‘É mentira que o Brasil vai quebrar se não fizer as reformas”, afirma Pedro Rossi

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Em entrevista ao Brasil de Fato, economista disse que o país precisa é de reformas na institucionalidade macroeconômica

“Nenhum economista deveria falar algo tão absurdo, porque o Brasil é um país soberano, emite a sua própria moeda, ele tem dívidas na sua própria moeda, e o país não vai quebrar. O Estado administra os recursos da sociedade e pode organizar esses recursos da maneira que ele quer, assim como o Estado pode se endividar muito mais que uma família”. Esse foi o eixo central da fala do economista e professor da

Unicamp Pedro Rossi no Seminário As reformas DESestruturantes do Estado de Bem-Estar Social, realizado pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), com apoio da Anfip e Fenafisco, dias 15 e 16 de agosto, em Porto Alegre.

Nesta entrevista exclusiva para o Brasil de Fato, Pedro Rossi fala sobre o seu estudo que aponta que o diagnóstico sobre a crise brasileira está errado e o remédio inadequado. Ele defende que o desequilíbrio fiscal não é culpa do gasto público, e sim do tripé macroeconômico dos últimos 20 anos que fracassou. “O que o Brasil precisa é de reformas na institucionalidade macroeconômica.”

Pedro Rossi é professor do Instituto de Economia da Unicamp, trabalha com os aspectos macroeconômicos do desenvolvimento brasileiro, com os impactos sociais da política fiscal e com o tema da taxa de câmbio e da política cambial. Formado em economia na UFRJ, com mestrado e doutorado na Unicamp, é pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON) da Unicamp e coordenador do conselho editorial do Brasil Debate. É autor do livro “Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil” e co-organizador do livro “Economia para poucos: impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil”.

Brasil de Fato RS – Em palestra recente em Porto Alegre falastes que o problema do Estado e da crise fiscal não seria o gasto público, mas que vem de uma política macroeconômica, como tu explica isso?

Pedro Rossi – Justamente, o problema fiscal brasileiro não vem do gasto público, não vem da previdência social, ele vem de outros determinantes. Isso é importante por quê? Porque essas reformas propostas usam como base um diagnóstico de que o problema brasileiro fiscal vem do gasto público, vem da previdência social que tem um espaço grande dentro do gasto público. Eu estou querendo mostrar com esse trabalho que há outros determinantes para evolução da dívida pública que não o gasto público, em particular o arranjo macroeconômico, ou seja, o chamado tripé macroeconômico.

BdFRS: O que é o tripé macroeconômico?

Pedro – O tripé macroeconômico está completando 20 anos. Ele foi instituído em 1999, depois da primeira fase do Plano Real que instituiu um regime de câmbio rígido no Brasil. O Plano Real controlou a inflação, teve esse êxito, esse mérito. Em 1999 tivemos uma crise cambial e a gente migrou para um regime macroeconômico que tem três partes, chamado de tripé: que é um regime de metas de inflação, um regime fiscal de metas de superávit primário, que recentemente foi agregada a meta do teto de gastos, e o regime de câmbio flutuante. Esses três regimes são geralmente muito comemorados no sentido de que eles dão estabilidade para o Brasil, mas eles não dão estabilidade ao Brasil.

E se a gente olhar para o resto do mundo, ou seja, fazer uma análise internacional, a gente vai ver que no Brasil nesses últimos 20 anos nós estamos na liderança de taxas de juros reais. Nós temos um patamar de inflação que não explica a nossa taxa de juros alta perto de outros países. Então nós fizemos um estudo e pegamos mais de 80 países, comparamos nos últimos 20 anos para verificar que o Brasil é fora da curva, a taxa de juros brasileira é fora da curva e não é a dívida pública que explica a taxa de juros. Se a gente pegar o serviço da dívida sobre e comparar com países que tem dívida pública mais ou menos igual a nossa, vemos que esses países pagam um serviço muito menor que o nosso. Ou seja, tem alguma coisa errada com o regime macroeconômico. Um patamar com a taxa de juros e também com a taxa de câmbio brasileira que é muito volátil, o real está sempre flutuando muito em relação ao dólar, muito mais que outras moedas. Nós também fizemos combinações internacionais e verificamos que sim, o real é campeão de volatilidade, isso dá problema, isso rebate no problema fiscal. Uma taxa de juros alta faz o Estado pagar muito pela sua dívida – problema fiscal, uma taxa de câmbio muito volátil faz o Estado usar a sua política cambial para tentar atenuar essa volatilidade, reservas cambiais que refletem com o pagamento de juros, que por sua vez são altos no Brasil.

Ou seja, as outras pernas do tripé contaminam o equilíbrio fiscal, e aí faz com que não conseguimos estabilizar a dívida pública. E por fim, nós fizemos um estudo e mostramos que os condicionantes da evolução da dívida pública no Brasil não são aqueles que geralmente são apontados, não é o gasto público. O que determina a evolução da dívida pública? É o crescimento econômico, se o crescimento for baixo a dívida tende a subir porque a relação dívida/PIB que é o determinante nesse indicador, e a taxa de juros, que geralmente puxa a dívida pública para cima.

O que aconteceu no Brasil recentemente? A gente vem pagando, principalmente em 2015/2016 um serviço da dívida maior e o crescimento tem contribuído muito menos para redução da dívida pública.

A dívida pública cresceu no Brasil recentemente não foi por causa do excesso de gastos sociais ou aposentadorias, foi principalmente por causa da queda do crescimento econômico e por causa de altos pagamentos de juros, em particular nos anos 2015/2016. Essa história que a culpa de tudo é do excesso de gastos é uma história falsa, para vender uma solução, que é uma solução que interessa a poucos. A história que o Brasil quebrou, que o Brasil vai quebrar, é mentira. Nenhum economista deveria falar algo tão absurdo, porque o Brasil é um país soberano, emite a sua própria moeda, ele tem dívidas na sua própria moeda, e o país não vai quebrar. O Estado administra os recursos da sociedade e pode organizar esses recursos da maneira que ele quer, assim como o Estado pode se endividar muito mais que uma família.

O Brasil quebrou na década de 1980 porque a gente devia em uma moeda estrangeira, a gente não emite dólar, o Estado brasileiro não organiza os recursos em dólar porque a sociedade brasileira trabalha com recursos na sua própria moeda. Então na década de 1980 nós quebramos porque a gente devida em moeda estrangeira. Fomos até o Fundo Monetário Internacional (FMI), pedimos dinheiro emprestado, o FMI veio, emprestou o dinheiro, isso no final da ditadura militar, fizemos uma moratória, nós atendemos as condicionalidades do FMI, fizemos o que eles queriam, preparamos nossa economia para conseguir dólar para poder pagar a dívida.

Cadê o FMI nesse momento? Não tem, porque a gente não precisa de empréstimos do FMI. Somos credores em dólar, nossa dívida não é em dólar, portanto nós não vamos quebrar, nossa dívida é em moeda nacional. Então é mentira a afirmação que diz que acabou o dinheiro, ou que o país vai quebrar. O governo tem dinheiro, ele organiza os recursos da sociedade, e o governo pode muito bem sim, fazer valer as aposentadorias, fazer valer o gasto social, o gasto com as universidades e organizando os recursos da sociedade. Taxando os mais ricos, eventualmente emitindo mais títulos nos momentos difíceis de crise. Ao recuperar o crescimento econômico ele pode estabilizar a sua dívida.

Então, essa retórica de que a culpa de tudo é do gasto público é uma retórica falsa. No fundo o Brasil tem problemas estruturais que estão por trás do sistema, que esses sim, são os verdadeiros problemas, por exemplo, uma taxa de juros estruturalmente alta, uma taxa de câmbio muito volátil, toda articulação que está por trás do tripé macroeconômico. Nós precisamos resolver esses problemas, são reformas realmente necessárias, porque o tamanho do Estado é a sociedade que define de acordo com os serviços que ela quer, e com os serviços que ela quer financiar coletivamente. Então é uma decisão da sociedade se organizar coletivamente e dizer: eu quero financiar saúde para todos, quero financiar educação para todos, eventualmente tem mais coisas, eu quero cultura, eu quero passe livre, e a sociedade discute democraticamente. Agora, dizer que o Estado não tem dinheiro é negar o processo democrático, porque o Estado tem dinheiro, o Estado organiza o dinheiro da sociedade.

A culpa não é do gasto público, ele está sendo demonizado para servir a interesses, se servir de diagnóstico para essas reformas que estão sendo implementadas, que cortam os gastos sociais e que cortam as aposentadorias.

BdFRS: E a que interesses servem essas versões mentirosas?

Pedro – Toda política fiscal influencia no processo distributivo e nas classes sociai. A política fiscal é de quem eu vou taxar, para quem eu vou gastar. Então se o Estado faz um gasto social ele está atendendo a demanda de uma parte da sociedade não de outra. Quando eu gasto com saúde no SUS eu estou atendendo a milhões de brasileiros de uma classe mais baixa; quando eu gasto com educação superior, são outros brasileiros que estão sendo atendidos. Assim que como eu tributo, estou tributando de um mais do que de outro. Então há interesses na sociedade brasileira que querem reduzir o papel do Estado no sentido do gasto público e no sentido, também, da sua tributação, no seu financiamento. São interesses que eu diria mesquinhos, de pessoas que não querem financiar o bem estar do outro, mesmo que esse outro seja um pobre, mesmo que esse outro seja um miserável, mesmo que esse outro não tenha acesso aos serviços básicos, e interesses maiores de setores econômicos que querem ocupar espaços que hoje o Estado ocupa. Hoje o Estado tem um papel fundamental no ensino superior, mas existem empresas privadas do ensino superior que querem ocupar esse espaço. A mesma coisa no sistema de saúde, existem planos de saúde que querem ocupar esse espaço, mesma coisa no sistema de educação básica, e por aí vai.

De certa maneira os serviços públicos concorrem com os serviços privados. Então esses serviços públicos estão interferindo em esferas de lucratividade do setor privado. Então há sim interesses maiores no sentido da redução do tamanho do Estado, da privatização dos seus serviços, que são interesses empresariais de grandes grupos econômicos.

BdFRS – E quais seriam, na tua opinião, as reformas estruturantes para garantir um Estado de bem-estar social? 

Pedro – Na minha opinião, primeiro, a gente precisa de planos emergências de emprego e renda para recuperar o emprego no Brasil e recuperar renda, e isso implica em gastos públicos, isso implica em acabar com o teto de gastos (a Emenda Constitucional 95 que congela o gasto público por 20 anos). Então a gente precisa reformar o regime fiscal para retomar a liberdade do Estado em influenciar no ciclo econômico, precisamos mexer nisso.

E a gente precisa regulamentar o setor financeiro, reduzir a volatilidade cambial, isso vai exigir menos da política monetária no sentido de juros altos, porque hoje, se o Banco Central baixa muito os juros, o capital estrangeiro vai para fora, a taxa de câmbio se desvaloriza e isso gera inflação, o que é ruim para todo mundo, inclusive para o próprio governo.

Agora, a gente precisa regulamentar o sistema para ter menos especulação no país. O Brasil virou um lugar onde os rentistas e os especuladores têm grandes ganhos. E um mundo onde as taxas de juros estão rastejando próximas de zero. O Brasil é um país extremamente aberto ao rentismo internacional e à especulação. Então nós precisamos reformar sim a conta financeira, aplicar controles de capital, regulamentar o mercado derivativo, que é um locus dessa especulação, e precisamos de um Banco Central que não atue somente na relação com os bancos, mas que melhore a qualidade da dívida pública brasileira, a qualidade da dívida pública é muito ruim. Além dos juros ser altos, o Banco Central oferece títulos com alta liquidez e pós-fixado, ou seja, são títulos sem riscos de preço. Isso é uma característica específica do Brasil, a maioria dos países tem um percentual muito menor dos chamados títulos pós-fixados. No Brasil não, uma grande parte da dívida pública é pós-fixado, ou seja, é imune aos riscos de flutuação de preços.

As reformas que a gente precisa é para evitar que a economia brasileira sofra choques cambiais para desmobilizar aquilo que vai gerando inflação no Brasil, por exemplo, a indexação da economia, os contratos de aluguéis, outros contratos que pegam a inflação passada, jogam para o futuro. Aí sim a gente vai conseguir jogar nossas taxas de juros mais para baixo. Isso abre espaço fiscal e também uma discussão que precisávamos ter, e que o Instituto Justiça Fiscal faz muito bem, é pensar o que nós queremos financiar para o nosso estado de bem-estar social e de que maneira vamos financiar, com uma carga tributária, solidária, mais justa, porque o país hoje não tem justiça fiscal.

BdFRS – Esse é outro mito, que se paga muito imposto no Brasil. Quem paga muito imposto no Brasil?

Pedro – Tem um dado que mostra que os 10% mais pobres pagam em torno de metade de sua renda de imposto, os 10% mais ricos pagam em torno de 26%. Por que isso? Porque boa parte da carga tributária está sobre bens e serviços. Então as pessoas mais pobres pagam sobre esses bens o mesmo preço que uma pessoa mais rica, e proporcionalmente a sua renda é muito mais. O imposto de renda e de propriedade e o imposto sobre a riqueza é muito baixo no Brasil, e sobre a distribuição dos lucros do capital, dos lucros do dividendo, ou seja, a rentabilidade do capital é pouco taxada. O Brasil aproveita pouco o mecanismo distributivo que a carga tributária oferece, diferente de outros países. Então o Brasil é um país que distribui com gasto público, gasto social, principalmente, que está sendo atacado nesse momento, e concentra com uma carga tributária. E o que está sendo discutido hoje não vai no sentido de melhorar essa distribuição, pelo contrário, com a mão que o Estado dá, eu vou diminuir o gasto social, e a mão que o Estado tira vai se manter a mesma, ou com uma reforma tributária como a que está sendo apontada, que não mexe na tributação de renda e patrimônio no Brasil.

BdFRS – Como fazer esse debate sobre a reforma tributária com a população que não entende o economês? 

Pedro – Eu acho que tem uma discussão que é relativamente simples. O que é justiça fiscal? A justiça fiscal ou a justiça tributária, por exemplo, a justiça tributária é, você tem que pagar proporcional ao quanto você ganha. Então se você ganha muito você tem que pagar muito, se você ganha pouco, você tem que pagar pouco. Isso é justo na nossa concepção. As pessoas com um mínimo de senso de solidariedade concordam com isso. Se eu ganho pouco eu tenho que pagar pouco, um cara que ganha muito tem que ganhar muito, e o que acontece no país não é isso, as pessoas que ganham muito, que estão lá no topo da distribuição de renda, pagam muito pouco.

A nossa carga tributária é injusta, ou seja, quem está financiando os gastos com saúde, educação, etc., não são os mais ricos, eles não estão financiando. Isso é um problema em termos de justiça fiscal e algo a ser corrigido. Então as pessoas têm que apontar o dedo e falar que está errado porque essas pessoas não estão pagando uma parte da conta. Porque a política fiscal é isso, nós temos educação e saúde básica é um acordo coletivo, que nós juntos, enquanto sociedade decidimos vamos todos nós financiar a educação da população brasileira, das crianças brasileiras, que esse é um princípio universal, que todos têm direito ao acesso à saúde e à educação.

Agora como a gente financia isso? Tem gente que não quer financiar, os mais ricos estão dizendo isso: eu não quero financiar. Aí se misturam todos os argumentos (que o Estado é corrupto, então o dinheiro vai para corrupção, os serviços públicos não funcionam…) para justificar uma redução do gasto social que no fundo prejudica os mais pobres. Quem é prejudicado com a redução do SUS? Quem é prejudicado com os cortes de recursos para educação? Mesmo no ensino superior que já se democratizou muito. Quem é prejudicado com a redução da assistência social, previdência? São os mais pobres, são os negros, são as mulheres. Então, nesse sentido é muito cruel essa face da política econômica que no fundo quer ajustar o Estado e promete crescer e gerar emprego, mas no fundo está reformando o Estado para atender a determinados interesses.

Edição: Marcelo Ferreira

*Publicado originalmente no Brasil de Fato

 

Joseph Stiglitz: ”Fechar as fronteiras não fará as indústrias realocadas voltarem” 

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O Nobel em economia acredita que hoje só a política fiscal pode apoiar o crescimento na área do euro

Por Marie Charrel – 27/09/2019 14:59

Longe de proteger melhor os perdedores da globalização, a política econômica de Donald Trump agravará as desigualdades. Em seu novo livro a ser publicado em 26 de setembro, People, Power & Profits (Ed. The Free Links, 24 euros), Joseph Stiglitz, professor de economia da Universidade de Columbia (New York), é muito crítico em relação ao Presidente dos Estados Unidos. Se julga que os riscos de uma nova grande

crise financeira são limitados no curto prazo, o Prêmio Nobel de Economia de 2001 prega por uma reforma do capitalismo, favorecendo a regulação e o papel do Estado.

Guerra comercial, tensões de mercado, Brexit … Devemos temer uma nova recessão ou mesmo uma crise financeira?

As incertezas são numerosas e as intervenções do Federal Reserve dos EUA (Fed, banco central), que injetou precipitadamente nos últimos dias bilhões de dólares em liquidez nos mercados, deixaram muitas pessoas nervosas. A probabilidade de que tenhamos em breve uma crise financeira da mesma magnitude que a de 2008 permanece baixa. Por outro lado, é certo que nossas economias registrarão uma desaceleração acentuada.

Na Europa, as novas medidas de acomodação adotadas em setembro pelo Banco Central Europeu (BCE) serão suficientes para combater essa desaceleração?

A ação do BCE retirou a zona do euro da crise da dívida soberana de 2012, mas falhará em restaurar um crescimento dinâmico. A redução das taxas novamente tem agora um efeito desprezível ou mesmo negativo em atividades como a oferta de crédito. Hoje, a único instrumento que pode efetivamente apoiar o crescimento é a política fiscal – especialmente em estados com espaço de manobra nessa área, como a Alemanha.

Os outros países membros, como a França, estão limitados pelas regras do pacto de estabilidade. O ideal seria flexibilizá-las e que a área do euro adotasse também um real instrumento orçamentário comum. Mas isso requer reformas complexas e demora para implementar.

No fundo, Donald Trump não está certo em escolher a China como alvo, que nem sempre respeita as regras do comércio mundial?

Quando tributam as importações de alumínio e aço em nome da chamada “segurança nacional”, os Estados Unidos não respeitam as regras do jogo, definidas na Organização Mundial do Comércio (OMC)! Pior ainda, ao bloquear a nomeação de novos juízes para o órgão de resolução de disputas dessa instituição, eles estão questionando o multilateralismo sobre o qual foi construída a prosperidade do pós-guerra.

Isso ilustra como Donald Trump atropela o conjunto de regras e os equilíbrios que baseiam nossas sociedades democráticas. É importante que as discussões com a China continuem no quadro da OMC, mesmo que esta [instituição] possa ser melhorada.

O protecionismo preconizado pelo presidente americano pode ser uma solução para a desindustrialização observada nos países desenvolvidos?

Não, porque não podemos voltar ao passado: a suposta era de ouro da década de 1950, quando os Estados Unidos dominavam a economia e a indústria mundiais, enquanto muitos países emergentes ainda eram colônias, se foi.

A partir de agora, nossa economia é dominada por serviços, e o fechamento das fronteiras não fará retornar aos Estados Unidos as indústrias realocadas na China. Em vez disso, elas irão para outros países de baixo custo, como o Vietnã.

Mesmo que voltassem, os carros100% fabricados nos Estados Unidos seriam mecanicamente mais caros do que os produzidos na Ásia ou na Europa, por exemplo, cujas fábricas estão parcialmente localizadas na Europa Oriental. Finalmente, dificilmente beneficiariam o emprego nos EUA, porque os veículos certamente seriam montados por robôs.

Até o ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, ou o “Financial Times” pedem a reforma do capitalismo. Por onde começar?

Estamos vivendo um momento interessante: finalmente há consenso sobre os males do capitalismo! Como opera hoje, não distribui equitativamente os frutos do crescimento, capturados por uma minoria. Além disso, acelera a destruição do meio ambiente e é contestado por uma parte crescente da população, que sofre com as desigualdades.

Mas é possível avançar em direção a “um capitalismo progressista”, com tributação mais justa, maiores investimentos públicos em educação e infraestrutura. Isso requer o fortalecimento do papel do Estado, tanto na direção do estado de bem-estar como nas regulações permitindo enquadrar melhor as finanças e os mercados.

A melhor ilustração é o sistema de saúde americano, amplamente privatizado. É mais caro do que na Europa – mais de 17% do produto interno bruto (PIB), segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em comparação com 11% na França ou na Suécia – onde é público. E isso, para resultados piores: a expectativa de vida está diminuindo nos Estados Unidos, onde muitas pessoas são incapazes de pagar as contas do hospital.

Esse “capitalismo progressista” pode ser compatível com a transição ecológica?

Será se conseguirmos o equilíbrio justo entre as instituições. Quer dizer, entre os mercados, susceptíveis de resolver os problemas quando bem regulados, o Estado e a sociedade civil. Nessas circunstâncias, acredito que seja possível um crescimento que respeite as restrições ambientais e a justiça social.

O modelo que você defende está próximo do estado de bem-estar dos países escandinavos. Mas estes também falharam, em menor grau, em conter o aumento da desigualdade …

Apesar disso, as desigualdades permanecem muito mais baixas na Suécia do que nos Estados Unidos. Mas é verdade que os países nórdicos cometeram um erro: pensar que o forte consenso social em que se baseia seu modelo igualitário estava conquistado.

Ora, este se deteriora, desde que aplicam certas receitas de inspirações neoliberais. Ao permitir o desenvolvimento de muitas escolas particulares, por exemplo, a Suécia corre o risco de ver as desigualdades aumentarem drasticamente no futuro. É uma tendência perigosa.

Como estabelecer um imposto mais justo quando multinacionais, como as GAFA, livram-se facilmente dos impostos?

O assunto é particularmente importante na União Europeia (UE), onde apenas a introdução de um imposto corporativo mínimo comum limitaria a concorrência para baixo [nos custos] entre Estados-Membros.

Mas há progresso: na última cúpula do G7 [de 24 a 26 de agosto, em Biarritz], os principais países concordaram com a necessidade de criar um imposto mínimo. Ao introduzir seu próprio imposto sobre os GAFA [Google, Apple, Facebook e Amazon], Paris também mostrou que, contrariamente aos receios, era possível agir em nível nacional: a Amazon não vai interromper suas operações na França porque o grupo terá que pagar impostos.

No entanto, a Amazon ameaça repassar o custo desse imposto para as PME (pequenas e médias empresas) francesas usando sua plataforma de vendas …

Por que, então, não se desenvolve uma plataforma de vendas alternativa? Pública ou mesmo privada, com empresas locais inovadoras, apoiadas por fundos públicos. Esse seria um eixo promissor de política industrial na Europa. Já percebemos: o monopólio das multinacionais americanas não é mais um problema apenas nos Estados Unidos, tornou-se um problema mundial.

Como o país do liberalismo permitiu se criarem tais monopólios?

Há quarenta anos, as leis anticoncorrenciais e antitruste foram sendo progressivamente descosturadas nos Estados Unidos. Quando se tornaram suficientemente grandes, as empresas em posição dominante no mercado norte-americano usaram seu poder econômico – e, portanto, político – para influenciar a legislação a seu favor.

Neste domínio, a política anticoncorrencial tem sido mais eficaz na UE. Ao impedir a criação de monopólios, permitiu, por exemplo, uma redução significativa no custo dos serviços de telecomunicações, agora muito mais baratos que nos Estados Unidos.

*Publicado originalmente no Le Monde – | Tradução de Aluisio Schumacher

 

Desemprego, Tecnologia, Inovação e o Futuro do Trabalho

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O desemprego na sociedade contemporânea está sendo visto como um dos maiores males da sociedade, um enorme contingente de pessoas está desempregadas, subempregadas e desalentadas, num mundo que exibe um avanço tecnológico crescente, cujas máquinas, robôs e inteligência artificial fascina a coletividade, ao mesmo tempo gera grande apreensão, medos e desesperanças, estamos num mundo assustador, desafiador e ao mesmo tempo impressionante e surpreendente, onde o progresso científico e tecnológico caminha lado a lado com os desequilíbrios emocionais, afetivos e espirituais.

Vivemos em uma sociedade que passa por transformações em todas as áreas e setores, com impactos sobre o emprego e sobre a empregabilidade, exigindo esforços dos mais intensos para um posicionamento profissional, investindo na carreira, buscando cursos e novas qualificações e capacitações, sem estas atualizações os trabalhadores tendem a perder espaço no mercado de trabalho para outros trabalhadores e para as novas tecnologias, inclusive para robôs e a inteligência artificial que crescem e ganham novos espaços na sociedade.

O mundo do trabalho se transforma com rapidez, as novas técnicas de gestão aumentam a produtividade e reduzem os custos produtivos, as tecnologias alteram processos e economizam mão de obra, os benefícios sociais inseridos nos contratos de trabalho estão sendo reduzidos pelos governos, com a previsão de que neste mundo contemporâneo o trabalhador deve escolher entre ter benefícios trabalhistas e não ter emprego ou conseguir uma colocação no mercado de trabalho com poucos benefícios trabalhistas, uma verdadeira revolução no mundo do trabalho está em curso na sociedade.

Os modelos tradicionais de trabalhos estão sendo alterados, novos contratos estão surgindo, nestas mudanças surgem modalidades específicas de trabalhadores que trabalham em casa, junto aos seus familiares, fazendo seus próprios horários e seguindo as metas estabelecidas pela empresa. Outros empregos estão sendo destruídos em setores onde as atividades são bastante repetitivas, marcadas por rotinas estressantes e cansativas, estes trabalhadores devem se recapacitar para conseguir uma nova oportunidade nos mercados, testando a resiliência, a paciência e a perseverança.

Muitos indivíduos questionam quais os setores que absorverão esta massa de trabalhadores desempregados nos próximos anos ou nas próximas décadas, responder esta questão é algo bastante difícil, novos negócios tendem a se estabelecer e negócios antigos tendem a ser desfeitos, previsões variadas são colocadas no mercado todos os dias, os mais entusiasmados estão sempre acreditando que o mercado vai criar novos empregos e construir novas oportunidades para os desempregados. Os mais pessimistas acreditam que as dificuldades futuras tendem a aumentar e o mundo do emprego reduzirá exponencialmente as vagas, deixando uma grande quantidade de desempregados ou subempregados.

Se observarmos as revoluções anteriores, como argumentam os mais otimistas, muitos empregos e setores foram dizimados pelas tecnologias, mas outros setores surgiram, ganharam relevância e passaram a ofertar novos empregos, foram construídas instituições para capacitar e qualificar a força de trabalho, reduzindo o número de desempregados e criando uma classe de trabalhadores forte e consistente, que posteriormente se organizou em sindicatos e conseguiu angariar benefícios e melhorias profissionais. Com este argumento, defendem a tese de que, grande parte dos empregos que absorverão os trabalhadores no final da próxima década ainda não foram criados, com isso, estamos num momento de transição, neste momento a instabilidade e as incertezas são maiores e, muito brevemente, vamos conseguir enxergar melhor o novo modelo econômico que ora domina a sociedade.

Outros teóricos menos otimistas observam a situação sob uma outra lógica, segundo estes, as transformações atuais são bastante diferentes das anteriores, as tecnologias contemporâneas estão afetando fortemente as chamadas classes médias, ao contrário das anteriores que afetavam diretamente os trabalhadores braçais, estas novas tecnologias, como inteligência artificial, internet da coisas, robótica, impressão 3D, dentre outras, estão afetando os trabalhadores com maior qualificação, exigindo destes uma reinvenção, uma flexibilidade e uma agilidade desconhecida até então. Como esta classe média sempre foi descrita como um referencial na coletividade, marcada por trabalhadores mais qualificados, profissionais liberais e técnicos qualificados, estes grupos utilizam seu desespero para reverberar suas críticas e desesperanças numa sociedade que os desemprega, reduz seus direitos e os coloca na informalidade.

As novas tecnologias empregadas no processo produtivo estão deixando os trabalhadores mais livres das amarras da gestão tradicional, mas por outro lado estão criando profissionais mais inseguros e frágeis do ponto de vista emocional, financeiro e físico. Como nos mostra o professor Jeffrey Pfeffer, autor da obra Morrendo por um salário, da Universidade de Stanford, “No Vale do Silício é possível ver engenheiros de 30 anos de idade com corpos de 50 anos”. Neste novo modelo de trabalho, os profissionais estão esgotados, depressivos e ansiosos em excesso, acumulando doenças laborais e transtornos emocionais e espirituais intensos, transformando o trabalho e a vida profissional uma grande fonte de preocupação.

O medo de perder o emprego, os contratos temporários, a falta de seguro saúde e a instabilidade financeira estão elevando o estresse e nos conduzindo para um cenário profissional ainda mais precário no futuro. Os profissionais das grandes empresas são vistos como estáveis e altamente capacitados, ledo engano, muitos deles nem sabem quais serão seus horários na próxima semana, impedindo que os funcionários façam seus próprios planejamentos, tudo isto gera grandes inquietações, medos e ansiedades, repercutindo na vida familiar, nos relacionamentos, nos ambientes corporativos e nas questões financeiras e emocionais, levando muitos trabalhadores a desequilíbrios variados, tais como a depressão, que vitima mais de quatrocentos milhões de pessoas no mundo e as mortes por suicídio, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada quarenta segundos uma pessoa comete a atrocidade de tirar sua própria vida, os suicídios se tornaram um problema de saúde pública, engajando escolas, faculdades, empresas, governos e inúmeras outras instituições para esclarecer a população e evitar estes transtornos que crescem de forma acelerada.

Nesta sociedade dominada pelo capital financeiro, os donos do poder definem as regras da sociedade e os fazem de acordo com seus interesses, a lógica financista esta sendo difundida para todos os agentes sociais e políticos, as empresas impõem a estes trabalhadores os modelos que dominam as instituições financeiras, caracterizadas pelo imediatismo, pelas metas agressivas, pela redução constante nos custos e  por uma automatização que reduz fortemente a demanda por novos profissionais, condenando os indivíduos a uma incerteza crescente e uma busca insana por novos cursos e capacitações.

Como nos destaca Jeffrey Pfeffer, um dos locais mais cobiçados para se trabalhar na sociedade contemporânea, o Vale do Silício, é descrito como um dos locais mais tóxicos, onde muitos dos profissionais usam substâncias legais e ilegais, como esteroides e cocaína para cumprir com suas metas insanas, gerando os mais terríveis problemas de saúde que serão sentidos no médio e no longo prazos, degradando a saúde dos trabalhadores e incrementando os custos da saúde e os dispêndios dos Estados Nacionais.

Estas transformações estão em todas as regiões, anteriormente os filhos tinham grandes chances de construir uma vida mais bem-sucedida do que seus pais, na sociedade contemporânea as chances são cada vez mais reduzidas, gerando grandes instabilidades e desequilíbrios emocionais. No mundo corporativo encontramos zumbis sobrevivendo a base de calmantes e outras drogas, um ambiente altamente competitivo onde os profissionais concorrem uns com os outros, destruindo os laços sociais e a solidariedade humana, neste ambiente o sucesso de um indivíduo deve ser visto como o fracasso de seu competidor.

Neste ambiente altamente tóxico e competitivo, encontramos empresas buscando todos os métodos para estimular a criatividade de seus profissionais, palestras motivacionais e remunerações flexíveis, todos estes instrumentos criam mais desequilíbrios dentro das corporações e servem apenas para estimular uma maior concorrência entre os profissionais e enriquecer consultores que vivem vendendo ilusões pseudocientíficas baseadas em uma meritocracia distante da maioria dos trabalhadores contemporâneas.

Um discurso recorrente que volta com força na sociedade contemporânea é o de empreendedorismo, onde se busca construir novos cenários, neste discurso cada indivíduo é o grande responsável por seu sucesso ou por seu fracasso, segundo o que definimos como meritocracia, outro termo bastante em voga na sociedade. Estes discursos são charmosos e empolgam muito os incautos, mas transfere aos indivíduos seu sucesso ou seu fracasso, como se todos os indivíduos bem-sucedidos tivessem sido eles próprios os grandes responsáveis por seu êxito profissional, deixando de lado as heranças monetárias e os investimentos feitos nestes por famílias estruturadas e conscientes da importância da educação no desenvolvimento social e profissional.

O sociólogo Ricardo Antunes, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), analisa a questão da seguinte forma: “O empreendedorismo é uma forma mistificadora que imagina poder eliminar o desemprego, em uma sociedade que é incapaz de preservar trabalho digno com direitos. E, como estas novas modalidades de trabalho são deprimentes, a mistificação torna-se o remédio que só fará alimentar a doença”.

Neste ambiente de degradação do mundo do trabalho, de crescimento da informalidade, das crises seguidas dos trabalhadores e do enfraquecimento dos sindicatos e do poder da classe trabalhadora, a ideia de empreendedorismo é uma das poucas alternativas que o mundo do trabalho oferece frente à corrosão dos direitos e garantias sociais. É isso ou o trabalhador deverá se contentar com o desemprego completo.

Percebemos nestas transformações uma busca constante por profissionais da área de tecnologia, computação, matemática e biologia em detrimento de profissionais das ciências humanas, principalmente aqueles oriundos da Filosofia, da Pedagogia e da Sociologia, vistas como áreas de pouco relevância para o mundo dos negócios e formada por pessoas teóricas demais, um equívoco para uma sociedade prática e centrada na tecnologia. Esta visão equivocada acaba gerando um excesso de profissionais nas áreas e setores mais demandados pelo mercado, atraindo os melhores quadros, mesmo muitos deles não se identificando com as áreas de tecnologia, estes profissionais acabam buscando estas áreas apenas pela melhor remuneração ou pelo status social que estes profissionais gozam na sociedade do conhecimento.

Outro efeito imediato desta realidade social, é que muitos estudantes bem formados e altamente qualificados estão optando por cursos que os coloquem em melhores condições no mercado de trabalho, deixando de lado suas aptidões e vontades pessoais, com isso, se tornam profissionais desmotivados, descontentes, agressivos e altamente tóxicos nas organizações. Se estes profissionais investissem em suas áreas de interesse seriam muito mais relevantes para a sociedade e trariam contribuições mais consistentes, mas como são atraídos pelos atrativos financeiros do mercado, acabam se transformando em profissionais medíocres, desanimados e descontentes em suas áreas de atuação.

