diz, queria fazer “um resgate histórico para entender o presente”.

No panorama montado por Manso, o cenário atual é o de um estado dividido em territórios, que exercem sua tirania local e brigam entre si, como na série “Game of Thrones’’. Nesse roteiro da vida real, grupos paramilitares usam o terror para exercer sua autoridade, se associam ao tráfico de drogas para lucrar mais e replicar seus modelos de negócios e fazem alianças políticas para expandir seus domínios. “Como aconteceu com o PCC em São Paulo, o que se vê no Rio é a busca pela hegemonia da governança criminal”, diz o pesquisador, que, junto com Camila Nunes Dias, é autor de “A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”.

Você acha que a milícia se tornou uma questão endêmica no Rio?

A milícia é o principal problema por sua capacidade de se infiltrar nas instituições, em todas as esferas. O tráfico nunca conseguiu ter isso. Sempre foi associado ao medo das drogas, à guerra permanente, à desordem da violência imprevisível. O político que surge defendendo o traficante é visto como traidor. A milícia se fortalece contrapondo isso, com o marketing de defensora da ordem. Com isso, tem a tolerância de vários grupos em um estado traumatizado pela violência.

Mesmo “rivais”, o tráfico e a milícia se uniram em vários territórios da cidade, sob a égide de narcomilícia. Como você observa essa associação?

É um desdobramento natural do modelo do negócio: extrair o máximo de receita possível. Venda de drogas sempre foi uma atividade muito rentável. Dentro de uma visão pragmática e empresarial, a milícia ia cobrar comissão a partir disso.

Nesta semana, houve uma grande operação para minar o braço financeiro do Comando Vermelho, maior facção do Rio, e outra contra a milícia, com a morte de 12 integrantes. O que esse cenário indica?

Tudo indica que o Rio está tomando o mesmo caminho de São Paulo, onde há apenas o PCC. Seria a busca de uma hegemonia de governança criminal por um grupo da milícia. Uma espécie de paz de cemitério.

Nos últimos anos, números mostram que a milícia mata mais que o tráfico. Você acha que milícia e tráfico também replicam modelos em sua cadeia de violência?

No começo dos anos 2000, casos assustadores de mortes já faziam parte do vocabulário das milícias, com cabeças cortadas e centenas de tiros disparados em uma única vítima. Tanto quanto no tráfico, o terror é usado por esses grupos paramilitares para manter a autoridade nos seus territórios.

Como você enxerga essa divisão de territórios?

No Rio, o papel dos territórios para o negócio do crime, seja ele milícia ou tráfico, é único. Durante a pesquisa e as entrevistas para o livro, a imagem que me passaram é de “Game of Thrones”. São 700 comunidades tiranizadas por “governos” locais autônomos brigando entre si. Isso leva ao grande volume de armamento, que é usado para defender cada território. O que me chamou muito a atenção é a questão: “você prefere tráfico ou milícia?’’ Como se não existisse uma terceira opção, que é a liberdade, a garantia da lei e da cidadania.

O miliciano Ecko é apontado hoje como o cabeça dessa expansão para novos territórios.

Sou cético com o que a polícia vende sobre a cena do Rio. Acho que ele tem um papel relevante, principalmente em Campo Grande e Santa Cruz. Mas ao mesmo tempo que ele é o “Big Boss” da milícia, ele não é pego nunca. Ele está amparado por quem? Essa é a pergunta que tem que ser feita. Se não houvesse conivência e alianças políticas ele teria tanto poder e se manteria tanto tempo impune?

A relação entre milícia e política é indissociável?

É impossível um domínio como o que existe sem conivência dos batalhões, delegacias, integrantes da cúpula, políticos. O presidente Jair Bolsonaro era apologista das milícias na carreira parlamentar. Imagina isso no âmbito de um vereador, que busca votos nos territórios? Políticos e milicianos acabam se associando, e isso é aceito.