Neste cenário percebemos o crescimento dos cursos ligados a tecnologia, aos jogos e aos conhecimentos práticos e uma baixa demanda por profissionais mais teóricos e reflexivos, o resultado imediato destas escolhas não demorarão a chegar nesta sociedade, muitos profissionais nos setores de tecnologia estão buscando seus aplicativos revolucionários e vêem seus salários se reduzindo rapidamente devido ao excesso de profissionais disponíveis. De outro lado os profissionais de áreas preteridas pelo mercado, tentam se “modernizar” e se “adaptar” as transformações comandadas pelo deus mercado, com isso estão levando suas áreas a perderem sua maior essência, a de levarem seus alunos a refletirem sobre suas realidades e compreenderem para onde estamos levando a sociedade global num mundo dominado pela tecnologia, pelo imediatismo e pelos rigores do chamado Mercado.

Percebemos este movimento a nível global, em todas as regiões as humanidades estão perdendo espaço para as áreas de tecnologia, este movimento comandado pelos mercados globais tem uma profunda irracionalidade, embora muitos dos teóricos da economia acreditem que os mercados sejam entes extremamente racionais, o excesso de um dos lados sempre leva a sociedade a grandes constrangimentos, a tecnologia é importante e tem um papel social de grande relevância, mas a tecnologia deve abrir espaço para um futuro mais acessível a todos os seres humanos, contribuir para o crescimento e para o desenvolvimento econômico, reduzir as desigualdades e enfrentar a exclusão social, que não deve ser aceita e muito menos permitida por uma sociedade que cria riquezas de forma exponencial como a sociedade contemporânea.

 

Nogueira Batista expõe os vira-latas brasileiros

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Economista explica como autoridades norte-americanas encontram na elite brasileira um aliado para desestabilizar autonomia do país. Como a nação regrediu: de protagonista dos “emergentes” à submissão – e quais os riscos à nossa soberania

Paulo Nogueira Batista, entrevistado por Antonio Biondi e Napoleão de Almeida, no Brasil de Fato.

“O Brasil, quando se assume como o grande país que é, não cabe no quintal de ninguém. É importante que o brasileiro saiba disso”, afirma o economista Paulo Batista Nogueira Júnior, em referência ao título do livro que ele lança nesta quarta-feira (25) em São Paulo, intitulado O Brasil não cabe no quintal de ninguém (Editora Leya, 448 páginas).

Nesta entrevista ao Brasil de Fato, Nogueira Batista cita o ex-chanceler Celso Amorim ao afirmar que o país precisa se livrar de vez da “nanomania” (mania de ser pequeno), que voltou a se acentuar com a chegada de Jair Bolsonaro (PSL) e seu grupo ao poder.

“O Brasil é um dos cinco países que fazem parte das listas dos dez maiores territórios, das dez maiores populações e das dez maiores economias. Só caberia no quintal de alguém se fosse quebrada a unidade nacional”, lembra ele, citando as outras quatro nações – EUA, Rússia, Índia e China – e dando a deixa para falar do assunto principal do livro, que é a análise da disputa geopolítica em torno desses países, a partir da visão de quem esteve no centro dela por 10 anos.

Entre 2007 e 2017, Nogueira Batista trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington (EUA), e foi vice-presidente do Banco do Brics, que ele ajudou a criar, em Xangai (China). O Brics é a instituição que reúne quatro daqueles maiores países citados por ele – Brasil, Rússia, China, Índia –, mais a África do Sul, e que nas últimas décadas vem tentando fazer frente à hegemonia dos EUA nas relações internacionais.

Ao narrar sua experiência, o economista, de 64 anos, fala da liderança do Brasil nesse processo em torno de uma nova agenda mundial, durante os governos do PT, e de como isso se perdeu a partir do golpe de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff e voltou a colocar o Brasil na condição anterior de subserviência aos interesses estadunidenses.

Nogueira Batista ressalta que, ao contrário do que ocorre com outros países, no Brasil os EUA não precisaram “dar a cara a tapa” para retomar o controle sobre nossa economia e nosso processo político.

“Eles encontram na elite brasileira um monte de sujeitos disponíveis pra fazer o trabalho deles. Porque esses vira-latas nacionais, desculpem-me a ênfase, se orgulham de receber mensagens do império”, diz o economista, lembrando algumas passagens de sabujismo explícito que vivenciou quando trabalhava no FMI.

Na entrevista, ele faz um balanço dos avanços econômicos e dos erros cometidos pelos governos brasileiros nas últimas décadas (FHC, Lula e Dilma), e do “desastre” que tem sido a gestão Bolsonaro. “Esse pessoal que está aí hoje não tem projeto algum. Tem uma agenda confusa, liberal, misturada com um projeto regressivo. Com esse discurso costurado, não vai recuperar a confiança. Esse governo não tem projeto. Só tem projeto de destruição”.

Nogueira Batista conclui com uma mensagem de esperança e um alerta: “Estamos pagando um preço altíssimo por ter levado essa figura à presidência da República. Nós vamos resistir a isso tudo. Mas é preciso muito cuidado, porque já vimos países destroçados pela combinação entre crise interna e pressão externa. Síria, Iraque, Líbia… Não pense o brasileiro que aqui não acontece. Podem acontecer coisas muito piores se a gente não se der conta”.

Brasil de Fato: Professor, vamos começar falando sobre o livro.

Paulo Nogueira Batista Júnior: O livro é essencialmente um relato da minha experiência de mais de 10 anos no exterior, em Washington (EUA), primeiro, no FMI, depois em Xangai (China), no Banco dos Brics. O grosso do livro trata dessa temática. Na realidade, é uma recapitulação de uma fase da história brasileira, em que o Brasil teve um papel de protagonista no mundo, em geral, e particularmente no Fundo Monetário e nos Brics. Eu busco misturar análise econômica com o relato de bastidores das negociações em que estive envolvido. Os embates, as dificuldades que existem para o Brasil, um país emergente, em ocupar um espaço no mundo. As resistências a isso, por parte das potências tradicionais, e como isso se traduz nos embates das pessoas dentro das instituições.

O Brasil, quando se assume como o grande país que é, não cabe no quintal de ninguém. É importante que o brasileiro saiba disso. Não é teórico: o Brasil fez esse papel e pode voltar a fazer, se superar essas dificuldades em que se encontra hoje.

É um relato com olho no futuro: não se pode perder de vista que o Brasil é um dos cinco países que fazem parte das listas dos dez maiores territórios, das dez maiores populações e das dez maiores economias. Quais são: EUA e os quatro Brics originais – Brasil, Rússia, Índia e China. Só esses cinco no mundo integram a lista dos dez maiores em economia, demografia e território. Daí aquilo que o Celso Amorim diz que o brasileiro tem: “nanomania”. Mania de ser pequeno. O Brasil não permite, o Brasil é naturalmente grande, e só caberia no quintal de alguém se fosse quebrada a unidade nacional.

Fale um pouco da importância que as instituições financeiras ligadas aos Brics já desenvolvem e que podem desenvolver.

Os Brics atuaram conjuntamente a partir de 2008, por iniciativa da Rússia, que procurou os demais e propôs um mecanismo de coordenação. Nesses mais de 10 anos, os Brics, num primeiro momento, atuavam para tentar reformar as instituições existentes. E nós tivemos algum sucesso no FMI, graças à atuação conjunta destes países e mais a África do Sul, que se juntou ao grupo depois, em 2011. Em determinado momento, os Brics perceberam que a resistência à mudança em Washington era muito grande, maior do que pudéssemos supor. Não fizemos nenhum escândalo, nenhum tumulto: continuamos em Washington, trabalhando no Banco Mundial e no Fundo Monetário, mas resolvemos seguir nosso próprio caminho. Isso culminou na cúpula de Fortaleza, presidida pela [presidenta] Dilma Rousseff, onde se assinaram os tratados constitutivos dos dois mecanismos financeiros criados pelos Brics: o novo banco do desenvolvimento, que é onde eu acabaria trabalhando, e o Fundo Monetário dos Brics. Essas duas instituições estão em processo de construção. É um processo difícil, lento, que encontra muitos percalços. Entre tantos, eu destacaria um: é que o Brasil foi um dos – se não o principal – motor dos Brics num período que foi de 2008 até 2014, mais ou menos. (…) E a partir do momento em que o Brasil entra em ebulição política, em 2015, esse motor desaparece, ou se enfraquece muito.

Esse peso se deslocou para a China, que vai crescendo, ganhando experiência. Não é a mesma coisa, porque a China tem uma agenda mais estreita, não é tão abrangente como a que o Brasil tinha. Então essas instituições que nós ajudamos a criar estão prejudicadas pelo fato de um dos motores estar avariado pelas suas dificuldades internas.

O senhor diria que isso influenciou derrubada da presidenta Dilma? O Brasil incomodava sendo um dos motores dos Brics nesse período?

A Dilma teve um papel fundamental nesse processo. Eu posso contar por que eu vi. Ela tinha até mais interesse que o Lula nessa questão. É difícil responder [à pergunta], em parte, porque essas coisas não acontecem à luz do dia. Mas uma conjectura muito plausível é que isso possa ter pesado. Não digo que tanto quanto o Pré-Sal, o Petróleo, a Petrobras. Mas pesa, pois, o que são os Brics, senão um mecanismo de cooperação que envolve o Brasil, o maior país da América Latina, em aliança com dois adversários dos Estados Unidos – a Rússia e a China? Veja que eu estou falando de adversários dos Estados Unidos e não especificamente de adversários do [presidente Donald] Trump. (…) É legítimo conjecturar que os americanos tenham encarado com intranquilidade essa cooperação do Brasil com dois adversários históricos deles, ainda que a China não seja um adversário histórico, mas sim uma ameaça recente.

O que dificulta avaliar isso é que os americanos têm a vantagem de operar pelos seus prepostos locais. Então eles encontram na elite brasileira um monte de sujeitos disponíveis pra fazer o trabalho deles. Eles não precisam atuar diretamente, se identificar como agentes, mas a influência externa provavelmente existe. Como dizia Barbosa Lima Sobrinho: há dois partidos no Brasil, o partido de Tiradentes e o partido de Joaquim Silvério dos Reis. O do Joaquim Silvério está muito bem representado, permanentemente, na elite brasileira. Então, quando você tenta marcar uma posição diferente internacional, você encontra essas resistências. E às vezes esses prepostos dos interesses internos são relativamente francos e dizem, “olha, o Tesouro Americano está reclamando de você”, [risos], “o Tesouro Americano quer isso, quer aquilo”. Porque esses vira-latas nacionais, desculpem-me a ênfase, se orgulham de receber mensagens do império. Nem escondem que agem como prepostos.

Quem são esses prepostos?

No caso da minha vivência, e que eu relato no livro, são autoridades. Por exemplo, o ministro [da Fazenda] Joaquim Levy, nomeado pela Dilma na fase final. Outro exemplo são funcionários do governo brasileiro, indicados pelo [Henrique] Meirelles, que atuaram para me desestabilizar em Xangai [Meirelles presidiu o Banco Central do Brasil nos oito anos do governo Lula]. O presidente do Banco Central no governo Temer, Ilam Goldfajn, muito ligado aos EUA, também.

Se você vai ver quem são as firmas que investigam para desestabilizar os brasileiros que atuam de maneira mais independente, são certas firmas de advocacia americanas contratadas para criar problemas, entende? Baker & McKenzie, por exemplo, a mesma que atuou na questão da Petrobras.

Eu não tenho evidência de que existe uma articulação liderada pelo governo americano, mas a presença de prepostos do governo americano nos embates que eu presenciei é notória. São sempre esses prepostos, brasileiros com ligações fortes com os EUA. Com pretensões de longo prazo, de carreira e de vida. E esse é o perfil que permite que os americanos possam operar sem dar a cara a tapa, vamos dizer assim.

Houve uma época em que seguir diretrizes do FMI era como fazer um “acordo com o Diabo”. Como é essa relação hoje?

Essa questão do FMI, desde os anos 1980, eu trato no livro, porque tive uma experiência com o FMI e credores externos já nos anos 80. Em 2007, voltei ao Fundo em outra condição, trabalhando pelo Brasil. O que digo, primeiramente, é que havia diferenças, mas havia também continuidade. Tentamos mudar o FMI, conseguimos alguma coisa, principalmente no tempo do Dominique Strauss-Kahn. A crise de 2008 abriu um terreno, porque ela deixou vulnerável o status quo. E nesse ambiente conseguimos mudanças significativas. Só que, quando a crise amainou nos EUA e derrubaram o Strauss-Kahn, houve um retrocesso. Conseguimos avançar até certo ponto, mas, conforme conto no capítulo do livro “O Império Contra-Ataca”, se reestabelecem práticas anteriores. É nesse momento em que os Brics decidem que, “tudo bem, então vamos fazer o nosso fundo monetário”. E é onde eu digo: faz falta o Brasil nesse processo, que funcionava como líder dos países emergentes e dos próprios Brics. E o Brasil do Lula afirmou-se como um Brasil diferente, com uma projeção que nenhum dos outros Brics tinha ou tem. A Rússia não tem porque é atritada com metade do mundo. A Índia não tem, a China não tem, apesar de tudo. Então eu tenho certeza que os Brics sentem falta de um Brasil ativo e autônomo.

Queria uma avaliação sobre a atual economia brasileira, nossas fragilidades e potências.

A economia brasileira sofreu uma recessão profunda em 2015 e 2016. Tivemos uma queda de PIB per capita da ordem de 8%, e estacionou nesse nível deprimido, não houve recuperação em 2017, 18 e 19. O PIB per capita está estagnado praticamente. A expectativa era de que o novo governo, com o capital político das urnas, conseguisse movimentar a economia. E isso não está acontecendo, porque o governo Bolsonaro não tem um projeto de crescimento, não tem um projeto econômico claro.

Estão tentando aplicar no Brasil de 2019 ideias que já fracassaram: que o importante é fazer reformas estruturais, como a Previdência, para gerar confiança e que os empresários possam ter confiança para gastar. Não quero dizer que confiança não é importante, pois é; não quero dizer que não precise de reformas estruturais, pois precisa, talvez não essas aí; mas o que eu quero dizer é que confiança não é suficiente para recuperar um país combalido. Você tem que ter uma política econômica que crie estímulo, e isso não vem acontecendo.

Houve uma pequena redução na taxa básica de juros pelo Banco Central, mas ainda há espaço que precisa ser utilizado. A política fiscal do governo é contracionista, por conta do teto de gastos, uma política criada no Governo Temer que eu chamaria de “idiota”, com o perdão da palavra, porque é de um simplismo… de uma estupidez… Você tem uma regra fiscal tosca e você tem que substituir essa regra por uma mais inteligente. E o governo teme mexer na regra e perder credibilidade, mas está verificando que a regra não vai funcionar. Se você não mexer na regra, vai ter uma combinação de economia combalida, desemprego e política fiscal recessiva.

O FMI fez um relatório sobre a economia brasileira dizendo que o Brasil talvez possa crescer algo como 2% ou 1,5% anualmente, com otimismo, nos próximos anos. Com esse tipo de crescimento, a taxa de desemprego que hoje é 12 milhões, cairia para 10 milhões, mas continuaria extremamente alta até 2022. O panorama não é favorável.

O governo não tem um projeto convincente, fica esperando não sei o quê. Veja pela retórica do governo Bolsonaro: “vou zerar o déficit no primeiro ano”. Aí… “não é bem assim” e vai continuar por vários anos. “É preciso a reforma da Previdência, porque aí sim deslancha”, e faz. Mas aí, “não é só isso, tem mais isso”. Não é um discurso convincente. Com esse discurso costurado, não vai recuperar a confiança.

Mas por que a economia então não afunda? Porque o Brasil tem trunfos econômicos importantes. É uma pena que a gente tenha um governo tão precário como esse. Se fosse minimamente organizado… Que trunfos são esses? Uma posição do setor externo muito forte, reservas internacionais muito elevadas, o que nos diferencia da Argentina ou da Turquia. Um regime cambial adequado, flutuante, flexível e sem regras. A inflação está sob controle. É verdade que por conta da recessão, mas está baixa. E o setor externo está equilibrado.

Para mim, é um espanto ouvir o ministro da Economia dizer que o setor público brasileiro está em colapso. Como o ministro pode ser tão irresponsável para minar o setor que ele está supostamente governando? Isso não existe em lugar nenhum. O setor público tem dificuldades, Estados e municípios, muitos deles, mas não está quebrado. (…) Essa história de que o dinheiro acabou é um simplismo, especialmente para os que não entendem. Mas não é um colapso. É claro que, se continuar com esse governo, batendo cabeça e desorganizado, acaba atingindo a economia.

O senhor vê o Brasil avançando pouco a pouco ou estamos regredindo?

Desde a década de 1980, o Brasil não tem conseguido crescer de forma sustentada por períodos longos. Houve alguns períodos curtos, por exemplo no governo Lula. Mas foi uma exceção. No geral, temos apresentado um crescimento baixo, e com o Brasil perdendo expressão em relação a outros países, como a China e outras nações da Ásia. No meu modo de ver, o que explica isso é sobretudo a captura das alavancas decisórias do Estado brasileiro por interesses financeiros de curto prazo, e seus representantes. Me refiro ao ministério da Fazenda, ao Banco Central… Um processo que tem longa história, que marca o governo FHC, marca o início do governo Lula, que não conseguiu de imediato se livrar disso. Quando ele se livra disso, a partir de 2005, ele quebra uma maldição, que é a do segundo mandato ser pior que o primeiro. E aí o Brasil experimenta uma fase áurea. Mas, mesmo nessa fase áurea, o que preocupou? A tendência de o Brasil deixar a estrutura industrial brasileira regredir. Períodos prolongados de valorização cambial, juros muito altos durante muito tempo. Essa combinação foi muito negativa para muitos setores.

O sistema tributário é inadequado, a infraestrutura inadequada, o uso de crédito é inadequado. No governo Lula, houve uma tentativa [de melhorar essa estrutura], mas incompleta. No governo Dilma também. E, como esse projeto Lula-Dilma naufragou na crise 2015, nós agora estamos de volta ao modelo anterior, financista, de curto prazo. Não é um modelo de desenvolvimento. Nós temos que ter um modelo de desenvolvimento nacional.

Esse caminho regressivo do governo Bolsonaro, do governo Temer, é um caminho destrutivo, não é uma construção. É diferente do que vivemos nos anos 1960, depois do golpe militar, por exemplo. Porque naquele momento havia um projeto. Você pode não gostar daquele projeto, mas existia, formulado por pessoas como Roberto Campos, Delfim Netto. Esse pessoal que está aí hoje não tem projeto algum. Tem uma agenda confusa, liberal, misturada com um projeto regressivo do presidente Bolsonaro, que está batendo cabeça para tudo quanto é lado. Acho muito difícil que esse projeto, do jeito que está estruturado, leve a algum resultado positivo pro País.

Sobre o Plano Real, que completou 25 anos em julho, o que o senhor destacaria?

As opiniões sobre o Plano Real são mais uma manifestação do complexo de vira-lata do brasileiro. Mesmo os adversários precisam reconhecer que ali foi feita uma coisa importante pela equipe do [presidente] Fernando Henrique. Eu destacaria a URV (Unidade Real de Valor), um mecanismo inteligente de desindexação, usado de maneira positiva na época. Vinte e cindo anos depois, o Brasil tem uma moeda nacional. Estávamos ali com hiperinflação, altíssima, uma desordem monetária. Faltava uma moeda nacional razoavelmente estável. Mesmo aos trancos e barrancos, isso veio. O maior erro, por outro lado, foi a indexação cambial, que avalio que não era necessária. Embora tenha conversado com Pedro Malan (ministro da Fazenda de FHC) recentemente e ele insiste que era necessária. Mas o fato é que tivemos uma grande valorização cambial, que gerou problemas gravíssimos, como a crise de 1998 e 99, que quase acabou com o Real.

E quanto aos governos do PT, o que houve de avanços e erros?

É difícil uma generalização. Temos várias fases da política econômica nos governos Lula e Dilma. O início é marcado por uma fase ortodoxa, basicamente a continuação do que o Pedro Malan vinha fazendo. Depois houve uma mudança de rumos com a entrada do Mantega (Fazenda) e da Dilma na Casa Civil, com uma mudança do Lula na direção do desenvolvimentismo, que foi bem-sucedida.

Quando o Lula transfere o poder para a Dilma, e isso é algo que todo mundo esquece, a Dilma entra e faz um choque ortodoxo: com ajustes fiscais importantes, elevação das taxas de juros, contenção do crédito, porque ela tinha a avaliação, correta, de que a economia brasileira estava superaquecida. Só que talvez o governo brasileiro tenha pesado demais a mão naquele momento, e as tentativas de reaquecimento da economia não foram bem-sucedidas. Houve várias tentativas entre 2011 e 14, e a economia não voltou a ter aquele ritmo. E aí vem toda a crítica à matriz econômica, que é uma crítica ideológica. Assim como existe a fantasia da “ideologia de gênero”, há a fantasia da “nova matriz econômica”. O que houve ali foi uma tentativa malsucedida de reativar a economia. Talvez os melhores métodos não tenham sido utilizados. Mas o fato é que a crise de 2015, 2016, não pode ser atribuída, senão em menor proporção, aos erros de política econômica do governo Dilma. Houve erros? Houve. Importantes? Sim. Mas nada que justifique uma recessão daquele tamanho.

A recessão foi fruto de choques externos, perda em termos de troca, importante em 2015, mas sobretudo de fatores internos. Além disso, temos a Lava Jato e seus efeitos desestruturantes em várias cadeias produtivas. E a tentativa de dar um golpe na presidente recém-reeleita. Que funciona assim: é difícil, mas vamos fazer uma sabotagem nesse governo, mesmo que tenha custos para a economia. Foi isso que foi feito. Pautas-bomba, cerceamento do governo e a contribuição da própria presidente, que nomeia como ministro da Fazenda o Joaquim Levy, que tenta aplicar um choque ortodoxo na economia combalida. É feito em seguida um ajuste de preços públicos de uma só vez, erradamente, o que força o Banco Central a agir com taxa de juros. Aplica-se uma política fiscal equivocada, que nada tinha com o programa dela. Tudo isso junto derrubou a economia brasileira de um jeito que nunca tínhamos visto. Uma enorme irresponsabilidade daqueles que arquitetaram o golpe. E a economia brasileira ainda não se desfez do trauma dessa irresponsabilidade, com erros da Dilma, do Levy, erros da Lava Jato e o golpe parlamentar. Quem olhar para trás num registro histórico, de uma maneira isenta, não vai deixar de observar isso.

O que poderia contribuir para uma melhoria da economia brasileira?

Não acredito que o atual governo consiga colocar o Brasil em um rumo positivo. Porque esse governo não tem projeto. Só tem projeto de destruição, em várias áreas. O que está acontecendo são medidas de desarticulação dos mecanismos existentes, sem que o governo saiba o que vai colocar no lugar.

Os mecanismos existentes têm defeitos? Têm. É preciso corrigi-los? Sim. Mas não é assim que se faz. Na área da Cultura, da Educação, do Meio Ambiente, da máquina pública… É um processo de destruição declarado, admitido como tal. Dito isso pelo Bolsonaro: “eu vim pra destruir”. Agora pergunta para essa equipe se eles sabem o que vão colocar no lugar? Provavelmente eles não sabem. Então é desastroso.

O Brasil está correndo um grande risco. Nunca houve um governo tão subordinado ao governo americano, que chega a declarar que está apaixonado pelo presidente dos EUA, não tem o mínimo de decoro, faz concessões unilaterais na esperança de ter algo, o que é um absurdo, não é assim que funcionam as coisas. Além disso, o atual governo provoca desnecessariamente toda a ira da comunidade internacional na questão da Amazônia, colocando o Brasil numa condição de pária, que nós nunca tivemos. É erro atrás de erro atrás de erro. Estamos pagando um preço altíssimo por ter levado essa figura à presidência da República. Nós vamos resistir a isso tudo. Mas é preciso muito cuidado, porque já vimos países destroçados pela combinação entre crise interna e pressão externa. Síria, Iraque, Líbia… Não pense o brasileiro que aqui não acontece. Podem acontecer coisas muito piores se a gente não se der conta. É fundamental que o brasileiro saia do seu comodismo e veja o que aconteceu com países que perderam sua soberania.

 

 

A imposição da nossa Vantagem é a razão do nosso atraso, por Albertino Ribeiro

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O Brasil, cuja revolução industrial aconteceu com cem anos de atraso, também teve seu conflito indústria/agricultura desde a monarquia.

Albertino Ribeiro – GGN – 25/09/2019

A indústria deveria ser o nosso norte, direcionando o desenvolvimento econômico brasileiro, porém abdicou de sua liderança para o setor agropecuário. Infelizmente, os industriais brasileiros não tiveram a mesma sorte que seus pares americanos do século XIX. Naquela época, a indústria americana, concentrada no norte do país, venceu a guerra pela hegemonia econômica.

Se não fosse o esforço empreendedor daqueles industriais, os Estados Unidos da América seriam hoje o que o Brasil, infelizmente, sonha em se tornar um dia: a fazenda do mundo! Não seria isso um pesadelo?

Caro leitor, não sou um inimigo do agronegócio! Afinal de contas, o mundo precisa de alimentos e matérias-primas, inclusive, existem países que possuem riquezas naturais. Podemos citar alguns como Noruega, Canadá e Austrália. Esses países, mesmo tendo vantagens comparativas na agricultura e no extrativismo em geral, não negligenciaram à atividade industrial.

A indústria americana vivia em conflito com os ruralistas do sul do país. Os produtores de algodão, valendo-se das vantagens comparativas sobre os demais países, eram favoráveis ao livre comércio e tinham como principal porto dos seus produtos a Inglaterra, país que possuía grandes tecelagens. Ademais, o livre comércio também era interessante para os produtores do sul, porque permitia-lhes a obtenção de manufaturas mais baratas vindas do exterior.

Os empresários, juntamente com lideranças do Estado americano, sabiam que a continuação dessa política levaria o país a ser uma grande nação agrícola ou a fazenda do mundo. Contudo, para evitar o futuro “agrodistópico”, o governo americano resolveu adotar políticas protecionistas em relação às manufaturas estrangeiras. Isso mesmo! Foi a política protecionista do estado americano que promoveu o desenvolvimento da indústria. O tal do “liberou geral” só veio depois do fortalecimento do setor.

Uma curiosidade da época foi o desencorajamento da leitura dos livros de Adam Smith e David Ricardo pelo governo, uma estratégia para instilar no empresariado o desejo de ir contra a teoria das vantagens comparativas que, naquele momento, era o grande inimigo teórico da industrialização americana. Verdade, amigo do instituto Milenium!

Ser a fazenda do mundo não era o sonho americano, mas um pesadelo contra o qual o setor privado e o governo lutaram para que não se materializasse.

O Brasil, cuja revolução industrial aconteceu com cem anos de atraso, também teve seu conflito indústria/agricultura desde a monarquia. Contudo, os produtores rurais levaram a melhor – pobre Barão de Mauá e seus pares – graças a influência que sempre tiveram junto ao estado Brasileiro.

Recentemente comemoramos o acordo MercoSul e União Europeia. Mais uma vez o agronegócio levará vantagem e a indústria ficará vulnerável à concorrência. Como se não bastasse o atual abandono da indústria nacional, o governo Bolsonaro quer iniciar um novo ciclo extrativista avançando sobre a Amazônia. Tal política tende a tirar, o foco do investimento industrial, uma verdadeira “maldição dos recursos naturais”, segundo alguns economistas supersticiosos.

A indústria brasileira possui, apenas, 11,3% de participação no PIB (dados de 2018), retrocedemos ha mais de 60 anos. Para termos uma ideia, Em 1956, quando Juscelino Kubitschek tornou-se presidente, a participação da indústria no PIB era de 24,1%, e o Brasil, naquela época, era considerado um país ainda agrário.

Infelizmente, a frase do economista Pedro Malan, ministro da Fazendo do governo FHC, “a melhor política industrial é não ter política industrial”, tornou-se o nosso modus operandis. Assim sendo, continuaremos a colher os frutos do atraso.

Albertino Ribeiro é Tecnologista de Informações Geográficas e Estatísticas

 

Cheiro de mudança no ar, por Paulo Kliass

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Uma das muitas maneiras para explicar as mudanças reside na identificação das consequências provocadas pela crise financeira internacional

A cada novo dia que passa, a cada nova semana que avança, percebe-se que algumas das bases de sustentação do modelo em que se apoia o atual sistema do capitalismo global começam a apresentar suas fissuras. Apesar de não oferecer nenhuma novidade para os que sempre denunciamos esse regime injusto e excludente em escala mundial, é importante sim reconhecermos a gravidade da crítica que vem sendo lançada mais recentemente por gente de distintos perfis.

Uma das muitas maneiras para explicar as mudanças reside na identificação das consequências provocadas pela crise financeira internacional, que teve seu início no ambiente econômico os Estados Unidos em 2008. A eclosão descontrolada de alguns dos principais símbolos da chamada “economia de mercado” teve um efeito tão ou mais devastador, inclusive do ponto de vista icônico, do que o bombardeio das torres do World Trade Center no coração de Manhattan em 2001.

Afinal, o que se viu a partir da quebra em cadeia das principais instituições financeiras que operavam no mercado estadunidense foi a colocação em xeque da própria estrutura de funcionamento da ordem liberal capitalista. Em 15 de setembro de 2008, a falência do banco Lehman Brothers oferece o primeiro susto, logo depois da estatização preventiva de alguns dos gigantes do mercado imobiliário de hipotecas, como Fanni Mae e Freddy Mac. Em seguida, o Tesouro daquele país injeta um volume considerável de recursos públicos para salvar o Bank of America e o Citibank de quebrarem. O argumento para justificar a medida, que se apresentava inclusive na contramão dos dogmas do livremercadismo, era o famoso “too big to fail”. Ou seja, de acordo com o contorcionismo retórico de nova ordem, elas seriam instituições tão grandes que sua falência deveria ser evitada a todo custo.

Crise de 2008/9: início das mudanças

Ainda na sequência, em 2009, o governo norte-americano injeta bilhões de dólares nas simbólicas corporações gigantes do mercado automobilístico. A estratégia era também salvar da falência empresas do porte de General Motors e Chrysler. É verdade que a narrativa do liberalismo, sempre tão propagada pelo mundo afora pelo establishment ianque, na verdade nunca foi aplicada com todo o rigor no seu próprio território. Para tanto, basta considerarmos as políticas de subsídios aplicados em setores politicamente sensíveis (como agricultura e energia), as políticas especiais oferecidas ao complexo bélico militar ou a proeminência de oligopólios em inúmeros setores da economia norte-americana. Receita de liberalismo é bom para se aplicar na grama do vizinho.

Porém os efeitos da crise operaram como um questionamento profundo de alguns dos dogmas basilares do modelo que vinha funcionando desde o início dos anos 1980. O Estado foi obrigado a intervir no jogo econômico de forma explícita e ultra evidente. A política de austeridade ortodoxa teve de ser revista em uma jogada de “pragmatismo realista”, de forma a que as políticas monetária e fiscal foram subvertidas em relação a tudo aquilo que as instituições difusoras do neoliberalismo sempre haviam apregoado nos Estados Unidos e pelo mundo afora. Uma das razões mais importantes para a crise no âmbito financeiro foi identificada como sendo a ausência de regulação das instituições e das operações de risco elevado. Tanto que uma das primeiras medidas consideradas como “saneadora” foi a Lei Dodd Frank, que pode ser considerada a primeira grande regulação do mercado financeiro norte-americano desde a década de 1930.

Essa contradição entre o discurso liberal e a prática de governos e instituições revelou-se insustentável. Estados Unidos, União Europeia, Japão, Canadá e outros países são afetados por essa necessidade de adaptação. Abre-se, assim, uma brecha para o surgimento de visões e propostas alternativas, ainda mesmo no campo do conservadorismo. A hegemonia demolidora exercida pelos dogmas do neoliberalismo começa a perder o vigor que sempre havia caracterizado esse período. Questões como distribuição de renda, desigualdade social e econômica, regulamentação e regulação das atividades na economia, política fiscal contracíclica e outros temas “heréticos” passam a fazer parte do cardápio dos próprios economistas que defendiam o modelo da ortodoxia até poucos meses antes.

Piketty e Lara Rezende – críticas ao modelo

Um dos formuladores que ganhou mais notoriedade ao longo dos últimos anos foi o francês Thomas Piketty e seu livro “O capital no século XXI”, lançado em 2013. Oriundo de uma escola conservadora no ambiente universitário francês, ele foi um dos criadores e dirigentes da polêmica “Paris School of Economics” (PSE), iniciativa claramente inspirada no modelo da coirmã britânica, “London School of Economics” (LSE). Mas o fato é que a emergência da crise e a investigação de assuntos como concentração de renda e patrimônio levaram o economista a apontar o dedo para a necessidade de mudanças profundas na questão da tributação e da regulação da economia, entre outros aspetos.

Por outro lado, a brecha aberta no debate pós crise 2008 permitiu também a recuperação de debates do campo da macroeconomia. Voltaram à baila questões que haviam ficado no esquecimento, em razão do esmagamento ideológico promovido pelo establishment neoclássico há décadas. Essa foi a oportunidade para o ressurgimento de vários pesquisadores agrupados em torno daquilo que passou a ser chamado de “Teoria Monetária Moderna” (MMT, da sigla em inglês). De acordo com tal interpretação do fenômeno econômico, faz-se necessário um repensar a respeito de dogmas como déficit público, função da moeda e capacidade de endividamento do Estado.

Apesar da relevância do tema, as elites do financismo tupiniquim não parecem nada entusiasmadas em oferecer espaço para esse tipo de autocrítica. Um dos poucos pensadores e operadores da economia que ousaram furar a bolha e trazer luz a esse importante debate tem sido André Lara Rezende. Apesar de toda a sua formação no campo do conservadorismo, bem como sua atuação no mercado financeiro e sua participação como formulador de política econômica nos governos de FHC, ele teve a coragem política e intelectual de reconhecer os equívocos. Em seus artigos mais recentes, o economista carioca traz informações sobre o andamento do debate da MMT nos fóruns internacionais e aponta os enganos da continuidade da opção pela austeridade em nossas terras. Essa nova abordagem proposta por um importante formador de opinião postula uma forte crítica à política monetária de juros altos praticada há duas décadas e também a essa verdadeira obsessão do financismo com o corte generalizado de despesas como sendo a única saída para a crise fiscal.

Draghi , Martin Wolf e o Reino da Dinamarca

No espaço europeu a polêmica também avança, uma vez que a política de austeridade levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE) e pela Comissão Europeia (CE) não produziu os efeitos desejados pela maioria da população da maior parte dos países da região. A sequência interminável de planos de ajuste recessivos e destruidores (como ocorreu com Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal no passado recente) parece que agora cede espaço para uma reflexão de matriz diferente. O próprio presidente do BCE, o economista Mário Draghi reconheceu há poucos dias a necessidade de abrir um diálogo para examinar as propostas da MMT como alternativas para o aperfeiçoamento dos mecanismos de política monetária no espaço europeu. Vindo de quem vem e do cargo que ocupa, esse gesto não é nada desprezível.

Outra iniciativa relevante foi um artigo de autoria de Martin Wolf importante jornalista e economista conservador, que é conhecido por suas atividades como editor do jornal “Financial Times” (FT). Ali também se identifica um desconforto do autor com os rumos da própria economia capitalista nos tempos atuais. Nesse caso mais recente, o autor chega ao ponto de identificar na natureza rentista do capitalismo contemporâneo uma ameaça para a sobrevivência da democracia liberal. Ora, chegamos a uma situação em que um dos maiores baluartes de defesa da ordem capitalista como FT se vê obrigado a reconhecer a necessidade de mudanças de rota. Talvez seja mesmo o caso de recordarmos o que escreveu há mais de 4 séculos atrás outro inglês, William Shakespeare, em sua peça “Hamlet”: há algo de podre no Reino da Dinamarca.

É bem possível que estejamos mesmo vivendo um momento de mudança de paradigma. Esses períodos de transição podem oferecer espaços para o novo ainda em gestação. Às forças progressistas cabema intervenção nesse processo de disputa de ideias. Com isso, assegurar que o novo caminho seja na direção de um mundo mais justo, menos desigual e que esteja assentado na sustentabilidade.

* Doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

 

“Não se deve tributar as grandes fortunas. Deve-se tributar todas as fortunas”

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O economista e pesquisador Marcelo Medeiros apresentará na próxima semana, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, dados de uma pesquisa recente sobre a desigualdade brasileira

Os desafios com relação à iniquidade social, educacional e econômica no Brasil foram pensados historicamente observando a base da pirâmide social. Para tentar compreender melhor o fenômeno, o pesquisador e economista Marcelo Medeiros virou a realidade de cabeça para baixo e se deu conta de por que, apesar dos anos de estudo, soluções efetivas para o problema nunca foram apontadas. “Os ricos concentram uma fração muito grande da renda total e, por isso, têm um peso gigantesco na desigualdade. Falar de desigualdade é falar de ricos, da diferença entre os ricos e o resto. O que acontece com a pobreza não muda muito a desigualdade”, destaca em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

O professor chama atenção para o fato de que um quarto de toda a renda do país está concentrado em 1% dos adultos, o que justifica observar os ricos para compreender a pobreza. “Quando se fala de renda, se fala de algo que é apropriado, predominantemente, pelos ricos. Por isso o comportamento da renda dos ricos afeta muito o comportamento geral da desigualdade”, avalia. “Não se deve tributar as grandes fortunas. Deve-se tributar todas as fortunas”, provoca.

Marcelo Medeiros é graduado em Economia pela Universidade de Brasília – UnB, mestre e doutor em Sociologia pela mesma instituição. Atualmente é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea e professor na UnB. Além disso, leciona anualmente na Universidad Nacional de General San Martín -UNSAM, Buenos Aires. Foi pesquisador no International Poverty Centre – UNDP, pesquisador-visitante no CSC – Cambridge University, no Institute for Human Development – Delhi, no Indira Ghandi Institute – Mumbai, na Sophia University – Tóquio, no CNRS-Cermes3 – Paris e na University of California – Berkeley, além de especialista em avaliação de políticas do Tribunal de Contas da União – TCU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais serão os pontos centrais a serem abordados na conferência Os ricos e a desigualdade de renda no Brasil, evento que ocorre na próxima semana?

Marcelo Medeiros – Essa conferência sintetiza os resultados de estudos sobre desigualdade de renda no Brasil no último ano. Ela tem como eixo uma ideia simples, mas importante: os ricos concentram uma fração muito grande da renda total e, por isso, têm um peso gigantesco na desigualdade. Falar de desigualdade é falar de ricos, da diferença entre os ricos e o resto. O que acontece com a pobreza não muda muito a desigualdade.

IHU On-Line – Quem são os ricos do Brasil? De que forma eles desequilibram a balança da justiça econômica e social no país?

Marcelo Medeiros – Ainda precisamos saber mais sobre isso. Temos que reavaliar parte do que sabemos sobre desigualdade depois que os dados do Imposto de Renda confirmaram aquilo que muitos suspeitavam: nossas informações sobre renda nas pesquisas domiciliares estavam subestimadas. Mas já sabemos, por exemplo, que cada pessoa das elites ocupacionais e educacionais contribui de forma muito desproporcional para a desigualdade de renda. Elites educacionais são as pessoas com formação naquilo que alguns chamam de profissões imperiais, como medicina, engenharia, direito e algumas outras novas atividades. Elites ocupacionais são os empresários. Estudos recentes também mostram que essas elites são compostas predominantemente por homens brancos com mais de 45 anos de idade. As desigualdades de gênero, raça e geração parecem ser maiores do que se acreditava.

IHU On-Line – Historicamente, quais foram os aspectos determinantes da desigualdade no Brasil? Como foram medidos e analisados os dados sobre a desigualdade?

Marcelo Medeiros – Os primeiros estudos sobre desigualdade de renda no Brasil datam da década de 1930. Eram estudos baseados em dados do imposto de renda, recém-criado. Há estudos parecidos nas décadas de 1940, 1950 e 1960. A partir dos anos 1970 o Brasil passa a contar com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, pesquisas domiciliares de excelente qualidade, e a história contada a partir da PNAD passa a dominar acerca do que sabemos sobre desigualdade. Porém, a partir da década de 2000 os dados tributários voltaram a ter muita importância em todo o mundo, pois são uma forma de se analisar a história de longo prazo da desigualdade. No Brasil, a primeira série de longo prazo sobre desigualdade ano a ano é do Pedro Souza, do Ipea, publicada em 2014, e que cobre de 1933 a 2012. Recentemente essa série foi alongada e conta com dados desde 1928.

É difícil resumir um período tão longo de história em poucas palavras, mas há algo na série que chama a atenção: nos períodos de ditadura a desigualdade sobe, nos de democracia ela cai. Ao que parece, os níveis mais baixos de desigualdade da história brasileira foram no começo dos anos 1960 e isso foi revertido bruscamente em 1964, mesmo antes do milagre econômico do final da década. Não devemos, portanto, subestimar o papel que o Estado e a política têm na desigualdade.

IHU On-Line – De que forma a pesquisa A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: Estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares,  publicada ano passado, atualiza nossa compreensão sobre o fenômeno da desigualdade?

Marcelo Medeiros – Essa pesquisa e outra, publicada quase simultaneamente, usam os novos dados do imposto de renda para analisar a história recente da desigualdade. Esses dados apontam que a desigualdade no Brasil é maior do que estávamos calculando até recentemente e, ao contrário do que todos nós acreditávamos, não caiu entre 2006 e 2012. E quando digo “nós”, me incluo: quando olhava apenas para os dados da PNAD eu também achava que havia queda. Mas em pesquisa sempre é assim, diante de novos dados temos que rever nossas posições. A interpretação que parece mais prudente é a de que houve estabilidade entre 2006 e 2012, não queda.

De todo modo, o que importa não são os pequenos sobe e desce e sim as grandes tendências, pois é isso que ajuda a explicar o que causa a desigualdade no país e o que pode ser feito para reduzi-la. Precisamos saber o que muda no que sabemos sobre desigualdade diante das novas evidências do imposto de renda. Aprendemos muito com as PNAD, agora precisamos colocar esse conhecimento à prova, pois as PNAD subestimam a renda no topo da distribuição.

IHU On-Line – Por que estudar os mais ricos? De que forma eles ajudam a compreender os meandros de uma sociedade em que a maioria massiva da população é pobre?

Marcelo Medeiros – Um quarto de toda a renda do país está concentrado em 1% dos adultos. Metade em 5% da população. Quando se fala de renda, fala-se de algo que é apropriado, predominantemente, pelos ricos. Por isso o comportamento da renda dos ricos afeta muito o comportamento geral da desigualdade. Aliás, também quando se fala de crescimento, fala-se de algo que será apropriado, predominantemente, pelos ricos. Entre 2006 e 2012, o 1% mais rico ficou com 28% dos frutos de todo o crescimento do país.

IHU On-Line – Embora os programas sociais do Estado sejam voltados à população mais empobrecida, como explicar o fato de que os maiores fluxos de renda estatal sejam destinados às populações da parte de cima da pirâmide social? Como compreender os paradoxos que estão em jogo nestes processos?

Marcelo Medeiros – O que é importante nisso é entender que o Estado é importante para determinar a desigualdade. Ou seja, desigualdade é um problema político, no sentido dado pela Economia Política à expressão. Quando o Estado faz políticas para os mais pobres, ajuda a reduzir um pouco a desigualdade; mas quando dá subsídios, investe em infraestrutura, ou mesmo quando faz políticas de controle da inflação, ele pode estar ajudando diretamente os mais ricos.

Nosso estudo mostra que a maior parte da população dá ou recebe diretamente rendas do Estado. Por exemplo, dá na forma de imposto de renda e contribuições previdenciárias e recebe na forma de transferências e salários. O saldo desses fluxos de renda é que o Estado acaba transferindo mais dinheiro para os mais ricos do que para os mais pobres. Em parte, isso é esperado, pois as pessoas contratadas pelo Estado geralmente têm maior qualificação e isso está associado a maiores salários. É importante entender que as rendas pagas pelo Estado contribuem com uma parcela não desprezível da desigualdade, mas isso não é necessariamente um problema: se o Estado contratar mais enfermeiras para cuidar de pacientes nos hospitais públicos, pagará mais salários e irá provavelmente aumentar sua participação na desigualdade, mas isso não deve ser visto como algo ruim. Nem todo aumento da desigualdade é ruim, nem toda redução é boa. O problema é bem mais complicado.

IHU On-Line – De que ordem são os desafios para superar a desigualdade social no Brasil? 

Marcelo Medeiros – Não existe uma solução simples, rápida e barata para um problema dessa magnitude. Uma fórmula mágica desse tipo provavelmente está fadada ao fracasso. Não é simples fazer o Brasil ter a desigualdade da Áustria, assim como não é simples o Brasil ter o PIB per capita da Áustria. Uma coisa é certa: igualdade tem custos, esses custos não são baixos. Criar uma sociedade justa dá trabalho, e justiça implica reduzir uma série de vantagens que hoje tem a população mais rica.

Por outro lado, igualdade é mais eficiente. É melhor para a economia. Nossos níveis de desigualdade são disfuncionais, atrapalham o bom desempenho de nossa economia, estimulam comportamentos predatórios e desestimulam comportamentos produtivos. Temos que mudar isso, mas vai custar muito, econômica e politicamente, e levará um bom tempo.

IHU On-Line – Em que medida a taxação das grandes fortunas pode contribuir no processo de redução da iniquidade social? Em que medida são insuficientes?

Marcelo Medeiros – Não se deve tributar as grandes fortunas. Deve-se tributar todas as fortunas. Impostos são uma contribuição feita para cuidar do bem comum. Todos têm o dever de contribuir para o bem comum, na proporção de suas capacidades. Quem pode mais, paga mais. Por isso, precisamos rever não só a forma como tributamos fortunas, mas toda nossa tributação. Precisamos há anos de algo difícil de fazer, uma reforma tributária. Nas últimas décadas só temos feito remendos, mas nenhuma reforma de maior fôlego. Temos uma carga tributária desequilibrada, que dá muito peso aos tributos sobre produção, consumo e trabalho e pouco peso ao imposto de renda. Deveria ser o contrário, pois o imposto de renda é economicamente muito mais eficiente que outros impostos, além de ser também mais justo.

É importante termos uma tributação melhor, que ao mesmo tempo seja mais produtiva e mais justa que a atual. Mas há muito mais na promoção da igualdade que os tributos. Os impostos são importantes para arrecadar de um lado e fazer investimentos de outro. É com impostos que se cria infraestrutura e se investe em educação, por exemplo. Sem esses e outros investimentos, vamos ficar para trás na corrida internacional estabelecida pela globalização.

Economia Contemporânea, Escassez material e Espiritismo

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A Economia global vem passando por grandes transformações nos últimos trinta anos, novos materiais estão revolucionando a sociedade, novas tecnologias estão agitando o mercado de trabalho e alterando as formas de emprego e remuneração, gerando um incremento na desigualdade, maior destruição do Meio Ambiente, crescimento do xenofobismo e da imigração, todos estes estão na base das grandes mudanças na sociedade internacional, responsáveis por medos, preocupações e desesperanças, levando os indivíduos a comportamentos agressivos e intolerâncias crescentes em todas as regiões.

A Economia como ciência nasce no século XVIII com o pensador escocês Adam Smith, que com a publicação do clássico A Riqueza das Nações (1776), cria as bases da chamada Economia Política, analisando os mercados, a produção e destacando a importância do comércio internacional para o crescimento e o desenvolvimento das economias, segundo este teórico o Estado é o responsável por inúmeros desequilíbrios, para conter estes desajustes, defende uma maior participação dos mercados na estrutura econômica e produtiva, o grande problema dos mercados é que visam os lucros e os ganhos monetários e muitas vezes buscam transformar tudo em meros instrumentos de lucro e de acumulação, para muitos críticos Smith estimulou um individualismo crescente nos seres humanos, uma constante busca por prazer e satisfação pessoal.

A Economia, para muitos teóricos chamada de a Ciência da Escassez, nasce com uma missão bastante digna e imprescindível, organizar a produção de bens, mercadorias e serviços, com o intuito de satisfazer as necessidades humanas. Como os recursos existentes na coletividade são limitados, ou seja, os recursos disponíveis no ambiente são reduzidos, faz-se necessário evitar desperdícios e economizar no processo produtivo, para que todos os indivíduos recebam o mínimo necessário para sua sobrevivência, a economia surge com uma missão de grande relevância na sociedade do século XVIII.

A economia deveria revolver uma equação complexa da natureza humana, os indivíduos demandam muitas mercadorias ou produtos, num momento histórico marcado por poucas mercadorias o problema era pouco sentido, com o passar do tempo percebemos que os desejos, as vontades e as necessidades dos seres humanos passam a crescer de forma acelerada, tudo isto acontece ao mesmo tempo que o sistema capitalista de produção ganha força e relevância na sociedade, novos produtos surgem, criando vontades e necessidades novas, com isso, controlar recursos naturais e produtivos limitados para satisfazer vontades, desejos e necessidades ilimitadas passou a ser um grande desafio para a sociedade e para a economia de uma forma geral.

Com o passar dos anos, a sociedade passou por novas transformações, a Revolução Industrial impulsionou a produção de novas mercadorias, criando novos produtos e alterando os hábitos anteriores, gerando desafios para todos os indivíduos, ao mesmo tempo o trabalho assalariado passou a ganhar força e a moldar a nova coletividade, criando desejos e necessidades que eram inexistentes, um mundo novo se abriu, uma nova sociedade marcada pelas relações entre capital e trabalho, muitas vezes contraditória e até violenta, onde ambos buscavam ganhos financeiros e monetários.

O rápido crescimento da tecnologia transformou a sociedade internacional, muitos espíritos contribuíram para este crescimento tecnológico, espíritos vindos do mundo espiritual para impulsionar o desenvolvimento da humanidade, embora muitos desconheçam esta realidade, estes irmãos eram dotados de grande conhecimento na área da ciência e da pesquisa científica e tecnológica, eram espíritos preparados para movimentar a sociedade que, poucos séculos atrás vivia em uma organização social estática e centrada nos poderes da Igreja e nos mandos e desmandos de grupos dominantes. A humanidade desconhece os avanços motivados por intervenção dos espíritos superiores, muitas das descobertas, muitas das invenções, muitas das teorias e pensamentos sociais desenvolvidos são originários de espíritos de outras dimensões espirituais, entidades destacadas para impulsionar o progresso humano, sem estes espíritos, o desenvolvimento de muitos produtos e tecnologias demorariam muito mais tempo. A Doutrina Espírita nos mostra como o mundo espiritual nos influencia mais do que imaginamos, sem a participação destes espíritos dotados de grandes conhecimentos científico e tecnológico estaríamos, com certeza, ainda em mundos muito atrasados e marcados por conflitos muito mais severos do que os que vivenciamos na contemporaneidade.

O mundo espiritual interfere nos rumos da sociedade muito mais do que os indivíduos imaginam, na obra Os exilados de Capela, Edgard Armond nos mostra como espíritos degredados vindo de outra constelação foram fundamentais para impulsionar o crescimento do Planeta Terra, estes irmãos contribuíram com seus vastos conhecimentos de ciência e de tecnologia, eram espíritos com destaque nestas áreas, mas apresentavam grandes comprometimentos nas áreas dos sentimentos, da ética e da moral. A sua estada no Planeta Terra foi fundamental para seu progresso espiritual, contribuíram para a melhoria da situação de nosso planeta e consolidou um crescimento fundamental para a trajetória destes espíritos, melhorando seus valores e sentimentos morais.

A economia participou ativamente de todo este progresso econômico do mundo, o sistema capitalista apresentou taxas de crescimento bastante elevadas, riquezas foram geradas, novas formas de sobrevivência contribuíram para a geração de novos empregos, melhorias crescentes nos salários e na renda dos trabalhadores, a área médica ganhou destaque, a pesquisa científica cresceu aceleradamente e o bem-estar dos povos apresentou amplo progresso, com melhoras consistentes em várias áreas e setores. Pela primeira vez na sociedade mundial, o progresso começou a angariar novos grupos sociais, muitos indivíduos saíram da miséria e da indigência, muitas mortes por doenças simples e pestes insignificantes que anteriormente vitimavam milhares de pessoas passaram a ser controladas, as perspectivas para a humanidade eram bastante positivas.

Neste ambiente de novas descobertas científicas e tecnológicas, que tinha a Europa como centro da sociedade internacional, é que surgia a Doutrina Espírita, cujas informações codificadas por Allan Kardec descortinavam visões antigas e vinham para impulsionar o crescimento dos seres humanos, pela primeira vez a humanidade passava a conhecer uma doutrina que congregava elementos de Ciência, Filosofia e Religião. Seus conhecimentos destacavam a inexistência da morte, a sobrevivência da alma, a reencarnação como uma Lei Natural e nos abria as portas para o mundo espiritual, mostrando-nos que somos todos espíritos dotados de um corpo material, a vida se dava no mundo dos espíritos, por isso a importância de conhecermos nossas realidades mais íntimas e pessoais.

O crescimento da Economia mundial começou a arrefecer no final do século XX, depois de um intenso crescimento econômico que gerou um forte desenvolvimento de muitas economias, percebemos que, nos últimos anos, o furor e o crescimento se reduziu, a economia perdeu força e passou a ser dominada por interesses políticos ligado aos setores dominantes da sociedade. Este setor controla os grandes eixos monetários e financeiros e impõem para todos os grupos econômicos e sociais seus interesses mais imediatos, muitas vezes interesses que colidem com as necessidades de grande parte da coletividade global, com isso, percebemos um incremento crescente de transtornos, tais como: crescimento desorganizado das imigrações, aumento da pobreza e da desigualdade, exclusão social, trabalhos indignos e salários dos mais reduzidos. Neste ambiente percebemos que a sociedade global está envolta em grande dificuldade, grupos dominantes se refestelam nos prazeres do dinheiro e do poder político e uma imensa maioria se contenta com uma parte insignificante das riquezas geradas na sociedade global.

No livro O Capital no século XXI, do economista francês Thomas Piketty, publicado em 2013 e com ampla repercussão nos meios acadêmicos e intelectuais, nos foi revelado que a distribuição da renda nos países desenvolvidos, principalmente Estados Unidos e Europa, no começo deste século se assemelhava com os dados do início do século XX, ou seja, uma pequena parte da comunidade global mantém uma parcela substancial das riquezas geradas no sistema econômico global em detrimento de uma ampla parcela da população mundial que vive em situação de penúria e de indignidade. Estes dados são ainda mais assustadores quando percebemos que, nos últimos quarenta anos, o crescimento tecnológico foi gigantesco e as riquezas criadas foram muito elevadas, mas a concentração de rendas e de riquezas foi se degradando cada vez com mais intensidade, com isso, o mundo acaba criando graves problemas para um futuro muito próximo, onde as violências e a intolerância tende a crescer de forma acelerada.

No ano de 2018, 82% de toda a riqueza mundial ficou nas mãos de 1% da população global, algo em torno de 70 milhões de pessoas abocanharam a grande maioria dos recursos ou riqueza mundiais, sendo que os outros 18% da riqueza foi canalizada para 99% da população mundial. Estes dados nos mostram o descalabro dos desequilíbrios globais, uma sociedade que produz indigência e desigualdade em escalas crescentes, medos e ansiedades em escalas crescentes, mas ao mesmo tempo, teme a morte, se diz cristã, defende a família, se acredita do bem e evita comentar sobre a existência de uma vida após a morte.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra uma realidade complexa e para muitos bastante assustadora, a morte tão temida pela grande maioria da população mundial não existe e deve ser vista como uma realidade que brevemente chegará para todos os indivíduos. As pessoas fogem da realidade espiritual e preferem se aproximar dos valores materiais, do dinheiro, dos ganhos materiais, concentram suas vidas no trabalho cotidiano e nos prazeres da matéria e se esquecem que somos espíritos, seres espirituais, que desta existência vamos levar apenas aquilo que conseguirmos acumular em nossos corações e os conhecimentos e aprendizados que angariarmos em nossa vivência física.

As riquezas são instrumentos que, muitas vezes, nos prendem no mundo material, homens e mulheres que dedicaram suas vidas aos ganhos financeiros, que nestas vivências acumularam grandes somas de recursos monetários e deixaram de lado valores mais espiritualizados, mais equilíbrio emocional, mais solidariedade, mais sentimentos, tendem a sofrer quando deixarem o corpo físico e perceber que seus esforços foram quase em vão, que seu progresso foi limitado e suas energias estavam concentradas em bens passageiros, que não acumularam amigos e apenas passaram pela vida sem construções sólidas e edificantes.

Encontramos muitos relatos de espíritos que ao chegarem do outro lado da vida se depararam com uma realidade bastante diferente daquela que acreditavam encontrar, são irmãos que estudaram e acumularam conhecimentos científicos muito calcado nas questões materialistas, deixando de lado os valores espirituais, os conhecimentos relacionados a imortalidade da alma e para onde vamos depois da morte. Estes irmãos se julgavam pessoas de bem, mas pouco contribuíam para o crescimento dos indivíduos no seu entorno, quando dotados de poder eram temidos por seus subalternos, além de humilhá-los se viam como superiores, pois eram mais estudados e eram mais respeitados na sociedade. Quando acordaram no mundo espiritual se depararam com uma realidade surpreendente, perceberam que seus valores eram insignificantes e modestos perto de todos os valores da vida, sua vivência dita cristã se restringia a cultos exteriores e poucas reflexões morais, neste momento perceberam quanto perderam seu tempo com valores e conhecimentos desnecessários para seu progresso espiritual.

A Economia contemporânea cresceu de forma acelerada, o mundo passou a produzir produtos altamente sofisticados, equipamentos modernos e dotados de alta tecnologia, o produto interno bruto global ultrapassou os US$ 80 trilhões de dólares, recursos estes disponíveis para garantir a cada trabalhador da economia mundial, uma renda de US$ 12 mil anualmente, valores suficientes para que todos possam ter uma vida digna, alimentação equilibrada, roupas e vestuários para suas necessidades, habitação decente e empregos valorosos, embora tenhamos condições de garantir um bom rendimento a cada ser humano, na realidade as coisas acontecem de forma diferente e uma parcela considerável da população global vive na indigência, privados de recursos mínimos para uma vida decente, digna e honrada.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de cinquenta por cento da população mundial, algo em torno de 3,5 bilhões de pessoas, sobrevive com até US$ 2,00 por dia, algo em torno de R$ 240,00 ao mês, recursos estes insuficientes para uma vida digna e decente, ainda mais quando comparamos com as somas astronômicas de uma pequena parcela da população mundial, são os chamados magnatas globais, donos de grande parte das riquezas do mundo.

Os recursos existem, as riquezas geradas no sistema são suficientes para garantir uma condição decente para cada um dos irmãos encarnados, mas a distribuição destes recursos acontece de forma desigual, uma pequena parte se arvora no direito de concentrar em suas mãos os recursos mais vultosos, concentram a grande maioria dos valores em suas contas bancárias, em espécie ou em títulos públicos e privados ou em propriedades, carros e mansões luxuosas.

O poder das instituições financeiras deturpa o sistema econômico, ganhos são aumentados diuturnamente através de juros e dividendos, levando muitos indivíduos e governos a pagarem rendimentos escorchantes para uma pequena minoria, são estes os donos do mundo, dominam as mídias, dominam as grandes empresas, os grandes conglomerados e controlam os programas que a população assiste, os filmes, as roupas e os pensamentos, com isso mantém seu poder intacto, acumulam recursos e os transformam em mais recursos em prol de uma acumulação que tende a histeria e a insignificância. Muitos destes indivíduos vivem de renda, são herdeiros de grandes fortunas, nunca trabalharam, apenas dão ordens e mais ordens, definem o que querem e esperam para se satisfazer, estes indivíduos terão uma grande surpresa quando acordarem no mundo espiritual e perceberem que muitos lhes foram dados e que não transformaram estes recursos em melhorias na vida de seus semelhantes, neste momento muitos se arrependerão de suas escolhas e, quem sabe, reencarnarão em condições de pobreza e inúmeras necessidades materiais como forma de educação de seus valores morais.

Estes indivíduos não percebem que estes recursos amoedados não lhes pertencem, são instrumentos divinos que lhe foram concedidos por Jesus para que os utilizem da melhor maneira possível para o bem comum. Pena que estes irmãos se esquecem do valor social destes recursos, da importância que estas moedas possuem para a sociedade global, levantando obras de assistência aos irmãos caídos, construindo asilos para os idosos despejados de sua dignidade, alimentando irmãos que vivem na miséria e na pobreza e construindo futuros dignos e decentes para aqueles que representam os anseios da sociedade, muitos deles vitimados pelas mais tristes violências e indignidades.

As instituições financeiras dominam a sociedade global e impõem seus interesses mais imediatos, seus valores são marcados pela busca constante pelo lucro e pela acumulação, pela rapidez, pela agilidade e pela flexibilidade, além de dominados pelas incertezas, pelas instabilidades crescentes. Na sociedade contemporânea estamos percebemos estes valores dominando a sociedade de forma crescente, alterando o comportamento dos indivíduos, diminuindo os espaços de reflexão e de busca pelo conhecimento interior, todos os momentos devem ser utilizados para trabalho, para a produção e para os ganhos materiais. Com isso estamos percebemos o surgimento de uma sociedade cada vez mais doente e comprometida patologicamente, ansiedade crescente e generalizada, depressão afetando mais de 400 milhões de indivíduos no mundo, estresse em todos os grupos sociais e o crescimento assustador do suicídio que, a cada quarenta segundo, faz uma vítima na sociedade global, os desequilíbrios emocionais, afetivos e espirituais são assustadores e geram preocupações tanto no mundo físico como no mundo dos espíritos.

Neste ambiente percebemos um crescimento da individualidade, as pessoas estão mais individualistas, buscam seus prazeres e benefícios e se esquecem daqueles que estão em seu entorno, trabalhadores e empresários entram em conflito para manter seus ganhos e muitas vezes adotam atitudes condenáveis para angariar benefícios materiais, vendem-se em troca de ganhos monetários e vão as ruas em manifestações que clamam por uma maior ética e uma moral mais consistente, são as ilusões constantes dos seres humanos, bonitos por fora e degradados por dentro.

Muitas regiões pobres e miseráveis da comunidade mundial nos mostram indivíduos passando pelas mais primárias situações, são famílias inteiras vivendo na indignidade, estas pessoas, na sua grande maioria, estão resgatando equívocos passados, muitos destes são irmãos altamente inteligentes e dotados de grandes conhecimentos que em vidas anteriores, deixaram de utilizar seus conhecimentos para o bem da coletividade, ganharam muitos recursos e se utilizaram destes para seus prazeres imediatistas, gastando-os com sexo desregrado, compras desnecessárias, viagens luxuosas, ostentações e gozos materialistas, neste momento renascem em condições de pobreza e miséria para que possam como espíritos serem reeducados, a espiritualidade não pune ninguém, mas nos concede a oportunidade de aprendermos nas adversidades.

Como nos mostra a literatura espírita, tudo que fizermos neste mundo somos responsabilizados, se agimos de forma agressiva com alguns dos nossos companheiros seremos responsabilizados e deveremos rever nossos gestos e procedimentos. Se auxiliarmos nossos irmãos em momentos de dificuldades, teremos méritos e valores acrescentados em nossa vida cotidiana, somos livres para fazermos a plantação que quisermos, mas a colheita deve acontecer, se plantamos obras valiosas seremos recompensados por uma colheita equilibrada e edificante agora, se plantarmos tempestades e incivilidades, seremos os responsáveis pelas colheitas advindas de nossas escolhas.

A reencarnação é uma lei universal, todos estamos sujeitos a esta lei natural e muitas vezes deixamos de perceber que, na contemporaneidade, as famílias estão sendo reduzidas abruptamente nos países mais ricos e desenvolvidos, enquanto em regiões mais pobres e miseráveis os filhos continuam nascendo de forma acelerada, crescendo de forma desorganizada e sendo privados de recursos alimentícios e de vestuários mínimos, sendo mais difícil melhorar de vida e conhecer doutrinas mais esclarecidas como a Doutrina dos Espíritos, sendo assim, aproveitemos nossa encarnação para construir valores sólidos e consistentes para que tenhamos os merecimentos necessários em uma outra experiência no corpo material.

No mundo contemporâneo não mais devemos alegar desconhecimento, as religiões nos trouxeram muitas informações, mesmo sabendo que muitas delas se entregaram para o lucro fácil e para a acumulação monetária. A Doutrina dos Espíritos, codificada por Allan Kardec, está viva e cheia de informações e conhecimentos para nos auxiliar em nossa caminhada. São milhares de livros, revistas, teses e dissertações nos alertando para as dificuldades da vida, nos mostrando que existe um mundo espiritual próximo e atuante ao lado de todos, sem o esforço do trabalho, sem a dedicação necessárias e sem os valores sólidos estaremos mais uma vez entrando numa fila de reencarnações sucessivas onde cada vez mais encontraremos dificuldades para voltar em países abençoados como o nosso Brasil, descrito por Humberto de Campos como O Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.

            Depois da Revolução Industrial, muita riqueza foi acrescentada aos estoques de capital da sociedade, ao mesmo tempo negligenciamos com o Meio Ambiente, degradamos muitas florestas e maltratamos os rios, os oceanos e os lagos, poluímos o ar e cortamos árvores em demasia. Hoje colhemos os frutos desta insanidade coletiva, vivemos os equívocos do clima quente e seco, nos preocupamos com a redução das florestas e gastamos recursos escassos tentando melhorar nossos rios e lagos, estes exemplos nos levam a refletir sobre como estamos conduzindo as riquezas da sociedade internacional, todos sabemos que a tecnologia nos auxiliou imensamente na construção de maiores riquezas e bens materiais, neste momento precisamos entender que mais que filhos do mesmo Deus, somos todos irmãos uns dos outros, as riquezas e os recursos devem circular e não se concentrar nas mãos de poucos, com isso, perceberemos que estas riquezas correspondem a um meio para uma vida melhor e mais saudável e nunca o verdadeiro fim dos seres humanos.

Sabemos que vivemos em uma sociedade em grande transformação, cujos valores estão na berlinda, marcados pela alta competição e por um incremento da desigualdade, nesta sociedade percebemos que as riquezas construídas podem e devem melhorar a vida de todos os indivíduos, irmão nossos que precisam de oportunidades e compaixão, enquanto esquecermos destes valores morais e transformarmos nossa caminhada em uma intensa corrida em prol de ganhos imediatistas, estaremos condenando nosso mundo a uma grande crise e as maiores vítimas seremos nós que, num breve futuro, estaremos de volta para dar sequência em nossa caminhada rumo ao progresso e ao desenvolvimento espiritual.

 

 

 

 

 

Concorrência, competitividade e Liberalização Econômica 

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Vivemos em uma sociedade marcada por grande competição entre os agentes econômicos, os grandes oligopólios globais dominam a grande maioria dos setores da economia contemporânea, definindo valores, modelos produtivos, produção e aumentando os investimentos em inovação e em novos produtos, além do poder econômico encontramos ainda uma grande força política que ao extremo pode gerar graves constrangimentos aos sistemas democráticos dos países e uma fragilização dos governos e dos Estados Nacionais.

Percebemos nesta nova economia grandes grupos econômicos controlando inúmeros setores, desde as grandes traders que dominam o agronegócio internacional até as grandes empresas de tecnologia, que são responsáveis pelas maiores e mais intensas inovações, colocando no mercado global produtos variados e controlando intensamente variados setores, impedindo a entrada de novos personagens nestes mercados e controlando os poucos que tentam competir e sobreviver. Um exemplo claro deste oligopólio global encontramos nos setores de tecnologia, onde destacamos poucas empresas com grande poder econômico e potencial para competir e dominar esta estrutura produtiva, onde destacamos: Amazon, Microsoft, Google, Facebook, Apple, Tencent, Alibaba, Huawei, Lenovo, Samsung, LG, entre outros poucos conglomerados econômicos.

Estas empresas dominam fortemente seus mercados e conseguem escalas altíssimas, com isso, angariam novos consumidores para seus produtos e garantem retornos crescentes, acumulando lucros extraordinários, dentre as empresas destacamos conglomerados que valem nas Bolsas internacionais mais de US$ 1 trilhão, valores estes muito maiores do que o produto interno bruto de muitas economias mundiais, o poder destas instituições é realmente avassalador.

Neste mundo dominado por altas tecnologias, inovação, pesquisa e ciência, estas empresas acumulam grande potencial de crescimento e se distinguem dos conglomerados de outros modelos econômicos pelo grande potencial financeiro e alcance global e, principalmente, pela quantidade de funcionários que estas empresas de tecnologia empregam na atualidade. Se compararmos com as montadoras, empresas de um outro momento tecnológico, os números são assustadores, enquanto uma montadora de grande porte tem mais de 100 mil funcionários, uma empresa de tecnologia emprega em torno de 5% destes números, só aí compreendemos os modelos de emprego e trabalho na chamada Quarta Revolução Industrial, conhecido como a Indústria 4.0.

Quando analisamos estes dados referentes ao emprego, percebemos as mudanças geradas na sociedade contemporânea, que obrigam os trabalhadores a novos estudos, capacitações e qualificações constantes, sem estes conhecimentos estarão renegados a um futuro de degradação e ócio, onde os desequilíbrios sociais tendem a crescer de forma acelerada. Neste momento, muitos indivíduos, intelectuais e políticos e até empresários, começam a se perguntar o que deve acontecer com o mercado de trabalho nos próximos anos? Quais as habilidades demandadas pela economia nas próximas décadas? São perguntam que intrigam os seres humanos e tendem a gerar constrangimentos em todos os setores da sociedade global, as respostas para estas perguntas ainda são desconhecidas e muito marcada por ideologias, deixando de lado uma visão mais científica e estruturada.

O economista norte-americano Lawrence Summers, em entrevista recente na Folha de São Paulo, destacou que a economia internacional está caminhando rapidamente para uma estagnação global, ou seja, para um momento em que o crescimento do sistema tende a diminuir de forma acelerada, criando constrangimentos para todos os setores, reduzindo as perspectivas de crescimento global e reduzindo a geração de emprego e aumentando a exclusão social e as desigualdades. Nestas previsões, o eminente economista destaca que os grandes perdedores desta estagnação são os países em desenvolvimento, que tendem a diminuir o comércio com os países desenvolvidos e reduzir os fluxos de recursos necessários para sua sobrevivência.

Neste ambiente de novas tecnologias, estamos percebendo algumas alterações importantes no universo econômico global, de um lado as novas tecnologias estão impactando sobre o preço das mercadorias, bens e serviços, gerando uma verdadeira redução nos custos e queda nos preços médios, gerando um incremento na renda dos consumidores. A tecnologia crescente está impactando diretamente sobre a inflação, que está caindo em quase todas as regiões do mundo, novas tecnologias, maior produtividade, maior eficiência e preços em queda. De outro lado, muitos destes recursos estão sendo direcionados para o aumento da poupança, muitas famílias estão amedrontadas com a situação econômica, com as novas condições do mercado de trabalho e com a instabilidade e a incerteza global, diante destas incertezas reduzem as compras e deslocam estes recursos para outros investimentos, aplicações financeiras, títulos de governos e de empresas, levando os bancos a manterem grande quantidade de seus recursos com remunerações negativas, temos atualmente mais de US$ 15 trilhões aplicados com retorno negativos, uma situação nova, preocupante e assustadora para o sistema financeiro internacional.

Neste ambiente de grande competição entre os agentes econômicos, a tecnologia está gerando novos desafios para as famílias, de um lado percebemos uma redefinição dos modelos de negócios, novas formas de fazer produtos e mercadorias, o surgimento de novos materiais com redução dos custos e incremento de produtividade, obrigando os atores econômicos a se reinventar, adotarem novas técnicas e modelos produtivos, sob pena de serem destroçados do mercado e serem comprados pelos concorrentes, criando com isto um mercado mais concentrado e mais oligopolizado.

Poucas pessoas imaginariam que, num determinado momento, as plataformas de Streaming iriam revolucionar as emissoras de rádio e de televisão e as obrigariam a alterar seus modelos de negócios. O surgimento da Netflix gerou uma verdadeira revolução nos mercados, trazendo ganhos consideráveis para os consumidores, reduzindo custos e aumentando a eficiência, mas acabou gerando uma redução nos empregos tanto diretos quanto indiretos. Os novos modelos de negócios estão exigindo alta capacitação dos gestores, obrigando os trabalhadores a novos cursos e qualificações, esta capacitação não se encontra apenas nas escolas, nas universidades e nas faculdades instaladas, mas na própria internet e em aplicativos com palestras e tutoriais falando sobre o tema e capacitando os indivíduos para estes novos conhecimentos. Estes novos modelos de negócios estão exigindo que as escolas e universidades passem a se reinventar, criando novos cursos, workshop, MBAs, especializações, sem estas novas ofertas estas instituições tendem a desaparecer ou ser absorvidas pelos concorrentes mais eficientes.

Os modelos de negócios criados por estas empresas de tecnologia se caracterizam por grande agilidade e rapidez, são marcados por alta flexibilidade e agilidade, estas habilidades são exigidas dos trabalhadores contemporâneos, com isso, os trabalhadores mais antigos apresentam grandes dificuldades de adaptação para estes mercados e para estas exigências, muitas vezes perdem espaço para outros trabalhadores, indivíduos mais jovens e, muitas vezes, mais aptos para estas transformações. Muitas pessoas com idades mais maduras são preteridas nos mercados por trabalhadores mais jovens, este movimento deve ser visto com bastante atenção pelos governos e pela sociedade, como a tecnologia está impactando fortemente na área da saúde e aumentando a longevidade dos cidadãos, temos que nos conscientizar de que precisamos criar empregos para os mais velhos e experientes que, na contemporaneidade, estão vivendo mais e desejam maior qualidade de vida.

Esta nova tecnologia deve ser muito bem compreendida, não podemos deixar estas transformações de lado, são novos materiais que impactam diretamente na produtividade, com redução nos custos e aumento da produtividade, mas é importante destacar ainda, que novas tecnologias acabam gerando novas exigências para a sociedade, com mudanças intensas todos somos levados a novas atualizações, abrindo novos horizontes e oportunidades. Destroem uma sociedade e se constroem outras, como características comuns destas revoluções temos novos modelos de negócios e modelos de emprego, onde os que não se adaptam são relegados ao esquecimento, muitas vezes esquecidos e deixados de lado pela sociedade, neste caso são acolhidos por instituições religiosas ou entram nas fileiras da assistência social do Estado Nacional.

Neste ambiente de liberalização econômica proposto pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, temos que tomar muito cuidado com os impactos desta liberalização, muitas empresas nacionais apresentam grandes dificuldades de sobrevivência em um ambiente mais concorrencial devido a forte dependência do Estado Nacional, dependência esta construída depois de anos de políticas protecionistas e intervencionistas, onde o Estado Brasileiro chamou para si a responsabilidade pelo crescimento industrial, criando as bases para a construção de um parque produtivo nacional, sem estes recursos não teríamos uma industrialização já que os recursos demandados para o investimento eram proibitivos para os grupos econômicos nacionais.

Depois de anos de proteção, começamos a desestatização com o presidente Fernando Collor de Mello, mas a dependência era tamanha dos recursos estatais, que o governo participou ativamente das políticas de privatização, canalizando recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou com os fundos de pensão dos grandes grupos estatais, principalmente Previ e Petrus. A retirada destas instituições possivelmente levaria a economia a um processo forte de desnacionalização, onde os países desenvolvidos seriam, possivelmente, os grandes compradores destas instituições, estas políticas devem ser repensadas e muitas vezes alteradas pelo governo federal, sob pena de ver nosso capitalismo ser todo dominado por empresas estrangeiras.

O grande problema do capitalismo brasileiro é que se construiu empresas privadas altamente dependentes do Estado Nacional, estes conglomerados muitas vezes não conseguiam incrementos de produtividade para competir em ambientes mais concorrenciais, com isso, inviabilizavam toda e qualquer discussão sobre abertura econômica. Em alguns momentos, quando os governos tentavam abrir a estrutura econômico, foram muito criticados pelos setores industrial e pela mídia, que viam nesta abertura graves impactos sociais, com aumento no desemprego e uma piora dos indicadores econômicos, levando os governos a reverterem as medidas liberalizantes, sob pena de perder forças políticas e governabilidade, como aconteceu no período Fernando Collor de Mello.

Num momento de economia em lentíssima recuperação econômica, onde encontramos mais de vinte oito milhões de brasileiros desempregados, subempregados ou na informalidade, precisamos urgentemente de um projeto de país para os próximos anos, a liberalização é uma medida que traz benefícios para os grupos dominantes e se esquecem fortemente dos grupos mais fragilizados, sem um projeto consistente e inclusiva vamos continuar ensaiando uma melhora econômica inexistente, vamos continuar comemorando espasmos de recuperação ilusória e vamos continuar enchendo os bolsos dos poucos privilegiados e destruindo a vida de milhões de brasileiros anônimos, sem voz, sem emprego, sem proteção e sem dignidade, até quando vamos repetir estes erros numa sociedade que a pouco era vista como o país do futuro.

Tecnologia, Espiritismo e as transformações contemporâneas

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A sociedade contemporânea tem como uma de suas marcas mais relevantes o crescimento da tecnologia, de novas máquinas e equipamentos que transformam a sociedade, gerando inquietação, medo e desesperança de um lado e, ao mesmo tempo, gerando euforia, esperanças e oportunidades.

Com o avanço da ciência, o conhecimento passou a ter um lugar de destaque na sociedade, a pesquisa científica vem ganhando força e muitas inovações foram introduzidas, doenças que até poucos anos atrás eram vistas como incuráveis passaram a ser tratadas e as curas se elevaram intensamente, a comunicação ganhou novos instrumentos e os trabalhos mais rudes e violentos foram sendo substituídos por máquinas e equipamentos, diminuindo o desgaste do ser humano e abrindo novas perspectivas para a coletividade.

Diante destas transformações encontramos sentimentos diferentes e contraditórios, é inegável os avanços em muitas áreas, como a área da saúde, mas ao mesmo tempo percebemos um retrocesso moral muito forte, em pleno século XXI, num mundo cheio de tecnologias e facilidades, os seres humanos se matam com requintes de crueldade, denigrem as pessoas e fazem chacota com sentimentos e valores dos outros indivíduos ou cultura, percebemos um avanço tecnológico e um retrocesso no campo da moral, diante disso nos surge uma grande dúvida: para onde os seres humanos estão caminhando?

Nesta sociedade, e percebemos isto mais claramente desde a codificação da Doutrina dos Espíritos, não mais podemos alegar ignorância sobre a existência do mundo espiritual, sobre a imortalidade da alma e sobre a existência dos mais variados mundos espirituais, que estão interligados e se sobrepõem, mostrando-nos que não estamos sozinhos, mas acompanhados de entidades espirituais, que nos influenciam muito mais do que imaginamos.

Como estamos cientes de questões espirituais, os seres humanos devem tomar as rédeas de suas vidas, buscar a compreensão dos verdadeiros significados da existência, estudar e compreender as ligações que temos com as entidades espirituais e como elas nos auxiliam, muitas descobertas, pesquisas e inovações nos foram trazidas com o auxílio dos amigos de outros mundos, espíritos mais avançados na área científica e tecnológica, suas contribuições foram fundamentais para muitos avanços em curso na sociedade global.

Um exemplo interessante foi retratado na obra Os exilados de Capela, escrito em 1949 por Edgard Armond, neste brilhante livro o autor nos mostra como espíritos vindo de outros planetas foram fundamentais para estimular o desenvolvimento da Terra, eram irmãos em desalinho com seu planeta original que foram punidos com um degredo temporário. Ao encarnar no Planeta Terra contribuíram para o desenvolvimento de muitos povos, auxiliando a humanidade com novos conhecimentos e uma imensa bagagem intelectual, quando estes irmãos retornaram ao seu planeta de origem, muitas áreas do conhecimento humano dominadas por estes povos perderam força e grande dinamismo, deixando muitas perguntas intrigantes sem respostas para a sociedade.

Outro ponto interessante que percebemos ao ler a obra de Armond, foi que estes irmãos degradados vieram para o Planeta Terra porque suas energias eram incompatíveis com as existentes em seu planeta de origem, com isso, estavam prejudicando o progresso de sua civilização. Eram pessoas muito desenvolvidas em ciência e tecnologia, uma população muito culta, conheciam muitas áreas e setores do conhecimento humano, mas apresentavam uma grande fragilidade moral, seus sentimentos éticos e morais eram reduzidos e sua ambição bastante desenvolvida, cresceram no conhecimento científico e se mostraram frágeis moral e eticamente.

Na contemporaneidade encontramos grandes indagações sobre como a tecnologia tende a gerar constrangimentos para muitas pessoas desprovidas de conhecimentos e informações, gerando desempregos e exclusão que tendem a inviabilizar seu progresso e, muitas vezes, a aprofundar seus equívocos e desequilíbrios desta experiência física e de outras existências. Podemos olhar ainda de outra forma, neste momento de grandes inquietações, faz-se fundamental que os grupos mais capacitados passem a orientar melhor os irmãos mais frágeis e debilitados, contribuindo para que possam sobreviver e construir uma forma digna e decente de crescimento moral e espiritual.

Devemos nos atentar para algumas questões importantes, neste momento de grande progresso tecnológico, com novas máquinas e equipamentos transformando as relações sociais e os indivíduos, que cada vez mais se encontram ensimesmados e assustados frente as alterações, é fundamental que estes indivíduos passem a buscar novos horizontes para a compreensão da vida e da coletividade, se voltando para seu interior, analisando seu íntimo, suas emoções e seus sentimentos, refletindo e buscando a compreensão das mais importantes realidades da vida e do ser humano. Esta reflexão tende a gerar grandes descobertas no ser humano e apresentam alto potencial de transformação interior, melhorando os valores morais e desenvolvendo a ética, contribuindo para sua ascensão como espírito imortal.

Mesmo passando por um período de grandes descobertas tecnológicas, as pessoas desconhecem suas realidades mais íntimas, apresentam grandes dificuldades para analisar seus sentimentos, não refletem sobre suas escolhas e comportamentos e se deixam levar por pensamentos exógenos, muitas vezes inspirados por entidades atrasadas, inimigos de vidas anteriores que se caracterizam por sentimentos negativos, mágoas e ressentimentos, transformando suas existências espirituais em vingança e constantes agressões físicas e emocionais.

Neste momento de medos e desesperanças a Doutrina dos Espíritos nos surge como uma grande bússola para que tenhamos uma orientação precisa, nesta orientação os caminhos estão associados aos passos consistentes que nos foram trazidos por Jesus de Nazaré, mesmo crucificado, vilipendiado e humilhado pelos seus irmãos, conservou a serenidade e a humildade e orou ao pai pedindo que os perdoassem, pois eles não sabiam o que estavam fazendo.

A sociedade mundial está passando por muitas transformações que estão gerando novos medos e preocupações, a Doutrina Espírita nos mostra que as desigualdades estão ligadas aos comportamentos dos indivíduos, na grande maioria concentrados em ganhos imediatos e gozos materiais, se esquecendo dos outros indivíduos, como se apenas eles fossem filhos de Deus e os outros não fossem nossos irmãos, acreditamos piamente que somos filhos de Deus e não aceitamos os outros como nossos verdadeiros irmãos. Neste ambiente, nos percebemos como concorrentes e acreditamos que nossa felicidade está nas desditas dos outros seres humanos, é como se para que eu consiga encontrar a felicidade, os outros devam ser cada vez mais infelizes, este engano alimenta uma competição deletéria e degradante, onde todos estamos em busca de algo e quando encontramos percebemos que este algo não traz a felicidades ou os prazeres que ambicionávamos anteriormente.

Neste ambiente somente vamos conseguir superar os medos e as contradições do sistema se cultivarmos os valores mais consistentes que nos foram trazidos pelo mestre Jesus Cristo, se nos integrarmos aos valores do respeito, da solidariedade e da empatia, enquanto nos deixarmos dominados em valores transitórios não angariaremos a consistência necessária para evoluirmos, somente as asas do conhecimento não vamos conseguir nosso crescimento, como nos disse Francisco Cândido Xavier: Quem sabe pode muito, quem ama pode mais. Estamos precisando de menos livros escritos e palestras bem orquestradas, estamos precisamos de menos comentários interessantes e mais atitudes convincentes, gestos concretos e trabalhos no bem, sem eles vamos continuar reduzindo a quantidade de pessoas nas escolas e nas fileiras religiosas e aumentando nos presídios e nos hospitais psiquiátricos.

Se a sociedade está passando por um momento de grande crescimento tecnológico, onde a ciência ganhou relevância e muitas das doenças que assolavam a comunidade foram reduzidas através de novos tratamentos e drogas altamente eficientes, tudo isto só foi possível com a autorização de Deus e o auxílio dos bons espíritos, muitos irmãos ganharam uma sobrevida para que repensem suas vidas e seus comportamentos, altere seus valores e passe a construir sentimentos mais consistentes, marcados por uma ética mais evoluída e por valores mais edificantes, se nos foi autorizado este progresso científico, a espiritualidade maior tem um propósito maior para os seres humanos, temos que refletir muito sobre este momento e esta situação atual.

Na sociedade contemporânea encontramos grandes preocupações com o futuro da sociedade, os grupos com menos recursos se sentem injustiçados e tudo isto pode gerar graves constrangimentos para a coletividade, talvez conflitos e muitas violências. Neste ambiente, cabe aos indivíduos compreenderem que a vida não se limita apenas a esta vida, estamos no corpo material, mas somos, em essência, espíritos. Como espíritos imortais, é imprescindível que consigamos construir uma solidariedade para auxiliar aqueles desprovidos de menos recursos financeiros, intelectuais e emocionais, a Doutrina dos Espíritos nos mostra que devemos dar o apoio as demandas dos outros indivíduos porque, quem sabe, numa próxima encarnação, seremos nós os mais necessitados e vamos, com certeza, precisar do amparo e da assistência de outros irmãos. Momentos como este podem ser a oportunidade necessária para que compreendamos a importância do auxílio coletivo, hoje estamos numa posição de auxílio, mas numa outra oportunidade, pode ser que nós estejamos necessitando de auxílio de outros companheiros.

O desenvolvimento tecnológico, grande característica da contemporaneidade, pode nos levar a descobertas novas, dentre estas descobertas destacamos a capacidade de comunicação com irmãos desencarnados, novas máquinas e equipamentos vão nos aproximar de irmãos que partiram para outros planos da vida, demonstrando mais efetivamente que a vida não termina com a morte física, mas que somos todos espíritos, a realidade da vida está no mundo imaterial. Estas tecnologias nos auxiliarão no contato com familiares desencarnados, diminuindo nossa saudade e nos trazendo a certeza de que existe muitas moradas na casa de meu pai, como nos asseverou o mestre Jesus de Nazaré.

O espiritismo sempre defendeu o conhecimento, a ciência e as descobertas científicas, estamos em uma doutrina que apregoa a importância do estudo, da reflexão, das leituras e da busca pelo conhecimento, quando Allan Kardec nos disse que Se o Espiritismo disser uma coisa e a Ciência defender outra, siga com a Ciência. Nesta frase, o codificador mostra a importância do pensamento científica e demonstra a humildade deste homem que recebeu uma missão de grande vulto e relevância, foi ele o escolhido para trazer ao mundo um conjunto de informações e conhecimento com potencial transformador da sociedade, a descoberta de que vivemos cercados de espíritos, seres que não possuem corpos materiais, gerou grandes controvérsias e nos mostrou que uma revolução está mais próxima do que imaginamos, neste momento de tensão e desesperanças, onde os indivíduos estão eufóricos e ao mesmo tempo apreensivos com os avanços da tecnologia na sociedade, o Espiritismo vem nos mostrar que neste momento de transição que a humanidade está vivenciando, todos devemos construir uma maior solidariedade entre os indivíduos, afinal hoje temos grande rapidez e agilidade no raciocínio e na reflexão, mas se não nos utilizarmos bem estas características numa próxima existência física podemos vir sem estas virtudes e vamos necessitar do auxílio e da compreensão dos outros indivíduos para sobrevivermos.

No raiar deste novo mundo, a tecnologia vem nos mostrar que para conseguirmos sobreviver neste mundo competitivo, marcados pelos interesses materiais e imediatistas, devemos cultivar hábitos simples e pensamentos salutares, a tecnologia nos auxilia, deve ser vista como um instrumento, mas seu excesso pode desviar nossa caminhada, deixar os indivíduos mais frios e calculistas e, como consequência, nos afastar dos verdadeiros valores da vida, atrasando nosso progresso espiritual e limitando nossas potencialidades.

 

“Estamos criando o ciberproletariado, uma geração sem dados, sem conhecimento e sem léxico”

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Andreu Navarra, professor do ensino médio, denuncia a ausência de debate sobre o futuro a que esta sociedade quer conduzir seus jovens

O mundo da educação debate as horas de aulas, a avaliação dos professores e os maus resultados da Espanha nos testes do PISA, mas tudo isso é bastante secundário no universo de Andreu Navarra, um professor de língua e literatura no ensino médio que retrata desde as vísceras do ensino, da própria sala de aula, uma realidade de emergências mais prementes: da desnutrição de uma boa parte dos estudantes à incapacidade de se concentrar da nova geração do “ciberproletariado” ou a ausência de debate sobre o futuro a que esta sociedade quer conduzir seus jovens. Navarra não é um teórico, mas uma torrente de verdades que acaba de publicar Devaluación Continua (desvalorização contínua) pela editora Tusquets, uma chicotada contra a cegueira, um chamado emergencial diante da degradação do modelo educacional.

“Nós, professores, queremos criar cidadãos autônomos e críticos, mas, em vez disso, estamos criando o ciberproletariado, uma geração sem dados, sem conhecimento, sem léxico. Estamos vendo o triunfo de uma religião tecnocrática que evolui para menos conteúdo e alunos mais idiotas. Estamos servindo a tecnologia e não a tecnologia a nós”, diz Navarra. “O professor está exausto, devorado por uma burocracia para gerar estatísticas que lhe tiram a energia mental para dar aulas.”

O testemunho de Andreu Navarra (Barcelona, 1981), historiador, tem o valor de quem leciona há seis anos em escolas públicas e em subvencionadas, em áreas ricas e em degradadas, onde encontra por igual “professores heroicos” em um sistema educacional estressado pela própria sociedade da qual é espelho: há pais ausentes porque trabalham demais; há violência; há crianças sem comer ou tomar café da manhã; há muitos problemas mentais; e há uma geração ausente por causa de sua concentração nas redes sociais e sua identidade virtual.

“O audiovisual está criando uma nova Idade Média de pessoas dependentes de satisfazer o prazer aqui e agora, quando a vida é muito diferente. Na vida você precisa saber ler contratos, alugar apartamentos, cuidar dos idosos, criar filhos. Mas o ciberproletariado desmorona por qualquer problema. São pessoas que não serão capazes de trabalhar porque têm a concentração sequestrada pelas redes”, diz ele. Não que todos os jovens se encaixem em seu olhar crítico, mas ele vê o risco de exclusão de um quarto dos alunos em uma tempestade perfeita de precariedade e vida virtual.

Navarra descreve, por exemplo, uma turma de 20 alunos com dificuldades de aprendizado em que, depois de lhes perguntar, descobriu que nenhum havia tomado o café da manhã. “Estão pálidos e ficam inquietos. Há estudantes que não comem por causa de distúrbios alimentares, outros por negligência da família, outros por pura miséria”. No entanto, na ausência de professores de apoio e de especialistas, as patologias (teve classes em que 30% tinham algum diagnóstico) concentram a atenção dos professores nas reuniões de avaliação e os impedem de pensar nos conteúdos. O pedagogo se confunde com o terapeuta, diz ele. E no debate da inclusão se esquece, diz ele, que “o que realmente falta incluir é a instituição”. Navarra conta como ele e seus colegas se alegram quando encontram um livro didático de segunda mão dos anos 90 e o compram “como se fosse ouro”. “Nos livros de Lázaro Carreter há explicações, agora temos excertos, flipped classroom [um método participativo que ele considera inaplicável havendo excesso de alunos]. Explique Quevedo com uma flipped classroom! O que não pode haver é uma pedagogia indecente. Temos pessoas inteligentes, queremos uma sociedade inteligente, não a rebaixemos. Temos de distinguir o tempo da escola do tempo externo, e não reduzi-lo. Ser aluno é importante. Ser professor é importante. Vamos explicar quem é Quevedo! Tiramos a literatura do currículo e depois nos perguntamos por que a nação é fraca. É que a nação é isso! Temos que dar a eles a oportunidade de um debate crítico”.

Nem tudo é negativo, é claro. Seu livro tem tantos problemas detalhados como sinais de esperança em experiências possíveis, diz ele, quando a autonomia do professor é respeitada: oficinas de poesia, contos, recreio dedicado ao tempo de leitura, como em sua atual escola, em Collbató, onde os alunos leem e depois contam o que leram, com êxito. “A chave é a autonomia da instituição frente a um pensamento único, frente às teorias da panaceia. Quando Portugal concedeu 25% de autonomia às escolas, melhorou”.

O livro de Navarra recorre a Ortega y Gasset para apelar a um debate necessário antes de tudo o mais: para onde estamos indo. “Se você sabe para onde está indo, se abrirmos um debate sobre o modelo de futuro para o qual queremos avançar, você depois regulará a tecnologia, os horários ou o que for, mas antes de aumentar ou diminuir as horas é preciso pensar no que se quer fazer com elas”, argumenta. E o modelo de sociedade que transforma Pablo Escobar ou Jesús Gil em heróis carismáticos nas séries; o mau exemplo de alguns políticos malandros; a mentalidade Fraga do “turismo e populismo que continua em Salou, em Magaluf, em destroçar Barcelona” não ajuda. “Falta reflexão sobre a sociedade que queremos porque não apostamos em um MIT espanhol, em exportar literatura, engenharia patenteada aqui em vez de exportar engenheiros”.

Mas “o papel da educação de promover a ascensão social está fracassando e estamos criando bolsões de guetos, de pessoas sem futuro”. Menciona também a ação de “maquiar” a ignorância que as escolas praticam para melhorar as estatísticas. E insiste repetidamente na incapacidade de fixar a atenção, grande carência de uma nova geração com fotos nas redes, mas sem memória. “Conhecemos vários capitalismos e agora estamos no capitalismo da atenção, em uma economia de plataformas que mercantilizam a atenção. Se você estiver vendo algumas mensagens, alguém ganha dinheiro e, se vê outras, outro alguém ganha. Não podemos repensar a educação se não pensarmos em como devolver a atenção às salas de aula, o regresso do mundo virtual. Agora não podemos nos ensimesmar, como Ortega defendia, porque tudo é ruído, política é gritaria e slogans, ninguém pensa, ninguém escreve, tudo é bobagem e slogan e isso chegou às salas de aula: o simplista, o binário, o bem e o mal. Os Steve Jobs e Zuckerberg, lembre-se, receberam educação analógica. E os gurus da tecnologia mandam seus filhos para escolas analógicas. É por isso que, ele conclui, “enquanto não consertarmos a sociedade, não podemos consertar o sistema educacional”.

“Estamos destruindo a natureza para o proveito de uma minoria” Segundo Dowbor.

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Entrevista Dowbor  –Agência Pública – Caio Costa, Thiago Domenici, José Cicero da Silva – Setembro /19

O diagnóstico é grave, mas Ladislau Dowbor nega ser pessimista. Brinca: “O pessimista é o otimista bem informado”, repetindo uma frase do economista Ignacy Sachs, com quem compartilha trabalhos e a origem polonesa. Para melhorar o cenário, Dowbor tem feito reuniões em um grupo que vai apresentar propostas no Economia de Francisco, evento convocado pelo Papa Francisco para discutir uma “economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda”, nas palavras do comunicado do pontífice. O encontro será realizado em março de 2020 em Assis, na Itália. “Por isso o nome Economia de Francisco, de São Francisco de Assis”, explica o professor.

Grande crítico da financeirização, Dowbor estudou economia na Suíça, “com os melhores banqueiros”, e na Polônia. Foi consultor do secretário-geral da ONU (1980-1981) e atuou, pelas Nações Unidas ou assessorando governos, em países como Guiné-Bissau, Costa Rica, Nicarágua, Guiné Equatorial, Equador e África do Sul. Foi secretário da gestão Erundina em São Paulo e colaborou com o projeto Comunidade Solidária, do governo FHC, a convite da então primeira-dama Ruth Cardoso.

Anos antes, na ditadura, participou da luta armada, foi preso e torturado. Virou símbolo internacional da violência do Estado brasileiro ao denunciar, durante exílio na Argélia, ao lado de Miguel Arraes, as marcas da tortura que traz na pele até hoje. Diante de um presidente que ora nega essas práticas, ora exalta os que as praticavam, ele hesita, diz ficar “à procura de termos”. “É um boçal que encontrou um filão para mamar nos recursos públicos e que nunca fez porra nenhuma em termos de trabalho na vida”, conclui.

Sua maior preocupação, no entanto, são outros agentes “mamando” recursos em ritmo acelerado. Não por salários, mas pelo endividamento do Estado, das empresas e das famílias, como detalha em A era do capital improdutivo (2017), sua última obra. Ele aponta a financeirização como um problema global, mas afirma que no Brasil “atingiu níveis grotescos”, com grande influência na crise dos últimos anos. E vê no enfrentamento dos beneficiários desse fenômeno a raiz do impeachment de Dilma Rousseff.

Em longa entrevista, apontou exemplos de medidas que considera positivos nos mais variados países: China, Suécia, Suíça, Alemanha, Coreia, Inglaterra. No Brasil, criticou, entre outras coisas, as privatizações e a PEC do Teto de Gastos, e disse não ver “descontinuidade” entre os governos Temer e Bolsonaro. “A mudança é no discurso político”. Ele também tem duras críticas à Operação Lava Jato, para ele, “essencialmente uma alavanca política”, e defende que o verdadeiro combate à corrupção depende principalmente da maior transparência dos bancos.

Thiago Domenici – Começando por sua trajetória de estudante, militante contra a ditadura até chegar a economista, professor, escritor…

A minha área, essencialmente, é linguística. Mas eu decidi ir para a economia simplesmente para entender o que acontece. Esse sentimento de que há coisas que não se aceitam. E eu estudei na Suíça, com bons banqueiros, como se deve, mas quando voltei ao Brasil vi que eu estava na lista de procurados [pela ditadura] porque fiz um curso de russo em uma associação Brasil-União Soviética. Na mesma época, eu estava assistindo curso de literatura americana no Roosevelt Institute, mas eu era procurado porque era prova da ameaça soviética contra a qual os militares nos defenderiam e coisa do gênero. As coisas se enroscam.

Thiago Domenici – Que idade o senhor tinha?

Eu entro na luta armada com 27 anos, mas já tinha estudado economia, já tinha entendido o que é desigualdade, já tinha visto que pode ser diferente. A gente não sabe como as coisas se acumulam – e o momento em que as coisas rompem. Na época, tinha luta armada por toda parte: em toda a América Latina, a Guerra do Vietnã, que, para a minha geração, foi um negócio… Ver aquele bombardeamento químico que eles faziam com agente laranja. Era uma barbárie. E o golpe aqui, o papel eminente dos Estados Unidos. Na juventude, às vezes, quando você sente uma coisa escandalosa, você reage. O pessoal me contatou em Paris, vim aqui para a Vila Leopoldina e fui preso depois de dois meses em um negócio besta porque a gente precisava de carro – inclusive, devolvia [depois] porque era só para fazer uma operação. Mas, em uma dessa, fui preso pelo que viria a ser o Esquadrão da Morte, o departamento de automóveis, no Deic [Departamento Estadual de Investigações Criminais]. Éramos quatro, fomos massacrados de um jeito impressionante. É desumano. O impacto de longo prazo é o seguinte: você tem uma das coisas mais preciosas que é preservar os seus companheiros e você tem a dor absolutamente… Eles são profissionais, tem aparelhos elétricos, esse choque é um negócio… Eu inventei que tinha um buraco no [viaduto] Santa Ifigênia, que [por ali] eu recebia mensagens, coisas assim, e [fomos lá com] o Deic, na época tinha aqueles fusquinhas. A gente desceu porque eu ia mostrar para eles onde eu escondia as coisas, mas eu já tinha essa ideia, tentei me jogar em cima da Brigadeiro Tobias. Mas eles tinham me amarrado com uma corda, enrosquei, fiquei preso. É banal. Mas a morte é muito preferível àquilo que você passa.

Thiago Domenici – O senhor diz que a morte é preferível a ser torturado?

Sem dúvida. Junta-se a dor e junta-se o pavor de você entregar outra pessoa. Muita gente, dos torturados, tem dificuldade de superar esse processo. Na época, através de uma grana que passaram para um delegado de polícia, o Milton Dias, a gente depois conseguiu sair, ele liberou a gente. O Exército não chegou a saber. Aí eu voltei para a luta. Você diz: “Ah, o pessoal entrou na luta armada”. Bom, frente ao que eles estão fazendo você faz o quê? Abaixa a cabeça e aceita? Muita gente simplesmente não aceitava. Quando você tem mais de 10 mil pessoas que colocam a sua vida para tentar mudar as coisas, é muito amplo, é um processo. Levei dois anos de luta até ser preso de novo e depois ser trocado pelo embaixador alemão. E [na tortura] tive o serviço completo porque eles achavam que eu sabia onde estava o dinheiro, e, para enfraquecer a organização, era esse processo. Quando a gente saiu da prisão, denunciava a tortura e o governo dizia: “Não existe tortura no Brasil”. Aí saiu uma foto minha em uma revista alemã que mostrava um buraco de terceiro grau na minha canela – com o tempo de choque que você leva, os fios elétricos são enrolados em algodão e molhados em água para não deixar marca, e o tecido começa a se deteriorar. Esse buraco levou uns dez anos para se reconstituir. Isso é real.

Depois, na Argélia, quando eu conheci Miguel Arraes, a gente passou a fazer todo um trabalho de denúncia da ditadura. Aí a gente foi chamado pela Cruz Vermelha Internacional, fui pra Genebra junto com Apolônio de Carvalho, porque eles estavam interessados em promover, da mesma maneira que tem um direito do preso militar, um direito do prisioneiro político. Acabou não dando em grande coisa, mas ali… não é todo dia que sai de uma prisão um cara com feridas, com sangue escorrendo, mostrando: “Olha, é assim que a coisa funciona”. Então a gente tinha o Le Monde, Tribune de Genève, as televisões, e os militares [brasileiros] mandavam ministros lá para a Suíça para exigir que a gente fosse expulso. Fomos chamados pelo presidente do cantão de Genebra e fomos, eu e o Jean Ziegler, que depois escreveu A Suíça lava mais branco – e não é roupa, um baita de um livro, é um cara muito corajoso. E o presidente do Cantão disse pra gente: “Olha, é o seguinte: eu recebi a instrução de Genebra que eu devo expulsar vocês. Só que vocês vieram aqui a convite da Cruz Vermelha internacional. São convidados do cantão de Genebra. Eu respeito essa tradição e portanto eu peço a compreensão de vocês pelo seguinte: eu não vou encontrar vocês”. A gente esperou mais de uma semana até expirar o visto dando entrevista, passando na televisão que a polícia não encontrava a gente. Quando viajamos de volta para a Argélia, o escândalo era tamanho, naquela altura, que tinha um monte de jornalistas internacionais para receber a gente.

Thiago Domenici – Como o senhor vê hoje o revisionismo do presidente Bolsonaro em relação a esse período que o senhor viveu, foi torturado. Qual a percepção?

Eu acho uma bestialidade. É difícil, a gente fica à procura de termos. É um boçal, um boyzão, um cara que encontrou um filão para mamar nos recursos públicos, tem 26 anos de deputado e, agora presidente, nunca fez porra nenhuma em termos de trabalho na vida. Vive desse bate-boca. “Vou fazer”, “Vou acontecer”. E quando chega à Presidência está constatando que não funciona. Para o país não funciona e para o grosso da população não funciona. Eu acho que essa eleição é legal, mas não é legítima. O artigo 1o da nossa Constituição diz que o poder emana do povo. Ou seja, a representatividade está no centro. Isso é cláusula pétrea. Ele nunca teria sido eleito se o Lula tivesse concorrendo, se não o tivessem impedido dois meses antes da eleição. Ninguém no mundo acredita na corrupção do Lula, e ele nunca teria sido eleito se não fosse a facada.

Agora, uma coisa é personagem; outra é que para um conjunto de forças interessa muito ter um presidente fraco. Deixa ele falar da mulher do Macron, falar qualquer besteira, mas estão se apropriando do petróleo. Estão se apropriando da Amazônia. Estão se apropriando da terra. Estão se apropriando da Embraer, o que é um escândalo. Curiosamente, aqui você se apropriar de recursos públicos que estão dando lucro, vender por uma merreca, chama privatização. Eu bato tua carteira, eu sou um ladrão; o cara com grande recurso se apropria do negócio pagando menos do que o lucro de um ano e você chama de privatização. Mas aí há muito interesse. Interesse americano em torno do petróleo. Você não tem um país com petróleo que não esteja em situação ameaçada. Eu estive agora em Angola, a pedido deles [angolanos], e um deles me falou da maldição do petróleo porque, no país de frágil governança, o sistema de interesses internacionais é muito grande. E nós estamos aí, em nome da pátria amada, entregando o país a interesses internacionais, os mais escandalosos. Não é só uns bestas que se reúnem lá no Congresso. Ter acesso à soja barata, madeira barata e carne barata, isso está na mão, em particular no Brasil, do Blackstone. O Blackstone é o maior grupo de traders do mundo. Dizer que é nossa soberania e entregar esse negócio para os traders internacionais…

Caio Costa – Trazendo para o senhor o que disse o leitor que sugeriu o seu nome na enquete: “Eu quero ouvir a opinião do professor sobre a relação entre a desigualdade, o avanço do setor financeiro e o crescimento desses governos de ultradireita”. O senhor pode comentar?

Em julho agora [fui] chamado para uma reunião na Europa com 23 pessoas, tinha Harvard, Stanford, Oxford, London School of Economics, Paris, Sydney, Estocolmo. Pegaram a nata. Obviamente, também interessados no fenômeno Bolsonaro porque estavam estudando a loucura que é o governo da Polônia, o fundamentalismo religioso em um país que, em termos econômicos, ia bem, 16 anos de crescimento 4% ao ano. Você pega Erdogan na Turquia, pega Duterte nas Filipinas, pega na Argentina… a discussão básica era o seguinte: no que foi a democracia liberal não se atingiu os grandes interesses, mas se conseguia uma classe média razoavelmente à vontade, não se esquecia uma metade lá embaixo. Então, eu vejo muito uma ligação de uma base da sociedade que sabe perfeitamente que poderia ter uma clínica decente para a mulher dele parir, poderia ter uma escola decente pro filho, e que não está aceitando mais as coisas. E aí há uma rejeição da política, mas [ao mesmo tempo] você tem uma indústria de opinião pública que entendeu que é muito mais produtivo, em termos eleitorais, mobilizar o ódio do que discutir programas. A gente vem com discussões na cabeça e os outros vão para o estômago, para o fígado. Em uma das apresentações [na Europa], uma das pessoas dizia: “Quando você gera insegurança e desinformação na base da sociedade, isso muito rapidamente se transforma em ódio. Você vê que não há racionalidade política, nem na eleição do Trump, nem no Brexit, nem na Hungria, e é compreensível. Todos esses são eleitos como antipolítica, e curiosamente o denominador comum é a pátria, Jesus e a família. Só que isso foi transformado, hoje, em uma indústria de marketing político extremamente poderosa. Não é só o Cambridge Analytica, é o negócio que atinge um nível de manipulação em que não há legitimidade, porque nós não podemos dizer que o presidente eleito representa o país. Você não tem essa base que é o objetivo do artigo 1o [da Constituição]. Eu acho que é uma deformação fundamental no processo de ter reduzido a democracia ao fato de ter eleições. Isso não é democrático.

Thiago Domenici – A democracia brasileira foi reduzida às eleições?

Para dar um exemplo, o sueco médio participa de quatro organizações comunitárias em seu país; da totalidade dos recursos públicos, uma carga tributária elevada a mais de 50%, 72% vão para o local. O governo central é pequeno, cuida de relações internacionais, políticas tecnológicas de longo prazo, coisas do gênero. A democracia é de rédea curta. Você tem regularmente reuniões da comunidade, consultas. Veja as consultas na Suíça. Então, você tem uma democracia no cotidiano. Não é o show eleitoral uma vez a cada quatro anos. Você tem que dar espaço para que os interesses da população se manifestem efetivamente. Estive três vezes na China – eles me chamaram para traduzir livros –, e a China é ainda mais descentralizada que a Suécia. O governo central é pequeno e com grande capacidade de força política de orientação geral. Cada cidade resolve-se através de um sistema muito complexo de consultas. O sistema brasileiro é centralizado. O dinheiro que chega aos municípios, que é de espaço de decisão dos municípios, é de cerca de 13%. Você vai ter um ministro com uma fila de prefeitos tentando conseguir alguma coisa na antessala. Depois ele vai ver o deputado da região pra ver se o cara usa a emenda parlamentar, que é assim um negócio de corrupção escandaloso, pra ver se o cara vai dar o quê pra ele? Um viaduto porque ele está interessado na empreiteira que financiou [sua campanha]. São 5.570 municípios diversificados, como o ministro vai saber do que [cada um] precisa? Em termos de função management é disfuncional. Pega Coreia, pega China, Alemanha, por exemplo. Na Alemanha, o sistema financeiro é local, caixa de poupança local. Você junta com o fato de que grande parte dos recursos federais é repassada diretamente para os municípios com as poupanças, que também servem ao município. Você tem uma coincidência entre a democracia econômica e a democracia política. E funciona. As pessoas se sentem donas do seu destino. Isso aqui não tem como funcionar.

Caio Costa – Você falou que lá funciona porque a democracia econômica, a democracia política são descentralizadas e atendem aos municípios. E aqui é o contrário? As duas coisas são centralizadas, a parte com o sistema financeiro…

As duas coisas são centralizadas. Porque, se você não tem o acesso ao recurso financeiro, você é obrigado a ir buscar recursos, e, quando você é obrigado a ir buscar recursos no centro, você vai comer na mão de quem tem a grana. É um problema estrutural tamanho! Veja que nos Estados Unidos, durante muito tempo [a descentralização], funcionou. A riqueza dos Estados Unidos não é à toa. Os Estados Unidos eram extremamente descentralizados. Os bancos eram locais. Coisa que a gente via nos [filmes] bang-bang: todo mundo assalta um banco local. Um banquinho local ali, de qualquer parte do Texas, em que o cara tem as poupanças da população local e decide: “Não, vou aplicar lá em não sei onde”. A área financeira não é um setor, nem uma área. É uma dimensão que te permite decidir se você faz saúde ou abre uma estrada. Que dizer, você segura a decisão, o conjunto das decisões.

Thiago Domenici – Nesse exato momento, está sendo discutida a questão do teto de gastos, que o senhor já criticou bastante. Como o teto de gastos brasileiro seria encarado nesses países que têm esse modelo democrático de que o senhor falou? Isso seria cabível?

Esse teto de gastos é visto como uma aberração jurídica. É um crime em termos sociais e é uma aberração econômica. Tem um negócio básico e simples de entender que é o seguinte: o país que funciona não precisa de cálculos complexos, prioriza o bem-estar da família. Você pega a China, o Canadá, a Alemanha, a Suécia. Esse é o eixo. Primeiro você assegura que, enquanto cresce a produtividade, você tem aumento de rendimento da população. E um sistema tributário que traz bastante dinheiro para baixo. Quando você aumenta a capacidade de compra das famílias – porque o grande pacto é o bem-estar das famílias, mas não só –, você aumenta o mercado das empresas. A empresa não precisa de discurso ideológico, precisa de mercado para quem vender e crédito barato para poder comprar as máquinas. No Brasil, não tem nem uma coisa nem outra. Hoje, no modelo atual. Mas, quando você tem essa dinâmica que parte do consumo das famílias, a ordem de grandeza é 60% da economia. Esse motor dinamiza as atividades empresariais, que geram mais emprego. Por exemplo, passamos de 12% de desemprego em 2002, baixamos para 4,8%, alguma coisa assim, em 2010. E você tem imposto sobre o consumo, gera receita para o Estado. No Brasil, as empresas vão trabalhando com 65%, 70% da capacidade, você tem aí uma imensa capacidade ociosa. Então não gera inflação. Porque, quando você tem demanda, você tem imediatamente a resposta. Você gerou receita sobre a produção para o Estado e receita sobre o consumo, a conta fecha. Se você olha a conta pública, em nenhum desses anos que o Banco Mundial chamou de “Golden Decade” tem déficit. Você tem, pelo contrário, superávit. O superávit, por sua vez, permite uma outra dinâmica, que é o Estado – aqui é mais ou menos um terço da economia que o Estado financia – [financiar] o consumo público, que a gente chama de salário indireto: SUS, educação, as universidades federais etc. Melhora muito o bem-estar das famílias; portanto, ele se soma com aquele negócio da renda. E do outro lado você tem como financiar infraestrutura, que melhora a produtividade das empresas. Então, o sistema que funciona é isso aí. Aqui o pessoal entende pouco, ou não quer entender, fala sempre de como estão os preços das commodities. O fato é que, com um país do tamanho do Brasil, que exporta 200 bilhões, isso [exportação de commodities], aqui, é uma merreca. Dá 11% do PIB; 89% do PIB no Brasil é mercado interno. Então, [a exportação de commodities] ajuda, mas não é decisivo. Por que funcionou durante a tal da Golden Decade? Porque isso funciona. Funciona na China, funciona na Coreia, funciona em Taiwan, com diversidade política profunda, mas a mecânica é essa. Aqui se enforcou as famílias basicamente pelo endividamento. Se enforcou as empresas pelo endividamento. Eu tive uma conversa com o Lula e ele dizia: “Não, Ladislau, a empresa vai entrar no rotativo do cartão?”. Bom, não soube responder, eu ia chutar. Voltei pra casa, olhei, consultei no Banco Central como entra o rotativo do cartão pagando, na época, 485%. Aqui não funciona. Quando o [Benjamin] Steinbruch vem pro Estadão e escreve ali “não dá pra fazer funcionar uma economia pagando 300% [de juros].

Por que você põe um teto de gastos? Para manter o fluxo da parte dos impostos que é transferida para os bancos. Juros sobre a dívida pública. Que chegou, por exemplo, em 2015, a R$ 500 bilhões. Lembre que o Bolsa Família, que tirou 56 milhões de pessoas do buraco, custa R$ 30 bi. Agora, claro, você tem que somar as outras coisas. A evasão fiscal está na parte de R$ 600 bi. Isso dá 20 [programas] Bolsa Família. O dinheiro lá fora, o tal dos US$ 520 bilhões, dá R$ 2 trilhões, dá um terço do PIB quase, 30%. Isso aqui é aritmética, não tem mistério nenhum. Não tem ideologia nenhuma. Eu fiz esse cálculo para vários países pela ONU. Você tem grandes títulos nos jornais: “Os juros subiram”. Que juros? [A taxa] de juros básica é completamente diferente da [taxa] de juros que você vai cobrar das famílias, que você vai cobrar dos crediários.

Caio Costa – No seu trabalho, você fala justamente desse setor financeiro drenando cada vez mais o Estado, as famílias e as empresas. Quem exatamente ganha com isso e por que você chamaria de capital improdutivo?

A chave é o seguinte: o PIB mundial aumenta em média 2,5% ao ano porque tem que produzir bens e serviço, dá trabalho. O rendimento financeiro nos últimos 20 anos está entre 7% e 9%. Onde o cara vai colocar o seu dinheiro? Você vê a quantidade de empresas industriais e pode ter um diretor de produção no conselho de administração que diz: “Vamos comprar máquinas e abrir mais não sei o quê”, e o diretor financeiro diz: “Meu amigo, vamos ganhar dinheiro? Comprar título do governo?”. Quando se torna mais interessante para os agentes econômicos fazer aplicações financeiras do que investir, você tem um problema.

Na realidade, o que está acontecendo no planeta é o seguinte: o dinheiro, a partir dos anos 1990, deixa de ser uma coisa que você imprime e passa a ser uma coisa que o banco emite – qualquer banco privado emite dinheiro. E com alavancagem podem emitir muito mais do que têm em reservas. Quando o dinheiro vira apenas o sinal magnético que gira na velocidade da luz, as capacidades de controle do governo e o Banco Central, de um Ministério da Fazenda e coisa do gênero ficam extremamente limitadas.

Thiago Domenici – A gente está com nove meses de governo Bolsonaro, de Posto Ipiranga, no caso, o Paulo Guedes. Como o senhor caracterizaria a política econômica do governo Bolsonaro?

Você tem um sistema que hoje está funcionando dessa maneira em muitos países, o que a gente chama de financeirização. Não é só o Brasil. Mas no Brasil atingiu um nível grotesco. Na realidade, essa política consiste essencialmente em favorecer os grandes grupos financeiros, os bancos, as pessoas que têm grandes aplicações financeiras. Nós somos acostumados a pensar a desigualdade e a exploração através da exploração salarial – o que todo mundo leu –, mais-valia etc. Agora, à medida que foi se passando dinheiro – 2004, 2005, 2006 – para o andar de baixo, eles foram aumentando as taxas de juros e chupando isso de volta. Então, você tem um sistema de exploração, através do endividamento e através de taxas de juros, que vai atingir justamente as famílias, as empresas e o Estado. Eu vejo a crise, a mudança radical das políticas a partir de 2014, e não a partir de 2016. Portanto, são cinco anos de uma política que “estão consertando”. Eu não vejo descontinuidade entre Temer e Bolsonaro; é uma descontinuidade política, no sentido de tipo de discurso, mas veja que interessante: o Temer governa dois anos fazendo teto de gastos, fazendo um monte de coisas pavorosas para o futuro do país, e não teve nenhum problema de governar com 4% de apoio. Ou seja, a máquina superior, que pega um segmento desse Congresso, um segmento do Judiciário, o apoio da mídia e o apoio dessa classe média alta e classes dirigentes, que essencialmente vivem de rentismo financeiro, tem uma força que o apoio popular… O Temer governou dois anos com 4% de apoio.

Thiago Domenici – O senhor está dizendo que o sistema financeiro era o que segurava o Temer no poder?

Sem dúvida.

Caio Costa – Quem era o principal interessado em medidas como o teto de gastos?

Em 2015, dos impostos que a gente pagou para o Estado, R$ 500 bilhões foram essencialmente juros pagos sobre a dívida pública. Para você transferir tanto dinheiro público para os interesses financeiros, você não pode ao mesmo tempo financiar o SUS. Então você faz o teto de gastos. Você está trancando um conjunto de gastos porque você tem que satisfazer [o setor financeiro]… Aí você vai ver os detentores da dívida. Essencialmente os bancos, mas nunca é só o banco, porque eu conversei com gente de classe média ou classe média alta que diz: “Meu, mas eu tenho dinheiro aplicado. Se baixar os juros, eu tô ferrado”. Por que você divide a sociedade, não só quem é patrão, burguês ou quem é operário, enfim, a visão século 19 ou 20 ou o que seja. Mas você tem a parte da sociedade que tem interesse em juros altos, porque ganha sobre o dinheiro, e a parte que está ferrada com os juros altos. Então, isso envolve não só os bancos, mas os grandes aplicadores financeiros, inclusive os fundos de pensão. A diferença básica é que o rico tem dinheiro aplicado, e esse dinheiro rende e a fortuna dele se multiplica. O pobre não consegue fechar o mês e, em geral, está endividado. Essa política gera uma transferência de uma massa de recursos de 1 trilhão; 1 trilhão de reais dá 16% do PIB. Eu acrescento 6% do PIB, que é juros sobre a dívida pública, dá 22%. O que nesse sistema financeiro retorna à economia real é de 10%. É uma economia que está vazando e você tem um desestímulo à produção. Eu vi recentemente a citação de um empresário importante, não lembro o nome: “Tá certo que tá mais barato eu contratar, mas para que eu vou contratar se eu não tenho para quem vender?”. Simples assim.

 

José Cícero da Silva/Agência Pública – O economista Ladislau Dowbor foi escolhido pelos Aliados da Pública para a Entrevista do Mês.

Caio Costa – O senhor pode falar mais das medidas tomadas até aqui pelo governo Bolsonaro?

A lógica básica dos mais variados projetos que eu acompanhei – eu também não estou assim pendurado nas últimas besteiras que fazem – é essa. Você segue o dinheiro. No Brasil, dezenas de milhões já pagaram três, quatro vezes a dívida e continuam ferrados, [o banco] continua mamando. Zygmunt Bauman escreve: “O banco detesta bom pagador”. Bom é ter um cara que está ferrado e que está passando 25%, 30% do seu salário todo mês para o banco, gerando uma dívida que não acaba. Você pega a Inglaterra, por exemplo, que fez uma lei antiagiotagem em janeiro de 2015 que [determina] que de ninguém se pode exigir pagar mais do dobro daquilo que pegou [de empréstimo]. O cara pegou mil libras, pagou as mil libras, mas tem os juros e porque atrasou tem uma multa… pode, mas chegou a 2 mil está liberado.

Caio Costa – E o senhor defende que esse endividamento da população está nas raízes da crise econômica, certo? Por causa das famílias endividadas, o consumo cai e isso gera a crise econômica que a gente observou no Brasil nos últimos anos.

Isso aprofunda. Em março de 2003, o estoque de juro de dívida das famílias era tipo 18%, ou seja, 18% da renda era a dívida que eles tinham. Quando você chega a 2012, está passando de 40%. Durante os governos Lula e Dilma, há um aumento sistemático das diversas formas de recuperação do dinheiro transferido [para as camadas mais pobres] através do cartão de crédito, através dos juros sobre os crediários, através das diversas formas de juros. Então, isso foi paralisando a economia. O Guido Mantega é um cara extremamente competente, não é nenhuma besta, e fez o negócio funcionar. O drama foi político; na realidade, porque quando, em 2012, o [endividamento das famílias] começa a travar a economia, o que faz a Dilma? A Dilma vai pra luta. Baixa a taxa Selic, vai pra 7,5%. Baixa os juros no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal. E há uma migração [para os bancos públicos]. Você entrou em guerra com um setor que tava mamando que é uma beleza. E ela não tinha força política correspondente porque não é só o banco, é também os que estavam [lucrando], a classe média alta – e esses juízes têm gordura grande, também estão ganhando com isso [dívida pública]. Então, para eles, ela está quebrando a economia.

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Thiago Domenici – Você acha que é isso [enfrentar os bancos] que fez a Dilma cair?

Não tenho nem dúvida. Ela baixa esses juros de 2012 para 2013. Em junho, você tem as gigantescas manifestações. Ela é reeleita em 2014, como eles disseram, “pode ser reeleita, mas não vai governar”. E não governou.

Caio Costa – E a partir daí ela toma medidas para tentar agradar a esses setores?

Exatamente. Ela tenta… porque é uma relação de força. Você, presidente, não tem controle do Congresso, não tem o controle da mídia, não tem o controle do Judiciário. Você tem um segmento do Executivo, porque no próprio Executivo, para você fazer alguma coisa no Congresso, você tem que ter nomeado gente das diversas áreas. Então, se tivesse uma mídia forte, uma BBC ou um New York Times da vida, você tinha uma força explicativa na sociedade.

Thiago Domenici – Teve erros de trajetória econômica?

Olha, eu acho que a derrubada vai por partes, porque é um processo. Começa em 2013 e termina em 2016, ou seja, é um negócio longo. Tem o processo de manifestações, boicotes, um conjunto de travamentos por toda parte. Você tem a Lava Jato, que desestrutura uma série de atividades econômicas, em particular as infraestruturas. Você tem a Odebrecht. Eu aprecio muito os trabalhos do Jessé [Souza] quando ele pega a dimensão, digamos subjetiva, de geração do ódio, das madames que se sentem indignadas – de repente elas têm que registrar a empregada. É um negócio importante, o Brasil tem esses 7 milhões de empregadas domésticas. Toda essa classe média brasileira está educada em um sistema assim. A herança, o sentimento de superioridade, isso é muito forte… Claro que, quando você atinge um bolso do pessoal que tava mamando sem produzir, você abriu a porteira. Mas todo o sistema, inclusive, hoje, a indústria da opinião pública, navega nisso.

Thiago Domenici – O senhor está falando da opinião pública e eu queria pegar um tópico que tem a ver com a questão das privatizações, porque na época do Fernando Henrique Cardoso era um debate público muito forte, e isso também aparece nos governos Lula. O privatista e o não privatista. Como isso é retomado no governo do Bolsonaro?

Nós somos sociedades complexas demais para ter um esquemão: sou de direita, privatizo; sou de esquerda, estatizo. Você dizer: “O Estado é corrupto, portanto, vamos pôr nas mãos privadas”. [Mas] quando você está transferindo bens públicos a um preço que é mais ou menos equivalente a um lucro de um ano, quando você coloca em mãos privadas empresas lucrativas ou estratégicas para um futuro tecnológico, como a Embraer, isso é bandidagem pura. Isso é acordo para favorecer os lucros. Não tem outra explicação possível. Eu trabalho há um tempo, junto com Ignacy Sachs, com o conceito de economia mista. Lembro que ele trabalhava na Nicarágua, que estatizou os bens do Somoza depois da derrubada da ditadura, e cortava cabelo porque o Somoza era dono de salões de beleza, barbearias. Você não fica mais socialista porque tem um funcionário público que está te cortando o cabelo. Na realidade, é bom senso. O sistema privado funciona onde você tem muitos produtores e tem concorrência de mercado. Mas não vai funcionar para grandes setores como saúde, como educação, onde você não tem o que [Joseph] Stiglitz chamou assimetria de informação. Um médico me diz: “Olha, tem que operar esse menino. Eu recomendaria tal médico, só que ele cobra por fora”. O que você faz? Você raspa a gaveta e paga. Usar “mercado” para essas áreas é besteira.

Thiago Domenici – São setores essenciais que o mercado não deveria mediar, né?

Exatamente. Saúde, infraestruturas e, no mínimo, o equilíbrio, um sistema misto nas áreas da intermediação. Já educação é pública, universal, gratuita. Não tem como. É olhar os avanços da Coreia do Sul, um milagre. As transformações do Japão a partir de 1868: ele sai do sistema feudal em 1868 e em 1900 não tem mais analfabeto. No mundo, o investimento na educação é investimento. Aqui, é gasto.

Caio Costa – Por falar em educação, no seu livro o senhor fala de algumas capturas do sistema financeiro: da captura da mídia, captura da Justiça, captura da opinião pública e captura da produção acadêmica através dos sistemas de financiamentos. Você poderia explicar um pouco melhor como funciona isso?

Hoje, nós temos pesquisas internacionais muito fortes sobre sistema. Nos Estados Unidos, são 15 mil cientistas que se recusam a publicar em revistas indexadas dos grandes grupos, do oligopólio mundial da academia. O ponto básico é o seguinte: o conhecimento se tornou o principal fator de produção. Meu celular pode ter 5% de trabalho físico e matéria-prima. O valor dele é conhecimento incorporado. A partir dos trabalhos do [Jeremy] Rifkin, a gente entendeu a que ponto isso transforma o planeta. Porque no século passado, era industrial, se eu te passo o meu relógio, eu deixo de ter um relógio. Agora, se eu te passo uma ideia, eu continuo com ela. Um exemplo prosaico é quando a Pastoral da Criança desenvolve o soro fisiológico, sobretudo para crianças desnutridas, que salvou milhões de crianças. Não patentearam. Está sendo usado em Angola, em Moçambique, por um monte de lugares, porque o conhecimento pode se espraiar sem tirar pedaço de quem o produziu. Estou desviando da sua pergunta, que é…

Caio Costa – Justamente sobre a captura da academia.

A produção científica gerou uma indústria, não só a indústria do diploma, mas gerou uma indústria do controle do conhecimento em que você está controlando não a educação, mas o núcleo da atividade econômica, que é o acesso ao conhecimento. Quando você tem a Economist fazendo um artigo de fundo dizendo que o sistema de patentes não mais favorece o progresso científico, mas o trava; quando você tem [Joseph] Stiglitz escrevendo a mesma coisa… Porque é assim. A motivação de um cara – pega o Pasteur, o gigantesco avanço nas vacinas que ele permitiu – não era quanto ele ia ganhar. Não funciona assim. A pesquisa vem do setor público, e não só usam isso como patenteiam e, ainda por cima, não pagam impostos.

Thiago Domenici – Mas isso que o senhor está falando tem a ver com a lógica do lucro. Todo esse sistema é voltado para a lógica do lucro, que não pensa coletivamente, enquanto o senhor fala em colaboração. O senhor é pessimista?

Não. Eu não sou pessimista. Para você entender melhor. Numa entrevista na TV, junto com o Ignacy Sachs, apresentando essas imagens, a moça disse: “Mas isso é uma visão pessimista”. O Sachs saiu com uma pérola. Ele disse: “Minha amiga, o pessimista é um otimista bem informado”. Na realidade, eu tenho uma amplitude de informação que se deve em parte pelas línguas, em parte por ter trabalhado em organizações internacionais e em parte por ter trabalhado na Ásia, na África, na Europa, na América Latina. Tem uma certa diversidade. E eu acompanho os dados que a gente chama de megatrends. A expressão francesa é muito forte, chama tendance lourde, uma tendência que tem inércia muito grande. Então, por exemplo, a gente pode se saracotear, fazer o que quiser sobre o clima, mas 2050 está dado porque é uma tendência. A tendência demográfica? 2050 está dado. Claro que a gente vai poder variar, um pouco mais, um pouco menos. À medida que você se distancia, a precisão diminui mais. Mas, se eu pego a mudança climática, a acidificação dos oceanos, a liquidação da cobertura florestal, a perda de solo fértil, a contaminação da água doce, a perda de excesso de água doce, o derretimento das geleiras do Himalaia, que alimentam a produção de cereais da maior concentração de população do mundo… E se eu vou pegando, de um lado, a dimensão ambiental e, do outro, a dimensão social, você tem uma volta ao distanciamento da desigualdade que está gerando outro conjunto de danos, e cada vez menos sustentável. Nós estamos indo, em termos de ritmo histórico, de maneira extremamente acelerada para um desastre. Nós estamos fazendo funcionar a economia destruindo a natureza para o proveito de uma minoria. Não funciona nem para a população nem para a natureza. Isso aqui já era. O [papa] Francisco não é besta, porque ele chama o Stiglitz [Joseph, Nobel de Economia], chama gente de primeira linha mundial, para repensar a economia. Chamou de Economia de Francisco. Eu fiz um primeiro documentinho de proposta.

Thiago Domenici – O senhor pode explicar isso melhor?

O papa fez um chamado mundial dizendo que a economia destrói o meio ambiente, gera miséria, não está funcionando; enfim, e não só, nós temos que mudar o conceito de economia. Ele chamou uma reunião de 26 a 28 de março do ano que vem em Assis, porque é são Francisco de Assis, e chamou isso de Economia de Francisco. Não dele, mas de são Francisco. Ele está apelando para o mundo se interessar e trazer aportes para essa reunião. Nós temos uma rede, no Brasil todo, discutindo o que seria uma outra economia. Tem gente de diversas universidades, diversos movimentos sociais. Nessa semana ou na semana que vem, vamos ter um blog para o movimento. Esse papa é muito esperto. Ele pegou um negócio que é de uma evidência… Não está funcionando, gente.

Thiago Domenici – Quer dizer que o papa quer peitar os grandes grupos financeiros mundiais. É isso, professor?

Você viu a tomada de posição dos 181 grupos mundiais? É interessante. Basicamente, são presidentes de 181 empresas de primeira linha mundial – Amazon, JP Morgan, Chase, Johnson & Johnson, Apple – que assinam o texto de cinco parágrafos dizendo que eles estão abandonando o conceito básico de neoliberalismo, ou seja, a visão do Milton Friedman de que a empresa tem que gerar lucros para os acionistas e que essa é a missão. A missão é essa também, mas, a longo prazo, uma visão construtiva da base produtiva tem que respeitar a dimensão ambiental, a dimensão social. Inclusive dos fornecedores das empresas. Interessante, mas a gente tem uma certa prudência de ficar aplaudindo. Vocês viram a multa da Johnson & Johnson? US$ 272 bilhões por venda de opióides. Isso é uma barbárie. Só nos Estados Unidos, o que a Johnson & Johnson está vendendo causou 400 mil mortes.

Thiago Domenici – Eu tenho uma última questão, sobre a economia da uberização, dos aplicativos. Esse formato que me parece muito mais predatório do que outros formatos de exploração trabalhista. Como o senhor vê esse movimento da uberização?

Eu não trabalho com o conceito de indústria 4.0. Acho que é uma bobagem. A mudança é muito mais profunda. Nós tivemos uma era muito longa em que a humanidade dependia da agricultura, feudalismo, escravidão. Tivemos dois séculos de indústria em que o principal era a fábrica, a máquina etc. Propriedade privada, bem físicos. E temos agora um sistema completamente diferente em que o principal fator é o conhecimento, não mais a máquina. O conhecimento eu compartilho. Ou seja, a propriedade privada, que é a base do capitalismo, deixa de ser essencial. Isso aqui está indo pra outro modo de produção, as relações de trabalho estão mudando. [Na uberização] é um cara que só é remunerado quando aparece uma tarefa. O Robert Reich, que foi ministro do Trabalho do Clinton, escreveu um livro que chama O futuro do sucesso. Está traduzido. E ele basicamente traz a ideia seguinte: a relação de emprego terá durado 150 anos e está indo embora. Então, você tem as diversas dimensões. Quando a economia passa a ser um sistema não baseado em indústrias, em máquinas, operários em volta, mas em plataformas de gestão, elas se transformam no que a gente chama de monopólios de demanda. Não adianta você fazer um uberzinho porque só funciona quando todos usam aquele mesmo [aplicativo]. Não adianta dizer: “Não gosto do x, vou fazer outra coisa”, porque ninguém usa. Sou obrigado a usar o que os outros usam. Esse capitalismo de plataforma está transformando radicalmente porque permite que você cobre, por exemplo, R$ 30 ao mês de 800 milhões de pessoas pelo mundo afora – a economia baseada em plataformas, em exploração por tarefas e com imensa capacidade microexploração de milhões de pessoas. Isso gera uma outra dinâmica. Claro, como tem a exploração, a gente chama de capitalismo. A forma de exploração se desloca do salário para sistemas, porque o dinheiro também se torna imaterial. O André Gorz publicou um livro muito interessante que chama O imaterial. A economia imaterial, a economia baseada em conhecimento, na conectividade imediata planetária. Possibilidade de controle de todas as pessoas, individualizadas por algoritmos. O que está se gerando – e ninguém tem garantia que vai ser melhor – pode ser um negócio monstruoso. Mas como o principal fator de produção é um fator de produção cujo uso não reduz o estoque, pelo contrário, multiplica, também abre para uma sociedade colaborativa planetária. Claro que a gente não tem a mínima ideia de como vai ser estruturado.

Caio Costa – Uma última pergunta, que tem um pouco a ver com a questão que você falou, de certa maneira, da captura do Judiciário. Mais especificamente, eu queria saber a opinião do senhor sobre a Lava Jato no sentido dessa disputa de capital produtivo e capital improdutivo. Da maneira que ela lidou, por exemplo, com os bancos e da maneira que ela lidou com as construtoras.

Eu vejo a Lava Jato essencialmente como uma alavanca política. Você combater a corrupção é uma coisa. Você usar politicamente a corrupção… Eu vi isso com Vargas, vi isso com Goulart. Eu vi isso em carradas de países. A única diferença da Odebrecht relativamente à Halliburton, ou qualquer uma das grandes construtoras mundiais, é a porcentagem que se põe no bolso. O problema do conceito de Lava Jato é que você persegue os corruptos, você não desestrutura a corrupção. A gente sabe perfeitamente como se acaba com a corrupção. É transparência. Quando você prende um corrupto e mostra na TV, você tem uma catarse da nação – “Pegamos o corrupto!” –, e o uso disso é profundamente perigoso. A gente sabe perfeitamente como reduzir drasticamente a corrupção. Por que a Dilma fez a Lei da Transparência em 2011, que abriu, inclusive, possibilidade que estão sendo usadas? Se você obriga os bancos a darem transparência sobre as suas transações, se você abre os computadores do sistema público – o que legalmente é absolutamente viável hoje por essa lei –, você tem como restringir radicalmente. Sempre vai ter a pequena corrupção. O cara que vai soltar uma grana porque queimou o farol e o policial… Agora, a grande grana é conhecida pelos bancos e é conhecida pelo andar de cima. A informática permite você identificar os fluxos de corrupção significativa. Como você tem um ministro que foi cofundador do Banco Pactual? O Banco Pactual tem 38 filiais em paraísos fiscais. O que é dinheiro em paraíso fiscal? Dinheiro de corrupção, de evasão fiscal e de lavagem de dinheiro, de droga ou do que seja. O Global Financial Integrity calculou quanto tem de prejuízo para o Brasil nas fraudes de notas fiscais de exportação. Dos anos 2011, 2012 e 2013, dá uma média de US$ 35 bilhões por ano. Dá mais ou menos R$ 140 bilhões e praticamente cinco Bolsa Família. O Tax Justice Network consegue ter os dados do nosso dinheiro lá fora. O Global Financial Integrity consegue saber quanto tem que… e aqui o Judiciário não consegue?

Na realidade, eu não tenho nenhum dado que corrobore isso, mas na lógica como funcionam as coisas. É óbvio que a Halliburton, que está muito presente aqui no Brasil, está imensamente interessada na desestruturação da Odebrecht. A Halliburton é o grupo que empurrou os Estados Unidos para a Guerra no Iraque. Herdou praticamente todos os contratos de reconstrução. Dizer de repente: “Uh, Odebrecht. Meu Deus, são corruptos”. Escrevi um livro em 1998, A reprodução social, em que mostro como funciona a corrupção das empreiteiras. Não há nada de novo nesse processo. Quando você transforma isso na campanha anti-PT para prender o Lula e coisa do gênero, mais ninguém no mundo acredita. Eu conheço suficientemente o Lula para saber que ele dá muito mais importância a si mesmo do que a uma grana no bolso. Não é todo país que tem o Lula.

Thiago Domenici– O senhor chegou a visitar o Lula na prisão?

Não visitei. Eu participava de reuniões com economistas, coisa do gênero. Sempre houve no próprio PT dificuldade de entender a exploração através da taxa de juros. É curioso isso. As pessoas têm dificuldade de entender como funciona a taxa de juros. Nós temos um problema de cultura porque no Brasil nunca ninguém teve aula de como funciona a moeda. Agora, a incompreensão é agravada pelo fato que apresentam juro ao mês. Juro ao mês não existe. Ninguém consegue fazer um cálculo com juros composto. Até o meu irmão que estudou politécnica acha que juros de 2% ao mês dá 24% ao ano. Eu sei fazer o cálculo certo. O cara que vai nas Casas Bahia fazer aquela compra do fogão. O fogão de R$ 420 à vista [sai por] R$ 840 a prazo. Saiu da fábrica a R$ 200, puseram 40% de imposto, vai pra R$ 280. Mesmo vendendo à vista, ganha um dinheirinho, mas na prática, pelo fogão que sai a R$ 200 na fábrica, a população paga R$ 840. É uma economia dos intermediários. Que não funciona.

“A desigualdade é ideológica e política”: extratos do novo livro de Thomas Piketty

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O economista francês publica, nessa quinta-feira, 12 de setembro, pelas edições Seuil, Capital e Ideologia, um livro que investiga a formação e a justificativa das desigualdades. Le Monde publica alguns extratos.

Após O Capital no Século XXI publicado em 2013 e que vendeu 2,5 milhões de exemplares em todo o mundo, Thomas Piketty, diretor de estudos da École des Hautes Études en Sciences Sociales e professor da École d’Économie de Paris, além de cronista no Le Monde, publica, nesta quinta-feira, 12 de setembro, Capital et Idéologie (Seuil), um livro de investigação sobre a formação e a justificativa das desigualdade de mais de 1.200 páginas.

O texto é de Thomas Piketty, publicado por Le Monde, 04-09-2019. A tradução é de André Langer.

A desigualdade não é econômica ou tecnológica: é ideológica e política. Esta é, sem dúvida, a conclusão mais óbvia da investigação histórica apresentada neste livro. Em outras palavras, o mercado e a concorrência, os lucros e os salários, o capital e a dívida, os trabalhadores qualificados e não qualificados, os nacionais e os estrangeiros, os paraísos fiscais e a competitividade, não existem como tais. São construções sociais e históricas que dependem inteiramente do sistema jurídico, fiscal, educacional e político que escolhemos estabelecer e das categorias que escolhemos criar. Essas escolhas referem-se, primeiramente, às representações que cada sociedade se faz da justiça social e da economia justa e às relações de poder político-ideológicas entre os diferentes grupos e discursos presentes. O ponto importante é que essas relações de força não são apenas materiais: são também e acima de tudo, intelectuais e ideológicas. Em outras palavras, ideias e ideologias contam na história. Elas permitem permanentemente imaginar e estruturar novos mundos e sociedades diferentes. Múltiplas trajetórias são sempre possíveis.

Esta abordagem difere de muitos discursos conservadores que visam explicar que existem fundamentos “naturais” para as desigualdades. De maneira pouco surpreendente, as elites das diferentes sociedades, em todas as épocas e em todas as latitudes, têm a tendência de “naturalizar” as desigualdades, ou seja, tentam dar-lhes fundamentos naturais e objetivos, de explicar que as disparidades sociais existentes são (como deve ser) do interesse dos mais pobres e da sociedade como um todo, e que, em todo caso, sua atual estrutura é a única possível e não pode ser substancialmente modificada sem provocar imensos infortúnios.

A experiência histórica mostra o contrário: as desigualdades variam muito no tempo e no espaço, em tamanho e estrutura, em condições e com uma velocidade que os contemporâneos teriam tido dificuldades para antecipar algumas décadas antes. Foi, às vezes, o resultado de infortúnios. Mas, em seu conjunto, as diversas rupturas e processos revolucionários e políticos que permitiram reduzir e transformar as desigualdades do passado foram um imenso êxito e, ao mesmo tempo, desembocaram na origem das nossas instituições mais valiosas, aquelas que permitiram, precisamente, que a ideia de progresso humano se tornasse uma realidade (o sufrágio universal, a escola gratuita e obrigatória, a universalização do seguro-saúde, o imposto progressivo). É muito provável que o mesmo aconteça no futuro. As desigualdades atuais e as instituições presentes não são as únicas possíveis, apesar do que possam pensar os conservadores, e elas também são chamadas a se transformar e a se reinventar permanentemente.

Mas esta abordagem, centrada nas ideologias, nas instituições e na diversidade das trajetórias possíveis, também se diferencia de certas doutrinas às vezes chamadas de “marxistas”, segundo as quais o estado das forças econômicas e as relações de produção determinariam quase mecanicamente a “superestrutura” ideológica de uma sociedade. Eu insisto, ao contrário, no fato de que existe uma autonomia real da esfera das ideias, isto é, da esfera ideológico-política. Para um mesmo estado de desenvolvimento da economia e das forças produtivas (na medida em que essas palavras têm um significado, o que não é certo), há sempre uma multiplicidade de regimes ideológicos, políticos e desigualitários possíveis.

Por exemplo, a teoria da passagem mecânica do “feudalismo” para o “capitalismo” após a revolução industrial não permite explicar a complexidade e a diversidade das trajetórias históricas e político-ideológicas observadas nos diferentes países e regiões do mundo, especialmente entre regiões colonizadoras e colonizadas, bem como dentro de cada conjunto, e, sobretudo, não nos permite tirar as lições mais úteis para as etapas seguintes.

Ao acompanhar os fios desta história, constatamos que sempre existiram e existirão alternativas. Em todos os níveis de desenvolvimento, existem muitas maneiras de estruturar um sistema econômico, social e político, definir relações de propriedade, organizar um sistema fiscal ou educacional, lidar com um problema de dívida pública ou privada, regular relações entre diferentes comunidades humanas, e assim por diante. Sempre existem vários caminhos possíveis de organizar uma sociedade e as relações de poder e de propriedade dentro dela, e essas diferenças não são apenas detalhes, longe disso. Em particular, existem muitas maneiras de organizar as relações de propriedade no século XXI, e algumas podem constituir um salto muito mais real do capitalismo do que o caminho que consiste em prometer sua destruição sem se preocupar com o que se seguirá.

O estudo das diferentes trajetórias históricas e das muitas bifurcações inacabadas do passado é o melhor antídoto para o conservadorismo elitista e para a expectativa revolucionária da grande noite. Essa atitude de esperar geralmente dispensa a reflexão sobre o regime político e institucional realmente emancipador a ser aplicado após a grande noite, e geralmente leva a confiar em um poder estatal ao mesmo tempo hipertrofiado e indefinido, o que pode se mostrar tão perigoso quanto a sacralização proprietarista à qual se pretende opor. Esta atitude causou consideráveis danos humanos e políticos ao século XX, danos dos quais ainda não terminamos de pagar o preço. O fato de que o pós-comunismo (na sua variante russa e na sua versão chinesa, assim como, até certo ponto, na sua variante do leste europeu, apesar de tudo o que diferencia essas três trajetórias) tornou-se no início do século XXI o melhor aliado do hipercapitalismo é a consequência direta dos desastres comunistas stalinistas e maoistas e o abandono de qualquer ambição igualitária e internacionalista que se seguiu. O desastre comunista conseguiu inclusive colocar em segundo plano os danos provocados pela escravidão, pelo colonialismo e pelas ideologias racialistas, assim como os laços profundos que os vinculam à ideologia proprietarista e hipercapitalista, o que não é pouca coisa.

Vamos ao cerne da questão. O progresso humano existe, mas é frágil e pode fracassar a qualquer momento devido aos desvios desigualitários e identitários do mundo. O progresso humano existe: basta, para se convencer disso, observar a evolução da saúde e da educação no mundo nos últimos dois séculos (…). A expectativa de vida ao nascer aumentou de cerca de 26 anos no mundo em média em 1820 para 72 anos em 2020. No início do século XIX, a mortalidade infantil atingiu cerca de 20% dos recém-nascidos em todo o mundo no primeiro ano, em comparação com menos de 1% hoje. Com foco nas pessoas que atingem 1 ano de idade, a expectativa de vida ao nascer aumentou de cerca de 32 anos em 1820 para 73 em 2020.

Poderíamos multiplicar os indicadores: a probabilidade de um recém-nascido atingir a idade de 10 anos, a de um adulto atingir a idade de 60 anos, a de um idoso passar cinco ou dez anos da aposentadoria com boa saúde. Em todos esses indicadores, a melhoria a longo prazo é impressionante. Podemos, certamente, encontrar países e momentos em que a expectativa de vida diminui, inclusive em tempos de paz, como a União Soviética na década de 1970 ou os Estados Unidos nos anos 2010, o que geralmente não é um bom sinal para os regimes em questão. Porém, a longo prazo, a tendência de melhoria é inquestionável em todas as partes do mundo, independentemente dos limites das fontes demográficas disponíveis.

A humanidade vive agora com melhor saúde do que jamais viveu; também tem mais acesso à educação e à cultura do que nunca. A Unesco não existia no início do século XIX para definir a alfabetização como passou a fazer a partir de 1958, ou seja, como a capacidade de uma pessoa “ler e escrever um enunciado simples e breve relacionado à sua vida diária”. No entanto, as informações coletadas em várias pesquisas e censos sugerem que apenas 10% da população mundial acima de 15 anos era alfabetizada no início do século XIX, em comparação com mais de 85% hoje. Aqui, novamente, indicadores mais refinados, como o número médio de anos de escolaridade, que teria passado de apenas um ano, há dois séculos, para mais de oito anos no mundo de hoje e mais de doze anos nos países mais avançados, confirmariam o diagnóstico. Na época de Austen e Balzac, menos de 10% da população mundial tinha acesso à escola primária; na de [Chimamanda Ngozi] Adichie e de Fuentes, mais da metade das gerações mais jovens dos países ricos ingressam na universidade: o que sempre foi um privilégio de classe torna-se aberto à maioria.

Para perceber a magnitude das transformações em jogo, convém lembrar também que a população humana e a renda média aumentaram mais de 10 vezes desde o século XVIII. A primeira passou de cerca de 600 milhões em 1700 para mais de 7 bilhões em 2020, enquanto a segunda, até onde se pode mensurar, passou de um poder de compra médio (expresso em euros em 2020) de apenas 80 euros por mês e por habitante do planeta em torno de 1700 para cerca de 1.000 euros por mês em 2020. Não é certo, no entanto, que essas progressões quantitativas significativas, em relação às quais é útil lembrar que ambas correspondem a taxas de crescimento médio anual de apenas 0,8%, acumuladas, é verdade, ao longo de três séculos (prova de que não é necessário aponta para um crescimento de 5% ao ano para alcançar a felicidade terrena), representam “progressos” em um sentido tão incontestável quanto aqueles alcançados em termos da saúde e educação.

Nos dois casos, a interpretação dessas evoluções é ambígua e abre debates complexos para o futuro. O crescimento demográfico certamente reflete parcialmente a queda da mortalidade infantil e o fato de um número crescente de pais ter conseguido crescer com os filhos vivos, o que não é nada. Entretanto, esse aumento da população, se continuasse no mesmo ritmo, nos levaria a uma população de mais de 70 bilhões de pessoas em três séculos, o que não parece ser nem desejável nem suportável pelo planeta. O crescimento da renda média reflete parcialmente uma melhoria muito real nas condições de vida (três quartos dos habitantes do mundo viviam perto do nível de subsistência no século XVIII, comparado a menos de um quinto hoje), bem como as novas possibilidades de viagens, lazer, reuniões e de emancipação.

No entanto, as contas nacionais mobilizadas aqui para descrever a evolução a longo prazo da renda média e que desde a sua invenção no final do século XVII e início do século XVIII, no Reino Unido e na França, tentam medir a renda nacional, o produto interno bruto e às vezes o capital nacional dos países, apresentam muitos problemas. Além de seu foco em médias e agregados e sua total falta de consideração das desigualdades, estão começando muito lentamente a integrar a questão da sustentabilidade e do capital humano e natural. Por outro lado, sua capacidade de resumir em um único indicador as transformações multidimensionais das condições de vida e do poder de compra de períodos tão longos não deve ser superestimada.

Em geral, os reais progressos realizados em termos de saúde, educação e poder de compra ocultam enormes desigualdades e fragilidades. Em 2018, a taxa de mortalidade infantil antes de 1 ano era inferior a 0,1% nos países europeus, norte-americanos e asiáticos mais ricos, mas elas atingem quase 10% nos países africanos mais pobres. A renda média mundial certamente era de 1.000 euros por mês e per capita, mas era de 100 a 200 euros por mês nos países mais pobres e era superior a 3.000 a 4.000 euros por mês nos países mais ricos ou mais ainda em alguns micro-paraísos fiscais que algumas pessoas suspeitam (não sem razão) de roubar o resto do mundo, quando não se trata de um país cuja prosperidade se assenta sobre as emissões de carbono e o aquecimento à frente. Alguns progressos foram feitos, mas isso não muda o fato de que sempre é possível fazer melhor ou, em todo caso, de se interrogar seriamente sobre isso, em vez de se entregar a um sentimento de felicidade diante do sucesso do mundo.

Acima de tudo, esse incontestável progresso humano médio, se compararmos as condições de vida prevalecentes no século XVIII e no início do século XXI, não deve nos fazer esquecer que essa evolução de longo prazo esteve acompanhada por terríveis fases de regressão nas igualdades e na civilização. O “Iluminismo” euro-americano e a Revolução Industrial dependiam de sistemas extremamente violentos de dominações proprietaristas, escravistas e coloniais, que assumiram uma escala histórica sem precedentes durante os séculos XVIII, XIX e XX, antes das próprias potências europeias afundarem em uma fase de autodestruição genocida entre 1914 e 1945. Essas mesmas potências foram forçadas as descolonizações nos anos 1950-1960, quando as autoridades estadunidenses acabaram estendendo os direitos civis aos descendentes de escravos.

Os temores do apocalipse atômico ligados ao conflito comunismo-capitalismo mal tinha sido esquecido após o colapso soviético de 1989-1991, e o apartheid da África do Sul mal tinha sido abolido em 1991-1994, quando o mundo entrou, a partir dos anos 2000-2010, em um novo torpor, o do aquecimento global e de uma tendência geral ao fechamento identitário e xenófobo, em um contexto de aumento sem precedentes das desigualdades socioeconômicas nos países desde os anos 1980-1990, impulsionado por uma ideologia neoproprietária particularmente radical. Afirmar que todos esses episódios observados desde o século XVIII ao século XXI eram necessários e indispensáveis para que o progresso humano fosse realizado faria pouco sentido. Outras trajetórias e regimes desigualitários eram possíveis, outras trajetórias e outros regimes mais igualitários e mais justos ainda são possíveis.

Se há uma lição a ser tirada da história mundial dos três últimos séculos, é que o progresso humano não é linear e que seria errado supor que as coisas sempre vão melhorar, e que a livre concorrência dos poderes estatais e dos atores econômicos seria suficiente para nos levar, como por um milagre, à harmonia social e universal. O progresso humano existe, mas é uma luta e, acima de tudo, deve se basear em uma análise fundamentada dos desenvolvimentos históricos passados, com o que eles comportam de positivo e de negativo.(…)

A justificação da desigualdade nas sociedades de proprietários

Basicamente, o argumento formulado pela ideologia proprietarista, de maneira implícita nas declarações dos direitos e nas Constituições, e de maneira muito mais explicitamente nos debates políticos em torno da propriedade que ocorreram durante a Revolução Francesa e ao longo do século XIX, pode ser resumido da seguinte maneira. Se começarmos a questionar os direitos de propriedade adquiridos no passado e sua desigualdade, em nome de uma concepção da justiça social certamente respeitável, mas que inevitavelmente seria sempre imperfeitamente definida e aceita, e nunca poderia ser totalmente consensual, não correríamos o risco de não saber onde parar esse processo perigoso? Não existe o risco de ir direto para a instabilidade política e a caos permanente, o que terminaria se voltando contra os mais modestos? A resposta proprietarista intransigente consiste em que não se deve correr esse risco e que a Caixa de Pandora da redistribuição das propriedades jamais deve ser aberta.

Esse tipo de argumento está constantemente presente durante a Revolução Francesa e explica muitas das ambiguidades e hesitações observadas, particularmente entre as abordagens “históricas” e “linguísticas” dos direitos antigos e de sua transcrição para novos direitos de propriedade. Se questionarmos as corveias e os royalties, não existe o risco de questionar também os aluguéis e todos os direitos de propriedade? Encontraremos esses argumentos nas sociedades de proprietários do século XIX e início do século XXI, e veremos que eles continuam a desempenhar um papel fundamental no debate político contemporâneo, particularmente com o retorno de um discurso neoproprietarista desde o final do século XX.

A sacralização da propriedade privada é, no fundo, uma resposta natural ao medo do vazio. A partir do momento em que abandonamos o esquema trifuncional, que propunha soluções que permitiam equilibrar o poder de guerreiros e clérigos, e que se apoiava em grande parte em uma transcendência religiosa (essencial para garantir a legitimidade dos clérigos e de seus sábios conselhos), é preciso encontrar novas respostas para garantir a estabilidade da sociedade. O respeito absoluto dos direitos de propriedade adquirido no passado fornece uma nova transcendência para evitar o caos generalizado e preencher o vazio deixado pelo fim da ideologia trifuncional. A sacralização da propriedade é de certa forma uma resposta ao fim da religião como uma ideologia política explícita.

Com base na experiência histórica e na construção de um conhecimento racional baseado nessas experiências, parece-me que é possível ir além dessa resposta certamente natural e compreensível, que é ao mesmo tempo um tanto niilista e preguiçosa e pouco otimista em relação à natureza humana. Tentarei, neste livro, convencer o leitor de que podemos nos apoiar nas lições da história para definir um padrão de justiça e de igualdade mais exigente em matéria de regulação e distribuição da propriedade mais além da simples sacralização dos direitos do passado, norma que certamente só pode ser evolutiva e aberta a deliberações permanentes, mas que é menos satisfatória que a opção cômoda que consiste em assumir como dadas as posições adquiridas e naturalizar as desigualdades produzidas pelo “mercado”. Além disso, é sobre essa base pragmática, empírica e histórica que as sociedades socialdemocratas se desenvolveram no século XX (que, apesar de todas as suas insuficiências, mostraram que a extrema desigualdade patrimonial do século XIX não era de forma alguma indispensável para garantir a estabilidade e a prosperidade, muito pelo contrário) e que ideologias e movimentos políticos inovadores podem ser construídos no início do século XXI.

A grande fraqueza da ideologia proprietarista é que os direitos de propriedade do passado frequentemente colocam sérios problemas de legitimidade. Acabamos de vê-lo com a Revolução Francesa, que transformou sem dificuldades as corveias em aluguéis, e encontraremos esta dificuldade em muitas ocasiões, em particular com a questão da escravidão e sua abolição nas colônias francesas e britânicas (onde se decidirá que era essencial compensar os proprietários, mas não os escravos), ou ainda com as privatizações pós-comunistas e os saques privados de recursos naturais. De maneira mais geral, o problema é que, independentemente da questão das origens violentas ou ilegítimas das apropriações iniciais, desigualdades patrimoniais consideráveis, duradouras e amplamente arbitrárias tendem a ser permanentemente reconstituídas, tanto nas sociedades hipercapitalistas modernas quanto nas sociedades antigas.

Não obstante, a construção de um padrão de justiça aceitável para o maior número de pessoas apresenta problemas consideráveis, e só poderemos tratar verdadeiramente desta questão complexa somente após nossa investigação, após o exame das diferentes experiências históricas disponíveis e, em particular, das experiências cruciais do século XX em matéria de progressividade tributária e, mais geralmente, da redistribuição das propriedades, o que forneceu a demonstração histórica material de que a desigualdade extrema não era indispensável, bem como os conhecimentos concretos e operacionais sobre os níveis de igualdade e desigualdade que poderiam ser considerados mínimos. De qualquer forma, o argumento proprietarista, baseado na necessidade de estabilidade institucional, deve ser levado a sério e avaliado com precisão, pelo menos tanto quanto o argumento meritocrático, que insiste mais no mérito individual, argumento que desempenha, sem dúvida, um papel menos central na ideologia proprietarista do século XIX do que na reformulação neoproprietarista em vigor desde o final do século XX. Teremos amplamente a oportunidade de retornar a esses diferentes desenvolvimentos político-ideológicos.

De um modo geral, a ideologia proprietarista dura deve ser analisada pelo que é: um discurso sofisticado e potencialmente convincente sobre certos pontos (porque a propriedade privada, corretamente redefinida dentro de seus limites e direitos, faz, efetivamente, parte dos arranjos institucionais que permitem que as diferentes aspirações e subjetividades individuais se expressem e interajam construtivamente) e, ao mesmo tempo, uma ideologia desigualitária que, na sua forma mais extrema e mais severa, visa simplesmente justificar uma forma particular de dominação social, muitas vezes de maneira excessiva e caricatural.

De fato, é uma ideologia muito prática para aqueles que estão no topo da escala, tanto no que diz respeito à desigualdade entre indivíduos quanto à desigualdade entre nações. Os indivíduos mais ricos encontram argumentos para justificar sua posição em relação aos mais pobres, em nome de seus esforços e méritos, mas também em nome da necessidade de estabilidade que beneficiará a sociedade como um todo. Os países mais ricos também podem encontrar razões para justificar sua dominação sobre os mais pobres, em nome da suposta superioridade de suas regras e instituições. O problema é que esses argumentos e os elementos fatuais apresentados por uns e outros para apoiá-los nem sempre são muito convincentes. Mas antes de analisar esses desenvolvimentos e essas crises, é importante começar por estudar a evolução das sociedades de proprietaristas no século XIX, na França e em outros países europeus, ao final desse momento importante e ambíguo que foi a Revolução Francesa.

Em novo livro, Thomas Piketty propõe “superar o hipercapitalismo”

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AFP – Extraído de Isto É Dinheiro – 13/09/2019.

O economista francês Thomas Piketty propõe superar o hipercapitalismo atual para combater as desigualdades com o objetivo de deter um avanço “identitário extremamente perigoso”, em uma entrevista à AFP por ocasião da publicação de seu novo livro, “Capital e Ideologia”.

Considerado uma figura estelar da economia, o professor da Escola de Economia de Paris publica o novo livro de mais de 1.200 páginas seis anos depois do sucesso mundial da obra anterior, “O Capital no Século XXI”, que já vendeu mais de 2,5 milhões de exemplares.

P: O que busca demonstrar em seu novo livro?

R: Neste livro, tento mostrar que na história já aconteceram grandes mudanças ideológicas. Ainda pensamos que a estrutura das desigualdades não mudará, que as coisas são sólidas como uma rocha. Mas todas as ideologias acabam sendo substituídas por outros sistemas de organização das relações sociais e de propriedade. Vai acontecer o mesmo com o regime atual.

P: Como?

R: Precisamos retomar o fio, com calma, serenidade, tentando discutir soluções para superar o hipercapitalismo atual, à luz das experiências históricas. A boa notícia é que todos os regimes políticos desiguais terminam se transformando, geralmente com momentos de crise mais violentos do que se gostaria. Eu desejaria que isso pudesse ser feito pacificamente, através da deliberação democrática, com eleições. Às vezes existem momentos imprevistos de crise, como o Brexit. Em tais momentos, como demonstra a história, é necessário recorrer aos repertórios de ideias produzidas no passado.

P: Qual o risco de não debater as desigualdades?

R: Se nos negamos a falar sobre a superação do capitalismo por uma economia mais justa e descentralizada, corremos o risco de continuar fortalecendo as narrativas do avanço identitário, do avanço xenófobo. Estas são história niilistas extremamente perigosas para nossas sociedades que se alimentam da recusa em discutir soluções justas, internacionalistas, soluções igualitárias de reorganização do sistema econômico.

P: Você é severo a respeito da evolução da sociedade desde a queda do império soviético.

R: É hora de fazer um balanço das decisões tomadas desde os anos 80 e 90. No início da década de 2020 podemos ver seus limites com uma globalização altamente desigual, que é desafiada por muitos e que nutre avanços identitários extremamente perigosos. A revolução conservadora de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, assim como a queda do comunismo soviético, deram uma espécie de impulso a uma nova fé, às vezes ilimitada, na autorregulação dos mercados, na sacralização da propriedade. Mas é um movimento que, acredito, está chegando ao fim.

P: Qual a influência da queda do Muro de Berlim, há 30 anos, na evolução das desigualdades?

R: O ano de 1989 dá lugar a um mundo no qual a desilusão pós-comunista leva a uma espécie de sacralização do hipercapitalismo. O comunismo no século XX, depois de apresentar-se como o desafio mais formidável à ideologia dos proprietários, terminou se transformando no melhor aliado do hipercapitalismo precisamente por seu fracasso. Depois de 1989, deixamos de pensar na questão do excesso de desigualdade no capitalismo, a necessidade de regular, de superar o capitalismo. O caso extremo é a Rússia, onde não existe nenhum imposto sobre a herança, nem imposto de renda progressivo. Nem Donald Trump, em seus sonhos mais loucos, pensa em algo assim.

P: O Partido Comunista ainda está no poder na China…

R: A história é diferente na China, mas você tem o desastre maoista, da revolução cultura. Existe o papel dominante do Partido Comunista, mas também há uma negativa a superar a desigualdade gerada pela propriedade privada. A China, como a Rússia, não tem imposto sobre a herança. O caso de Hong Kong é inédito porque é o único país do mundo que se tornou mais desigual depois de se tornar comunista. Existia um imposto sobre a herança que foi eliminado após a devolução para a China.

P: Não teme utilizar a palavra “socialista”, que não está mais na moda?

R: Não tenho medo. Acredito que o socialismo democrático, que é a social-democracia, trouxe consigo não apenas esperança, mas também um tremendo sucesso durante o século XX.

 

 

 

 

 

 

Desemprego, subemprego, informalidade e desagregação social

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A economia brasileira passa por um dos momentos mais negativos dos últimos anos, estamos completando mais de cinco anos de baixo crescimento e aumento da exclusão social, com impactos sobre as mais variadas famílias, gerando desagregação social, violência e desesperança, onde as políticas públicas são vistas como as únicas alternativas de muitos grupos sociais.

Neste período de crescimento econômico medíocre, encontramos um aumento substancial da informalidade, pessoas antes empregadas com carteira assinada e benefícios variados hoje não conseguem mais se integrar no mercado de trabalho e passam a viver de trabalhos esporádicos, sem proteção e entregues à própria sorte, se não tivéssemos ainda alguma proteção social por parte do Estado estaríamos, com certeza, na pior das barbáries.

Diante deste quadro de forte degradação no emprego, percebemos o incremento do discurso de que na sociedade contemporânea não teremos mais empregos, todos seremos livres e ficaremos desimpedidos para nos dedicarmos aos projetos que quisermos, aqueles que mais nos trouxerem retornos, um mundo de contos de fadas onde todos estarão felizes e satisfeitos, tenham paciência e se capacitem para este novo momento que está em curso e, muito brevemente, estará presente na vida de todos nós.

Interessante esta visão otimista e altamente motivadora que domina alguns dos consultores e especialistas aficionados pelo crescimento da tecnologia e das mudanças em curso no mercado de trabalho, suas pesquisas mostram como será a nova dinâmica no mercado de trabalho, novas oportunidades estão em curso e se alguns conseguem, vocês também devem se dedicar que vão conseguir, agora se não conseguirem os responsáveis pelos fracassos serão vocês mesmos, faltou esforço, faltou estudo e faltou uma visão mais consistente sobre as necessidades e as oportunidades que estão sendo inauguradas num futuro muito próximo.

Esta visão nos parece bastante fantasiosa e cheia de ideologias de prosperidade, esquecem porém, que estamos numa sociedade marcada por muitas desigualdades que perduram por séculos, uma sociedade que traz em suas entranhas heranças de séculos de escravidão e desmandos dos mais variados possíveis, onde temos um grande contingente de pessoas na informalidade e a média salarial não passa de R$ 1500,00, sendo marcados por uma educação precária para a massa e subsídios vultosos e sempre muito generosos para os grupos mais vulneráveis, o crescimento desta visão tende a consolidarmos uma sociedade cada vez mais desigual, preconceituosa e atrasada.

Acreditamos que o futuro nos reserva mais transformações, a tecnologia vem modificando a vida de todos os indivíduos, todas as regiões e países sentem os impactos destas alterações motivadas pela tecnologia, com isso, novas oportunidades chegarão e deveremos estar preparados para usufruir deste novo mundo, mas para isso precisamos ter em mente, que grande parte da população deste país não apresenta os requisitos mínimos para a competição em escalas internacionais, muitos deles nunca frequentaram uma escola e apresentam péssimas condições de sobrevivência, sendo condenados a um futuro de grandes privações, como aquelas que se fizeram presentes em suas vidas desde a mais tenra idade, quando conviveram com avós, tios e familiares em situação de miséria e de degradação.

Sem qualificação estes trabalhadores estarão condenados a indignidade, muitos deles se debruçam, todos os dias, nas fileiras da ilegalidade, se entregam aos pequenos roubos e gastam seus recursos indignos em produtos que simulam prazer e satisfação, drogas e vícios variados que os perpetuam numa situação de miserabilidade e de grande insegurança. Todos sabemos que estes indivíduos já foram condenados a dois caminhos em sua trajetória de vida: marginalidade, criminalidade e prisão ou morte em decorrência de confrontos com as forças de segurança da sociedade. Dificilmente encontraremos outro caminho ou alternativa nestas condições e estamos nos colocando em uma posição que tendemos a incrementar estas desigualdades e fomentando o ódio e o ressentimento.

Vivemos numa sociedade marcada por um dualismo absurdo, de um lado percebemos a existência de grupos sociais dotados de grandes recursos materiais, pessoas que trabalham legalmente em empregos bem remunerados, para isso estudaram e se prepararam para o futuro, muitos deles conseguiram passar por escolas altamente qualificadas e acumularam diplomas de excelência, que lhes garantiram uma sólida condição social, estes indivíduos vivem em uma situação de requintes e sem privações materiais. No mundo da ostentação, viajam todos os anos, conhecem vários países e regiões, desfrutam de um lixo jamais imaginado por grande parte da população brasileira.

De outro lado encontramos uma outra gama de pessoas, uma grande maioria, são indivíduos desprovidos dos mais simples produtos essenciais para a sobrevivência, são privados dos alimentos básicos e estão entregues a uma situação de subalternidade, sem as políticas públicas e sem a caridade dos outros dificilmente conseguiriam sobreviver.

Nesta semana encontramos o depoimento de um procurador de Minas Gerais que reclamou nas suas redes sociais de seus parcos rendimentos, míseros R$ 24 mil ao mês, a repercussão foi tanta que a mídia foi investigar seus “parcos” vencimentos e chegou a conclusão que a média salarial deste modesto funcionário público foi de quase R$ 60 mil ao mês, estes rendimentos incorporavam seus penduricalhos, que no caso mais do que dobravam seus ganhos. Com este caso podemos perceber como vivemos em uma sociedade que se degrada a olhos vistos, uma elite podre e corrompida que não quer perceber o crescimento da indignidade e da pobreza, se encastelando em condomínios de luxos e cercados de seguranças fortemente armados, infelizmente, estamos muito longe de sermos o país do futuro.

Esta sociedade se caracteriza por possuir em suas fronteiras nacionais um dos territórios mais ricos, produtivos e valorizados da economia internacional, neste território encontramos riquezas expostas em todos os locais, desde lagos, rios e vegetações variadas com clima propício e agricultura de grande rentabilidade. Neste ambiente encontramos riquezas visíveis e, mas ao mesmo tempo, estas riquezas convivem lado a lado com uma pobreza generalizada, com indivíduos vivendo e sobrevivendo em condições indignas e cujas perspectivas de melhorias são bastante limitadas.

Neste ambiente marcado por empresas pouco eficientes, que sobrevivem por um longo período de proteção estatal escancarada, onde a escolarização da população ainda não se universalizou e os problemas educacionais ainda nos constrangem em competições internacionais, como no exame de Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e cujas performances brasileiras são bastante negativas, sempre aparecendo nos últimos lugares deste ranking.

Na economia brasileira contemporânea, o país apresenta grandes dificuldades para aumentar os investimentos produtivos, sem estes investimentos a economia não consegue gerar os empregos necessários para garantir o crescimento econômico para diminuir as desigualdades que cresceram de forma acelerada nestes últimos seis anos, obrigando o Estado a incrementar as políticas públicas para reduzir os desequilíbrios estruturais da sociedade.

O grande problema do desemprego atual é que, pela primeira vez, os mais afetados por estas transformações são os profissionais liberais e a classe média, os grupos mais vulneráveis foram fortemente impactados pelas tecnologias anteriores, enquanto a classe média passa a sentir este desemprego, sem respostas imediatas e sem capacidade para empreender estas transformações, passam a bradar aos quatro ventos seus medos, frustrações e desesperanças.

Com receio de perder seu estilo de vida e seus luxos possíveis, passam a se entregar a uma carga de trabalho cada vez maior, dedicando cada vez mais seu tempo para o trabalho, para se qualificar e se capacitar, deixando de lado questões de grande relevância para todos os indivíduos, relacionamentos, famílias e saúde pessoal. Logo chegará um tempo, que não tardará, para se perceber vítima de uma grande emboscada, todo seu sucesso material não será suficiente para lhe garantir um equilíbrio e uma solidez em família, bolsos ricos convivendo com solidão e desesperanças emocionais e psicológicas.

Com o incremento do desemprego, do subemprego e da informalidade, os trabalhadores passam a perder os benefícios que possuem com a carteira assinada, sem estes benefícios pressionam os serviços públicos e passam a demandar do Estado uma atenção maior, mais recursos com assistência social e, principalmente mais gastos com a capacitação e requalificação dos trabalhadores desempregados, jogando a economia em uma equação cruel. Os governos arrecadam menos impostos e são obrigados a dispender uma maior quantidade de recursos para socorrer estas populações, levando os cofres públicos a situações dignas de penúrias, deixando de lado outros investimentos e gastos fundamentais.

No outro lado da equação encontramos empresários sacando gordos empréstimos subsidiados pelo Estado, recursos oriundos dos trabalhadores destinados a beneficiar empresas que pouco investem em qualificação e capacitação de trabalhadores, impostos reduzidos e subsídios variados para os donos do capital, isenção em aplicações financeiras e variados benefícios para os donos do poder, até quando os grupos menos favorecidos vão continuar pagando a farra com os ditos escassos recursos públicos?

Olhando pela lógica individual, o desemprego longo e acelerado acaba gerando graves constrangimentos sociais e familiares, nesta situação, muitas famílias são desfeitas e muitos relacionamentos chegam ao fim, levando filhos a deixarem as escolas e acabando com as pequenas chances de melhorias sociais e de ascensão na comunidade. A ascensão social que sempre caracterizou o sistema capitalista, uma verdadeira revolução quando este sistema passou a dominar a sociedade, na contemporaneidade esta ascensão se tornou muito difícil, para muitos jovens nascidos na periferia esta ascensão é quase impossível, a não ser que este garoto desenvolva habilidades esportivas ou artísticas, ascendendo como cantor, compositor ou como jogador de futebol.

Na situação atual da sociedade brasileira, é fundamental encontrarmos instrumentos para reduzir estes indicadores sociais negativos, algumas sugestões estão sendo colocadas pelo governo, como a liberação do FGTS e do PIS/PASEP, que teve início em setembro, mas os impactos esperados não são os mais auspiciosos, muitos acreditam em um auxílio de 0,3% no crescimento econômico, números estes insuficientes para reativar a economia e estimular os investimentos, requisito primeiro para diminuir os dramas vividos pela sociedade brasileira. Para muitos economistas, o incremento nos gastos públicos  poderiam reativar a economia, esta seria uma forma de movimentar o sistema econômico e reativar os investimentos, incrementando o mercado de trabalho, mas como estamos percebendo o governo não acredita neste caminho e aposta em propostas ditas estruturais, tais como privatizações, desregulamentações, concessões e desestatizações, que demandam mais tempo e cujos resultados futuros podem ser contestáveis se analisarmos a literatura e as experiências internacionais.

Neste ambiente e no ritmo das políticas implementadas pelo governo ainda permaneceremos durante muito tempo nesta situação, mesmo sabendo que os mais afetados estão em condições de indignidade, parece-nos claro que as prioridades do governo e das elites econômica e financeira não são os desempregados. Sem investimentos públicos e com as crises políticas recorrentes, dificilmente conseguiremos um crescimento robusto nos próximos anos e as condições sociais tendem a permanecerem em situação deplorável, marcadas por incertezas e inseguranças.

As propostas de privatização dos governos federal e estadual devem ser vistas com atenção pela sociedade, muitas empresas públicas perderam eficiência e passaram a acumular um excesso de burocracia, esta nova agenda deve nortear as decisões estratégicas dos governos, as incertezas permanecerão sempre negativas se as propostas não forem colocadas em prática e se as promessas não se concretizarem. Outro ponto de grande relevância nestas várias reformas propostas pelo governo e que devem ser implantadas para que tenhamos uma maior justiça social é a taxação de aplicações financeiras, a regulamentação das grandes fortunas, a redução das isenções fiscais e financeiras, afinal, quando percebemos a situação de degradação econômica por que passa este país, com milhares de brasileiros saindo e buscando novas oportunidades em outras regiões do mundo e tomamos contato com os bilionários lucros dos bancos em um ambiente de convulsão social, percebemos que nos encontramos em um momento único de reconstrução deste país, para transformá-lo em uma sociedade que olha para o futuro com a cabeça erguida e consciente de seu potencial e de suas necessidades.

Larry Summers diz que ameaça de ‘japanificação’ dos EUA eleva chance de recessão no Brasil

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Economista diz que taxas de juros perto de zero e sistema bancário problemático travariam progresso

Érica Fraga – Folha de São Paulo – 15/09/2019

SÃO PAULO

O risco de os Estados Unidos mergulharem em uma nova recessão até o fim do próximo ano é, hoje, “substancialmente maior” do que há seis meses.

A opinião é de Larry Summers, um dos mais proeminentes economistas americanos, que foi secretário do Tesouro de Bill Clinton e assessor de Barack Obama, além de ter presidido a Universidade Harvard, onde ainda leciona.

Segundo ele, países desenvolvidos estão à beira a estagnação secular, sujeitos a recuperações fracas e repetidos mergulhos recessivos.

Nos Estados Unidos, ele vê uma probabilidade pouco inferior a 50% de que a lenta recuperação desde a crise financeira de 2008 se converta em um novo ciclo de contração da atividade.

“Dadas as consequências de uma recessão, é um resultado muito adverso”, disse o economista em entrevista por telefone à Folha, na quarta-feira (11).

Segundo ele, uma nova recessão levaria a maior economia do mundo a entrar em um processo de “japanifização”, termo usado em referência às quase três décadas de luta do país asiático contra a deflação e o baixo crescimento.

Se esse for o destino dos Estados Unidos, Summers alerta que países emergentes como o Brasil também podem ser afetados.

“Num ambiente de recessão americana, por exemplo, seria mais difícil para a América Latina atingir progresso e integração”,diz.

A situação brasileira nos últimos anos, segundo ele, foi complicada pelas evidências de que fatores como infraestrutura inadequada, corrupção e incerteza política se mostraram “um problema maior do que muitas pessoas teriam imaginado há alguns anos”.

Crítico das políticas do presidente americano, Donald Trump, Summers diz acreditar que a guerra comercial travada com a China tem piorado a situação econômica:

“Acho que o governo atual está incorrendo em riscos desnecessários. A guerra comercial tem aumentado a incerteza, levando a uma queda do investimento e a um aumento da poupança”.

No atual contexto de incapacidade da política monetária de animar a economia, ele defende uma elevação dos gastos do governo americano em áreas como infraestrutura.

O economista preferiu não fazer comentários sobre as chances de vitória de um candidato democrata na eleição presidencial de 2020.

Quando a economia americana parou de crescer num ritmo sustentável?

Acho que, em retrospectiva, agora conseguimos ver sinais disso ocorrendo 15 anos atrás ou mais.

A economia americana cresceu num ritmo razoavelmente rápido antes da crise financeira. Mas, a fim de impulsionar aquele crescimento, precisávamos de bolhas de ativos extremas, um grande aumento da alavancagem e uma política monetária extremamente frouxa com elevados déficits orçamentários.

Na ausência desses desenvolvimentos anormais, a economia provavelmente teria estado muito mais fraca antes da crise financeira.

As dificuldades que encontramos foram que aqueles desenvolvimentos estavam associados a excessos financeiros, que então levaram à crise. Desde então, a estagnação secular tem sido confirmada pelo ritmo vagaroso da recuperação.

O PIB [Produto Interno Bruto] americano hoje relativo ao seu nível em 2008 não é muito melhor –se for algo melhor– do que era em 1940 em relação a 1929.

Como o sr. avalia a política econômica do atual governo americano para evitar uma possível recessão? 

Acho que o governo atual está incorrendo em riscos desnecessários.

A guerra comercial [com a China] tem aumentado a incerteza, levando a uma queda do investimento e a um aumento da poupança. O que isso faz é complicar os problemas econômicos e reduzir a demanda.

A interferência em relação a outros países, por meio da imposição de tarifas, está reduzindo a competitividade dos produtores americanos e dificultando a venda dos nossos bens em mercados externos.

A guerra de tarifas está tendo o efeito contrário do desejado? 

Exatamente, acho que é contraproducente.

Além disso, a decisão de reduzir impostos substancialmente antes de termos qualquer tipo de desaceleração econômica, consumindo nosso canhão fiscal pode se provar custosa. Então, não acho que o governo tem agido de forma inteligente para evitar uma recessão.

Quais são os riscos de uma recessão no curto prazo? 

O risco de que tenhamos uma recessão no próximo ano e meio, durante o mandato do presidente Trump, não é muito menor do que 50%. Dadas as consequências de uma recessão, é um resultado muito adverso.

O sr. disse recentemente que a economia americana está a uma recessão da “japanificação”. O que isso significa? 

A “japanificação” da economia americana significa uma situação em que as taxas de juros estão quase permanentemente estabelecidas em zero, o sistema bancário está em uma condição problemática e as autoridades podem tentar o quanto quiserem, mas não conseguem elevar a inflação.

Quais seriam as consequências de uma “japanificação” americana para a economia global e, particularmente, para os mercados emergentes? 

Uma economia americana fraca complica a capacidade de os Estados Unidos de proverem liderança no mundo; do ponto de vista econômico, como o mercado de última instância para as exportações; e, do ponto de vista político, como o país que fez tanto para manter a estabilidade, por meio das organizações internacionais, mas não apenas dessa forma.

Num ambiente de recessão americana, por exemplo, seria mais fácil para a América Latina atingir progresso e integração.

Qual seria o impacto econômico disso para países como o Brasil?

 Acho que as chances de uma recessão aumentariam porque haveria menos demanda para seus produtos, e tanto menos capacidade quanto menos apetite de risco por parte das empresas americanas para fazer investimentos estrangeiros.

Quão grande é esse risco? 

Embora a chance seja um pouco menor do que 50%, ela parece substancialmente maior agora do que há seis meses.

O Brasil vive uma lenta recuperação após três anos da recessão, com desemprego e subemprego altos. Alguns economistas locais dizem que o país pode estar vivendo uma histerese [efeitos duradouros ou permanentes criados por longas crises]. Que consequências isso pode ter? 

Isso protela a desaceleração, a incerteza, a interferência no crescimento.

Com certeza, isso deixa o Brasil com um bloco de capital produtivo substancialmente menor do que era esperado por economistas brasileiros há cinco ou dez anos.

E, por fim, isso leva a um crescimento lento e a uma menor produção.

Surpreende que o Brasil esteja crescendo tão pouco? 

Acho que temos visto que há problemas estruturais muito mais profundos –como infraestrutura inadequada, corrupção, incerteza sobre o ambiente político– e tudo isso é um problema maior no Brasil do que muitas pessoas teriam esperado há alguns anos.

A situação de crescimento mais fraco da economia global reduz as chances de os mercados emergentes fazerem sua renda convergir para o nível dos países ricos?

 Acho que muitos países são muito afetados pela maré da economia global.

Quando essa maré está mais baixa, seu desempenho econômico não será bom.

E acho que estamos diante de uma maré baixa na atividade econômica global por alguns anos pela frente.

Há o risco de redução permanente na capacidade de crescimento dos países emergentes se a economia global mantiver uma tendência de expansão mais fraca no longo prazo?

 [O contexto] Demandará que eles tenham políticas sólidas, para encontrar fontes de demanda doméstica que, esperemos, garanta que esse estágio de crescimento lento não seja permanente.

Quais são as políticas que os países desenvolvidos deveriam adotar para evitar a estagnação secular?”. Acho que precisaremos de uma maior ênfase em políticas que estimulem a oferta, assim como políticas estruturais e fiscais, e menor foco em políticas puramente monetárias e financeiras, que já fizeram o que podiam para a estimular a economia.

Em que os países desenvolvidos deveriam investir?

Isso varia de país para país. Acho que, no caso dos Estados Unidos, as duas prioridades principais são investimentos em inovação e em infraestrutura pública.

O sr. acha que as medidas necessárias serão tomadas? E a situação aumenta a chance de eleição de um candidato democrata em 2020? 

Não vou tentar prever política. Mas como afirmam que Winston Churchill dizia sobre os Estados Unidos: nós normalmente fazemos a coisa certa, mas só depois de esgotar as alternativas.

LARRY SUMMERS, 64

Bacharel pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) e doutor pela Universidade Harvard, ambos em economia. É atualmente professor de Harvard, instituição que presidiu de 2001 a 2006. Foi secretário do Tesouro dos Estados Unidos, entre 1999 e 2001, durante o governo democrata de Bill Clinton. Voltou a ocupar um cargo proeminente em uma gestão democrata, quando dirigiu o Conselho Econômico Nacional e foi o principal conselheiro econômico de Barack Obama, de 2008 a 2010. Entre 1991 e 1993, foi economista-chefe e vice-presidente do Banco Mundial

Anatomia da próxima recessão global, por Nouriel Roubini

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Aos desequilíbrios financeiros já conhecidos, somam-se três prováveis choques de abastecimento – todos gestados pelos EUA. Agora, de nada adiantará inundar de dinheiro os mercados. Das entranhas de uma crise, pode surgir outra maior

Há três choques negativos de abastecimento que poderiam desencadear uma recessão global em torno de 2020. Todos refletem fatores políticos que envolvem relações internacionais. Dois envolvem a China, e os Estados Unidos estão no centro de todos. Mais importante: nenhum deles pode ser aplacado pelas ferramentas tradicionais de política macroeconômica contracíclica.

O primeiro choque potencial deriva da guerra comercial e monetária entre Estados Unidos e China, que ampliou se no mês passado, quando o presidente norte-americano, Donald Trump, ameaçou impor tarifas adicionais às exportações chinesas e rotulou formalmente a China como “manipuladora de moedas”. O segundo diz respeito à guerra fria de lenta maturação entre EUA e China sobre tecnologia. É uma rivalidade com todas as marcas de “Armadilha de Tucídides”. A China e os EUA disputam entre si o domínio sobre as indústrias do futuro: inteligência artificial (IA), robótica, 5G e outras. Os EUA incluíram a gigante chinesa Huawei em sua lista de companhias estrangeiras que representam, supostamente, uma ameaça à segurança nacional. Embora a Huawei tenha se beneficiado de exceções temporárias, que lhe permitem continuar usando componentes norte-americanos, o governo Trump anunciou, esta semana, que está acrescentando 46 parceiras da Huawei à lista.

O terceiro grande risco relaciona-se às fontes de abastecimento de petróleo. Embora os preços tenham caído nas últimas semanas, e uma recessão desencadeada por uma guerra comercial, monetária e tecnológica tenda a deprimir a demanda por energia e reduzir os preços, um confronto dos EUA contra o Irã poderia ter efeito oposto. Se ele degenerasse em confronto militar, os preços globais do petróleo poderiam disparar e provocar uma recessão, como ocorreu nas conflagrações anteriores no Oriente Médio em 1973, 1979 e 1990.

Todos estes três choques potenciais teriam efeitos estagflacionários, elevando o preço de bens de consumo importados, componentes intermediários e tecnológicos, além da energia – reduzindo, ao mesmo tempo, a produção, ao cortar cadeias internacionais de abastecimento. Pior: o conflito movido pelos EUA contra a China já está impulsionando um processo mais amplo de desglobalização, porque os países e empresas já não podem contar com estabilidade de longo prazo nas cadeias integradas de valor. À medida que o comércio de bens, serviços, capital, trabalho, informação, dados e tecnologia tornar-se cada vez mais balcanizado, os custos de produção global crescerão em todos os setores.

Além disso, a guerra comercial e monetária e a competição tecnológica amplificarão umas às outras. Considere o caso do Huawei, hoje líder global em equipamentos 5G. Esta tecnologia será em breve a forma-padrão de conectividade para a infraestrutura civil e militar mais crítica – para não mencionar os bens de consumo que estão conectados por meio da emergente Internet das coisas. A presença de um chip 5G implica que tudo (de uma torradeira a uma máquina de café) poderia se converter num aparelho de escuta. Significa que se a Huawei for amplamente vista como uma ameaça à segurança nacional, também o seriam milhares de exportações de bens de consumo chineses.

É fácil imaginar como a situação atual poderia levar a uma implosão em grande escala do sistema global de comércio. A questão, portanto, é se os formuladores de políticas monetárias e fiscais estão preparados para um choque prolongado – ou mesmo permanente – de abastecimento.

Na sequência dos choques de estagflação dos anos 1970, estes formuladores apertaram as políticas monetárias. Agora, porém os grandes bancos centrais, como o Fed norte-americano, já estão praticando o afrouxamento das políticas monetárias, porque a inflação e as expectativas de inflação permanecem baixas. Qualquer pressão inflacionária de um choque de petróleo será vista pelos bancos centrais como um mero efeito no nível de preços, mais que uma alta persistente da inflação.

Ao longo do tempo, os choques de abastecimento tendem a se converter em choques negativos de demanda, que reduzem tanto o crescimento quanto a inflação, ao deprimirem o consumo e os investimentos. Sob as condições atuais, os gastos das empresas nos EUA e em todo o mundo já estão severamente deprimidos, devido às incertezas sobre a probabilidade, severidade e persistência dos três choques potenciais.

Na verdade, à medida em que empresas dos EUA, Europa, China e outras partes da Ásia reduziram os gastos de capital o setor global de tecnologia, manufatura e indústria já está em recessão. A única razão para isso não ter se traduzido em recessão global é que o consumo privado permanece forte. Se os preços dos bens importados subir mais, como resultado de qualquer um destes três choques de abastecimento, o aumento da renda real (ajustada à inflação) disponível das famílias sofreria um choque, o mesmo ocorrendo com a confiança dos consumidores, o que conduziria a economia global a uma provável recessão.

Dado o potencial para um choque negativo de demanda no curto prazo, os bancos centrais estão corretos ao reduzir as taxas de juros. Mas os responsáveis pelas políticas fiscais deveriam também se preparar para uma resposta de curto prazo. Um declínio agudo no crescimento e na demanda agregada convidaria ao afrouxamento fiscal contracíclico, para evitar uma recessão muito severa.

A médio prazo, porém, a melhor resposta não seria uma acomodação aos choques de abastecimento, mas um ajuste a eles, sem novos afrouxamentos. Afinal de contas, os choques de abastecimento oriundos de uma guerra comercial e tecnológica seriam mais ou menos permanentes, assim como a redução do crescimento potencial. O mesmo aplica-se ao Brexit: deixar a União Europeia condenará o Reino Unido a um choque de abastecimento permanente e, portanto, a um potencial de crescimento menor, a longo prazo.

Tais choques não podem ser revertidos por meio de políticas monetárias ou fiscais. Embora eles possam ser geridos, no curto prazo, tentativas de mitigá-los permanentemente acabariam levando tanto a um aumento da inflação quanto das expectativas de inflação, que subiriam muito além das metas dos bancos centrais. Nos anos 1970, os bancos centrais mitigaram dois grandes choques de petróleo. Os resultados foram o crescimento, de forma duradoura, da inflação e das expectativas de inflação; déficits fiscais insustentáveis e rápido crescimento da dívida pública.

Por fim, há uma importante diferença entre a crise financeira global de 2008 e os choques de abastecimento que poderiam atingir a economia global hoje. Como naquele ano houve principalmente um grande choque de demanda, que deprimiu o crescimento e a inflação, foi possível enfrentá-lo, de forma adequada, com estímulos monetários e fiscais. Mas desta vez, o mundo estaria se deparando com choques prolongados de abastecimento, que iriam requerer um tipo muito distinto de resposta política a médio prazo. Tentar consertar o dano por meio de estímulos monetários e fiscais de duração indefinida não seria uma opção inteligente.

 Sexo, sexualidades e os dramas dos desequilíbrios sexuais

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O mundo contemporâneo vive momentos de excessiva mercantilização, os indivíduos compram e vendem de tudo neste novo mercado capitalista, desde produtos, mercadorias e serviços até amor, sexo e amizades, as negociações são intensas e o comércio cresce de forma acelerada, transformando tudo em negócios lucrativos e negociáveis, como os chamados homem econômico que subsidia as bases da economia moderna.

Nesta sociedade, os valores materiais estão se sobrepondo aos valores do espírito, a religião tende ao predomínio dos valores monetários, deixando de lado os valores enobrecedores que sempre foram as bases das verdadeiras religiões, que agem como seu conceito mais consistente, a religação do indivíduo a uma força ou um ser superior. Os templos são suntuosos, os cofres destas igrejas estão abarrotados de recursos amoedados, os indivíduos mais abastados garantem uma grande soma de dinheiro em troca dos deslizes cotidianos, compramos de tudo e usamos os recursos materiais para tentar limpar a nossa consciência, tão congestionada com os valores do dinheiro e do imediatismo do momento.

Neste mundo em constantes transformações percebemos uma grande movimentação nos mercados do sexo, novas formas de sexualidade estão gerando constrangimentos nas famílias e nos indivíduos, levando a violência física e ao desequilíbrio moral, degradando os valores e criando desavenças e desestruturações familiares, além de medos e inseguranças. A sexualidade reprimida de muitas pessoas encontra neste mercado uma larga oportunidade de desequilíbrios e desajustes, neste mercado o sexo é estimulado, sem responsabilidades e compromissos, e com valores monetários envolvidos crescendo de forma acelerada e garantindo lucros extraordinários de uns poucos em detrimento de outros.

O sexo vem perdendo seus mais intensos sentimentos, a sexualidade irresponsável busca prazeres imediatos e fogem das responsabilidades, os indivíduos buscam os gozos e não os compromissos, querem uma vida marcada por divertimentos e sem compromissos, como nos informa o grande sociólogo polonês Zygmunt Baumann, na obra Amor Líquido. Nesta obra, o autor reflete sobre os novos relacionamentos, todos centrados na busca pelo prazer e no distanciamento dos transtornos e das decepções, sem ligações e sem retornos, sem compromissos e sem decepções e comprometimentos.

Neste novo mercado encontramos um potencial explosivo, somente o mercado do sexo e da sexualidade movimentam mais de US$ 400 bilhões anualmente, agitando um mercado bilionário, caracterizado por filmes, viagens, turismos, academias, estética e beleza, gerando empregos e movimentando os sistemas econômico, financeiro e bancário. O mercado percebeu rapidamente que as energias emanadas do sexo são uma das mais potentes do ser humano, um potencial avassalador que quando utilizado de uma forma serena pode gerar frutos positivos e imediatos, mas quando usados de forma equivocada tende a gerar constrangimentos violentos, dores e desequilíbrios intensos nos cidadãos.

As informações trazidas pela Doutrina Espírita nos levam a reflexões intensas, mostrando-nos que muitos dos desequilíbrios oriundos da sociedade estão relacionados aos desajustes sexuais, sexualidade destrutiva, gerando dores em irmãos que partiram para o mundo espiritual e ainda se encontram muito fortemente atrelados as energias sexuais, estes indivíduos apresentam grandes dramas na sexualidade, vivem pensando em sexo, em prazeres sexuais e desejos escabrosos, perpetuando diuturnamente como satisfazer estas vontades, com isso, se aproximam dos casais mais incautos e se satisfazendo mais intimamente, parasitando os desejos alheios e permanecendo muito atrelado ao sexo e aos gozos imediatos.

A Doutrina Espírita nos mostra a importância do sexo na sociedade, as relações devem ser responsáveis e os valores nelas envolvidos devem ser sólidos, os indivíduos devem ver o sexo como uma grande oportunidade de crescimento e de consolidação de uma base moral e espiritual mais consistente nos indivíduos, um movimento que pode culminar em relacionamentos mais intensos e estruturados, chegando muitas vezes na construção de uma nova família, baseada em valores mais verdadeiros de amor, respeito e solidariedade.

São muitas as obras espíritas que nos trazem informações sobre a temática da sexualidade, dentre eles destacamos Sexo e destino, ditado por André Luiz e Vida e Sexo, ditado pelo espírito Emmanuel, ambos psicografados pelo médium Francisco Cândido Xavier. Estas obras analisam a questão do sexo, suas energias e as responsabilidades e vínculos que geram entre os indivíduos, afinal nesta permuta de energias os espíritos trocam mais do que valores materiais, se integram e se tornam mais humanos e sentimentais.

Relacionamentos ocasionais e esporádicos são cada vez mais constantes nesta sociedade, a busca do prazer aumenta e as consequências muitas vezes são deixadas de lado, nestes casos muitos são surpreendidos com uma gravidez indesejada que se levada a cabo pode trazer graves constrangimentos para os envolvidos, desde desequilíbrios futuros até constrangimentos para o herdeiro que retorna do mundo espiritual, tendo nos pais pouco responsáveis e imaturos um envolvimento direto e uma responsabilidade intensa por seus passos futuros.

O espiritismo nos mostra que nos relacionamentos irresponsáveis e nos encontros esporádicos, sem sentimentos e valores desconexos, ocorridos em locais insalubres e deselegantes, muitos casais são acompanhados por entidades de baixo padrão vibratório, irmãos que mesmo desencarnados ainda não conseguiram se desvincular do mundo material, sua busca por prazer é tão insana que se refugiam em locais de vibrações semelhantes para se satisfazer com os prazeres de casais incautos e desequilibrados. Muitos relacionamentos estão marcados pela presença de inúmeras entidades, o casal foge para um local distante e acredita estar sozinho no local, mal podem imaginar que ao chegarem neste ambiente, encontram uma infinidade de entidades inferiores e espíritos de baixo padrão vibratório que se comprazem com as gotas de prazer deste encontro marcado pelo anonimato e pela insensatez.

Segundo Francisco Cândido Xavier, mais de cinquenta por cento dos irmãos desencarnados não tem consciência de que desencarnaram, são entidades que partiram para o mundo dos espíritos e ainda permanecem presos à matéria, sentindo os prazeres do sexo, das drogas e das bebidas, nesta situação se aproximam de irmãos incautos e passam a extrair destes indivíduos gotas destes prazeres, atuando como verdadeiros vampiros espirituais, mesmo não querendo fazer mal ao seu hospedeiro, acabam-lhe gerando fortes constrangimentos, desde os emocionais, até os físicos e os espirituais. Em épocas nem tão remotas, muitas pessoas foram internadas em hospitais psiquiátricos como loucos ou como desequilibrados devido a presença de entidades que viam neles um espaço de prazeres e satisfações materiais. O desconhecimento das questões espirituais sempre trouxe grandes distúrbios na sociedade, levando muitas pessoas a tratamentos dolorosos, muitos deles sendo vitimados por choques elétricos e dores das mais intensas, sendo confundidos e chamados de loucos eram na verdade, apenas irmãos desequilibrados, muitos deles perturbados pelas energias do sexo descontrolado.

Neste novo ambiente, a sociedade está tomando contato mais intimamente com a homossexualidade, neste momento estão reencarnando uma grande quantidade de pessoas com desequilíbrios na área da sexualidade, que reencarnam nesta condição como forma de se reequilibrar com as leis divinas, estes irmãos se encontram em um amplo e positivo processo de educação de suas sexualidades, devido à anos de desajustes e desequilíbrios que precisam ser revistos, só assim estes irmãos vão conseguir se preparar melhor para novas oportunidades na matéria.

O Espiritismo nos mostra que a homossexualidade não deve ser vista como algo negativo, muitas famílias enxotam filhos e membros do seio familiar devido a manifestações homossexuais ou bissexuais, maltratam e agridem estes indivíduos e muitas vezes os humilham, acreditando que tê-los na família deve ser visto como uma punição de Deus. Outros mais desequilibrados acabam matando seus familiares, se rendendo ao rancor e ao ressentimento que, muitas vezes, se encontra no âmago de seu ser e num momento de insanidade e desesperança.

Muitos casos de homossexualidade ou de bissexualidade estão vinculados a desequilíbrios em vidas anteriores, muitos irmãos mal barataram as questões sexuais, humilharam ou agrediram irmãos homossexuais e, nesta vida, passam por vivências que antes condenaram como forma de desenvolver a solidariedade, o respeito e a empatia, deixando de lado as críticas mais ácidas e os julgamentos, tão comuns em pessoas superficiais e hipócritas.

O desenvolvimento tecnológico abriu novos espaços para a manifestação do sexo e da sexualidade, as redes sociais expõem as agruras sexuais dos indivíduos, que perdem o pudor de se mostrarem em câmeras e aplicativos, alguns fazem destas exposições espaços de lucratividade e de rendimento, transformando o sexo em um negócio altamente lucrativo, faturando milhões e vivendo no lucro, no consumo irresponsável e na alienação intelectiva. As redes sociais, como nos foi dito por Umberto Eco deu voz aos idiotas, levando-os a uma exposição excessiva, onde fotos e vídeos circulam sem nenhum puder, buscando performance e rentabilidade, valores materiais e luxo, deixando de lado os verdadeiros valores da vida. Quando estes irmãos desencarnam e retornam ao mundo espiritual se frustram com suas opções superficiais e imediatistas, percebendo o quanto perderam tempo na vida, deixando uma oportunidade de crescimento passar e se deixar levar por prazeres que pouco contribuem para seu desenvolvimento espiritual e emocional.

Quando os jovens homossexuais ou bissexuais, nos anos 90, passaram a se ver na internet, nos canais de streaming e nas TVs por assinaturas, começaram a se comunicar e passaram a criar comunidades, que cresceram e ganharam adeptos, com isso, passaram a compreender que sua situação vivida por eles devia ser vista como algo natural, a homossexualidade e a bissexualidade se transformaram em um drama menor que poderia ser compartilhado com outras pessoas e, com isso, suas dificuldades poderiam ser reduzidas e deixadas para trás.

O amor e o sexo devem caminhar lado a lado, os valores ligados ao sexo e a sexualidade devem ser vistos como uma preservação do templo maior dos seres humanos, que tem em seus corpos um santuário que devem ser entregues quando os indivíduos retornarem ao mundo espiritual, a responsabilidade pelas nossas vestes materiais é de cada pessoa, intransponível, podemos usar da forma que acharmos conveniente, mas não devemos abusar deste uso, pois se assim o fizermos, seremos responsáveis pelo desgaste excessivo que impusermos ao nosso corpo material.

A visão que aprendemos nas letras espíritas não nos condenam por atitudes e comportamentos, somos livres para atuar e comandar nossos comportamentos, mas devemos ter em mente que assim como somos livres para decidir devemos ter consciência de que nossas escolhas e decisões tem importância e consequências, muitas delas imediatas que vão seguir conosco durante muitos anos.

No livro Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier e ditado pelo espírito André Luiz, somos levados a conhecer a vida de um médico que quando acorda no mundo espiritual recebe a informação que seu desencarne foi obra de um suicídio indireto, o facultativo não queria se suicidar, mas abusou de seu corpo material de uma forma muito insana, viveu muitos relacionamentos e prazeres, muitos deles ligados ao mundo da sexualidade, e naquele momento teve de prestar constas a sua consciência, esta sim implacável e avassaladora.

Com estas novas formas de sexualidade, a sociedade passou a se ver de forma mais escancarada, neste momento passou a denegrir os indivíduos que apresentavam algumas dificuldades nesta área, com isso, passou a reprimir e tentar matar estes sentimentos que os homossexuais cultivam intimamente, desta forma aumentou os desequilíbrios emocionais dos indivíduos e abriu espaços para que os irmãos desencarnados que apresentavam o mesmo padrão vibratório se aproximassem e passassem a vampirizar estes indivíduos viventes no mundo material.

Somos dotados de energias variadas e atraímos as mais variadas energias no cotidiano, o sexo é um grande gerador de energias, segundo os especialistas as energias do sexo perdem apenas para as energias da mente, seu potencial é imenso, quando bem treinadas e educadas elas podem nos conduzir a amplos espaços de crescimento, atraindo boas vibrações e irmãos desencarnados, agora, quando deixamos estas energias nos dominar e nos comandar, atraímos entidades de baixo teor vibratório que nos causam graves constrangimentos no cotidiano.

Aqueles que vivem da exploração do sexo, quando deixarem o mundo material terão que responder por muitos desajustes e desequilíbrios impingidos a outros seres humanos, sem tirar a responsabilidade individual de cada indivíduo, somos chamados para um encontro com nossa consciência, é neste momento que encontramos as maiores dores, as maiores frustrações e os mais intensos sentimentos de que perderam tempo importante que não voltam mais, neste momento temos que nos perdoar e seguir em frente nos instruindo e nos capacitando para que quando uma outra oportunidade aparecer nós não mais nos envergonhemos de nossas decisões e comportamentos equivocados.

Suicídio, Depressão e as dores da alma da sociedade contemporânea

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A sociedade mundial vem passando por grandes transformações nos últimos trinta anos, modelos anteriormente responsáveis por forte crescimento econômico, geração de emprego e melhora nas condições de vida da população estão sendo substituído por paradigmas caracterizados por crises econômicas constantes, desemprego, desesperanças generalizadas e sentimentos de medo e melancolia, levando os indivíduos a medidas extremas, assustadoras e que pioram a situação de forma acelerada.

Neste ambiente de grande conflagração, percebemos um crescimento das violências em todos os grupos sociais, as famílias vivem momentos de grandes dificuldades, as empresas se encontram marcadas por medos e preocupações com novas tecnologias e aumento de despensas de funcionários, os governos vivem instantes de inquietações devido a acordos internacionais e pressões sociais e políticas, o mundo do século XXI é realmente um mundo de grandes preocupações, medos e desesperanças.

Diante destas crises e incertezas, as pessoas estão cada vez mais propensas a desatinos, os suicídios estão crescendo de forma acelerada, a cada quarenta segundos uma pessoa se suicida no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), gerando graves constrangimentos em seu entorno, desequilibrando familiares e gerando um ambiente de desespero e inseguranças, muitos recorrem a estas medidas extremos acreditando que assim vão conseguir fugir de suas dores, acreditando que conseguirão resolver suas dificuldades, esquecem-se de que o suicídio é o maior crime que o ser humano comete contra si, abrindo mão de seu corpo físico e fugindo de uma oportunidade que recebe para evoluir e se desenvolver, tal como nos mostra a lei de Deus.

Como este problema afeta milhares de pessoas em toda a sociedade internacional, o mês de setembro foi escolhido para a prevenção do suicídio, este mês recebeu a designação de Setembro Amarelo, uma forma de conscientização da sociedade dos males causados por este gesto insano e altamente irresponsável, onde o desespero do ser humano e a total falta de equilíbrio o leva a tirar a sua própria vida e mergulhar em choros e desajustes generalizados.

A mobilização da sociedade pode ser o caminho encontrado pelas instituições para reduzir os suicídios, campanhas de conscientização estão ganhando força e encantando as comunidades, peças de teatro falando sobre a temática, aplicativos que vasculham as redes sociais em busca de pensamentos ou frases que possam estimular o suicídio e identificar pessoas depressivas ou comunidade de indivíduos que são mais propensos a este gesto insano, a tecnologia pode auxiliar no atendimento e na reflexão sobre este tema tão atual, assustador e responsável por dores, constrangimentos e perturbações.

A Doutrina Espírita nos traz grandes informações sobre a temática do suicídio, nos mostrando através de uma literatura imensamente rica e variada as dores que acometem os indivíduos num momento como este, mesmo compreendendo que o indivíduo que se suicida está envolto em grande desespero, nos mostra que, muitos destes irmãos, ainda estão sendo acompanhados por entidades infelizes que o estimulam ao ato extremo, são irmãos doentes da alma, cujos corações se veem cercados por negatividades e ressentimentos, atuando para levar estes indivíduos mais incautos e desequilibrados, antecipando encontros revestidos em mágoas, ressentimentos e rancores.

A Doutrina nos relata as aflições e as agruras que esperam todos que optam pelo suicídio, escolhendo um caminho escuro e sem luz, uma escolha terrível com graves consequências, levando o indivíduo, rapidamente, a perceber que suas escolhas foram equivocadas e a fuga encontrada foi muito mais uma ilusão passageira do que uma solução para as verdadeiras dificuldades que o levaram até este gesto insano e altamente degradante.

A obra de Yvonne do Amaral Pereira dialoga com as questões ligadas ao suicídio e nos mostra o acordar do suicida no mundo espiritual, suas lembranças corroendo seu coração e pairando fortemente sobre sua mente, suas dores físicas e principalmente os remorsos que se avolumam na alma, criando medos, ressentimentos e uma forte sensação de desampara e desesperança, sentimentos que corroem a alma e transborda para seus irmãos encarnados de uma forma bastante intensa e insana.

Na sociedade contemporânea, percebemos um incremento vertiginoso do suicídio, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada quarenta segundos uma pessoa se suicida no mundo, estes indivíduos para cometer estes gestos insanos devem estar em momentos de grande desespero, atentar contra a própria vida deve ser visto como uma atitude extrema que causa dores fortes e indescritíveis na alma e no coração das pessoas.

Além do suicídio, percebemos um crescimento acelerado da depressão e da ansiedade, somente esta primeira acomete mais de quatrocentas milhões de pessoas na comunidade internacional, gerando sentimentos degradantes e medos generalizados e obrigando as autoridades mundiais a repensarem muitas das políticas que se disseminaram pela sociedade nos últimos trinta anos, marcadas pela crescente competição entre pessoas, empresas e países e uma busca alienada por bens e recursos monetários que acaba transformando tudo em mercadorias comercializáveis nos mercados internacionais.

Os vazios dos indivíduos, a superficialidade das relações sociais, a competição selvagem e degradantes, as dificuldades de ascensão social, o poder do dinheiro e os medos com os rumos da sociedade, estão levando os indivíduos a caminhos perigosos. A busca pelo possuir, pelo ter e pelo comprar está escondendo da natureza dos relacionamentos o verdadeiro eu de cada indivíduo, as razões da existência e os sentidos da vida, culminando em seres cada vez mais imediatistas, materializados e altamente instáveis, se comportando igualmente ao sistema econômico dominante da sociedade internacional.

O modelo econômico dominante na sociedade internacional gera um incremento na instabilidade e nas incertezas nas pessoas, possibilitando graves desequilíbrios nos indivíduos, obrigando setores ligados a saúde a aumentarem os investimentos em pesquisas e em novas drogas, com isso percebemos que os dispêndios destes setores estão nos níveis mais elevados dos últimos anos, levando a criação de drogas e medicamentos que dopam os indivíduos e os tiram da realidade social, evitando uma maior reflexão sobre as causas desta insanidade coletiva que, ao mesmo tempo, que incrementa as descobertas científicas e tecnológicas, levam os indivíduos a acelerarem as dores da alma e os desajustes emocionais e psicológicos.

As fugas e os medos atemorizam os indivíduos, somados à convicção de que a vida é única e pessoal, levam cidadãos incautos a comportamentos imediatistas, deixando de lado a construção de relacionamentos mais sólidos e serenos, boicotando o meio ambiente, a preservação da vegetação e deixando de lado a ética e a moral, tudo isto ajuda a compreender como estamos desolados e, como seres humanos, perdidos em um mundo cujas estruturas estão em franca destruição e novas bases estão sendo construídas, cabendo a cada indivíduo uma busca pelo seu equilíbrio interior sob pena de perder a razão e se entregar para uma sociedade degradante e patologicamente afetada.

Na sociedade contemporânea os indivíduos estão cada vez mais vazios e cheios de pobreza espiritual, concentram-se em valores transitórios e confundem conceitos fundamentais, se entregam as facilidades materiais e deixam de lado os valores do espírito, da imortalidade da alma e da continuidade da vida. A Doutrina dos Espíritos nos traz uma outra forma de enxergar a realidade, desde a publicação de O Livro dos Espíritos (1857), uma nova realidade foi revelada para a sociedade mundial, enfraquecendo os valores materiais e deixando claro que a vida transcende a matéria, somos espíritos estagiando em corpos materiais, a verdadeira vida está no mundo dos espíritos, a matéria é transitória.

Vivemos um mundo de grandes transformações de todas as naturezas, todas as bases que sustentam esta nova sociedade estão em franca modificação, se compararmos com as sociedades anteriores centradas nas famílias, nas escolas e nos locais de trabalho, percebemos mudanças extraordinárias com impactos generalizados sobre todos os indivíduos. As famílias estão sendo alteradas, os modelos tradicionais estão dando espaço para novas configurações, transformando as noções de gêneros e de relacionamentos. As escolas que sempre foram vistas como o local do conhecimento e dos conteúdos intelectuais estão perdendo seu pedestal, na atualidade outras arenas estão surgindo e alterando os modelos escolares, como as redes sociais, as plataformas de palestras e aulas, como educação a distância, youtube, plataformas de streamings… dentre outros.

O mundo do trabalho em constante transformação está alterando rapidamente o emprego e as ocupações dos indivíduos, exigindo uma intensa qualificação, cursos e novas capacitações e, mesmo assim, não mais garantem que estes indivíduos consigam se posicionar no mercado de trabalho, gerando medos e ansiedades em todos os grupos sociais, dentre eles os jovens e os adolescentes que percebem nestas mudanças uma grande dificuldade de progresso, levando-os, muitas vezes a depressões, ansiedades e nos extremos suicídios como uma forma de fugir das pressões sociais e familiares que os oprimem intensamente.

Percebemos nesta sociedade um grande distanciamento dos membros da família, os familiares pouco conversam, com o aumento das atividades as pessoas estão cada vez mais concentradas em seus afazeres do cotidiano, os pais estão envoltos em trabalhos e estudos que deixam seus filhos para segundo plano, muitos acreditam que o mergulho nas atividades profissionais tende a garantir recursos para satisfazer as necessidades pessoais dos filhos, esquecendo que estão deixando de lado a construção de relacionamentos muito mais sólidos e consistentes, o estar presente no cotidiano dos filhos, o conversar e o acompanhar diário tende a servir como um grande elixir contra vários vícios contemporâneos, auxiliando na construção dos anticorpos necessários para afugentar as crianças e os adolescentes de drogas, violências e a criminalidade crescentes.

O papel dos pais é fundamental para construir famílias mais sólidas e relacionamentos mais consistentes, quando este ente se distancia dos filhos e os deixa em segundo plano, muitos desajustes passam a acompanhar estes adolescentes, transformando a família e contribuindo para que vícios e desequilíbrios destruam as relações, cabe aos país ou responsáveis a criação e a educação dos seus filhos e não mais deixá-los de lado e terceirizar seu papel e sua responsabilidade no cotidiano dos menores e, muitas vezes, indefesos.

O livro Memórias de um suicida, de Yvonne do Amaral Pereira, nos mostra que a fuga das dificuldades não se dá via suicídio, muitos daqueles que se enveredaram por este caminho tiveram que encarar as agruras desta decisão deplorável e insana, passaram uma longa temporada em regiões trevosas, conviveram com as mazelas humanas, as dores mais íntimas e a degradação dos seres humanos, tudo isto serve de alerta para que os indivíduos repilam imensamente este caminho, cujos males se apoderam da alma e causam graves constrangimentos ao coração.

Vivemos em uma sociedade doente, as dores da alma acometem todas as classes sociais, não diferenciando países, crenças e nacionalidades, gerando mágoas e ressentimentos intensos, a raiz destes desequilíbrios está na ausência de Deus e dos valores verdadeiros da solidariedade, do amor e da família, somos indivíduos em constantes transformações, a busca do conhecimento não deve se restringir aos conhecimentos materiais, sempre imediatistas e superficiais, temos que nos enveredar também pela busca dos valores do espírito, que estão inseridos no íntimo de cada ser humano e foram inscritos pelas variadas experiência que tivemos e dos sentimentos que cultivamos, este mergulho é essencial e inadiável e deve ser feito de forma individual, sem este mergulho viveremos em um mundo superficial e continuaremos a culpar os outros indivíduos pelas inconsistências que vivemos e nos atrelamos intimamente.

A sociedade mundial está percebendo que estas patologias estão gerando graves constrangimentos para toda a sociedade, com o incremento da depressão, da ansiedade e do suicídio, o ambiente se sobrecarrega de energias negativas e contaminadas de incertezas e desequilíbrios, estas energias estão acometendo as pessoas e levando as comunidades a degradações morais que nos impedem de entender e de compreender os verdadeiros valores da vida, perpetuando dores intensas e misérias morais e limitações espirituais.

O suicídio, a depressão e a ansiedade são patologias que crescem de forma acelerada na sociedade contemporânea e nos mostra intimamente que os verdadeiros valores da vida são mais simples e modestos do que os indivíduos querem acreditar, a consciência tranquila, o coração carregado de paz e de solidariedade e o trabalho no bem nos levam a construir valores morais e éticos sólidos que tende a nos levam para caminhos mais seguros e eficientes, a dois mil anos recebemos estas informações de forma serena e equilibrada e, mesmo depois destes anos, ainda insistimos em buscar a felicidade em riquezas materiais e passageiras, com isso, mergulhamos em depressão, ansiedade e enveredamos para o suicídio.

A empresa do tráfico de drogas e a proliferação da pobreza no norte e no nordeste. Entrevista especial com Roberto Reis Netto.

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 Por: Patricia Fachin | 06/09/2019

Os altos índices de violência nos estados do Norte e Nordeste podem ser explicados pelo fato de que essas regiões foram privadas de “políticas públicas de desenvolvimento regional”, diz Roberto Magno Reis Netto, especialista em segurança pública pela Universidade Federal do Pará. A falta de políticas públicas, acentua, “acabou desembocando em um verdadeiro apartheid social, que aos poucos foi integrando essas pessoas a outras economias menos formais e, dentre elas, as economias ilícitas, as economias do crime”.

Nos últimos anos, Reis Netto tem estudado a integração de presídios às redes territoriais do tráfico de drogas no Norte do país e, consequentemente, a atuação das facções na região e suas implicações sociais. Altamira, município que foi palco da construção da hidrelétrica de Belo Monte nos governos Lula e Dilma, é um exemplo “marcante” da violência no estado do Pará, onde as facções estão em expansão desde 2010. Cidades como essa, menciona, propiciaram o surgimento de uma massa de trabalhadores que, por estarem abandonados à própria sorte, encontraram no tráfico “uma grande possibilidade de inserção”.

Igualmente, o pesquisador também vem investigando a relação do tráfico de drogas com a proliferação da pobreza na região Norte. Segundo ele, “o tráfico se dá utilizando, e muito — é uma hipótese que estamos levantando —, a droga enquanto dinheiro-mercadoria, isto é, se negocia o transporte da droga com uma parcela da droga transportada. Por exemplo, se alguém transporta 100 quilos de droga e recebe por esse transporte 10 quilos de droga, e se essa pessoa comercializa a droga na sua região, o traficante está possibilitando um ganho de valor agregado muito maior do que poderia ser possibilitado em dinheiro, fora os problemas de câmbio que teria na região e os problemas de se tornar visível para os órgãos fiscais, que fragilizam o negócio. Quando um traficante paga o transporte da droga com uma pequena quantidade de droga, quem recebe o resíduo pode contratar pequenos varejistas, pulverizar essa droga por aí e conseguir um ganho de valor pelo seu refino e diminuição do seu grau de pureza, lucrando bastante na própria região. Com isso, o que está acontecendo? A pessoa está extraindo dinheiro da sua própria região para si mesmo, que pode ser disfarçado por uma série de mecanismos de lavagem de dinheiro e, sim, realocando a economia e o poder local. Se isso, no fim das contas, resulta em pobreza? Eu penso que toda a concentração de dinheiro nas mãos de alguém, na outra ponta vai ocasionar pobreza”, afirma.

Na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp à IHU On-Line, ele adverte ainda que “temos que olhar para o tráfico como uma empresa, temos que entender o fluxo de capitais dentro do tráfico de drogas como um verdadeiro fluxo de caixa. Enquanto ficarmos olhando o tráfico de drogas como crime demonizado feito por pessoas que não usam terno e gravata, estaremos agindo de forma mais do que completamente equivocada, inclusive quanto a se pensar sobre a legalização ou a não legalização [das drogas]”.

 Roberto Reis Netto é graduado em Direito e mestre em Segurança Pública pela Universidade Federal do Pará – UFPA, e doutorando em Geografia, na linha dinâmicas territoriais na Amazônia, com ênfase em geografia e segurança pública. Atualmente é professor do curso de graduação em Direito, na Escola Superior Madre Celeste – ESMAC, e instrutor no Instituto de Ensino de Segurança Pública do Pará – IESP.

IHU On-Line — Segundo o Atlas da Violência 2019, os estados do Norte e Nordeste estão entre os mais violentos do país. A que atribui esse quadro?

Roberto Reis Netto — O Norte e o Nordeste estão despontando em termos de violência por serem regiões historicamente esquecidas por uma série de políticas públicas de desenvolvimento regional. Não falo, por exemplo, das políticas de desenvolvimento da Zona Franca e de projetos; falo de políticas públicas voltadas ao atendimento dos setores básicos da população, como educaçãosaúde, integração de diversas áreas pauperizadas a outras, que realmente prestam serviços nas cidades. Então, isso acaba desembocando em um verdadeiro apartheid social, que aos poucos vai integrando essas pessoas a outras economias menos formais e, dentre elas, as economias ilícitas, as economias do crime. Principalmente quando falamos na rede de tráfico de drogas, em nível nacional, regional e local, estamos falando de uma rede que funciona à imagem e semelhança de uma verdadeira empresa, porque costuma agregar pessoas para diversas funções. As funções da ponta do varejo são ocupadas pelas parcelas mais esquecidas da população, justamente aquelas pessoas mais pobres, que acabam vendo na economia do tráfico uma possibilidade de conseguir o que o mercado formal não lhes dá.

IHU On-Line — O senhor já comentou em outras ocasiões que o crescimento econômico e populacional de Altamira, no Pará, estimulado pela construção da usina de Belo Monte, fomentou a atuação das gangues na cidade. Pode nos contar como aconteceu esse processo? Qual é o perfil dos membros dessas gangues?

Roberto Reis Netto — O caso de Altamira é justamente um exemplo marcante disso. Com o estabelecimento dos grandes projetos, não só nesse município, mas em vários outros, é muito fácil de observar um grande fluxo populacional que se estabelece nessas áreas, principalmente durante a fase de construção da hidrelétrica de Belo Monte. Essas mesmas pessoas que, obviamente, no início são aproveitadas e lastreadas pelas empresas dentro de empreendimentos e vilas, logo em seguida são abandonadas à própria sorte, dentro de uma economia que acaba se estabelecendo nas cidades. Essas pessoas que a princípio habitariam a vila de operários, logo em seguida começam a ocupar as zonas precárias das cidades ou os chamados aglomerados subnormais, isto é, as invasões que vão surgindo ao longo desse processo. De novo: áreas esquecidas pelo Estado, que vão propiciando o surgimento de uma massa de trabalhadores, que alguns chamam de massa de trabalhadores de reserva ou exército de reserva no mercado de trabalho, que é muito utilizada pelo tráfico de drogas, justamente por serem pessoas que estão lá, à própria sorte, querendo ingressar em uma economia ou em algo que lhes renda esses bens de consumo que a sociedade tanto promete. O tráfico chega com uma grande possibilidade de inserção.

As facções acabam batizando grupos locais (as gangues), como ocorre com o Comando Vermelho – CV. Observamos que são pessoas com um perfil predeterminado específico, que é o mesmo perfil das pessoas que estão encarceradas neste exato momento: na sua maioria, pretos e pardos, que compõem, pelo IBGE, a chamada raça negra; em segundo lugar, pessoas extremamente jovens, figurando entre os 18 e 29 anos; pessoas de baixa escolaridade, que só cursaram até o ensino fundamental; e, obviamente, pessoas oriundas de zonas pauperizadas da cidade, a maior parte também presa por crimes contra o patrimônio, como roubo e furto, e por tráfico de drogas. Em primeiro lugar, observamos os crimes contra o patrimônio, seguido do tráfico de drogas no estado do Pará. Essa tendência se repete em vários outros estados da federação.

IHU On-Line — É possível identificar a partir de que momento as facções passaram a atuar nas regiões Norte e Nordeste do país? Essas regiões têm alguma especificidade que faz com que as facções atuem ali?

Roberto Reis Netto — Não existe um lastro predeterminado. Dois delegados do estado do ParáDr. Fernando de Souza Rocha e Dr. Mac Dowell Fortes Silveira Cavalcanti Filho, estão pesquisando a história das facções no estado. Alguns pesquisadores relatam que a primeira aparição do Comando Vermelho na região teria se dado por meio de uma pessoa ainda na década de 1990, mas não há dados precisos a respeito disso. Com certeza, ao longo dos anos 2000 houve um estabelecimento dessas facções em nosso estado [Pará], as quais em seguida se consolidaram com mais força na década seguinte, quando houve a grande expansão das facções criminosas, principalmente no Pará. No Amazonas esse fenômeno é um pouco anterior, sobretudo por conta da importância que o Amazonas tem em relação aos países que são produtores de cocaína. Há também alguns relatos anteriores em relação, principalmente, ao Acre e, residualmente, ao Amapá. Mas no Pará, a principal inserção das facções foi no início dos anos 2000 e a grande expansão foi na década de 2010.

Quanto à especificidade, temos que considerar que o Norte e o Nordeste têm uma rota direta, com muitos rios, com um espaço aéreo de difícil fiscalização, com matas que permitem uma circulação à revelia dos órgãos fiscais do Estado em diversos sentidos. Então, esse território acaba sendo muito importante para o fluxo das drogas que vêm da região Andina, como PeruColômbia e Bolívia, embora hoje se fale também na Venezuela. Mas, notadamente, segundo o World Drug Report, esses países são os principais fornecedores de cocaína e dos produtos que dão origem à cocaína, como a pasta base.

Então, justamente pela possibilidade de escoamento do produto rumo à Europa via portos do Norte ou da chamada rota Caipira, principalmente no estado de São Paulo, o Brasil e o Norte e Nordeste adquirem uma importância muito forte nessa rede de escoamento internacional. Quanto menor a fiscalização, mais barato sai para transportar o produto à Europa, onde ele ganha um valor agregado muito maior.

IHU On-Line — A disputa entre as facções nos presídios se manifesta nas ruas do Pará? Ainda nesse sentido, como os jovens são afetados ou cooptados pelas facções?

Roberto Reis Netto — A disputa das facções é muito mais sensível dentro dos presídios. Inclusive, neste momento, estou em São Paulo defendendo um trabalho sobre isso, falando sobre uma cartografia biopolítica das facções criminosas. Até mesmo a forma como se dá a morte de uma pessoa dentro da cadeia, mostra a potencial presença de uma facção. Por exemplo: em 2018 despontou no estado do Pará o número de suicídios, que na verdade não são suicídios, são simulações de suicídios para evitar inquérito contra as pessoas que cometeram o verdadeiro homicídio dentro do cárcere.

Quanto às ruas, as facções costumam evitar o conflito: a primeira regra é evitar o conflito, porque isso chama a atenção da polícia, da imprensa e dos órgãos de segurança pública em geral, tornando visível a ação das facções, quando na verdade elas têm o interesse de que suas redes fiquem no anonimato, fiquem escondidas. Porém, é muito comum observarmos casos de pessoas que são mortas. Por exemplo, se uma pessoa é identificada como pertencendo a uma facção, a outra facção costuma rastreá-la e aplicar-lhe uma pena, que costumam chamar de “decreto”, condenando essa pessoa a uma morte cruel, muitas vezes filmada e disseminada pela internet como exemplo para os contrários.

IHU On-Line — Quais são as implicações sociais da existência do tráfico no Norte e no Nordeste? Ele contribui para a proliferação da pobreza nessas regiões?

Roberto Reis Netto — Neste momento, como uma parte muito importante da minha tese, estou defendendo algo que se vincula à ideia do que você perguntou: se o tráfico ajuda na proliferação da pobreza. Na verdade, o tráfico se dá utilizando, e muito — é uma hipótese que estamos levantando —, a droga enquanto dinheiro-mercadoria, isto é, se negocia o transporte da droga com uma parcela da droga transportada. Por exemplo, se alguém transporta 100 quilos de droga e recebe por esse transporte 10 quilos de droga, e se essa pessoa comercializa a droga na sua região, o traficante está possibilitando um ganho de valor agregado muito maior do que poderia ser possibilitado em dinheiro, fora os problemas de câmbio que teria na região e os problemas de se tornar visível para os órgãos fiscais, que fragilizam o negócio. Quando um traficante paga o transporte da droga com uma pequena quantidade de droga, quem recebe o resíduo pode contratar pequenos varejistas, pulverizar essa droga por aí e conseguir um ganho de valor pelo seu refino e diminuição do seu grau de pureza, lucrando bastante na própria região. Com isso, o que está acontecendo? A pessoa está extraindo dinheiro da sua própria região para si mesmo, que pode ser disfarçado por uma série de mecanismos de lavagem de dinheiro e, sim, realocando a economiae o poder local. Se isso, no fim das contas, resulta em pobreza? Eu penso que toda a concentração de dinheiro nas mãos de alguém, na outra ponta vai ocasionar pobreza.

IHU On-Line — A sua pesquisa de mestrado tratou sobre a integração de presídios às redes territoriais do tráfico de drogas. Quais são os principais resultados dessa pesquisa acerca da integração dos presídios às redes de tráfico?

Roberto Reis Netto — Quanto à minha pesquisa de mestrado, que está disponível na internet, foram identificadas seis estratégias das quais o tráfico de drogas, sejam os grandes traficantes, as facções ou os pequenos traficantes, costumam se valer para integrar as cadeias e as redes territoriais externas. A primeira delas é a busca por uma associação interna entre os presos de modo a aproximá-los e unir suas próprias redes, fortalecendo seus vínculos e seus poderes internos e, com isso, sua capacidade de gestão dos negócios. Em segundo lugar, eles buscam, por meio dessa associação interna, uma associação externa, ganhando mais espaço com as redes pelos contatos que têm fora da cadeia, como os parentes, advogados e facções aliadas. Em terceiro lugar, costumam cooptar agentes do sistema penitenciário — este é o tema de um artigo que vou publicar em breve, que é uma parte inédita da minha dissertação —, seja pelo dinheiro, que é a forma preponderante, seja pelo medo, que é um fator que nós encontramos no estado do Pará, seja, residualmente, por concordância ideológica, o que ninguém pode afirmar se existe no Brasil. É muito comum observar que as facções usam os agentes penitenciários pela facilidade de eles estarem nos dois mundos — interno e externo — como importantes trunfos de poder.

Em seguida, costumam estabelecer uma rede interna de tráfico de drogas, e a droga não vale só como um comércio dentro da cadeia; ela também é um trunfo de poder, porque quem controla a droga, controla a população carcerária e a massa de consumidores. Além disso, observamos que eles costumam usar meios de comunicação e essa é uma estratégia muito forte para conseguirem manter a informação com o mundo externo, que são inseridos pelas formas mais diversas dentro das cadeias, tal qual as drogas — hoje se fala até no uso de drones, por exemplo. E, finalmente, há um enfrentamento direto com o poder público, seja de forma velada, por greves brancas e de fome, seja por uma forma mais direta, por meio de fugas e rebeliões. No Pará, no ano de 2018, houve uma tentativa de fuga que resultou na morte de 22 pessoas, inclusive de civis que, infelizmente, passavam pela região no momento do ataque realizado por uma determinada facção. As facções ainda se utilizam de meios de contrainteligência, que são formas de neutralizar as ações dos órgãos de inteligência, evitando que eles levantem informações sobre as facções. Basicamente foram essas seis estratégias identificadas.

IHU On-Line — Sua pesquisa de doutorado é sobre as estratégias de intangibilidade territorial dos macroagentes do tráfico de drogas. Pode explicar em que consiste?

Roberto Reis Netto — Quanto à minha pesquisa de doutorado, ela vai tentar verificar os agentes que estão no nível acima daqueles visíveis. Aqueles que são apontados como violentos, estigmatizados, dessa vez não são os que me interessam, pois quero saber quem está acima deles, agregando a questão em nível regional e internacional. Como esses caras fazem para não serem vistos, notados ou identificados? Essa é a grande proposta da minha tese de doutorado, por isso que falo em uma intangibilidade territorial: eles não conseguem ser atingidos, embora, às vezes, até sejam vistos.

Quanto aos territórios em disputa, certamente podemos falar dos presídios de toda a região em que as facções se instalaram como fornecedores de drogas dentro das redes da Região Amazônica e a principal rede do Centro-Sul, que é a chamada Rota Caipira, que começa em Mato GrossoMato Grosso do Sul e se estende por São PauloRio de Janeiro e todas as áreas portuárias anexas a esses dois estados, além de outras que são mais residuais, mas também existem.

No Pará, especialmente nas regiões metropolitanas, há uma presença marcante das facções, principalmente nos centros urbanos agregadores de capital, que é para onde o dinheiro com certeza vai para ser lavado. Então, certamente podemos falar nessas regiões, além de outras cidades que representam “nós” dentro da rede, como, por exemplo, Altamira, que tem uma representatividade muito forte dentro do Primeiro Comando da Capital – PCC, que é vinculado ao Comando Classe A – CCA. Essa facção surgiu localmente associada ao PCC por meio de um jogo de transferência de internos, permitindo a cooptação de um deles há alguns anos, e ao Comando Vermelho, que é a principal facção hegemônica no estado.

IHU On-Line — Como surgiu a facção Comando Classe A – CCA?

Roberto Reis Netto — O surgimento da facção CCA ocorreu por meio das transferências de internos, que é algo que estudo no artigo que será publicado. As transferências de internos são apontadas como o principal meio de disseminação da ideologia das facções. Assim, a CCA surgiu dessa forma em Altamira, por meio de um preso que foi mandado para o regime federal e já voltou faccionado pelo PCC.

IHU On-Line — Quais são as relações do Comando Classe A com o PCC e o CV?

Roberto Reis Netto — As relações entre o PCC e o CCA seguem a lógica nacional em nosso estado: elas estão em conflito neste exato momento porque são as duas grandes transportadoras nacionais. Pela ilegalidade das funções, elas concorrem de maneira violenta, principalmente dentro dos presídios. O massacre de Altamira é um grande exemplo disso.

IHU On-Line – Também existem milícias atuando no Pará?

Roberto Reis Netto — Sim, existem milícias, mas suas características ainda são muito distantes das milícias cariocas que exploram o tráfico de drogas e uma rede de serviços ilegais, como abastecimento de gás e rede de TV a cabo ilegal dentro de determinadas áreas dominadas por esse poder paralelo. No Pará não é assim. No estado, as milícias estão associadas à figura do matador, aquele indivíduo que quer fazer justiça com as próprias mãos, eliminando o criminoso, mas ao mesmo tempo promete segurança para um determinado conjunto de comerciantes, os quais pagam esse indivíduo para se livrarem das más pessoas da região.

IHU On-Line — As facções que atuam nas regiões Norte e Nordeste têm relações com a classe política no âmbito municipal, estadual e federal?

Roberto Reis Netto — A literatura costuma apontar a existência da associação à classe política nos âmbitos municipal, estadual e federal. Mas, neste momento, no atual nível da minha pesquisa de mestrado, os entrevistados, até mesmo por serem pessoas ligadas ao Estado, não me apontaram a existência disso. Ouvi relatos de que no Amazonas teve todo um conjunto de relações acordadas politicamente para o estabelecimento de facções em determinadas cidades, mas é uma informação sensível e prefiro não entrar em detalhes. No entanto, na região metropolitana de Belém, no município de Ananindeua, tem um caso muito específico de um vereador que teria ligação com o tráfico, o qual chegou inclusive a ser preso cerca de um ano atrás numa megaoperação que ocorreu na região. Então, existe. É difícil dizer, mas onde corre muito dinheiro, certamente corre política.

IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?

Roberto Reis Netto — Gostaria de desmistificar algo que é muito importante dentro da minha tese: temos que olhar para o tráfico como uma empresa, temos que entender o fluxo de capitais dentro do tráfico de drogas como um verdadeiro fluxo de caixa. Enquanto ficarmos olhando o tráfico de drogas como crime demonizado feito por pessoas que não usam terno e gravata, estaremos agindo de forma mais do que completamente equivocada, inclusive quanto a se pensar sobre a legalização ou a não legalização [das drogas]. Neste momento, por exemplo, não me julgo a favor da legalização ou descriminalização das drogas; é preciso uma forte política educacional nesse sentido no país. Porém, temos que desmistificar uma coisa muito forte: o tráfico de drogas não é uma atitude criminosa por si; antes de mais nada, é uma atividade econômica que foi criminalizada e que dá muito dinheiro. E é sob essa ótica que temos que compreender o tráfico de drogas no país e no mundo.

IHU On-Line – O pacote anticrime proposto pelo ministro Moro dá conta de entender e investigar o fluxo de capitais do tráfico de drogas? Que avaliação faz do pacote?

Roberto Reis Netto – Eu concordo com o pacote do ministro Moro em muitos sentidos, porque esse endurecimento há tempos era necessário. Só que de outro lado, tem que ser feita uma crítica de que não adiante somente repetir os erros do passado, no sentido de que o tráfico de drogas tem que ser realmente enfrentado enquanto empresa e não enquanto uma atividade que é desempenhada supostamente em favelas, em aglomerados subnormais, em zonas de explosão. É necessário compreendermos que o tráfico é articulado num nível muito mais alto do que o nível desses locais precarizados. O tráfico, inclusive, se imbrica e envolve os níveis políticos do nosso Estado, e a corrupção é algo diretamente ligado a esse mesmo tráfico. Portanto, o pacote é muito interessante, traz medidas muito importantes, mas se ele não for bem aplicado e se não for feita a autocrítica que ele merece, ele é só mais uma medida de repressão e não vai combater a essência real do problema.

Nesse sentido, tem um ponto a se elogiar dentro do pacote do ministro Moro, que é o investimento em órgãos de atividade em inteligência. Só que todo órgão de atividade em inteligência exerce uma função cuja atuação final depende do gestor. Então, os órgãos de inteligência vinculados à Presidência da República dependem de uma decisão final do presidente. É ele quem vai dar eventual basta no tráfico de drogas. Os governos dos estados, a mesma coisa. As superintendências da Polícia Federal, a mesma coisa. Enfim, ainda se depende muito de uma atuação política realmente comprometida com os propósitos da segurança pública. É isso que estamos aguardando. O pacote pode geralmente criar isso. Está dando poderes para que isso aconteça, mas, no fim das contas, repito, depende de uma atuação concreta, coerente e politicamente vinculada com a Constituição da República por parte dos órgãos com poder decisório final.